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Ela não tinha ideia da força do desejo. Sua primeira experiência a atingiria como a onda da maré. Seria fácil seduzi-la. Um beijo, uma carícia. Ela estaria totalmente despreparada para o fogo, mas seria uma ótima aluna. Era o que ele percebia ao vê-la tremer, enquanto ele lhe colocava o anel de brilhante no dedo, e corar, enquanto colocava a aliança no seu. Só precisaria beijá-la, acariciá-la, e ela se perderia num redemoinho de prazer contra o qual não saberia como se defender. Cairia em suas mãos como um fruto maduro. Mas ele não deveria. Não podia.


Querida leitora, A irmã mais velha de Josie sempre a livrou de enrascadas. Mas agora a caçula foi longe demais, e envolveu sua protetora em um jogo perigoso. É hora de inverter os papéis! Para salvar a irmã, Josie recorre ao perigoso Kasimir Xendzov, que concorda em ajudá-la desde que ela se case com ele. Kasimir também tem um irmão, de quem quer se vingar há anos, e Josie lhe dará a oportunidade perfeita. Ele só não contava que a inocência dela pudesse derreter seu coração de gelo… Boa leitura! Equipe Editorial Harlequin Books


Jennie Lucas

CORAÇÃO INOCENTE

Tradução Maria Vianna

2013


CAPÍTULO UM

DOIS DIAS depois do Natal, à luz avermelhada da aurora em Honolulu, Josie Dalton estava numa calçada deserta, diante de um arranha-céu do outro lado da rua, olhando para a cobertura onde ele morava. Não poderia fazer isso. Casar com ele? Impossível. Mas precisava. Não estou com medo. Ela ajeitou a velha mochila no ombro. Casaria até com o diabo para salvar minha irmã. Mas nunca imaginara que seria necessário. Pensara que a polícia fosse ajudá-la, mas, tanto em Seattle quanto em Honolulu, tinham rido dela. – A sua irmã apostou a virgindade num jogo de pôquer? – perguntara um policial, admirado. – Foi um jogo entre namorados? – O ex-namorado milionário da sua irmã a ganhou num jogo? – debochara o outro. – Tenho crimes de verdade para resolver, srta. Dalton. Dê o fora, antes que eu resolva prendê-la por jogo ilegal. Josie estremeceu com o frio úmido do amanhecer. Ninguém ajudaria Bree, a não ser ela. Por sua culpa, Bree se metera naquela encrenca. Se não tivesse aceitado o convite do patrão para jogar, sua irmã não teria precisado intervir para salvá-la. Aos 6 anos, Bree já era uma exímia jogadora de pôquer e, na adolescência, se tornara especialista em trapaças, mas, depois de dez anos afastada daquela vida e trabalhando honestamente como camareira, cara enferrujada. Só isso explicaria o fato de que ela tivesse perdido tudo para o odiado ex-namorado, com uma simples cartada. Vladimir Xendzov separara as duas, mandando Josie de volta para o continente em seu jato particular, e ela gastara o último salário para voltar ao Havaí e tentar salvar Bree. Durante as 44 horas que haviam se passado desde o malfadado jogo, a única coisa que sustentara Josie fora saber que, se tudo mais falhasse, ela teria uma saída garantida, mas, agora que recorria a ela sentia-se como se estivesse se jogando sobre o fio da espada. Josie olhou para as janelas da cobertura, que refletiam o vermelho da aurora. Assumiria sua responsabilidade. Fizera com que a irmã perdesse a liberdade e iria salvá-la, vendendose para o maior inimigo de Vladimir Xendzov: seu irmão mais novo. O inimigo do meu inimigo é meu amigo, Josie pensou. Considerando que os irmãos Xendzov haviam tentado se destruir mutuamente durante os últimos dez anos, Kasimir Xendzov deveria ser seu melhor amigo. Certo? Josie sentiu um nó na garganta. Eu casaria até com o diabo... Ela atravessou a rua, sentindo as pernas bambas. Levou um susto com a buzina de um ônibus que passava.


Agora, não havia volta. – Posso ajudá-la? – perguntou o porteiro, observando seu rabo de cavalo despencado, a camiseta amassada, as sandálias baratas. Josie mordeu o lábio. – Eu vou me casar com um dos moradores: Kasimir Xendzov. O porteiro ficou indignado. – Está se referindo a Sua Alteza, o príncipe? Saia daqui, antes que eu chame a polícia! – Por favor, ligue para ele. Diga que Josie Dalton está aqui e que mudou de ideia. Diga que a minha resposta é sim. – Chamá-lo? Claro que não. – O homem torceu o nariz. – Você está delirando se acha que pode entrar aqui... A presença de Sua Alteza é segredo. Ele está de férias... Josie revirou o conteúdo da mochila e por fim achou o cartão de visitas. – Está vendo? Ele me deu isso há três dias quando me pediu em casamento, em um restaurante selfservice perto de Waikiki. – Restaurante self-service... Como se o príncipe fosse... – Ele pegou o cartão, viu o selo real e virou-o. No verso, estava escrito: “Caso você mude de ideia.” – Mas você não é do tipo que ele... – o porteiro falou, admirado. – Eu sei. – Josie suspirou. Nove quilos acima do peso, malvestida, amassada, ela não deveria ser o ideal de ninguém. Felizmente, Kasimir queria se casar com ela por outros motivos, e não por amor ou atração. – Por favor, ligue para ele. O porteiro pegou o interfone e ligou. Minutos depois, voltou-se para ela com um ar mais que surpreso. – O segurança disse para você subir. – Ele indicou o elevador. – Trigésimo nono andar... E... felicitações, senhorita. Josie ajeitou a mochila e entrou no elevador, sentindo-se atordoada. Quando a porta abriu no trigésimo nono andar, ela saiu, hesitante. – Seja bem-vinda, srta. Dalton. – Dois enormes seguranças esperavam por ela e a revistaram. – O que estão procurando? – Ela riu, sem graça. – Acham que eu traria uma granada para aceitar uma proposta de casamento? – Os guardas lhe devolveram a mochila e a convidaram para entrar. – Obrigada. Ele está aqui? – Sua Alteza está à sua espera – disse um dos seguranças. – Ótimo... – Ela se voltou para eles. – Ele é um homem bom, não é? Bom patrão? Ele é con ável? – perguntou ela, ansiosa. Os dois olharam para ela, mas nada disseram. Josie cou irritada. Tudo bem. Não precisava de referências. Seguiria a própria intuição. Ouviria seu coração... Ou seja: iria se meter em confusão. Havia um motivo para seu pai lhe ter deixado terras no Alaska, em condições especi cadas no testamento: só iria recebê-las aos 25 anos – dentro de três anos – ou quando se casasse. Ou seja: Black Jack Dalton sabia que a lha era ingênua e con ante e que precisaria de toda ajuda que estivesse a seu alcance. Dizer que ela era ingênua seria pouco... Mas, havia apenas dois dias, Bree lhe dissera que essa era uma qualidade. Bree. Imaginava o que ela estaria passando naquele momento, como prisioneira do milionário irmão de Kasimir Xendzov. Josie fechou os olhos, respirou profundamente e abriu a porta. O luxuoso saguão estava vazio. Ela


entrou e apreciou o lindo piso de mármore e o magní co candelabro que iluminava a escada. A cobertura era como uma mansão no céu, ela pensou admirada, cruzando o saguão e entrando na sala. Abriu a boca ao ver a vista através das janelas de vidro, que iam do chão ao teto: as luzes ainda acesas da cidade e, mais além, o colorido avermelhado do sol que se elevava sobre o Pacífico. – Então... Você mudou de ideia. A voz macia e grave soou atrás dela. Josie se voltou lentamente. Kasimir Xendzov era mais bonito do que ela recordava. Com mais de 1,90 metro, ombros largos e corpo musculoso, seus olhos azuis contrastavam com a pele bronzeada e com os cabelos escuros. A roupa bem-feita e os sapatos de couro bem-engraxados alardeavam dinheiro enquanto a frieza do olhar e o queixo firme alardeavam poder. Mesmo sem querer, ela cou impressionada. Josie não tinha problemas para falar com ninguém, mas Kasimir deixava-a muda: nenhum homem bonito como ele já lhe dera alguma atenção. – Da última vez em que nos vimos, você disse que nunca se casaria comigo – falou Kasimir, olhando-a de cima a baixo. – Por nenhum preço. – Talvez eu tenha sido precipitada – Josie corou. – Você jogou a bebida na minha cara. – Foi um acidente! – protestou ela. – Você saiu correndo do restaurante – insistiu ele. – Você me pegou de surpresa! Três dias antes, na noite de Natal, Kasimir lhe telefonara, no hotel Hale Ka’nani, onde ela e Bree trabalhavam como camareiras. – Minha irmã disse que eu não devo falar com você – dissera ela quando ele se identi cara. – Vou desligar. – Você vai perder a melhor oferta da sua vida – ele respondera gentilmente, pedindo que ela fosse encontrá-lo num humilde restaurante, perto de Waikiki Beach. Apesar de proibido, ou justamente por isso, ela cara intrigada com a proposta misteriosa e concordara. E cara totalmente chocada quando ele lhe propusera casamento. – Você fugiu de mim – disse Kasimir, aproximando-se – como se fugisse do diabo. – Porque pensei que você fosse o diabo – sussurrou Josie. Kasimir ficou surpreso. – É assim que você diz que vai se casar comigo? – Você não entende... Você... Josie não conseguia falar. Como dizer que, apesar de ele e o irmão terem arruinado a vida dela e de Bree, havia dez anos, ela cara eletrizada com o brilho dos olhos azuis de Kasimir quando ele lhe propusera casamento? Como explicar que, apesar de saber que ele queria apenas se apossar de suas terras, ela passara anos esperando por um homem que a notasse e que cara tentada a dizer “sim”, traindo todos os seus ideais a respeito de amor e de casamento? Como poderia explicar tamanha estupidez e ingenuidade? – Por que mudou de ideia? – perguntou ele. – Precisa de dinheiro? Elas precisavam reembolsar homens perigosos, que as perseguiam há anos, cobrando dívidas de seu falecido pai, mas Josie sacudiu a cabeça. – Então, o que a atrai é o título de princesa? – Está brincando? – perguntou ela, espantada.


– Muitas mulheres sonham com ele. – Não eu. Além disso, Bree me disse que o título não tem valor. Você é neto de um príncipe russo, mas não tem terras... – Já tivemos milhares de hectares de terras na Rússia – interrompeu ele friamente. – E fomos proprietários das terras no Alaska por quase cem anos, desde que minha bisavó fugiu da Sibéria. Por direito, elas são nossas. – Desculpe, mas seu irmão as vendeu legalmente ao meu pai! – Contra minha vontade. Sem meu conhecimento. Josie recuou. Milionário por virtude própria, Kasimir era conhecido como um playboy sem coração, cujo único interesse, além de namorar modelos e aumentar a própria fortuna, era destruir o irmão que o expulsara da empresa quando esta estava na iminência de lhe render milhões de dólares. – Você está com medo de mim? – perguntou ele subitamente. – Não – mentiu ela. – Por que estaria? – Dizem que sou implacável, meio louco, que fiquei assim por causa da minha sede de vingança. Josie sentiu a boca seca. – Não é verdade... Ou é? Ele deu uma risada ameaçadora. – Se fosse, eu não iria admitir. – Ele se voltou e deu um passo, mas parou e olhou para ela. – Você mudou de ideia, mas já lhe ocorreu que posso ter desistido de me casar com você? Josie prendeu a respiração. – Você não faria isso! – Sua rejeição me pareceu definitiva... Josie cou apavorada. Gastara o último tostão para ir até ali. Sem a ajuda de Kasimir, Bree estaria perdida: seria propriedade de Vladimir Xendzov para sempre. Ela sentiu os olhos se encherem de lágrimas e agarrou-o pelo braço. – Não... Por favor! Você disse que faria tudo para recuperar as terras. Disse que jurara a seu pai não vendê-las em seu leito de morte... – Ele a encarou, e ela corou e o soltou. – Preciso saber: você ainda quer se casar comigo? – Preciso saber seus motivos – falou ele, impassível. – Se não é por dinheiro, nem pelo título... Josie deu uma gargalhada. – Como se eu fosse casar por causa de um título inútil! Ele ergueu a sobrancelha. – Ele não é inútil. É uma vantagem. Você ficaria pasma ao ver quanta gente se impressiona com ele. – Ou seja, você o usa como instrumento de marketing em seus negócios. – Você entendeu – falou ele, divertido. – Espero que não seja preciso lhe fazer uma reverência. – Não quero que você faça reverências. Só quero que se case comigo. Hoje. Agora mesmo. O coração de Josie quase parou. – Então, você ainda quer se casar comigo? Ele deu um sorriso que lhe provocou rugas em volta dos olhos. – Claro. É o que eu queria.


Quando Kasimir olhava para ela daquele jeito, era difícil lembrar que ele só queria recuperar as terras da família. Ela sentia o coração acelerar, sentia-se importante, desejada. Josie tentou se convencer de que nada sentia, de que não ficava excitada e com falta de ar. Kasimir tocou-lhe o rosto. – Diga: o que a fez mudar de ideia? Josie estremeceu ao sentir o toque sensual de seus dedos sobre a pele. Nenhum homem a tocara de modo tão íntimo. Ele tinha os dedos ásperos de um trabalhador, mas seu toque era leve como o de um poeta. Mas Kasimir Xendzov nada tinha de poeta. Ele era um lutador. Um guerreiro. Poderia esmagá-la com uma das mãos. – Minha irmã... – Bree a fez mudar de ideia? É difícil de acreditar. – Seu irmão a sequestrou. Quero que você a salve. – Ela esperava que ele se mostrasse chocado, furioso, alguma coisa, mas ele nada demonstrou. – Vladimir a sequestrou? Ela mordeu o lábio, desanimada. – Bem, tecnicamente, pode-se dizer que ela se ofereceu como aposta num jogo. E perdeu. Kasimir fez um gesto de desdém. – Foi um jogo de namorados. De outra maneira, nenhuma mulher teria se arriscado. – Ele franziu os olhos. – Meu irmão sempre teve uma queda por ela. Depois de dez anos de separação, os dois devem estar delirantemente felizes por terem feito as pazes. – Está brincando? – exclamou Josie. – Bree o odeia! Ele a forçou a ir com ele! – Kasimir pareceu car satisfeito, e Josie cobriu os olhos. – A culpa foi toda minha. Na noite seguinte à sua proposta, meu patrão me convidou para jogar pôquer, e eu esperava ganhar o su ciente para pagar as dívidas de meu pai. Depois que Bree dormiu, eu saí escondida, porque, além de ter me proibido de jogar, ela não con ava no sr. Hudson. – Por quê? – Ele nos contratou em Seattle, sem nos conhecer, pagando apenas nossa passagem de vinda para o Havaí. Na época, estávamos muito desesperadas para nos importarmos, mas... – Josie suspirou. – Bree tinha razão. Havia algo de estranho nisso tudo, mas eu não quis escutar... – Ela olhou para ele, com os olhos cheios de lágrimas. – Por minha causa, Bree perdeu tudo em uma única cartada. – E você acha que eu posso salvá-la. – Sei que pode. Você é o único que tem poder su ciente para enfrentar Vladimir, o único disposto a combatê-lo, por causa do seu ódio. – Ela respirou fundo. – Por favor. Você pode car com minhas terras. Eu não me importo. Mas, se você não salvar Bree, não sei como vou viver comigo mesma. Kasimir olhou-a por um longo tempo e, depois, tirou-lhe a mochila do ombro. – Deixe-me pegar isso. – Não precisa... – Você está cambaleando – falou ele gentilmente. – Parece que não dorme há dias. Não admira, voando para Seattle e de volta para cá... Sem o peso da mochila, Josie se sentiu tonta.


– Eu lhe contei que fui para Seattle? Ele ficou tenso e, depois, relaxou. – Claro que contou. Como eu iria saber? Realmente, como? Depois de duas noites sem dormir, ela estava confusa. – Estou um pouco cansada – confessou ela. – E com sede. – Venha. Vou lhe dar algo para beber. – Por que está sendo tão gentil comigo? – ela disse, sem se mexer. – E por que eu não seria? – Sempre achei que, quanto mais bonito o homem, mais idiota. E você é muito... muito... – Os olhares dos dois se cruzaram, ela corou e gaguejou. – Esqueça. Kasimir sorriu. – Seja o que for que sua irmã lhe disse, não sou o diabo. Mas estou esquecendo as boas maneiras. Vamos pegar algo para você beber. Ele se encaminhou para o saguão, carregando a mochila. Josie cou parada, apreciando o formato de suas costas musculosas e de seu traseiro. De repente, ela sacudiu a cabeça, irritada. Por que sempre dizia o que lhe vinha à cabeça? Por que não era educada e contida como Bree? Por que sempre era boba, o tipo de garota que conversava sobre qualquer assunto, com qualquer estranho, e ainda lhe dava o dinheiro de sua passagem de ônibus? Desta vez a culpa não fora sua, ela pensou, indo atrás dele. Ele era muito bonito. Nenhuma mulher conseguiria pensar racionalmente sob o olhar penetrante daqueles olhos azuis! Kasimir levou-a até uma sala de teto alto, cercada de livros e com uma janela de parede inteira, de onde se via a cidade. Ele jogou a mochila sobre a mesa e foi até um bar. – O que vai beber? – Água pura, por favor – disse ela em voz fraca. – Tenho água mineral com gás e posso mandar fazer café... – Só água com gelo, por gentileza. – Ele lhe entregou o copo. – Obrigada. – Ela bebeu avidamente enquanto ele a observava. – Você é uma garota incomum, Josie Dalton. Incomum não parecia ser grande coisa. – Sou? – É reconfortante estar com uma mulher que não tenta me impressionar. – Tentar impressioná-lo seria perda de tempo. Um homem como você jamais iria se interessar por alguém como eu. Não de verdade. – Você está se subestimando – falou ele gentilmente, e Josie voltou a sentir o coração se aquecer. – Você está sendo gentil, mas de nada adiantaria ngir ser algo que eu não sou. – Ela suspirou. – Ainda que às vezes eu desejasse ser. – Incomum. E sincera. – Kasimir foi até o bar e se serviu de uma dose de bebida. Voltou para perto dela e bebeu um gole. – Tudo bem. Vou trazer sua irmã de volta. – Vai? – Se havia algo estranho na voz dele, Josie estava fraca demais para perceber. – Quando? – Depois que nos casarmos. Nosso casamento irá durar até que a propriedade no Alaska seja transferida para meu nome. – Ele olhou-a nos olhos. – Trarei sua irmã de volta e as deixarei livres. É isso


que você quer? – É! – exclamou ela. Ele pousou o copo na mesa e estendeu a mão para Josie. – Combinado. Ela estendeu a mão lentamente. Sentiu o calor da mão dele quando seus dedos se entrelaçaram. Estremeceu, engoliu em seco e olhou para ele: e foi como olhar diretamente para o sol. – Espero que se casar comigo não seja difícil para você. – Como você será a única esposa que terei, acho que vou gostar muito de você – disse ele amavelmente, apertando a mão dela. – A única esposa? – Ela franziu a testa. – Isso me parece um tanto pessimista. Quer dizer... Tenho certeza de que, algum dia, você vai conhecer alguém... Kasimir deu uma risada. – Josie, minha garota inocente, você é a resposta a todas as minhas preces. O PRÍNCIPE Kasimir não iniciara seu feudo havia dez anos, com o irmão. Desde criança, ele idolatrava Vladimir. Sentia orgulho da família, da casa. Seu bisavô fora um dos últimos grandes príncipes da Rússia e morrera lutando pelo Exército Branco, na Sibéria, depois de ter mandado a esposa e o lho para o exílio, no Alaska. Durante quatro gerações, os Xendzov tinham vivido na pobreza, em uma fazenda distante da civilização que, para Kasimir, fora um reino encantado. Mas seu irmão odiava o isolamento e a incerteza de viverem à custa de plantar seus próprios alimentos e estocá-los para o inverno, e de caçar coelhos. Odiava a falta de eletricidade, o fornecimento de água, que dependia do poço. Enquanto Kasimir brincava, combatendo as árvores com espadas de gravetos, Vladimir enterrara o nariz em livros a respeito de empreendimentos, e esperava ansioso pelas visitas que faziam duas vezes por ano a Fairbanks. – Um dia terei uma vida melhor – jurava ele, raspando o gelo que se formava por dentro da janela do quarto ocupado pelos dois. – Vou comprar roupas, em vez de costurá-las. Vou dirigir uma Ferrari, voar pelo mundo e comer nos melhores restaurantes. Kasimir, dois anos mais jovem, ouvia, impressionado. – É mesmo, Volodya? Mas, apesar de adorar o irmão, ele não entendia sua insatisfação. Kasimir amava o lugar onde moravam. Gostava de ir caçar com o pai, de ouvi-lo ler em russo ao pé do fogo. Gostava de sentir o peso do machado ao cortar lenha e de ver a pilha de madeira encostada na parede da cabana. Para ele, a floresta selvagem do Alaska não significava isolamento, mas liberdade. Lar, família, lealdade: eram os valores mais importantes para Kasimir. Depois que o pai morrera inesperadamente, Vladimir soubera que fora aceito na melhor faculdade de Mineralogia de São Petersburgo, na Rússia. Como não tinham com que pagar as mensalidades, Vladimir fora trabalhar em uma mina, para juntar dinheiro. Dois anos depois, apesar de não esperar que tivessem condições para deixar o Alaska tão cedo, Kasimir se candidatara para a mesma faculdade. E se surpreendera quando, de repente, o dinheiro aparecera. Só mais tarde, ele descobrira que Vladimir convencera a mãe a vender o último bem precioso da família: um colar antigo, com centenas de anos, que pertencera à bisavó. Kasimir se sentira traído, mas tentara perdoar o irmão, raciocinando que este vendera o colar pelo bem de ambos.


Quando se formaram, Kasimir quisera voltar para o Alaska, para cuidar da mãe que estava doente. Vladimir o convencera de que deveriam iniciar um negócio no ramo de mineração, alegando que seria a única maneira de sempre terem dinheiro para cuidar dela. E, quando o banco se recusara a lhes emprestar uma quantia su ciente, Vladimir convencera a mãe a vender os 258 hectares de terra que pertenciam à família havia quatro gerações – desde que a princesa Xenia Petrovna Xendzov chegara ao Alaska, como exilada, trazendo o filho nos braços. Kasimir cara furioso. Pela primeira vez, gritara com o irmão. Como Vladimir tivera coragem de fazer aquilo, pelas costas, sabendo que ele jurara ao pai que nunca venderia a fazenda? – Não seja egoísta – dissera Vladimir friamente. – Você acha que mamãe conseguiria cuidar de tudo sozinha? E uma parte do dinheiro pagara o hospital onde sua mãe passara seus últimos dias, em Fairbanks. O coração de Kasimir ainda se contorcia quando ele se lembrava. Tinham perdido a casa porque Vladimir quisera obter os mais promissores contratos de direito de mineração. O que importava mais? A honra do irmão mais moço, a casa da mãe ou sua necessidade de abrir um negócio com um bom fluxo de caixa e os melhores equipamentos? – Não se preocupe – dissera Vladimir. – Assim que ficarmos ricos, você poderá comprá-la de volta. Kasimir endureceu o queixo. Deveria ter cortado todos os laços com o irmão naquele momento. Mas, depois que a mãe morrera, ele se ligara ainda mais a Vladimir. Durante um ano, tinham batalhado para firmar a sociedade, trabalhando 18 horas por dia. Kasimir tivera certeza de que logo teriam dinheiro para recuperar a casa. Não sabia que Black Jack Dalton a deixara em testamento para uma de suas lhas, de acordo com certas condições. Como não sabia que, como recompensa por seu trabalho, lealdade e honestidade, Vladimir o cortaria da sociedade e o despojaria de sua parte de meio bilhão de dólares. Ainda agora, apesar de ter formado sua própria empresa, que também valia um bilhão de dólares, ele cava furioso ao recordar que seu adorado irmão o apunhalara pelas costas. Mesmo que recuperasse as terras, Kasimir sabia que nunca mais se sentiria em casa, porque jamais voltaria a ser o garoto con ante e ingênuo que já fora. Não. Kasimir não iniciara o feudo com seu irmão, mas acabaria com ele. – Eu sou a resposta a suas preces? – perguntou ela docemente. – Como assim? Kasimir olhou para Josie Dalton. Seus grandes olhos castanhos eram luminosos e emoldurados por longas pestanas, mas ela estava com olheiras. A pele lisa, cremosa e clara estava empoeirada. Seus lábios rosados e volumosos estavam machucados, como se ela os tivesse mordido de preocupação. Seus cabelos castanhos, que ele podia imaginar soltos sobre os ombros, estavam presos num rabo de cavalo malfeito. Josie Dalton não era uma beldade, mas era atraente: muito jovem, inocente e cheia de curvas. Kasimir não queria pensar nisso. – Há muito tempo quero nossas terras de volta – falou ele com a voz rouca. – Vou fazer os preparativos para nosso casamento imediatamente. – Que tipo de preparativos? – Ela arregalou os olhos e mordeu o lábio. – Você não está se referindo a... uma lua de mel? Ele a olhou severamente, ela corou, e isso lhe pareceu muito atraente e fora de moda. – Não. Eu não me referia à lua de mel.


– Ótimo. – Ela corou ainda mais. – Fico contente. Quer dizer, sei que o casamento será apenas no papel. Só assim eu concordaria... Josie se calou. Ele reparou que ela olhava para seus lábios, e riu, pensando que ela era muito ingênua e inocente. Doce, bonita, virginal. Seria fácil seduzi-la. Felizmente, ela não era seu tipo de mulher. Ele gostava de mulheres esguias e so sticadas. Mulheres exóticas, insinuantes, sedutoras, provocantes, que falassem pouco e nunca dissessem o que pensavam, que o levassem rapidamente para a cama e fossem fáceis de esquecer. Josie Dalton, pelo contrário, dizia tudo que pensava. E, se não dissesse, o seu rosto falava por ela. Não usava maquiagem; considerava seu cabelo mais um aborrecimento que uma vantagem. Pelo jeito como estava vestida, não se interessava por moda ou em melhorar a própria imagem. Kasimir estava feliz por ela não tentar conquistá-lo, porque não pretendia seduzi-la. Não pretendia complicar o que não precisava ser complicado, nem magoá-la mais que o necessário. Não. Ele trataria Josie Dalton como um tesouro. – Então... A que você se referia? – Os olhos dela brilharam. – Talvez... Um bolo de casamento? Desta vez, Kasimir riu abertamente. – Você quer um bolo? – Adoro bolos de casamento com rosas de glacê... – disse ela, esperançosa. – Seu desejo é uma ordem, minha dama. Ela suspirou tristemente. – É melhor não. – Não me diga que está de dieta. – Eu pareço me preocupar com o peso? – perguntou ela, corando. – Desculpe. Estou meio rabugenta. A comida do avião acabou antes de chegarem à minha poltrona. Eu não como há 12 horas. Poderia ter comido no aeroporto, mas só tinha 3 dólares e achei que seria melhor guardá-los. Kasimir já se voltara e apertara um botão no interfone. – Mande-me um café da manhã completo. Depressa. – Ele se voltou para Josie. – Há algo de especial que deseje comer, srta. Dalton? Ela ficou de boca aberta. – Mande tudo que tiver. – Kasimir se aproximou, pegou-a pela mão, levou-a até o sofá e sentou-se ao lado dela. Josie olhava para ele admirada, como se ele tivesse feito algo extraordinário. – Você estava dizendo por que não quer um bolo... – Ah, sim. – Ela soltou a mão e se endireitou no sofá. – Isso é apenas um acordo comercial, portanto, um bolo de casamento não faria sentido. Nem um vestido de noiva. Acho que o melhor para nós dois seria... – Ela olhou para ele de esguelha. – Fazer um casamento estritamente profissional. – Como quiser – disse ele. – Você é a noiva. É você quem manda. Ela engoliu em seco e olhou para ele, nervosa. – Eu? Kasimir sorriu. – Isso é o que eu sei a respeito de casamentos. – Ah. – Josie mordeu o lábio. – Você está sendo muito gentil comigo – gaguejou ela. – Pare de dizer isso.


– Mas é verdade. – Estou apenas sendo profissional. A gentileza faz parte do negócio. – Ah. – Ela ficou pensativa. – Nesse caso... – Fico feliz por você concordar. – Ela o acharia gentil se soubesse o que ele pretendia fazer e por que a considerava uma resposta a suas preces? Uma hora antes, ele falara com o vice-presidente de sua empresa, que sugerira uma maneira de sabotar o contrato de fusão que Vladimir pretendia fazer com a Artic Oil. Estivera ocupado demais para avaliar como seu último plano para atrapalhar o irmão explodira em sua cara. Kasimir sempre desprezara Bree Dalton, a golpista a quem ele culpava pela primeira briga séria entre ele e seu irmão, havia dez anos. Durante aqueles anos, observara-a a distância, esperando que ela voltasse aos velhos hábitos – não voltara – ou que concordasse que Josie se casasse com ele para poder recuperar as terras: ela o mandara para o inferno. Kasimir resolvera tentar outro caminho: Josie. Até encontrá-la no restaurante self-service, tudo que sabia sobre ela se limitava aos relatórios de um detetive particular e a uma fotogra a desfocada. Há seis meses, o detetive propositadamente deixara cair uma carteira recheada de dinheiro em um supermercado. Josie correra atrás do carro dele por dois quarteirões, alcançara-o em um sinal fechado e lhe devolvera a carteira. – A garota é tão honesta que chega a ser tola – dissera o detetive. Kasimir nalmente tomara uma decisão. Sabendo que seu irmão se recuperava de um acidente de carro em Oahu, jogando pôquer no Hale Ka’nani, subornara o gerente do hotel, Greg Hudson, para contratar as irmãs Dalton como camareiras. Esperava que Vladimir se encontrasse com Bree e passasse por uma situação humilhante. Mas isso seria apenas uma diversão. O objetivo principal seria negociar as terras e o casamento inevitável, diretamente com Josie. Ele não deveria ter cado surpreso por ela atirar a bebida em sua cara e fugir. Nem por Vladimir e Bree não terem brigado, mas praticamente caído um nos braços do outro. Bree ganhara o equivalente à dívida de Josie no jogo e imediatamente aceitara a proposta que Vladimir lhe zera de apostar sua liberdade em troca de um milhão de dólares, em apenas uma cartada. Restituir a felicidade aos dois antigos namorados, depois de dez anos de separação, não estava nos seus planos. Passara os dois últimos dias rangendo os dentes de raiva, saíra na noite anterior, mas não conseguira se divertir e voltara sozinho para casa. E, como que por milagre, acordara com a notícia de que Josie viera procurá-lo e queria se casar com ele. E ali estava ela. Era sua. Acabara de transformar seu mundo. Sentia vontade de beijá-la. – Ficarei feliz em providenciar um bolo – ele disse com ardor. – E um vestido de noiva e um anel de diamante. – Ele pegou na mão dela e beijou. – Diga o que quer e terá. Josie ficou vermelha e estremeceu. – Traga minha irmã de volta. Afaste-a do seu irmão. – Você tem minha palavra. – Ele levantou. – Preciso falar com meu advogado. Enquanto isso, coma alguma coisa e descanse. – Ele indicou as prateleiras. – Leia se preferir. Seu café da manhã estará aqui a qualquer momento. Com licença. – Kasimir?


Ele cou paralisado. Josie teria adivinhado sua intenção? Teria enxergado sua alma distorcida, sem coração? Ele cerrou os punhos e se voltou. Os olhos de Josie brilhavam, o rosto estava iluminado. Ele não resistiu e observou as curvas dos seios sob a camiseta. – Obrigada por salvar minha irmã – sussurrou ela. – E a mim. Kasimir se sentiu mal, mas se controlou. – Esse arranjo será vantajoso para nós dois – disse ele, abafando sua consciência. – Eu nunca esquecerei. – Josie olhou para ele com a adoração digna de um herói. Parecia estar mais bonita. – Não importa o que os outros digam. Você é um homem bom. Kasimir cou tenso e saiu sem dizer nada. Ao chegar ao escritório, ligou para o advogado, pediu-lhe para preparar um contrato de casamento, e os dois discutiram a melhor maneira de receber a herança de Josie o mais rápido possível. Quando voltou à biblioteca, uma hora mais tarde, o café não fora tocado e Josie dormia. Ela parecia muito jovem. Não deveria ter mais de 22 anos – 11 a menos que ele – e parecia muito mais inocente que ele fora naquela idade. Ele sentiu vontade de cuidar dela, de protegê-la. E cuidaria. Enquanto ela fosse sua prisioneira, ou melhor, sua esposa. Kasimir ia acordá-la, mas hesitou. Seria melhor deixá-la dormir. O casamento poderia esperar algumas horas. Ela merecia ter um porto seguro onde descansar, e ele seria esse porto... Ele a ergueu nos braços e carregou-a escada acima, até o quarto de hóspedes. Colocou-a gentilmente sobre a cama, afastou-se e cou observando-a na obscuridade. Ouvia sua voz dizendo que adorava bolos de casamento com rosas de glacê. Ele lhe dissera a verdade. Ela seria sua única esposa. Nunca pretendera se casar, nem con ar em alguém o su ciente para lhe dar a chance de apunhalá-lo pelas costas. Aquele seria o máximo que chegaria perto do sagrado matrimônio. Durante as poucas semanas do casamento, Josie Dalton seria o mais próximo do que ele poderia chamar de esposa. De família. Kasimir suspirou. Ela seria uma esposa excelente para qualquer homem. Era o tipo de garota antiquada, que não existia mais. Pelos relatórios dos detetives, ele sabia que ela era honesta e escrupulosa. Havia seis meses, ele contratara outro detetive para vigiá-la, em Seattle. O homem se disfarçara como morador de rua, na intenção de passar despercebido. Mas não para Josie. – Ela veio diretamente na minha direção e perguntou se eu estava bem, se precisava de alguma coisa – dissera o detetive, impressionado. – E insistiu em me dar seu lanche: manteiga de amendoim com geleia! Que tipo de garota fazia isso? Quem tinha um coração tão puro e bondoso? Ao contrário de Vladimir, de Bree e dele mesmo, Josie merecia ser protegida. Ela era inocente. Nada fizera para sofrer a bem merecida vingança que ele planejara contra seu irmão e a irmã dela. E, ainda assim, seria magoada. Kasimir sentiu o coração doer. Culpa, ele percebeu. Há muito tempo não se sentia daquele jeito. Não deixaria que isso o detivesse, mas seria o mais gentil que pudesse com ela. Ele saiu do quarto e voltou ao escritório. Telefonou para a secretária e, dez minutos depois, falava com o melhor organizador de casamentos de Honolulu. Quando desligou, girou a cadeira e cou olhando para a piscina. O sol refletia na água azul e, ao longe, se viam a cidade e o mar. Durante dez anos, ele tentara derrubar Vladimir, lutando contra sua empresa, vingando-se através de


pequenas estocadas que o levariam à morte com milhares de feridas. Mas fazer com que Bree Dalton traísse Vladimir seria sua maior punhalada. Uma ferida fatal. Kasimir levantou e parou diante da janela. Dentro de algumas semanas, as terras de Josie estariam em seu nome. Até lá, os dois pombinhos já estariam envolvidos e ele faria com que Bree o ajudasse a roubar a empresa do irmão. Bree esmagaria o coração de Vladimir sob suas botas e, quando o traísse, seu irmão iria saber o que era ter a vida destruída por outra pessoa. Bree não teria escolha. Kasimir tinha toda a munição que precisava para forçá-la a fazer exatamente o que ele queria. Ele sorriu friamente. Ele tinha sua irmã.


CAPÍTULO DOIS

JOSIE ABRIU os olhos, estonteada, e sentou. Ainda estava vestida e dormira numa cama enorme, num quarto estranho. O ambiente masculino estava banhado pelo sol que entrava pelas janelas. Ela bocejou e sentiu a boca seca. Quanto tempo dormira? Quem a levara até ali? Teria sido Kasimir? A ideia de que ele a carregara em seus braços fortes, junto ao peito, levou-a a estremecer e a pular da cama como se tivesse levado um choque. O relógio em cima da lareira marcava 15h. Dormira durante horas! Ela se espreguiçou e bocejou novamente. Kasimir fora gentil em deixá-la dormir. Sentia-se muito melhor... Até que ela se viu no enorme espelho do outro lado do quarto... Josie se aproximou do espelho e cou horrorizada. Sabia que não se vestia na moda e que estava acima do peso, mas não tinha ideia de que estava naquele estado. Atravessara o Pací co duas vezes, vestindo uma camiseta amassada e um jeans masculino muito largo, de segunda mão. Durante o voo de Seattle, ficara espremida entre dois passageiros gordos e suados, e não escovava os dentes havia dois dias... Ela gemeu ao perceber que se encontrara com Kasimir naquele estado. Sentia vergonha só de pensar em como ele estava vestido com roupas caras, em seu corpo perfeito, na maneira como ele parecia sexy e poderoso como um deus grego. Tudo bem. Ela podia ser sem graça, mas jamais iria vê-lo de novo sem tomar um banho e vestir roupas limpas! Josie procurou a mochila, encontrou-a perto da porta, pegou-a e correu para o banheiro luxuoso, todo em mármore e prata. Ela abriu a mochila, procurou a escova de dentes e cou irritada. Bela bagagem! Com apenas alguns segundos para embalar suas coisas antes que Vladimir Xendzov fosse buscar Bree no apartamento de Honolulu, pegara pouca coisa de útil: a peça superior de um biquíni, o velho casaco esgarçado que fora de sua mãe, alguns chinelos. Esquecera-se de pegar roupas de baixo! Desesperada, Josie remexeu o fundo da mala. Algumas lembranças baratas de Waikiki, o celular mudo – esquecera o carregador –, um romance gasto que fora usado por sua mãe quando professora, um porta-retratos com a fotografia da família, tirada um ano antes de seu nascimento. Ela sentiu o coração apertar. Na foto, a mãe ainda saudável, o pai sorrindo com orgulho e Bree, aos 5 anos, sorrindo e exibindo a falta de um dente. O papel estava gasto por ter passado tantas noites sob seu travesseiro enquanto ela ficava por semanas aos cuidados de uma babá. Josie sempre vivera com a sensação de que, se não tivesse sido concebida, sua mãe não teria adiado a quimioterapia para preservar sua gestação e morrido um mês depois de seu nascimento, levando seu pai ao fundo do poço. Ele abandonara a carreira de professor e zera com que Bree, uma garota-prodígio no jogo de pôquer, o acompanhasse pela costa do Alaska, à procura de turistas para depenar. Se ela não tivesse nascido... Seus pais e Bree ainda poderiam estar vivendo felizes, em algum subúrbio. Josie suspirou, guardou a fotogra a e começou a escovar vigorosamente os dentes. Minutos depois, entrava debaixo do chuveiro, deixava que a água quente a livrasse da tristeza e do suor e lavava os


cabelos com um xampu com perfume de laranja, que tinha um rótulo escrito em árabe. Tudo daria certo, ela repetia mentalmente. Logo, sua irmã estaria em casa. Assim que Bree estivesse livre das garras de Vladimir Xendzov, ela teria coragem de lhe dizer o que sentia e que nunca ousara lhe dizer: que a amava e apreciava tudo que zera por ela, mas que não era mais uma criança. Estava com 22 anos e queria aprender muitas coisas e ter liberdade para cometer os próprios erros, sem que Bree a protegesse sob as asas, como uma galinha. Ela queria crescer. Josie fechou a água e saiu do banho. Enrolou-se em uma toalha felpuda e observou o conteúdo da mochila. O que iria vestir? O sutiã do biquíni ou o casaco de lã? Com um suspiro, ela olhou para a camiseta, o jeans e a roupa de baixo, que amontoara no chão. Usara aquelas roupas durante dois dias e a ideia de vesti-las sobre a pele limpa e cheirosa era repulsiva, mas não tinha outra escolha. Ou teria...? Ela viu algo pendurado atrás da porta do banheiro. Um vestido branco, com um bilhete colado no cabide. Toda noiva precisa de um vestido. Encontre-me no terraço da piscina, quando acordar. Ela sorriu ao ver os ângulos da caligra a. Achara que não iria querer um vestido, que iria preferir que o casamento fosse o menos romântico possível, mas, agora... Como ele percebera que um pequeno gesto teria tanto significado? E, então, ela viu a etiqueta do vestido: Chanel. Uau! Não fora um gesto tão pequeno! Por um momento, Josie cou com medo de tocar no tecido. Depois, passou os dedos sobre a renda leve como um suspiro. Talvez, realmente, tudo fosse dar certo. Ela suspirou e conteve as lágrimas. Arriscara alto ao usar tudo que tinha para voltar a Honolulu, con ando que Kasimir iria ajudá-la, mas valera a pena. Pela primeira vez na vida, zera algo certo. A sensação era estranhamente estimulante. Josie sempre fora do tipo que estragava as coisas em vez de salvá-las. Desde cedo, aprendera que a melhor maneira de compensar os problemas que causava era pegar um livro e lê-lo tranquilamente, tornando-se invisível. Mas desta vez... Imaginava a cara que Bree faria ao vê-la surgir com o príncipe Kasimir, para salvá-la. Ficaria surpresa por sua irmãzinha ter feito algo importante e difícil, sozinha? Josie sorriu e se olhou no espelho. Estava na hora de fazer sua parte. A nal, talvez não fosse tão difícil. O que havia de difícil em vestir o lindo vestido de noiva e em se casar com um lindo príncipe? Ela colocou o vestido, mas ele parecia muito curto, acabando na metade de suas coxas. Tudo bem, contanto que... Tentou fechar o zíper, mas o vestido estava muito apertado. Josie expirou, encolheu a barriga e puxou o zíper para cima, centímetro a centímetro, com medo de arrebentá-lo. Por m, olhou-se no espelho. O vestido justo erguera-lhe os seios, que pareciam querer pular do decote, deixando-a mais curvilínea.


Bree jamais iria deixá-la sair de casa daquele jeito. Mas, para não vestir as roupas sujas, Josie resolveu que poderia aguentar o aperto. Só precisaria tomar cuidado para não abrir alguma costura a cada vez que se mexesse. Com muita cautela, escovou os cabelos molhados, deixando manchas úmidas sobre a seda. Calçou suas sandálias cor-de-rosa, passou um brilho nos lábios e saiu do quarto com elegância, de cabeça erguida. Ela desceu a escada e passou por algumas salas, até conseguir a ajuda de uma empregada que encontrara na cozinha. – Por ali, senhorita. No final do corredor, do outro lado do salão. Josie atravessou um enorme salão onde havia um piano e saiu no terraço. Kasimir estava sentado à mesa, falando ao telefone, e, ao vê-la, arregalou os olhos. Josie se aproximou, caminhando de um modo bamboleante e nada natural para não rasgar o vestido, e começou a suar. Talvez, por causa do calor, ou por causa da maneira como ele olhava para ela. – Falo com você mais tarde. – Kasimir desligou e levantou, sem deixar de olhar para ela. – O que você está vestindo? – O vestido de casamento que você me deu. Não deveria? – Esse é o vestido que eu deixei para você? – perguntou ele em tom abafado. – É. Está um pouco apertado. – Josie corou. Não costumava ser o centro das atenções masculinas, muito menos de um homem como Kasimir, e não queria dar a impressão de que se queixava. – Mas foi muito gentil de sua parte. Ele olhou-a de cima a baixo. – Você está... – Ele percebeu que ela ficara ansiosa. – Bonita... Sente-se, por favor. Bonita? Ela respirou. – Obrigada. – Mas, conseguiria sentar? Josie puxou a barra do vestido e sentou-se com cuidado. O vestido bem valia o preço: as costuras aguentaram. Mas ela notou que, ao puxar o vestido para baixo, o decote descera, mal lhe escondendo os mamilos. Angustiada, ela mordeu o lábio e tentou puxar o decote para cima e a barra para baixo. Felizmente, ao sentar do outro lado da mesa, Kasimir parecia ter o cuidado de manter os olhos grudados em seu rosto e de lhe mostrar o que havia em cima da mesa. – Você chegou bem na hora. Josie viu salada de galinha, frutas frescas, pãezinhos... Tudo parecia delicioso, mas ela sabia que o vestido lhe impunha limites. – Acho que eu não deveria... – Não seja ridícula. Você deve estar morrendo de fome. Dormiu antes de tomar o café. Você não come algo decente há dias. – Kasimir pegou um prato e começou a colocar nele um pouco de cada coisa. – Não queremos que você desmaie durante o casamento. Josie sentiu vontade de rir. Ela? Desmaiar de fome? Comer sempre fora o prazer secreto de Josie. Ela se sentia culpada por estar acima do peso, mas não o su ciente para desistir das massas e dos doces que adorava. Ao contrário de Bree, que sempre comia salada, nozes e peixe, ela adorava comidas exóticas, principalmente quando podia pagar com cupons de desconto. – Quem disse que não existem refeições gratuitas? – Ela sorriu. – Que bom que você entendeu. – Kasimir colocou o prato diante dela. – Você será minha esposa,


Josie. Isso significa que, enquanto for minha, só terá prazer. Os dois se olharam, e ela cou arrepiada. Um arrepio que nada tinha a ver com biscoitos, doces ou chocolate. – Certo – sussurrou ela, lambendo os lábios, sem perceber. – Se você insiste... – Admito que o vestido está um pouco apertado. Para mim, as roupas femininas sempre foram um mistério. Raramente eu lhes dou atenção... A não ser quando estou despindo alguém. – Aposto que sim – disse ela, estremecendo. Ele teria percebido que ela era virgem, sem nenhuma experiência sexual? Como poderia saber? Envergonhada, Josie tou o prato. Mesmo do outro lado da mesa, ele lhe parecia estar muito próximo. E muito bonito. Por que precisava ser tão bonito? Para não dizer sofisticado e poderoso... Kasimir recostou na cadeira, fez um prato para ele e empurrou uma pilha de papéis na direção de Josie. – Você precisa assinar isso. – O que é? – Um acordo pré-nupcial. – Ótimo – falou ela, aliviada. Ele ergueu as sobrancelhas. – Essa não é a reação que eu esperava. – Lembre-se de que quero fazer um acordo justo e o cial. – Ela começou a ler e a rubricar as páginas enquanto comia. – Você já encontrou minha irmã? – Acho que tenho uma ideia de para onde Vladimir a levou. – Para onde? – Vou investigar melhor, depois que nos casarmos. – Ah. Tudo bem. O contrato. – Ela respirou fundo. – Mas você acha que ela está bem? – Ela é esperta e hábil. Acho que nem meu irmão é capaz de controlá-la – Kasimir falou secamente. – É provável que ela o esteja fazendo passar o inferno. Josie apoiou os cotovelos na mesa. – Você não gosta dela, não é? – Ela é uma mentirosa, uma golpista. – Não é mais! – exclamou Josie, magoada. – Há dez anos, ela disse a meu irmão que poderia vender legalmente suas terras enquanto tentava distraí-lo dos detalhes do testamento, com seus lindos olhos e um decote. Josie umedeceu os lábios. – Estávamos desesperadas. Meu pai acabara de morrer e alguns homens violentos exigiam o pagamento das suas dívidas... – Claro. Todo criminoso sempre tem uma história triste. Nossa empresa era nova. Queríamos nossas terras de volta, mas não podíamos perder os milhares de dólares que ela planejava nos roubar. Ela envolveu Vladimir de tal maneira que teria conseguido... Josie abanou a cabeça. – Ela me contou toda a história. Àquela altura, ela se apaixonara por ele e planejava lhe pedir perdão. – Pedir-lhe perdão? Eu lhe contei a verdade sobre ela, e ele se recusou a acreditar. – Ele evitou olhar


para Josie. – Resolvi voltar sozinho para a Rússia. No aeroporto, bebi e contei a história a um repórter. Na manhã seguinte, ao descobrir que fora humilhado publicamente, meu irmão acabou com nossa sociedade e me eliminou do contrato que assinou dois dias depois, na Sibéria, e que valia meio bilhão de dólares. – Sinto muito pela briga entre vocês, mas a culpa não foi de Bree! – Não. Foi de Vladimir. E minha. – Ele franziu os olhos. – Mas ela merece ser punida. – E já foi – disse Josie, olhando tristemente para o prato vazio. – Ela ia contar tudo ao seu irmão. Pretendia ser honesta a qualquer preço, mas ele não lhe deu a chance. Deixou-a sem dizer uma palavra. Entregou-a aos lobos. Sozinha, tomando conta de uma criança de 12 anos. – Ela olhou para Kasimir. – Creia, minha irmã foi castigada. Ele olhou para ela, e seu olhar suavizou. – Em tudo isso, você é a única inocente. Juro que vou trazê-la de volta para você. Josie deu uma risada sem graça. – Quer parar com isso? Deixe de ser tão... – É melhor não dizer gentil – interrompeu ele. – Então, pare de me lembrar! – De quê? – De que você é um príncipe bonito, atraente, e eu... – Ela se calou. – Você o quê? – Eu sou uma idiota que nem se lembrou de trazer roupas de baixo! – Ah, não. Ela realmente dissera aquilo, e era tarde. Kasimir arregalou os olhos e perdeu o fôlego. – Você não está usando nada sob esse vestido? – perguntou ele baixinho. Josie assentiu, odiando-se por sempre falar o que lhe vinha à cabeça. Por que falara das roupas de baixo? Por que não conseguia manter a boca fechada? Kasimir olhou demoradamente para as curvas sob seu vestido e contraiu o queixo. – Tudo bem. Precisamos lhe comprar algumas roupas, depois do casamento – falou ele secamente. Entristecida, Josie pensou que o ofendera. Passou manteiga numa torrada e tentou mudar de assunto. – Alteza... – Chame-me pelo meu nome. – Acho melhor, não... Parece muito pessoal, e você está tão irritado... – Eu não estou irritado. Ela engoliu em seco, olhou para ele e sussurrou: – Kasimir... A maneira como ela falou seu nome foi muito sensual. Pronunciando as sílabas lentamente, com um “s” vibrante e ronronando o “r” como num beijo. – Exatamente assim – falou ele gentilmente. – Gosto do seu nome. É um antigo nome eslavo, um nome de guerreiro: destruidor da paz. – Como sempre, ela falava qualquer coisa quando cava nervosa. – Tem um signi cado bem diferente do nome de seu irmão. – Ela se calou. Aquele assunto não acabaria bem. – Desculpe. Esqueça. – É fascinante – Ele voltara a falar friamente e estava tenso. – Continue. Conte-me mais. – Desde os 18 anos, trabalho como camareira. Enquanto faço a limpeza, costumo ouvir gravações de


livros. O que se consegue aprender é incrível. – Ela deu um sorriso luminoso. – Por exemplo: sabia que no Havaí só existem três espécies de orquídeas nativas? Todos pensam que existem centenas, porque estamos numa oresta tropical, mas em Nevada, que é quase um deserto, existem doze espécies de orquídeas diferentes. Existe uma flor... Kasimir não se mexera. O reflexo da água da piscina formava desenhos em seu terno preto. – Você estava falando sobre o significado do nome do meu irmão. Josie engoliu em seco. Não tinha saída... – Vladimir. Alguns acham que signi ca “senhor da paz”, mas a etimologia indica que o su xo “mir” é ainda mais antigo e vem do gótico, signi cando “supremo”. Vladimir quer dizer... – Ela hesitou. Kasimir a observava friamente. – Senhor supremo. Kasimir levantou e cerrou os punhos. Assustada, Josie se encolheu na cadeira, mas subitamente ele relaxou. – O meu irmão não é “Todo-Poderoso”. E logo ele irá saber disso. – Espere. – Ela levantou e segurou-o pelo braço. – Desculpe. Eu sou tola. Minha boca sempre é mais rápida que meu cérebro. Minha irmã sempre diz que eu deveria ser mais cuidadosa. – Não quei ofendido. Você não deve seguir o conselho de sua irmã. Eu respeito muito mais uma mulher que não tem medo de dizer a verdade do que aquela que recorre ao silêncio para esconder suas mentiras. – Eu já lhe disse que ela não é assim... Não mais. – Josie deu uma risada amarga. – Se fosse, agora estaríamos ricas, não pobres. Ela abandonou o jogo e os golpes para me proporcionar uma vida honesta e respeitável. E veja só o problema que lhe causei. – Josie tou o chão. – Entrei naquele jogo de pôquer, e ela precisou se sacrificar para me salvar. Mais uma vez. Kasimir pegou-a pelo queixo e forçou-a a encará-lo. – Josie... A culpa não foi sua. – A culpa não foi minha? – repetiu ela, tando involuntariamente os lábios de Kasimir, que se inclinara em sua direção. Ela sentiu os lábios formigarem e o desejo se espalhou por seu corpo. Seu coração batia como louco. – Como pode dizer que a culpa não foi minha? – Porque conheço sua irmã. E conheço você. – Ele tocou-lhe o rosto e levantou-lhe a cabeça. – Acho que, a não ser pela minha mãe, que morreu há muito tempo, você é a única mulher decente que eu conheço. E não é apenas decente. É incrivelmente bonita. Josie ficou boquiaberta. Ela? Bonita? Seria possível que ele estivesse flertando com ela? Não seja ridícula. Ele está sendo gentil. Nada mais. Ela não tinha experiência com homens, mas sabia que um lindo príncipe milionário não iria ertar com alguém como ela. Ainda assim, sentia-se estonteada ao olhar para ele, para os seus olhos azuis, agora calorosos como uma manhã de junho. – Não faça isso – disse Kasimir. – Fazer o quê? – Olhar para mim desse jeito. – Então, não me diga que sou bonita. Ninguém me disse isso antes. – Então, todos os outros homens são tolos. Nosso casamento será breve, mas, pelo tempo que você for minha... – Ele pegou na mão dela. – Não vou parar de lhe dizer que você é bonita, porque é verdade. – Ele sorriu e falou gentilmente. – Não acabei de lhe dizer que sempre se deve falar a verdade?


Pare, Josie ordenou ao próprio coração. Não sentiria uma paixão adolescente pelo futuro marido! Claro que não! Mas já era tarde. O trato estava feito. – Você está pronta para se casar comigo? – Kasimir sorriu, como se tivesse visto a derrota de seu coração inocente. – Ah, sim, claro. Ele a levou até o saguão, onde lhe entregou um buquê de ores brancas. Josie agradeceu e cheirou as flores para esconder as lágrimas de emoção. – Não me diga que nenhum homem lhe deu flores – falou ele com ironia. – Bem... – Você está brincando! Os homens que você conhece são idiotas. Josie deu um sorriso pálido. – Na verdade, não conheço nenhum. Seria absurdo esperar que algum me desse flores. – Você não conhece nenhum homem? – Ele ficou surpreso. – Mas você é tão falante, tão amigável. – Eu não falo com os atraentes. Fico muito nervosa. Além disso, Bree não me deixaria namorar. Ela tem medo de que eu seja magoada. – Você nunca teve um encontro? – Uma vez, eu tive um namorado – admitiu ela depressa. – Na escola. Nós nos encontrávamos na aula de química. Ele era gentil. – Gentil – resmungou ele. – Considerando a ingenuidade, ele deveria usar cabelo de moicano e uma coleira e ter tendência para roubar. – Isso não é justo – protestou ela. – Afinal, acho você gentil, e você não é ladrão. Kasimir ficou aborrecido e pigarreou. – Continue. – Algumas vezes, saíamos para tomar sorvete. Estudávamos juntos, na biblioteca. Ele me convidou para o baile de formatura, e eu quei toda animada. Bree me ajudou a enfeitar um vestido comprado num brechó, e me senti uma Cinderela. Ela se calou. – O que aconteceu? – perguntou ele. – Ele não apareceu – sussurrou ela, sem olhar para ele. – Levou outra garota, que acabara de conhecer. – Josie deu um sorriso trêmulo. – Mas ela era fácil, eu não era... Kasimir soltou um gemido rouco. Josie se agarrou ao buquê e olhou para o chão. – Acho que beijar é algo especial. Acho que a pessoa só deve se entregar a alguém que ame. – Ela bateu os pés e o ruído das sandálias ecoou no saguão. – Você deve me achar estúpida e antiquada. – Não – falou Kasimir em voz baixa. – Eu costumava achar o mesmo. – O quê? – Ela ficou de queixo caído. – Pode parecer uma piada, mas fui virgem até os 22 anos. – Você? – exclamou Josie, chocada pelo fato de ele lhe ter contado algo tão íntimo. – Um playboy internacional? – Todos têm uma primeira vez. A minha foi com Nina. Ela trabalhava em uma empresa de Relações Públicas em Moscou, e nós a contratamos para fazer propaganda. Ela era mais velha que eu. Tinha 30


anos. Namoramos durante alguns meses. Depois que perdi minha parte da Xendzov Mineradora, voltei para a Rússia. Eu estava confuso, mas pretendia pedi-la em casamento. – Kasimir sorriu com ironia. – Encontrei-a na cama com um banqueiro gordo e velho. Josie soltou uma exclamação. – Pensei estar apaixonado por ela. Na primeira vez, a gente sempre pensa isso. Mas Nina me via apenas como um cliente. Para ela, sexo signi cava “manter contatos”. Quando deixei de ser lucrativo, ela não tinha mais motivos para me encontrar. – Ah. – Josie suspirou, com os olhos cheios de lágrimas. – Sinto muito. Kasimir deu de ombros. – Ela me fez um favor. Ensinou-me uma grande lição. – Só porque uma mulher o magoou, não precisa desistir do amor para sempre. Kasimir sorriu com sarcasmo. – Você não diria isso se me visse do lado de fora do apartamento dela, na neve, com cara de idiota. – Mas... – Você será minha única esposa, Josie. Porque é temporária. Esse casamento de mentira acabará em algumas semanas. – Ele deu um sorriso de ironia e estendeu os braços. – Vamos, minha bela noiva. O casamento nos espera. UMA HORA mais tarde, Kasimir e Josie faziam seus votos e colocavam as alianças durante uma cerimônia simples, no cartório de Honolulu. Kasimir não conseguia afastar os olhos da noiva. Nem acreditar que lhe contara tanto a respeito de seu passado. O que acontecera com ele? Ainda que ela olhasse para ele com olhos úmidos e um sorriso vulnerável, nunca mais ele iria confortá-la com um pedaço do seu coração. A partir daquele momento, calaria a boca. – E você, Josephine Louise Dalton, aceita este homem como marido, para amá-lo e confortá-lo, na saúde ou na doença, na riqueza ou na pobreza, até que a morte os separe? – dizia o juiz de paz. Josie olhou para ele com os olhos brilhando. – Sim. Kasimir olhou para ela, para seu belo pescoço, para as linhas curvilíneas apertadas no vestido branco, e começou a suar, jurando que iria manter as mãos longe dela, que não tentaria seduzi-la por todos os motivos que imaginara antes de vê-la com aquele vestido. Quem diria que ela escondia aquelas curvas por debaixo das roupas largas? Quando ela aparecera, ele quase se engasgara ao telefone, falando com Greg Hudson. O homem se atribuíra todo o crédito pela maneira como Vladimir e Bree haviam saído juntos, depois do jogo de pôquer, e exigira um bônus. – Tive muito trabalho – choramingara Greg Hudson. – Contratei as irmãs Dalton, z com que con assem em mim. E consegui fazer com que seu irmão fosse embora com uma delas. Acho que mereço o dobro. Ele vira Josie chegando e desligara. Mas, agora, sabia toda a história. Bree assumira o lugar de Josie no pôquer para tentar pagar sua dívida. Conseguira, no entanto, ao sair, Vladimir a convidara para uma última cartada. O orgulho de Bree fora sua ruína. Se ela estava nas mãos de Vladimir, a culpa fora sua.


Kasimir se irritava principalmente por Josie se culpar pela situação de Bree. Josie era boa e daria a roupa do corpo a qualquer pessoa. Precisava ser protegida de sua própria bondade. Kasimir observou a maneira como os seios de Josie se empinavam sobre o decote, como a renda branca lhe apertava a cintura e os quadris. Ele olhou as curvas de suas pernas e viu suas sandálias cor-de-rosa. Percebeu que precisaria protegê-la contra ele próprio. Porque ele a queria em sua cama. Não planejara desejá-la, mas desejava. E, vê-la olhando para ele como se fosse um herói, só piorava as coisas. Fazia com que ele a desejasse ainda mais. Josie era muito diferente do tipo de mulher que ele conhecia. Ela não era sarcástica, irônica, irritante. Josie realmente era confiante. “Acho que beijar é algo especial. Acho que você só deve se entregar a alguém que ame.” Ela não tinha ideia da força do desejo. Sua primeira experiência a atingiria como a onda da maré. Seria fácil seduzi-la. Um beijo, uma carícia. Ela estaria totalmente despreparada para o fogo, mas seria uma ótima aluna. Era o que ele percebia ao vê-la tremer enquanto ele lhe colocava o anel de brilhante no dedo, e corar enquanto colocava a aliança no seu. Só precisaria beijá-la, acariciá-la, e ela se perderia num redemoinho de prazer contra o qual não saberia como se defender. Cairia em suas mãos como um fruto maduro. Mas ele não deveria. Não podia. Já era ruim que ele a mantivesse como refém durante algumas semanas para chantagear Bree e se vingar do próprio irmão. Ele podia ser implacável e até cruel com pessoas que mereciam, mas não com uma garota doce, confiante e antiquada como Josie. Ela merecia algo melhor. Portanto, por mais difícil que fosse, ele iria se controlar e não levaria a própria esposa para a cama. – Eu os declaro marido e mulher. Pode beijar a noiva. Josie olhou para Kasimir, com um sorriso trêmulo. Ele se inclinou, mas hesitou. Tinha medo de provar o que lhe era proibido, embora, ao sentir o perfume dos cabelos dela, tivesse vontade de beijá-la e de sentir seu gosto doce... Ele beijou-lhe o rosto e recuou. Josie pestanejou, pegou o buquê e sorriu, como se não tivesse esperado um beijo mais adequado à cerimônia. Kasimir entregou a certidão e as fotos tiradas durante o casamento ao advogado, que servira de testemunha, assinalando que esperava que a propriedade no Alaska estivesse em seu nome até o nal de janeiro. – Você tem quatro semanas – disse Kasimir ao advogado. Seria tempo su ciente para coagir Bree Dalton a levar seu irmão a lhe entregar a empresa. E tempo demais para suportar a tentação representada pelo corpo de Josie e pela paixão adormecida que via em seus olhos e que consumiriam o primeiro homem que a possuísse. E não seria ele, Kasimir decidiu. Ele não iria tocá-la, ainda que isso o enlouquecesse. – Kasimir...? O que há de errado? – perguntou Josie preocupada. Ela enxergava demais... – Nada – retrucou ele. – Você... – Ela mordeu o lábio. – Já se arrependeu de ter se casado comigo? – Não. Só não quero que esse casamento seja mais difícil para você do que deve. Josie olhou para o vestido, para o buquê e para o enorme diamante em seu dedo.


– Realmente... Tem sido difícil – brincou ela. – Guardei o melhor para o final: seu bolo. – Não! Que tipo de bolo? – exclamou ela alegremente. – Três camadas, com rosas de glacê. Como você dormiu, não pude perguntar qual seu sabor preferido. Então, cada camada é diferente. – Você é tão gentil – sussurrou ela. – Não ouse chorar – ordenou ele. – Não seja tolo. – Ela enxugou os olhos. – Não estou chorando. – Como pode um bolo levá-la a chorar? – Você me escutou. – Ela sorriu. – Ninguém costuma me ouvir. Até Bree, quando fala comigo, me diz o que devo querer. – Não mais. Lembre-se de que você é uma princesa. – Ele deu um sorriso atrevido. – Princesa Josephine Xendzov. – Ele lhe acariciou o rosto. – Princesa Josie, você é perfeita. – Princesa... – Ela sacudiu a cabeça e riu. – Se as meninas que implicavam comigo na escola me vissem agora! – Se elas estivessem aqui, eu faria com que se arrependessem de terem nascido. Josie deu uma risada, piscou e fungou. – Não comece com isso novamente – falou ele, exasperado, puxando-a pela mão e levando-a para fora do cartório. O céu azul brilhava acima dos arranha-céus de Honolulu. Um Rolls-Royce os esperava. – Beije-a – alguns turistas gritaram de um ônibus, ao vê-la de vestido branco e carregando um buquê. – Eles querem que eu beije você. Josie arregalou os olhos, assustada. – Tudo bem. Sei que você não quer. – Já que este será meu único casamento... Seria minha única chance de cumprir a tradição. – Ele viu que ela tremia e entreabria os lábios, pronta para ser colhida. Kasimir sabia que seria fácil, muito fácil, possuir não apenas seu corpo, mas também seu coração. – Josie... – falou ele em voz rouca. – Sim? – Você vai se lembrar de que nosso casamento é apenas de fachada. Você sabe disso, não sabe? Ela ficou pálida, soltou a mão dele e deu uma risada sem graça. – Claro que sim. Você acha que não sei? – Ótimo. – Ele também precisava se lembrar disso. Kasimir se afastou e abriu a porta do carro. – Sei que não sou seu tipo – disse ela, entrando no carro. – Não – resmungou ele, sentando-se ao lado dela, enquanto o motorista fechava a porta. Josie ficou calada, mas, assim que o carro começou a andar, ela se voltou para ele. – Então: qual é seu tipo? Seu tipo. Kasimir endureceu o queixo. Estava na hora de estabelecer limites e acabar com a estranha ligação emocional que se criara entre os dois desde que impulsivamente falara sobre Nina, mas Josie lhe parecera tão triste e vulnerável que ele quisera consolá-la. Ele rompera os limites. Durante a última hora, ela olhara para ele como se ele fosse um herói, só por causa de algumas ores, de um bolo e de con dências sobre seu passado. Pela maneira como ele agora precisava controlar o próprio corpo, seria melhor que Josie se voltasse contra ele. E, para lembrar aos dois


que ele era exatamente o que o mundo achava que ele fosse, um playboy, Kasimir pegou na mão dela e abriu a boca para falar a respeito de várias mulheres, mas se ouviu dizendo apenas: – Meu tipo de mulher não chega aos seus pés. – De onde viera isso? Como ele abrira a guarda? Estaria absorvendo o hábito que Josie tinha, de dizer o que lhe vinha à cabeça? Ela estava boquiaberta, tremendo e com os olhos brilhando. Kasimir soltou a mão dela. – Mas não tenho coração, Josie. Não sou o homem bondoso que você pensa. – Você está enganado – sussurrou ela. – Eu sei... Kasimir passou a mão pela cabeça e olhou pela janela. – Não quero magoá-la – disse ele baixinho. – Mas receio que vá fazê-lo. Na verdade, ele estava começando a gostar da admiração que via nos olhos dela. Josie tinha um bom coração e achava que ele também tinha – uma opinião que jamais seria compartilhada por ele e pelo resto do mundo. Ele não queria que aquele olhar de admiração se apagasse, mas iria se apagar assim que ela descobrisse a verdade. Nenhuma quantidade de bolo, de diamantes ou de ores faria com que Josie perdoasse o homem que iria chantagear sua irmã. Não importa, ele pensou asperamente. Estava feliz por ela admirá-lo. A ilusão iria mantê-la próxima. Josie não teria motivos para tentar deixá-lo. Não que ela pudesse... – Por que você usou o passaporte para tirar a licença e casamento? Não tem carteira de motorista? – perguntou ele abruptamente. – Bree tem medo que eu me distraia com algo e sofra um acidente, que eu esqueça onde estacionei ou, talvez, que eu dê o carro para algum mendigo. Não que tenhamos um carro... O velho carro com o qual saímos do Alaska quebrou quando cruzamos a fronteira de Nevada. Eu bem que gostaria de aprender a dirigir, mas Bree... – Você é adulta. Se quiser aprender, aprenda. Nada poderá impedi-la. Se Bree a trata como criança, é porque você se comporta como uma, obedecendo-lhe cegamente. Fico surpreso por ela deixar que você tenha um passaporte – falou ele com sarcasmo. – Ela não tem medo de que você voe para a Ásia e cause problemas? Que cause impacto no mercado internacional da América do Sul? Josie arregalou os olhos. – E como eu faria isso? – Esqueça. – Ele olhou pela janela. – Fico furioso pela maneira como você se deixa controlar. Não acredito que tenha feito isso por tanto tempo, achando que ela era mais esperta. Se você tentasse se esforçar, iria conquistar seu respeito e sua con ança... – Ele se calou ao perceber que não estava mais falando a respeito da irmã de Josie. Olhou para ela, esperando que não tivesse percebido. Seu tipo habitual de mulher, concentrada apenas em si mesma, nunca teria notado. Josie olhava para ele, com os olhos arregalados. – Bree é mais esperta que eu. Não me importo. Eu a amo do mesmo jeito, assim como você ama seu irmão. Kasimir amaldiçoou a sensibilidade natural de Josie. – Amava. Há muito tempo. Quando eu era estúpido demais para perceber. – Você não deveria ter se afastado dele. Deveria... – Esqueça – resmungou ele. – Mas você passou dez anos tentando destruí-lo numa batalha intestina...


– Intestina? – Mutuamente destrutiva. – Ah. – Ele sorriu. –A nossa rivalidade realmente foi assim. Perdemos milhões de dólares disputando os mesmos alvos, sabotando um ao outro, espalhando boatos. Vladimir merecia isso tudo. Mas eu nunca esperaria que ele não reagisse. Se ele não revidasse, eu iria ficar desapontado. – Ah, vocês são como dois garotos que brigam, que se socam até que saia sangue e um deles se renda. Você é muito agressivo porque sente falta dele. Kasimir sentiu os ombros pesados e ficou aliviado quando o celular tocou. – Xendzov – atendeu ele. – Aconteceu, Alteza – disse seu detetive. – Mais cedo que o senhor esperava. Seu irmão está à procura de Josie. – Você sabe por quê? – Ele percebeu que Josie o observava com ansiedade. – Por algum motivo próprio, ou a pedido da irmã dela. Ele rastreou o voo dela de Seattle para Honolulu. É apenas questão de tempo até que ele descubra que ela está com o senhor. – Compreendo. – Kasimir desligou. – Quem era? – perguntou Josie. – Era a respeito da minha irmã? – Mudança de planos. Vamos ter que pular o bolo. – Você a encontrou? – gritou ela. – Onde ela está? – O que você acha de uma lua de mel? – Ele fingiu não ouvi-la. – Por que eu iria querer uma? – perguntou ela com ironia. Touché. Ele tentou ignorar o golpe em seu orgulho. – Você nunca desejou ir a Paris? Hospedar-se nos melhores hotéis, visitar a Torre Eiffel, comprar roupas nas melhores butiques... – Eu só quero minha irmã de volta. Como você prometeu! Kasimir suspirou. Eles seriam encontrados em Paris, assim que fossem cercados pelos inevitáveis paparazzi. – Tudo bem: nada de lua de mel. – Mas você sabe onde Bree está? – insistiu ela. – Tenho uma leve ideia. – Mentira. Ele sabia exatamente onde Bree estava, desde o dia anterior. Na casa de praia de Vladimir, do outro lado de Oahu. Perto demais para seu sossego. Era um milagre que, durante quase uma semana, sua presença tivesse passado despercebida em Honolulu. – Ela está bem? – Josie agarrou a mão dele, ansiosa. – Ele não a machucou? Machucar? Kasimir quase bufou. O investigador vira Vladimir beijando Bree ao luar, numa praia, na noite anterior. Ela usava um biquíni e correspondia ao beijo entusiasticamente. – Ela está bem – Como você sabe? – Porque sei. – Kasimir massageou as têmporas e se dirigiu ao motorista. – Para o aeroporto. Fico feliz por você ter um passaporte... – Ele se calou. Já estavam na rua onde ele morava, e ele viu Greg Hudson andando na calçada, diante do edifício. Viera exigir o pagamento pessoalmente. Maldição! Se Josie o visse, tudo estaria arruinado. Intuitiva como era, logo descobriria que ele subornara Hudson para contratá-las e por quê. Casada ou não, ela daria um jeito de sair do carro e aquele seria o m de seu


plano de vingança. – Espere. Estamos na sua rua? – Ela se dirigiu ao motorista. – Por favor, pare no apartamento para eu pegar minha bagagem. – Ela sorriu para Kasimir. – Vou trazer o bolo. O motorista olhou para Kasimir, pelo retrovisor, e não parou. – Diga a ele para parar – implorou ela a Kasimir, segurando a maçaneta da porta. Em alguns segundos, ela veria o ex-patrão e o plano de Kasimir estaria destruído. Ele não raciocinou, apenas agiu. Mais tarde, diria a si mesmo que fora a única justi cativa para fazer o que fez. Arrastou-se no banco, abraçou-a, ouviu-a soltar uma exclamação e viu-a arregalar os olhos, num misto de pânico e de desejo inocente. Viu-a corar, sentiu o perfume de pêssego de seus cabelos e, com um gemido rouco, ele fez o que desejava fazer havia horas. Beijou a esposa.


CAPÍTULO TRÊS

JOSIE NÃO acreditava que ele iria beijá-la. Não, até sentir os lábios

rmes, sensuais e quentes sobre os seus. Fechou os olhos e gemeu enquanto se sentia atingida por centenas de partículas incandescentes. Kasimir abraçou-a com mais força, en ou as mãos em seus cabelos, puxou-lhe a cabeça para trás e intensi cou o beijo. Ela sentiu o toque de sua língua e o mundo começou a girar. Estava completamente perdida em sensações que nunca experimentara, provocadas pelos lábios, pela língua, pelo corpo e pelas mãos de Kasimir. Quando ele se afastou, ela cambaleou, atordoada pela maneira como se entregara. Ele recostou no banco do carro e olhou calmamente pela janela, como se não tivesse mudado seu mundo para sempre. – Por... – murmurou ela, tocando os lábios. – Por que você me beijou? Ele olhou para ela. – Por quê? – Ele deu de ombros. – O juiz de paz disse que eu podia beijá-la. Josie sentiu o coração bater mais forte e tentou compreender. – Você fez isso porque cou comovido com a cerimônia do nosso casamento? – perguntou ela, atordoada. Ele deu uma risada. Enquanto o carro entrava na estrada, parecia estar mais interessado no panorama que via pela janela. – Exato. Fiquei emocionado... Josie pensou ver um brilho de satisfação masculina nos olhos dele. Costumava evitar con itos, mas, naquele momento, sentiu-se tomada de intensa revolta. – Diga-me qual foi o verdadeiro motivo. – Você estava à mão. Ela quase engasgou. Ele não a beijara para celebrar um momento sagrado ou porque estivesse tomado de desejo por ela. Ah, não! Ele a beijara porque ela estava ali. Ele a rmara não ter coração, não ser o homem bom que ela imaginava. Aparentemente, não fora su ciente: ele quisera lhe mostrar. E, para isso, roubara cruelmente seu primeiro beijo. – Não significou nada para você? Você estava apenas me usando? – Claro que estava – respondeu ele friamente. – Por que mais eu iria beijá-la? Você sabe o tipo de homem que eu sou. Não sou do tipo que se compromete. Não sou do tipo que manda ores e faz versos para virgens inocentes. Portanto, entenda isso de uma vez para sempre. Josie olhou para ele, boquiaberta. E, de repente, a emoção a atingiu como o fogo sobre a palha. Uma emoção que ela mal reconhecia e que nunca sentira antes. Fúria. Ela sentiu as lágrimas lhe queimarem os olhos. Levantou a mão e lhe deu uma violenta bofetada, cujo som ecoou dentro do carro. O motorista se encolheu.


Kasimir colocou a mão no rosto e olhou para ela. – Sonhei com meu primeiro beijo a vida inteira – gritou ela. – Você o roubou. Sem motivo. Só para provar algo estúpido! – Josie... – Já entendi. Você não quer que eu me apaixone por você. Não há perigo! – Ela sentiu um nó na garganta. – Você transformou uma lembrança que deveria ser sagrada em algo ridículo – sussurrou ela, com os olhos marejados de lágrimas. – Nunca mais me toque. Ela esperou que ele se desculpasse, que dissesse que sentia muito. – Tudo bem – falou Kasimir em voz baixa. Ela olhou para ele, com os olhos chispando. – Quero que você prometa. Quero sua palavra de honra! – Você acha que eu tenho palavra? – Ele estava sem expressão, mas em seus olhos havia uma estranha vulnerabilidade. – Não brinque com isso! – disse ela, com um soluço humilhado. – Falo sério! Ao vê-la chorar, ele colocou a mão em seu ombro. – Muito bem. Nunca mais vou beijá-la. Eu lhe dou minha palavra de honra. Josie enxugou os olhos. – Não gosto de ser usada – sussurrou ela. – Mantenha apenas nosso acordo original. Você recupera suas terras. Eu tenho minha irmã de volta. – Concordo... Chegaremos ao aeroporto dentro de alguns minutos. – Minha bagagem... – Vou mandar que a levem até o aeroporto. – Ele pegou o celular, deu algumas ordens e desligou. – O que há de tão importante naquela mochila? – Nada de mais – disse ela, olhando para as mãos, que colocara no colo. – Uma foto da família, um casaco que pertencia à minha mãe, antes que... – Os lábios dela tremeram. – Antes que ela morresse, logo depois que nasci. – Sinto muito – falou ele em voz rouca. – Perdi minha mãe quando tinha 22 anos. Ainda sinto falta dela. Ela foi a única mulher realmente boa e decente que conheci, até... – Até o quê? – Não importa – murmurou ele. Josie pegou na mão dele. – Você está tentando fazer com que eu me sinta melhor? – perguntou ele. – Pensei que estava com vontade de me matar. – Estava. Quer dizer, estou. Mas sei o que é perder os pais. Sei o que é se sentir órfão e sozinho. Eu não desejaria isso para meu pior inimigo. – Ela tentou sorrir. – Mas você se saiu muito bem, não é? Acabou sendo um príncipe milionário. – Isso não é o que as pessoas acham que eu seja. – Ele olhou para o outro lado. – Você queria saber onde estamos indo. Vou levá-la para casa. – Para o Alaska? – Nem de longe. – Ele observou o vestido apertado de Josie. – Precisamos lhe comprar algumas roupas. Ela seguiu o olhar de Kasimir. Sentada, o vestido a espremia como uma salsicha, erguendo-lhe os seios quase até o pescoço, mal lhe escondendo os mamilos. Ela ficou tentada a se cobrir com o buquê.


– Eu planejava lavar minhas roupas. Esse lugar para onde estamos indo tem máquina de lavar? – Ela se calou ao perceber que ele descia os olhos por seu corpo. – Gostaria de não ter lhe contado. – O quê? – A respeito das minhas roupas de baixo. – Eu também – resmungou ele. JOSIE OLHOU para os lados e para cima. – Incrível. – Fico feliz por você ter gostado – falou Kasimir, sorrindo. – É aqui que você mora? – Não. – Ele tomara banho durante o voo e se barbeara. – Minha casa é no deserto, a duas horas de helicóptero. Este é apenas um lugar onde eu faço negócios. Venho aqui o mínimo possível. É civilizado demais. Civilizado demais? Josie sacudiu a cabeça e observou o lindo palácio mourisco de dois andares, cercado de palmeiras, perto de um lago. Realmente, era um paraíso para uma lua de mel se você fosse muito rico. Depois de dormir a noite inteira na cabine do jato particular de Kasimir, ela acordara revigorada. Olhara pela janela e vira a terra dourada surgindo no oceano azul e, ao longe, o sol brilhando sobre as montanhas. – Onde estamos? Kasimir olhou para ela com os olhos brilhando. – Marrocos: meu lar. Naquele momento, os dois estavam parados diante do palácio na beira do deserto, em Marrakech. Ao longe, ela via a silhueta da Cordilheira do Atlas. Os pássaros cantavam enquanto cruzavam o céu. Uma piscina re etia os raios do sol nas folhas verdes das palmeiras. Era como se estivessem num oásis. Lindo, sim. Josie olhou para a cabine do segurança e para o portão de ferro. Mas também era um lugar de riqueza e de poder. – É lindo. – Ela suspirou e não conseguiu se segurar. – Ela está aqui? – Quem? – perguntou Kasimir, sem entender. – Bree. Você disse que ela estava aqui! – Eu nunca disse isso. Eu disse que tinha ideia de onde ela poderia estar. – Você acha que ela está em Marrocos? – Provavelmente, não. – Então, por que viemos para cá? – perguntou Josie. – Eu estava cansado do Havaí – falou ele friamente. – Como eu lhe disse, é aqui que administro meus negócios. – Você disse que, assim que nos casássemos, iria salvá-la. – Não – retrucou ele. – Eu disse que, depois que nos casássemos e que eu tomasse posse da sua propriedade, iria atrás dela. Josie sacudiu a cabeça, desanimada.


– Você não pretende esperar por algumas formalidades legais... – Não pretendo? Depois de recuperar sua irmã, você pode resolver não transferir as terras para meu nome. Ou exigir que eu lhe pague, digamos, cem milhões de dólares. – Cem milhões... – Ela não conseguiu nem repetir a quantia. – Por 242 hectares? – Você sabe o que a fazenda representa para mim e poderia usar meus sentimentos a seu favor – argumentou ele, muito tenso. – Eu não faria isso! – Sei que não. Porque não terá esta chance. – A transmissão de posse pode levar meses! – Tenho ótimos advogados. Dentro de algumas semanas, as terras estarão em meu nome. Algumas semanas? Josie tentou se acalmar e argumentar razoavelmente. – Não posso esperar tanto tempo. Kasimir torceu os lábios. – Você não tem escolha. – Mas minha irmã está em perigo! – Josie explodiu. – Perigo? – Ele ficou surpreso. – Se existe alguém em perigo, essa pessoa é Vladimir. Josie franziu as sobrancelhas. – O que quer dizer? – Bree sempre foi a fraqueza de Vladimir – murmurou Kasimir, pegando na mão dela. – Vamos entrar. Quero lhe mostrar uma coisa. Ele a fez atravessar um belo jardim e, quando passaram sob os arcos, ela cou a admirá-los. O saguão era decorado com pinturas de ores e motivos geométricos, coloridos e folheados a ouro. Ela nunca vira algo tão lindo. Ao entrar na sala, Josie cou boquiaberta ao ver o teto, que parecia formado por pequenas estalactites perfeitamente simétricas. – Isso são muqarnas? – perguntou ela, deixando Kasimir admirado. – Adoro ler livros ilustrados a respeito de arquitetura – ela explicou. – É evidente – disse ele, divertido. Josie inclinou a cabeça e franziu os olhos. – É lindo. Ainda que seja falso. – Falso? – O construtor fez com que parecesse antigo e mourisco, mas aqueles elementos art nouveau nas janelas... Creio que ele deve ter sido construído nos anos... 1920? – Você descobriu tudo isso só através de um livro ilustrado? – ele perguntou, espantado. – Devo ter passado algumas horas olhando os livros do meu restaurante árabe preferido... Kasimir sorriu. – Você tem razão. Isso foi construído para ser um hotel, na época em que Marrocos era um protetorado francês. – Ele olhou para ela com admiração. – Não acredito que Bree possa ser mais esperta que você. Josie cou orgulhosa com o elogio e ainda estava prosa quando eles atravessaram o jardim interno do palácio, onde, apesar do sol inclemente, o ambiente era mais fresco, cheio de ores, laranjeiras e


palmeiras em volta de um belo chafariz feito de pedras. Kasimir a fez entrar por uma porta que se abria para uma das varandas que davam para o jardim. – Este será seu quarto. Ela entrou num enorme quarto de teto alto, suntuosamente decorado e com duas janelas com grades. Uma delas dava para o jardim; a outra, para o deserto. – Você precisará de algo para vestir enquanto estiver aqui. – Não, só preciso de uma máquina de lavar e uma secadora. Kasimir abriu a porta de um armário. – Agora é tarde. Josie se aproximou e viu que o armário estava cheio de roupas com etiquetas famosas. – De quem são? – São suas. – De onde vieram? Foram deixadas por outras convidadas? – Convidadas? – Ele sorriu. – É assim que você as chama? – Você entendeu o que eu disse! – Por que eu me daria ao trabalho de vir a Marrakech para ter uma aventura de uma noite? – É, por quê? – Josie resmungou. Seu marido poderia seduzir qualquer mulher com um sorriso. Ele a derretera com um único beijo roubado. – Olhe, só quero saber se estaria usando roupas que você comprou para outra pessoa. Kasimir soltou um suspiro exagerado. – Elas foram compradas especialmente para você, em Marrakech, Josie. Se não acredita... Dê uma olhada nisso – Ele sorriu maliciosamente e abriu uma gaveta. Ela arregalou os olhos ao ver uma enorme quantidade de roupas íntimas. – Você nunca mais precisará sair sem elas... A não ser que queira. Ela corou e se afastou. – Ótimo. Obrigada. – E, para sua informação, nunca trouxe uma convidada para cá. Ela estremeceu, mas disfarçou. – Eu sou a primeira? – Você é mais que uma convidada – falou ele gentilmente, afastando um cacho de cabelos do rosto dela. – É minha esposa. Josie sentiu o toque dos dedos de Kasimir sobre o rosto, sua proximidade, e engoliu em seco. Fingiu examinar as roupas. – Então? Viu algo que a agradasse? – perguntou ele. – Sim, mas nada que me sirva. – Mas todas são do seu tamanho. – Olhe: aprecio o seu gesto, mas... são todas muito elegantes. – Muito elegantes? – Ele ficou surpreso. – Gosto de roupas confortáveis, com as quais eu possa trabalhar. Kasimir olhou para ela. – Você dormiu com esse vestido? Ela olhou para o vestido de casamento apertado. – Voltei a vesti-lo hoje de manhã. Dormi nua.


Kasimir engoliu em seco. – Nua? – Olhe, realmente apreciei sua gentileza, mas, até que eu lave minhas roupas, você não poderia me emprestar um jeans velho e uma camiseta? Ele ficou tão chocado que sua expressão era cômica. – Você prefere usar minhas roupas velhas às roupas de marcas famosas? Você é uma mulher muito incomum, Josie Xendzov. Ao ouvi-lo dizer seu nome de casada, Josie sentiu o coração bater fora de compasso. – É o que sempre me dizem. – E que trabalho você pretende fazer por aqui, princesa? Cavar trincheiras? Trocar o óleo do meu Lamborghini? – Você tem um Lamborghini? – perguntou ela depressa. – Você não dá bola para roupas de estilistas, mas se impressiona com um carro? Você nem sabe dirigir! – Quando eu tinha 6 anos, meu pai importou um Lamborghini que chegou à nossa casa em pleno inverno e cou coberto de neve. Meu pai deixou que eu brincasse de dirigir durante horas, movimentando o volante, imaginando que participava de uma corrida. Nós dois nos divertimos muito. – Ela começou a piscar. – Foi a primeira vez que eu o ouvi rir. Dizem que ele ria sempre, antes de minha mãe morrer. – Ela fitou o chão. – Sinto falta da minha família e da minha casa. Por um momento, Kasimir não se mexeu. E então, ele pegou na mão dela. Josie respirou profundamente, esperando que ele lhe dissesse que Black Jack Dalton fora um criminoso e que não merecia ter um Lamborghini. Esperava que Kasimir debochasse da sua tristeza e lhe dissesse para esquecer as lembranças felizes da infância. Mas, pelo contrário, Kasimir olhou para ela e puxou-a pela cintura. – Então, você tem um carinho especial por Lamborghinis? – perguntou ele ternamente. – Eles não são sofisticados demais? Josie sentia o toque da mão dele lhe aquecer todo o corpo. – Não – sussurrou ela. – Nesse caso... – Ele deu um sorriso malicioso e acariciou-lhe o rosto carinhosamente. – Sei exatamente o que fazer com você.


CAPÍTULO QUATRO

DUAS HORAS mais tarde, Josie tremia de medo ao agarrar o câmbio. – Não acredito que esteja me mandando fazer isso. – Não estou mandando você fazer nada. Ela tomara um banho e vestira um jeans e uma camiseta de Kasimir, mas estava longe de se sentir confortável, e suava. Os dois estavam dentro do carro, nos jardins do palácio. Pela primeira vez, desde criança, Josie estava sentada no banco do motorista. – Você queria aprender a dirigir – argumentou Kasimir. – Não no seu Lamborghini novo! – Quanto esnobismo. Ele é sofisticado demais para você? – Você está rindo agora, mas vai chorar quando nós formos parar dentro da piscina. – Eu compro outro. – Ficou louco? Essas coisas custam muito dinheiro! – Não para mim. – Ele colocou a mão sobre a perna de Josie. Ela cou extremamente alarmada, até perceber que ele lhe empurrava o joelho. – Pise mais fundo na embreagem. – Ele colocou a mão sobre a dela, no câmbio. – Movimente-o deste jeito. Assim... Josie engoliu em seco, nervosa. Acelerou e parou. Pisou no acelerador, freou. Derrapou. Repetiu tudo outra vez, levantando nuvens de poeira. – Você está indo bem – falou Kasimir pela décima vez, sorrindo encorajadoramente, embora já estivesse tossindo. – Como pode ser tão paciente? – gritou ela. – Eu sou péssima! – Não seja tão exigente consigo mesma. É sua primeira vez. Josie apoiou a cabeça no volante e olhou-o de lado. Desde que conhecera Kasimir, muitas coisas lhe haviam acontecido pela primeira vez: ser perseguida por um homem que queria se casar com ela, sentirse tomada por um estranho desejo, estar realmente atraída por alguém. Ela olhou para o enorme diamante que brilhava em seu dedo. A primeira vez que percebia a profundidade de seu azar: estar casada com um belo príncipe cujo coração jamais bateria apaixonadamente por ela. O celular de Kasimir tocou, ele se desculpou e atendeu. Josie cou aliviada por fazer uma pausa na direção, ou no que seria sua versão apavorante de dirigir. Esticou-se no banco e bocejou. De repente, ela notou que Kasimir se virava para o outro lado, saía do carro e fechava a porta. Com quem ele estaria falando? Certamente, com alguém que não queria que ela soubesse quem era. Josie saiu silenciosamente do carro. Kasimir se afastara e estava falando em voz baixa, em russo. – O jato de Vladimir decolou para a Rússia? Tem certeza? Ela ainda está com ele? Muito bem. Deixe


Oahu e vá para São Petersburgo imediatamente. Kasimir desligou, voltou-se e arregalou os olhos ao vê-la do seu lado. – O que aconteceu? – perguntou ela calmamente. – Nada que lhe diga respeito. – Você não encontrou minha irmã? – Não. – Ele deu um sorriso cheio de charme, mentindo na cara dela. – Você quase controlou a embreagem. Pronta para recomeçar? Josie não se mexeu. – Aprendi russo na escola – disse ela. – Durante seis anos. A expressão de Kasimir mudou. – Você encontrou Bree – sussurrou ela. – Ela estava em Oahu. Você não queria que eu soubesse. Kasimir olhou para ela e concordou, aborrecido. Josie fechou os olhos e respirou profundamente, entristecida. – Ela estava em Oahu durante o tempo que estávamos lá. Poderíamos ter atravessado a ilha para encontrá-la. – Só se zéssemos isso no momento em que você foi me procurar. – Ele a viu abrir os olhos. – Ainda não estávamos casados. Você poderia ter ido embora. Eu não tinha motivo para lhe contar. Josie soltou um grito e começou a bater no peito dele. – Seu miserável! Kasimir não reagiu. – Eu não a culpo por estar furiosa – falou ele gentilmente. – Foi por isso que você me trouxe para cá? – Ela recuou. – Maldito. Como pode ser tão egoísta? – Ou você já sabe a resposta ou é tola. E ela era. Era tola por ter acreditado em seus elogios e nas mentiras que ele lhe contara. Josie se voltou e começou a se afastar. – Onde você pensa que vai? – falou ele, segurando-a pelo pulso. – Para São Petersburgo. Para salvá-la, já que você não vai! – E como pretende fazer isso? – ele falou em tom divertido. – Sem dinheiro e sem nada para dar em troca? Ela ergueu a cabeça. – Talvez seu irmão se interesse em trocá-la pela antiga propriedade da família. – Você não faria isso! – Por que não? Ela agora é minha. Obrigada por se casar comigo. – As terras agora pertencem a mim. – Ele apertou o pulso de Josie. – Assinei um acordo pré-nupcial, lembra-se? Ele protegia tudo que era seu, antes do casamento. Mas também protegia o que era meu! Os olhos de Kasimir chisparam – Você, a única mulher honesta que existe, roubaria minhas terras e as daria a meu irmão? – Por que não? Você roubou meu primeiro beijo! – gritou ela, tremendo e tentando controlar as lágrimas. – Deveria ter sido especial. Algo que eu partilhasse com alguém que amava ou que poderia amar. E você estragou tudo! Você mentiu para mim desde o momento em que cheguei a Honolulu. Você


diz que não pode con ar em mim e que só vai salvar Bree depois de tomar posse das minhas terras legalmente? Talvez eu não confie em você também! Kasimir fez uma expressão ameaçadora. – Sim. Eu menti a respeito do destino de sua irmã. E sim: beijá-la foi um erro. Mas não se comporte como uma vítima traumatizada... Você gostou do beijo. Admita. – O quê? – Ela tentou soltar o braço. – Ficou louco? Kasimir a abraçou contra o peito. – Diga o que quiser. Sei o que senti quando você estava nos meus braços – resmungou ele. – Senti seu corpo tremer. Você arregalou os olhos, conteve a respiração. Entreabriu a boca, lambeu os lábios. Não percebeu que me fazia um convite? – Ele a segurou pelo queixo. – E está fazendo o mesmo agora. Josie engoliu em seco, virou a cabeça e fechou a boca. – Talvez eu quisesse que você me beijasse. Naquela hora... – sussurrou ela, olhando esperançosa para o portão de ferro: a saída que a levaria até o aeroporto de Marrakech. – Mas não quero mais. Só quero que me deixe ir embora. – Estar casada comigo é tão ruim? – perguntou ele. – Me beijar foi tão desagradável para você? Josie respirou profundamente. – Não – falou ela com sinceridade. Não podia mentir. – Mas não posso car aqui durante semanas, esperando que Bree esteja bem. Se você não tem pressa em salvá-la... faço um acordo com outra pessoa. – Você não chegaria nem a Marrakech. – Pego uma carona. E empenho meu anel para pagar a passagem até São Petersburgo. – Você nunca conseguirá falar com Vladimir! – Meu celular! – Ela se lembrou. – Posso telefonar para Bree. Um dos dois vai atender. A bateria descarregou, mas posso recarregá-la e... – Josie olhou para a casa, olhou para ele e percebeu o que ele pensava. Com um gemido, ela saiu correndo. Estava no meio do jardim quando ele a alcançou e levantou-a do chão. – Não vou deixar que telefone para ele. – Solte-me! – protestou ela. – Vladimir nunca terá a propriedade. – Debaixo das palmeiras, perto do chafariz, ele a soltou. Josie sentiu a rmeza do seu corpo enquanto deslizava até o chão. Ele a segurou pelos pulsos. – Ela é minha. Assim como você. Josie sacudiu a cabeça violentamente. – Você não pode me prender aqui. Vou gritar o máximo que puder! Um dos empregados vai... – Meus empregados não dirão nada. Eles são leais. Josie não conseguia soltar os pulsos. As lágrimas lhe subiam aos olhos. – Alguém vai falar – sussurrou ela. – Alguém vai me ouvir. Não estamos tão longe da cidade. Vou encontrar um telefone, enviar um e-mail. Você não pode me manter aqui, contra a vontade. Kasimir soltou-a de repente. – Tem razão. – Você está me libertando? – Ela massageou os pulsos. Ele deu um sorriso devastador. Parecia exatamente um príncipe russo impiedoso, com os olhos azuis gelados como a Sibéria. – Errado.


Josie se arrepiou e recuou. – Seja lá o que você estiver tramando, não vai funcionar. Eu vou fugir... – Vai? – ronronou ele. E, encolhendo-se como um tigre, ele se aproximou rapidamente. PARADO SOBRE os grossos tapetes espalhados pelo piso de areia da sua enorme tenda, no maior e mais luxuoso acampamento do deserto do Saara, Kasimir ouvia o ruído do helicóptero que se afastava e olhava para sua prisioneira, quer dizer, para sua querida esposa, sentada na cama. Amordaçada com uma macia faixa de seda, Josie olhava para ele com os olhos brilhando de raiva. Ainda vestia seu jeans largo e sua camiseta, mas, pela alça de renda do sutiã, ele percebia que ela vestira uma das roupas íntimas sexy que ele lhe dera, e sentia o corpo enrijecer. – O que vou fazer com você? – perguntou ele amavelmente. Josie resmungou algo abafado, mas, pelo tom, ele teve a impressão de que não fora algo gentil. Kasimir suspirou. Deveria ter imaginado que Josie falava russo, idioma quase sempre ensinado nas escolas do Alaska. Lamentava ter sido apanhado naquela mentira, mas, naquele momento, lamentava ainda mais o fato de ter prometido nunca mais beijá-la. A palavra dada era algo sério: inquebrantável. Sem saber, ele já rompera a promessa que zera ao pai quando Vladimir vendera as terras sem nada lhe dizer. Não romperia outra. A verdade é que ele se sentira atraído por Josie Dalton desde que a conhecera no restaurante, na noite de Natal. Beijá-la no dia anterior, dentro do carro, em vez de saciá-lo, só zera com que ele a desejasse mais. O beijo tímido, trêmulo, perfeito em sua inexperiência, atingira-o como um tufão, quase o deixando de joelhos. Por que Josie tinha tamanho poder sobre ele? Ele sentiu algo atingi-lo na perna, suspirou e sentou-se ao lado dela. – Pare de me chutar, e eu a desamarro. – Umpf! – resmungou Josie furiosa, dirigindo-lhe um olhar mortal. Kasimir suspirou e lhe tirou a mordaça. – Eu avisei o que aconteceria se você não parasse de gritar – disse ele, aborrecido. – Você estava levando o piloto à loucura. Tark já esteve em lugares perigosos, em missões militares, mas nunca ouvira os palavrões que saíram de sua boca. – Você me sequestrou. – Josie tossiu e despejou uma série de impropérios contra a masculinidade, a inteligência e a linhagem de Kasimir, num tom doce que o deixou admirado com sua vulgaridade. – Santo Deus! – Ele deu uma risada. – Estou começando a achar que você não é tão inocente quanto parece. – Vá para o inferno! – Quem a ensinou a xingar desse jeito? – A sua mãe. – Ela mordeu a língua ao se lembrar de que a mãe dele já morrera. – Desculpe – ela disse, envergonhada, mostrando-lhe os pulsos. – Daria para me desamarrar agora? Kasimir cou admirado. Depois da maneira como a jogara dentro do helicóptero, ignorando seus protestos, amarrando-a, ela se sentia culpada por um insulto impensado? Não queria magoá-lo? – Você é uma mulher e tanto, Josie Xendzov. – Ele começou a desamarrá-la. – É o que você sempre diz. – Ela olhou em volta da tenda branca. Uma cama com dossel, tapetes turcos, um biombo de madeira entalhada, escondendo o armário, iluminação amarelada, proporcionada


por uma lamparina carregada por luz solar. – Onde estamos? – Na minha casa. Bem no meio do Saara – disse ele com sarcasmo. – Obrigada por não me manter acorrentada como uma prisioneira. – Creia, isso é muito tentador. – Enquanto soltava os nós de seu pulso, ele tentava não notar a maciez de sua pele, nem imaginar as roupas íntimas de renda. Tentava não pensar em como seria fácil empurrála sobre a cama, prender seus braços acima da cabeça e entreabrir-lhe as pernas, ainda amarradas nos tornozelos; em como seria lamber-lhe as coxas, até deixá-la trêmula. Não. Ele não podia pensar nisso. Kasimir sentiu o suor descer por sua testa. Empenhara sua palavra. Isso queria dizer que seus lábios não poderiam lhe tocar os seios, nem suas mãos lhe abrir as coxas. Não poderia saciar sua sede de acariciá-la e beijá-la e de se perder dentro do corpo de Josie. Assim que as cordas se soltaram do pulso da mulher, ele se afastou e passou a mão pela cabeça, sentindo-se atordoado. Ela esfregou os pulsos e olhou para ele, desconfiada. – Você está bem? Ele piscou e tou os olhos castanhos expressivos, nos quais ainda brilhava o ressentimento. A voz de Josie era como a água fresca do oásis para um homem que morria de sede. Ela sentiria a mesma atração que ele? Ele tivera certeza, em Honolulu; acreditara ter percebido o desejo nos olhos dela, em Marrakech. Agora se perguntava se não fora apenas uma miragem, uma ilusão criada pela própria ânsia e pelo desejo inexplicável. – Por favor – sussurrou Josie, esticando os pés ainda amarrados – Desamarre-me. – Sim – falou ele em voz rouca. Queria lhe dar prazer. Queria empurrá-la sobre a cama, rasgar-lhe as roupas, entrar em seu corpo até fazê-la gritar de satisfação... Kasimir se controlou e ajoelhou-se a seus pés. Mesmo com as calças largas, ela tinha as pernas de uma houri – uma das belas virgens do paraíso. Enquanto ele desamarrava as cordas, roçou os dedos em suas pernas, na sola de seu pé. Notou que ela se arrepiava e parou, sentindo o coração bater mais depressa. Subiu os olhos por suas pernas, por suas coxas e pelo paraíso que o esperava entre elas. Depois, olhou para os seios e para o rosto de Josie. E começou a suar ainda mais. Empenhara a palavra. Assim que a corda se soltou, ele levantou com as pernas trêmulas, os punhos crispados, o corpo ansiando pelo que poderia ter feito. – Eu não deveria tê-la amarrado. Deveria tê-la deixado gritar e mandado Tark para o inferno. – Não diga... Vai me pedir desculpas? – Erros acontecem... – Era o máximo que ele conseguia dizer. – Você não está acostumado a pedir desculpas, não é? – Não faço disso um hábito. – Pior para você. É um hábito que eu tenho. Eu me desculpo a toda hora. Você deveria tentar. – Já faz muito tempo... – Kasimir sentiu a garganta arder ao se lembrar da última vez em que pedira desculpas. Há dez anos, chegara a São Petersburgo e descobrira que a “entrevista” que dera estava em todos os jornais. Imediatamente, ele telefonara para o irmão, ainda no Alaska. Ainda se lembrava da maneira humilde como se desculpara. – Desculpe. Eu não sabia que era um repórter. Perdoe-me, Volodya.


Mas seu irmão usara a con ssão contra ele, convencera-o de ter cometido uma traição e rompera a parceria que mantinham juntos na empresa. E, durante todo o tempo, Vladimir soubera que iria fechar um negócio de um bilhão de dólares na Sibéria. – Quanto tempo? – perguntou Josie docemente. Kasimir deu de ombros. Pedir desculpas era admitir que cometera um erro, e ele aprendera que pedir perdão humildemente era inútil e autodestrutivo como se jogar diante de um trem. – Dez anos. Josie ficou perplexa. – Está falando sério? – Preciso sair. Você fica aqui. Estarei de volta em alguns minutos – ele falou, muito tenso. – Aonde você vai? – Tomar um banho e trocar de roupa. – Ele viu que ela olhava para a mochila, no chão. Quase podia vê-la raciocinando. Ótimo. Ela que procurasse o celular e tentasse usá-lo: não havia como recarregar a bateria e, mesmo se funcionasse, não haveria sinal. – Fique à vontade, mas não tente sair do acampamento – ele avisou. – Você está no meio do deserto. Não terá como escapar. Por favor, nem tente. – Certo – falou ela com indiferença. – Não vou fugir. – Estou falando sério – disse Kasimir asperamente. – Se você se perdesse na areia, teria uma morte horrível. – Morte horrível. Entendi. Kasimir suspirou, saiu da tenda e entrou em uma menor, onde estava instalado o banheiro. Sabia que Josie tentaria algo, mas logo veria que não havia para onde ir. Ele esticou o pescoço para aliviar a tensão. Com sorte, ela levaria dez minutos tentando fazer com que o celular funcionasse. Ele riu, tirou a roupa e usou os baldes de água para se lavar. Depois de se sentir mais relaxado, vestiu a túnica tradicional sobre calças largas, com as quais realmente se sentia à vontade. Kasimir amava a natural selvageria do deserto, muito mais racional e piedosa que a selvageria do mundo empresarial. Ao sair do banheiro, ele contemplou o imenso céu azul e as areias que se estendiam até o horizonte. O acampamento era formado por oito grandes tendas, usadas basicamente pelos empregados berberes que mantinham o acampamento montado em volta de um oásis. No limite do acampamento havia um cercado para os cavalos e, mais além, o heliporto. Kasimir apreciou as dunas que se espalhavam em volta do acampamento. A areia abafava todos os sons. O sol começava a se pôr. Seu oásis no deserto não poderia ser mais distante do Alaska. Ali, ele não se lembrava da neve e do frio. Nem da única promessa que deixara de cumprir. Até agora. Ele suspirou e pensou que seria um erro esperar até recuperar as terras para procurar por Bree. Enquanto Josie se sentia infeliz, ele se torturava por estar a seu lado, sem poder tocá-la. – Senhor... – Um dos empregados se aproximou correndo e apontando para o deserto. – Sua mulher... Kasimir viu Josie tentando escalar uma duna, chutando as sandálias e en ando as pernas na areia. Deveria ter sabido que uma ameaça de morte não seria su ciente para detê-la. Irritado, ele foi atrás dela, alcançou-a com facilidade, pegou-a pela mão e arrastou-a até o topo da duna. – Veja onde você está, Josie! – ordenou ele. – Olhe! Josie rodou, olhando em todas as direções. Era como estar no meio do oceano, cercada por ondas de


areia. – Há um motivo para eu tê-la trazido aqui – falou ele calmamente. – Não há para onde fugir. Ela ficou rodando até compreender a realidade e caiu de joelhos. – Não posso ficar aqui. Kasimir ajoelhou-se ao lado dela e tocou-lhe os cabelos. – Eu vou salvar sua irmã. Pare de tentar fugir. Está bem? Ela esfregou os olhos, sentou e olhou para ele. – Você espera que eu fique aqui e não faça nada, deixando-a nas mãos de Vladimir? E nas suas! – Pensei que você tivesse dito que eu era um homem de bom coração. Josie abafou uma risada e fungou. – Mudei de ideia. – Sua irmã não está em perigo. Vladimir não fez nada além de fazê-la limpar o chão de sua vila. – Como você sabe? – A empregada dele, no Havaí, cou revoltada ao vê-lo tratar uma hóspede com tamanha grosseria. Mas Bree sempre foi a fraqueza de meu irmão. É por isso que eu... – Ele se calou a tempo de não confessar que zera com que os dois se encontrassem no Havaí. A con ança que Josie tinha nele já estava por um o. – Descobri que ele a levou para seu palácio em São Petersburgo, onde sua empresa está negociando uma fusão. – E ele não a está... maltratando? Kasimir curvou os lábios. – Pelo que me disseram, o maior sofrimento que ela teve foi fazer compras em butiques luxuosas, com o cartão de crédito que ele lhe entregou. – Mas Bree odeia fazer compras – disse Josie, desconfiada. – Talvez você não a conheça bem como pensa. – Ele levantou e estendeu a mão para ela. – Assim como ela não conhece você. Ela pegou na mão dele. – O que quer dizer? – Ela passou os últimos dez anos tratando-a como se você fosse frágil e indefesa. Você não é nenhuma das duas coisas. – Ele a ajudou a levantar e puxou-a contra o peito. – Você é ousada, Josie. Forte, corajosa. – Eu sou? – perguntou ela. – Você não sabia? Você se arrisca para cuidar dos outros. Constantemente. De uma maneira que não consigo nem pensar. Ela mordeu o lábio e abaixou os olhos. – Nada de tentar escapar outra vez. Falo sério. Juro que Bree está bem. Seja paciente. Fique aqui comigo. A partir de agora, você não será tratada como prisioneira, mas como hóspede de honra. – Hóspede de honra? Você disse que eu era mais. – Não posso tratá-la como minha esposa – falou ele em voz rouca. – Não mais. – Do que você está falando? Claro que... – Não posso fazer amor com você. E, desde que nos beijamos em Honolulu, não penso em outra coisa. – Ele a ouviu conter a respiração. – Mas lhe dei minha palavra de honra. Não vou tocá-la nem beijá-la. – Ele olhou para seus olhos luminosos, onde qualquer homem seria capaz de se afogar. Para seus lábios... –


Você estará segura, até o fim, Josie. Ela concordou silenciosamente. Eles desceram pela duna, pegaram as sandálias que Josie soltara no caminho e voltaram ao acampamento. Kasimir pensou no bolo que encomendara para ela e que cara em Honolulu. Daria uma festa de casamento para ela, naquela noite, e faria de tudo para tratá-la como uma princesa, como uma rainha. Era o mínimo que poderia fazer. Ao deixá-la na entrada da tenda, Kasimir pretendia dizer que planejava algo agradável para aquela noite, mas a viu de ombros curvados, com uma expressão de tristeza. Sentiu o coração se contrair e de repente teve o impulso de lhe pedir desculpas, de dizer que sentia muito por levá-la até ali, por envolvê-la em seu plano de vingança. Acima de tudo, ele sentia por saber que, ao descobrir que ele chantageara sua irmã, Josie jamais iria perdoá-lo. Iria desprezá-lo para sempre. E ele começava a perceber o quanto se importava com o que ela pensava a seu respeito. Porém, quando ele abriu a boca, as palavras caram presas em sua garganta. Ele apontou para o guarda-roupa. – Você tem roupas limpas. Vou pedir que lhe tragam algo para beber e preparem um banho. Quando estiver pronta, vamos jantar. – Ele sorriu. – Uma espécie de festa de casamento. Josie não sorriu. Não pareceu interessada sequer no banho, um luxo raro no deserto. Sentou-se pesadamente na beira da cama. – Não quero ficar aqui com você – sussurrou. Ela estava muito linda, ele pensou, observando o formato de sua boca, seu pescoço gracioso. Tão inconsciente de sua beleza, de sua pele pálida e sedosa ou da bondade e do afeto que a iluminavam, como se tivesse fogo por dentro. E aquele fogo poderia ser muito maior... Ele precisava parar de pensar nisso. Kasimir parou na porta da tenda e, sem se voltar, falou em voz baixa: – Nunca deveria tê-la beijado. – Ele a ouviu soltar um gemido e se voltou para encará-la. – Eu estava errado. – Ele respirou profundamente e pronunciou as palavras que não fora capaz de dizer durante dez anos. – Desculpe, Josie.


CAPÍTULO CINCO

UMA HORA depois, Josie tomara um banho e vestira roupas limpas. Mais que nunca, estava determinada a fugir. Tudo bem. O celular não funcionara e sua tentativa de fuga fora ridícula. Mas não podia ficar ali. Não importava o que Kasimir achasse, ela não conseguiria ser paciente. Não abandonaria Bree nas garras do ex-namorado, acreditando que tudo estaria bem. Por que Kasimir insistira em mantê-la ali? Ele poderia fazer com que ela assinasse algum documento, passando a propriedade para seu nome. Algo não batia: ela se sentia tão prisioneira quanto Bree. Duas prisioneiras, de dois irmãos. Mas, ainda assim... Josie escovou os longos cabelos castanhos. De algum modo, ele também fazia com que ela se sentisse livre. Tivera a ousadia de viajar pelo mundo, de aprender a dirigir em um Lamborghini e de apanhar um homem poderoso em uma mentira. “Você é ousada, Josie. Forte, corajosa.” Ele estaria certo? Aquela seria a verdade que ela ignorara por tanto tempo, que tivera medo de admitir? Ela soltou a escova e prendeu os cabelos num rabo de cavalo. Tudo bem. Agora, ouvira a verdade e isso significava algo: talvez tivesse aceitado viver na gaiola, até agora... Mas não seria mais prisioneira, principalmente de um homem. Josie levantou, vestida em calças de linho e, por cima, uma túnica de algodão. Mergulhara deliciosamente na água quente perfumada com pétalas de rosas. Observava enquanto as empregadas berberes enchiam a banheira, sentindo-se como se estivesse em outra era. – Ele é chamado de Czar do Deserto – uma das mulheres sussurrara. – Veio para cá com o coração despedaçado. – O deserto o curou – dissera outra. Com o coração despedaçado? Kasimir? Se não o tivesse ouvido contar a história, Josie jamais teria acreditado. Ela estremeceu e se lembrou de seus lábios, de seus olhos frios, dos ombros largos e do corpo musculoso. Um homem como ele parecia não ter sentimentos, nem um coração que pudesse ser quebrado. Mas, agora, ela sabia demais. Um órfão que fora apunhalado pelas costas pelo amado irmão mais velho. Um romântico que esperara para perder a virgindade e se apaixonara por sua primeira mulher, pretendendo pedi-la em casamento. Se ela tivesse conhecido Kasimir quando ele tinha 22 anos... Josie estremeceu. Teria se apaixonado completamente por ele. Um homem com aquela força, lealdade, integridade e bondade era raro. Até ela sabia disso.


Sabia muito bem. Ela saiu da tenda e olhou o céu estrelado do anoitecer. Pare de se sentir atraída por ele. Não podia sentir ternura pelo jovem que ele havia sido. Nem desejo pelo homem de olhar endurecido que ele se tornara. Não podia se envolver num romance no deserto e começar a se imaginar como uma aventureira de lmes dos anos 1920. Kasimir não era o xeque Rodolpho Valentino, que pretendia seduzi-la e amá-la, por mais que a tivesse olhado daquele jeito, uma hora antes. “Nunca deveria tê-la beijado. Eu cometi um erro, Josie. Desculpe.” Josie endureceu o coração. Não podia con ar nele totalmente, por mais belo que ele fosse e apesar da maneira como fazia com que ela se sentisse. Havia algo que ele não lhe estava dizendo. E ela não caria à espera de descobrir o que era. O ar cava fresco. O acampamento estava iluminado por tochas que cercavam o oásis. O ambiente parecia mágico. Ela encontraria um jeito de fugir. Desta vez, não sairia correndo. Bolaria um plano. Talvez pudesse pegar um dos cavalos que vira no cercado. Não era muito boa quando se tratava de fazer planos. Bree tinha uma mente mais organizada para isso, ela era mais do tipo intuitivo, mas daria um jeito. Aproveitaria uma chance. Quando Kasimir não a estivesse vigiando. Josie procurava por ele, olhando para todos os lados. Imaginava seu belo rosto, tão expressivo e duro. Não admira que, sob o peso de sua atenção, ela se tivesse deixado encantar, até descobrir que ele era um mentiroso e sequestrador. Não precisava se envergonhar. Qualquer mulher teria cado atraída pela aparência de Kasimir, pelos olhos azuis, pela voz rouca e pelo contato sensual de seus dedos sobre a pele. Mas, agora, isso acabara. Não deixaria que ele a impedisse de fazer o que precisava. Não custaria nada se alimentar, antes de fugir. Seu estômago roncava. Comer lhe daria energia e, com isso, pensaria melhor. Um homem de turbante azul cumprimentou-a com uma mesura. – Princesa – falou ele em inglês, com um forte sotaque. Princesa...? Josie corou. – Ah, sim. Olá. Poderia me dizer onde está Kasimir... O príncipe Kasimir? O homem sorriu e lhe indicou um caminho iluminado por tochas, que conduzia até o topo da duna de areia mais alta. Lá em cima, ela descobriu que havia uma mesa e duas cadeiras sobre um tapete cercado por lanternas. Kasimir levantou-se ao vê-la chegar. – Boa noite. – Ele se aproximou e lhe beijou a mão. – Você está linda. Ela sentiu o calor de seus lábios e puxou a mão. – Obrigada pelas roupas e pelo banho. Espero não ter demorado muito. Ele deu um sorriso caloroso, e ela perdeu o fôlego. – Vale a pena esperar por você – disse ele. À luz avermelhada do crepúsculo, Kasimir estava extremamente bonito com a túnica marroquina de barra bordada, as calças largas e os cabelos agitados pelo vento. Ele puxou a cadeira para ela e, a despeito do esforço para se manter indiferente, Josie estremeceu e sentiu as pernas bambas: estar com ele naquele ambiente lhe parecia muito romântico. Ela caiu sentada pesadamente, e, quando ele empurrou a cadeira e acidentalmente tocou-lhe os ombros, ela conteve a


respiração até vê-lo sentado do outro lado da mesa. – Adorável – disse ela, olhando em volta. – Nunca pensei que se poderia colocar uma mesa aqui em cima. É encantador... – Sim – disse ele em voz baixa. – Encantador. Os dois se taram e ela sentiu o corpo se eletrizar, arrepiando-lhe os seios e o ventre, deixando-a constrangida: de repente, sentira vontade de se inclinar sobre a mesa e de acariciar o queixo de Kasimir, de passar as mãos em seus cabelos. O que estava pensando? Não podia estar atraída por ele. Constrangida, Josie olhou para as lanternas que cercavam o tapete e cou aliviada ao ver que quatro empregados se aproximavam, trazendo a comida. – Encomendei um jantar especial para esta noite. Espero que você goste. Posso servir-lhe um pouco de vinho? – perguntou Kasimir. – Claro. – Ela agiu como se estivesse acostumada a beber vinho no Saara, na companhia de um príncipe milionário que, no caso, Santo Deus!, era seu marido! Kasimir serviu o vinho. Ela levou a taça aos lábios e não gostou muito do cheiro, mas bebeu um grande gole. Engasgou, começou a tossir e fez uma careta. – Não gostou? – Kasimir parecia surpreso. – Parece um suco que fermentou! Ele deu uma gargalhada. – Mas, Josie, o vinho é exatamente isso, embora eu não ache que essa de nição possa ser usada como propaganda. Nada de vinho, então...? – Não gostei. – Eu nunca iria adivinhar. Você esconde muito bem seus sentimentos... Por um instante, os dois sorriram, e Josie sentiu o coração se comover, mas ele logo falou algo para um dos empregados, que se afastou, enquanto os outros três os serviam e iam embora. Josie olhou para a mesa e viu um jantar tradicional do Marrocos, com coisas que ela adorava: tahine, frango no vapor com cominho e açafrão, azeitonas, salada de cenouras com molho de or de laranjeira e canela, cuscuz com vegetais. Ela suspirou de satisfação. – Você não sabe quantas vezes comi em um restaurante marroquino, tentando imaginar como seria estar aqui. – Quantas vezes? – Toda vez que eu conseguia um cupom de desconto. Kasimir sorriu, mas depois ficou muito sério. – Isso significa que você me perdoou por trazê-la até aqui? Ela cou surpresa ao ver que ele estava vulnerável. Algo mudara: o homem generoso, exoticamente vestido, sentado diante dela, parecia muito diferente do milionário de terno preto que ela conhecera no Havaí. O deserto o deixaria tão diferente? Ou ela passara a saber demais sobre o homem que havia por debaixo das roupas? – Não gostei que você tivesse mentido a respeito de Bree. Nem que tivesse me trazido para cá, contra minha vontade. Mas... – Ela suspirou, provou o tahine e admirou o pôr do sol. – Nesse momento, é difícil ficar furiosa. Kasimir pegou na mão dela. – Obrigado.


Ela estremeceu, mas ele soltou a mão dela ao ver que o empregado voltava, trazendo um samovar de metal trabalhado, que deixou sobre a mesa. – O que é isso? – perguntou Josie, desconfiada. – Chá de hortelã. – Ah – ela falou com satisfação enquanto ele servia o chá. – Isso até parece uma lua de mel. Kasimir ficou paralisado. – O que quer dizer? – O banho com pétalas de rosas. Este magní co jantar. Nós dois, em Marrocos. Parece um lme romântico. Se eu não soubesse, iria pensar que... – Ela se calou e mordeu o lábio. – Iria pensar o quê? – Que você está tentando me seduzir – sussurrou ela. Kasimir enrijeceu os ombros e, depois, relaxou e sorriu com indiferença, para disfarçar a tensão. – Só em sonho eu poderia ter tanta sorte, não acha? – Ele fez um gesto largo, indicando o ambiente, o deserto. – Você está vendo todos os truques que eu usaria para conquistá-la. – E eles dariam certo... com outra pessoa. – Ela mudou rapidamente de assunto. – Como encontrou este lugar? Kasimir se recostou na cadeira e tomou um gole de vinho. – Depois que Nina me deu o fora, tive a brilhante ideia de conhecer todos os lugares onde obtivera direitos de mineração na América do Sul, na Ásia e na África. – Ele deu um sorriso maldoso. – Vladimir ficou feliz ao abrir mão dessas regiões. Não acreditava que eu fosse encontrar algo digno de escavar. – Você provou que ele estava enganado. – A Cruzeiro do Sul se tornou uma empresa que vale um bilhão de dólares, quase tanto como a dele. Eu deixei São Petersburgo totalmente livre. Sem família, obrigações, quase sem dinheiro, sem nada que me prendesse. O sonho de qualquer homem... – Isso me parece solitário. – Comprei uma motocicleta de segunda mão e saí da Rússia, cruzando a Polônia, a Alemanha, a França e a Espanha, até o estreito de Gibraltar. Peguei um barco para a África. Em Marrakech, percorri estradas que mal eram estradas... – Você queria desaparecer? – sussurrou ela. Kasimir deu uma gargalhada. – Eu desapareci. Meus pneus estouraram, o motor foi mastigado pela areia. Eu estava morrendo de sede quando eles me encontraram. – Ele indicou o acampamento. – Foi o melhor dia da minha vida. – Ele bebeu um gole de vinho. – Eles chamam esse lugar de m do mundo, mas para mim foi o começo. Encontrei algo no deserto que nunca tinha achado em outro lugar. – O quê? Ele pousou o copo na mesa e olhou para ela. – Paz. Por um instante, os dois ficaram se fitando, sentados em uma ilha, no meio de um oceano de areia. – O que seria preciso para você parar com essa guerra contra seu irmão? – perguntou Josie docemente. – O quê? – Os olhos dele brilharam. – Tudo que tem valor para ele. – É muito triste.


– Você ficaria triste por ele? – perguntou Kasimir, admirado. – Pelo homem que raptou sua irmã? – Não por ele. Por você. Você desperdiçou dez anos de sua vida com isso. Quanto mais pretende desperdiçar? Kasimir engoliu o resto do vinho. – Agora, não muito tempo. Josie estremeceu ao ver que ele sorria friamente. – Aí está. Esse sorriso. Você está me escondendo algo. O que é? Ele olhou para ela por longo tempo e, depois, desviou o olhar. – Não lhe diz respeito. Ela percebeu que ele queria encerrar o assunto. Tudo bem. Se Kasimir quisesse desperdiçar sua vida numa vingança estúpida, não era da sua conta. Ela não se importava. Realmente, não. – Prejudicar seu irmão é realmente mais importante que ser feliz? – falou ela, hesitante, mordendo o lábio. – Deixe isso para lá, Josie – disse ele asperamente. Josie sabia que deveria se calar e beber o chá, mas não conseguiu se conter. – Talvez, se você dissesse a ele o quanto o magoou... – Ele faria o quê? Iria se desculpar? Devolveria minha parte da Xendzov Mineração embrulhada para presente? – Ele retorceu os lábios com desprezo. – Seu otimismo deve ter um limite. Josie corou. – Você diz que devo ser espontânea, corajosa e ousada, mas há quanto tempo não faz a mesma coisa? – Se eu não lhe tivesse dado minha palavra, faria a coisa mais espontânea corajosa e ousada que posso imaginar: beijaria você. Ela prendeu a respiração. Kasimir suspirou e olhou para o céu. – Olhe para as estrelas. Elas brilham para sempre. Josie olhou para ele, sentindo os lábios formigarem e o coração se contrair. Depois, olhou para as estrelas. Kasimir tinha razão: as estrelas nunca lhe tinham parecido tão brilhantes, e ela se sentia pequenina e, ao mesmo tempo, maior, como se fizesse parte de algo infinito e vasto. – Você realmente tem tanta vontade de me beijar? – perguntou ela baixinho. – Tenho. – Não apenas porque estou ao seu alcance? – Eu nunca deveria ter dito isso. Sabia que não deveria beijá-la. Tentei agir como se não tivesse significado nada... Esperando que você não percebesse que teve. – Ah, eu percebi. Os dois se taram por cima da mesa. Enquanto se olhavam, sozinhos no deserto, o tempo pareceu parar. – Mas por que eu? – perguntou ela. – Você poderia beijar qualquer mulher que quisesse. Concordamos que não sou seu tipo... – Você insiste em falar sobre meu tipo. Qual é meu tipo? Josie olhou para o prato agora vazio e mordeu o lábio. – Magra, em boa forma. Passa horas na academia e raramente come alguma coisa. Kasimir balançou a cabeça.


– Continue. Josie deu uma olhada para as roupas que achara bonitas, mas que agora lhe pareciam fora de moda e muito largas. – So sticada, usa vestidos vermelhos justos e saltos agulha. – Ela passou a mão no rabo de cavalo. – Faz o cabelo todos os dias no salão. Usa maquiagem: delineador e batom. Kasimir riu. – Claro. Quando eu acordo ao lado dela, seu batom está perfeito. – Quer dizer, de manhã? – Josie piscou e despertou de seu devaneio. – Como isso é possível? Alguma fada viria renovar o batom durante a noite? Kasimir ergueu uma sobrancelha. – Ela acorda mais cedo para lavar o rosto, retocar a maquiagem e se pentear, antes de eu acordar. Josie deixou o garfo cair ruidosamente sobre o prato. – Nossa! Que perda de tempo! – Ela pensou em como gostava de dormir até mais tarde quando não precisava trabalhar. E, se estivesse dormindo com um homem como Kasimir, certamente haveria melhores coisas a fazer ao acordar. Não que ela soubesse. Josie cou vermelha e cruzou os braços, envergonhada. – Você jamais conheceria os defeitos de uma mulher como essa. Você realmente não iria conhecê-la! – Tem razão – falou ele. – É por isso que quero você. Josie descruzou os braços. – O quê? – Mais do que eu já quis qualquer outra mulher. – Ele se inclinou para a frente, na cadeira. – Conheço seus defeitos. Eles fazem parte do que a torna tão maravilhosa. Josie engoliu em seco e olhou para as próprias roupas. – Eu sou deselegante e mal-arrumada. – Você não precisa de roupas sexy: sua beleza é simples e natural. – Eu sou desajeitada e como demais. – Você come a quantidade adequada para manter seu corpo perfeito. – Meu o quê? – Ela deu uma gargalhada, mas se sentia angustiada. – Não tente dourar a pílula: eu sou gorda. – Gorda? – Ele sacudiu a cabeça. – Você quase me deixou louco com seu vestido de noiva. Você me provocou com aquele pedacinho de renda branca, mostrando parte dos seios e dos quadris, até quase me enlouquecer. – Kasimir levantou e deu a volta na mesa. – Você tem o tipo de silhueta que os homens adoram, e, se ainda não reparou, eu sou homem. Kasimir estava tão próximo que seus corpos quase se tocavam. Josie entreabriu os lábios e estremeceu. – Mas eu sou sem graça – murmurou ela. – Tola e ingênua. Eu digo coisas que ninguém quer ouvir. Ele ajoelhou ao lado dela. – Sua beleza não vem em potes. Vem do seu coração. – Ele pegou na mão dela. Josie de repente percebeu que ele não estava sendo apenas gentil. Estava tentando fazer um elogio a uma hóspede de honra. Ele não estava ertando. Realmente, não estava. Acreditava no que estava lhe dizendo. Ela sentiu um nó na garganta. Sempre desejara ouvir aquelas palavras de um homem, de qualquer


um, quanto mais de um homem tão bonito quanto Kasimir... Mas não podia se deixar encantar. Não podia. – Não tenho nada de especial – falou ela em voz rouca. – Está brincando? – Ele apertou a mão dela. – Quantas mulheres teriam gasto seu último centavo para atravessar um oceano e concordar em se casar com um homem como eu, apenas para salvar a irmã que é perfeitamente capaz de se cuidar sozinha? Josie tremia toda. Respirou profundamente e se afastou. – Qualquer pessoa teria... – Você está enganada – interrompeu ele. – É isso que a torna diferente. Você não é só corajosa e forte. Você não sabe o poder que tem. – Ele beijou a mão dela, e Josie sentiu uma onda de calor. – Você é uma força da natureza. Josie sentiu o corpo pegar fogo. Com o coração batendo forte, ela olhou para ele: a brisa lhe jogava os cabelos contra a pele bronzeada, contra as altas maçãs do rosto, que pareciam cinzeladas em mármore sob a luz do luar e das lanternas. – Agora você entende? Agora você acredita? – perguntou ele ternamente. – Eu quero você, Josie. Só você. Josie olhou para os lábios dele e estremeceu quando Kasimir lhe tocou o rosto. Ela deveria...? Teria coragem...? Ele, no entanto, afastou a mão. – Mas pretendo cumprir minha palavra. Estou quase feliz por tê-la dado. – Ele deu um sorriso melancólico. – Porque nós dois sabemos que você é boa demais para um homem impiedoso como eu. – Kasimir... Ele ficou sombrio. – Você está cansada. – Ele levantou e estendeu a mão. – Vou levá-la de volta para a tenda. Josie não se sentia cansada. Estava muito consciente das estrelas, da noite, do deserto. A distância, ela ouvia os gritos das aves noturnas. Sentia o cheiro da brisa. Nunca se sentira tão viva, tão desperta. Por causa dele. O rosto de Kasimir estava banhado pelo luar, que emprestava a seus cabelos e a sua pele um brilho prateado. Ele lembrava um príncipe ou um pirata de outras eras. Ela sentiu uma euforia se espalhar pelo corpo, pelo sangue. Como que em transe, pegou na mão dele. Sem dizer uma palavra, Kasimir levou-a de volta ao acampamento, para dentro da tenda, onde os dois pararam ao lado da cama e ficaram se olhando. Josie sentiu os joelhos fraquejarem. Seus lábios pareciam secos, e seu coração batia forte. Ele olhava para ela com ardor, como se estivesse a um passo de empurrá-la sobre a cama. Como se estivesse esperando ou rezando para que ela dissesse as palavras mágicas, livrando-o da sua promessa. Num supremo ato de força de vontade, Josie se afastou. – Bem, boa noite... – Boa noite? – Ele ergueu as sobrancelhas. – Sim – gaguejou ela. – Quer dizer, obrigada pelo nosso jantar de casamento... Estava tudo delicioso. Nunca irei esquecer seu sabor... Quer dizer, o sabor do tahine. – Que droga! Ela endireitou os ombros e quase gritou. – Boa noite! – Ah. – Ele sorriu e deu um passo na direção de Josie. Ela ergueu os braços para afastá-lo. E também porque desejava colocar as mãos no peito dele e sentir a rmeza de seus músculos. – Josie... – murmurou


ele. – Acho que você não compreendeu. Esta é minha tenda. Ela umedeceu os lábios. – E você a está cedendo a mim, como convidada? Não. Eu não poderia aceitar. Não vou tirá-lo da sua cama. – Obrigado. E não vou deixá-la fugir. – O quê? – Ela se sobressaltou, culpada. – O que o faz pensar que eu vou fugir? – Se você for sozinha para o deserto, morrerá. – Eu nunca... – argumentou ela, nervosa. – Então me dê sua palavra. – Ele parecia vê-la até o fundo da alma, na obscuridade da tenda. Kasimir tocou o rosto dela. – Minha palavra? – Como eu lhe dei a minha. Não apenas uma promessa: mas sua palavra de honra de que não vai tentar fugir. Josie conteve a respiração. Sabia o que a palavra de honra signi cava para os dois. Corou e umedeceu os lábios. – Com que finalidade? Você acha que eu seria idiota a ponto de... – Acho que você é uma otimista incorrigível. Quando se trata das pessoas que ama, você toma decisões com o coração. Não posso permitir que você se ponha em risco. Portanto, pretendo dormir aqui. Com você. A noite inteira. – Aqui? – exclamou ela, tentando encontrar um jeito de escapar. Talvez esperasse que ele dormisse e... – Onde você vai dormir? Nas almofadas? No tapete, ao longo da entrada? – Desculpe. Não vou dormir no chão. – Ele se aproximou e afastou um cacho de cabelos do rosto dela, com um olhar divertido. – Não quando tenho uma cama confortável. Ela enrugou a testa e suspirou. – Quer dizer que, depois de toda aquela conversa a respeito de eu ser uma convidada de honra, você ca com a cama e eu durmo no chão? – Ela viu um espaço no chão, não muito longe da entrada. Na verdade, ele lhe faria um favor. Josie se animou. Seria quase fácil demais! Mas Kasimir parecia estar descon ado, e ela continuou a se fazer de ofendida. – Tudo bem. Eu durmo no chão, como uma prisioneira. Não me importo. – Sinto muito, mas essa solução também não é aceitável. Só existe uma maneira de eu ter certeza de que você não irá fugir, assim que eu estiver dormindo. Ela olhou para ele, apavorada. – Vamos dormir juntos na cama – afirmou ele secamente.


CAPÍTULO SEIS

– DE JEITO nenhum! – Josie explodiu. – Não vou dormir com você! – Ela cruzou os braços, ergueu o queixo e olhou para ele de um jeito que não deixava dúvidas. Ele tinha razão: Josie planejava fugir. Kasimir franziu os olhos e também cruzou os braços. – Se eu não puder confiar em você, vou mantê-la perto de mim a noite inteira. Ela parecia estar à beira das lágrimas. – Você está sendo ridículo! Não acredita que não vou tentar fugir? Ele ergueu a sobrancelha. – Claro. Só preciso que você me dê sua palavra de honra. Josie arregalou os olhos e curvou os ombros. – Não posso – sussurrou ela. Kasimir afastou os cachos que se haviam soltado de seu rabo de cavalo. – Eu sei. – Como você soube? – Ah, kroshka – Ele olhou para os lábios dela, que tremiam, para seu rosto corado. – Seu rosto sempre mostra o que você sente. – Ele cou muito sério. – Mas você viu o quanto estamos isolados no deserto. Mesmo com seu otimismo, você não pode achar que é uma boa ideia fugir a pé, no meio da noite. – Meu plano não era esse – balbuciou ela. – Se você tentar escapar, morrerá. Será engolida pelo deserto, e nunca mais será encontrada. Josie ficou ainda mais desanimada e não teve coragem de olhar para ele. – Eu não seria... – Ela respirou fundo e o encarou. Seus olhos estavam cheios de lágrimas, e isso o atingiu como se fosse uma facada. – Não posso dormir na mesma cama que você. Ele crispou os punhos. – Droga, você não entende? Ou você dorme a meu lado ou vou amarrá-la, como z antes, e deixá-la dormir no chão! E então? – Eu estou pensando! Kasimir soltou um suspiro. – Não vou tentar seduzi-la. A essa altura, você já sabe disso. O que mais posso fazer para lhe provar? – Não precisa fazer nada – falou ela baixinho. – Confio em você. – Então, do que tem medo? – E se eu tocar em você? – sussurrou ela. O corpo de Kasimir se enrijeceu tão depressa que ele quase cambaleou de desejo. – Você... – Por acidente! – falou ela depressa, corando intensamente. – Enquanto estiver dormindo, posso me virar e abraçá-lo, ou algo assim. Você poderia ter uma ideia errada...


Ideia errada? A cabeça de Kasimir estava cheia de ideias, e todas lhe pareciam corretas. Ele observou a maneira como ela mordiscava o lábio rosado. Era um hábito. Ele sentia vontade de provar a doçura de seus lábios, de lhe abrir a boca e saborear sua língua. De jogá-la em cima da cama e de sentir seu corpo nu sob o dele. – Não teria? – perguntou ela, sem graça. – Ou saberia que seria apenas um gesto inocente? Kasimir pigarreou e se controlou. – Não se preocupe. Não tenho o hábito de atacar virgens durante a noite. Ela olhou para ele e, de repente, deu um sorriso que formou duas covinhas em seu rosto. – Por quê? Você prefere fazer isso em outra hora do dia? Ela o estava provocando! Kasimir ficou surpreso e deu uma risada. – Para sua informação, nunca fui o primeiro amante de ninguém. – Nunca? – Josie pestanejou. – Não – disse ele gentilmente. – Você foi meu primeiro “primeiro” beijo. – Fui? – E mudei de ideia – falou Kasimir em voz baixa. – Eu não sinto por tê-la beijado. Porque nunca esquecerei como foi bom. Os dois ficaram se olhando por um instante. – Nem eu – sussurrou Josie. O vento agitou a lona da tenda, e Kasimir se voltou. – Vá se trocar. – Trocar de roupa, com você aqui? Esqueça! – Troque de roupa atrás do biombo. Não vou olhar. – Você não pode esperar lá fora? – E lhe dar a chance de fugir no escuro? Não. – Mas eu não tenho camisola. – Ela deu uma risada nervosa. – Devo dormir despida? Nua. Kasimir fechou os olhos, imaginando as curvas quentes do corpo de Josie sob suas mãos. Tentou se controlar, mas seu corpo não obedecia. – Procure dentro daquele baú. – Ele evitou olhar para ela. – Deve haver algo que lhe sirva. – Obrigada. – Ele a ouviu mexer no baú e entrar atrás do biombo. – Fico lhe devendo... – Você me paga evitando se matar. Aliás, qual era seu plano de fuga? – Meu plano? Quando ele a ouviu falar por detrás do biombo, voltou-se. Viu que ela levantava os braços para tirar a túnica, pendurando-a sobre o biombo, e depois o sutiã. Kasimir engoliu em seco, excitado. – Tem razão: era totalmente idiota. Não pensei nos detalhes, mas pretendia roubar um dos seus cavalos e cavalgar na direção do pôr do sol. – Você sabe cavalgar? – Não. – Ela jogou as calças em cima do biombo e deu uma risada. – Pensando bem, estou aliviada por você ter descoberto. Josie estava nua ou quase, atrás do biombo: deveria estar usando apenas a calcinha que ele comprara para ela em Marrakech. Kasimir tentou não pensar nisso, porque, dentro de um instante, estariam deitados juntos na cama.


Ele pressentiu que a noite seria longa. – Bela camisola – disse Josie. – E recatada. Ele agradeceu por isso, embora soubesse que caria excitado, ainda que ela estivesse coberta dos pés à cabeça. Kasimir tirou a túnica e ficou com o peito nu. – Só para que você saiba, eu costumo dormir despido. – Ele a ouviu engasgar. – Mas não esta noite. – Ótimo. – Ela suspirou aliviada. – Nunca vi um homem nu, e esta não me parece ser uma boa hora para começar. – Nunca? – perguntou ele em voz rouca. Josie cou na ponta dos pés e olhou por sobre o biombo. Os olhos dela se demoraram em cima do peito dele, e ela ronronou: – Nunca. Kasimir não conseguiu respirar até que ela voltasse a desaparecer. Ele a viu levantar os braços para vestir a camisola pela cabeça, e as calças largas que ele usava lhe pareceram ficar apertadas. – É seguro eu sair agora? – perguntou Josie. – Mais seguro que nunca – resmungou ele. Josie apareceu vestida numa camisola de seda que lhe chegava aos tornozelos, mas deixava os braços nus. – Obrigada. É bem retrô. Dos anos 1940. – Mandei que meu pessoal procurasse lojas de roupas antigas e evitasse as butiques. Avisei que não queria nada “sofisticado”. – Adorei. – Ela passou a mão no tecido. – É macia. – Fico feliz por você ter gostado. Kasimir começou a suar. Os dois se voltaram ao mesmo tempo para a bacia de água e suas mãos se esbarraram. Josie puxou a mão – Você vai primeiro. – Não, fique à vontade. Ela lavou o rosto, escovou os dentes e foi para a cama. Tinha medo de tocá-lo, o que queria dizer que também se sentia atraída por ele. Isso fazia com que tudo se tornasse mais difícil. Kasimir escovou os dentes e, pelo canto do olho, viu-a deitar e a camisola se colar às suas curvas. Ele jogou a água fria no rosto, desejando poder fazer o mesmo para esfriar o corpo. Enxugou-se, apagou a lanterna e deitou-se ao lado dela. Os dois ficaram deitados o mais distante possível, no escuro. – Kasimir...? – falou Josie, depois de algum tempo. – O que vai fazer quando tudo isso acabar? – Está falando do nosso casamento? – Estou. Ele cruzou os braços sob a cabeça. – Vou ter tudo que sempre quis. – Você está se referindo às terras? – Entre outras coisas – ele disse. – Mas você não pretende morar no Alaska, não é? Viver em seu antigo lar? Ele se lembrou das noites que passara com o irmão no sótão frio, do amor constante de seus pais e de como acordava cedo para cumprir suas tarefas. Quando criança, tivera certeza


do que mais importava no mundo: lar, família, lealdade. – Não, não vou voltar – disse ele. – Então, por que deseja tanto essas terras? Só por causa da promessa que fez a seu pai? – Uma promessa feita em seu leito de morte... – Ele se calou. Durante anos, dissera a si mesmo aquela mentira, mas não poderia mais repeti-la, deitado ao lado de Josie. – Porque não quero que elas pertençam a Vladimir. Ele não merece ter um lar, nem um irmão. – E quanto a você? O que você merece? – perguntou ela docemente. – Exatamente o que vou conseguir – disse ele. Vingança contra o irmão e a Mata Hari, que causara a discórdia entre os dois. Propriedade exclusiva da Xendzov Mineração e da Cruzeiro do Sul. Isso o deixaria feliz e em paz. Tinha que deixar. – E você, o que vai fazer? – Não sei. Bree sempre falou em me mandar para a faculdade, mas não tenho certeza de que é isso que eu quero. – Por que não? Você se sairia bem. Josie deu uma risada tristonha. – Bree deveria ter ido. Ela é objetiva, batalhadora, mas deixou de estudar para me sustentar. Kasimir percebeu a culpa na voz dela, mas Josie deu mais uma risada. – Talvez ela tenha cado contente. Não tinha paciência na escola. Estava sempre de olho nos resultados. Se não fossem os antigos credores que nos ameaçavam, ela já estaria gerenciando o próprio negócio. – Não perguntei quais eram os sonhos de Bree. – falou Kasimir secamente. – Perguntei quais eram os seus. O que você quer? – Você vai achar que é tolice. – Nada do que você quer é tolice. A não ser roubar um cavalo e sair sozinha pelo deserto. – Não foi uma das minhas melhores ideias – admitiu Josie. Os dois caram em silêncio por algum tempo. Kasimir começou a imaginar se ela dormira, mas Josie se voltou para ele e falou em voz abafada: – Não conheci minha mãe. Ela morreu um mês depois que nasci. Ela deveria ter começado a fazer quimioterapia, mas descobriu que estava grávida e não quis me colocar em perigo. – Ela amava você. – Ela morreu por minha causa. – A voz de Josie estava trêmula. – Enquanto eu crescia, meu pai e Bree estavam sempre ocupados com planos. Eu ficava sozinha em casa, com uma babá que era paga por hora. Kasimir se comoveu ao pensar em Josie quando criança, ainda mais piedosa e vulnerável do que era agora, sentindo-se sozinha, carente, desprezada. – Desde criança eu sabia o que gostaria de ter, algum dia. Não era ir para a faculdade ou fazer uma carreira. – O que era? – perguntou ele baixinho e a ouviu conter a respiração. – Quero um lar. Quero ter minha própria família. Quero fazer tortas, lavar pilhas de roupas e cuidar do jardim rodeado por uma cerca branca. Quero ter um marido honesto e forte, que nunca mentirá para mim, que brincará com as crianças e cortará a grama aos sábados. Quero um homem a quem eu possa confiar meu coração. Um homem que eu possa amar pelo resto da vida. O coração de Kasimir se revirou dentro do peito. Por um instante, ele não conseguiu falar. – Viu? – disse ela com a voz embargada pelas lágrimas. – Eu lhe disse que era tolice. – Não é tolice – falou ele, muito tenso, voltando-se lentamente para olhar para ela, no escuro,


percebendo que ela chorava. De repente, ele sentiu inveja do futuro marido de Josie. Fosse quem fosse, deveria ser digno dela, darlhe lhos e cuidar dela. E ela o amaria pelo resto da vida. Josie possuía aquele tipo de lealdade, o tipo de coração que amaria para sempre. A ironia quase o fazia rir, porque estava casado com ela e não podia ser aquele homem. Não era seu companheiro, nem seu amante. Nem mesmo seu amigo. Mas poderia ser. – Depois que eu lhe pagar pelas terras, você e sua irmã estarão livres de todas as dívidas. Você poderá ir atrás de seus sonhos. – Ele sentiu um nó na garganta. – Sejam eles quais forem. – Você vai me pagar? – Ela se admirou. – Pensei que havíamos feito uma troca: as terras pela minha irmã. – Sempre pretendi lhe pagar o preço de mercado – mentiu ele, ouvindo-a prender a respiração. Não, Kasimir resolveu: ele lhe pagaria em dobro. – Você não sabe o que isso signi ca para mim. Não precisaremos mais nos esconder, estaremos livres. E, se sobrar algum dinheiro, Bree pode montar uma pousada. – E isso a fará feliz? Usar o dinheiro para realizar o sonho de sua irmã? – Sim! – exclamou ela. – Ah, Kasimir... – Ela lhe puxou o rosto pelo queixo e ele viu seus olhos úmidos. – Obrigada. Você é... Você é... – Ela soltou um soluço e o abraçou. Kasimir passou os braços em torno dela. Os dois ficaram abraçados na cama. Perturbado, com o corpo agitado, acariciou-lhe o rosto. – Josie... – Na obscuridade da tenda, ele via seus lindos olhos e mal conseguia ouvir sua respiração ofegante acima das batidas do próprio coração. Ela possuía a pele macia. Sentia seus braços nus sobre as costas. Seus rostos estavam a centímetros de distância. Ele queria beijá-la, abraçá-la e esquecer sua promessa, mas conseguiu se controlar e se afastou para o outro lado da cama. – Boa noite. – Boa noite – disse ela docemente. Kasimir fechou os olhos e suspirou. Ainda via seu belo rosto inocente, as curvas escondidas sob a seda, sinuosas como ondas. Ouvia os ruídos do acampamento, do vento, dos cavalos e ainda escutava a voz doce e inocente de Josie, tremendo de medo e de desejo. “E se eu o tocar?”, ela perguntara. Ele não precisava tocá-la para senti-la. Deitado ao lado dela, sob camadas de cobertas, a distância entre os dois parecia ser um deserto, mas cada suspiro que ela dava lhe causava um terremoto. Dentro de algumas semanas, quando as terras lhe pertencessem, ele a trocaria pelo que mais desejava. Assumiria o controle da Xendzov Mineração e faria justiça com os que o haviam magoado. Finalmente, venceria. Deveria estar satisfeito, animado. Mas, enquanto ouvia a respiração compassada de Josie, só conseguia pensar no que perderia. Ele olhou para ela. Josie não se importava com vingança e dinheiro. Queria desistir de uma fortuna para fazer a irmã feliz. Ela dava tudo que tinha, sem se preocupar com alguma retribuição. Nem sequer tentava proteger o próprio coração. “Obrigada, Kasimir. Você é...” Ele ainda ouvia a felicidade na voz dela, ao abraçá-lo. Ele era um miserável sem coração. Beijara-a, sequestrara-a, mantivera-a prisioneira, e ela insistia em perdoá-lo constantemente. Kasimir deitou de costas e olhou para o teto. Haveria algum jeito de mantê-la em sua vida? Algum


jeito de ligá-la a ele de tal forma que ela perdoasse o imperdoável? DOIS DIAS depois, Josie olhava para ele, consternada. – Você deve estar brincando! – Vamos – insistiu Kasimir, estendendo a mão. – Você disse que queria fazer isso. Josie olhou para a duna mais alta e mordeu o lábio. – Eu disse que parecia divertido... teoricamente. – Você sabe que quer. – O vento lhe agitou os cabelos enquanto ele sorria para ela. Kasimir usava uma velha camiseta preta, que acentuava seus músculos e seus bíceps, e um jeans. Parecia relaxado e mais jovem. – Você não está com medo, está? Josie umedeceu os lábios. Quando ele olhava para ela com aquele sorriso, ela sentia vontade de concordar com qualquer coisa, mas aquilo...? Ela olhou para trás. Três jovens berberes de cerca de 10 a 13 anos equilibravam-se sobre as pranchas coloridas e deslizavam pela areia, gritando alegremente e rindo. Kasimir e Josie estavam ao lado da tenda, comendo uvas, pão e kebabs de carneiro, quando os meninos haviam começado a deslizar pelas dunas. – Gostaria de poder fazer o que eles estão fazendo, de ser corajosa e livre – dissera ela. Kasimir levantara imediatamente. – Então, vamos. Naquele momento, ele olhava para ela com um olhar de desafio. – Tenho uma prancha extra. Vou lhe mostrar como se faz. – Dizer que algo parece divertido e ter coragem para fazer são duas coisas diferentes! – Não deveriam. – Parece perigoso. Bree nunca me deixaria fazer isso. – Mais um bom motivo para fazer. – Gostaria que você parasse de implicar com ela... – Eu não me importo com ela – interrompeu ele. – Eu me importo com você e com o que você quer. Sua irmã não está aqui para impedi-la, e não vou proibi-la. Você disse que gostaria. A única pessoa que a detém é você mesma. Josie olhou para a duna. Parecia muito alta, e a areia, muito áspera. – E se eu cair? – E daí? – Os meninos rirão de mim, ou você. – Eu? – Ele olhou para ela, admirado. – Isso é uma piada? O medo da minha reação a impediria de fazer algo? Não parece a Josie que eu conheço... Josie cou toda prosa. Kasimir achava-a corajosa. E, quando estava com ele, ela era e mal se reconhecia. No dia seguinte seria noite de Ano-Novo, mas, para Josie, o Ano-Novo – sua nova vida – já começara. Ela pagaria todas as dívidas, e só isso já era um presente. Ela e Bree estariam livres da nuvem de medo que pairara sobre suas cabeças durante dez anos, forçando-as a se esconder. Bree poderia montar uma pousada. E ela, Josie, nunca mais se sentiria um peso para alguém. Mas isso teria um preço. Josie olhou para Kasimir. Ele podia ser duro, egoísta e sem sentimentos, mas,


por dentro, era um homem bom, cuja generosidade mudaria sua vida. E ela nunca mais voltaria a vê-lo. Essa ideia começava a atormentá-la. Não podia mais se enganar: há muito tempo deixara de ver o casamento como um negócio. No dia anterior, Kasimir a ensinara a cavalgar. Fora paciente, até que ela perdera o medo e se mostrara con ante. Ela ainda se sentia dolorida, depois de terem cavalgado pelas dunas e ido até o vilarejo mais próximo para buscar medicamentos que haviam chegado de Marrakech. Na volta, os olhos de Kasimir lhe pareciam tão azuis e brilhantes como o céu e, a cada vez que ele sorria, Josie perdia mais um pedaço de seu coração. – Então? – perguntou ele, ainda com a mão estendida. – É macio como talco? Ele riu. – É áspero. Vai arranhar. – Parece divertido – resmungou ela. – Você quer ou não quer tentar? Josie olhou para os garotos que deslizavam pela areia com incrível velocidade. Pareciam estar se divertindo. Talvez não fosse difícil... Só dependia dela. Estava cansada de sentir medo de tudo, de viver uma vida muito abaixo de seus sonhos. Ela prendeu a respiração e pegou na mão de Kasimir. Ele a puxou. – Ótimo. Vamos fazer isso agora mesmo. O rosto dele estava a poucos centímetros. Josie estremeceu, mas não de medo. Cada vez que Kasimir a olhava ou falava com ela, sentia o coração se expandir, como se fosse capaz de voar. “Vamos fazer isso agora mesmo.” Ele apertou a mão dela, mas, de repente, a soltou, afastou-se e entrou numa tenda. Josie suspirou. Fora uma tortura dormir ao lado dele nas duas últimas noites. Era um milagre que tivesse conseguido dormir. Principalmente, na primeira noite, quando haviam conversado no escuro e ele lhe dissera que pagaria pelas terras. Ficara tão feliz que o abraçara, e ele a abraçara também. Por um instante, ela achara que ele fosse quebrar sua promessa, e o mais chocante é que ela desejara que ele o fizesse. Ela sentira os lábios formigarem enquanto esperara que ele a beijasse. Desejara colocar a mão em seu peito, sentir seu calor, seu fogo. Seu corpo ainda estremecia ao se recordar de como o desejara. E, olhando para ele, ela sabia que Kasimir sentia o mesmo. Mas ele não a tocara. Quando se afastara abruptamente, ela se sentira desamparada, decepcionada, quase arrasada. E isso não fazia sentido. Sempre achara que as promessas deveriam ser cumpridas, e, apesar de estarem juntos de uma maneira tão íntima, os dois não estavam – e jamais estariam – casados de verdade. Ela precisava se lembrar disso. Kasimir voltou, trazendo duas pranchas. Josie sorriu e liderou a subida até o topo de duna. Ele brincou com ela, dizendo que a esposa queria mostrar que era mais rápida que ele. Quando chegaram lá em cima, ele a fez sentar na areia e ajoelhou-se diante dela, para lhe amarrar os pés nas tiras da prancha. Josie imaginou se seria realmente corajosa. Ele prometera não beijá-la, mas nada impedia que ela o beijasse... – Você vai adorar – falou ele, tirando-lhe as sandálias. – Com certeza – disse ela, sentindo a boca seca. Kasimir sorriu. Josie se perguntou como o achara frio,


em Honolulu. Ali, ele se mostrava caloroso como o sol do deserto. – Você está nervosa? – perguntou ele. – Estou – sussurrou ela, rezando para que ele não percebesse por quê. – Não fique. – Para você, é fácil falar – Ela riu. Ele prendeu os pés dela na prancha e ajudou-a a levantar. Josie tentou manter o equilíbrio e testou a rmeza da areia. Fazia tempo que não esquiava. Sem as botas para neve, não havia muito suporte para os tornozelos na snowboard. Fazer curvas seria difícil. Kasimir prendeu os pés na prancha e pegou-a pelo braço. – Pronta? – Sim – sussurrou ela. – Preciso de um tempo para tomar coragem. – Então... – Ele sorriu. – Vamos apostar uma corrida? – Apostar corrida? – Josie observou a altura da duna. Não era tão alta quanto algumas montanhas onde esquiara, no Alaska, mas isso fora havia dez anos. Estava enferrujada. Descer pela areia seria como esquiar sobre o gelo. – Não acho que seja uma boa ideia. – Pensei que você queria mostrar que é mais rápida que eu. – Quero. – Então, uma corrida seria o ideal. Eu lhe dou uma vantagem na partida. Josie riu. Ele achava que seria mais veloz que ela. – Hum. Obrigada... – Se você vencer, ganha um prêmio. – Qual seria? – Ter sua própria tenda – falou ele. – Pelo resto do tempo que passarmos no Saara. Josie não ficou tão animada com a ideia, como teria ficado antes. – E se você ganhar? Kasimir olhou para ela, e algo em seu olhar fez com que Josie prendesse a respiração. – Você divide a cama comigo e deixa que eu faça amor com você.


CAPÍTULO SETE

DIVIDIR A cama com ele? O coração de Josie começou a bater freneticamente. Deixar que ele fizesse amor com ela? Ela tentara reunir coragem para beijá-lo. Como seria deixar que ele fizesse amor com ela? – Pensei que você havia dito que nosso casamento seria só no papel. – Mudei de ideia – disse Kasimir em voz rouca. – Você sabe que eu a desejo. Gosto de sua companhia. Não existe motivo para não sermos... amigos. – Amigos que irão se divorciar em poucas semanas. – Poderíamos continuar nos vendo. Se você quiser. – Se eu quiser? – Ela ficou surpresa. – Eu gostaria muito de vê-la, depois de nos divorciarmos. – Ele olhava para ela de um jeito que lhe atingia o coração. – Pelo tempo que você estiver interessada em se encontrar comigo. Pelo tempo que ela quisesse? Isso seria para sempre! Josie olhou para a base da duna. Não lhe parecia mais amedrontadora. Não, com aquele desa o. Não, com sua virgindade como prêmio. Mas... O que acontecera com a intenção de se guardar para o amor, para um marido de verdade? Ela sentiu o coração pulsar na garganta. Deveria deixar que o marido lhe tirasse a virgindade? – Só para você saber – falou ela hesitante. – Minha babá me ensinou a esquiar. – Melhor ainda. Com a vantagem que vou lhe dar, suas chances são muito boas. Ela não conseguiu deixar de sorrir diante da confiança masculina de Kasimir. – A jogadora é Bree, não eu. – Tem certeza? – perguntou ele gentilmente. Josie viu os garotos deslizarem novamente pelo outro lado da duna, cortando uns aos outros. Fechou os olhos, respirou profundamente e tomou uma decisão. – Combinado. – Ótimo. Os olhos dele brilhavam. Kasimir esperava vencer facilmente, sem saber que a escolha seria dela. Ela o deixaria vencer ou não? – Diga quando... – falou ela, antes que perdesse a coragem. – Um... Dois... Três... Já! Josie inclinou a prancha na beirada da duna e começou a deslizar. Instintivamente, seu corpo se adaptou e a prancha adquiriu velocidade. Por um instante glorioso, tinha a sensação de voar, e seu coração se encheu de alegria – algo que não sentia havia dez anos. E então, lembrou-se: se vencesse, dormiria sozinha. Se perdesse, Kasimir iria seduzi-la.


Ela diminuiu a velocidade, forçando os pés para o lado, inclinando o corpo para fazer com que a prancha encontrasse resistência na areia. Era difícil, porque seu corpo clamava por deslizar duna abaixo. – Você jamais vencerá desse jeito – gritou Kasimir do topo. – Vire os pés para baixo. Josie engoliu uma risada. Ele não sabia a força que ela fazia para evitar a posição correta. Ela começava a suar. Ele não percebia que ela se esforçava para não ganhar? – Lá vou eu. Ele começou a deslizar. Josie sorriu quando ele passou por ela, com uma expressão de alegria. – Agora, você é minha, kroshka! – gritou ele. Uma parte dela clamava por ir mais rápido. Deixe-o seduzi-la, dizia outra. Josie ouviu um grito e olhou para baixo. Um dos garotos perdera o controle e batera em outro, fazendo com que este rolasse pela areia, gritando de dor. O menino, que deveria ter 12 anos, estava com o rosto sujo de sangue e deixava um rastro vermelho sobre a areia branca. Josie não pensou: agiu. Virou os joelhos, inclinou o corpo e voou duna abaixo. Quando passou por Kasimir, viu seu rosto surpreso, mas ela só pensava no rosto ferido do garoto. Quando chegou lá embaixo, enviesou a prancha e parou a 3 metros do menino. Soltou os pés e correu descalça pela areia quente. – Você está bem? – ela perguntou em inglês. Ele respondeu soluçando, com cara de dor, mas Josie não entendeu. E então, ela viu que por baixo da calça branca, agora ensanguentada, o tornozelo formava um ângulo estranho. Josie piscou, com medo de desmaiar. Tomando cuidado para não olhar para a perna do menino, ela o amparou pelos ombros. – Tudo vai ficar bem – sussurrou num tom que inspirava confiança. – É uma fratura exposta – disse Kasimir, atrás dela, em tom calmo, virando-se e falando algo em berbere para os outros dois meninos, que saíram correndo na direção do acampamento. Kasimir ajoelhou ao lado dela e falou com o menino com uma incrível gentileza enquanto lhe rasgava a calça para examinar a fratura. Ele rasgou uma tira da própria camisa e entregou a Josie. – Pressione isso logo abaixo do joelho, para diminuir o uxo de sangue – falou ele calmamente. Com certeza, ele era bom para lidar com crises. Ela não era. – Eu não posso... – Claro que pode – afirmou ele. Ele acreditava nela. Josie não queria decepcioná-lo. Sentindo-se tonta, ela apertou o pano num ponto acima da ferida, com firmeza. Kasimir levantou, pegou a prancha e usou-a para escavar a areia antes de en á-la sob a perna quebrada do menino, improvisando uma tala, que ele amarrou com mais algumas tiras que rasgou da camiseta. Os pais do garoto chegaram correndo. A mãe chorava. O pai segurava a mão do lho, apavorado. Atrás deles, veio um homem que usava um turbante azul e que começou a dar ordens a que todos obedeceram, inclusive Kasimir. Cinco minutos depois, o menino era levado numa maca. Josie levantou com as pernas bambas e tentou segui-los. Kasimir a deteve. – Volte para a tenda. Não há mais nada que você possa fazer. Não queremos que você desmaie.


Ela ficou envergonhada por quase ter desmaiado ao ver a fratura. – Mas eu quero ajudar... – Você ajudou – falou ele gentilmente. – O tio de Ahmed é médico e vai cuidar dele até o helicóptero chegar. Ele ficará bem. Volte para a tenda. E arrume sua bagagem. Josie observou enquanto todos desapareciam dentro de uma tenda, inclusive Kasimir. Ainda atordoada, ela percebeu que suas mãos estavam sujas de sangue. Voltou para a tenda que ocupava com Kasimir, lavou-as e atirou-se sobre a cama. “Volte para a tenda. Arrume sua bagagem.” Ela engasgou ao compreender o que ele quisera dizer. Ela vencera. Ganhara a corrida por puro acaso. Não haveria sedução. A partir daquela noite, ela dormiria sozinha. Antes, Josie teria ficado aliviada. Mas agora... Ela levantou da cama, pegou a mochila e começou a recolher suas roupas; porém parou e olhou ao redor. Kasimir costumava jogar tudo no chão com displicência, sabendo que alguém viria arrumar a bagunça. Observando a tenda, ela podia ver como fora o dia do marido: a bacia de água vazia, o sabonete de sândalo. As calças amassadas do pijama e, num canto, a pasta cheia de papéis que ele não se dera o trabalho de olhar. A distância, Josie ouviu um trovão. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela as enxugou. Não queria deixá-lo. Aquele era o lugar onde eles haviam revelado seus segredos um ao outro durante a noite. A cama onde, se acordasse durante a noite, ela podia ouvi-lo respirar, voltando a dormir sossegada por ele estar a seu lado. Quando acabou de arrumar suas coisas, Josie pegou o livro que fora de sua mãe e sentou-se na cama para ler. Tentou se concentrar no romance, mas voltava sempre ao mesmo parágrafo, até vê-lo chegar. Ele parecia cansado. – O menino vai ficar bem? – perguntou Josie, ansiosa. – Vai – disse ele, colocando água na bacia e lavando as mãos. – O tio dele fez uma tala adequada. O helicóptero acaba de levá-lo para o hospital em Marrakech. – Graças a Deus – sussurrou ela. Kasimir não respondeu. Enquanto ele enxugava as mãos, ela reparou que estava muito tenso e abatido. Sem dizer uma palavra, ela se aproximou, fechou os olhos e abraçou-o pelas costas, pressionando o rosto contra seu corpo, até perceber que ele relaxava lentamente em seus braços e se voltava para ela. – Você foi a primeira a socorrê-lo. Obrigado. – Não foi nada. – Ela ficou com olhos cheios de lágrimas. Kasimir tentou sorrir. – Você é muito mais rápida do que eu pensava. – Eu lhe disse: meu pai e Bree saíam muito, e minha babá tinha sido campeã de esqui. – Você cresceu em Anchorage, não foi? – Ele deu uma risada sem humor. – Costumava frequentar a estação de Alyeska? – Desde que eu tinha 4 anos. – Ela deu um sorriso trêmulo. – Se serve de consolo, sou mais veloz que Bree. Ela é péssima. Coloque-a sobre esquis ou sobre uma prancha, e ela cai de cara na neve. Mas você e eu... Foi uma verdadeira corrida. – Nem chegou perto. Você me venceu de lavada. – Kasimir, você precisa saber que eu não...


– Vejo que arrumou suas coisas. Ótimo. – Ele olhou para a mochila. – Vou lhe mostrar a sua tenda. – Fantástico – falou ela, abatida, olhando para ele, para seus olhos, seus lábios. Não queria car longe daquele homem. Não queria. – Se não fosse o acidente, a corrida teria acabado de maneira diferente... – Josie, por favor – resmungou Kasimir. – Não tente apaziguar meu orgulho masculino. Seria acrescentar a injúria ao insulto. – Ele pegou a mochila e jogou-a sobre o ombro. – Eu mando seu baú de roupas novas mais tarde. Você ficará mais uma ou duas semanas no acampamento. – Só eu? E você? – Vou procurar a sua irmã. – Pensei que havia dito que seria muito cedo – falou Josie, desanimada. Kasimir deu um sorriso que não refletia em seu olhar. – Vou deixar você aqui e procurá-la. São as duas coisas que você mais desejava. Hoje é seu dia de sorte. Estava acabando. Ele iria deixá-la. Josie pensou no tempo que perdera querendo que ele a beijasse, sem que ela fizesse nada para isso. Esperara. Sempre ficava esperando timidamente! – Mas você disse que não podia con ar em mim, que eu poderia exigir um milhão pelas minhas terras se você encontrasse Bree antes... – Você é a pessoa mais con ável que existe neste mundo louco. E eu me incluo nele. – Ele a segurou pelos braços. – Que me sirva de lição! Eu nunca deveria ter tentado contornar minha promessa. – Leve-me com você. Kasimir arregalou os olhos e balançou a cabeça. – É melhor... para nós dois... É melhor ficarmos separados. – Separados – repetiu ela, sentindo-se vazia. – Até eu receber as terras. – Até estarmos divorciados. – Sabe de uma coisa? Estou quase feliz por ter perdido. – Ele puxou os cabelos de Josie para trás. – Guarde-se. Para seu próximo marido, para um homem que a mereça, que possa amá-la. Ele se virou e caminhou para a saída. – Eu pretendia perder a corrida – declarou ela. Ele se voltou lentamente. – Por quê? Josie engoliu em seco. Precisava ter coragem. Dizer a verdade. Naquele momento, sem pensar no risco ou no custo. Ela foi até ele, colocou-se na ponta dos pés, segurou-o pelos ombros e olhou dentro de seus olhos. – Porque eu queria que você me seduzisse – sussurrou ela, beijando-o. A ASTÚCIA fora inútil. Kasimir pensara ser esperto ao procurar uma maneira de contornar sua promessa. Ao passar por ela durante a descida, sentira-se triunfante ao saber que iria tê-la em seus braços. Mas tudo mudara quando ela ouvira o grito do menino e o ultrapassara velozmente, fazendo com que ele se sentisse lento e tolo. E fora assim que se sentira a tarde inteira. Enquanto o médico atendia o garoto, ele desejara poder fazer alguma coisa, além de chamar o helicóptero e se preocupar com a longa viagem até o hospital em


Marrakech. Esquivara-se dos agradecimentos da família e voltara para a tenda, onde Josie esperava por sua liberdade. Passara a tarde inteira sentindo o gosto amargo do fracasso. E então, sentira a doçura dos lábios de Josie nos seus. Ela se colocara na ponta dos pés e o abraçara pelo pescoço. Kasimir olhara para a esposa, pensando estar enganado: a inexperiente Josie não daria o primeiro passo. Por que iria beijá-lo? Ele era um homem que não se importava com ninguém. Ela era um anjo que sabia voar. “Eu pretendia perder a corrida. Porque queria que você me seduzisse.” Ele a ouvira soltar um suspiro rouco. Vira-a fechar os olhos. E ela pressionara os lábios macios e trêmulos nos seus. Kasimir não reagira imediatamente porque cara surpreso, mas, quando ela começou a se afastar, envergonhada, ele soltou um gemido, fechou os olhos e puxou-a, beijando-a com toda a paixão e ânsia que tanto tentara negar, entregando-se e se deixando dominar pelo desejo. Josie entreabriu os lábios e beijou-o desastradamente, mas com avidez. E era o melhor beijo que ele já recebera na vida. Lá fora, o vento aumentava, agitando a lona da tenda. Kasimir, no entanto, estava concentrado em Josie, nos lábios macios, no corpo feminino, em sua alma pura. Poderia car horas, dias, beijando-a, abraçando-a e apertando-a contra o corpo. Ele roçou a língua em sua boca, ensinando-a a beijar, com provocação. Com um suspiro de satisfação, ela o abraçou com força. Josie... Tão corajosa. Tão bonita. Ela possuía o estranho poder de fazer com que ele quisesse coisas que não deveria querer, com que sentisse coisas que não deveria sentir... Sem deixar de beijá-la, Kasimir carregou-a para a cama onde passara duas noites atormentado por dormir com ela sem poder tocá-la. Deitou-a sobre o colchão e olhou para seu belo rosto. – Diga que não me quer. Mande-me embora. – Ele conteve a respiração, esperando por sua sentença de vida ou de morte. Ela balançou a cabeça levemente, deu um sorriso doce, seus olhos brilharam de desejo e ela o puxou para cima dela. Kasimir sentiu o corpo da esposa sob o seu e soube que nunca mais sofreria a agonia de dormir ao lado dela sem tocá-la, porque nada o impediria de possuí-la. Ele a beijou apaixonadamente, pressionando-a contra a cama. Passou as mãos por seu corpo, en ando-as sob sua blusa. Sentiu que Josie o tocava com mãos trêmulas, por debaixo da camiseta rasgada, passando os dedos macios por seu peito, sua barriga, causando-lhe uma sensação deliciosa. Ele lhe beijou o pescoço e, na ânsia de sentir o calor de sua pele, arrebentou os botões da blusa, que, por nervosismo, não conseguia desabotoar. Ficou fascinado ao ver seus seios mal encobertos pelo sutiã de renda. E estava tão distraído que se assustou quando ela lhe tirou a camiseta, puxando-a por cima de sua cabeça. Aquilo realmente estava acontecendo? O vento fustigava a tenda enquanto ele a beijava, empurrava-a sobre os travesseiros, passava as mãos sobre seus seios e colocava o joelho entre suas pernas, esfregando o corpo contra o dela. Josie estremeceu quando ele lhe desnudou um dos seios e lhe sorveu o mamilo, e com um simples movimento abriu o fecho de seu sutiã e jogou-o de lado. Beijou-lhe o pescoço, o meio dos seios, lambeu sua pele. Ela gemeu e agarrou-o pelos cabelos. Kasimir desceu a boca por sua barriga, puxou o elástico do cós de sua calcinha, beijou-a e sentiu-a tremer. Tirou a calça e cou apenas de sunga, colocando-se entre as pernas


de Josie. Instintivamente, ela arqueou os quadris e conteve a respiração, segurando-o pelos ombros. Kasimir inclinou a cabeça e sugou-lhe o seio enquanto pressionava o corpo contra o dela, por cima das roupas íntimas dos dois. De repente, Josie puxou-o pelos cabelos. – Pare. Kasimir conteve a respiração e se afastou. Seu corpo doía pelo esforço que fazia para se conter. Se ela quisesse, ele pararia, nem que isso fosse uma tortura... Mas Josie passou as mãos em seu peito e pousouas no cós da sunga. Muito corada, olhou para ele com os olhos brilhando. – Eu quero ver você, tocá-lo. Ele voltou a respirar. Com lentidão desesperadora, ela passou a mão pelo cós da sua sunga e, então, afastou-a, tocando-o de leve, com as pontas dos dedos. Ele ouviu um gemido rouco e percebeu que fora ele mesmo que gemera. Josie arregalou os olhos e, de repente, sorriu. Um sorriso satisfeito e feminino, cheio de orgulho e de mistério, como se percebesse o poder que exercia sobre ele enquanto o tinha em suas mãos. Enquanto ela lhe tirava a sunga e o acariciava, a respiração de Kasimir se tornava mais pesada e ofegante, e ele fechava os olhos, enlouquecido, percebendo que explodiria a qualquer momento... Não! Ele abriu os olhos, soltou um gemido, empurrou-a sobre a cama, tirou-lhe a calcinha e lhe acariciou as pernas, subindo as mãos por as coxas. Josie tentou juntar as pernas. – O que está fazendo? – perguntou ela. – Relaxe – murmurou ele, abaixando a cabeça, beijando o meio de suas coxas e subindo até o centro de seu corpo. Ela repentinamente deixou de lutar. – Doce como o mel – ele sussurrou. Josie soltou um gemido enquanto ele a acariciava com a língua, com os dedos. Na agonia do desejo, começou a contorcer os quadris. Kasimir percebeu que ela enrijecia o corpo e o arqueava cada vez mais alto, até que soltou um grito de intenso prazer. Com o corpo dolorido e suado pelo esforço que zera para se controlar, ele não conseguiu mais esperar. Colocou-se entre as pernas de Josie, beijou-a e entrou no seu corpo com um só movimento firme.


CAPÍTULO OITO

JOSIE ABAFOU um gemido convulsivo ao sentir a dor inesperada. Kasimir não se mexia, esperando que o corpo dela se adaptasse ao seu. Com os lábios colados aos dela, ele aguardava. Josie mal ouvia o assobio do vento lá fora, ou sentia a maciez do colchão sob o peso dos dois. Estava imersa na sensação de senti-lo dentro de seu corpo. Sem se mexer, Kasimir lhe deu um beijo, provocando-a com a língua. Josie sentiu a dor diminuir, como uma onda que recuasse sob seus pés. Ele pressionou o corpo sobre o dela e segurou-lhe o rosto. Enquanto o prazer começava a despertar em seu corpo, Josie agarrou-o pelos ombros. Ela não esperava que a dor fosse desaparecer de repente, como não esperava que o prazer imenso e explosivo que acabara de sentir despertasse novamente. O sexo era uma experiência mais intensa do que imaginara. Deixava-a sem fôlego e fraca. E a ele também. O coração de Josie acelerou quando ela olhou para o marido: fora corajosa e ousada ao lhe dizer a verdade, e aquele era seu prêmio. Os corpos suados dos dois começaram a se movimentar juntos, a se contorcer. Ela passou a mão no peito de Kasimir, sentindo seus músculos. Ele tinha um corpo tão incrível como ela imaginara, e Josie lhe beijou o ombro, lambendo o gosto salgado de sua pele. Kasimir estremeceu, pressionou-a sobre o colchão, beijou-lhe o pescoço e começou a se movimentar dentro dela. Josie percebeu que ele se contraía e gemia, tentando manter o controle. Era ela quem provocava tudo aquilo, que o deixava louco de desejo. Ela. A Josie simples, sem graça. No entanto, não era mais aquela Josie. Ele a mudara. Ou ela mudara. De qualquer maneira, tornara-se a mulher que nascera para ser: corajosa, ousada, até mesmo um tanto perigosa... Kasimir fechou os olhos e abriu a boca, num gemido silencioso. Ela percebeu que ele tentava não machucá-la, que se segurava. Abraçou-o pelos ombros e cravou as unhas em suas costas. – Não tenha medo – ela sussurrou. Ele abriu os olhos, olhou para ela e ofegou. Josie deu um sorriso. – Pare de se controlar. Ele soltou um gemido rouco, que acabou com um assobiou. Pressionou-a contra a cama e começou a se movimentar dentro do corpo da esposa mais profunda e rapidamente. O prazer se intensi cou. Seus corpos enlaçados numa paixão desesperada se comprimiam enquanto ela erguia os quadris para acompanhá-lo. O vento que soprava lá fora poderia levar a tenda, porque Josie já começava a levantar voo... Aquele novo prazer continuava a aumentar, superando o que sentira havia pouco. Era mais profundo, intenso e diferente. Quando o prazer se tornou quase insuportável, ela se agarrou aos ombros de Kasimir, como se disso dependesse sua vida, e, ao sentir que explodia, Josie jogou a cabeça para trás e soltou um grito de êxtase, sem se importar que pudessem ouvi-la, mergulhando no abismo do irracional. No


mesmo instante, ela o ouviu soltar um gemido ao mergulhar profundamente em seu corpo e, depois, soltar um grito rouco. Kasimir soltou o corpo sobre o dela, rolou para o lado e abraçou-a. Josie sorriu e fechou os olhos, pressionando o rosto contra seu peito. Sentia-se mudada, renascida em seus braços. Nascera para ser sua esposa... Sem saber se haviam se passado minutos ou horas, ela de repente abriu os olhos, percebendo que não entregara apenas sua virgindade a Kasimir. Entregara-lhe seu coração. Então, era daquela maneira que as pessoas se apaixonavam. Ela sempre imaginara como seria, como se sentiria quando se entregasse totalmente a um homem. Era devastador, impressionante. Doce e cheio de expectativas. Mas também apavorante. Porque amá-lo era muito fácil. Ela cara fascinada desde o instante em que o conhecera. Encantada, desde antes de se casarem. Mas, agora, estava apaixonada: verdadeira e profundamente, pela primeira vez na vida. Josie se virou e admirou o belo rosto do homem adormecido a seu lado. Uma parte dele estava iluminada pela claridade da lua que atravessava o tecido da tenda. A outra estava escondida na sombra. Assim era a alma de Kasimir, o homem a quem ela se entregara de corpo e alma: um lado iluminado, estimulante, protetor, exigente, respeitado, forte e calmo durante as crises; e um lado obscuro, sombrio. Ele dissera que o achavam implacável, meio louco, sedento de vingança. Amá-lo, porém, mudara tudo. Ela não queria mais escapar, nem ser sua falsa esposa durante algumas semanas, num casamento de conveniência. Josie queria ser sua esposa de verdade. Para sempre. Com direito a lhos e ao jardim com uma cerca pintada de branco. Mas Kasimir Xendzov não era aquele tipo de homem. Ela virou a cabeça e tentou evitar as lágrimas. Seria um risco. Ela amava seu lado bom, o homem que ele já fora e que poderia voltar a ser. O sofrimento do passado endurecera a sua alma, tornando-o sombrio e lhe dando motivos para manter o mundo a distância. Josie se comovia com isso. Seria capaz de mostrar a ele que perdoar o irmão não seria uma fraqueza, mas sim uma força que o deixaria livre para viver uma nova vida? Poderia mostrar a ele que o mundo lhe oferecia mais? Ansiava por lhe mostrar que sua vida, seu futuro, apenas começara. Assim como o dela. Josie suspirou, fechou os olhos e se aninhou no peito de Kasimir. Ele instintivamente a apertou contra o corpo. Ela se sentiu protegida e confiante. Acharia um jeito de falar com ele, pensou, bocejando. Desde os 12 anos, Josie sentia medo. Bree a protegia debaixo de suas asas, alertando-a contra os perigos do mundo, e ela escutava. A nal, Bree tinha seis anos a mais que ela e era muito mais esperta. Josie se sentia um peso, indefesa e culpada por seu nascimento ter causado a morte da mãe. Que direito ela teria de exigir alguma coisa? De dizer o que pensava, de reclamar, de viver os seus sonhos? Kasimir, contudo, a mudara total e irrevogavelmente. Forçara-a a ser quem realmente era, mostraralhe que viver corajosamente era o único jeito de honrar o sacrifício que sua mãe zera e a vida que lhe dera. Ela ansiava por retribuir o que ele zera por ela, por fazer algo por ele. Queria ensinar-lhe que con ar nas pessoas e ser vulnerável seriam sua maior força. Ela o ajudaria a se livrar dos grilhões do


ressentimento e da vingança... O sol brilhava quando Josie abriu os olhos e sentou abruptamente. Estava sozinha na cama e na tenda. Ela viu a mala de Kasimir ao lado de sua mochila, perto da entrada. Estranho. Iriam a algum lugar? Onde estaria Kasimir? Kasimir. O nome dele era música em seu coração. Ela levantou, lavou o rosto, vestiu uma camiseta limpa e uma saia de algodão, calçou as sandálias e saiu. Seu coração batia forte enquanto o procurava. Iria dizer-lhe que o amava. Naquele dia. Assim que o visse. O acampamento parecia estar em intensa atividade, todos corriam, embalando coisas. Ela imaginou se estariam limpando a sujeira deixada pela tempestade de vento da noite anterior. Não percebera que fora tão forte. Estivera mais ocupada com a tempestade sensual que acontecera na cama. De repente, ela o viu. Estava sozinho no topo da duna mais alta. Sua silhueta era impressionante. Ele era como o sol, como sua estrela guia. Josie escalou a duna o mais rápido que podia. Olhou em volta e descobriu que passara a amar a vastidão e a beleza do deserto, que não lhe parecia mais tão solitário. Contanto que estivesse com Kasimir, o mundo lhe parecia um lugar maravilhoso. Ela se perguntou se cometeria um erro ao dizer a ele que o amava, mas bastou olhar para aquele homem e seu medo desapareceu. Não precisava temer. Kasimir acreditara nela, e ela passara a acreditar em si mesma. Ela se aproximou, sentindo a brisa contra o rosto, esvoaçando seus cabelos. – Kasimir, há algo que preciso... – Tenho boas notícias – interrompeu ele friamente. Ela então percebeu que ele abandonara as roupas do deserto e voltara a usar um terno escuro e uma gravata. Estava com a mesma aparência de milionário que ela vira em Honolulu. – Boas notícias? – Vou levá-la comigo para a Rússia. Vou encontrar sua irmã. – Ah – falou Josie, desanimada. – Boa notícia. – E era. Mas por que ele estava frio e distante, como se fossem estranhos? Como se não tivessem passado a noite rasgando as roupas um do outro? – Hora de partir – disse ele simplesmente. Josie de repente sentiu frio. O homem carinhoso e alegre que lhe ensinara a cavalgar, a esquiar na areia e a fazer amor desaparecera. Enquanto o helicóptero se aproximava, ela percebeu que se formara um abismo entre os dois e não entendia por quê. – Vamos procurar sua irmã. Você não está contente? – perguntou ele com um sorriso maldoso. – Estou – ela respondeu entristecida. Mas logo se lembrou de que era corajosa. – Por que está se comportando dessa maneira? Como se a noite passada nada tivesse significado? – E não signi cou. – Ele se aproximou com uma expressão dura no rosto. – Foram apenas algumas horas de... diversão. – Diversão? – Ela sentiu uma facada no coração. Kasimir deu um sorriso frio e sensual, personi cando o playboy sem coração que todos achavam que ele fosse. – Ah, sim. Foi positivamente divertido. Por um instante, a dor era tanta que Josie mal conseguia respirar. Então, ela viu algo passar pelo rosto


dele rapidamente e arregalou os olhos. – Você está me afastando de você de propósito. Ele endureceu o rosto. – Não faça isso. – A noite passada significou algo para você. Sei que sim! – Foi apenas uma diversão, apenas para passar o tempo. Agora vamos acabar logo com isso. Vamos nos divorciar e nunca mais precisaremos nos ver novamente. Josie mordeu o lábio. – Mas você disse que poderíamos ser amigos... – Amigos? – Ele deu uma risada áspera. – Você acha que daria certo? Você espera que eu desista da minha vida para compartilhar seu conto de fadas em que as famílias se amam e se perdoam? Você consegue me imaginar cortando a grama de sua casinha de brinquedo rodeada por uma cerca branca? – Você está usando meu sonho contra mim? – sussurrou ela, tentando conter as lágrimas. – Por que está sendo tão cruel? O helicóptero aterrissou, levantando uma nuvem de areia. Quando Kasimir respondeu, sua voz mudara: – O que aconteceu entre nós dois na noite passada não pode durar – falou ele gentilmente. – Mais cedo ou mais tarde, você saberá a verdade a meu respeito, e irá me odiar. – Eu nunca... – Não desisti de minha vingança. – Ele segurou-a pelos ombros. – Você não compreende? Por melhor e mais bondosa que você seja, não pode me fazer desistir. Eu nunca vou mudar, portanto, não tente. – Mas você pode... – Uma lágrima rolou pelo rosto de Josie. – Você pode ser muito mais... Ele olhou para ela, comovido. – Uma mulher como você seria tola por se importar com um homem como eu. Não faça isso, Josie. – Agora é tarde – falou ela, respirando profundamente, mas Kasimir já a soltara bruscamente e se voltara para o helicóptero.


CAPÍTULO NOVE

A FELICIDADE corrói como um ácido quando se sabe que ela não vai durar. Kasimir apertou o telefone na orelha, olhando a oresta coberta de neve pela janela do escritório da casa, na Rússia. Do outro lado da linha, ouvia-se a voz de Greg Hudson. – Então, hoje à noite, na festa de Ano-Novo? Estou cansado de esperar. – Sim. E, depois que eu lhe pagar, nunca mais me procure, nem fale sobre nosso acordo com ninguém – disse Kasimir. – Claro. Só quero o que você me deve. Principalmente, porque meu chefe no Hale Ka’nani descobriu que você me subornou e me mandou embora. – Tem certeza de que Vladimir e Bree estarão lá? – Claro. Como você mandou, tenho vigiado os dois. Eu deveria receber um bônus por ter congelado meu traseiro na Rússia quando poderia estar bebendo piñas coladas na praia... – Onze horas. – Kasimir desligou, jogou o celular na mesa e olhou pela janela. Há dez anos que não via neve. Naquela manhã, ele acordara a milhares de quilômetros dali, no calor do Saara, nos braços de Josie. Pela primeira vez, desde que amadurecera, soubera o que era a felicidade. Abraçado a ela, ouvindo sua respiração delicada, ele se sentira em paz. E aqueles sentimentos lhe pareceram estranhos e amedrontadores. E se dera conta de que logo tudo acabaria. Que acabasse, ele pensara com amargura. E levara Josie para aquela elegante datcha isolada na oresta, nos arredores de São Petersburgo, que pedira emprestada a um velho amigo. Fora frio com ela. Fizera o que era preciso fazer. Agarrara-se ao autocontrole por um o. Sabia o que ela queria e não poderia lhe dar, nem ouvi-la fazer insinuações sobre um futuro diferente. Ela fazia com que ele se sentisse de um jeito que não queria. Inseguro. Exposto. Com o coração cheio de ânsia por um mundo que não podia existir. Estava na hora de enfrentar a realidade. Naquela noite de Ano-Novo, esperaria até conseguir falar com Bree Dalton no elegante baile no palácio da Czarina. Ele lhe daria um ultimato. Antes que Josie o amolecesse totalmente. Depois disso, faria com que Josie visse o tipo de homem que ele era. Um homem que nada sentia, que conseguia o que queria a qualquer preço. Apagaria aquele olhar de adoração dos olhos dela para sempre, porque não desistiria de sua vingança e não conseguiria evitar que ela soubesse a verdade. O tempo que haviam passado no Saara fora realmente feliz, mas estava para acabar. Que acabasse, antes que a felicidade corrosiva de estar com ela, sabendo que ela iria embora, transformasse a sua alma em cinzas. – Kasimir? Com quem você estava falando?


Ele ouviu a voz doce de Josie atrás dele, e se voltou. – Ninguém que seja de seu interesse. Os olhos de Josie se encheram de mágoa. – Pensei que agora que estamos na Rússia poderíamos conversar... – Não há nada para conversar. – Ele pensou que lhe fazia um favor. A mágoa de Josie, naquele momento, não era nada quando comparada ao que seria na hora que ela descobrisse que ele a mantivera prisioneira para chantagear sua irmã. Ela deveria perceber a verdade aos poucos. Ele precisava afastá-la, deixá-la ir embora. Antes que lhe entregasse sua alma. Kasimir arrumou a gravata. – Preciso ir. – Aonde você vai, vestindo um smoking? – Bree e Vladimir estarão na festa de Ano-Novo mais elegante da cidade. Vou ter uma conversa com eles. – Ele beijou a testa de Josie. – Sua irmã ficará surpresa ao saber que nos casamos. – Leve-me com você – pediu ela. Ele sacudiu a cabeça. – Sinto muito. – Preciso explicar a ela por que me casei com você. Ela cará decepcionada ao saber que infringi as regras do testamento do meu pai... – Bree? Decepcionada com você? – falou ele, furioso. – Você desistiu de tudo para salvá-la. – Ele tentou se controlar e tirou um celular colorido do bolso. – Você poderá explicar isso a ela. – O que está fazendo com meu celular mudo? – A bateria foi recarregada. Ela poderá usá-lo para ligar para você. – Kasimir podia ver as emoções que se passavam pelo rosto de Josie. – Obrigada. É muita gentileza. Gentileza. Novamente. Kasimir se despediu e se voltou para sair. – Espere! – exclamou ela. Ele parou e olhou para ela. Josie estava pálida e com os olhos arregalados. – Só me diga uma coisa. Você se arrepende de ter me levado para a cama ontem à noite? – Sim – falou ele simplesmente. E, ao ver a expressão no rosto dela, percebeu que era verdade. Ele se arrependeria pelo resto da vida. Seria perseguido pela lembrança da mulher perfeita que jamais mereceria. Uma mulher que ele não poderia ter outra vez, que iria desprezá-lo para sempre, assim que soubesse a verdade. – Ah – gemeu ela, como se tivesse levado um soco e piscou rapidamente para controlar as lágrimas. Ele sentiu vontade de consolá-la, mas não devia. – Voltarei depois da meia-noite. Não espere acordada. – Feliz Ano-Novo – sussurrou ela quando o viu saindo. Enquanto o motorista o levava para longe da datcha, Kasimir olhava a lua congelada no céu escuro. Sentia falta de Josie. Depois de dez anos sozinho, sem abaixar a guarda para outro ser humano, sentia falta dela, de sua esposa. Seus dias com ela, porém, estavam contados. Faria o que precisava, embora relutasse em definir o que estava fazendo. Ele estava traindo Josie. A festa encontrava-se no auge da animação quando Kasimir chegou ao elegante palácio. Enquanto


saía do carro, mulheres com roupas so sticadas o olhavam e lambiam os lábios. Em outros tempos, ele se satisfaria ao aproveitar os serviços claramente oferecidos, mas, agora, Kasimir simplesmente olhava para a aliança em seu dedo. Só havia uma mulher que ele desejava. A mulher que logo o deixaria, por mais que ele gostasse dela. Kasimir entrou no baile e procurou ficar à sombra, tentando passar despercebido. – Aí está você – disse Greg Hudson, por detrás de um enorme vaso de plantas, fazendo um sinal na direção da pista de dança. – Seu irmão e Bree estão ali. Kasimir curvou os lábios com desdém e tirou um envelope do bolso ao ver o homem de cabelos oleosos, com uma roupa inadequada, que mal lhe disfarçava a barriga proeminente. O rosto de Hudson se iluminou, e ele pegou o envelope, mas Kasimir segurou-o pelo pulso. – Se você disser a Vladimir que estou aqui, eu pego o dinheiro de volta e acabo com você. – Eu não faria isso... Não poderia... – O homem recuou. – Então, adeus. Da svedanya. Movimentando-se lentamente entre as pessoas que cercavam a pista de dança, Kasimir observou os pares que dançavam. De repente, viu seu irmão e levou um choque. Evocou os dias em que Vladimir sempre estivera a sua frente, fosse a caminho da escola, cortando lenha, procurando bezerros desgarrados...“Espere por mim, Volodya”, ele sempre gritava. Mas seu irmão nunca o esperava. Nos últimos anos, Vladimir se tornara cada vez mais poderoso, mais distinto e mais rico. Também passara a formar rugas em volta dos olhos ao sorrir para a mulher com quem dançava. Bree Dalton. A irmã mais velha por quem Josie tanto se sacri cara e que se arriscara para salvar. Ali estava ela, rindo, ertando e, aparentemente, se divertindo muito, usando o colar que fora da avó dos Xendzov e um lindo vestido de baile. Com pensamentos sombrios, Kasimir cou observando os dois. Em dado momento, ele viu Vladimir deixar Bree sozinha na pista de dança e, assim, aproveitou para se aproximar e conversar com ela em voz baixa e áspera. Cinco minutos depois, ele a deixava no mesmo lugar, trêmula e com uma expressão amedrontada. Bem feito, ele pensou, furioso, saindo do palácio da Czarina. Josie estava desesperada para salvar a irmã, e Bree se divertia como amante de Vladimir. O sacrifício de Josie fora inútil. E, ainda assim, quando Josie falara com a irmã, tentara se desculpar. Kasimir suspirou enquanto o motorista o levava de volta para a datcha, percorrendo estradas cobertas de neve. Deixar que as duas irmãs se falassem fora um risco calculado. – Onde você está? – exclamara Bree. Ele ouvira Josie se desculpar, pedindo perdão por seu casamento de conveniência. Bree entrara em pânico. – Mas onde você está? Ele lhe tirara o celular, antes que Josie dissesse que estava em São Petersburgo, e não em Marrocos. Kasimir olhou pela janela. Passava um pouco da meia-noite. Era Ano-Novo. Enquanto voltava para a datcha, ele deveria se sentir triunfante. Seu irmão não tinha ideia de que estava prestes a perder sua empresa, sua amante, tudo que tinha. – Leve este documento assinado à minha casa, dentro de três dias – dissera ele à Bree. – E se eu não levar? – perguntara ela. Ele sorrira friamente. – Você nunca mais verá sua irmã. Ela desaparecerá no Saara e será minha para sempre. Kasimir passou a mão na cabeça. Dentro de 72 horas, Bree o encontraria em Marrakech e lhe


entregaria o contrato que Vladimir assinaria sem saber e que lhe daria posse total da Xendzov Mineração. Ele deveria estar em êxtase. Em vez disso, não conseguia parar de pensar na sensação de ter tido Josie em seus braços a noite inteira enquanto o vento quente do deserto fustigava a tenda. Eles haviam dormido nus, faces coladas, nos braços um do outro. As emoções de Josie tinham saturado seu corpo e sua alma. Ele não conseguia esquecer a adoração que vira nos olhos dela durante a noite, e a mágoa que vira naquela manhã. As mãos de Kasimir tremiam ao pensar na conversa que deveria ter com ela. Ele percebeu que estivera rodando a aliança no dedo com tanta força que seus dedos começavam a car brancos. Soltou a joia e recostou no banco do carro. As últimas luzes da cidade começavam a desaparecer atrás deles enquanto se embrenhavam no campo. Ainda levaria horas até o amanhecer do dia 1º de janeiro, o dia mais escuro do inverno russo. O carro entrou numa estradinha cercada de árvores, no m da qual se via a grande casa de campo de madeira, iluminada pela lua. Quando o motorista parou e abriu a porta do carro, Kasimir jogou um casaco por cima do smoking, saiu, caminhou até a porta da casa e cou surpreso ao descobrir que estava destrancada. Ele entrou no saguão escuro e silencioso como um túmulo. Onde estariam os guarda-costas? – Olá... – ele falou. Não houve resposta. Com um mau pressentimento, ele se lembrou de que a cabine do guarda, no portão, também estava vazia. Sem ninguém para vigiar a porta, qualquer pessoa poderia ter entrado e encontrado Josie adormecida, indefesa e sozinha. Kasimir prendeu a respiração. A região era pací ca, mas ele tinha inimigos – a começar por seu irmão. Se Vladimir descobrisse que ele estava ali... – Josie! – gritou ele, subindo a escada de três em três degraus e correndo até o quarto. Se algo acontecesse a ela, ele nunca se perdoaria por tê-la deixado ali. Kasimir abriu a porta com tanta força que esta bateu na parede. À luz da lareira, que quase apagara, ele viu uma sombra se mexer na cama. – Kasimir? – falou ela com voz sonolenta, sentando-se na cama. – Foi você quem gritou? Ele cou tão aliviado que quase caiu de joelhos. Sentou-se na beira da cama e abraçou-a. Olhou para seu lindo rosto, marcado pelo travesseiro, para seus cabelos revoltos, soltos sobre os ombros. – O que foi? O que aconteceu? Ele não respondeu. Simplesmente cou abraçando-a. Fechou os olhos, sentiu o perfume de baunilha de seus cabelos, a maciez de seu corpo. – Kasimir? – falou ela em voz abafada. Ele se afastou e segurou-a pelos ombros. – Onde estão os guarda-costas? Por que você está sozinha? – Ah... isso. – Ela deu uma risada. – Eles começaram a discutir sobre quem iria ver algum jogo importante na televisão do porão e quem iria me vigiar. Então, eu disse a eles que não precisava de vigias. Quer dizer, há muito tempo eu durmo sozinha: minha vida inteira. – Ela corou. – Quer dizer, até recentemente. Você não está zangado, está? – ela perguntou, ansiosa. – Prometi a eles que você não ficaria. – Vou despedir todos eles – falou ele com convicção, abraçando-a com força e dando-lhe um beijo que ele desejava que nunca acabasse, mas que temia ser o último. Desta vez, foi Josie quem o afastou.


– Você não fala sério. Não pode despedi-los. Eles tinham que me obedecer. Eu sou sua esposa. – Claro que eles tinham que obedecer – resmungou ele. – Ótimo – ela suspirou, encostando o rosto no peito dele, mas logo se afastando, preocupada. – A ligação caiu quando eu estava falando com Bree. Ela estava zangada? Você negociou com Vladimir? Quando posso vê-la? Kasimir olhou para o rosto confiante de Josie e ficou com o coração partido. – Ela está a salvo e feliz. Você vai vê-la dentro de três dias. Mas há algo que eu preciso lhe dizer. – Eu tenho algo a lhe dizer primeiro – falou ela num tom decidido. – Não... Ela o impediu de falar e olhou-o nos olhos. Disse as cinco palavras que ele nunca desejara ouvir de uma mulher. – Eu estou apaixonada por você. Kasimir arregalou os olhos, perdeu a respiração e recuou. – O que você disse? Josie olhou para ele com um olhar luminoso e um sorriso trêmulo. – Eu amo você, Kasimir. – Mas... você não pode... – Ele tremia todo. – Você não me ama. – Amo. – Os olhos dela brilhavam como o sol, como o Natal, como tudo que ele sempre sonhara. – Percebi ontem à noite quando você me abraçou. Eu precisava lhe dizer, antes de perder a coragem. Porque, mesmo que você seja rude comigo, mesmo que me afaste, que se divorcie de mim e que eu nunca mais o veja, eu amo você. Kasimir levantou e cambaleou ao se afastar. – Você está enganada. Pode se confundir sexo com amor, principalmente na primeira vez, quando não se tem experiência para saber a diferença... Josie afastou as cobertas e levantou-se, vestida numa camisola de flanela. – Eu sei a diferença. Você sabe? Kasimir sentiu o coração pulsar rapidamente. Ele não queria pensar em como estar com Josie era diferente de tudo que já experimentara antes. Não podia. – Você não entende que tipo de homem eu sou? Sou egoísta, implacável. Passei dez anos tentando destruir meu próprio irmão! Como pode me amar? Ela se aproximou e pegou na mão dele. – Porque amo. Ele começou a tremer. Lá fora, o dia nascia. Era o primeiro dia do ano. – Você deveria me odiar – sussurrou ele. – Quero que você me odeie. Josie passou a mão no rosto dele. – Você não precisa ter medo. – Medo? – De me amar – disse ela docemente. – Você quer me amar. Acho que já me ama, mas tem medo de que eu o magoe ou o deixe. O que o impede de perceber que não há nada a temer? Nunca amei ninguém, porém, de uma coisa eu sei: amo você... para sempre. Os dois se taram na escuridão do quarto. O vento gélido sacudia as janelas. As últimas achas de


lenha crepitavam na lareira. – Pronto. Eu já disse. – As lágrimas brilhavam nos olhos dela quando sorriu. – O que você queria me dizer? De repente, Kasimir teve certeza de que não poderia dizer a verdade a Josie. Porque ele a queria em sua vida. Não. Era mais que apenas querer. Não suportaria deixá-la ir embora. Ele sentiu um nó na garganta. Ainda que mentisse agora, não conseguiria evitar que a esposa soubesse a verdade. Em três dias, quando a levasse para Marrocos, ela descobriria o que ele havia feito. Que a mantivera prisioneira durante todo aquele tempo. Ela não iria perdoá-lo. A não ser... Haveria uma maneira de mantê-la como esposa? De mantê-la em sua cama, com aquele amor inocente e apaixonado ainda brilhando em seus olhos? Ele passou a mão nos cabelos de Josie. – O que eu queria dizer é... que senti falta de você. Josie suspirou de satisfação, fechou os olhos e pressionou o rosto contra o peito dele, com uma expressão reverente. Kasimir também fechou os olhos para não encarar a própria fraqueza. E ao amanhecer gelado da Rússia, na página em branco de um novo ano, ele lhe deu um beijo proibido. E outro... Até os dois se confundirem e ele se perder. JOSIE FICARA magoada e entristecida quando ele saíra vestido de smoking para ir à festa de Ano-Novo. Subitamente, no entanto, lhe ocorrera um ideia que a deixara perplexa. Seu marido, com toda a riqueza e poder, estava completamente sozinho. Ela não conseguia imaginar o que era não ter família, a não ser um único irmão como seu inimigo. Sabia que, apesar da sua maneira arrogante, Bree a amava profundamente. As duas irmãs sempre se apoiavam. Quem dava apoio a Kasimir? Ninguém. Quem o amava nesse mundo solitário e cruel? Ninguém. Percebendo isso, seu coração magoado parara de doer. Ela enxugara as lágrimas. Kasimir não tinha ninguém que acreditasse nele e em quem pudesse con ar. Não admirava que tivesse dedicado a vida a negócios que não tinham sido seu sonho, a ganhar um dinheiro do qual não precisava e, acima de tudo, a destruir seu único laço familiar: seu irmão. Não admirava que sua bússola moral estivesse desnorteada. E que, depois de terem passado a noite juntos e Josie lhe ter dado seu coração, ele não soubesse como reagir. Kasimir nunca tinha sido amado como ela poderia amá-lo. Ele esperava que a esposa deixasse de gostar dele se zesse algo de errado. Ele não sabia com que tipo de mulher estava lidando. Josie fora ignorada e rejeitada a vida inteira, mas nunca deixara de acreditar no melhor a respeito das pessoas e de lhes dar o que podia. Sabia que Kasimir tinha uma parte sombria, porém, enquanto fosse honesto, honrado e verdadeiro, ela não se importaria. Todos têm defeitos. Ela também tinha. Isso não a impediria de amá-lo da única maneira que sabia. Incondicionalmente. Esse pensamento a acalmara. Dispensara os guarda-costas que discutiam, fora para a cozinha e zera um chá. Depois de falar rapidamente com a irmã, que cara chocada ao saber que ela se casara com


Kasimir, escovara os dentes, vestira a camisola e fora para a cama. Ensaiara o que iria dizer ao marido quando ele voltasse e esperara. Então, adormecera. Mas não fazia diferença. Não usara uma palavra do discurso que ensaiara. Bastara ver o rosto sombrio de Kasimir, seus ombros tensos, e ela falara com o coração. Assim que o beijo acabou, Josie olhou para ele, que tinha um brilho sofredor, torturado e escuro nos olhos. No entanto, ela sentia e sabia que ele gostava dela. Olhando para o marido, ela não estremecia mais de medo. Sentia apenas a profunda certeza de que seu amor por ele fazia sentido. Desta vez, era Kasimir quem tremia, como se as palavras de amor que ela dissera o tivessem atingido como um soco. Josie tentou imaginar como tinha sido a vida dele durante os últimos dez anos: sozinho e desprezado, sem nunca saber o que era ser protegido e acolhido por outra alma humana. A partir de agora e pelo resto da vida, ele iria saber. Ela iria acolhê-lo e protegê-lo Josie puxou o casaco de Kasimir, tirou-lhe o paletó do smoking e o fez sentar na cama. Abaixou-se e desamarrou-lhe os sapatos de couro italiano e a gravata. – O que está fazendo? – Ele a segurou pelo pulso. Ela suspirou por entre as lágrimas e sorriu. – Eu vou lhe mostrar. Ele arregalou os olhos e a soltou. Josie o despiu, tirando-lhe uma peça de roupa de cada vez. Empurrou-o sobre a cama e tirou a camisola. Por um instante, ela estremeceu de frio enquanto se olhavam. E então ela puxou as cobertas por cima dos dois. Debaixo das cobertas, estavam num mundo só deles. Ela o abraçou, tentando aquecê-lo. Beijou-lhe a testa, o rosto, e, subitamente, a temperatura deixou de ser um problema. Ela se sentia ferver, com a pele nua colada à de Kasimir. Josie o beijou e ele soltou um gemido rouco. Pegou-a pelo rosto e beijou-a possessivamente, quase com violência, fazendo com que ela rolasse sobre a cama e casse debaixo dele. Beijou-a no pescoço e acariciou sua pele de seda, como se quisesse explorar cada pedacinho daquele corpo. Josie se sentiu enlouquecer de desejo. Se ele não podia dizer as três palavras que ela ansiava por ouvir, precisava sentir o amor que o marido sentia por ela. – Me possua. Agora – sussurrou ela. Ele inalou profundamente, olhou-a nos olhos, agarrou-a pelos quadris e possuiu-a com uma ânsia quase incontrolável. Josie perdeu o fôlego e agarrou-o pelos ombros. Kasimir a abraçou com força, e ela sentiu aumentar o calor de sua respiração contra a pele enquanto ele diminuía o ritmo e ia cada vez mais fundo dentro de seu corpo. Ela gritou e começou a estremecer ao vê-lo estremecer também dentro dela. Depois, quando sentiu os braços dele em volta dela, Josie deixou as lágrimas escorrerem por seu rosto. Ela o amava muito. E, quando Kasimir a procurou um pouco depois, para demonstrar novamente seu amor, ela percebeu que os contos de fada eram verdadeiros. Tinham que ser. Porque, ainda que não pudesse dizer as palavras, ele a amava: era o que seu corpo provava. Eles estavam apaixonados. Não estavam? Isso queria dizer que tudo daria certo. Que eles cariam juntos para sempre. Não ficariam?


DOIS DIAS depois, no escritório rústico da casa de campo, Kasimir ligava para Bree, com mãos trêmulas. Quando a irmã de Josie não atendeu, ele trincou os dentes e discou um número que não discava havia dez anos. Um número que sabia de cor. Ele esperara até o último instante para fazer a ligação. Durante três dias, tentara encontrar um jeito de manter Josie e de alcançar sua vingança. Mas Bree esperava trocar a irmã pelo contrato assinado. Não havia solução. Só havia uma escolha. Uma tremenda escolha. Kasimir já mandara seus seguranças e a bagagem para o aeroporto particular, onde o jato os esperava para levá-los a Marrakech, contudo, havia cinco minutos, vendo Josie fazer um boneco na neve, com os olhos brilhando, ele subitamente tivera a resposta. Queria car com ela, mais do que qualquer outra coisa. A solução era óbvia. Desistiria de sua vingança. Levaria Josie para um lugar onde Bree e Vladimir não pudessem encontrála. Ele respirou quando Vladimir atendeu. – Sou eu – resmungou ele. – Kasimir – respondeu seu irmão em voz baixa. – Já era hora. Vladimir não parecia surpreso. Estranho. E era ainda mais estranho que, depois de dez anos de silêncio, o tempo parecesse não ter passado para os dois. Ele parecia ser exatamente o mesmo. – Devo lhe dizer que tentei fazer uma chantagem com Bree – falou Kasimir bruscamente. – Para que ela o fizesse assinar um documento, passando sua empresa para mim. – Ela já me disse – respondeu Vladimir. – Seu plano de nos colocar um contra o outro não deu certo. – Você já sabia? O que pretende fazer? – Estou disposto a fazer a troca. Kasimir conteve a respiração. – Você está disposto a desistir de sua empresa de um bilhão de dólares? Por uma mulher que já mentiu para você? – Kasimir endureceu o queixo. Vladimir deveria realmente amar Bree. – Que pena. Mudei de ideia. Não pretendo me divorciar de Josie por nenhum preço. Pode car com a sua empresa estúpida. Na verdade... Não há motivo para nos falarmos mais. Nunca mais. – Não seja tolo, Kasimir – falou Vladimir, irritado. – Você ainda pode... Kasimir se virou ao perceber que Josie voltava do jardim. Desligou e guardou o celular no bolso. – Por que você correu daquele jeito? – Ela estava coberta de neve e ria. – Ainda não acabamos. O pobre boneco só tem um olho. – Ela sacudiu a neve do casaco. Seus olhos brilhavam como centenas de dias ensolarados e o som de sua risada soava como música. – Ah! – Ela suspirou. – Senti falta do inverno! Kasimir nunca vira nada nem ninguém tão lindo. Enquanto ele olhava para ela, seu coração se retorcia de ternura. E percebeu que a amava. Naquele momento, ele soube que nunca deixaria que alguém o afastasse de Josie. Por nenhum preço. – Preciso lhe contar uma coisa – falou ele amavelmente, tirando o casaco de Josie. – É importante. Ela olhou para Kasimir com um sorriso malicioso. – Hum... conhecendo você... – Ela ngiu estar pensativa. Ergueu uma sobrancelha. – Isso por acaso envolve uma cama?


– Você me conhece bem. – Ele deu um sorriso malicioso. – Mas não. – Ele cou muito sério e limpou a neve que cobria o rosto de Josie. Observando-lhe os olhos, via a eternidade naquelas profundezas cor de caramelo. Ele sussurrou as palavras que saiam de seu coração. – Amo você, Josie. Ela abriu a boca, admirada. Seus olhos se encheram de lágrimas e ela soltou um soluço. – Você me ama? Ele a pegou pelo rosto. – Você cará comigo e será minha esposa? – Ele deu um sorriso con ante, embora suas mãos tremessem. – Não apenas agora, mas para sempre? – Para sempre – murmurou ela, deixando escorrer uma lágrima. – Sim. – Ela o abraçou pelo pescoço. – Ah, sim! Ele se afastou um pouco e olhou para ela. – Há apenas uma condição. Se você for minha esposa... Nunca mais deverá ver Bree. – O quê? – Ela enxugou os olhos e deu uma risada desagradável. – Do que você está falando? – Vi sua irmã com meu irmão no baile. Os dois riam e se beijavam. Eles estão juntos. Você precisa escolher. Eles... – Kasimir afastou um cacho de cabelos do rosto de Josie. – Ou eu. Josie começou a piscar rapidamente. – Se conversássemos, todos juntos, talvez pudéssemos... – Não – interrompeu ele. Josie engoliu em seco e sussurrou. – Você não pode me pedir isso. – Preciso. – Ele a abraçou e en ou as mãos em seus cabelos castanhos. Beijou-lhe a têmpora. O rosto, os lábios. – Escolha-me, Josie – sussurrou ele. – Fique comigo. – Ela tremia em seus braços. Sabendo que lhe pedira o maior sacrifício de sua vida, Kasimir resolveu convencê-la do único jeito que podia. Beijou-a com todo o coração, sem reservas, com amor e paixão, até que ele mesmo se sentiu atordoado. – Deixeme lhe mostrar o mundo. Cada dia será mais excitante que o outro. Escolha-me. Os braços de Josie se agitavam em torno de seu pescoço. – Eu não posso... Ele a beijou de novo. Com um soluço, Josie se afastou e derramou uma lágrima. – Eu amo vocês dois. – Ela respirou profundamente, estremeceu e sussurrou: – Mas, se eu tiver que escolher, escolho você. O coração de Kasimir parou dentro do peito. Josie o escolhera. Ele lhe zera um pedido egoísta. Egoísta? Imperdoável. E aquela mulher incrível o escolhera. Acima de tudo e de todos que ela amava. Ele sentiu um nó na garganta. – Obrigado, Josie. Prometo honrar seu sacrifício. Pelo resto de nossas vidas... A porta da entrada bateu contra a parede. Josie se voltou. – Bree! Kasimir também se voltou, como se estivesse em câmera lenta. Vladimir e Bree estavam parados na porta. – Josie! – A loura magra correu para abraçar a irmã. – Você está bem? – Claro que estou bem – garantiu Josie. – Era você quem estava com problemas. – Ela tocou o ombro


da irmã, como se quisesse ter certeza de que estava ali. – Você está bem? – Ela se virou para Vladimir. – Ele não a maltratou? – Vladimir? – Bree ficou espantada. – Não. Nunca. – O que estão fazendo aqui? – Viemos salvá-la. – Me salvar? – Josie cou espantada e sorriu para Kasimir. – Ah, você está se referindo a meu casamento. Eu sabia que você caria aborrecida por eu me casar com Kasimir, mas não precisa se preocupar. Começou como um acordo de negócios, mas agora estamos apaixonados e... Ela se calou ao ver a cara de todos. Vladimir cruzou os braços e olhou para Kasimir, que pareceu car desconcertado. – O que está acontecendo? – perguntou Josie, intrigada. Kasimir contraiu o rosto. Estivera tão perto de levá-la para longe, para sempre. Agora, só lhe restava contar a verdade, antes que ela soubesse por outros. – Há algo que eu preciso lhe contar. – Prossiga – falou Josie, incerta. Ele tentou encontrar uma maneira de fazê-la entender e perdoar. – Foi... Pensei que tinha sido o destino... Quando você caiu em meu colo... – Ele se calou. – Kasimir me ameaçou, na noite de Ano-Novo – declarou Bree. – Se eu não convencesse Vladimir a abrir mão de sua empresa, nunca mais veria você! Eu precisava trazer o contrato assinado até meia-noite de hoje, ou Kasimir iria fazer com que você desaparecesse no deserto e fizesse parte de seu harém. Josie ficou muito pálida e se voltou para o marido. – Não, não é verdade – sussurrou ela. – Diga que não é verdade, que foi um mal-entendido. Diga! Kasimir estava tão tenso que seu corpo doía. – Eu pretendia explicar tudo quando voltei da festa de Ano-Novo. Você estava comigo, Vladimir estava com Bree. Seria tolice não me aproveitar da situação. – Ele se calou e precisou se forçar a continuar. – Fui eu que fiz com que vocês fossem contratadas para trabalhar no Havaí. – Você? – Eu esperava convencê-la a se casar comigo e esperava que Vladimir encontrasse Bree. – Você quer dizer que esperava que eu fizesse uma cena – disse Bree. – Você fez – murmurou Vladimir, sorrindo maliciosamente. – Aqui não é hora nem lugar – disse Bree, corando. Josie não desgrudara os olhos de Kasimir. – Foi por isso que você me levou para Marrocos? Não foi para me salvar, mas para me usar como refém? Para chantagear minha irmã? Kasimir sentiu o coração apertar. – Josie... Se você me deixasse explicar... Ela esperou, com um brilho esperançoso nos olhos. Como se ele pudesse dizer algo que não o mostrasse como um monstro. – Fiz uma coisa horrível. Mas, há uma hora, telefonei para eles e disse que estava tudo cancelado. Eu disse a Vladimir que podia car com a empresa. Tudo o que eu queria era você. – Angustiado, ele a pegou pelas mãos. – Isso não significa nada? – ele perguntou gentilmente. – Eu desisti da chantagem. Por você.


Os olhos dela brilharam e, por um segundo, ele pensou que tudo caria bem. O rosto dela, no entanto, logo se fechou. – Você pretendia me separar da minha irmã para sempre, em vez de confessar que tentou chantageála. Ia me forçar a abrir mão de sua amizade, de seu carinho, pelo resto da vida, em vez de me contar que me usara para ameaçá-la. – Eu estava com medo... – As palavras morreram na garganta de Kasimir. Josie tentou soltar as mãos, mas ele as segurou. – Eu tinha medo de que você não entendesse. Não queria correr o risco de que você não me perdoasse... Josie puxou as mãos. – Se você tivesse confessado tudo há uma hora, acho que o teria perdoado – sussurrou ela. – Mas isso... Não. Você exigiu que eu zesse uma escolha terrível, desnecessária, sabendo o quanto iria me custar! – Desculpe – falou ele em voz baixa. – Você nunca me amou – disse ela. – Não se conseguiu fazer isso. Desesperado, Kasimir tentou se aproximar. – Era a única maneira de mantê-la comigo! Josie se encolheu e fechou os olhos. – Sempre me perguntei por que um homem como você se interessaria por alguém como eu. Agora, eu sei. – Ela começou a chorar. – Eu era apenas um meio. Alguém com quem se casar para recuperar a propriedade no Alaska e trocar pela empresa de seu irmão. E para manter, de acordo com seus caprichos. Sua amante, sua escrava sexual? – Minha esposa! – Você nunca pensou em mim. Em como eu me sentia. Ou não pensou, ou não se importou. – Não é verdade! – Ele respirou profundamente. – Sim, tentei usá-la para me vingar de meu irmão. Mas tudo mudou, Josie, quando me apaixonei por você. Ela olhou para ele, soluçando, e abraçou-se a Bree. – Por favor – sussurrou Kasimir. – Não signi ca nada que eu tenha desistido do que eu mais queria, da empresa que deveria ser minha? – Você não precisa desistir. – Vladimir se adiantou, muito sério, e tirou um papel do bolso. – Aqui está. Kasimir pegou o papel e conteve a respiração. – É o contrato que entreguei para Bree. – Ele parecia estar chocado. – Ele transfere todas as suas ações da Xendzov Mineração para meu nome. Você o assinou. – Vamos acabar com isso – disse Vladimir. – Cometi um erro ao afastá-lo da empresa há dez anos. Eu estava zangado, humilhado. Meu orgulho exigia vingança. A culpa foi toda minha. Portanto, estou devolvendo o que lhe devo, com juros. Fique com tudo. Vamos acabar com esta guerra. – Você está me dando tudo? – perguntou Kasimir em voz rouca. – Sem mais nem menos? – Sem mais nem menos. – O trabalho de uma vida... Você está se desfazendo dele? Vladimir franziu a testa. – Eu o estou trocando pela felicidade da mulher que amo e que logo será minha esposa. – Os olhos de


Vladimir se encheram de remorso. – E para corrigir um erro que cometi contra o irmão que sempre amei, mas que, às vezes, tratei muito mal... Eu deveria ter esperado por você... Quando íamos à escola, caminhando na neve. – Ele olhou para trás e suspirou. – Eu deveria tê-lo ouvido quando você disse que Bree Dalton era uma mulher maldosa em quem não se podia confiar... – Ei! – protestou Bree, atrás dele. Vladimir olhou para ela e deu um sorriso sensual. – Você sabe que era maldosa. Não tente negar. – Ele se voltou para Kasimir. – Cometi um erro ao cortá-lo da minha vida – ele falou com humildade. – Perdoe-me, irmão. A cabeça de Kasimir estava girando. Ele se agarrou ao contrato como se fosse um salva-vidas. – Você não pode estar falando sério. Você dedicou a vida à empresa. Como pode simplesmente desistir dela? Como pode me deixar vencer? – Pelo mesmo motivo que, há uma hora, você desistiu dela. – Vladimir deu um sorriso. – Conquistei um tesouro maior que qualquer empresa. A vida que eu sempre quis, com a mulher que sempre amei. Você nos reuniu no Havaí. Preciso lhe agradecer por isso. – Eu estava tentando prejudicá-lo – disse Kasimir. – Você me fez o maior favor da vida. Agora, está tirando a empresa de minhas mãos. Estou partindo para Honolulu. Acabo de comprar o resort Hale Ka’nani para Bree. – Você fez o quê? – gritou Bree. – Ah, Bree! – exclamou Josie, agarrando a mão da irmã. – Exatamente como você sempre sonhou! – Eu sonhava com uma pequena pousada à beira-mar. – Ela sorriu para Vladimir. – Não esperava que você me desse um hotel de milhões de dólares como presente de aniversário! – Era mais fácil que lhe dar alguma joia – disse Vladimir. Ela riu. Kasimir sentia um nó na garganta ao olhar para o contrato. Agora possuía a empresa que tanto desejara. Logo teria as terras de Josie, no Alaska. Conseguira até que seu irmão pedisse desculpas. Vencera. De repente, porém, não se sentia um vencedor. Ele olhou para a única coisa que lhe importava na vida. – Você me perdoa, Josie? – sussurrou ele. – Pode me perdoar? Ela olhou para ele, com o rosto coberto de lágrimas. Ele sentiu o coração ficar pesado e tentou sorrir. – Faz parte dos votos de casamento, não faz? Você precisa me perdoar. Para o melhor e para o pior. Não podemos concordar que você é o melhor, e eu, o pior... Josie ergueu a mão, interrompendo-o. Desesperado, Kasimir esperou pela sentença. Ela nunca estivera tão linda como naquele momento em que ele sabia que merecia que o deixasse. – Eu estava disposta a abrir mão de tudo. – Ela parecia estar em transe. – De tudo. Como posso ter sido tão tola? Eu estava disposta a desistir de tudo por você: minha família, minha casa, minha vida, tudo que faz com que eu seja eu. Por uma ilusão romântica! Por nada! – Não é uma ilusão, Josie... – Basta! – O rosto dela endureceu. – Foi tudo um sonho. Eu sabia que você era implacável e egoísta, mas não sabia que também era um mentiroso mais impiedoso do que eu poderia imaginar! – Sinto muito – sussurrou ele. – Se você me... – Não! – interrompeu ela com a mesma frieza com que ele a tratara tantas vezes. – Assim que minhas terras forem transferidas para seu nome, eu só quero uma coisa de você. – Qualquer coisa... – ele disse, desesperado.


Josie ergueu o queixo e havia um brilho gélido em seus olhos. Kasimir percebeu o que havia feito com ela, com sua alma. Ele podia ver em seus olhos um caleidoscópio em azul e verde coberto de sombras, como uma floresta coberta pelo gelo. – Quero o divórcio.


CAPÍTULO DEZ

QUASE UM mês depois, Josie presenciava o casamento da irmã com Vladimir, numa cerimônia celebrada ao crepúsculo, em uma praia do Havaí. Ao vê-los tão felizes, fazendo os votos, ela sentira um nó na garganta. O sol se punha no horizonte e as ondas quebravam na areia. Bree usava um longo vestido branco, e Vladimir uma comprida camisa branca e calças cáqui. Os dois usavam leis de ores coloridas. Enquanto os recém-casados se beijavam e os convidados aplaudiam, Josie sentiu o coração se apertar e disse a si mesma que chorava de felicidade, por Bree ter finalmente encontrado o amor. Josie entrara com o pedido de divórcio no dia anterior, depois que o advogado lhe telefonara, dizendo que suas terras já estavam em nome de Kasimir. Ela não tivera escolha. Entregara a Kasimir toda a sua fé e con ança, e ele egoisticamente lhe pedira para fazer um sacrifício que a teria destruído. Um sacrifício que ela não precisaria fazer se ele tivesse sido honesto com ela! Estava com o coração despedaçado. Amava-o tanto! Ainda o amava. Nunca esqueceria o dia frio na Rússia, quando ele lhe dissera que a amava. Ela achara que iria morrer de felicidade. Agora, suas lágrimas caíam sobre o buquê de flores que, como dama de honra, segurava. Kasimir não sabia o signi cado da palavra amor. Nunca a amara. Todo o tempo que ela passara adorando-o, tendo esperanças de mudá-lo, fora uma piada. Sentia-se tola. Josie pestanejou e viu o cachorrinho branco de Bree passar entre os noivos e correr alegremente pela praia. Ela se comportara exatamente como um cachorrinho que adorava Kasimir e o esperava na porta. Ele conseguira o que queria: a empresa e as desculpas do irmão. Para ele, ela fora apenas um passatempo. “Tudo mudou, Josie. Quando eu me apaixonei por você.” Josie fechou os olhos. Não. Não acreditava nele. Kasimir era apenas um homem que não sabia perder. Quisera car com ela, mas não o bastante para ir atrás dela, no Havaí. Ele a deixara ir embora e nunca mais a procurara. Se a amasse, teria tentado lutar pela esposa... Deveria dizer a ele? Josie estremeceu. Na beira da praia, cercada por amigos e pelo marido, Bree olhou para a irmã, preocupada. Josie endireitou os ombros e sorriu encorajadoramente. Não podia deixar que Bree soubesse. Ainda não. Ela suspirou. O grupo começava a voltar para o Hale Ka’nani, onde seria a recepção. Bree trabalhava 16 horas por dia, administrando o resort e adorando cada minuto. Seu primeiro ato fora dobrar os salários dos empregados. O segundo, despedir os agentes de venda que superfaturavam as contas. O ânimo dos funcionários atingira as estrelas desde que o reinado tirânico do odiado Greg Hudson terminara. O futuro das duas irmãs era mais promissor do que Josie imaginara. Graças a Vladimir, não haveria


mais credores perigosos exigindo o pagamento das dívidas de seu pai. Sem ter a empresa para administrar, Vladimir se autoproclamara aposentado aos 35 anos, mas Bree descon ava de que ele sentia falta do trabalho, “não pelo dinheiro, mas pela diversão”. Diversão? Quem era ela para julgar a felicidade alheia? A felicidade está onde está o coração. Josie não reconhecia a própria vida. Saíra de Honolulu como uma pobre camareira desesperada, e agora começara a estudar na Universidade do Havaí. Em vez de dormir num dormitório, tinha sua própria casa na praia, perto da de Bree, no Hale Ka’nani. Finalmente, tirara a carteira de motorista e comprara um pequeno conversível vermelho, de dois lugares. Contudo, precisaria devolvê-lo e trocá-lo por algo que tivesse lugar para mais um passageiro no banco de trás. Josie passou a mão na barriga. Enquanto Vladimir e Bree cortavam o bolo de casamento, no bar aberto do hotel, ela ainda não conseguia acreditar. Como pudera engravidar? Corou. Sabia, mas nunca esperara que acontecesse. Grávida. De um filho de Kasimir. Ela começava a se acostumar com a ideia. Talvez Kasimir não a amasse e ela nunca se recuperasse, mas aquele homem lhe dera o presente mais precioso do mundo: um filho. Ninguém sabia. Josie temia o que Bree teria a dizer. Aos 22 anos, era jovem demais para ser mãe. As outras garotas de sua idade só precisavam se preocupar com festas e provas de matemática. Mas, graças a Kasimir, ela não precisava se preocupar com dinheiro. Antes mesmo de Josie chegar ao Havaí, ele depositara em sua conta uma quantia que ela nem conseguia calcular. – Josie? Está tudo bem? – Bree se aproximou e perguntou, preocupada. – Você está muito bonita. Estou muito feliz por você – murmurou Josie. – Deixe de enrolar. Qual é o problema? A irmã parecia enxergá-la por dentro. Josie sorriu. – É o dia de seu casamento. Podemos conversar depois. – Podemos conversar agora. Tem a ver com Kasimir? Ele tentou falar com você? – Falar comigo? – Josie deu uma risada áspera. – Não. Bree pegou-a pela mão e puxou-a para um caramanchão isolado, perto do penhasco. – Você está melhor sem ele. Há muitos peixes no mar. Você vai encontrar alguém que a aprecie e que... – Eu sei – falou Josie depressa, querendo acabar com a conversa. – Então, o que foi? – Vamos conversar depois de sua lua de mel. – Lua de mel? – Bree riu. – Eu estou vivendo no Havaí, no meu emprego ideal, com o homem que amo! Estarei em lua de mel pelo resto da vida! – Fico feliz por você – repetiu Josie. Procurando esconder as lágrimas, tou a grama úmida. – Depois de passar anos cuidando de mim, você merece uma vida de amor e de alegria. – Ei! – Bree levantou o rosto dela. – Você também. Mas não posso ser feliz sem saber o que está acontecendo. – Você sempre cuidou de mim. – Sempre. Então, você pode me dizer o que está acontecendo. – Eu... eu estou grávida – sussurrou Josie. – Grávida? Tem certeza? – perguntou Bree, surpresa. Josie concordou. Bree logo recuperou o controle.


– O filho é de Kasimir. – Foi uma afirmativa, não uma pergunta. – Ele não sabe. – Josie desviou o olhar. – Não sei se devo contar a ele. – Você vai ficar com o bebê? – Claro que vou! – Você poderia colocá-lo para adoção... – Não vou me desfazer do meu bebê! – Você ainda é muito jovem – falou Bree, comovida. – Não tem ideia de como é difícil, no que está se metendo... – Eu sei. Você só tinha 6 anos quando mamãe morreu, e 18 quando perdemos papai. Durante todos esses anos de trabalho duro, você cuidou de mim... – E adorei cada minuto. – Bree viu que Josie olhava para ela com ceticismo. – Está bem. Nem todos os segundos. Às vezes, eu ficava apavorada por você. – Porque eu estava sempre me metendo em confusões. – Você? – Bree se admirou. – Eu estava com medo de falhar. Com medo de não ser a mãe respeitável, honesta e cuidadosa que você merecia. Algo se dissolveu no coração de Josie. – Era por isso que você não me soltava? Pensei que eu fosse um peso, forçando-a a passar dez anos cuidando de mim. – Eu era a irmã mais sortuda do mundo por ter alguém doce como você para cuidar. – Bree respirou profundamente. – Mas você não sabe o que é criar uma criança, preocupar-se com ela o tempo todo, rezar para que seus erros não magoem a criatura inocente e doce que você ama tanto. – Você tinha medo de cometer um erro? – perguntou Josie, surpresa, batendo no ombro da irmã. – Você me deu uma infância maravilhosa, que nunca vou esquecer. – Josie mordeu o lábio e se forçou a dizer o que não tivera coragem de dizer antes. – Mas agora sou adulta. Você não precisa mais ser minha mãe. Só minha irmã. Minha amiga. A tia do meu bebê. Bree olhou para ela e, de repente, explodiu em lágrimas, abraçando-a. – Você será uma mãe maravilhosa. – Ela soluçou, enxugando os olhos.– É a pessoa mais corajosa que eu conheço. Sempre foi ousada. Nunca teve medo de nada. – Eu? – perguntou Josie. Bree deu uma gargalhada e sorriu por entre as lágrimas. – As coisas que você aprontava! Snowboard no Alaska: enquanto eu avaliava os riscos e a segurança, você passava voando por mim. É assim que você ama. Você ainda o ama, não é? Josie concordou silenciosamente. – Você vai contar a ele sobre o bebê? – Deveria? Bree sacudiu a cabeça. – Isso é algo que só você pode decidir. – Ela fez uma pausa. – Você tem razão. Você é uma mulher adulta. Josie abraçou a irmã, afastou-se e enxugou as lágrimas. – Eu o amo, mas ele não me ama. Sei que ele nunca irá me procurar. Nunca mais vou vê-lo. – Isso eu não sei – disse Bree, olhando por cima do ombro de Josie. Josie estremeceu e se voltou. E viu Kasimir parado do lado de fora do caramanchão.


KASIMIR ESTAVA sentindo o coração pulsar na garganta. Viu-a arregalar os olhos, como se pensasse estar sonhando, e morder o lábio. Usava um vestido cor-de-rosa, e os cabelos castanhos caíam em ondas sobre os ombros. Tão linda! Só de olhar para seu rosto, de respirar o mesmo ar, de estar tão perto que podia tocá-la, ele se sentia vivo pela primeira vez desde que ela o deixara. Principalmente, porque ele notou que a esposa ainda usava o anel de casamento. Kasimir passou o dedo na aliança que estava em seu dedo. Nunca a tirara: ela se tornara parte dele. Como Josie. Quando Kasimir chegara à festa, procurara por ela imediatamente. Mas vira apenas o irmão, perto do bar. Tomara coragem para se aproximar e bater em seu ombro. Ainda rindo com os amigos, Vladimir se voltara e seu sorriso desaparecera. – Kasimir – murmurou ele. – Eu não esperava vê-lo. – Então, não deveria ter me mandado um convite. – Não foi isso que eu quis dizer. Eu... – Tudo bem. Sei o que você quis dizer. Há algumas horas eu também não sabia que viria. – Kasimir tirara o contrato do bolso e o enfiara na mão do irmão. – Não posso ficar com isso. Não quero. – Por que não? – perguntou Vladimir, admirado. – A verdade é que nunca pensei em tirar sua empresa. – Mas sempre deu essa impressão. Kasimir deu uma risada. – Admito. Talvez eu quisesse. Mas o que eu mais desejava era ter meu irmão de volta. – Ele ergueu os olhos, emocionado. – Senti sua falta. Eu não quero administrar a empresa. Mas... – Ele hesitou. – Uma fusão... Poderíamos administrar a Xendzov Mineração e a Cruzeiro do Sul juntos, como sócios. – Sócios? – Temos a segunda maior mineradora do mundo. Com as concessões que você tem no hemisfério norte e eu tenho no sul, poderíamos dominar o mercado. Juntos. Vladimir piscou, atordoado. – Você me daria uma segunda chance? Você me confiaria sua empresa? Depois de eu tê-lo traído? Kasimir deu um sorriso largo. – Sim. – Por quê? – Porque somos irmãos. Não mais aquele negócio de irmão mais velho e mais novo. Agora, seremos iguais. O que me diz? – Ele estendeu a mão, ansioso. – Seremos sócios? Você voltará a ser meu irmão? Vladimir olhou para ele por longo tempo e, por fim, empurrou sua mão e o abraçou. – Senti falta de você. O que eu digo? Claro que sim. Para tudo. Quando se separaram, os dois haviam se virado de costas. – Areia nos olhos – murmurou Kasimir, enxugando as lágrimas. – Vento idiota. Espalhando areia. – Vladimir secou os olhos, pigarreou e sorriu. – A partir de agora, seremos iguais. Totalmente. – Já era tempo de você admitir – resmungou Kasimir.


– A propósito, você chegou em boa hora para me salvar. Não tenho ideia de como administrar um hotel. – Vladimir riu. – Isso evitará que minha esposa tenha o trabalho de me demitir. Kasimir riu. – Ela vai sentir sua falta quando você começar a viajar para a Rússia, quase que diariamente. Os dois conversaram por alguns minutos, e Kasimir suspirou. – Sinto muito ter perdido seu casamento. – Eu também. Mas tê-lo de volta é o melhor presente de casamento que eu poderia ter recebido. – Ele sorriu e ergueu a sobrancelha. – Apesar de descon ar que você não veio apenas pelo bolo ou para tratar de negócios. – Tem razão – disse Kasimir. – Onde está ela, Volodya? Ao ser chamado daquele jeito, os olhos de Vladimir começaram a arder novamente. – Desculpe. Areia novamente. – Ele apontou um dos lados do penhasco. – Ali. Conversando com minha mulher... Kasimir olhou para o caramanchão iluminado e viu Josie, mas, antes de ir encontrá-la, ele se voltou para o irmão. – Fico feliz por voltarmos a ser amigos. – Amigos? Nós não somos amigos, cara. Somos irmãos. Kasimir cou emocionado de os dois voltarem a ser irmãos de verdade. Mas aquele não era o motivo pelo qual viajara quase 24 horas, de São Petersburgo até o Havaí. Enquanto respirava fundo e olhava para o belo rosto de Josie, ele escutava as ondas baterem na praia, ao pé do penhasco; porém, o ruído não se comparava ao das batidas do seu coração. – O que... o que faz aqui? – gaguejou Josie, e o doce som de sua voz pareceu reverberar no corpo dele. – Meu irmão me convidou para o casamento. – Chegou tarde – disse ela secamente. – Eu sei. – Ele sabia desde que, do avião, vira o sol se pôr em Oahu. Mas as luzes de Honolulu brilhavam como diamantes, re etindo nas águas. Como mágica, porque Josie estava ali. – A questão é: cheguei tarde demais para você? Bree olhou para os dois e pigarreou. – Acho que ouvi meu marido me chamar. – Foi embora, com o vestido de noiva esvoaçando. Só por isso, Kasimir poderia perdoá-la por tudo. Josie se voltou e tentou ir atrás dela, mas ele a segurou pelo braço. – Por favor, não vá. – Por quê? O que teríamos para conversar? – Vladimir e eu zemos as pazes. – Ele deu um sorriso sem jeito. – Resolvemos juntar nossas empresas e sermos sócios. Josie ficou admirada. – É mesmo? – Esta manhã, estive no Alaska visitando a fazenda. Eu tinha tudo que sempre desejei, mas, de repente, percebi uma coisa. – O quê? – sussurrou ela. – Percebi que tudo que tinha de nada me serviria se eu não pudesse compartilhar com as pessoas que


amo. Josie o fitou com os olhos arregalados. – Estou feliz por você e Vladimir serem amigos novamente. – Amigos, não – corrigiu ele, sorrindo. – Irmãos. – Fico feliz – falou ela docemente, fitando o chão. – Mas isso nada tem a ver comigo. Não mais. Kasimir percebeu que sua vida dependeria do que iria dizer. – Ele não foi o motivo pelo qual eu voltei para Honolulu, Josie. – Não foi? Kasimir sacudiu a cabeça e olhou envergonhado para o terno amassado. – Sabe que eu não troco de roupas há 24 horas? – Ele afrouxou a gravata e tirou-a. – Quando o advogado me disse que as terras no Alaska eram minhas, sai do escritório em São Petersburgo e peguei um avião. Só pensava em voltar para casa. Mas o que encontrei não passava de uma velha cabana arruinada, montes de neve e uma oresta silenciosa. Não era meu lar. – Ele olhou dentro dos olhos dela. – Porque você não estava ali. Josie nem sequer tentou disfarçar as lágrimas que lhe umedeciam os olhos. Kasimir enxugou-lhe uma lágrima, com mão trêmula. – Você é o lar que tenho procurado durante toda a minha vida, Josie. Você é meu lar. – Então, por que me deixou partir tão facilmente? – sussurrou ela. Kasimir respirou profundamente e fechou os olhos. – Depois que você partiu, tentei me convencer de que vencera. Em seguida, tentei me convencer de que você merecia um homem melhor que eu. E merece. Mas, hoje de manhã, no Alaska, percebi algo que mudava tudo. – O quê? – Ela soluçou. – Percebi que posso ser esse homem. – Ele pegou na mão dela e, quando Josie não a puxou, Kasimir se entusiasmou. – Posso ser o homem que vai cortar a grama ao longo de sua cerca branca. O homem que estará sempre a seu lado, adorando-a. Pelo resto da minha vida. – Como posso acreditar em você? – Josie enxugou os olhos. – Nosso casamento foi baseado em uma mentira. Como posso lhe entregar meu coração novamente? Kasimir olhou para ela e sacudiu a cabeça. – Eu não sei. – Ele riu e passou a mão na cabeça. – Eu não poderia culpá-la se você me mandasse para o inferno. Aliás, pensei que fosse... – Então, por que veio até aqui? – Porque você precisa saber o que eu sinto – murmurou ele. – Eu precisava lhe dizer como você me fez mudar. Para sempre. Você me fez querer ser a pessoa íntegra e leal que eu já fui: o homem que nasci para ser. Josie cobriu o rosto com as mãos e chorou. Kasimir caiu de joelhos e abraçou-a pela cintura. – Sinto muito se tentei separá-la de sua irmã, Josie. Eu fui egoísta e covarde. Pensei que não iria suportar perdê-la. – Ele percebeu que Josie enrijecia o corpo, mas que, depois, lhe tocava os cabelos. Era a carícia mais terna que já recebera. Kasimir olhou para ela com os olhos cheios de lágrimas. – Eu deveria ter pensado antes em você. Colocado você em primeiro lugar. Só quero que você seja feliz. Não importa que seja comigo ou... não.


– Cale-se. – Ela colocou o dedo sobre os lábios dele. – Descobri que posso viver sem você. Kasimir sentiu o coração se despedaçar. Perdera-a. Ela o mandaria embora, de volta para o inverno. – Mas também descobri que não quero. – O olhar de Josie se tornara calmo como o céu depois de uma tempestade. – Tentei deixar de amá-lo, mas quando amo uma pessoa é para o resto da vida. – Ela deu um sorriso trêmulo. – Sou muito teimosa. – Josie... – Ele suspirou, levantando-se e segurando-lhe o rosto. – Isso quer dizer que você será minha esposa? Desta vez, de verdade? – Ah, sim. – É melhor você fazê-la feliz! – gritou Bree. Os dois se voltaram, surpresos, e viram Bree e Vladimir parados no meio das flores. – Eu vou – respondeu Kasimir, voltando-se para Josie e fazendo um juramento com todo o coração. – Eu prometo fazê-la feliz pelo resto da minha vida – jurou, beijando-a com fervor, sem se importar com a presença de Vladimir e de Bree, e de outros convidados que por ali passavam. Eles que vissem. Que o mundo inteiro visse! Quando a soltou, Josie soltou um suspiro satisfeito e cou abraçada a ele. Kasimir pensou que poderia se acostumar com o Havaí. Ouviu o vento sacudir as palmeiras, o grito dos pássaros noturnos e, acima de tudo, as batidas do próprio coração, que renascera e que ele entregara a ela. – Gostaria que pudéssemos car aqui – falou Josie baixinho, olhando para Vladimir e Bree. – Poderíamos morar aqui perto e, algum dia, nossos filhos iriam brincar juntos na praia... – Por falar nisso... – Kasimir se lembrou de que ele e o irmão haviam resolvido instalar a sede da empresa em Honolulu. – Tenho uma surpresa para você. – Uma surpresa? – Os olhos de Josie se encheram de lágrimas e o rosto se iluminou com um sorriso. – Espere só até saber a surpresa que também tenho para você.


EPÍLOGO

O DIA em que Josie colocou a

lha recém-nascida nos braços do marido foi o mais feliz de sua vida,

depois de oito meses de alegria. Tudo bem. Sua gravidez não fora exatamente fácil. Tivera enjoos no primeiro trimestre e passara o último em repouso, no hospital. Mas até mesmo isso não fora ruim. Ela zera amizade com todos, desde as enfermeiras da noite até o chefe da manutenção, que lhe contava histórias do tempo em que era marinheiro e tinha uma namorada em cada porto. O mundo estava cheio de amigos que Josie ainda não conhecia, e, quando estava sozinha, tinha uma pilha de livros para ler. Livros divertidos, não de textos. Fizera o primeiro semestre na faculdade, mas os estudos tinham sido adiados inde nidamente. A verdade é que ela não se importava. Sua verdadeira felicidade estava em viver com Kasimir na casa de praia, agora redecorada e com uma cerca pintada de branco. Josie sorriu ao ver o marido com uma cara apavorada e adorável, segurando a filha pela primeira vez. – Precisa de ajuda? – Não. – Ele engoliu em seco. – Acho que não. Os olhos dela se encheram de lágrimas. Agora, formavam uma família. Kasimir adorava trabalhar como sócio do irmão, porém, para os dois, a maneira como faziam negócios havia mudado definitivamente. Ainda queriam ter sucesso, mas o significado do sucesso mudara. – Quero fazer diferença no mundo – disse Kasimir, deitado ao lado dela, na cama do hospital. – Quero fazer com que o mundo seja um lugar melhor. Josie o atingiu com um travesseiro. – Você faz. Toda vez que me traz um pedaço de bolo. – Falo sério. – Ele a olhou de soslaio. – Estive pensando... Poderíamos usar metade de nossos lucros para fazer uma fundação dedicada ao atendimento infantil. Talvez, vender o palácio em Marrakech para fazer um novo hospital, no Saara. – Ele olhou para ela, na expectativa. – O que você acha? – O que o impede? O único que pode fazer isso é você mesmo. – Sério? Você não se importa? – Não precisamos de mais dinheiro nem de outro palácio. – Ela pensou no pequeno Ahmed com a perna quebrada, nas dunas, longe de qualquer assistência médica. – Adorei a ideia do hospital. E também da fundação. – E eu adoro você – disse ele. –Você é a mulher mais doce, mais bondosa e mais linda do mundo. Depois de nove meses de gravidez e sentindo-se como uma baleia ao ganhar 22 quilos com bolos de banana, melancia e sorvete, Josie deu uma risada. – Como você é exagerado. – É verdade – insistiu Kasimir, beijando-a até convencê-la de que fora sincero.


Josie sorriu. Kasimir sempre sabia o que dizer. A única vez em que o vira perder a fala fora quando lhe contara que estava grávida. Ele cara olhando para ela até que Josie perguntara se ele precisava sentar-se. Depois, com um grito de alegria e um pulo, abraçara-a. Haviam cancelado o divórcio e ele insistira em se casar com ela novamente, agora de maneira tradicional e diante da família. Na verdade, sugerira que se casassem imediatamente, aproveitando o ministro e o bolo já partido do casamento de Bree e Vladimir, mas Josie o convencera a concordar com um simples noivado. Três dias mais tarde, depois de rasgar o acordo pré-nupcial, eles se casaram na praia. Durante uma cerimônia simples, zeram seus votos de amor, dedicação e respeito um ao outro pelo resto da vida, abençoados pelo sol que aparecia entre as nuvens do Havaí. Naquele momento começou a chover, forçando todos a correr para dentro do hotel, onde Josie encontrara um bolo de dez camadas que o marido encomendara, coberto com ores de glacê e enfeitado com as iniciais dos dois. Fora o bolo mais gostoso que ela já comera na vida. Josie sorriu ao se lembrar de que ainda estavam comendo o bolo, cujo resto fora colocado no freezer. Ela olhou para o corredor do hospital onde Bree caminhava de um lado para o outro, falando ao telefone com Vladimir e contando as novidades. Vladimir estava em São Petersburgo, providenciando a mudança da empresa para Honolulu. Os dois formavam um casal poderoso: Bree aumentara os lucros do resort Hale Ka’nani e o transformara num dos lugares mais populares entre os turistas. Pensavam em mais tarde formar uma família. Por enquanto, divertiam-se muito trabalhando. Josie olhou para Kasimir e para a lha e pensou que já tinha tudo que sempre sonhara: uma casa, um marido, uma família. – Estou fazendo isso direito? – perguntou Kasimir, ansioso, embalando o bebê. Josie se ergueu na cama e acariciou a cabeça da filha. – Você está me perguntando? Não tenho mais experiência que você. – Estou com medo – confessou ele. – Você? – ela brincou. – De um bebê de 3,6 quilos? – Eu estou apavorado. Nunca fui pai. E se eu fizer algo errado? – Não importa. – Os olhos de Josie se encheram de lágrimas e ela deu um sorriso, amando-o mais que nunca. – Você é o pai perfeito para ela, porque a ama. E Lois Marie já ama você. – Lulu é o melhor bebê do mundo – concordou ele. Tinham dado à menina o nome da mãe de Josie. Apesar de não tê-la conhecido, Josie sempre se lembraria dela e de seu pai, e os honraria por estarem dentro de seu coração. De mãos dadas, Kasimir e Josie sorriram para a lha, fascinados com seus cabelos castanhos macios, com suas mãozinhas e com as bochechas coradas. De repente, algo ocorreu a Josie, e ela ficou alarmada. – E se eu não souber ser mãe? – Você? – Kasimir deu uma grande gargalhada. – Está louca? Você será a melhor mãe do mundo. – Ele aninhou a lha em um dos braços e acariciou o rosto de Josie. – Prometo que, pelo resto da vida, mesmo que eu cometa algum erro, vou amar vocês duas com todo o meu coração. E se eu estragar alguma coisa ou brigarmos, sempre serei o primeiro a pedir desculpas. Eu lhe dou minha palavra de


honra. Josie estendeu a mão e enfiou os dedos nos cabelos de Kasimir. – Sua palavra de honra? – Sim. Ela respirou profundamente. – Então, mostre-me. Enquanto Kasimir inclinava a cabeça para provar o que dissera com um longo e fervoroso beijo, Josie sentia a promessa que o marido zera iluminar seu coração. Sabia que a vida daquela família corajosa, complicada e impulsiva – e extremamente feliz – estava apenas começando.


CICATRIZ DA ALMA MAISEY YATES Ele era chamado de A Fera de Hajar por um motivo. Katharine agora entendia o porquê. Zahir S’ad al Din era tão assustador quanto diziam os boatos. Totalmente diferente do homem que conhecera havia alguns anos. Frio, completamente ameaçador. Mas Katharine não podia se dar ao luxo de temê-lo. A nal, ela estava acostumada com homens frios e ameaçadores. – Sheik Zahir – começou ela, aproximando-se, a um passo da mesa imponente. Ele não a encarava, com a cabeça inclinada, continuou focado na folha de papel à sua frente. – Esperei você entrar em contato comigo. E você não fez isso. – Não, não fiz. E porque não fiz isso, gostaria de saber por que você está aqui. Katharine engoliu em seco. – Para me casar com você. – É isso mesmo, princesa Katharine? Ouvi rumores de que você estava prestes a se casar comigo, mas não acreditei. – Ele ergueu a cabeça e, pela primeira vez, Katharine viu o seu rosto. Sim, ele era tão assustador quanto diziam. A pele do lado esquerdo de seu rosto estava retorcida, e um de seus olhos não tão vívido quanto o outro. Ainda assim, ela sentia como se ele pudesse ver através dela, como se o acidente que deixara aquele olho opaco também o tornara capaz de enxergar mais do que um mero mortal. Ele era um fantasma ou algum tipo de Deus. Observando-o agora, ela entendia por que ele se tornara uma lenda. – Eu liguei. – Ela não conversara especi camente com Zahir, mas falara com o assistente dele. E também não fora convidada, de fato. – Não achei que você sairia do conforto do seu palácio e faria uma viagem tão longa apenas para ouvir sua proposta de casamento ser recusada, sendo que já transmiti minha decisão. Ele endireitou os ombros. – Achei que você me devia uma conversa. Uma conversa pessoal, não apenas sua decisão. E não vim aqui para ser recusada, vim para certi car-me de que o contrato foi honrado. O negócio foi fechado há seis anos... – ... Para que você se casasse com Malik. Não comigo. Pensar em Malik sempre a deixava triste. Mas era uma tristeza por uma vida jovem interrompida, e nada mais. Ele fora seu destino e seu dever por toda a vida adulta, e embora ela tenha gostado e se importado com ele, Katharine não o amara. A princípio parecia que ao perdê-lo tudo mudara, que seus horizontes se abriram, que poderia existir um futuro diferente para ela. Agora estava claro que nada mudara.


Em vez de Malik, era Zahir. Mas ela ainda estava determinada a ser vendida em casamento em nome de seu país. Ela aceitara seu destino. Inclusive não achara que a mudança de noivo importasse tanto assim. Observando-o agora, porém, na prática a questão era bem diferente da teoria. Ele era... Ele era muito mais do que ela esperava. Isso nunca teve nada a ver com você. Nem com seus sentimentos. Você precisa estar preparada para ir até o fim. – Foi o que pensei. Mas quando examinei mais atentamente os documentos... – O pai dela cuidou da maior parte do acordo matrimonial entre ela e Malik. O assunto nunca fora de interesse pessoal dela. Seu relacionamento com ele jamais fora mais do que uma manobra política de seus pais. Ela inclusive o encontrava algumas vezes, apenas. Katharine aceitara que aquilo era o que ela poderia fazer pelo país, que o casamento era sua maneira de contribuir. Ela jamais estudara pessoalmente o acordo. Até pouco tempo. – Bem, sim. Segundo as cláusulas principais, estou prometida a Malik. A menos que ele não possa assumir o trono de Hajar. Nesse caso, estou prometida ao sucessor dele. Que é você.


073 – PAIXÃO DOMINADORA – SUSAN STEPHENS

No passado, Bronte Foster-Jenkins era apaixonada pelo bad boy Heath Stamp. Agora, rico e arrogante, ele quer botar abaixo a propriedade que herdou de sua família, mas para isso terá que enfrentar Bronte. Um obstáculo que ele ficará mais do que feliz em derrubar… 341 – PROMESSA SECRETA – TRISH MOREY

Raoul Del Arco jurou que se casaria com Gabriella D’Arenburg. Ela não sabe nada sobre a promessa e não consegue resistir quando ele reaparece em sua vida. 342 – A ÚLTIMA CARTADA – JENNIE LUCAS

Bree Dalton faz uma aposta com o príncipe russo Vladimir Xendzov, se perder, terá que se entregar a ele. Ela o conhece bem o su ciente para saber que deve jogar melhor do que nunca, pois o preço da derrota pode ser muito alto… 343 – CENÁRIO DE SEDUÇÃO – SUSAN STEPHENS

A responsável Katie Bannister vive em um mundo totalmente diferente do chefe, o so sticado Rigo Ruggiero. Mas o belo italiano está decidido a seduzi-la, e o cenário perfeito para isso é em seu novo palazzo na Toscana.


074 – O HOMEM DE SUA FANTASIA – ANNE OLIVER

Lissa está na pior e, para completar, uma antiga paixão de adolescente reaparece em sua vida: o infame Blake Everett. Mas ela cresceu, e Blake já não parece tão imune a seus encantos como antes… 345 – CICATRIZ DA ALMA – MAISEY YATES

O sheik Zahir vive recluso para evitar que os outros vejam suas cicatrizes, mas é obrigado a deixar a princesa Katherine, sua noiva, entrar no castelo. E qual não é a surpresa da Fera de Hajar quando se depara não com um olhar de medo, mas de desejo? 346 – CORAÇÃO AMARGO – KATE WALKER

Para trazer estabilidade ao seu reino, Honoria Escalona precisa se casar com Alexei Sarova, o verdadeiro rei de Macjoria. Ele culpa a família dela por toda sua amargura e vê na união a oportunidade perfeita para se vingar. 347 – MOMENTO DE AMAR – LYNNE GRAHAM

Alex se aproxima de Rosie para vigiá-la, pois ela é a lha perdida de seu padrinho. Mas os dois acabam se envolvendo e Rosie engravida. E agora, como ela reagirá quando descobrir a verdade sobre Alex e sobre sua verdadeira família? 348 – PRÍNCIPE REBELDE – CAITLIN CREWS

O trabalho de Adriana é manter o indomável príncipe Pato longe das manchetes até o casamento do irmão dele. Uma missão praticamente impossível, principalmente quando o rebelde real resolve mirar seu charme na direção de Adriana!

NOVO LANÇAMENTO!

LENTO Leslie Kelly


clique aqui e leia o 1º capítulo!



PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: A REPUTATION FOR REVENGE Copyright © 2013 by Jennie Lucas Originalmente publicado em 2013 por Mills & Boon Modern Romance Projeto gráfico de capa: Nucleo i designers associados Arte-final de capa: Isabelle Paiva Arquivo epub produzido pela Ranna Studio ISBN: 978-85-398-0959-2 Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4º andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia.rivera@harlequinbooks.com.br


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