(Sabrina 1558) Noiva De Aluguel - Irene Peterson

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Noiva de Aluguel Irene Peterson O conde Ian Wincott tem coisas mais importantes a fazer do que perder tempo com namoricos. O que ele precisa, é arranjar, e com uma certa urgência, uma mulher livre e descompromissada que tope se passar por sua noiva por alguns dias e que o ajude a receber um importante empresário americano em sua mansão. Assim ele poderá concretizar um importante negócio. E Abby Porter parece ser a pessoa ideal... afinal ela é bonita, divertida... Embora tenha de admitir que Abby atraia muita atenção. E isso faz seu sangue azul esquentar... Coisa que, obviamente, ela adora! Ian é que não gosta nem um pouco. Será possível que ele esteja com ciúmes? Ou... apaixonado?...

Título Original: Kisses to Go Disponibilização e Digitalização: Marina Revisão: Sol Moura / Formatação: Edina


Nota da Revisora Este livro noiva de aluguel é totalmente m-a-r-a-v-i-l-h-o-s-o! Lindo do início até o final! Recomendo... Este livro tem magia e emoção o suficiente para ir da era do rei Arthur até a atual... Bom demais... Gostoso de ler, com uma historia fluida como a agua! Sol Moura

Capítulo 1 — Dê-me um empurrão, Lutrelle. Tenho de ver por mim mesma. A drag queen de um metro e oitenta e cinco meneou a cabeça. — Ah-ah, garota. Acredite, você não vai querer ver o que está acontecendo lá. Abby Porter levou as mãos aos quadris, tremendo inteira. — Por favor, Lutrelle — ela implorou. — Eu... eu lhe dou minha bolsa de miçangas se você me ajudar. Com as mãos capazes de empalmar uma bola de basquete, Lutrelle segurou Abby pela cintura e ergueu-a até que alcançasse o painel de vidro reforçado sobre a porta de metal do loft. Quando Abby encostou o nariz ao vidro, seus olhos quase saltaram das órbitas; ela parou de respirar. Lance estava lá dentro, de pé em frente à bancada de trabalho de aço inoxidável, completamente nu, de costas para a porta trancada. Suas nádegas tremiam, gingando para frente e para trás. E as solas de dois pés pequenos, definitivamente pés femininos, sacudiam-se sobre seus ombros. — Viu o suficiente, baby? — Lutrelle perguntou, num tom suave de contralto. Abby fez que sim com a cabeça, incapaz de pronunciar uma palavra. O amigo colocou-a no chão, e Abby perdeu o equilíbrio, os joelhos cedendo. Lutrelle sustentou-a. Abby respirou fundo, sentindo algo destroçar-se em seu peito. E, num impulso, atirou-se contra a porta de aço, aos chutes e socos, berrando palavrões que fariam um morto enrubescer.

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— Vou picá-lo! Cortá-lo em pedacinhos! Ah, quando eu o pegar! Vou... vou... pregar suas bolas na mesa! Seu cachorro! Seu pulha vagabundo! — Calma, garota. Ele não vale nada e agora você sabe por quê. O travesti passou o braço pelos ombros da amiga e levou-a até seu apartamento. — Sinto muito, senhorita, mas é tarde demais para receber o dinheiro de volta pela segunda passagem — a mulher do balcão de check in disse a Abby. — O avião está na pista. Abby encarou-a, incrédula. Não tinha dinheiro nenhum. Seu talão de cheque e o cartão de poupança estavam no loft, por trás daquela porta trancada. Oooh! Lance e sua queridinha poderiam estar transando em cima de suas economias de uma vida inteira naquele exato momento. As únicas notas em sua bolsa eram as que tinham sobrado da breve passagem pelo shopping quando estava a caminho de casa quando fora pegar o passaporte no centro da cidade. Talvez seu cartão do banco também estivesse ali. Talvez. Como era idiota! Deveria ter contado a Lance sobre a viagem surpresa à Inglaterra. Mas com o novo emprego e a mostra de Lance, ela estava ocupada, ele estava ocupado. Na verdade, não ficavam realmente juntos fazia meses. Como pudera ser tão estúpida? Estúpida, estúpida, estúpida! Deveria ter chamado a polícia e mandado arrombar a porta do apartamento. Lance não tinha o direito de trancá-la para fora! Por outro lado, o apartamento estava no nome dele, certo? Ele que pagasse o aluguel. E comprasse a própria comida. Contudo, isso a deixava sem alternativa no momento. Não telefonaria aos pais, pedindo ajuda depois de todos os avisos acerca de Lance. Não tinha amigos com quem contar também. Exceto Lutrelle. O "grande ponto de mutação" chegara. Os Porter haviam sobrevivido a coisas muito piores. Ela não deixaria aquele imbecil impedi-la de partir e aproveitar a Inglaterra. De jeito nenhum. E assim, lá estava ela no aeroporto, com pouco dinheiro, um passaporte e uma enorme sacola plástica com seus pertences. As coisas poderiam piorar? A atendente disse: — Claro, podemos transferir seu bilhete para a primeira classe. — Primeira classe? — Temos um assento vago na primeira classe. — Fico com ele. Minutos depois, Abby subia a bordo do enorme jato. Todos os assentos estavam ocupados, ela percebeu, a não ser um logo na frente. A comissária inclinou-se para conversar com o homem sentado ao lado da janela. Era evidente que ele não gostara da ideia de ter de tirar seus papéis do assento ao lado. Levantou-se e enfiou a papelada toda no bagageiro. Só então deu uma olhada na direção de Abby. De cabeça erguida, costas eretas, ela se aproximou de olhos fixos no terno perfeito, sem fitá-lo nenhuma vez. — Seus papéis podem ser importantes, mas isto — ela tocou o traseiro — é tão importante quanto e, além do mais, tem um bilhete.

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Assim dizendo, tirou o casaco de couro e colocou-o junto com a sacola de plástico no bagageiro. Em seguida, acomodou-se na poltrona confortável e macia da primeira classe. Sentiu o calor da ira do passageiro ao lado irradiarse. Um raio de percepção a fulminou. Oh raça! Não seria mais usada e abusada, com homens roubando seu dinheiro e seu orgulho. Talvez agora soubesse reconhecer um aproveitador. Talvez agora fosse capaz de mandar qualquer metido para o inferno se ele tentasse, apenas tentasse, tirar vantagem dela. Lição aprendida. Finalmente. Ian sabia que algo estava errado no momento em que viu a comissária de bordo parar a seu lado. Maldição! Ele sabia, sabia que a mulher iria pedir para que tirasse seus papéis da poltrona. — Desculpe-me, mas receio que este assento não esteja mais vago, senhor. — Eu sempre peço um lugar vago. — Esta é uma alteração de última hora, senhor. Sinto muito, mas o passageiro está esperando... — Já voei por esta companhia dezenas de vezes, senhorita, e sempre tenho o assento extra. — O passageiro tem um bilhete. Tenho certeza de que o senhor compreende que precisamos destinar a ele uma poltrona disponível; a qual, neste caso, acontece de ser a que está ao seu lado. Ian teve vontade de socar a mulher. Lançou um olhar cortante para o passageiro que esperava o lugar. Uma mulher. Claro. E, pela roupa, americana... Levantou-se, recolheu seus papéis, deixando o assento vago. Enfiou as planilhas no bagageiro, junto com a pasta, apertou os lábios numa linha firme, e retornou ao seu lugar. A mulher, depois de fazer um comentário rude a respeito de seu traseiro ter um bilhete, sentou-se com a delicadeza de um elefante. Americana típica! O perfume da passageira intrometeu-se em suas narinas. Um aroma suave, ligeiramente floral, porém limpo e sem exagero. Pelo menos não teria de suportar um odor sufocante durante o vôo! O avião estava prestes a decolar, e Ian recostou-se, sentindo o impulso dos motores poderosos. A mulher ao lado deixou escapar um gemido de dor, ele pensou. Ou de medo. Que chateação! Um rápido olhar, mostrou que ela segurava com tanta força os braços da cadeira que os nós dos dedos estavam brancos. Olhou-a outra vez. Cabelos loiros com um toque avermelhado, pele clara. Vira os olhos por um breve instante. Eram de uma nuance incomum de azul, talvez verde. Formas elegantes, contudo. De jeans justos e um suéter azul. Nada mau. Uma imagem da desconhecida nua em sua cama coruscou como um raio por sua mente.

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Será que fazia tanto tempo que não tinha uma mulher que cogitava em levar para a cama aquela criatura patética? Preciso de ajuda, resmungou no íntimo, ao se acomodar para o longo e enfadonho percurso aéreo. Uma fungada veio do assento ao lado. Pelo canto do olho, Ian viu a primeira lágrima deslizar pela face pálida da passageira. Oh, Senhor! Ela está chorando! Sentiu que virava um mingau por dentro. Que diabos ele deveria fazer? Chorando! Uma mulher se derramando em lágrimas sentada perto dele por umas sete horas! Tarde demais, percebeu-se sugado para dentro daquele miasma emocional. Fez o que qualquer cavalheiro inglês faria. Tirou um lenço imaculado do bolso e colocou-o na mão da americana. Seis horas e meia de voo. Seis horas e meia de absoluto inferno. Abby passou pela inevitável imigração e pela alfândega. Ela não tinha nada a declarar, a não ser a sacola de plástico, aquele vestidinho preto, as sandálias elegantes e a lingerie que comprara no shopping. O atendente a encarou com ar de tédio. — Qual é seu destino? — Alguém deve me encontrar aqui para me levar a Glastonbury. Ficarei lá por duas semanas. — Muito bem, senhorita. Pode passar. Abby endireitou os ombros e dirigiu-se à saída. Os outros passageiros lutavam para pegar suas malas na esteira giratória, e um homem alto, de bela aparência, carregando uma pequena valise e vários rolos de papel chamou sua atenção. Era o camarada do avião. Com um sobressalto, ela enfiou a mão no bolso do jeans e tirou o lenço que ele lhe emprestara. — Espere! — chamou. — Senhor, estou com seu... Cabeças voltaram-se em sua direção. No mesmo instante, recordou-se das cinco regras básicas que lera num dos guias de viagem sobre o que não se deveria fazer na Inglaterra: Não erguer a voz: Rir alto; Chamar; Xingar. Não se vangloriar — os Estados Unidos não são o único país do mundo que tem grandes coisas. Não fazer perguntas pessoais. Não falar sobre assuntos íntimos: Operações ou doenças; Sexo; Problemas familiares específicos; Dinheiro. Não dizer "desculpe" ou "perdão". Isso é reservado para arrotar ou soltar traques e ninguém realmente quer ouvir desculpas diante de tal grosseria. Abby sonhava em viajar para a Inglaterra desde adolescente. Era um lugar de cultura e refinamento. As pessoas eram classudas. Precisava comportar-se adequadamente. Seu companheiro de assento já sumira pela porta em que se lia "estacionamento". Ela apertou o lenço na mão. E notou um pequeno emblema,

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com um dragão vermelho ou um cão horroroso no centro. Havia algumas palavras, pequenas demais para se ler. Com um suspiro, enfiou o lenço no bolso do casaco. Umas poucas pessoas carregando cartazes com nomes andavam de um lado para o outro do saguão. Uma delas tinha na mão uma pequena placa com o nome "Porter" escrito. Um imenso alívio a invadiu. — Sou eu — disse ela, assim que chegou perto do homem. — Senhorita Abigail Porter, de Nutley, New Jersey? Ela concordou. — Julguei que haveria um cavalheiro acompanhando a senhorita — o senhor distinto disse. Abby recordou-se da "lista" e meneou a cabeça. — É uma longa história. Realmente, uma longa história. — Por aqui, senhorita — ele disse, imperturbável. Olhou ao redor, procurando a bagagem. Abby deu de ombros. — Isso é parte da história. Andar num Bentley com chofer tinha de ser o modo mais luxuoso de se viajar, Abby disse a si mesma. Ela, porém, sucumbira ao sono logo depois que o carro deixara o aeroporto. E acordara ao senti-lo parar. Uma leve batida à janela a assustou. A mais linda jovem de cara lavada que já vira lhe sorriu. E, de repente, ela sentiu-se amarrotada e exausta. — Olá — disse a jovem quando abriu a porta do carro. — Bem-vinda a Bowness Hall. Sou Letícia Wincott. E você deve ser Abigail Porter. Abby correspondeu ao sorriso e ia descer quando o enorme focinho de um cachorro apontou dentro do carro. Uma farejada rápida, uma sacudida de rabo, um beijo molhado, e o cachorro recuou, deixando-a sair do Bentley. — Deixe a moça em paz, Tugger! — Letícia puxou o cão de caça para trás. — Sou Abigail Porter mesmo. O bom é que adoro cães. — Sinto muito. Ele é inofensivo. — Então, seremos bons amigos. — Abby riu. Passou a mão pelo rosto, e depois alisou as calças, tentando parecer tão despreocupada quanto Letícia. A garota fez um ar de indagação. — Pensei que traria um amigo. — E uma longa história — ela murmurou. Não iria lavar a roupa suja diante nos pilares magníficos do palácio à sua frente. — Puxa. Isto é... impressionante. Atrás de si, ouviu uma tossidela. — Esta é a Sra. Duxbury, Srta. Porter. É a governanta de Bowness Hall — disse a mocinha. — Que bom que pôde vir para ficar conosco — disse a dama magra, grisalha, frágil e elegante num impecável vestido preto e avental branco. — Obrigada, Sra. Duxbury. Estou encantada por estar aqui. John, o chofer, sugeriu que ela poderia querer ver o quarto e se refrescar depois do

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longo voo. E, ao entrar pelas imponentes portas da frente, ela estacou, deslumbrada. No teto, anjos e deusas brincavam em cores pastéis de arco a arco, e figuras masculinas em antigas armaduras douradas desfilavam em carruagens. O foyer, maior que a casa inteira dos Porter em New Jersey, tinha peças elegantes de mobília, algumas jardineiras imensas e várias pinturas a óleo em grossas molduras douradas. O chão, de mármore branco com veios de um rosado suave, contrastava de um modo soberbo com o intenso azul da cerâmica Wedgwood das paredes. Tudo cheirava a riqueza para Abby. Riqueza, elegância e... antiguidade. E, pela primeira vez na vida, ela ficou muda. — Gosta? — sua anfitriã indagou. — Incrível. Que modo glorioso de se entrar numa casa. — Ficarei feliz em mostrar tudo a você mais tarde. — Os olhos azuis de Letícia faiscaram. — Posso ajudá-la a desarrumar as malas também — emendou. Então, como se lembrasse que Abby não tinha "malas", ela bateu os cílios e abaixou a cabeça. Seguiram pelo corredor, deixando o chofer e a governanta na imensa entrada. — Oh, céus — murmurou a Sra. Duxbury. — E o rapaz? John Duxbury meneou a cabeça lentamente. — Não sei, Duckie. Ela estava sozinha no aeroporto e, quando perguntei, me disse que era uma longa história. Aposto que o sujeito a deixou no altar ou algo assim. — Ela vai querer o dinheiro de volta. — Quem sabe a Srta. Tish dá um jeito nisso. — Isso não é nada bom, é, John? — Duckie apertou os lábios. — Não se preocupe. Vamos resolver de alguma forma. Abby e sua anfitriã passaram por porta após porta ao seguirem pelo corredor atapetado. Pararam diante de uma delas. Letícia abriu a de um quarto amplo e arejado. Fazendo um gesto para que Abby entrasse, ela dirigiu-se à janela mais próxima e puxou as cortinas. Abby inspecionou o aposento. A cama alta tomava uma parede inteira. Cortinas corriam pelo dossel, recolhidas por um cordão, deixando à mostra a colcha de um rosa provençal com um lindo fundo em vinho. Um suave tom rosado emprestava calor às paredes, destacando a cor das cortinas e da colcha. A madeira era escura e antiga. Abby correu a mão pelo criado-mudo, apreciando a textura do móvel. — Este é o Quarto Rosa, Srta. Porter. Tem um aposento anexo, com banheiro e chuveiro também, com tudo de que precisar. — É realmente adorável, srta. Wincott. — Obrigada. Abby sentou-se na cama. Era muito mais alta que qualquer uma em que já dormira. Chutou fora os sapatos. — Pode me chamar de Abby, por favor. Não estou acostumada a ser chamada de "Srta. Porter" e é provável que não responda sem precisar pensar.

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— Oh, Abby, pode me chamar de Tish, se não se importa. Não gosto nada de meu nome e só o uso quando preciso. Vou deixá-la à vontade. Posso voltar em, digamos, uma hora, e levá-la para aquele tour. — Os olhos de Letícia faiscaram de ansiedade. Abby queria um banho. — Não tenho relógio — desculpou-se. — Mas quando você voltar, estarei pronta. Quando Tish saiu do quarto, ela julgou ter ouvido um gritinho de triunfo, e depois o eco de passos correndo pelo corredor. — Bela garota — disse, e rumou para o banheiro. Abby acordou com a batida à porta, desorientada com o ambiente estranho. — Srta. Porter? Abby? — Humm, pode entrar — disse, ao sentar-se, meio tonta. — A porta não está trancada. Tish apontou a cabeça pela fresta. — Olá — disse, os olhos brilhando de alegria. — Vim para levá-la àquele passeio. — Apaguei — Abby desculpou-se. — Tomei uma ducha e fui ver se a cama era macia e confortável como parecia e... Bum! A próxima coisa que sei é de você batendo à porta. — Jet lag. Li numa revista que um cochilo resolve, compensa o fuso horário. Não sei se é verdade. — Esta é minha primeira viagem ao exterior — Abby confessou. — E mesmo? Pensei que... estava acostumada a viajar com pouca bagagem... pronta para ir a qualquer parte... — Bem, não sou uma viajante experiente para a Europa, mas conheço todos os Estados Unidos. Quando era criança, meus pais nos levavam a visitar os Estados, nas férias de verão. — Ah, que maravilha! Eu gostaria... — Tish calou-se antes de completar o pensamento. Abby levantou-se da cama, ajeitou o suéter e correu os dedos pelos cabelos. — E aquele tour que você prometeu? Bowness Hall tinha noventa e três quartos. Tish conduziu Abby por dezenas de portas de carvalho em arco, e, ocasionalmente, abriu uma para mostrar o ambiente. Parava de vez em quando para apontar um objeto em particular ou alguma pintara. — Esta é a galeria de retratos. Antigamente, os músicos tocavam para os convidados daqui. Aqui estão os retratos de todos os condes de Bowness. Do outro lado, a parede se erguia apenas a um metro e vinte do chão. Abby aproximou-se e espiou pela beirada. Lá embaixo, estendia-se o saguão principal da mansão. Enfeitado com estandartes e pendões, e antigas tapeçarias, tinha uma longa mesa rústica flanqueada por grandes cadeiras maciças. Abby soltou um assobio de admiração. — Vinte... não, vinte duas de cada lado!

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Diante de cada cadeira havia um serviço de porcelana que reluzia ao sol da tarde. Abby imaginou um menu adequado ao local, daqueles de cinema. Mas logo voltou à realidade. — Você é chefe de cozinha nos Estados Unidos, não é? Estava imaginando cavalheiros reunidos em torno da mesa? — Tish soltou uma risadinha marota. Abby enrubesceu. — Só sonhando com o cardápio para a refeição, junto com o vinho que acompanharia — confessou. — Temos duas cozinhas em Bowness Hall. Uma é imensa, separada da casa principal originalmente e depois anexada conforme a construção foi modernizada no século dezenove. Claro, recebeu novos equipamentos. Quer ver? Abby hesitou, lembrando da "lista" e não querendo ser intrometida. Tish, porém, continuou o tour pelo longo corredor, apontando os vários condes e citando nomes. Todos os quadros mostravam feições semelhantes. Algumas de face raspada, outras de barbas e bigodes, de acordo com o estilo da época. Babados nos pescoços, roupas de cores sóbrias ao vibrante vermelho. Quando chegaram ao fim da galeria, Abby parou diante de uma pintura de origem mais recente, de um jovem. Tinha longos cabelos escuros, usava a camisa aberta no colarinho e calças jeans. Uma das mãos repousava no focinho de um cavalo baio. — Quem é? — indagou curiosa. — Ian. O conde atual. — É bem jovem, não? E bonito. Tish pareceu pesar as palavras. — Ele é um pouco mais velho. Esse retrato foi feito há vários anos. Provavelmente se tornara um homem de deixar qualquer moça babando, Abby pensou. Talvez fosse por isso que sua guia parecia estranha. — Tem uma queda por ele, Tish? A garota deixou escapar uma risada cristalina. — Acho que gosto dele. Afinal, ele é meu irmão. A surpresa quase provocou em Abby uma desagradável paranoia. Ela estava conversando com a irmã do conde de Bowness, ou, mais apropriadamente, com lady Letícia. Como deveria se comportar diante disso? — Oh, não me olhe desse jeito, Abby. Já vi esse olhar antes. Sou apenas uma pessoa comum. Não ligamos muito para títulos por aqui. Não é grande coisa. — Como assim? — Fui filha e irmã de um conde durante toda a minha vida. Acredite, não quer dizer muito. Talvez para Ian faça diferença, mas ninguém por aqui me trata como alguém especial. E não gosto. — O que quer dizer, não gosta? Deveria se orgulhar disso. — É bobagem, eu acho. Talvez quando eu ficar mais velha eu escreva um livro sobre como é ser a filha de um conde e depois irmã de um. Mas agora, não significa coisa nenhuma.

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Tish virou-se, e seguiram por outro corredor interminável. Subiram e desceram vários lances de escadas e, agora, estavam num local escuro. Quando Tish acendeu as luzes, contudo, Abby sentiu que não estavam mais sozinhas. — Armaduras! — Ela riu, inquieta, quando a luz se refletiu no metal. — Foram usadas em uma ocasião ou outra pelos Wincott — explicou Tish. — Esta aqui data do tempo de Henrique VIII. A armadura exibia um elmo emplumado, cujo visor, uma mera fenda, tinha uma aparência sinistra. Mas não prendeu a atenção de Abby tanto quanto a de couro e bronze num manequim. Aquilo era dez vezes melhor que um museu. Abby não resistiu e tocou o bronze antigo da couraça de peito. Um zunido soou em sua cabeça, e ela sentiu-se compelida a pousar a palma nos pequenos elos quadrados. Ao contato, sua mente encheu-se de imagens de sangue e selvageria. Como se levasse um choque, tirou a mão depressa. Olhou para a guia, encabulada. — Qual é a idade deste castelo? — Faz quinze séculos que este é o lar dos Bowness. Agora venha por aqui chef Abigail. Vamos ver as cozinhas — disse Tish já saindo pela porta. Um som agudo de sirene arrancou Abby do sono. E ela ergueu-se nos cotovelos e olhou para o relógio do criado-mudo. Oito da manhã. O que era aquele barulho horrível? Em passos arrastados, seguiu para o banheiro e, depois de lavar o rosto com água fria, olhou-se no espelho. O que viu foi uma figura pálida, com marcas de lençol pela face, cabelos arrumados como um batedor de ovos. O ruído estridente parou. Rapidamente usou o banheiro e foi se vestir. E já que sua opção de roupas era limitada, enfiou-se, com relutância, nas calças jeans. Seguiu pelos corredores e, por fim, congratulou-se ao chegar ao que chamavam de cozinha. A porta estava aberta. Ao ouvir o que parecia a voz de Tish, Abby foi até a soleira da porta. A chuva tornava o cenário cinzento e pesado. No gramado, as portas abertas de uma ambulância esperavam para receber a maca. Um arquejo escapou-lhe ao reconhecer a Sra. Duxbury. Tish se apoiava ao braço de John, o chofer, as lágrimas escorrendo pelas faces. As mãos de John tremiam. — John vai acompanhá-los, Duckie — ela anunciou, enquanto o pessoal da ambulância colocava a maca no veículo. — Não se preocupe com nada. Tudo ficará bem aqui. Quando as portas se fecharam, a ambulância saiu devagar do pátio. Tish ficou olhando a ambulância afastar-se e então, em passos lentos, como se o peso do mundo estivesse em seus ombros, seguiu para a porta onde sua hóspede se postara. — Duckie caiu esta manhã. Tenho quase certeza de que quebrou o tornozelo, mas receio que o quadril possa estar deslocado. — Oh, nossa! Espero que não seja tão ruim assim. — Receio que seja pior... para nós. Sou uma péssima cozinheira. Abby não pensara nisso. Claro, não teriam uma cozinheira para as refeições.

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Mas isso não era realmente um problema. — Se estiver com fome, faço uma boa omelete, e me arranjo bem numa cozinha. — Não se importa? Só por enquanto? Com um sorriso, ela enrolou as mangas do suéter e fez uma rápida inspeção pela cozinha, procurando o que precisava, abrindo gavetas e armários. Assumira o pedaço. Que coisa inusitada, pensou Abby. Lá estava ela, falida, numa terra estranha, andando de cabriolé com a irmã de um conde. Usava roupas emprestadas que, felizmente, eram quase do tamanho certo, cedidas a ela por uma verdadeira dama inglesa. As ruas enxameavam de gente. Era Sexta-Feira Santa, feriado. Era evidente que os ingleses não estavam na igreja batendo no peito, ou a cidadezinha de Glastonbury não fervilharia de tanta atividade. Algumas pessoas acenavam para Tish. — Normalmente venho de carro, mas fui multada a semana passada e todos na cidade sabem disso. Preciso tomar cuidado antes que alguém conte a meu irmão. Espero que não se importe de andar de charrete. Claro que Abby não se importava. A cidade era antiga e os prédios provavelmente da Idade Média. As datas nos frontispícios eram de quando a América nem mesmo fora descoberta pelos espanhóis. As lojas, no entanto, ostentavam bandeiras nas cores do arco-íris. Sobre as portas pendiam signos de madeira com anúncios de cristais da Nova Era e espadas arturianas, enquanto figuras exóticas passeavam vestidas com costumes ao estilo do lendário Rei Arthur. Uma mulher saiu de uma lojinha e acenou. Loira, de olhos claros, enormes. Sem conhecer uma alma na Inglaterra, Abby virou-se para perguntar a Tish quem era, mas a garota estava ocupada estacionando o cabriolé. Quando virou-se outra vez, a mulher sumira. — Por que não dá uma volta pelas lojas enquanto eu cuido de um assunto desagradável? — Tish saltou do cabriolé e amarrou o pônei. Abby não hesitou; seguiu direto para uma das lojas. Entrou na loja. Os balcões exibiam pedras e cristais, livros e bijuterias. O cheiro pesado de incenso pairava no ar. Uma mulher saiu de trás de uma área fechada por cortinas. — Bem-vinda, viajante. Abby sorriu. — Olá. Posso dar uma olhada? — Claro. Se encontrar algo que desperte sua fantasia, me avise. Como se ela pudesse gastar algum dinheiro. Mas olhar não custava, ora. Cartas de taro, cristais pendentes, braceletes, bolas de mármore com dragões em torno. Parou diante dos pendentes de cristal. A mulher saiu de trás do balcão. — Cada um tem um significado, você sabe. Tome. Sinta. Ponha em sua mão. Quando o cristal tocou a palma de sua mão, começou a vibrar. Pelo menos, foi o que ela achou que sentia. Esquisito. — É lindo, mas não tenho dinheiro.

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— Sua aura é muito forte, mas tenho certeza de que sabe disso. Você faria objeção a uma leitura? Grátis? Abby não sabia o que era uma "leitura", mas a curiosidade a espicaçou. Por que não? Duas cadeiras e uma mesa desgastada de madeira ocupavam o espaço além da cortina. Para seu desapontamento, não havia uma bola de cristal, só um lenço vermelho em cima da mesa e um punhado de pedras. — Não leio a palma da mão nem olho em bolas de cristal, minha cara. Abby sobressaltou-se. A mulher lia mentes? Em resposta, a estranha riu. — Se eu lhe disser que às vezes posso ler mentes, você acreditaria? — Acho que teria de acreditar. — Por favor, sente-se e relaxe. Fica mais fácil fazer minha... leitura. Abby sentou-se, comprimindo os lábios para não rir. — O que vai "ler"? Ao sentar-se na outra cadeira, a mulher esticou a mão e deslizou-a no ar, a urna curta distância do rosto e dos ombros de Abby. — Sua aura. Ora, não se encolha. Tem muita energia, querida. Abby meneou a cabeça. — Não sou forte. As pessoas sempre pisam em mim. — Ah, mas as coisas mudaram. Você deu um grande passo. Você é talentosa, mas precisa saber disso. Tem uma alma antiga. E habilidades a desvendar. Era ótimo saber disso. Quando chegasse em casa, enfrentaria um novo desafio. Estremeceu. O tom de voz da mulher abaixou-se. — Você vai se apaixonar por um príncipe. Você é aquela que pode domar dragões. Que força! Você tem poder em suas mãos, em seu ser, apenas ainda não o reconhece. Mas vai descobri-lo. E o reconhecerá. — Não tenho poder algum. E gostaria que a parte do príncipe aconteça logo. Continuo beijando sapos. — Acredite. Seu coração lhe mostrará o caminho. Claro que seria ótimo ter um príncipe para adicionar à sua lista de fracassos íntimos, mesmo que terminasse como todos os outros. Contudo, nunca poderia domar um dragão, literal ou figurativamente. — Obrigada. Espero estar à altura de suas previsões. A leitora de aura levantou-se e abriu a cortina para Abby. — Tenha toda a confiança em você, querida. Siga seu coração. — Apertou a mão de Abby com força. Só na calçada foi que Abby se deu conta de que a mulher enfiara o pendente de cristal em sua mão. Fitou o objeto por um instante. Por que a lojista fora tão gentil? Então, enfiou o cristal no bolso da jaqueta. Tish alcançou-a a poucos passos depois da loja e juntas seguiram até a abadia de Glastonbury. Ao ver-se diante das ruínas do convento que abrigara os monges no século doze, Abby de repente, sentiu um calafrio percorrer seu corpo. Um leve zunido ressoou em seus ouvidos, substituído por um mais alto. Vertiginoso. Impressionante. Zonza, cambaleou até a grade.

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Saia daqui! Saia daqui! Ela afastou-se e só quando passou além das ruínas de pedra, o zunido cessou. O que estava acontecendo? Tish alcançou-a e continuaram a andar em silêncio até chegarem a uma placa de ferro. — Aqui jaz o Rei Arthur e sua Lady Guinevere — Abby leu, em voz alta. Virou-se para a acompanhante. — Ele não está realmente enterrado aqui, está? — Assim dizem. Quase novecentos anos atrás, o abade de Glastonbury resolveu ampliar sua capela e, quando os monges faziam as fundações, descobriram uma pedra enorme. Escavaram ao redor e içaram a pedra. Embaixo, encontraram uma cruz de chumbo com o nome "Arthur" inscrito. E, sob ela, os restos mortais de um homem e uma mulher. — Como sabiam que era o verdadeiro Arthur, se é que ele existiu? — A única coisa concreta era o nome Arthur na cruz, que foi levada a Londres, é claro, e depois desapareceu. Mas funcionou como publicidade. O abade conseguiu sua nova igreja, o objetivo da coisa toda. — Ah, entendo. Não houve como provar se era o corpo de Arthur, e nem como negar também. — Exato. — E você acredita que seja o túmulo de Arthur e Guinevere? — Se conheço História, nos tempos antigos esta região inteira costumava ficar inundada. A lenda diz que Arthur foi para a ilha de Avalon. O outeiro é o ponto mais alto aqui. Se a área inundava, o local seria como uma ilha, não seria? — Humm... Não sei. — Mudando de assunto, Abby indagou. — Alguma vez você se sentiu estranha quando veio aqui, Tish? — O que quer dizer? — Como se estivesse zunindo. Ressoando por dentro. Elétrica. — Não, nunca. E você? — É só uma pergunta idiota de turista. Esqueça. Na manhã seguinte, quando Abby entrou na cozinha, amarrando o cinto do vestido na cintura, o aroma de especiarias a recebeu. Faminta, abriu a porta da geladeira, examinando o conteúdo. Ouviu passos se aproximando e, então, dois braços fortes a agarraram por trás e a puxaram. Uma voz profunda de homem soou a seus ouvidos, e uma cabeça se afundou em seu pescoço. — Ah, Duckie, meu amor! Que milagres você está prestes a conjurar? Abby soltou um berro. Os braços a largaram no mesmo instante. E ela virou-se, apavorada. E se viu de frente com a face do... sujeito do avião. — Você! — ele exclamou. — Você! — Abby berrou. Então, ambos exclamaram ao mesmo tempo. — O que esta fazendo aqui?

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Ian cruzou os braços e esperou que a estranha começasse a explicar por que usava o vestido que ele mesmo dera a Duckie no último Natal, e o que estava fazendo ali, fuçando na geladeira. A mulher devolveu a ele o olhar de mal disfarçada hostilidade. Os segundos se arrastaram, transformando o encontro bizarro numa disputa de olhares furiosos. Finalmente Ian desviou os olhos. Será que ela não sabia o que acontecia a seus seios quando apertava tanto o cinto? Será que tinha consciência de que as partes de sua anatomia se delineavam por trás da seda macia que deixava muito pouco para a imaginação de um homem? — Sou Ian Wincott. E esta é minha casa. Eu moro aqui. Ajustou na face a melhor expressão de autoridade e ergueu o queixo. A mulher, atrevida como ela só, teve a ousadia de medi-lo de cima a baixo, como se o avaliasse. E não vacilou. Nem deu um passo atrás! — Sou Abigail Porter. Desembolsei um bocado de dinheiro para me hospedar em Bowness Hall por duas semanas. O sangue fugiu das veias de Ian tão depressa que o fez sentir-se atordoado. Desembolsou? Pagou dinheiro? Que diabos estava acontecendo? — Você pagou para ficar em minha casa? Abigail Porter empinou o nariz. — Paguei. Ele levou a mão à testa por um instante, tentando apagar as palavras da mente. A ianque continuava diante dele, braços cruzados fazendo os seios subirem e descerem voluptuosos. Os cabelos caíam em suaves anéis em torno da face. E que pele maravilhosa. Os olhos irradiavam calor como uma chapa quente, e eram da cor de água-marinha com um halo dourado em torno da pupila. Sentiu o corpo reagir de um modo primitivo. Ela é americana, recordou a si mesmo. Melhor ir embora antes que faça algo de que se arrependa pelo resto da vida. A gringa pousou as mãos nos quadris e disse num tom controlado: — Eu ia preparar o café da manhã, caso se dê ao trabalho de se juntar a nós. Que insolente! Ian sentiu a pressão subir. — Duvido! — ele esbravejou. Ao sair da cozinha à procura da governanta e da irmã, ele ouviu distintamente um bufo seguido pelo bater das louças e das panelas. Tish estava no escritório, o queixo mais erguido que de costume, ouvindo o sermão de Ian. — Você alugou um quarto em minha casa? Até quando ela teria de repetir a história? — Sim, eu aluguei um quarto para uma completa estranha. Dois estranhos, na verdade. O outro não apareceu. — Por que, em nome de tudo que é sagrado, você fez uma coisa tão desmiolada?

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Já que tudo saíra tão terrivelmente errado, não parecia prudente contar tudo de uma vez. Ela sabia que Ian estava fervendo de raiva. Não enxergaria a razão. — Dez mil dólares. Americanos — ela retrucou, por fim, esperando que fosse suficiente. Não foi. — Ela pagou dez mil dólares para morar em minha casa? — Na verdade, ela pagou para duas pessoas passarem duas semanas na lendária Bowness Hall. — Quem arquitetou esse disparate? — Eu. Escrevi o anúncio. Foi bastante eficiente. Duas semanas na lendária Bowness Hall. Tour pelos famosos locais históricos da Grã-Bretanha vivendo como a realeza. — E onde esse maravilhoso anúncio apareceu? — Bem... — Tish reuniu coragem. Como soltaria a bomba? — Brian Brightly ficou encantado em me ajudar. O anúncio saiu na revista Gourmet Magazine do mês passado. — Você procurou Brian Brightly para publicar um anúncio oferecendo um quarto em Bowness Hall? O timbre de enregelar o sangue na voz de Ian fez os joelhos de Tish se transformarem em geleia. — Eu... não, nós precisávamos do dinheiro, Ian. O encanamento estourou. A água estava escorrendo das paredes, arruinando tudo. Você estava nos Estados Unidos, e eu aqui, sozinha. Tinha de arranjar uma solução. Duckie, John e eu não queríamos aborrecê-lo. E pensamos... — Ela fungou, pois as lágrimas escorriam pelas faces e se penduravam nas narinas. — Pensamos que poderíamos fazer isso numa boa e você nunca ficaria sabendo. Tentou controlar a angústia. Fazia anos que não chorava na frente do irmão. Ian levantou-se da cadeira e, para surpresa de Tish, estendeu-lhe um lenço. Sem jeito, ele passou o braço pelos ombros da irmã. — Oh, Tish. Por favor, não... Diante daquela demonstração de carinho, tão inesperada no calor da discussão, Tish dissolveu-se em lágrimas e soluços descontrolados. — Achei que você tinha muita coisa com que lidar e que essa era uma solução boa, viável. — Então, Brightly agora sabe que estou atolado em problemas. — Seu peito arfou, e ele deixou escapar um suspiro pesado. — Oh, não — protestou Tish. — Eu disse apenas que queria algo para fazer... uma experiência com que me ocupar agora que terminei o colégio. — Tish, você sabe que tenho tido problemas em conseguir os fundos para o projeto de Rivendell. Ninguém quer me emprestar o dinheiro para um empreendimento perfeitamente sólido. Nunca enfrentei esse problema antes. Agora, se acontece de Brightly espalhar que minha irmã está aceitando hóspedes, toda a Inglaterra irá pensar que estou passando por problemas financeiros. E absolutamente ninguém apoiará o meu projeto. — O que posso fazer, Ian?

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— Teremos de devolver o dinheiro à americana e pedir que ela faça as malas. — Não podemos. O dinheiro... o dinheiro de Abby já foi gasto nos encanamentos. Os ombros de Ian desabaram. Parecia exausto e abatido. A palidez da pele, azulada pela barba, dava-lhe uma aparência doentia. Será que ele aguentaria mais um choque? — Ian, tem mais uma coisa. Só Abby apareceu, sem bagagem nem nada. É uma longa história... mas a outra pessoa, a que não veio... Vamos ter de devolver o dinheiro. — Não posso devolver cinco mil dólares nesse momento. A garota seguiu para a porta e então parou. Fez meia-volta. — Podemos vender alguma coisa. Abby disse que algumas peças do mobiliário valem uma pequena fortuna. Que as pessoas dos Estados Unidos pagariam rios de dinheiro para ter algumas daquelas velhas mesas e camas e castiçais em suas casas. — Eu não saberia como conduzir isso, Tish, e não tenho tempo agora. — Fui eu que nos coloquei nessa confusão, posso nos tirar dela. Ian ergueu a cabeça. — Deixe-me pensar. Talvez possamos arranjar um plano melhor. Aliviada, Tish reluziu de alegria. — Vou conversar com Abby. — Tish, sob nenhuma circunstância, você vai deixar que ela saiba que não podemos devolver o dinheiro agora. Nosso nome é suficiente para que mostre a região a ela sem muito custo. Teremos de pedir alguns favores, mas não iremos... não podemos deixar que saibam que precisamos de dinheiro. — Venha comigo, então — Tish pediu, agarrando-o pela mão. — Se tiver sorte, e pedir desculpas por estragar a manhã de Abby com seu mau humor, ela vai cozinhar para você. Ela é muito boa nisso. Vamos... use um pouco de seu charme. Talvez ela esqueça do dinheiro se você for o belo conde Bowness dos jornais. Com um suspiro pesado, Ian olhou para o trabalho empilhado sobre a escrivaninha, remexeu nos lápis e, então, cedeu. — Tudo bem. Verei o que posso fazer, embora eu duvide que possa corresponder às expectativas do que escrevem sobre mim. Dê-me alguns minutos, porém. Mesmo depois de toda aquela confusão, Tish sentiu-se orgulhosa dele. Abby ficou aliviada quando Tish entrou na cozinha sozinha. Ela seguira o cardápio de Duckie para o desjejum e, embora o fogão estivesse cheio de panelas e a pia lotada de tigelas e utensílios, havia travessas de salsichas, bacon, ovos mexidos, torradas e tomates grelhados sobre a bancada, prontos para o conde e a irmã. Mas, cadê o conde? — Maravilhoso! Dukie ficará feliz em saber que sua cozinha está em tão boas mãos.

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Livre da ansiedade inconsciente, Abby começou a conversar com Tish sobre os Estados Unidos, os estudos de Belas-Artes, a necessidade de um emprego e, depois, a escola de culinária. — Aprendi que não posso comer com a História da Arte. Não existe muito campo, mas os chefs são muito procurados. Assim, sou uma cozinheira, uma chefde cuisine. O todo-poderoso conde de Bowness surgiu no limiar da porta. Num esforço consciente para ser agradável, Abby esboçou um ligeiro sorriso. — Abby — Tish apressou-se em dizer. — Este é meu irmão, Ian Wincott. — Bom dia — ele resmungou. Que formalidade, pensou Abby. Impulsivamente, ela esticou a mão. — Abigail Porter. O conde pareceu surpreso. Então, o canto de sua boca arqueou-se num sorriso enviesado quando ele lhe tomou a mão. — Não sei como gosta de... Pensei que poderíamos tomar o café aqui — ela disse, a confusão fazendo com que falasse depressa demais. — Acho que minha irmã se esqueceu de lhe mostrar a sala de refeições, mas tudo bem, faremos o desjejum aqui. Ian olhou ao redor. A chaleira fervia, o bule de chá esperava pela água quente, sua lata favorita de chá Earl Grey estava aberta... Aquela situação insustentável, fazer o desjejum na cozinha, comendo com uma hóspede pagante, deixava-o absolutamente constrangido. Mantenha-se calmo! Com um último calafrio, empertigou-se. Fez o prato e colocou-o sobre a mesa. Despejou a água quente no bule de chá, virou-se, esvaziou o bule na pia e continuou a preparar a bebida segundo o costume inglês. Sem dúvida aquela americana tinha saquinhos de chá em casa, mas ele não permitiria tamanho sacrilégio em seus domínios. Ela usava os mesmos trajes que vestia no avião, ele percebeu. Um suéter diferente, talvez. Ah, sim, Tish dissera algo sobre não haver bagagem. Isso explicava que ela estivesse usando o vestido de Duckie quando a vira. Quando se sentaram à velha mesa onde os criados tomavam as refeições em tempos idos, Ian sentiu o pé da irmã cutucando-o na canela e inclinando a cabeça na direção da americana. — Srta. Porter, devo me desculpar. Eu a confundi a princípio com Duckie... pelas costas. Não estava ciente dos arranjos de minha irmã. Sinto muito por tudo. Abby deixou o talher de lado, passou o guardanapo delicadamente na boca e retrucou: — Aceito. Então, virou-se e começou a conversar com Tish. Ian sentiu-se arrasado. Como é? Aceito? Era tudo que ela ia dizer, que aceitava as desculpas, como se ele estivesse errado? Ela deveria pedir desculpas de volta, ficariam empatados e caso encerrado. Em vez disso, lá estava ela, ignorando-o ostensivamente!

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Ao olhar para o prato, Ian percebeu que comera tudo. Embora não conseguisse nem se lembrar do quê, não estava nada mau. Um desjejum inglês normal, tal como Duckie faria. Ora essa, a americana sabia cozinhar... Ela e Tish conversavam sobre o que fariam pelo resto do dia. Então, começaram a falar dos planos para o jantar. E a boca de Ian encheu-se de água, apesar de seus esforços para controlar a reação. Bife em croute, batatas, pontas de aspargos... As duas levaram os pratos para a pia. Ian as seguiu até a bancada. Queria um pouco mais. Serviu-se de mais ovos e salsicha, enquanto a americana e a irmã ajeitavam as louças. Logo depois, a estranha, Abigail, fez uma lista de coisas para John apanhar na vila antes que voltassem de Bath. Bath! Então, sem trocarem mais palavras, as duas saíram. Ian andava pelo escritório como uma fera enjaulada. Seu olhar caiu sobre a escrivaninha. Um envelope estava aberto sobre o tampo, uma carta de um advogado de Londres. Pegou-o de novo, tirou a carta de dentro e leu-a mais uma vez. Setecentos e cinquenta mil libras poderiam ser suas. Tudo que isso lhe custaria era seu título. Um desconhecido queria o título hereditário transmitido à sua família desde quando os romanos governavam a Britânia. O título que lhe fora legado por vikings, saxões e normandos. Bastava ceder, abdicar do velho título enferrujado de conde Bowness, e suas preces seriam atendidas. O projeto de Rivendell seria concluído; o bem que faria poderia difundir-se como modelo pelo país, pela Europa. A revitalização da vila poderia trazer-lhe satisfação com o dever cumprido, além de fama e fortuna. O reverso da medalha, claro, era que ele não mais seria o conde, nem seu filho herdaria o título, caso ele algum dia tivesse um. Ian jogou o papel de volta sobre a mesa, e observou-o deslizar pelo tampo, cair e aterrissar no chão. Não se deu ao trabalho de pegá-lo. — Você está linda, Duckie! — Ian exclamou, ao ver a velha senhora recostada aos travesseiros da cama. — Como a estão tratando? Não a torturaram? — Estive pensando, Ian — Duckie murmurou, com seu sotaque suave do oeste do país. — Não gosto de estar no hospital. Se fôssemos para casa, eu poderia andar muito bem numa cadeira de rodas... — Não, ainda não, O médico disse que você precisa ficar aqui pelos menos por mais um dia, meu coração. Ele a conhece, Duckie. Sabe que no minuto que voltar para casa, você vai querer trabalhar, e isso não lhe fará bem. — A casa vai desabar sem mim! E quem está cozinhando? O que tem comido? Ian virou a cabeça, sem desejo de admitir que a "hóspede" estava se saindo muito bem. — Eu sabia! Vocês estão morrendo de fome! Aquela sua irmã não sabe nem cozinhar um ovo...

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Ele dirigiu-se até a janela, e brincou com as flores que trouxera. — Não se preocupe, Duckie, estamos nos arranjando muito bem. A americana se acha uma chef. —- Não! Vocês puseram aquela mocinha adorável para cozinhar? Oh, Ian, ela pagou por umas férias maravilhosas em Bowness Hall! O que deve estar pensando de mim? Ao ver as lágrimas escorrerem pelas faces enrugadas de Duckie, ele correu até ela e, tomando-lhe a mão, sentou-se na beirada da cama. — Não tem de se preocupar com isso. Ela disse a Tish que gosta de cozinhar e está tirando algumas ideias maravilhosas de seus livros secretos de receitas. Duckie desfez a expressão horrorizada. — Oh, puxa, Letícia achou que resolveria todos os nossos problemas. Agora, arranjou mais um. Ian afagou-lhe a mão. — Ora, não vamos falar sobre isso. O que está feito, está feito. Tish a levou para Bath hoje. Devem estar se divertindo. — Se pelo menos... — Não é o fim do mundo. Algo sempre pode surgir. Trate de melhorar e voltar para casa e para nós... inteira. Depois, cuidaremos do resto. — Levantou-se. — E melhor eu voltar para Bowness Hall. Tio Clarence e a nova esposa virão para o jantar. Se Tish e a americana não voltaram de Bath, devem estar chegando. Duckie levou a mão à boca. — Oh, nossa, o que fará se elas se atrasarem? E se Letícia sumir pela região com sua hóspede? — Não se aflija, Duckie. Tenho um plano, caso minha irmã me falte. — Vai cozinhar? — Não, mas tenho o número do chinês em Glastonbury em algum lugar de minha agenda. Lorde Clarence Wincott saiu do Rolls-Royce, e segurou a porta para a esposa. Não viu o sorriso estampado no rosto radiante da mulher porque olhava a casa de sua infância, Bowness Hall. Impressionante, pensou. Adequada até mesmo para um rei. — Clarey, nunca pensei que fosse assim! — disse a esposa, cutucandolhe a costela. Ele sorriu. — Minha querida, este é o lado de fora. Espere até passar pelo limiar da porta. — Conduziu a mulher para a entrada magnífica da mansão. A porta se abriu assim que chegaram diante dela. John, usando a libre dos tempos em que os criados se importavam com tais coisas, cumprimentou-os com toda a formalidade. — O conde e lady Letícia os esperam no lounge. Permita... — Sei o caminho — Clarence replicou. As sobrancelhas de John se ergueram imperceptivelmente quando ele se inclinou até a cintura. Pegou os agasalhos e deixou que seguissem sozinhos. — Vamos, meu bem.

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— Clarey, só quero dar uma olhada nessa... coisarada. Parece tudo tão caro e elegante. Clarence virou-se para ela, de cara fechada. — Quantas vezes eu já lhe disse que não se fala em dinheiro ou valor, Daisy? Uma expressão de pura mágoa cruzou o rosto da mulher. Então, ela baixou os olhos para o chão, e os cabelos loiros, de corte elegante, cobriramlhe as feições. Clarence pensou consigo mesmo que deveria tê-la deixado em Londres. Ah, ela não tinha o verniz da civilidade. Lembrou-se da noite anterior e uma onda de excitação o percorreu. Não tivera opção. — Tenha em mente o que eu disse, e tudo ficará bem. Ela o encarou, e um sorriso triunfante apontou em seus lábios. — Oh, não vou esquecer, Clarey. Clarence suspirou. Era melhor começar logo com as aulas. Começando por livrá-la daquele sotaque plebeu. — Por aqui — ele disse, secamente. Abby sorriu de satisfação. Tudo estava perfeito, da louça inglesa aos ingredientes. Jamais vira verduras e laticínios tão puros, sem produtos antisépticos e embalagens plásticas. John Duxbury serviria a refeição, ajudado por uma moça da vila. Abby se reuniria à família para jantar também, algo que Tish fizera questão. O tio trouxera a nova esposa para conhecê-los. Passear durante o dia e cozinhar um pouco... ainda era melhor do que estar em Nova York. Estivera em Bath, em Wells, e uma porção de lugares da Cornualha. Caminhara pelas calçadas que personagens históricos haviam percorrido, provara as especialidades locais, e, gradualmente, conseguira livrar-se da sensação de desespero que a perseguia desde a "partida infeliz" dos Estados Unidos. Lavou as mãos, enxugou-as no avental e seguiu para o quarto para se arrumar. Tinha aquele vestidinho preto, que não amassava, e as sandálias combinando, esperando por ela. Vamos lá.

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Capítulo 2 Parecia cenário de novela. Ian Wincott estava de pé diante da lareira, conversando com um homem mais velho. Ambos trajavam smokings, mas os olhos de Abby se cravavam no conde. Uau! Ele estava... ma-ra-vi-lho-so! Levou a mão direita ao coração. Os dois a fitaram, e o homem errado sorriu. Entrou constrangida na sala de estar. Era uma forasteira que poderia, naquelas circunstâncias, ser considerada "uma contratada". Endireitou os ombros e livrou-se do pensamento idiota. Seguiu na direção da lareira, alheia a qualquer outra coisa a não ser sua postura e a necessidade de falar com suavidade. — Quem é essa criatura adorável? — o tio do conde perguntou. Abby percebeu que o olhar do homem mergulhava no decote de seu vestido. — Esta é Abigail Porter, uma amiga de Letícia. Srta. Porter, lorde Clarence Wincott, meu tio. Ela estendeu a mão. O cavalheiro pegou-a entre as palmas frias e úmidas, e a levou até os lábios. Estavam tão molhados e pegajosos como as mãos dele. Abby forçou um sorriso. — Prazer em conhecê-lo. Clarence teve um pequeno sobressalto. — Uma americana? Abby percebeu que o tom de voz do lorde mudara do cordial para evidentemente gélido. O instinto a alertou. Ora essa, ele não gostava de americanos; provavelmente um traço de família, ela imaginou. — Sou americana, e sempre quis visitar a Inglaterra. Realmente, um belo país. O cavalheiro fez um gesto para uma jovem, provavelmente a filha, que se adiantou. — Minha esposa, Srta. Porter. Abby pensou duas vezes antes de esticar a mão. A moça, loira, curvilínea e excessivamente maquiada, deu uma risadinha, e disse "Como vai?" de um jeito teatral. Tish surgiu do nada, e Abby foi invadida por uma onda de alívio quando a garota iniciou uma conversa animada. Ian aproximou-se e perguntou se Abby gostaria de um xerez. Ela recusou com um menear de cabeça. Pensou em pedir uma Coca-Cola gelada, e a simples ideia de deixar pasmo o anfitrião a fez sorrir. O conde a encarou como se tentasse descobrir o motivo daquela mudança repentina de expressão mas, em seguida, desviou os olhos. Que se dane. Cada um na sua. Abby tinha um total de dois inimigos na sala. O tio e o conde. Poderia lidar com eles. Era só tratá-los como clientes num restaurante. Por uma fração de segundo, ela pensou que poderia ter cuspido na sopa e eles jamais saberiam...

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John entrou na sala para anunciar o jantar, parecendo extremamente formal com as caudas do fraque de mordomo e o colarinho duro. O cavalheiro estendeu a mão e pegou o braço da esposa. Abby viu que ele a apertava como se repreendesse uma criança. Havia algo ali, ela pensou. Mas o que quer que fosse, não era da sua conta. Tish acompanhou o casal para a sala de jantar, deixando Abby com o conde. E, surpreendentemente, ele murmurou: — Posso ter o prazer? Ian aproximou-se, tomou-lhe a mão e colocou-a na curva do braço. Como nos filmes antigos e nos livros. Abby ergueu a cabeça, e se defrontou com o olhar firme e avaliador do conde. Era um teste, pensou. Um em que precisava ter boa avaliação para representar bem o seu país e sua criação menos nobre. Com um gesto quase imperceptível, ele a conduziu para a sala de jantar. A mesa enorme, com as pesadas cadeiras de carvalho, fora posta para o jantar. John e sua ajudante haviam arrumado a porcelana, os cristais e a baixela de prata georgiana para cinco lugares. Depois de levar Abby até a cadeira ao lado da de seu tio, Ian assumiu a cabeceira da mesa, com a tia e a irmã sentadas à sua direita. Parecia um ritual, com todos esperando que o conde desse o sinal para se sentarem. Que coisa mais antiquada! Um jantar de família! John e a ajudante entraram com uma terrina de porcelana maravilhosa num carrinho. A sopa foi servida, um consome leve com endro que Abby preparara no dia anterior. Comeram em silêncio, em pequenas colheradas, enxugando os lábios com os guardanapos de linho brancos como a neve. Tudo muito, terrivelmente elegante. Tish virou-se para a nova tia e perguntou se ela havia apreciado o passeio até a cidade. A mulher pareceu vagamente nervosa antes de responder, com palavras medidas. Clarence se pôs a fazer alguns comentários sobre o clima. Abby estava prestes a cair num coma. Oh, como gostaria de chacoalhar aquele pessoal! Tish, especialmente. A garota que normalmente falava bastante, agora, estava ali, escondendo a espontaneidade atrás daquela chatice formal. Como se sentisse o que Abby pensava, Ian dirigiu-se a ela, o tom monótono e desinteressado: — Srta. Porter, gostou do passeio a Bath? Com outra chance para demonstrar que não era uma selvagem, ela pensou um segundo antes de responder: — A cidade é fascinante. Gostei do tour pelas termas antigas. Tish... Letícia me mostrou os pontos interessantes. — E ela a levou até a Ponte Pulteney? — Sim, e achei muito inteligente a ideia do arquiteto fazer com que parecesse uma rua comum. Lorde Clarence se intrometeu. — Há coisas muito mais inteligentes nos Estados Unidos, eu imagino.

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Outra armadilha, pensou Abby. — Sim, de fato, mas não é a Ponte Pulteney. Só existe uma, e é em Bath. Aprecio a Inglaterra pelo que é, e meu país pelo que é. Há maçãs e laranjas. Gosto de ambas. Os lábios do cavalheiro se afinaram num sorriso. Ele inclinou a cabeça e depois se virou para o sobrinho. Abby sentiu-se como se tivesse sido dispensada quando percebeu a mão do lorde em sua coxa, deslizando sutilmente. Que velho bastardo, revoltante! Segurando o garfo, ela o desceu até onde Clarence se atrevera a ir, e comprimiu os dentes contra o dorso da "mão boba", e depois a empurrou para o colo do sujeitinho asqueroso. Ele não disse uma palavra, não moveu um músculo do rosto. Mas o resto da refeição foi um inferno, com ela à espreita de outro ataque traiçoeiro do "nobre" sentado a seu lado. Ian mal conseguiu se controlar. Vira a mão do tio se mover para o colo da Srta. Porter e depois o sobressalto nos olhos dela, quando o velho safado correra a mão provavelmente em direção a... Nem quis pensar. Tinha de dar um crédito à moça. Julgara que ela fosse berrar. Em vez disso, ela havia bloqueado a intrusão. Agir como um bode velho fazia parte da natureza de seu tio. E Ian teria de se desculpar mais tarde pelo comportamento de Clarence. Contudo, tinha de admitir que fora um ponto a favor de Abigail. Ela soubera lidar com a situação. Também havia tirado de letra as provocações antiamericanas, pensou. Saíra-se muito bem. Sem confrontações. Outro ponto positivo. O que ele não conseguia tirar da cabeça, porém, fora sua entrada espetacular na sala. Ian ainda não a vira em outra coisa que não fosse as calças jeans e as camisas largas ou os suéteres. Mas aquele vestidinho, de decote baixo e a barra na altura das coxas, por mais simples que fosse, exibia suas formas maravilhosamente. Quem haveria de pensar que ela poderia surgir parecendo tão... tão... bonita? Algo faiscou em sua virilha, provocando uma onda de calor em sua coxa. Pelos fogos do inferno! A última coisa de que precisava era a distração de uma mulher, sua hóspede pagante, naquele exato momento. Quando o jantar terminou, ele e o tio seguiram para a biblioteca. Tish cuidaria das damas, com certeza. Tinha de conversar com Clarence. Não poderia divagar com seios macios e coxas suaves. Deus do céu! Precisava de um conhaque. — Não sei o que dizer, meu rapaz. — Clarence soprou as palavras junto com a fumaça do charuto cubano. — Tenho ouvido todo tipo de coisas, rumores sobre você. — Naturalmente não lhes deu atenção, tio. — Claro que não, Ian. Mas devo admitir, é preocupante. Você não chegou ao fundo do poço, chegou?

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— Não, estou bem, tio. Com um pouco de dificuldade em impressionar os investidores sobre um empreendimento do porte de Rivendell, mas espero que tudo se esclareça em breve. Clarence virou-se para encará-lo — Vou lhe dizer, é melhor fazer alguma coisa logo, antes que tais rumores fiquem impossíveis de controlar, Ian. Outro dia, ouvi alguém dizer que você não é visto na cidade faz meses. — Conversa fiada. Passei os últimos três dias lá. — Conversa fiada que pode acabar com um homem. — Ora, tio. Eu estava trabalhando. Alguns de nós trabalham... — Isso é outra conversa. As pessoas sabem que você investe seu tempo na firma. Você deveria ser visto com mais frequência por aí, com belas mulheres, só para manter as aparências, digamos. Ian soltou uma risada. — E a última coisa para que eu tenho tempo agora, tio Clarence. — Isso não parece nada bom. Não é nada bom ficar enterrado no escritório quando deveria... — Deveria o quê, tio? Ir ao teatro? Jantar para me exibir em público? Ter a foto no jornal? Ian ouviu a hostilidade na própria voz. Clarence o olhou de cima a baixo e depois soprou uma baforada do charuto. — Ouvi dizer que esteve nos Estados Unidos. — Sim, voltei há alguns dias. Passei um tempo com alguns conhecidos na Virgínia e em Nova York. — Você não se deparou com... — Não, visitei alguns amigos, mas não me deparei com ninguém que o senhor conheça, tio. Que diabos! Não iria dizer nada que satisfizesse o interesse do tio em seus envolvimentos amorosos. Velho tolo! Sozinha no quarto, Abby tirou o vestido preto e, depois de uma inspeção, resolveu lavá-lo no lavatório. Uma das razões por que o comprara fora pela simplicidade, tanto no estilo como nos cuidados. Já que era seu único vestido, provavelmente tivesse oportunidade de usá-lo outra vez, embora não para o homem em quem pensara ao comprá-lo. Lance, aquele poço de imundície! Uma nova onda de desgosto a invadiu. Ao fechar os olhos, Abby o imaginou mais uma vez transando em sua bancada de trabalho. A raiva deu lugar ao desgosto, enquanto ela enchia a pia de água quente e pingava uma gota de xampu. Ao mergulha.- o vestido na água, seus pensamentos se desviaram para o último dos homens detestáveis acrescentados à sua lista, lorde Clarence. Mas, sem querer, se viu rindo. Quem ele pensava que era? E aquela esposa... Era daqueles sujeitos que nunca se satisfaziam com a atenção de uma mulher só? Ah, os homens, todos se julgando irresistíveis, todos pensando que têm algo que mulher alguma recusaria, todos imaginando que qualquer mulher que desejassem iria pular na cama com eles.

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Claro, nem todos eram assim. Alguns eram felizes com as esposas ou namoradas e verdadeiramente comprometidos com uma relação monogâmica. Porém, para cada um, havia dez do outro tipo. Com cuidado, ela enxaguou o vestido e o torceu com delicadeza. Notou que o tecido parecia quase seco. Satisfeita, pendurou a roupa na cortina do banheiro. Clarence era uma pessoa desprezível, apesar do título e da jovem e bela esposa. Havia algo nele que a fazia imaginar por que os Wincott permitiam que o casal os visitasse. Família. Quem poderia virar as costas para a família? Talvez houvesse algum negócio entre os dois. Mas alguma coisa não se encaixava direito. Ela não saberia apontar. Porém, tio Clarence não era problema seu. Que o todo-poderoso conde de Bowness lidasse com o velho debochado. Ian recostou a cabeça na cadeira, de olhos semicerrados. Na mão, um cálice quase vazio de conhaque. Então, os rumores fervilhavam. Onde seu tio estivera e de quem ouvira as conversas? Ninguém, a não ser os banqueiros, sabia que ele procurava um empréstimo. E certamente seriam discretos. Não eram vinculados à mesma lei de confidencialidade que padres e advogados? Quem mais saberia que ele precisava de fundos para completar o projeto de Rivendell? Os construtores? Todas as contas haviam sido pagas. E eles eram confiáveis. A maioria trabalhava para sua firma fazia seis anos. Nenhum deles teria motivo para espalhar qualquer boato que pudesse chegar aos ouvidos de seu tio. Tomou mais um gole da bebida. Boatos. Poderiam liquidar com um homem. Uma bela mulher também. Mais uma vez ele visualizou Abby Porter com os olhos da mente. Aquela coisinha de nada que ela chamava de vestido, os cachos loiros a dançar em torno do rosto ao menor movimento... O andar... Será que ela se dava conta de que o próprio ar em torno estremecia quando ela passava? Havia uma aura reluzente ao redor de sua figura... O que é isso!, ele se recriminou. O cálice vazio parecia frágil em sua mão. Quando ia levantar-se para enchê-lo de novo, refreou-se. Nada de conhaque. Se permitisse que os pensamentos sobre a americana brincassem em seu cérebro, não faria mais nada da vida. A correspondência se empilhava em seu escritório. Talvez fosse melhor dedicar-se ao trabalho do que se imaginar fazendo coisas impensáveis com a hóspede pagante. Ao sair no corredor, ele lutou contra o impulso de largar tudo e enfiar-se na cama. Levou a mão ao colarinho. Parecia estrangulá-lo. Arrancou a gravata e desabotoou a camisa. Uma aflição impeliu-o para a próxima porta de saída. O ar frio da noite o recebeu, e uma lua minguante iluminava o jardim, projetando sombras pelas pedras da calçada. Abby foi até a janela. A lua brilhava lá fora. Ao puxar as cortinas para fechá-las, um movimento lá embaixo atraiu-lhe a atenção.

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Alguém andava pelo jardim, na direção do portão. Passadas largas. Deveria ser Ian. Viu de relance a camisa branca quando ele se virou, olhando para a casa. O preto do smoking mesclou-se às sombras, e ele desapareceu. O que ele fazia lá fora tão tarde da noite? Indo ao encontro de uma amante? Abby soltou uma risadinha. Só de pensar no reprimido lorde Wincott, saindo para o frio da noite para encontrar alguma garota a divertiu. Com uma alegria perversa, resolveu segui-lo. Droga, estava entediada. Enfiou-se nos jeans e no suéter, e saiu atrás do homem de preto. Tentáculos fantasmagóricos saltavam do chão, enroscando-se à sua roupa. Ela ainda não estivera no jardim, mas a luz da lua tornava o caminho fácil de seguir. O mistério pairava no ar noturno, e Abby, passando a língua pelos lábios, julgou que saboreava algo interessante. Os passos do conde ressoavam numa cadência rápida pelas pedras, enquanto ela se esgueirava atrás, com cautela, feliz com os tênis e a roupa escura. Ele sabia para onde ia. Ela tentava não tropeçar a cada três passos. O terreno elevou-se. As silhuetas das árvores recortavam-se contra o céu da meia-noite. Quando Abby saiu da alameda calçada e afundou o pé no cascalho da trilha, percebeu que seria difícil caminhar sem ruído. Com cuidado, continuou, pé ante pé, e teve um sobressalto ao ouvir um ruído atrás de si. Virou-se de supe-tão, e chocou-se contra o corpo sólido do... conde! — Que diabos você está fazendo aqui fora? Ela ia gritar quando a mão enorme de Ian tapou-lhe a boca. — Está me seguindo? A voz perdera a inflexão educada, ficando mais entre um urro e o som da mais absoluta fúria. A resposta não conseguiu passar pela mão que forçava seus lábios, e Abby debateu-se, mas não conseguiu livrar-se, pois um braço firme enroscouse em sua cintura. Não tendo outra alternativa, fez o que tinha de fazer para escapar. Mordeu a mão do conde. Com toda a força. Ele largou-a no mesmo instante, e levou a mão à boca. — Que diab...? — O que pensa que está fazendo? Com a palma na boca, Ian a encarou. Mesmo na penumbra da noite, Abby poderia jurar que havia morte nos olhos dele. — Eu perguntei primeiro! — ele exclamou, tirando a mão da boca. — Vi algo se esgueirando pelo jardim. Desci para investigar. Como eu poderia saber que era você? Ian a encarou com fúria. — Quem mais você pensa que estaria caminhando em meu jardim à meia-noite? — Qualquer um... um ladrão, alguém que quisesse roubar alguma coisa, procurando uma porta destrancada... qualquer pessoa. Ian endireitou-se e esfregou o local da mordida com a outra mão. — E teve tempo para pensar duas vezes? Com um pouco de bom senso?

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— Não. Apenas reagi. — Sem raciocinar, hein? — As mãos de Ian se ergueram quase a ponto de tocá-la no ombro, para depois caírem dos lados. — Volte para seu quarto, Srta. Porter — ele esbravejou, e saiu depressa na direção da casa. Abby estremeceu. Fizera papel de boba. Sabia que não mentiria de modo convincente. A vergonha a invadiu. Não por ter mentido, mas por ter sido pega. Ian estudou a carta em sua mão, sentindo o espírito elevar-se e cair no chão conforme lia. Lá estava. Uma oferta de financiamento, certo, mas, como sempre, havia um "porém". Fredrick Walsh. Quem diabos era esse? Esfregou o rosto, deixando a carta sobre a escrivaninha. Walsh... Walsh... Ah, sim, o sujeito da Virgínia, mais rico que Creso, recordou. Bom cavaleiro. Belo caçador. Mas, e como pessoa? Quem escrevia cartas de negócios à mão, nos dias de hoje? A oferta de financiamento era bastante clara. Condição: ver o projeto pessoalmente. Ian poderia cuidar disso. Oh, Deus! Ian olhou a data da carta — uma semana atrás. Ficara lá o tempo todo, sem ser aberta. Ele precisava responder imediatamente! Sentou-se e fez o convite para que o cavalheiro e a esposa ficassem em Bowness Hall na semana vindoura. Até lá, a americana... Oh, não! Que droga! Papéis e canetas caíram da mesa sem que ele percebesse. Ele precisava pensar. — Onde está nossa adorável hóspede esta noite, minha cara irmã? Tish encarou-o, desconfiada. — Está na cozinha, eu acho, tirando nosso jantar do forno. Susan preparou tudo, a não ser o salmão. Abby disse que não demoraria nada. — Ótimo. Mal posso esperar para experimentar. A comida da americana é deliciosa. Com um ar de espanto, Tish seguiu para a cozinha. Lá dentro, Abby parecia conversar com o belo salmão que temperava. — Falando com um peixe morto? — Tish perguntou, ao entrar. — Deve haver alguma coisa no ar esta noite. Abby virou-se. — Ora, por quê? — As pessoas parecem malucas. Ian acabou de perguntar onde você estava. E disse que não via a hora de experimentar seu jantar. Abby enxugou as mãos e inclinou a cabeça. Era óbvio que o conde não mencionara o encontro da meia-noite para a irmã. E aquele interesse da parte dele deixou-a curiosa. — O que seu irmão faz, Tish? — indagou. — Faz? — Ser o conde de Bowness é o seu ofício? Não sei como essas coisas funcionam. Tish explicou que o irmão era arquiteto.

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— Ele projeta complexos enormes e o que vocês chamam de condomínios fechados. Tem interesse em restauração também, mas agora está trabalhando num empreendimento muito importante... — Seus olhos se entristeceram de repente, Abby notou. — Gostaria de ver algum de seus prédios. Seria possível num de nossos passeios? — Oh, acho que podemos dar um jeito. Mas ele tem um monte de plantas no escritório. Talvez depois eu possa entrar com você e mostrar alguns dos croquis. São maravilhosos. Abby viu a admiração nos olhos de Tish. Talvez o conde não fosse realmente um ogro, pensou, mas ainda teria de provar. Lembrou-se do modo como ele a fitara, primeiro no avião, depois a noite passada no jardim. E aquele esnobismo? Ian Wincott era um homem... Chega! Tire esse homem da cabeça! Ao olhar para Tish, viu a sombra de um sorriso. E, por favor, não deixe que ela leia seus pensamentos. Lá estava ele, puxando a cadeira para ela. Mesmo em trajes casuais, Ian Wincott parecia um conde em cada palmo do corpo. Não fizera a barba, e a face azulada lhe emprestava um ar perigoso, mais condizente com um covil ou uma alcova do que uma sala de jantar. Os ombros largos retesavam o tecido da camisa preta. — Boa noite, Srta. Porter. — Boa noite. Ele empurrou a cadeira quando Abby se sentou, e fez um sinal a Susan e a um rapaz que Abby não notara antes, para que servissem o jantar. — Duckie deixou o hospital faz uma hora, Letícia — Ian informou à irmã, a voz tranquila, bem mais tranquila que na noite anterior. Tish ficou radiante. — Então, ela vai ficar boa? — Vai, mas não poderá ficar de pé por algum tempo. A prima, Bertha, veio para cá, para cuidar dela e este — apontou para o jovem que segurava a travessa com o peixe — é o filho de Bertha, que se ofereceu para ajudar também. Lançou um sorriso para o garoto que fez Abby sentir inveja. Deslumbrante. Então, ele a surpreendeu com uma exclamação. — Nossa! Isto está delicioso! Falso, Abby disse a si mesma. — Obrigada — disse, disposta a jogar o mesmo jogo. — Devo dizer, Srta. Porter, que aprecio os seus menus. Foi muito gentil de sua parte tomar para si esse trabalho depois que Duckie se machucou. Tem feito um serviço esplêndido. Espero que isso não estrague suas férias ou a afaste da Inglaterra. — Cozinhar é fácil quando se tem os melhores ingredientes. Alguns dos restaurantes em que trabalhei só poderiam sonhar em ter um salmão assim tão fresco, e verduras e ervas do lado de fora da porta. Fico contente que aprecie a comida. — Aprecio tanto que resolvi mostrar minha satisfação, levando-a para Londres para lhe mostrar eu mesmo os locais interessantes.

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O garfo de Tish caiu no prato. Abby sobressaltou-se. Como é que é? Sua desconfiança aumentou. — Muito gentil, mas não é necessário. — Ora, você tem feito mais do que deveria. Proponho partirmos para Londres amanhã de manhã. Podemos visitar o Palácio de Buckingham, os museus, se você quiser... Não vou ao museu britânico faz anos. Depois... já sei! Um passeio pelo Tâmisa. E mágico à noite, você sabe. Toda a glória da cidade de cada lado das margens... Ian tinha uma expressão que Abby julgou perturbadoramente atraente. O que dera nele? Ia protestar, mas ele prosseguiu: — Eu me dei conta de que você veio à Inglaterra para se divertir. Mais de uma semana se passou, e você ainda não viu uma das maiores cidades do mundo! Seria uma pena. Não, uma absoluta vergonha deixar de conhecer Londres. Por favor... permita-me mostrá-la a você. Ele parecia tão simpático, tão atraente... e belo e cativante... que Abby cedeu. — Está bem. Mas pode encaixar a cidade toda num dia? — Não, levará pelo menos dois para fazer um serviço decente. Passaremos a noite na casa da cidade. Você vai gostar, tenho certeza. Não vai, Tish? Agora, ele alistara a irmã naquela cruzada. Abby viu quando a garota relutou um pouco para depois concordar. — Por mais que eu me surpreenda em ter de admitir, ninguém pode mostrar a cidade a você melhor do que ele. Eu detesto Londres e não posso dirigir na cidade. Ian poderá levá-la a qualquer lugar que você quiser. Ele tem acesso a locais que a maioria dos turistas jamais chegaria. — A expressão pensativa mudou. — Pensando bem, acho que é uma idéia brilhante! — É melhor fazer as malas — Ian sugeriu. — E ter uma boa noite de sono, Srta. Porter. Amanhã partiremos bem cedo. O conde não conversou muito a princípio, enquanto o carro percorria as estradas estreitas e sinuosas do interior. Ele parecia à vontade atrás do volante. Ocasionalmente, apontava algo de interessante, olhando-a de soslaio. — Estamos na planície de Salisbury, mas você não poderá ver o Henge daqui. Soube por Letícia que você gostaria de conhecer as pedras. — Sinto que preciso conhecer. Não imagino que uma visita à Inglaterra seja completa sem isso. — Então, tentaremos encaixar um passeio até lá. Ian teve de admitir que havia alguns locais em Londres a que ele não ia desde a infância. E a americana o surpreendeu com o bom gosto em escolher os pontos de visitação. A neblina da manhã sumira e o sol, bem-vindo depois de toda a chuva de primavera, tornou as coisas agradáveis. Durante os passeios, até chegou a divertir-se com as explicações dos guias. E enxergar Londres através dos olhos inexperientes da americana realmente não o chateou tanto. Na verdade, redescobriu coisas que já se esquecera. Passaram rapidamente pelo Museu Victoria e Albert, deram uma espiada nos mármores roubados por Lorde Elgin no Museu Britânico, e depois

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seguiram para a Torre, onde Ian conseguiu que Abby visse a cripta, algo que julgou que ela adoraria. Ao pararem na frente dos portões de ferro da Torre, ele pensou no que sua convidada gostaria de fazer a seguir. — O que resta para ver? A pergunta o surpreendeu. — Acho que eu gostaria de me sentar por algum tempo. O alívio o invadiu. Não julgava que tivesse energia para ver mais relíquias. — Vamos então para minha casa aqui na cidade. Você poderá se refrescar e depois estará na hora daquela surpresa que lhe prometi para o jantar. Abby inclinou a cabeça e o encarou. Por uma fração de segundo, Ian sentiu vontade de passar os braços em torno dela e beijá-la. Um arrepio o percorreu, e ele censurou-se intimamente. Estava maluco? — Tudo bem, então — disse. — Vamos tomar um táxi. Havia luzes na casa quando Ian entrou na alameda. Então, ele avistou o antigo Rolls-Royce na garagem, e seu estômago comprimiu-se, e o ar fugiu de seus pulmões. Tia Phillippa! Deus do céu, não ali, não naquela hora! — Parece que minha tia-avó está em casa, Abby. Ela o encarou. E Ian emendou, constrangido. — É melhor eu avisá-la. Ela é muito velha e... bem... não muito agradável. Da escola antiga. Acha que o mundo parou em algum lugar entre as guerras. Observou a reação de Abby. Nenhuma. — Não é nenhum dragão, embora você possa pensar assim. Aconteceu alguma coisa com ela na juventude que a frustrou. Amor perdido, coração partido... Não sei a história toda, mas é melhor que esteja preparada. Creia, eu não sabia que ela estaria aqui, ou teria evitado vir para cá. — Ela é assim tão terrível? Pior que seu tio? — Duvido que ela ponha as mãos em você, se é o que quer dizer, mas tem uma língua ferina. E... detesta os americanos. — Ah, outra. O que acontece com sua família? Ian pareceu constrangido. — Minha mãe era americana. — Oh... Você e Tish não falaram nada sobre ela. — Eu não falo sobre ela de maneira alguma — ele resmungou, ao fechar a porta e dar a volta no carro. Abby, pela primeira vez, não o provocou, para surpresa de Ian. Ficou pensativa, pois uma linha formou-se entre suas sobrancelhas, o que o avisou de que poderia esperar mais perguntas sobre o assunto. Mais tarde, muito mais tarde. Abby olhou para a casa. Reconstrução de pós-guerra, percebeu. Nas conversas com Tish, ela sentira uma reserva não declarada quando a guerra era mencionada. E a descrição horrível de Ian a respeito da tia a deixou cautelosa em levantar qualquer assunto a esse respeito. Com razão.

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A mulher que os recebeu na sala parecia saída de um filme antigo. Mais alta que Abby uns dez centímetros, era empertigada, e exibia uma expressão tão inflexível quanto sua espinha dura. — Ian, deveria ter telefonado para me dizer de seus... planos. Abby viu o conde ficar tenso, fosse pelo tom da tia ou pela insinuação, ela não tinha ideia. Mas sentiu que se zangava. — Tia Phillippa, eu normalmente passo dois ou três dias por semana na cidade — ele retrucou, num tom muito mais suave que a postura. A velha senhora arqueou uma sobrancelha. E Abby sentiu o olhar avaliador sobre si. — Quem é essa... mulher? Foi a vez de Abby sentir o corpo enrijecer, mas pregou um sorriso nos lábios. Ian fez as apresentações, mas a tia não se dignou a dizer algo. Abby resolveu que era melhor abrir a boca e revelar sua origem logo. — Como vai a senhora? A reação da mulher teria feito o orgulho de um mímico. Sua expressão metamorfoseou-se de desgosto para ódio absoluto. — Americana? A cabeça de Abby meneou em concordância. Já avisada, não retrucou. O ar de desafio revelava-se em sua postura. Phillippa empinou o nariz e virouse para o sobrinho. — Como se atreve a trazer essa gente para dentro de minha casa? — Da última vez que olhei, era meu nome que constava na escritura, tia Phillippa. Abby esperou uma explosão da velha dama. Viu o rosto da mulher ficar cor de púrpura e as mãos tremerem ligeiramente enquanto ela lutava para manter a compostura. Então, a cor fugiu, mas Abby detectou um tique nervoso. Phillippa lutava para controlar o temperamento. — A Srta. Porter está visitando a Inglaterra pela primeira vez e está hospedada em Bowness Hall. Ofereci-me para lhe mostrar os locais interessantes da cidade, já que Tish não pode dirigir aqui. Ela é minha convidada, tia Phillippa. — Vou deixá-lo com sua convidada. A mulher saiu da sala com modos régios, deixando um rastro de frieza pelo caminho. Ela causava impacto, Abby pensou. E um frisson de raiva subiulhe ao pescoço. Virou-se para Ian e o estudou. Parecia calmo. Até aí, nada. Ele sempre parecia absolutamente sob controle. — Eu avisei que minha tia-avó era uma bruxa rabugenta. E é provável que vá embora daqui a uma hora. — Não pode ficar na mesma casa que uma americana? O que pensa que somos? Insetos? Vermes? Ian ficou pensativo por um instante. — Acho que algo assim. Desta vez, Abby sentiu a ferroada. Lorde Clarence mostrara desdém, mas aquela tia-avó definitivamente considerava Abby sem pedigree. O que

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despertou nela um desejo veemente de se defender e defender o seu país. Bandeiras se agitavam em seu cérebro. — Ela sempre foi desse jeito. Nem Tish nem eu a suportamos. — Pensei que você havia dito que esta era a sua casa. — E é. Minha tia tem minha permissão para ficar aqui a qualquer hora que venha à cidade. Sabe como é. Ela tem a casa dela, em Wessex. Embora não admita, sente-se sozinha lá e vem à cidade para visitar as poucas amigas. — Nenhuma americana, aposto. Abby notou que as orelhas do conde se avermelhavam. — Não, nenhuma, tenho certeza. A velha turma está morrendo, é o que eu sei. — Bem, podemos voltar, ou talvez eu possa ficar num hotel... — Nada disso. Prometi lhe mostrar Londres à noite... — Não quero expulsar sua tia. — Esta é a minha casa. Posso ter quem eu quiser aqui dentro. Vamos nos refrescar e depois sair, está bem? Fim de papo. Abby achou engraçado, mas resolveu que o ódio e o preconceito da velha dama eram algo que não mudariam da noite para o dia ou pelo que lhe restava de vida. Com um suspiro, foi atrás de Ian até um pequeno quarto de hóspedes, deixou a bolsa sobre a cama e foi cuidar da aparência. Ian não perdeu tempo em procurar a tia. Normalmente deixaria o assunto morrer, mas aquela noite era muito importante para que ele deixasse a questão no ar. Encontrou-a na biblioteca, com um copo de seu uísque escocês na mão. A postura não era mais dura como um espeto, e ela parecia curvada, velha, frágil... frágil demais para ser sua tia-avó Phillippa. Ela não o ouviu entrar e teve um sobressalto, quase derrubando o uísque do copo. — Quando deu para entrar de fininho pelas portas, Ian? — Não me venha com esse tom, tia Phillippa. Pode ter funcionado comigo quando eu era menino, mas não adianta nada agora. — Que pena. — A senhora foi rude com minha convidada. — Fui? Não percebi. — Sabe muito bem que foi. — E daí? — Aquela moça está conosco faz quase duas semanas. É bem-educada e gentil, e não creio que a senhora devesse ser indelicada com ela. Não combina com sua posição e idade. — Quem é você para me dizer como me comportar? Tenho sapatos mais velhos que você, Ian Wincott. Ora, como se atreve a trazer essa meretriz americana à minha presença? — Tia Phillippa, isso é algo insultante demais. A Srta. Porter não é uma meretriz. Na verdade, mal toleramos a presença um do outro. Porém, infelizmente, estou em débito para com ela. E, neste exato momento, não posso pagá-la.

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A velha tomou um gole do uísque. Ian continuou: — Preciso de dinheiro para terminar o projeto de Rivendell, tia Phillippa. Preciso de um empréstimo e ninguém na Inglaterra fará isso para mim. — Ridículo. — Não, não é. Estou tentando há mais de seis meses conseguir um, mas ninguém quer me ouvir, não convenci nenhum empreendedor de que o projeto vale a pena. — O que você fez? Andou implorando, Ian? Trouxe a vergonha para nosso nome de família? — Não, tia. Mas aparentemente nosso nome de família não vale muito nos círculos financeiros. — Bobagem. Nós, os Wincott, somos donos da maior parte do condado de Somerset e uma boa porção de Devonshire. — Infelizmente, todos sabem que não podem ser vendidos. Em outros tempos minha palavra seria mais que suficiente. Mas agora, as coisas mudaram. — O que pretende fazer? — Tenho um investidor americano interessado em me ajudar. Vai chegar na próxima semana. Se tudo parecer bom no papel e no campo em Rivendell, estou confiante de que ele fará o investimento. Ele é um homem de negócios, antes de tudo, e não pode ser tratado de qualquer jeito. A visita precisa transcorrer como um relógio, com o melhor que Bowness Hall pode oferecer. Eu quero... eu preciso que tudo seja perfeito. E tenho de convencer a Srta. Porter a continuar conosco, com Tish e comigo. — Por quê? O que quer dela? Vai usá-la, lan? Por mais que eu deteste os americanos, não posso compactuar com isso, que use aquela mulher em seu próprio benefício e depois a descarte. Nunca pensei em você como um "aproveitador", Ian. — Não é essa a minha intenção, tia Phillippa. Qualquer arranjo será em nosso mútuo benefício, eu lhe asseguro. Ainda tenho de convencer a Srta. Porter a ficar. Agora, eu lhe peço, por favor, se a vir outra vez, seja educada. — Não posso prometer, Ian. Você sabe disso. — Então, tia Phillippa... acho que deve voltar para Wessex. Ela colocou o copo na beirada da escrivaninha, girou nos calcanhares e saiu da biblioteca. Ian sentou-se, pensando no que acabara de fazer. Sua tia provavelmente o deserdaria. E ele descobriu que não se importava. Os olhos de Abby se demoraram nas luzes que transformavam as margens do Tâmisa num faiscante pano de fundo bordado de lantejoulas. A água, uma obsidiana líquida, espumava na esteira do barco de turismo de amuradas de vidro. Com o escuro da noite, tudo assumia um ar de mistério e perigo. E romance. Ela queria desfrutar de cada segundo do que restava de suas férias. Deslizar suavemente pelo rio famoso, ouvindo as explanações do guia, olhando para Londres à noite... talvez fosse assim que Sherlock Holmes a vira. A cidade cintilava. — Um centavo pelos seus pensamentos.

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A voz sensual de Ian ressoou por dentro de Abby, o que aumentou o encantamento. — Meu tempo está quase acabando. — Eu sei. Gostaria de conversar sobre isso. Abby virou-se para encará-lo. Ele sorriu diante do exame. — Você está imaginando o que eu estou tramando. — Oh, sim. Foi muito gentil o dia todo. — Eu lhe devo algum dinheiro — Ian disse, com toda a franqueza. — E, neste exato momento, não posso pagá-la. Abby sentiu as entranhas se liquefazerem e o sangue enregelar. — Está me dizendo que está quebrado? — Estou dizendo que, agora, não posso lhe devolver os cinco mil dólares... mas, se ouvir o que tenho a propor, poderá ter seu dinheiro de volta. Um calor raivoso dissolveu o gelo de seu sangue. — Você é algum conde megalomaníaco. Não me venha com essa coisa de estar quebrado! Vi sua casa, sua mobília, seus objetos de arte. Você tem toneladas de dinheiro. — Tudo está vinculado de um jeito ou de outro. Não posso sair vendendo antiguidades e objetos sem preço agora. O país inteiro saberia que estou duro na manhã seguinte. Abigail, escute. Neste exato momento estou numa situação difícil. Tenho um projeto em andamento, a coisa mais importante de minha carreira. Está pela metade. E, por mais que eu deteste confessar isso a você ou a qualquer um, preciso emprestar dinheiro para completá-lo. Assim que estiver terminado, haverá dinheiro aos montes... mais que suficiente para pagá-la de volta várias vezes. Contudo, agora, não há um tostão. E você deve saber que o único meio certo de conseguir dinheiro é agir como se não precisasse dele. Com o coração na garganta, Abby lutou para entender o sentido do que Ian lhe dizia. — Mas meu dinheiro...? Os ombros largos do conde despencaram. — Foi usado para reparar os encanamentos das casas dos arrendatários. Foi-se. Acabou. A água negra batia contra o casco do barco. Todos os sons da cidade sumiram. Mais uma vez, a milhares de quilômetros de casa, ela fora enganada. Ao levar as mãos ao rosto, Abby estremeceu. Ian tirou o casaco e colocou-o sobre seus ombros. Ela se esquivou, mas ele puxou-a de volta, erguendo-lhe o queixo. — Nem tudo está perdido. Tenho uma saída. Ela não queria ouvir, mas Ian continuou: — Um investidor vai chegar a Bowness Hall em poucos dias. Na verdade, no domingo. — Ótimo. Vou embora no sábado. Pode me enviar um cheque pelo correio. Certo? Ian a fitou, a mão ainda a prendê-la dos lados do rosto.

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— Não, você ainda vai estar aqui. Isto é, se concordar com o que estou prestes a propor. Ela se encolheu. — Oh, não! Não vou fazer algo... — Não, não, quero apenas que cozinhe para mim. Se me ajudar a receber o homem e a esposa, providenciarei para que tenha seu dinheiro assim que ele transferir os fundos para a minha conta. Abby o fitou, só então percebendo o modo com que Ian a encarava. Ele estava lhe pedindo um favor e vinculando o resultado do negócio à sua ajuda. — Não posso ficar. Tenho um novo emprego começando daqui a duas semanas. Preciso voltar para casa a tempo. — Tish me contou sobre seu novo emprego. Deve ser a oportunidade de uma vida para você, um hotel de renome no coração de Manhattan. Entendo, mas isso só levará alguns dias, uma semana no máximo. Eu a embarcarei num jato particular de volta, se necessário. Você estará em casa a tempo de começar. Escute, Abigail, sei que não me deve nada. E... digamos que eu não tenha me comportado como um cavalheiro com você. Abby soltou uma gargalhada. — Digamos que sim. Ian baixou o olhar. E, quando olhou para Abby, tinha unia expressão de absoluto arrependimento. — Tenho amigos nos Estados Unidos. Eles poderiam tornar sua estreia como chef notícia de jornal. — Não preciso da recomendação de ninguém! Sou uma boy chef. Eu mesma construirei minha reputação. — Mas uma noite de abertura com uma casa cheia de celebridades não seria mau, seria? Ela não se dignou a responder. Claro que ajudaria. Daria um enorme empurrão em sua carreira e garantiria seu emprego por um longo tempo. Espere um minuto. Pelo menos ela estava conseguindo algo de um homem. Lance tirara tudo dela e não lhe dera nada em troca. E Ian precisava de sua ajuda. Se ela o ajudasse, isso teria de resultar em algo mais para si mesma. Pela primeira vez. Algo em acréscimo ao que ele lhe oferecera. Precisava exigir alguma coisa dele. — Leve-me a Stonehenge, Bowness. Ian a encarou, sobrancelhas arqueadas. — Desculpe? Abby deliciou-se com aquele espanto. Ela o tirara fora do eixo, assumira o comando. O controle era seu, e ela gostou da sensação. Agora, era jogar. E se divertir. — Eis o trato, Vossa Senhoria. Cozinharei para você e seu investidor. Uma semana. Farei com que o homem coma como um rei e o entregarei a você num prato de sobremesa. Você pega o seu dinheiro, eu pego o meu e o jato particular e a casa cheia na noite de inauguração. E... Ela ouviu o conde puxar o fôlego. — E...?

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— E você me leva a Stonehenge à noite, quando ninguém estiver por perto, para que eu possa tocar as pedras e dançar ao luar. Depois que a expressão aturdida sumiu, Ian comprimiu os lábios, parecendo ponderar sobre o acordo. A princípio, Abby julgou que ele ia começar com desculpas, por isso a resposta a surpreendeu ainda mais. — Feito. Ele estendeu a mão. Abby segurou o casaco nos ombros com a mão esquerda e esticou a direita. O contato provocou uma fagulha de triunfo que percorreu seu corpo inteiro. — Normalmente, nos Estados Unidos, cuspimos na mão para selar um acordo. Diante do olhar chocado de Ian, Abby caiu na risada. — Não gosto de cuspir. Mas temos um acordo. Feito!

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Capítulo 3 Abby não sabia o que fazer com seu acordo. O jantar no Tâmisa, não obstante elegantemente servido, fora péssimo, isso para ser gentil. Frango seco, uma espécie de batata gratinada, um molho insosso sobre tudo, e ervilhas. Ervilhas! O principal acompanhamento de quase toda refeição que ela fizera na Inglaterra. Mas, voltando ao acordo, o conde parecia com um humor muito melhor do que antes. Aliviado, ela adivinhou. Aliviado que ela concordasse com o plano; aliviado que ela fosse embora em breve; aliviado de não precisar ser atencioso com ela. Ele a ajudou a descer pela prancha de embarque, entre o barco e a doca. E deixou que usasse seu casaco mesmo quando ela quis entregá-lo de volta. — Está frio — ele ponderou. Abby acertou o passo ao dele conforme caminhavam até o Jaguar. A cidade pulsava. Com os pensamentos fixos na semana vindoura, ela mal notou quando Ian a puxou e empurrou-a para trás enquanto dava um passo à frente. Abby assustou-se, percebendo que não estavam mais sozinhos. Um sujeito dançava na frente deles. Altura média, jaqueta com um logotipo esportivo no peito e, na mão, algo reluzente. A máscara de ninja explicava o que ele tinha em mente. — Passa a grana, cara. Ian não se intimidou. — Cai fora! Abby olhou, enregelada, quando o assaltante investiu com a faca em golpes selvagens. Viu o borrão no braço de Ian quando se chocou contra o ladrão, fazendo a faca voar pela escuridão. Ian aproximou-se, as mãos em punho e pronto para atacar. Não teve a chance. O ladrão recuou um passo, desarmado e, em seguida, disparou a correr. Ian ia sair atrás dele, mas Abby o segurou pelo braço. — Oh, Ian! Deixe-o ir! Finalmente, sentiu que ele relaxava e pousava a mão sobre a sua. — Você está bem? — Uau! E eu que pensava que era seguro na Inglaterra. É tão perigoso quanto Nova York. — Nunca se está realmente seguro em parte alguma. Mas você está bem? — Claro. Não fui eu que fiquei com uma faca na cara. — Você estava em algum outro lugar, então. — Como? Ian deu uma risada tensa. — Onde estava quando ele saltou do monumento e apontou a faca para você? — O quê? O chão pareceu faltar sob os pés de Abby. Ian segurou-a pelos braços. 37


— Ele a atacou, Srta. Porter. Chegou a poucos centímetros de seu belo rostinho. Os joelhos de Abby cederam. Ian teve de ajudá-la a chegar até um banco. Ela sentou-se, tremendo inteirinha. Ian sentou-se ao lado e passou o braço em torno de seus ombros. O tremor não parou até que ele a puxasse para mais perto de seu corpo. — Por que alguém me atacaria? Estou sem bolsa, sem jóias... — ela pensou, em voz alta. — Não faz sentido. Ian inclinou a cabeça, e sua boca quase tocou a orelha de Abby. — Você tem razão, não faz sentido. A menos... a menos que ele esperasse que eu partisse em sua defesa. Abby olhou para o conde. Ideias desagradáveis lhe vieram à mente. Impossível! Fora um assalto aleatório. O camarada queria algum dinheiro. Não esperava que Ian reagisse tão depressa ou da forma eficiente como fizera. O ladrão ameaçara a mulher sabendo que o homem a defenderia. Nada mais que isso. — Obrigada, Ian. Descobriu-se a apertá-lo pela cintura. Quando suas mãos tinham se enfiado ali? Embaraçada pela reviravolta dos acontecimentos, afastou-se do calor daquele corpo convidativo. Ele continuou a encará-la e, então, levantou-se, e puxou-a pela mão. — E melhor voltarmos. Ainda há metade de Londres para ver e, se não me engano, você pretende dançar em Stonehenge amanhã à noite. Abby pensou ouvir uma ligeira vacilação na voz de Ian. Não, não, estava enganada. Ian Wincott tinha nervos de aço. Devia estar zangado por que ela o impedira de correr atrás do malandro. Não conversaram sobre o incidente de manhã, quando se sentaram para tomar o desjejum. Abby tinha o estômago revirado, talvez do susto da noite anterior, e só se serviu de um pouco de chá e algumas torradas. — O que faremos hoje? A voz profunda e suave de Ian arrancou-a dos pensamentos. — Não sei. O que sugere? — Que tal a Abadia de Westminster, o Big Ben, o Parlamento? — O que acha da Harrods, Carnaby Street e Abbey Road? — Ah, não está mais interessada em História? — Não. Quero ver Londres do modo comum com que as pessoas a vêem. Conhecer todas aquelas lojas badaladas. Tomar sorvete. Ian levantou-se. — Então, por favor, vamos dar uma olhada na BBC. Há várias docerias em que você poderá encontrar o sorvete que quiser. E até os mutantes da série "Dr. Who". Ian aprendera algumas coisas sobre Abigail Porter durante as poucas horas que passara em sua companhia. A primeira tinha a ver com uma sensibilidade aguda. Talvez fosse a sua ingenuidade, os olhos arregalados de deslumbramento e o respeito pela Inglaterra que o encantassem. Ela fizera Belas-Artes e ele podia conversar o que quisesse com ela. Abby não era simplória nem burra. E, apesar do lugar onde nascera, não era vulgar.

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Droga! Ele não permitiria que aquela ianque penetrasse em sua vida. Contudo, resolveu, que seria melhor tê-la ao lado durante a semana vindoura. Totalmente a favor dos planos traçados. Não era tolo, sabia que precisaria de toda a ajuda que pudesse conseguir. — Ian, alôô? — Desculpe-me. Estava distraído. O que disse? Com as mãos nos quadris, Abby parecia bastante impertinente. Tudo bem. Ele fora rude. — Fizemos tudo, eu acho. Vimos os locais turísticos, comemos peixe e batatas chips, paramos num pub, visitamos a casa onde Sherlock Holmes jamais poderia ter vivido, e andamos de metrô. Devo dizer — ali, a voz de Abby assumiu um tom dramático — que você cumpriu a maior parte de sua promessa. Ian fitou aqueles olhos de cor tão exclusiva e se percebeu sorrindo ainda mais, muito mais do que normalmente se permitiria em público. — E — ele tomou-lhe o braço e conduziu-a até o Jaguar — pretendo cumprir integralmente o restante também. Vamos pegar suas coisas e voltar para casa. Abby sorriu com uma ansiedade felina. Ian observou quando ela correu os dedos pelos cabelos, afastando os cachos do rosto e, por uma fração de segundo, deu-lhe uma vontade imensa de fazer o mesmo. O que aquela mulher estava fazendo com ele? Se continuasse em sua companhia por mais tempo, acabaria com um parafuso a menos. Ou fazendo papel de bobo. Isso, jamais! Controle-se! Sem mais pensar, abriu a porta para Abby, deu a volta e sentou-se à direção. Assumiu o controle do volante e de suas emoções, e girou a chave. Cada foto, cada imagem, cada pintura... Nenhuma fazia jus à majestade das pedras imensas de pé na planície gramada. Deus, eram enormes, gigantescas, imponentes, majestosas. Conforme prometera, Ian "mexera uns pauzinhos" e a levara para dentro do círculo. Abby descobriu-se tremendo. Algo peculiar, parecido ao que ela sentira na abadia começou a zunir em sua cabeça. Como fios de altatensão cantando num dia chuvoso. Era puro poder. Uma eletricidade estranha, vaga, sutil, a dominou, não a energizando, mas tornando seus passos mais lentos. — Estranho. E como caminhar em gelatina — ela murmurou. — O que quer dizer? Abby lutou para encontrar as palavras certas, ou qualquer palavra que explicasse o que sentia. — Não sente o... o modo como o ar é espesso? Ou o jeito que alguma coisa, uma força parece tentar nos impedir de andar, de entrar no círculo? Ele negou com a cabeça. — Sinto algo poderoso, algo que nunca senti antes, que me arrasta para baixo da terra, me enfrentando — ela tentou explicar.

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Diante do ar intrigado, Abby estendeu o braço e pousou a mão em Ian. Ele se encolheu e, em seguida, um olhar estranho de compreensão estampouse em sua face. — Acho que senti alguma coisa. Um peso. Não ouvi nada, mas quando você me tocou, senti... uma coisa estranha. Engraçado, não consigo traduzir em palavras também. Abby sabia que, o que quer que fosse, tornava-se mais forte à medida que chegavam mais perto, e o zunido em seus ouvidos, o mesmo que ouvira nas ruínas em Glastonbury, tornou-se mais alto. Ela parou a um braço de distância de um menir. Lentamente, estendeu a mão, forçando-a a passar pelo ar que parecia gelatinoso, até que pousou na rocha fria. O ruído de estática cessou. Dentro do anel de gigantescos menires, Abby sentiu-se mais insignificante do que jamais sentira. Mais do que no momento em que olhara pelo vidro e avistara Lance transando com outra; menor e menos importante do que se sentira na igreja. Sentiu-se velha, lançada de volta no tempo até a época em que o Henge era novo, a rocha não desgastada pelos anos, a paisagem rústica com túmulos e postes circundando as pilastras. Havia dólmenes sobre as pedras também, embora poucos restassem no presente. Seu corpo estremeceu. Ian estendeu a mão e segurou-a com força. Então, tudo acabou. A sensação desapareceu. Abby sorriu e sentiu-se gratificada quando Ian lhe sorriu de volta. — Captou, não é? — Uma meia risada ocultava-se por trás daquelas palavras. — Uau! É tudo que posso dizer. Que máximo! Ian inclinou-se e seus lábios quase tocaram a orelha de Abby. — Ouvi dizer que isso acontecia. Estou um pouco surpreso que a afetasse assim, mas agora que vi, posso entender. — Entender? — Este é um lugar de grande magia. Sempre achei que fosse preciso uma força sobrenatural para aquele povo antigo ter erguido essas pedras. Se você sentiu essa força, ela deve existir ainda. Eles a usaram para deixar as rochas eretas. Talvez tenham concebido a ideia de construir o Henge por influência das forças desconhecidas deste lugar. Agora, você abriga essa magia em você, Abigail. Ian sorriu, de um modo diferente dessa vez. E Abby ficou a imaginar se ele falava a sério ou apenas brincava com ela. — Passou, Ian. O ruído e a sensação sumiram. Ele meneou a cabeça, e discordou. — Não sumiu. Está dentro de você. Abby caiu na risada, tímida a princípio, mas depois deixou que transbordasse de seu íntimo. — A magia de Stonehenge está dentro de mim! Viva! Começou a balançar para frente e para trás, a mover-se gradualmente em meneios sinuosos para o círculo interno, dançando com graça etérea sob a luz da lua minguante. No céu, que jogava seus estranhos efeitos especiais

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sobre a planície de Salisbury, uma pequena nuvem deslizou pela luz refletida, lançando sombras sobrenaturais entre as pedras, matizando a forma esguia de Abby de negro e, depois, num prata misterioso. Ela continuou a se mover lentamente, elegante, sozinha. Ian a seguiu, os olhos a procurá-la pelas sombras, atraído por ela, compelido pela magia que ela agora retinha. Aproximou-se e deixou que Abby deslizasse para dentro de seus braços estendidos. Juntos, valsaram sob o luar místico. E quando ela parou no centro exato, e seus joelhos cederam, ele estava lá para pegá-la. Abby parecia desorientada, confusa... absolutamente encantadora. Contra qualquer bom senso que tivesse, mesmo sabendo que aquilo era algo que ele não deveria jamais fazer, e que viveria para se lamentar, Ian desceu os lábios de encontro aos dela. — Por favor, me leve para casa, Ian — Abby murmurou, ao desabar contra ele, desfalecida. Ele a ergueu no colo e carregou-a para o carro, surpreso de não se importar que ela chamasse Bowness de "casa". E não se importava em carregá-la também. Nem de refazer o trajeto das pedras até a calçada. Quando o guarda piscou para ele, Ian se viu piscando de volta. Extraordinário! Fosse lá o que o homem estivesse pensando, Ian certamente não tinha intenção de se aproveitar do desmaio de Abby. Ou o que quer que tivesse dado nela. Ela simplesmente despencara, escorregando para o chão como se os ossos houvessem se liquefeito. E ele não tivera outra opção a não ser pegála no colo. De uma coisa, porém, tinha certeza. Segurar aquela ianque nos braços era... maravilhoso. — Algo errado com a mocinha? Ian virou-se devagar, com Abby apertada contra o peito. Um homem e uma mulher, as feições iluminadas pela tênue luz da lua, mostravam um ar de preocupação. Ian sustentou a forma adormecida de Abby num dos braços e tirou as chaves do bolso. — Nada errado, apenas exaustão — respondeu. A mulher adiantou-se com um sorriso tranquilo nos lábios, exibindo dentes perfeitos. Os longos cabelos estavam parcialmente escondidos debaixo de uma echarpe. Ela o olhou de cima a baixo. — Que tesouro! Cuide bem dela. Ian fechou a cara. — Ah... obrigado. A mulher virou-se para o companheiro e fez um sinal. O homem murmurou um boa-noite e os dois desapareceram dentro de um velho trailer. Estranho. Andarilhos não abordavam pessoas à noite. E não haviam feito nenhum dano ao Jaguar, pelo que ele podia ver. Pareciam pessoas generosas, querendo ajudar. Curioso. Ele não sentira nada além de constrangimento. E desconfiança, motivada por histórias antigas. Puro preconceito.

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Seus pensamentos giraram incessantemente em torno de todos os últimos acontecimentos durante o caminho de volta a Bowness Hall. Sentada à escrivaninha dourada, Abby sentiu o fardo da História pressioná-la a criar cardápios fabulosos para a semana vindoura. — Vamos lá, cérebro de passarinho! — exclamou, em voz alta. — Você tem todos esses ingredientes maravilhosos à mão. Deixe a imaginação voar. Ouviu a porta abrir-se às suas costas e passos se aproximarem suavemente. John, era provável. — Ei, Sr. Duxbury, o que é que há? John empertigou-se, assumindo a postura do fleumático mordomo inglês. Abby, por sua vez, abriu o mais radioso dos sorrisos. — Eu sei, eu sei, o senhor acabou de perceber que eu nunca conheci um mordomo antes, em minha vida. Nunca conheci alguém que tivesse um; nunca conheci alguém que pudesse pagar por um. Para mim, o senhor é apenas uma boa alma que nos ajuda aqui. Como parte da família. Não pretendo ofendê-lo, mas do jeito como fui criada, é natural que eu o chame de "senhor" porque acho que o senhor é tão idoso como meu pai e merece o título com todo o respeito. — Sim, senhorita. Eu realmente compreendo, e fico feliz em contar com tanta consideração de sua parte. Só que custa um pouco para me acostumar. Abby riu, esperando que ele a acompanhasse, embora sabendo que John não se permitiria. — O que posso fazer pelo senhor? — Duckie diz que está se sentindo muito melhor, senhorita. E se poderia ser de alguma ajuda com suas tarefas. É estranho ficar inútil, compreenda. Não está acostumada a ficar à toa. Já que sabe mais ou menos o que há no mercado e na fazenda, pensou em... — Em me ajudar com o cardápio? Fantástico! Pode apostar que vou gostar de uma mãozinha. — Levantou-se para acompanhá-lo. — Obrigado, Srta. Abigail. Duckie não quer se sentir um fardo. E como se, contribuindo... A senhorita sabe o que quero dizer. — Ah, sim, compreendo perfeitamente. Vamos. Tenho certeza de que ela tem muitas ideias boas para oferecer, mesmo que não possa entrar na cozinha agora. Duckie fizera um lindo ninho naquela casa enorme, Abby pensou, ao se sentar numa poltrona antiga, tomando chá numa xícara de porcelana de estampa florida. Todo o calor que faltava à mansão preenchia aqueles aposentos aconchegantes. — Espero que não se importe, senhorita, que eu tenha pedido a John para trazê-la aqui. Abby pousou a xícara com cuidado no pires. — De maneira alguma. Posso usar sua ajuda com menus para três refeições por dia, com certeza. — Eles haverão de querer um breakfast inglês no primeiro dia, sem dúvida. Depois disso, os americanos normalmente não se dão ao trabalho de experimentar tudo, eu descobri. Bastam broinhas e "muffins", eu acho. Ou

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ovos mexidos ou mingau. O conde, contudo, gosta de todos os acompanhamentos. — Toda manhã? — Claro, às vezes ele vai logo cedo para Londres e só prova um pouco de salsicha ou bacon no sanduíche. Mas só se estiver com pressa. Abby calculou as calorias de um típico desjejum inglês, e sentiu as coxas se estufarem só de pensar nisso. E o colesterol! Cruzes! Como os ingleses comiam aquilo e não caíam duros de enfarte? — O desjejum é fácil. Parece que há um estoque imenso de ovos, salsichas e bacon na geladeira. — Claro — disse Duckie. — É o que fazemos aqui em Bowness. — Ah... E a carne fresca? Os frangos? O salmão? Não me fale do queijo! Duckie estufou o peito, cheia de orgulho. — É tudo nosso. Produção dos arrendatários. E como pagam para viver da terra. E ajudam na casa quando precisamos, e cuidam dos jardins e arrumam as cercas e tratam dos animais. — E Ian... o conde cuida de tudo o mais? — Ora, naturalmente. Sua firma vai bem, tenho certeza. Ele é responsável por tanta gente... e faz o melhor para cuidar bem de todos que vivem nos domínios. Tudo começou a fazer sentido para Abby. — E a tia-avó de Ian, ele cuida dela também, não cuida? — Oh, sim. E dos outros. Alguns primos pedem ajuda de vez em quando. Ian provavelmente fazia isso por senso de dever. Abby podia entendê-lo melhor agora. — Então, o que poderíamos fazer no almoço, dona Duckie? Quando Abby saiu para fazer o jantar, sabia exatamente o que faria para os convidados do conde. Só esperava que o resultado valesse o esforço. Alguém estava assando pão. Ian sentiu aquele cheiro delicioso e saiu atrás do rastro. O aroma despertara lembranças de infância e o estômago vazio. Ter algo novo e inesperado todo dia esperando por ele era excitante. Abby o excitava. Deus do céu! Ter Abigail Porter em sua casa era simplesmente um meio para atingir um fim. Ela iria embora em breve. Duckie logo se recuperaria, e sua adorada governanta voltaria a cozinhar para ele. A boa comida inglesa, do tipo substanciosa. Altamente sem imaginação, mas... Mudanças abruptas nunca fizeram bem a ninguém. Constância. Persistência. Regularidade. Esses eram os pilares de uma vida feliz. E como eram assustadoramente chatos... Ele jamais deveria tê-la beijado. Ian ouviu a risada de Tish do corredor. E o riso um pouco mais rouco de Abigail. Uma alegria sem freios o invadiu. Ao chegar perto da porta da cozinha, percebeu que as risadas entremeavam-se de gritos agudos. — Que diabos?...

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Tish e Abigail, cobertas de farinha, com pedaços de massa pelos cabelos e roupas, atiravam bolotas grudentas uma na outra. Os olhos esplêndidos de Abigail se destacavam em meio ao rosto branco. E os cabelos negros de Tish pareciam cobertos de neve. — Que bagunça! — Ian explodiu, indignado. Aquela era a sua cozinha, afinal. Virou-se para a irmã. — Mocinha, não pense que pedirei a Susan para dar um jeito nessa... nessa... — fez um gesto largo — ...abominação! A irmã o encarou de olhos arregalados. Com um traço de medo. Ótimo. Ela merecia. Depois de um olhar carrancudo, ela baixou a cabeça e passou a mão pela mesa para recolher a farinha. A americana a impediu. — Não, Tish, é minha culpa. Eu farei isso... assim que tirar os primeiros pães do forno. — Pode ter certeza que sim! — Ian exclamou. Abby virou-se para ele. — Ora, dê um tempo. Estamos brincando. Não faz mal nenhum, e não é nada que não se possa arrumar num piscar de olhos. Em sua vida inteira, Ian nunca fora tratado daquela maneira. Avançou para a americana, apontando o dedo para o avental coberto de farinha e em seguida para o rosto e os cabelos. — Está um pavor, Srta. Porter. — E daí? Grande coisa. Ian viu um fogo naqueles olhos que nunca vira antes. — Está uma bagunça. Ela deu de ombros. — Vou limpar. Ele não gostou do tom. — Vai mesmo. E assim que se comporta em sua própria casa? Isso é algum tipo de ideia americana de diversão? — Estava divertido antes de você chegar, majestade. — Pare com isso! — ele exclamou, cruzando os braços no peito. Abby começara a limpar a bancada de trabalho, recolhendo a farinha solta e os pedaços de massa, mas parou diante daquela ordem. — Parar com quê? — Com isso! — O tom de voz de Ian elevou-se ainda mais. Abby jogou o pano sobre a mesa e cutucou-o no peito com o dedo em riste. — De falar? É contra a lei aqui? Tem coisas a aprender, Vossa Alteza. Lutamos pelo direito de poder dizer o que queremos, sempre que quisermos. Também conquistamos o direito de perseguir a felicidade como algo de extrema importância, e você poderia usar um pouco desses conceitos por aqui. — Abby, não force a barra — Tish manifestou-se, pela primeira vez. — Ian não é agradável quando se zanga. — Seu irmão, o senhor do condado aqui, é um esnobe arrogante. Precisa abaixar a cabeça e se divertir um pouco de vez em quando. — Um arrogante? Me chamou de arrogante? — E o que você é. — E você, Srta. Porter, é emocionalmente instável. Abby revirou os olhos. — Bem, pelo menos tenho emoções.

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Ian retesou de ódio. Aquilo era demais. Não iria tolerar ofensas em sua própria casa. — Selvagem! Ian viu quando a cabeça da americana se empinou, e a vermelhidão tingiu-lhe as faces. — Almofadinha! — Ianque! — Isso é para ser considerado um insulto? Acontece que estou contente de ser uma ianque E melhor que ser um esnobe degenerado... Oh, perdão, você é nobre. Acho que um asno degenerado assentaria melhor. É provável que nunca tenha tido um momento de espontaneidade nessa sua vida pavorosa, bem-comportada e, positivamente, sem graça! Foi a gota d'água. — Grossa! — Antiquado! — Pretensiosa! — Puritano! Abigail encarou-o com um olhar furioso no rosto manchado de branco. Ian conteve um riso que lutou para repuxar-lhe os lábios, mas foi quase impossível. E percebeu que a vontade de rir aliviava a raiva interna. Soltou um rosnado feroz e avançou um passo. Os olhos de Abby faiscaram. Ela recuou, virando a cabeça como se procurasse por alguma coisa. Uma faca? Ian nem teve tempo para um segundo pensamento. Num movimento rápido, a ianque ergueu a mão e jogou um punhado de massa grudenta que pegara da mesa em sua cara. O olhar de choque com que o conde a encarara valera a pena ser visto. Finalmente! Uma emoção real! Abby riu consigo mesma enquanto terminava de limpar o resto da bagunça que fizera. Percebeu uma tempestade naquele olhar. A face do conde estava vermelha como um rabanete e ele, parado ali, com os pedaços de massa caindo em sua camisa impecável. Lamentavelmente, só um pouco de farinha lhe acertara o nariz. Abby julgara que ele teria um acesso de raiva. Que nada! Que estoicismo. Ian simplesmente se limpou um pouco com gestos duros. E a farinha sumiu dos cabelos, deixando apenas um leve traço de branco. Um leve vestígio de farinha no rosto dele deixou-a fascinada. Abby reprimiu uma risadinha, ergueu a mão e limpou a mancha com um pano de prato. O conde não se moveu quando ela estendeu o pano, não se encolheu quando ela tirou o resíduo de farinha. Continuou a olhar feio para ela do alto de sua imponência, mas se a intenção era intimidá-la, não atingiu o objetivo. Em vez disso, Abby o fitou dentro dos olhos e viu seu próprio reflexo nas pupilas. Aquilo a enervou. Quando ela afastou a mão, Ian surpreendeu-a ao segurá-la pelo pulso e pegar o pano de prato. E ainda mais depois, quando começou a limpar a máscara branca em seu rosto com uma paciência exagerada.

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O contato da mão quente provocou um calafrio pela espinha de Abby... mas não era de medo. Por uma fração de segundo, ela pensou que a expressão de Ian realmente se suavizara. Então, o ar carrancudo reapareceu, e ele fez uma cara condizente com seu título e saiu da cozinha. O que teria se passado na mente do conde?, Abby pensou. E o que dizer da emoção de adolescente que ela experimentara quando os dedos de Ian tinham roçado seu rosto? Claro que não fora apenas o contato inesperado que fizera suas faces queimarem. Estava na Inglaterra fazia quase duas semanas. Saíra de casa num estado de ânimo terrível, sem roupas, sem dinheiro, e sem que ninguém, a não ser Lutrelle, soubesse onde ela estava. A soma ridícula em sua conta bancária fora praticamente zerada no caixa eletrônico. Porém, todas as suas necessidades estavam supridas... exceto, talvez, uma delas. Ian andava pelo escritório, fazendo uma trilha pelo tapete persa. O que tinha na cabeça? Quase beijara Abigail Porter! Outra vez! E não apenas quase fizera isso, quisera realmente beijá-la, tomá-la nos braços, carregá-la para o quarto, e passar o resto da tarde fazendo amor com ela. Um pensamento fortuito perpassou por sua mente, carregada de erotismo: como ficariam os cabelos de Abigail espalhados por seu peito, o ouro avermelhado do fogo reluzindo entremeado com seus pêlos escuros? Bolas! Que diabos estava acontecendo com ele? Olhou pela janela para o quintal, procurando inconscientemente a cozinha. Será que ela saíra? Limpara tudo sozinha? Mulherzinha danada. Aquela não era hora para ele se distrair com os olhos cor de pedras preciosas ou com o narizinho empinado de sua hóspede. Mas continuou imaginando... Como aqueles seios se encaixariam em sua mão? De um jeito delicioso, do tamanho certo para que os tomasse, acariciasse, admirasse? — Maldição! — ele bradou. Por mais agradáveis que fossem, Ian expulsou os pensamentos para longe e tentou concentrar-se no croqui à sua frente. As mudanças que fora forçado a fazer nas rampas em Rivendell tinham de ser acrescentadas antes que Walsh aparecesse. Um dia a mais. Ele havia cuidado de tudo que pudera, colocara todas as coisas no lugar para a chegada do americano, a não ser aquele pequeno detalhe. O planejamento fora elaborado e distribuído para aqueles que estariam lá para ajudá-lo a fazer as coisas correrem sem tropeços. O primeiro dia seria passado em Bowness, talvez com uma pescaria, um passeio a cavalo, um tour pela casa e pelos jardins. Depois, o jantar fantástico de Abby, seguido de uma rodada de sinuca, quem sabe? Seus pensamentos abrangeram os dias vindouros e o resultado esperado. E Abigail Porter aos poucos se encaixou em seu devido lugar, fora dos planos do conde. — Ele nunca causará uma boa impressão a esse americano — Abby resmungou. — Não se ficar todo empertigado e tenso. Ele pode impressionar o bando todo de ingleses com seu título e sua casa enorme e tudo o mais, porém, se eu conheço os americanos, lan já está com os dias contados.

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Falando sozinha. Patético. Uma das coisas que aprendera no negócio de restaurantes, era que é preciso fazer os clientes se sentirem em casa. E acharem que o que pensam realmente importa, mesmo que você não dê a mínima para eles. Não precisam saber disso, ora. Ganham-se gorjetas maiores quando se joga o jogo do cliente, concordando que há um inseto na sopa ou rolha no vinho ou lesma no escargô. Ela se ofereceria para ensiná-lo a ser gentil. Gentil à americana. Poderia fazê-lo soltar-se um pouco para que não ofendesse o tal investidor com sua atitude de "sou melhor do que você". Deveria tentar? Valeria a pena? Ian era um arrogante metido, porém... Abby vira aquele olhar estranho, sentira o calor de seu corpo e tinha vontade de se encostar nele. Contudo, não queria saber mais de homens para complicar as coisas. Jurara não mais se envolver com nenhum. Mas, naquele caso, nada mais seria do que ajudar um parceiro de negócios com um investidor. Nada de beijinhos, abraços de ursos. Apenas mostrar como se comportar como um... ser humano. Ian certamente iria agradecê-la por isso. Depois de vagar pela mansão por mais de meia hora, Abby o encontrou caminhando pelo longo corredor da galeria. Observou-o de longe. Costas duras. Ombros numa postura rígida. Olhos focados diretamente à frente. Ele não pareceu vê-la ou pressenti-la, e ela aproveitou. Apreciativamente. Alcançou-o antes que ele descesse as escadas. — Ian? Ele estacou. Ela o surpreendera. — Ah, Srta. Porter. Uma mulher mais insegura teria tremido, Abby tinha certeza. — Estive pensando... Ele fez um ar de enfado. — Diz respeito a mim? — Sim, a você e ao investidor americano. — Por favor, esclareça-me. Abby gostaria que ele não fosse tão formal, mas aquela era uma das coisas que iria consertar. Ou tentar, pelo menos. — Você é britânico. Ele tossiu para esconder o ar de riso. — Muito observadora. Continue. —- Bem, é que os americanos têm modos diferentes de olhar as coisas...de agir com relação a outras pessoas. Não sei se você realmente percebeu, mas somos menos formais, pode-se dizer. — Notei. Os olhos de Ian desceram pelo corpo de Abby com um ar avaliador. Ela mordeu a bochecha para reprimir o desconforto. — Primeiro, jeans e camisetas e suéteres são bons para ficar em casa. — Com um olhar franco, ela apontou as calças de corte impecável, a camisa elegante e o casaco. — Ninguém estaria vestido assim para andar pela casa depois do jantar. Da ceia — corrigiu-se.

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— Então, acha que estou vestido de maneira inadequada? — Claro! Quero dizer... você está muito bem e tudo o mais, e com um ar de homem de negócios, mas não é hora de parecer que está posando para uma capa de revista. — Ah... compreendo. — A expressão o desmentia. — O que propõe que eu use, Srta. Porter? — Bem, isso aí é ótimo quando se encontrar com seus convidados pela primeira vez, claro. Mas se sentirem que terão de se arrumar o tempo todo, não irão relaxar, ficar à vontade. Se relaxarem, apreciarão muito mais a estadia aqui e serão mais amistosos com relação à sua proposta. Ian pareceu ruminar sobre a questão. — Mais alguma coisa? — Vão fazer perguntas. Montes de perguntas, provavelmente sobre a Inglaterra. Fique longe da Segunda Guerra e evite usar a palavra "ianque". Limite-se à história de sua família. E possível que queiram saber tudo sobre o pessoal daqui, e seria excelente que pudesse responder com algumas piadas e anedotas. Peculiaridades de família, esse tipo de coisa. Abby ganhou confiança. — E depois este lugar é lindo. Mesmo que os europeus considerem brega, os americanos gostam de ver as coisas das pessoas. Alguns ricos gostam de comparar o que têm com o que os outros possuem. Em suas cabeças, é isso. As sobrancelhas de Ian se arquearam. — Não está sugerindo que eu faça um tour pela casa. — Não, nada assim. Mas tenho quase certeza de que a esposa do homem gostaria de ver alguns dos quartos. Agora, não acho que você deveria levá-la por aí, mas talvez Tish pudesse. Do jeito que me mostrou quando cheguei aqui. — Algo mais? — Ian estava de pé; pernas separadas; as mãos atrás das costas; em cada centímetro, exibindo o ar de aristocrata. — Sim. Solte-se. — O quê? Ela o rodeou. — Tem de se soltar. Está sempre tão rígido. Tão, não sei... tão altivo. — Altivo? — As feições de Ian se entortaram por um segundo antes de ele reassumir a expressão desinteressada. — Você alguma vez largou o corpo? Ele riu desta vez. — O que quer dizer? Abby correu a mão pelas costas dele. Ele saltou e fez meia-volta, mas ela continuou a rodeá-lo, com olhar crítico e avaliador. — Ora, você sabe. Sempre anda em posição de sentido. Ombros para trás, barriga encolhida, espinha dura. — Pousou as duas mãos em seus ombros, e deslizou-as ao redor. Havia músculos sólidos debaixo de suas palmas, e a sensação era realmente boa, mas Abby ignorou-a, decidida a ajudar o conde. Ele enrubesceu ligeiramente e levou a mão ao colarinho. — E como sugere que eu ande? Realmente, Srta. Porter...

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— Abby — ela o corrigiu. — Não sei. Acha que poderia... passear? Ele empalideceu. — Passear? — Andar à vontade, você sabe. Não como se fosse conquistar o mundo sozinho, o que, a propósito, é impossível, mas como se estivesse se... divertindo? A mão de Ian subiu do colarinho para enxugar a testa. — Devo andar com a impressão de me... divertir? Abby soltou um suspiro. — Sim, claro. Vai estar com pessoas que provavelmente há de querer desfrutar da viagem, e você deve agir com se estivesse encantado em tê-los aqui. Como se gostasse deles. Como gente. Não como sacos de dinheiro. — Mostre-me. — Hein? — Mostre como devo andar. Abby pensou um instante e então começou a percorrer o corredor. Normalmente. O conde ficou parado, observando, os olhos a acompanhar a ondulação dos quadris conforme se remexiam suavemente. Notou como os ombros de Abby moviam-se a cada passada, como seus cabelos dançavam nas costas. E a graciosidade do andar. Ela era cheia de vida, e os movimentos eram animados e muito provocantes. A fantasia invadiu-lhe a mente, e ele pensou naqueles quadris e no bumbum que ela apontara para ele no avião e, mais uma vez, imaginou-se tocando aquele traseiro adorável. — Hum, Srta. Porter... Abigail... acho que entendi o que quer dizer. Quer que eu me mova mais solto, mostre minha casa, aja completamente em desacordo com minha personalidade... e depois? Ignorando o sarcasmo, Abby o encarou com aqueles olhos inacreditáveis e disse, simplesmente: — Poderia tentar sorrir? — Eu sorrio com frequência. — Ian sentiu o colarinho apertar-se em torno de seu pescoço outra vez. — Não, não sorri, não o bastante. Discute muito, isso sim. Faz carranca, é ríspido, de uma expressão de pedra, mas não sorri. Ora essa. A americana queria que ele sorrisse? Ele sorriria. Sorriria como bobo. E sorriu. Abby recuou um passo. — Assim não. Parece um psicopata! Ora, vamos lá. Tente. Um sorriso simpático, agradável. Juntando as sobrancelhas, Ian concentrou-se, e sentiu os cantos da boca se erguerem ligeiramente. Desta vez, ela saltou para trás. — Não, não, não! Assim é demais! Você não é o assassino da serra elétrica, é um camarada simpático, grandão, amistoso, que está feliz em conhecer essa gente. Preste atenção, veja. Abby parou em frente a Ian, mais perto agora, quase o tocando. Ergueu os olhos, fitou-o, e um sorriso brotou em seus lábios, banhando o conde em raios de sol. Ele experimentou uma onda de tontura que o fez balançar, chegar

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mais perto dela, perto o bastante para tocá-la, ainda perdido naquele olhar. Com um gesto suave, ela tocou-lhe a face. — Não tão intenso, se puder controlar. As mãos de Ian subiram para segurar as de Abby, mas ela deu um passo para trás, mais uma vez examinando sua expressão com ar crítico. Ele pensou ter visto uma fagulha de interesse naqueles olhos, algo tão breve que não tinha certeza se vira mesmo ou simplesmente desejara que estivesse lá. — Aí está! E isso. Acha que consegue parecer assim mais vezes? — Abby inclinou a cabeça e o mediu de cima a baixo outra vez. Ian cerrou os dentes para controlar as emoções que fervilhavam em seu íntimo. — Tudo que posso fazer é tentar. Aquela maluquinha o surpreendeu de novo, incrível! Completamente alheia a tudo que se passava dentro dele, Abby virou-se e saiu pelo corredor. No fim da galeria, olhou por sobre o ombro e disse claramente, de um jeito tão distinto que a frase ecoou pela passagem estreita. — Tudo que se pode fazer é esperar. Ian viu uma forma fantasmagórica no jardim dos fundos. Era ela. Abotoou a camisa às pressas. Ao sair para o pátio, procurou por ela. Lá estava. Perto do portão. O que estava fazendo ali de novo? O arco da mordida latejou em sua palma. Ele disparou numa corrida para alcançá-la. Nunca fora violento com uma mulher, mas aquela tentava sua paciência. Abby deslizava com graça, a saia dançando contra suas pernas torneadas. Muito provocante. Muito perigosa. Aonde ia? Então, ela parou. Seu peito arfava como se ela tivesse corrido, não ele. — Abby! — ele murmurou. Ela virou-se devagar. Ele adiantou-se. Os dois caminharam na direção um do outro até que estavam a um palmo de distância. — Eu lhe disse para não vir aqui. A noite pode ser perigosa. — A noite, ou você? Eu estava inquieta. Precisava sair, sentir a noite ao meu redor. — Não deve sair sozinha. — Não estou sozinha. Você está comigo. O fogo começou a arder em sua virilha. Mantenha o controle. Não deixe que ela se aproxime. Não a toque. Ao estender a mão, Ian tomou a dela. Sem uma palavra, sem tentar se livrar, ela o seguiu. Então, de repente, começou a puxá-lo, segurando-lhe a mão com firmeza. A porta do estábulo abriu-se com um rangido. Cheiros familiares assaltaram as narinas de Ian. Calor. Couro. Cavalos. Ian a observou. Não suportava mulheres que faziam careta diante de estrume de cavalo. Seus estábulos eram arrumados. Como sua vida... até que aquela mulher sentara o delicioso traseiro perto dele no avião. Abby percorreu o corredor, afagando os focinhos dos cavalos, enfeitiçando-os. E enfeitiçando Ian.

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Ela era magnífica. Orgulhosa. Adorável. Reluzente com sua luz própria. Evanescente. Radiante. Deus do céu. Ele tinha de possuí-la. Seu corpo se retorcia, requeimava, ardia. Abigail virou-se e o encarou. Ian aproximou-se, atraído pelo magnetismo contra o qual não conseguia lutar, não conseguia explicar. Sem uma palavra, ela entrou no círculo de seus braços. Ele inclinou-se, tocou-lhe os cabelos com os lábios, inalou a deliciosa fragrância. Seu coração disparou no peito, o sangue quente e pesado a fluir pelas veias até que ele julgou que fosse explodir. Com um olhar, um "sim" implícito, ela deixou que ele a levasse a uma baia cheia de feno macio e doce. Deitaram-se na palha, e ele não soube dizer como as roupas de Abby saíram. Ou como Abby, por sua vez, arrancou-lhe a camisa, lutou contra o cinto, tirou-lhe as calças. Então... estavam diante um do outro, envolvidos num fogo que quase fez o feno incendiar-se, a trocar carícias e beijos num jogo enlouquecedor de sensações que só poderia levar à plenitude. Ela o montou. Oh, não! Oh, isso, querida, isso, assim, assim... Os cabelos de Abby escorregavam como seda entre os dedos de Ian. Os lábios... maduros e doces como as frutas de verão. Os seios... voluptuosos e suculentos... Era tudo dele, para os tomar. Aquele anjo acariciava-lhe a pele, lambia-lhe a face... Lambia seu... Ian acordou com a virilha pulsando, quente como fogo, e com o focinho de Tugger a centímetros de distância. — Jesus Cristo! Tugger, seu cachorro horroroso. Fora. Suma da minha vida! — Não há nada que eu respeite mais que um homem de família — declarou Fredrick Walsh. — Dá estabilidade à vida de um homem. E não há nada como os filhos para fazer um homem parar e pensar no futuro e em como seguir adiante. Ian suspirou. Seus hóspedes eram tudo que Abby o avisara que seriam. E o ar de sincero contentamento que exibiam o fez pensar que talvez um homem pudesse beneficiar-se com um casamento feliz. Os dois se encaixavam como peças de um quebra-cabeça, mesmo quando não estavam perto um do outro. E tanto Fred, como o sujeito gostava de ser chamado, e sua esposa, Dee, eram perspicazes e inteligentes, ambos bem-educados e confiantes. — Vejo que você tem uma bela família, Ian — ele continuou, com o tratamento pelo primeiro nome já estabelecido, enquanto percorriam a galeria. — Todos estes parentes... devem deixá-lo orgulhoso. Imagino que sinta um peso às vezes. Desta vez, Ian se permitiu rir. — Não sabe da missa a metade. Às vezes meus antepassados exercem uma pressão imensa sobre mim. — Sou bastante pressionado por meus próprios pais. Fui um pouco rebelde na juventude, admito. Mas conhecer Dee foi a melhor coisa que poderia ter acontecido comigo. Meu pai me levou para o negócio da família

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então... depois que teve certeza de que eu estava pronto para me juntar a ele. Não me importo em lhe contar que eu era um desapontamento para ele antes de conhecer Dee. Fred Walsh piscou para a esposa, ali perto. — Sempre achei que um bom casamento completa um homem, torna-o mais forte, e com o apoio de uma boa esposa, esse homem se torna confiável nos negócios assim como na vida em geral. Um sino de advertência soou no cérebro de Ian. Gostaria de não saber o que vinha pela frente, mas já se vira diante daquela mesma situação muitas vezes antes. — As vezes custa um pouco para encontrar a parceira certa — ele emendou, esperando parecer evasivo o bastante para pôr um fim à conversa. O que estaria retendo sua irmã? Ela sabia que deveria estar ali para ajudar a entreter os hóspedes. Ele não era bom com conversas fúteis. Finalmente, ouviu o clique da porta do salão, e percebeu que seu resgate chegava. — Letícia! Que bom que finalmente se juntou a nós. — Esboçou um sorriso tenso, decidido a conversar com ela mais tarde. — Sinto muito, Ian, e Sr. e Sra. Walsh. Um telefonema inesperado me reteve. Depois, tive de dar uma olhada em Duckie. A Sra. Walsh se aproximou com ar maternal. — Não se preocupe com isso. Podemos imaginar as dificuldades de administrar uma casa, não podemos, Fred? Passou o braço pelos ombros de Tish e conduziu-a até o sofá. Logo, as duas conversavam animadamente, deixando Ian com Fredrick. O americano conhecia seu negócio. Ian ouviu cuidadosamente enquanto ele delineava o que esperava conseguir para se envolver num empreendimento. — Eu realmente gostaria de ver Rivendell, se isso puder ser arranjado. Ian sentiu um tremor incomum na barriga. Era hora de soltar a linha. — Poderemos ir amanhã, se quiser. Já passou da metade, mas você terá uma ideia clara daquilo que será. Walsh meneou a cabeça. — Depois de amanhã. Minha esposa tem alguns planos. Se você falou sério quando disse que nos mostraria a região. Ian controlou a impaciência sem demonstrar irritação. — Claro... Rivendell ainda estará lá depois de amanhã. Foi sua imaginação, ou ele sentiu mesmo que havia uma ligeira desaprovação, algo segurando o americano? Desejou poder ler as pessoas melhor. Havia algo, uma cautela que ele não notara a princípio, mas que sentia agora naquele homem. John surgiu sem ruído no limiar da porta e, com um gesto discreto, indicou que o jantar seria servido. Tish também viu o mordomo e levantou-se, com um sorriso. Olhou para a porta e depois para Ian, de sobrancelha erguida com ar de interrogação. Ian aproximou-se e ofereceu o braço à Dee Walsh, e conduziu-a à sala de jantar. Fred Walsh fez o mesmo com Tish.

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As palavras faltaram a Ian quando ele viu a antiga mesa de carvalho posta para uma refeição formal. John e Duckie tinham retirado toda a prataria do esconderijo e preparado o cenário para o banquete. Taças cintilantes de cristal e cálices de vinho refletiam a luz do imenso candelabro e dos castiçais das paredes. Uma toalha de linho cobria toda a extensão da mesa e caía em dobras delicadas pelos lados, destacando os pratos de bordas em ouro e as bandejas de prata. Seus hóspedes arquejaram diante do esplendor do cenário. Ele e Tish entreolharam-se com assombro. Fazia muitos anos desde que aquela mesa, aquela sala fora arrumada daquele jeito. Desde que a mãe os abandonara. Ian inclinou a cabeça quando se deu conta de quanto tempo se passara. Acomodou os hóspedes e a irmã, murmurando que gostaria que Abby se sentasse à mesa com eles. Tish assegurou que ela viria. Contudo, até o meio da refeição, ela ainda não aparecera. Walsh colocou o guardanapo de lado e murmurou: — Esta foi a melhor comida que tive o prazer de comer. — Sua satisfação se refletia no sorriso lento, contente. — Eu nunca, jamais comi uma refeição mais deliciosa. Seria possível conhecermos a pessoa responsável por isso? — Dee Walsh emendou. Ian enxugou os lábios com extremo cuidado. — Na verdade, Abigail deveria ter se reunido a nós para o jantar. Se puderem me dar licença, acho que irei procurá-la. Quando ele se levantou, Walsh fez um ar intrigado. Sem dar tempo a ninguém para responder, o americano emendou com um entusiasmo exagerado, do ponto de vista de Ian: — Se eu fosse jovem e solteiro e tivesse uma mulher em casa que soubesse cozinhar assim, mesmo que ela fosse velha o bastante para ser minha avó, eu me casaria com ela num piscar de olhos. Um trovão ribombou na cabeça de Ian. Estrelas se chocaram, fogos de artifício estouraram em cores. E, ao dar um passo, ele viu com um imenso alívio que Abby entrava na sala. — Desculpem o atraso — ela murmurou. — Mas... eu trouxe a sobremesa. Ian fitou-a como se nunca realmente a tivesse visto antes. Os cabelos de Abby caíam em suaves anéis úmidos em torno das faces enrubescidas. Os olhos pareciam imensos no rostinho delicado. Ela usava aquele único vestido preto e as sandálias que pareciam se prender a seus pés por mágica. A boca se curvava num sorriso tímido. E ele... ele perdeu a cabeça. Em passos apressados, alcançou-a. Enlaçou-a pela cintura e murmurou ao seu ouvido: — Coopere, por favor, Abigail. Então, sem mais explicações, ergueu-a do chão e beijou-a em plena boca.

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— Posso apresentar-lhe o Sr. e a Sra. Walsh? Fred, Dee, esta é a mulher que preparou a magnífica refeição com que nos deliciamos, minha chef... e minha noiva, Abigail Porter. Os olhos de Abby se arregalaram, e Ian abraçou-a pelos ombros. Apertou-a contra o peito com força. — Por favor — murmurou, com um fervor que nunca sentira em sua vida inteira. O coração de Abby parou de bater. Um tremor alastrou-se por seu peito e, depois, um vácuo se fez até que a pulsação começasse de novo. O que acontecera? Oh, isso é ridículo, ela pensou. Ian a apresentara como sua noiva. Certo, cooperar.... Cooperar com o quê? Com a piada? Difícil. Ela já tivera sua cota de homens gozadores em sua vida. Aprendera a lição. Mesmo assim, notara o olhar desesperado de Ian. A súplica não declarada. E, então, ele a beijara. Caramba! Que beijo... E o poder dos braços fortes em torno dela, o calor dos montes de músculos esculpidos contra seus seios... A emoção da surpresa e a tensão que invadira fizeram seus dedos dos pés se curvarem nas sandálias. Bravo! A sobremesa passou em branco, e Abby mal ouviu os convidados elogiarem seus esforços. Não poderia falar. A língua não funcionava. A respiração arfava. A tontura deixara seu cérebro imerso num tipo de sonho... ou pesadelo. E depois, Ian a arrastara pelo corredor até o escritório e fechara a porta. O clique da maçaneta trouxe a realidade de volta. Ela sentiu que as palavras voltavam a fluir. — Como ousa? Afastou-se e, ao ver que ele se aproximava de novo, ela agitou os punhos cerrados. Ian, com o rosto vermelho e um ar de incerteza, tentou tocá-la. Ela recuou. — Abigail, por favor, me escute. Sei que eu a peguei de surpresa, mas posso explicar. Os Walsh são pessoas muito gentis. — Pessoas muito ricas. — Sim, realmente, são ricas. E eu preciso de um pouco desse dinheiro. O desespero brilhava nos olhos de Ian claramente agora, e Abby sabia que, se deixasse que isso a contagiasse, terminaria "entrando numa fria". — Que conversa é essa de sua noiva? Ian apontou as plantas presas num quadro de cortiça na parede. — Este projeto significa muito para mim. Não apenas para mim, mas para uma porção de outras pessoas. Infelizmente, pessoas que têm pouca voz ativa naquilo que acontece em suas vidas. Preciso de dinheiro para concluir Rivendell para elas, Abigail.

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— Não sou sua noiva — ela repetiu. — Não tenho certeza nem se gosto muito de você, e sei que você não gosta de mim. Só concordei em cozinhar. Por que inventou essa mentira? — Fredrick passou a noite exortando as virtudes do casamento e insinuou com veemência que preferiria negociar com indivíduos bem casados. Ah... Então era isso. Uma lampadinha se acendeu por fim. Como nas novelas, acontecera de Abby estar no lugar certo, na hora certa. — Então, você precisava de uma esposa ou, pelo menos, de uma noiva, naquele exato momento. — Sim. — E já que eu era sua cozinheira, você imaginou que eu poderia representar um papel duplo, como sua futura esposa. — Eu não imaginei nada, Abigail. Veio assim num estalo. Você parou no limiar da porta e, de repente, eu pensei que daria uma boa noiva. Para a ocasião, pelo menos. Abby passou a mão pelo rosto. — Não posso fazer isso. Ele se aproximou. — Abigail, por favor, me escute. — Calou-se, a expressão hesitante, profundamente comovente. — Minha irmã lhe disse alguma vez que eu sou o segundo filho? Aquilo era novidade. Ela ergueu o queixo, como se o desafiasse a convencê-la. -— Por direito, eu jamais teria herdado meu título. Antes de eu nascer, meu pai teve um outro filho. Peter foi o primogênito, nascido de uma mãe diferente. Infelizmente, meu irmão mais velho tinha a síndrome de Down. Abby conteve a respiração. — Meu pai divorciou-se dessa esposa, colocou Peter numa instituição bem longe daqui, e tentou se esquecer dele. Depois, casou-se com uma mulher que julgou forte, vibrante. Uma americana, minha mãe, que me gerou no primeiro ano do casamento. Peter viveu até os quatorze anos. — Eu... eu... eu não sei o que dizer. A velha Abby estendeu a mão para Ian, e a nova e aprimorada Abby, manteve-se distante, cruzando os braços no peito. — Peter não era muito forte. Teve complicações. Seus pulmões, o sistema imunológico, nunca funcionaram bem. Meu pai sabia que ele não duraria muito, principalmente num hospital de segunda categoria, ventoso, sem a família por perto. Meu pai nunca visitou meu irmão depois que o afastou. A mãe de Peter abandonou o país e nunca votou. Minha própria mãe ficou sabendo de Peter e foi visitá-lo várias vezes. Tentou tornar a vida dele agradável, mas papai recusou-se a permitir que ele voltasse para casa, mesmo quando os médicos sugeriam que ele ficaria melhor aqui. Sei que discutiram por causa disso. —A voz de Ian reduziu-se quase a um murmúrio. — Eu vi aquele lugar, Abigail. Era velho e decrépito. Particular, claro, e o pessoal que trabalhava lá era o epítome da discrição. Mas não se importavam. Faziam seu trabalho, e não se importavam com os pacientes. Podíamos levar presentes a Peter, fazer com que tivesse tudo que queria, mas

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não trazê-lo para casa... para cá, para Bowness. Era isso realmente o que ele precisava. Ele se aprumou e deu alguns passos pelo escritório. — Esse lugar que estou construindo, Rivendell, é um conceito totalmente novo. É projetado para acomodar cadeiras de rodas e pessoas com necessidades especiais, velhos e jovens. Haverá uma clínica para cuidar dos problemas médicos. Serviço de refeições. Lavanderia. E também projetado para os mais velhos e os mentalmente limitados. Pessoas como Peter que podem fazer pequenas tarefas e estão ansiosas por isso. Poderiam ajudar os mais velhos, e os mais velhos, por sua vez, propiciariam uma atmosfera familiar, afastando a sensação crua e fechada de uma instituição. Nada disso jamais acontecerá se eu não tiver o dinheiro para completar o projeto. Abby sentiu sua determinação fraquejar depois de ouvir aquilo. E o homem diante dela expunha uma brecha na armadura, uma fraqueza que ela duvidava que ele alguma vez tivesse mostrado a alguém. Ou talvez fosse um tremendo ator, aliciando-a para atender a seus próprios propósitos, sem se importar com ela nem um pouco. Porém, ela sempre poderia perguntar a Tish para saber a verdade. Ian sabia disso. Ele não estava mentindo sobre o irmão. Abby tentou não deixar as emoções à mostra. Coisa que sabia não controlar direito. Sempre dava uma bandeira. Eis por que nunca jogava pôquer com os irmãos. Eis por que sempre terminava se metendo em confusão. — Está certo. Não estou dizendo que cooperarei com isso, mas pensarei no assunto. E é melhor saber que, se eu consentir em representar o papel de sua noiva, vou querer algo em troca. Algo grande, Ian. Algo a ser decidido por mim e pago por você antes que eu volte a Nova York.

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Capítulo 4 A noite na Inglaterra era mais negra que qualquer coisa que Abby já vira em sua vida. Crescera nos arredores de Nova York e suas noites eram cheias de mais luz ambiente do que de luz das estrelas. Os americanos usavam iluminação potente para poder ler um mapa dentro de um carro sem acender a luz interna. Na Inglaterra, o escuro era muito mais... escuro. Abby não se deu ao trabalho de acender o abajur. Precisava pensar. E pensava melhor quando se isolava das pessoas e do resto do mundo. Naquela noite, porém, ela precisava decidir muita coisa em pouco tempo antes de se enfiar debaixo dos lençóis. Noiva de Ian Wincott. Que absurdo. Jamais deveria ter se metido nisso. Como poderia se comportar como se o amasse loucamente? Puxa, precisava pensar sobre isso! Para ser convincente, teria de deixar que ele a apalpasse. Tocasse sua mão, seu braço, suas costas... Os pensamentos tornaram-se confusos quando ela se lembrou dos poucos momentos de contato físico ocorridos. Sua mente zuniu como sempre acontecia quando tomava uma decisão. Sabia que não conseguiria dormir naquele instante. Sentia-se cheia de energia, não com sono. Precisava sair e andar, sentir o ar limpo do campo. Chovera um pouco depois do jantar, mas o tempo abrira. Uma fatia de lua brincava de esconde-esconde entre as nuvens. Ao sair, evitou os olhos atentos e o focinho curioso de Tugger, e logo pisava no cascalho da trilha. Então, ouviu um eco. Outro passo, só que mais adiante. Ela parou. As passadas continuaram. Opa. Alguém mais estava lá fora. Ian apoiou a espada no ombro. Seguiu pela trilha como fazia todos os meses de sua vida desde que assumira o título. Se pensasse no que fazia e no porquê, jamais estaria ali, mas dever era dever, e os Wincott jamais se furtavam de suas responsabilidades. A armadura antiga não fazia muito ruído, mas o bronze raspava em sua pele de vez em quando. Ele precisaria trocar as tiras de couro e a túnica em breve. Algo mais para cuidar, algo mais para atrapalhar sua vida. Rezou para que ninguém na casa olhasse pelas janelas do fundo. Os Walsh ocupavam uma suíte na frente, longe dos jardins dos fundos. A menos que estivessem andando pelos corredores, não o veriam, se chegassem à janela. De qualquer forma, ele estava fora da vista. Mas já estivera naquela trilha antes, felizmente sem a armadura, e dera de cara com nada mais nada menos que com sua "noiva". Ian teve de rir. Em que confusão se metera. E não era culpa dela. Pobre coitada. Contudo, refletiu, ela fizera uma troca. Ele tinha certeza de que Abigail cooperaria com a farsa. Afinal ninguém sairia magoado. E havia muito a ganhar. Ao se aproximar da colina, olhou para trás. A trilha estava livre. Nenhum som também. Ele poderia realizar o ritual e voltar para a cama num instante. 57


A grade de ferro rangeu quando ele a sacudiu. Pousou a mão entre as barras do alto, contornando com os dedos as letras gravadas na pedra que lacrava a tumba. Hic Iacet Sepultus Rex Arturus. Aqui Jaz Sepultado o Rei Arthur. — Meu Deus! Ian girou o corpo, a espada em riste, pronto para a luta. O berro de Abby cortou a noite. Ian lançou-se sobre ela, a mão livre a lhe cobrir a boca, com força. — Pode ficar quieta? Abby bateu as pálpebras, as palavras abafadas pela palma quente sobre seus lábios. Ele a soltou. — Ian... o que é...? Ela examinou o corpo vestido de bronze, de olhos arregalados. — Abigail, que diabos está fazendo aqui a esta hora da noite? Pensei têla avisado para não sair da casa assim. Abby plantou as mãos nos quadris. — Então não deveria ter surgido com aquela história de me fazer sua noiva. Esperava que eu conseguisse dormir depois que lançou essa bomba? Deveria saber que preciso pensar. E cheguei a uma decisão, mas precisava espairecer, sair, tomar ar fresco, caminhar até cansar. Não tinha intenção de me deparar com você. Saí para ficar sozinha. — Você não tem nada a fazer aqui. Volte já para dentro. — Oh, não! Não vou aceitar ordens de um camarada vestido... o que é isso que você está usando? Ian sentiu o rosto queimar de constrangimento. — Uma armadura do século dezesseis. De bronze. A risada de Abby vibrou contra o metal, e Ian encolheu-se diante do ridículo da cena. — Está brincando... Não é um pouco velho para se fantasiar? Abby estava se divertindo. Ele podia ver nos lábios curvados no sorriso insinuante, na alegria refletida em sua face. Teve de rir, apesar de tudo. — É um segredo de família — murmurou, sabendo que a resposta provocaria mais perguntas. — Oh, por Deus! — Ela o rodeou, tentando chegar ao cercado de ferro. — O que há ali? Por que está trancado? — Não posso contar. Ela apertou os olhos para ver se conseguia ler as letras gravadas atrás da grade. Parecia resolvida a descobrir. E Ian só pôde esperar que a americana não soubesse latim. — Sabe o que quer dizer? — ela indagou, ao se virar para ele. — Está zumbindo, Ian. Posso sentir minha cabeça... tal como aconteceu em Stonehenge e na abadia em Glastonbury. — Saia daqui, Abigail! Isso não é da sua conta. — Oh-oh, é sim, garotão. Não pode pensar em me deixar fora disso. É um mistério, e eu tenho de resolvê-lo. Só me conte o que a inscrição diz, e eu irei embora — emendou, com ar de malandragem. — Senão voltarei de manhã e lerei por mim mesma.

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— Isso é chantagem. — E. Ora, vamos lá. O que é que tem? Como pode ser sério quando você se fantasiou assim para vir aqui? A risada de Abby pontuou a noite. Era inútil. Ian aproximou-se de uma lápide tombada, deixada ali em tempos antigos, e sentou-se. O frio do granito mordeu-lhe as pernas nuas. Com um suspiro fundo, ele inalou o cheiro da terra molhada de chuva. Não era bom naquelas coisas. Nunca contara a uma alma viva sobre o fardo que herdara. — Eu lhe contarei o segredo da família Wincott. O conde só tem permissão para contar à esposa, mas suponho que é melhor eu lhe dizer para mantê-la de boca fechada. Abby sorriu, triunfante. — Vamos, desembuche logo. Estou morrendo de curiosidade. — Durante os últimos mil e quinhentos anos, minha família teve a responsabilidade de guardar a tumba do Rei Arthur. É aquela, atrás da grade de ferro. — Nããããão! Está falando sério? — Abby agarrou-lhe o braço. — Eu sabia! Sabia que Arthur não estava enterrado em Glastonbury. Senti em meus ossos. O júbilo no tom de voz de Abby provocou uma sensação de profundo desconforto em Ian. Quando a perna dela roçou a sua, ele se encolheu. Estava perto demais para sua tranquilidade. Um calor começou a subir por seu corpo. Ele a encarou, lutando contra o impulso violento de calá-la com um beijo. Mas limitou-se a pousar o dedo nos lábios rosados, silenciando-a. — Nós, os Wincott, somos descendentes diretos de sir Hector e sir Kay. Se você conhece a lenda, sabe que adotaram Arthur. Kay foi um dos cavaleiros da famosa Távola Redonda. Esta é a armadura de sir Kay. Abby ficou inquieta. Do corpo dela faiscava aquela eletricidade que Ian sabia que vinha da terra. Ela já soubera demais, e poderia destruir os quinze séculos de preservação do túmulo de Arthur, dever de sua família. — Abigail, é só uma lenda. A expressão dela perdeu a animação. — Você está dizendo isso só para disfarçar. E claro que é verdade. Posso sentir em cada fibra de meu ser. — Ela o encarou com uma frieza que obrigou Ian a recuar. — Acha que o rei mítico da Inglaterra está enterrado atrás daquela laje de pedra? Acha que os arqueólogos e historiadores que têm buscado por uma prova real de sua existência teriam passado por cima de algo assim? Apontou para o monte. Abby ficou pensativa. Quando Ian imaginou que a convencera, ela virou-se, radiante. — Oh, entendi. Agora que você me contou, terá de me matar. Ian teve um sobressalto. Sacudiu a cabeça com tanta força que seus cabelos soltaramse e caíram pelos olhos. — Ah, uma piada de americano. — Perfeitamente.

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Era inútil tentar não sorrir. Ela conseguira outra vez pegá-lo desprevenido. Que maravilha. Lá estava ele, sentado no escuro, fantasiado para manter uma tradição de quinze séculos que não significava absolutamente nada para ele, e Abby o fazia rir e, por alguma razão, ansiar em sufocar com um beijo tamanha insolência. Tirar-lhe o fôlego. Deixá-la mole em seus braços. Desmaiada. Se ela soubesse o que ele usava debaixo da armadura, era provável que caísse dura, de qualquer forma. Mas ele não iria permitir que visse. Mas, por outro lado, ele lhe contara o segredo de família que nem mesmo sua própria irmã conhecia. O que estava acontecendo? Pressão. Estresse. Hipocrisia. Ele deveria saber. Abigail aproximou-se mais. — Sabe, Ian, já que temos de fingir que estamos noivos, talvez deva me contar algo sobre você, para que eu possa dar respostas mais precisas. — Ela o fitou, os olhos a perscrutá-lo. Ele recuou um pouco para poder respirar. — Nós nos conhecemos e foi amor à primeira vista. Acontece o tempo todo. Explica uma porção de brechas. — Claro. Dee Walsh perceberá num segundo. Preciso de alguns detalhes, Ian. Tipo... quantos anos você tem, que escola cursou... E seria bom se você soubesse onde eu estudei, os nomes de meus pais, de meus irmãos. Coisas assim. — Devo lhe dar uma breve autobiografia e você me contar sua história de vida em dez minutos? — Isso. Ian pensou por onde deveria começar. Contou-lhe da escola. Da aversão pela cerimônia e a pompa. Que detestava morangos, pois lhe davam urticária. O que despertara sua paixão pela arquitetura. Abby fez algumas perguntas, que ele esclareceu superficialmente. Afinal, ela já sabia muito. Sabia até de sua mãe, do pai e de seu irmão mais velho! — Acho que é suficiente. — Acho que sim. — Sua vez. Ela endireitou o corpo, afastando-se dele. — Tenho vinte e seis anos, estudei numa escola pública. Fui uma boa aluna. Precisava de boas notas, queria cursar a faculdade e precisava de uma bolsa de estudos porque meu pai não era rico e eu tinha dois irmãos mais velhos que também precisavam estudar. Contou-lhe do curso de Belas-Artes, assim como por que se tornara uma chef. Falou um pouco do trabalho, preocupada mais uma vez com o emprego que a esperava quando voltasse, e de como era importante para sua carreira. Ian notou que ela evitara tocar na vida amorosa. — Minha irmã me disse que você deixou um noivo na América.

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— Oh, é... Bem, não era realmente meu noivo; não havia uma aliança ou algo assim. Talvez namorado seja a palavra certa... e nem isso, na verdade. Compartilhamos um loft por quase dois anos, mas eu... — Não, não precisa explicar. Ian não queria ouvir. — Mas eu preciso desabafar com alguém. Finalmente, esta noite, eu me desvencilhei daquele cretino. Eu... chorei demais por causa de minha estupidez. Custou um longo tempo para eu me dar conta do rato que ele era, mas esta noite... Veja só, esta noite, resolvi que ele não significava nada para mim. Essa viagem era meio que um último esforço para consertar o que havia de errado conosco, mas só agora eu percebi que o que estava errado não era comigo. Era com Lance. — Ah, Lance. Como Lancelot? — Não, como canalha mesmo! Surpreso com tanta veemência, Ian perguntou o que acontecera. E quando Abby contou tudo o que se passara, ele reprimiu o riso. — Então, você simplesmente sumiu? Veio para a Inglaterra para fugir do imprestável. — Imprestável? — A risada de Abby ecoou pela pequena clareira onde se sentavam. — Posso pensar em palavras mais adequadas, mas só direi que, quando o vi pelo postigo, aquele traseiro nu e aqueles pés nos ombros dele, meu primeiro pensamento não foi: "oh, aquele é o meu namorado", foi: "minha bancada de preparo!". Ian riu com gosto. — Acho eu que isso mostrou quais são suas prioridades. Abby torceu o lábio, mostrando a covinha que tanto o intrigara. — É, acho que sim. — Está ficando tarde, Abigail. E hora de nos recolhermos. — Ian ficou de pé, e esticou-se. Abby riu. Estava cansada. — Foi um dia danado, não foi, Vossa Senhoria? Em vez de responder, Ian puxou-a para mais perto, envolvendo-a nos braços. Com um olhar que fez os joelhos de Abby virarem geleia, ele baixou a boca e provou-lhe os lábios. Gentilmente, um mero roçar. E Abby descobriu-se a se esticar na ponta dos pés, colando-se contra Ian, buscando a ternura que ele oferecia. Ela não se afastou; não conseguiria. O beijo tornou-se mais ardente. Abby estremeceu. Ian gemeu em sua boca, e ela aconchegou-se ao peito forte. Sua cabeça girava. Aquilo não estava certo. Ela deveria afastar-se, mas estava tão bom... De repente.... tchiiii! Uma faísca azulada saltou entre os dois. Abby assustou-se. Ian recuou, ainda a abraçá-la, de olhos arregalados. Por um segundo, ela não quis erguer os olhos. Mas, para sua surpresa, quando finalmente teve coragem de encará-lo, viu que o conde parecia tão espantado quanto ela própria. — Obrigado, Abigail. Agora, por favor, vamos voltar para Bowness Hall. Que diabos ele estava pensando?

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Será que o frio nos testículos congelara seu cérebro também? Ian sentou-se na cama, os pensamentos desordenados. Finalmente conseguira beijar Abigail Porter, e não fora aquele beijo de mentira depois do jantar, quando enlouquecera e a chamara de noiva. E nem aquele em Stonehenge, quando ela sucumbira à magia. Lá fora, diante da tumba sagrada do Rei Arthur, ele tivera o descaramento de beijá-la de verdade. Agora, ao analisar as coisas na segurança de seu quarto, ele se dava conta de que não fora o bastante. Fora demais! Descaramento? Não, não era a palavra certa. Idiotice? Soava melhor. Besteira? Oh, sim. Deu um tapa na testa. Estava pensando com a cabeça lá debaixo ao agir assim, impulsivamente. Contudo, tinha de admitir, e era isso que o matava, fora muito bom. Queria pôr as mãos em Abby desde que a vira pela primeira vez usando o vestido de Duckie. Pusera, na verdade, embora num contato breve, e a sensação fora ótima. Ela era macia, e as curvas voluptuosas que sentira a faziam extremamente feminina e... gostosa. E então, como ele poderia piorar as coisas? Fácil, ele agradecera! Abigail deveria julgá-lo um grandíssimo paspalho! Com razão. Um cavalheiro não agradece uma dama por um beijo roubado. Um beijo terno, ele se lembrou. Correspondido com a mesma ternura. E depois... que condição atmosférica mais bizarra fora aquela que provocara a faísca? Eletricidade estática. Sem dúvida. Talvez gerada pela umidade e o ferro da grade da tumba e o bronze da armadura. Sim, era isso. Nada sobrenatural. Apenas a velha luxúria de sua parte. Satisfeito agora? Não aconteceria de novo. Não de verdade, só para fazer de conta. De vez em quando, para mostrar aos Walsh. Não queria pensar nisso. Jogou-se de costas na cama, de repente dominado por um tipo estranho de langor e uma pitada de satisfação. Ian bateu com os nós dos dedos à porta. Lá dentro, ouviu sons abafados e um espirro. Ótimo, ela estava acordada. Bateu de novo, desta vez com mais força. Um gemido e depois um resmungo. Ele bateu mais uma vez. — Quem é? — Sou eu, Ian. Posso entrar? — Sim. Só um segundo. — A cama estalou. — Pode entrar. Ian entrou no quarto e fechou a porta sem ruído. Abby estava sentada na cama, recostada aos travesseiros. Os cabelos revoltos enroscavam-se em sua face, e ele sentiu o corpo reagir diante da visão. Ela bocejou. — Já é hora do café? Nossa, será que dormi demais? — Não, são só cinco da manhã. Eu queria conversar com você e lhe dar... isto — estendeu a mão — antes que alguém acorde.

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Abby endireitou o corpo, o lençol e o acolchoado caindo até a cintura, mostrando os seios cobertos pela camiseta. Ao vê-los balançar suavemente quando ela inclinou-se para ver o que ele estendia, Ian desviou os olhos. O desejo devastou seu corpo inteiro. Começou a suar. — O que é? Ele virou a mão e abriu os dedos fechados para revelar um brilho reluzente na palma. — Um anel. Você é minha noiva e precisa de um anel. Este é o que meu avô mandou fazer para minha avó quase setenta e cinco anos atrás. Deve servir, embora esses seus dedinhos... Abby pegou o anel. E seus olhos se arregalaram quando deu uma boa olhada nele. — Oh, Ian... é a coisa mais linda que já vi! Deve valer uma fortuna. Ei, você poderia vender isto por um bom dinheiro... — O anel dos Bowness é particularmente... bem conhecido. Se aparecesse no mercado de repente, eu poderia pendurar um aviso no pescoço dizendo a todos que estava falido. Ela virou o anel entre os dedos. Vinte baguetes de diamantes reluziam como fragmentos de gelo em torno de uma enorme pedra central de um azulclaro. Um assobio saiu dos lábios de Abby, e ele sentiu um aperto nas entranhas que ultrapassava a lascívia. Será que ela se dava conta do que fazia com ele? Claro que não. Não seja idiota. Buscou forças para enfrentar a tentação. — É uma água-marinha. A cor combina com seus olhos. Abby devolveu a jóia. — Não posso ficar com isso. Mesmo de brincadeira, não posso usar esse anel. E... é muito especial para sua família. Não posso... Ao se debruçar sobre a cama, Ian pegou o anel e, com a outra mão segurou a de Abby. Enfiou a joia no dedo anular e não se surpreendeu quando serviu direitinho. — Minha avó nunca teve de fazer nada na vida, mas usava as mãos delicadas para ajudar como pudesse. Começara a acariciar a mão de Abby inconscientemente, e só se deu conta disso quando ela a puxou. — Ian.. isso... não está certo. — Serve em sua mão, Abigail. Faz você parecer uma princesa. Abby o encarou, e quase despedaçou o coração de Ian. As lágrimas, o brilho nos olhos lindos, a tristeza dentro deles emprestava a ela uma beleza trágica que o fez querer abraçá-la e nunca mais soltar. — Vou perdê-lo. É muito valioso. E eu não poderia substituí-lo. — Está no seguro. E você não vai perdê-lo. Use-o, por favor. Quando era menininha em New Jersey, tenho certeza de que sonhou em ser uma princesa e viver num castelo. Esta é a sua chance. Um ligeiro sorriso surgiu nos lábios de Abby. Talvez ela tivesse sonhado em ser princesa. Toda mulher gostaria de viver um conto de fadas. Como sua mãe.

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— Tudo bem, Ian usarei o anel, mas vai ficar coberto de massa de pão daqui a meia hora. — Abigail, mais uma coisa. Teremos de fingir que estamos apaixonados. Para os Walsh. Espero que não seja muito difícil para você. Não pedirei muito, já que não sou um homem muito expansivo, em geral. A cor tingiu o rosto de Abby. Ela abriu a boca para dizer alguma coisa e então se calou. — O que é? — Eu me sinto engraçada usando este anel, Ian. Deveria ser de seu amor verdadeiro, da mulher com quem você realmente quer se casar... Não tem algo menor, mais simples? Menos significativo, talvez? — Eu lhe disse por que quero que use o anel. E parece que foi feito para você. Serve em seu dedo perfeitamente. Não me importo que pensem que estou vinculado a você. A maioria das damas de meu conhecimento não hesitaria nem um segundo em colocar esse anel e tudo que ele representa no dedo. É reconfortante saber que uma em um milhão tem consciência. Com isso, ele se levantou, pegou-lhe a mão esquerda e pousou um beijo no pulso, sentindo, ao fazer isso, o calor de Abigail, e deliciando-se com ele. Saiu tão silenciosamente como entrara. Precisava urgentemente de um banho frio. — Não posso trabalhar com esta coisa no dedo! — Abby resmungou e torceu o anel até que o tirou. Enfiou-o no bolso das calças, e lavou as mãos mais uma vez, para depois pegar as bolas de massa, achatá-las e pincelar com gema. Enquanto passava os pãezinhos por nozes moídas e açúcar mascavo perfumado de canela, ela ficou remoendo a cena em seu quarto, logo cedo. Sentia-se culpada por fingir estar noiva de Ian, e, pior ainda, de impingir essa mentira aos Walsh, não obstante a causa, por mais nobre que fosse. O que acontecera que o impedira de conseguir o dinheiro nos bancos? Alguma coisa suspeita estava rolando. Por que alguém não saltaria de satisfação diante da chance de ajudar o conde de Bowness? As coisas não se encaixavam. E Ian? Era um sujeito estranho. Um corpo fantástico, ah, sim. Abby dera uma bela olhada. Tinha belas pernas, cabelos lindos, e um traseiro realmente de chamar a atenção. Percebera quando o surpreendera naquela armadura. Ninguém em sã consciência se enfiaria naquela roupa estúpida a menos que houvesse um dever de família por trás. Principalmente alguém tão reservado e arrogante como Ian. Mas só de pensar no Rei Arthur e no segredo, Abby sentiu o couro cabeludo arrepiar-se. Será que poderia fingir que o amava? Ele era o homem dos sonhos de toda mulher. Mas aquela coisa toda provavelmente se transformaria num pesadelo. — Bom dia, Abby. Que cheiro maravilhoso é esse? Abby viu Tish entrar na cozinha. Sorriu. — Uma especialidade de Jersey, com açúcar e canela. Os olhos de Tish faiscaram. — Falta muito para ficarem prontos?

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— Não, saem logo. — Vamos fazer um passeio hoje, Abby. Irá conosco? — Não sei. Ninguém me falou nada sobre esse passeio. — Abby, sobre a noite passada... no jantar... — Tish ficou vermelha. — Acho que é melhor conversar com seu irmão sobre isso, Tish. — Está feliz? — Feliz? — Oh, me conte! Estou tão emocionada! — Tish correu para Abby e abraçou-a com força. —Tish, talvez seja melhor conversar mesmo com Ian. — Claro que vou falar com ele. E, devo dizer, estou tão empolgada e feliz! Não sei o que houve entre vocês dois, mas... estou tão contente em receber você na família! — Tish abraçou-a de novo, até as costelas doerem. Quando a garota a soltou, Abby fitou-a com franqueza. — Eu adoraria ser parte de sua família, mas... converse com seu irmão. — O que está acontecendo? Não vai se casar com Ian? E isso? Vai fugir de nós do jeito que nossa... — Não! — Abby sabia que pisara em terreno perigoso. — Não vou a lugar nenhum. Para provar, enfiou a mão no bolso e tirou o anel. A boca de Tish escancarou-se e depois os olhos brilharam. — Oh, meu Deus, que maravilha! O anel Bowness! É perfeito. Maravilhoso. Ah, Abby, você me fez tão feliz! — Tish, os pãezinhos estão quase prontos. Por que não vê se Ian pode vir tomar o café da manhã? Com um gritinho de felicidade, a garota saiu correndo da cozinha, deixando Abby parada, girando o anel de noivado e com vontade de esganar Ian Wincott. Dee e Fred escarafuncharam as ruínas de Tintagel, rindo e gritando como crianças. Abby jamais vira duas pessoas mais radiantes de felicidade em toda a vida. O exemplo perfeito do casamento venturoso. Ganhavam até de seus próprios pais. Estavam em completa sintonia um com o outro. — Vai chover novamente — eles disseram, ao se aproximar. Ian, vindo por trás, tocou-lhe o braço e quase a fez gritar de susto. — Ai... vai me matar qualquer hora. Ele riu. E Abby notou que, pela primeira vez, o sorriso chegava aos olhos de Ian. Faiscavam de alegria. Covinhas, que ela nunca vira, apareciam nas faces. Se tivermos filhos, as crianças sem dúvida herdarão as covinhas. A simples ideia a fez estremecer. A magia e o mistério ancestral de Tintagel a afetavam. O zumbido decrescera agora para um ronco baixo, mas a sensação de formigamento persistia. E o corpo de Ian apertado contra o seu não ajudava em nada. Ao dar um passo para se afastar daquela poderosa presença, ela tropeçou e perdeu o equilíbrio. Ian a segurou antes que ela aterrissasse de traseiro no chão.

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Um calor requeimou-lhe as faces quando percebeu que ele a enlaçara com força. — Quero um beijo, Abigail. Fora o vento ou Ian que murmurara a seu ouvido? Os braços fortes a puxavam para mais perto ainda. As bocas se encontraram e, no mesmo instante, nada mais pareceu real. Só a sensação dos lábios macios a roçar os seus, suavemente, hesitantes. E, então, a faísca. Percorreu-a com tanta força que Abby teve de saltar para trás. Ian deve ter sentido também, pois, embora não a soltasse, franziu as sobrancelhas e a encarou por algum tempo, rindo baixinho. Com um puxão, ele a abraçou, e depois apertou seu nariz com o indicador. — De novo. Isso é algo especial! — Devem ser as condições atmosféricas. Tem uma tempestade se formando. Ian fitou-a e, mantendo o braço em torno dos ombros dela, começou a conduzi-la pela trilha de pedras. — Acho que tem razão. Há algo se formando. O tempo está... mudando. Concentrado na estrada, manobrando o carro pelas ruas estreitas e evitando as rodovias principais para dar ao visitante uma visão melhor do interior da Inglaterra, Ian seguia para Rivendell, seu último destino. O americano parecia detestar o silêncio. E, pela milésima vez, Ian agradeceu a Deus por ter convencido Abby a acompanhá-los. Não faltavam palavras, observações e perguntas a ela, que conseguia manter Walsh completamente entretido. Finalmente, chegaram. Depois de estacionarem, os homens colocaram os capacetes de proteção e foram para o local das obras. Abby ficou perto do carro, a observá-los de longe. Walsh parecia falar sem parar, fazendo perguntas, o que ela sabia que irritava Ian. Ele não estava acostumado ao estilo do americano. Mas queria que Walsh se envolvesse com o projeto. E era um excelente projeto e precisava ser concluído. O mundo não precisava excluir os velhos e os menos capacitados; não se conseguissem demonstrar que suas vidas poderiam ser úteis e autossuficientes. A vilazinha de Ian tinha o charme das cidades antigas. As construções eram projetadas para ter rampas, elevadores e grades para tornar mais fácil a locomoção de todos. Abby sentiu que algo não satisfazia Walsh. Ian, por outro lado, precisava de uma injeção de capital. Os dois caminhavam agora de volta ao carro. Walsh gesticulava, falando sem parar. Ian reassumira o seu ar de "sou o conde". Não me diga que tudo foi por água abaixo! Ah, por favor, não me diga que Walsh recusou o financiamento! — Compreendo o que está tentando fazer, Ian, mas não vejo a coisa como rentável. Agora, se enfocarmos os idosos, que pudessem pagar pelos serviços ou pelo plano médico que houvesse aqui, isso daria dinheiro. Temos instituições assim nos Estados Unidos, com refeições e cuidados médicos, e os

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velhos vivem em seus próprios lares dentro de uma espécie de condomínio. Funciona muito bem. Ian parou. E Abby percebeu, pela boca apertada e a fúria em seus olhos, que ele tentava desesperadamente manter a calma. A voz, contudo, soou tranquila. — Nós, os ingleses, temos programas de assistência aos desvalidos há décadas. Rivendell será diferente; um modo de vida. Queremos um núcleo de convivência, como nas pequenas cidades inglesas, com suas igrejas, seus pubs, as confeitarias, onde todos se conhecem. Cada um é parte do todo. Quando os velhos ou os incapazes deixam suas casas para viverem numa instituição impessoal, perdem o senso de comunidade, afastam-se de tudo que conhecem e amam. Se você combinar os dois grupos numa pequena cidadezinha planejada, como Rivendell, todos serão mais felizes. E poderão contar com subsídios do governo para beneficiar a todos. Chegaram ao lado de Abby. Pareciam constrangidos. Walsh virou-se para Ian e disse, simplesmente: — Terei de pensar a respeito. Abriu a porta do carro e entrou. Os ombros de Ian se curvaram por um momento, antes que ele se endireitasse e abrisse a porta para Abby. Quando os olhos dos dois se encontraram, Abby só viu uma imensa exaustão nos dele. O que será que dera errado? Ambos reconheceram o Rolls-Royce na calçada. Abby ficou tensa, e Ian encarou-a com firmeza e confiança. — Olhe quem está aqui, querida. Que coisa boa! — Não é o carro de seu tio? Fred desceu e, com um pedido de desculpas, saiu à procura da esposa. Ian suspirou de alívio, enquanto Abby se enrijecia. Então, ele tomou-lhe a mão e levou-a aos lábios, pousando um beijo suave nos nós dos dedos. — Abigail, prepare-se para a atuação de sua vida. Não podemos deixar que meu tio suspeite que nosso noivado não é cem por cento legítimo. Abby enfiou a mão no bolso e pegou o anel. — Acho que é melhor vestir as fantasias. — Enfiou o anel no dedo. — E hora do show. Ian enlaçou-a pela cintura e puxou-a contra o corpo. — Você realmente é... maravilhosa, Abigail Porter. Abby não teve tempo de responder. Ele a ergueu e, quando seus lábios se nivelaram aos dele, Ian plantou um beijo terno em sua boca. Suas testas se tocaram. — Maravilhosa. Com esforço, Clarence tentou disfarçar o desprazer. Abby percebeu os olhares de soslaio e a ruga permanente na testa do lorde, algo que ninguém pareceu notar. Os Walsh comiam com uma voracidade impressionante, pouco falando. Talvez se sentissem culpados de desfrutar da comida do conde quando pretendiam lhe dar uma banana. As coisas haviam mudado drasticamente desde a ida até Rivendell.

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Ian recolhera-se à sua armadura de proteção emocional, e Clarence entediava a todos com suas baboseiras. Mas, finalmente, o jantar chegou ao fim. Duxbury e Susan tiraram a mesa, enquanto o conde e seus convidados retiravam-se para a sala de estar. — Creio que esta é a ocasião adequada para informá-lo, tio Clarence, que pedi a mão da Srta. Porter e, para minha satisfação, ela concordou em ser minha esposa. Clarence engasgou com o conhaque que saboreava, e ficou vermelho por falta de ar. Abby, mais próxima, deu-lhe um tapa com força nas costas. Ele soltou um perdigoto, respirou e depois tossiu várias vezes até recuperar o fôlego. As faces perderam a cor, não mais vermelhas como estavam. — Muito grato, mocinha. —Tomou vários goles do conhaque, devagar. — De nada. Acontece muito em meu trabalho, e todos os chefs sabem como lidar com isso. Fico contente de ter podido ajudar. Se julgara que receberia os parabéns diante do anúncio de Ian, esperou em vão. E isso, por alguma razão, a aborreceu, mesmo que não estivesse realmente noiva. Então, recordou-se de como os Wincott detestavam os americanos. Com a sala cheia deles, talvez Clarence não quisesse mostrar qualquer gentileza. E os olhos de Daisy em seu anel! O, raçal Que gente! A conversa morreu. O grupinho parecia saído de um filme antigo, na parte em que um dos convidados da festa caía morto. Abby pensou em sugerir algum tipo de brincadeira, mas abandonou a idéia. Logo, logo, alguém morreria ali — de tédio. Levantou-se. — Gostaria de dar uma volta pelo jardim, minha querida? — Ian murmurou ao seu ouvido. O calor da respiração eriçou os cabelos na nuca de Abby. E de outras partes também. Ela riu, baixinho. — Dou-lhe uma nota se me tirar daqui. Ian pousou a mão em suas costas e a conduziu para a porta. — Se nos derem licença... — disse, a ninguém em particular, e saiu com Abby. Ela soltou um suspiro de alívio. — Parece que a coisa está ficando feia — murmurou. — Fred, como ele insiste em ser chamado, tem idéia de transformar Rivendell numa "fábrica de fazer dinheiro", o que vai totalmente contra o que eu tinha em mente para o projeto. Não investirá, a menos que eu torne minha vila um condomínio para aposentados ricos. — Puxa, Ian, isso é tão errado... Eu... sinto muito. Ele viu a sinceridade tão fácil de ler no rosto de Abigail. Oh, ela o fazia querer puxá-la para mais perto. Parada ali, abraçando os braços nus, fitando-o com tanta simpatia, era a imagem da compaixão. Ele tirou o paletó e ajeitou-o sobre os ombros dela.

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— Parece que tenho de buscar outro financiamento. Calaram-se, olhando o vento sacudir a folhagem enquanto a lua brilhava como um arco de platina no céu. Ian obrigou-se a manter os braços de lado. Por mais que desejasse abraçá-la, não poderia se reconfortar com a noiva de aluguel. Ao seguir para o quarto pelos longos corredores, Abby ficou remoendo a conversa que tivera com Ian. Ponderou sobre a linguagem corporal de Fred, o jeito que ele se virava para Dee, buscando apoio, constrangido por ficar debaixo do teto do conde depois de resolver não apoiar o projeto. Ao passar pela sala de bilhar, Abby ouviu o baque das bolas, e a voz de lorde Clarence. — Devo admitir, fiquei um pouco chocado por saber que meu sobrinho ficou noivo. — Seu sobrinho é impulsivo? Parece um homem bastante sereno. — Sempre pensei que ele tivesse a cabeça no lugar. Mas... E isso fica aqui entre nós... ele extrapolou com esse seu projeto. A ideia de Rivendell se apossou dele e, por mais que eu deteste dizer, tornou-se uma obsessão. Perda de tempo e dinheiro, por certo. Abby gostaria de ver a expressão dos dois homens, mas estavam de costas. Então Clarence mudou de posição para a tacada. E algo em seus olhos a preocupou. Matreiros. E sombrios. — Nenhum inglês em sã consciência iria se aventurar a financiar esse projeto, você sabe disso. As costas de Fred se inteiriçaram. O ar afável desaparecera. A expressão era dura. Abby quase podia ouvir as engrenagens girando naquele cérebro empresarial e depois se acomodando no lugar quando a decisão de Fred foi tomada. Ian era assunto encerrado; nao haveria nenhum aporte americano. Quando Tish sentou-se para o desjejum, Abby puxou uma cadeira e acomodou-se em frente a ela. — Vai cavalgar com Ian agora de manhã? De boca cheia, Tish fez que sim com a cabeça. — Pode levá-lo para um longo passeio? A garota olhou para Abby de um jeito pensativo. — Posso perguntar por que precisa que ele fique longe? Opa! Entendi! Está preparando uma surpresa! Que bom! Posso mantê-lo afastado por umas duas horas, se quiser. — Isso deve bastar. Talvez uma hora e meia. E não é uma surpresa especial, Tish. Só preciso cuidar de um assunto, algo que tenho de fazer. Agora, vá para o seu passeio. E leve Ian com você. Assim que Tish saiu da cozinha, Abby deu um murro na mesa. Farei o que precisa ser feito... Como Abby esperava, Dee e Fred se atrasaram para o café da manhã. Clarence e a esposa preferiram fazer o desjejum no quarto. Ótimo. Estavam fora do caminho. O apetite dos americanos não diminuíra.

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— Delicioso. — Dee limpou os lábios no guardanapo de linho. — Se algum dia resolver cozinhar para viver, por favor, avise, Abigail. Ficaremos na fila para entrar no restaurante. — É bom saber. Gosto de deixar as pessoas felizes com minha comida. — Abby sorriu com um ar caloroso que não sentia. Se aqueles dois pretendiam dar o cano em Ian, ela não precisava trocar amabilidades com eles. Mas tinha outras coisas em mente. — Ian é um homem maravilho. Eu faria qualquer coisa para vê-lo feliz. — E o que devemos fazer, manter nossos homens num caminho suave. E quando há filhos, a coisa fica ainda mais dura. Abby não vacilou em pegar a isca. — Eu e Ian queremos muitos filhos. Ele adora crianças. Por causa do irmão, vocês sabem. A cabeça de Fred se ergueu de supetão, e ele cravou os olhos em Abby. — Que irmão? — Ian não mencionou Peter? — Quem? — Peter, seu irmão mais velho. — Mais velho? Como pode ser? Ian tem o título... pensei que o título fosse para o mais velho. — Dee pareceu perplexa. — Oh, vocês não sabiam... É uma história triste. Vamos para o escritório de Ian. É mais privativo. Eles a seguiram pelos corredores até a ala que não tinham visitado. Abby rezou para que Ian não tivesse trancado a porta do escritório. Com um giro, a maçaneta abriu, e ela fez Fred e Dee entrarem. — Então, é aqui a toca do dragão... — Fred começou a olhar para a mobília, as armas antigas em vitrines de vidro, e os croquis na parede. Dee acomodou-se numa poltrona, enquanto Fred xeretava pelo aposento, examinando tudo. Abby empoleirou-se na escrivaninha. — Que negócio é esse de um irmão mais velho? — indagou Dee. Abby se pôs a relatar toda a história sobre o irmão mais velho de Ian, com riqueza de detalhes. — Oh, que coisa horrível! Quer dizer que o mais velho, Peter, nunca vinha para casa, nem mesmo nos feriados? — Dee arquejou ao final da história. — Pelo que pude deduzir, o pai jamais pôs os olhos no filho, nem mesmo no funeral. A expressão de Fred iluminou-se de compreensão. — Ah... o mais velho foi deixado para morrer... Abby suspirou. — É o que eu diria, Fred. O conde tirou o filho deficiente da vista até que morresse. Sei que existem complicações médicas associadas à síndrome de Down. Ele deve ter morrido de qualquer uma delas. Abby viu quando uma lágrima escorreu dos olhos de Dee. — Tive um sobrinho com síndrome de Down. Não passou dos dez anos, pobre menino. Uma coisinha adorável, ele era. Um doce. Fred correu para o lado da esposa no mesmo instante.

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— Calma, calma, minha querida. — Estendeu-lhe um lenço. Abby avaliou a situação. Era agora ou nunca. — Rivendell não seria uma instituição assim...

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Capítulo 5 O velho carro de passeio de tia Phillippa estava parado na calçada como um sapo abominável. O primeiro impulso de Ian foi fazer meia-volta com a montaria e sair a galope na direção oposta. O que dera na cabeça de seus parentes? Não o aborreciam havia anos e, agora, apareciam do nada. Ouviu o resmungo de Tish. — É só o que faltava... Tish desmontou e puxou o cavalo pelas rédeas, seguindo para o estábulo pelo caminho mais longo, Ian percebeu. E ele continuou montado, pensando em como retardar o encontro com a tia-avó. Não tomara o café da manhã, e seu estômago roncava. Um sorriso surgiu em seus lábios, e ele não conseguiu reprimi-lo. O que estava acontecendo? Durante anos fora dono das próprias emoções. Talvez houvesse um prazo de validade para semblantes pétreos, e o dele tivesse se esgotado. Ao passar pela porta da frente, Duxbury apressou-se a interceptá-lo. — Milorde, sua tia-avó chegou sem avisar. Está aqui para ficar. — Meu Deus! Onde a colocou? — Em seu covil habitual. Ian soltou uma gargalhada diante do gracejo inusitado de Duxbury. — Bom trabalho. Não a colocou perto de tio Clarence, não é? Não quero que tenha de ouvir qualquer coisa que esteja "acontecendo" no quarto dele, vamos dizer assim. John riu, e disfarçou com uma tosse ligeira. — Estão a dois quartos de distância. E os Walsh ocupam a mesma ala que a Srta. Abigail, de modo que não devem se esbarrar pelos corredores, milorde. — Ah, muito bom, muito bom. Ian cutucou o cavalo, mas John estendeu a mão e pegou as rédeas. — Mais uma coisa, senhor. Há mais alguém aqui. Ian fez uma careta. — É aquele seu amigo da revista. O que publicou o anúncio da Srta. Letícia. — Brian Brightly? Raios, o que ele está fazendo aqui? Duxbury não sabia explicar. Ian cutucou o cavalo com o calcanhar, e seguiu para o estábulo. Santo Deus! O que mais poderia dar errado? O círculo de falsidades que ele projetara se apertava como um nó de forca em seu pescoço. Precisava ver a irmã e Abigail imediatamente. Longe de orelhas compridas e olhos curiosos. Tinham de acertar as histórias, do começo ao fim, com poucas coisas de fora. Para o bem de Tish. E de Abigail. E o seu próprio. Abby temperava o faisão quando sentiu que Ian entrava na cozinha. Ela conseguira imprimir o cheiro só dele em seu cérebro nos últimos dias. Mas podia perceber também que havia algo errado. Captara uma pontada de receio.

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Um olhar bastou para ter certeza. A ruga na testa de Ian o deixava com ar de mais velho e de cansado. — Minha tia chegou. Abby digeriu a notícia antes de fazer uma careta. — E a coisa vai ficar pior. Pedi a Duxbury para buscar Tish, para articularmos algum tipo de plano, mas preciso conversar com você a sós primeiro. Há mais alguém aqui. Um camarada que conheço a vida toda. Ele tem uma revista, a Gourmet Cuisine, ou algo assim. Depois de lavar as mãos, Abby sentou-se em frente a ele. — Ah, foi onde eu vi o anúncio para... você sabe, onde li sobre Bowness Hall. — Precisamente. Num gesto hesitante, Abby pousou a mão sobre a de Ian. — Acho que entendi. Apenas me diga o que tem de ser feito, e eu farei. Ian a fitou. Então, virou a palma para cima e agarrou a mão de Abby, apertando-a. — Minha tia deve ter ficado sabendo de nosso noivado. Não podemos parar de fingir agora. E até mesmo Tish não pode saber da verdade. E, quanto a Brian Brightly, se ele suspeitar por um segundo que há algo errado, nós dois estaremos na capa do The Sun assim que ele tirar o celular do bolso. Uma coisa era fingir para uma ou duas pessoas. E ela começara a gostar da brincadeira. Das gentilezas, da atenção a cada palavra, da mão de Ian em suas costas, dos beijos. Oh, os beijos... Penas que não fossem para valer. Lidar com aquela tia venenosa era outra coisa. Abby imaginou se aguentaria a velha cascavel sem acabar com ela de vez e, consequentemente, acabar com as chances de Ian junto aos Walsh. Ela já trabalhara para fazê-los mudar de idéia. Mostravam-se muito simpáticos quando os deixara. Talvez a conversinha entre o tio de Ian e Fred tivesse sido neutralizada. — Sei que não vai ser fácil. Sou um bastardo para exigir tanto de você, Abigail. — Oh, não, Ian. Quero que termine Rivendell. Acho que é uma ideia excelente, uma coisa maravilhosa que significará muito para cada um que viver lá. Só que não estou acostumada a fingir... diante de todas essas pessoas diferentes. E Tish... ela realmente pensa que estamos noivos, e está tão feliz... Ian soltou-lhe a mão e levantou-se. Rodeou a mesa e tirou-a da cadeira. Puxou-a para dentro dos braços. — Você é maravilhosa, Abigail Porter. Abby teria negado se os lábios de Ian não selassem os seus. Teria protestado se os braços fortes não a enlaçassem e a apertassem, enquanto ele a beijava com ardor, parando só para mordiscá-la suavemente antes de colar a boca na sua outra vez. Os dedos dos pés de Abby se entortaram. Um calor enrolou-se por seu ventre e outras partes enquanto a cabeça zunia e sibilava, e ela esqueceu-se de tudo, a não ser do beijo de Ian.

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— Diremos a todos que estamos esperando para fazer o anúncio formal, esperando que os pais de Abigail cheguem. Isso evitará que Brian tente dar o furo à imprensa. Depois, há Sua Majestade. É minha madrinha, e tenho a obrigação de anunciar o noivado a ela primeiro. Não que ela possa fazer algo para impedir. Não somos íntimos. Abby ficou de queixo caído. — A rainha da Inglaterra tem de saber de nosso noivado? Tish caiu na risada, mas parou ao ver a expressão de Abby. — Ian é o sexagésimo oitavo na linha de sucessão. Nos velhos tempos, quando o rei ou a rainha escolhiam as noivas para seus súditos leais... ninguém ousava ir contra. Mas agora, não. Veja o que aconteceu ao próprio filho. Abby engoliu em seco. — Você gostará dela — Ian assegurou, e passou o braço pelos ombros de Abby. — A rainha tem um grande senso de humor. — Com os filhos, acho que teve mesmo. — O que quer que a gente faça com relação a Brian? — Tish indagou. — Está procurando vocês dois. Esbarrei com ele no caminho e disse que você estava nos estábulos. Abigail surgiu como uma solução só sua. — Por que não apresentamos todos e deixamos que se misturem? Ninguém sabe nada sobre a "situação" em que você está, a não ser os Duxbury e nós três. Seus parentes devem estar maquinando um jeito de se livrarem de mim. Não, por favor, não se dê ao trabalho de negar. Sei como a velha... sua tia se sente a meu respeito. E seu tio não está muito feliz também. Mas os Walsh parecem gostar de mim e é provável que eu conquiste o fulano da revista com minha comida. Ele dirige uma publicação para gourmets, não é? Vou preparar a melhor comida que ele já comeu na vida. Ian, você arrebanha todo mundo. Sente-se lá e fique com "cara de conde", com esse seu ar aristocrático e superior. Abby teve vontade de rilhar os dentes. O pessoal comia seu jantar fabuloso sem dizer uma palavra. A atmosfera no ambiente tinha tanto calor quanto um inverno ártico. Abby ansiava de vontade de fazer uma piada e ver como a velha Phillippa reagiria. Sabia que ela observava tudo por trás daquelas pálpebras empapuçadas. Com as narinas chupadas e as sobrancelhas erguidas, tio Clarence sentara-se entre Tish e Ian, e na frente da esposa silenciosa. Por aquela coitada, Abby sentia uma pontada de simpatia. Imaginava qual a preleção que ouvira antes do jantar. — Talvez fosse diferente... — Abby se viu pensando em voz alta. O calor subiu-lhe às faces. Todos os olhos se voltaram para ela. Brian Brightly finalmente abriu a boca. — O que estava dizendo, Srta. Porter? Ian fechou a carranca. E Abby viu-se obrigado a tranquilizá-lo.

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— Eu estava pensando como seria ter a mesa cheia de convidados... Ah... que felicidade... Cada lugar tomado pela família e pelos amigos... no Natal. Tia Phillippa virou o pescoço duro na direção de Abby. — Já está enchendo a casa com seus parentes americanos? Isso não é um pouco prematuro? — Na verdade, eu estava pensando em passar os feriados este ano com meus pais em New Jersey. Ian e eu poderíamos visitá-los durante o Natal, para que ele conhecesse todos. Bingo! As sobrancelhas de tia Phillippa subiram até a raiz dos cabelos. Virou-se na direção de Ian, exigindo silenciosamente uma explicação. Ele não deixou a peteca cair. Inclinou a cabeça para a tia, enfrentando o olhar frio e obstinado com o seu. Ponto para Ian! — Quer dizer que você poderia estar pensando em se mudar para os Estados Unidos? — Brightly perguntou, e tio Clarence e tia Phillippa cravaram os olhos no sobrinho. — Não, não permanentemente. Abigail tem um loft em Nova York, mas é provável que o vendamos e procuremos algo mais adequado. Livrar-se do loft? Abby teria sorte de tirar suas coisas lá de dentro. Mas não seria legal fingir que ela e Ian viveriam juntos em algum apartamento de luxo, talvez de frente ao Central Park? Você gostaria de passar mais tempo com Ian, não é? Era aquela voz de novo, em sua cabeça, em seu ouvido, murmurando do jeito que fizera em Tintagel. Brightly insistiu no interrogatório. — Está esperando o quê? Quando vai anunciar o noivado ao mundo, amigo velho? Ian pestanejou, pegou o guardanapo, passou-o pelos lábios e correu os olhos pelas pessoas à mesa. — Abigail quer que os pais venham para a Inglaterra. Terão de consentir primeiro... — Tenho certeza de que não haverá problema... — Tish o interrompeu. Abby sorriu. — Eles aprovarão. Por que não o fariam? Tia Phillippa curvou a boca num ar de desgosto. — Claro que aprovarão. Quem não ficaria encantado em ter a filhinha plebeia casada com um membro de uma das famílias mais antigas das ilhas britânicas? — Ergueu as sobrancelhas e empinou o nariz. — E presumindo que sejam tão plebeus quanto você, Srta. Porter, tomarão providências para que todos do país saibam do golpe que deram! Deus, isso é revoltante! — Tia Phillippa! — Ian levantou-se da cadeira e foi se postar atrás de Abby, sem tirar os olhos da tia. —Abigail é minha noiva. Não permitirei que ninguém em minha família a calunie ou à sua família. A senhora sempre foi bem-vinda a Bowness Hall, porém, a menos que peça desculpas a Abigail aqui e agora, pode sair desta casa. Sob o escrutínio de todos, a velha estremeceu, baixou a cabeça, e calou-se. Será que daria o braço a torcer?

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Abby conteve o fôlego. A velha bruxa levantou-se, virou as costas para todos e saiu da sala. Abby encolheu os dedos dos pés nos sapatos. Um suspiro lhe escapou, embora só ela e o companheiro canino estivessem na cozinha. As coisas não estavam nada boas. A comida estava boa, disso tinha certeza. Apesar da tensão, ninguém deixara de comer. Mas, para ela, tudo tinha gosto de areia e papelão. A porta da cozinha rangeu nas dobradiças. Tugger rosnou e levantouse, aproximando-se da cadeira. Abby ficou rígida. Virou-se. A bengala de tia Phillippa batucava pelo chão. Abby endireitou o corpo, e um frisson de medo atravessou-a ao olhar para a velha. A determinação endurecia a fisionomia crispada. Phillippa parou cerca de uns seis passos de distância, e disse: — Eu lhe darei mil libras para sumir daqui e nunca mais voltar. Meu carro e o motorista a levarão para Heathrow hoje à noite. Você pode estar de volta à sua amada New Jersey amanhã de manhã. Um suborno? Abby riu, incapaz de controlar a reação. — Só mil libras? Phillippa concordou com um gesto de cabeça. — Não basta. Passou longe. Os dedos da velha branquearam no cabo da bengala. — Cinco mil. Abby meneou a cabeça. — Ian vale mais para mim do que isso. — É minha oferta final. Pegue ou vá embora sem nada. — Não vou deixar Ian. A bengala bateu contra o piso, parecendo um tiro de revólver. — Isso deve ser coisa de vocês, americanas. A mãe de Ian desistiu por um milhão. Custou praticamente tudo que eu tinha para me livrar daquela uma, mas eu consegui. Ela proclamava que amava os filhos, mas os abandonou. Quanto a você, não ama Ian. E não vale um milhão, sua semvergonha. Abby saltou da cadeira. Ignorou a ofensa, horrorizada com o que acabara de saber. — A senhora pagou a mãe de Ian para que fosse embora? — Eu teria dado tudo que eu possuía para me livrar daquela uma. Mas você não tem direito a nada. Pegue o dinheiro e suma, garota. Suma enquanto tem uma chance. Meneando a cabeça, Abby encarou a velha, que tremia... do quê? De raiva? Indignação? Falsa moral? — Esqueça. Eu amo Ian. E não sou como a mãe dele. Não há nada que a senhora possa fazer para me obrigar a ir embora. Agora, saia de minha cozinha. — E o lugar ao qual pertence, mulherzinha de sarjeta. Você irá embora. Ah, irá! — Eu não apostaria nisso. Ao sair pela porta, Phillippa prometeu:

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— Você irá embora! Ian começou a cantarolar enquanto corria a lâmina de barbear pela face. Chegara o dia. Tia Phillippa partiria em breve, para nunca mais voltar. Tio Clarence e a mulher a seguiriam logo depois, e boa viagem. Os Walsh deixariam Bowness depois do chá. Dependendo do resultado da decisão, ele poderia até pedir a Brian que ficasse como um ato de noblesse oblig. Tish estava de olho nele. Seu mundo ficaria aconchegante e tranquilo mais uma vez. Abigail. A lâmina picou-lhe a pele. O sangue verteu, deslizando pela espuma de barba. Em vez de enxugar o corte, Ian ficou olhando para o próprio reflexo, incapaz de se mover, aturdido pelo pensamento de que ela voltaria para a América. Sacudiu a cabeça, e olhou-se de novo. O espelho mostrou seu reflexo. E também a expressão desesperada em sua face. Deus, o que ela fez comigo? Sentiria falta dela. Do comportamento rude e franco, da mente rápida, do sorriso adorável, dos lábios macios. Sim, sentiria saudade daquela boca. E do resto da face, e dos cabelos macios que cheiravam tão gostoso. E da altura certa, e do jeito como ela se encaixava em seus braços. Suave e feminina e excitante. Devastadoramente excitante. Ela o fazia rir. Ela o fazia pensar. Ela o fazia... feliz? A lâmina caiu na pia com um baque que soou como um trovão em seu cérebro. Ian lavou os resíduos de sabão do rosto. E a espuma, ao sair, revelou o verdadeiro homem no espelho. Ian Wincott. Décimo sexto conde de Bowness. Um homem apaixonado. — Só pensei em fazer uma visitinha — Duckie explicou, quando o marido empurrou a cadeira de rodas para a cozinha. Abby estava de pé desde o amanhecer, e a cozinha cheirava a pão fresco e especiarias. Ver a governanta animada, sem sinal de dor, a alegrou. Abby enxugou as mãos e pegou a preciosa xícara de chá de uso exclusivo de Duckie. Duckie fez um sinal para que o marido a levasse para perto da bancada de trabalho. Com as mãos firmes, acariciou o tampo da mesa. — Em breve, Duckie, terá sua cozinha de volta. Daqui a algumas semanas estará de pé, e tudo ficará bem. John saiu silenciosamente como entrara. Duckie aceitou o chá que Abby lhe serviu com um aceno da cabeça grisalha. — Minha família e a de John têm servido os Wincott por muitos e muitos anos. Minha mãe era a governanta antes de mim, e o pai de John era o mordomo. Nós dois crescemos e envelhecemos com os Wincott. Passamos por tempos difíceis. A guerra e tudo o mais. Produzimos comida para as tropas. Jamais fugimos ao dever. — Eu jamais pensaria isso, Duckie.

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— Era outra época, Srta. Abigail. Todos sofremos, mas superamos. — Calou-se por um instante, pensativa. — Lady Phillippa, ela passou por maus bocados também. Apaixonou-se por um aviador americano. Major Robert Desmond, de Chicago, se me recordo bem. Iam se casar. Mas ele nunca mais apareceu. Jamais soubemos o que houve. Num dia ele era o mundo, no próximo, ela se recusou a permitir que pronunciássemos o nome dele outra vez. — Então é isso que está por trás do ódio de lady Phillippa pelos americanos? — Mas transformou-se em algo terrível. Não deveria atingir a você ou à mãe de Ian. — A mãe de Ian era uma mulher tão horrível a ponto de os dois filhos a odiarem? — Era uma mulher maravilhosa. Calorosa, cheia de vida. O que se pode chamar de uma "abençoada", você sabe. Autêntica. Amava os filhos e o marido. Abby não conseguia conciliar a opinião de Duckie sobre a mãe de Ian com a sensação negativa que percebera nele e com a criatura que aceitara suborno como a tia-avó alegara. — Então não é verdade que ela era uma péssima mãe. — Longe disso. O amor que tinha pelos filhos e pelo marido era visível. O velho conde a adorava com paixão. De repente, tudo mudou, e ele não era mais visto com ela, nem às refeições. Separou as crianças da mãe, e Letícia chorava o tempo todo. Ian parecia perdido. Sabia que algo estava errado, mas muito jovem, não conseguia perceber o que era. Já que você vai se casar com Ian, acho que posso lhe contar o que ouvimos, embora nem um fiapo disso seja verdade... tenho certeza. Chegou ao ouvido do conde que sua esposa tinha um outro homem. Não era possível, pois ela passava todo o tempo ou com ele ou com os filhos, mas ele acreditou que ela era infiel. O casamento foi destruído. E ela foi embora. A tristeza toldou a expressão de Duckie e encheu seus olhos de lágrimas. Ela pegou um lenço no bolso do vestido e enxugou as faces. Um frio envolveu o coração de Abby. A velha cadela! Armara um jogo. — Que história triste. Não é de admirar que Tish pareça tão carente e Ian... tão reservado. — Você captou a essência do problema, querida. E ele ficará aborrecido quando John e eu lhe dissermos que vamos nos aposentar. Agora que ele terá uma esposa, caberá a você contratar os empregados. Abby sentiu que a cor e o calor sumiam de sua face. Vacilou e quase caiu contra a mesa. Então, apoiou os cotovelos e enterrou o rosto entre as mãos, enquanto um gemido subia por sua garanta. Oh, Deus! Como Ian e a irmã ficariam sem os Duxbury? Daquele jeito sutil e silencioso, Duxbury chegou por trás de Abby, assustando-a. — Srta. Abigail... Há um... um indivíduo aqui... que alega ter uma urgente missão e precisa falar com a senhorita.

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— Alguém quer me ver? Ninguém sabe que estou aqui. Duxbury abaixou a cabeça, pálido. — Eu a coloquei... isto é, coloquei o... indivíduo... na sala de visitas, se a senhora não se importa. Quer que eu lhe mostre o caminho? Abby o seguiu, imaginando quem poderia estar esperando por ela. Ao parar diante das portas duplas à esquerda da entrada principal, Duxbury pousou a mão na maçaneta e hesitou. — Qual é o problema? — Srta. Abigail... — O mordomo tossiu. — Não creio que isso seja uma boa ideia. Acho que devo ir chamar o conde. — Continuou com a mão na maçaneta, impedindo deliberadamente Abby de abrir a porta por si mesma. — Quem é que está do outro lado, e o que o faz pensar que preciso de Ian aqui? Acha que estou em perigo? — Oh, não, senhorita. Duvido muito que esteja em perigo. Abby pousou a mão sobre a dele e abaixou a maçaneta. Abriu uma fresta e espiou. A sala, em estilo georgiano, tinha cortinas drapeadas que deixavam entrar pouca luz. Sombras envolviam o mobiliário e emprestavam mistério ao ambiente. Quem estaria ali? — Olá? — Abby, querida, é você mesmo? Um gritinho de excitação seguiu-se à voz de falsete. Então, resplandecente num conjunto azul-néon de minissaia que deixava à mostra quase a perna toda, Lutrelle saiu de trás de uma das cadeiras de espaldar alto. — Lutrelle! Seu doce! Está ótimo! Maravilhoso! Estou tão feliz em vêlo... As outras expressões de carinho foram amortecidas, quando Lutrelle puxou Abby para dentro de um abraço de urso. Ela afastou-se, arquejando sem fôlego. — O que está fazendo na Inglaterra? Meu Deus, está tudo bem? Meus pais...? — Ora, amiga, não se preocupe com seus pais. Telefonei para sua mãe antes de partir, só para ver se você estava lá, mas não deixei escapar que estava sumida. — Não estou sumida. Resolvi prolongar minhas férias por alguns dias. — Abby olhou-o de cima a baixo. — Belo conjunto. — Gostou? Pensei que era apropriado para a travessia do Atlântico. — Com todo esse tamanho de pernas, fico surpresa que você tenha se encaixado no assento! — Não na primeira classe — ele retrucou. Sacudiu as sobrancelhas sugestivamente. — Uau! Onde você... como você?... — Sente-se doçura. Tenho muita coisa para lhe contar. A propósito, você está absolutamente fabulosa. — Lutrelle agarrou a mão de Abby. — E o que é isto? E o mais incrível caco de vidro que já vi na vida! Abby puxou a mão e escondeu-a atrás das costas. Lutrelle agarrou-a de novo e examinou o anel Bowness, maravilhado. Soltou um longo assobio.

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— Queira me desculpar, mas isto aqui não é falso. — Lutrelle, não posso falar sobre isso agora. Prometo que lhe contarei tudo quando voltarmos para casa. Agora, tem de contar como veio para a Inglaterra de primeira classe, e o que o trouxe aqui. — Vamos sentar primeiro? Estas sandálias estão me matando. Acho que meus dias de salto agulha estão contados. Abby sentou-se numa cadeira de aspecto frágil, enquanto Lutrelle escolhia um sofá que parecia reforçado. — Bem, depois que você partiu, as coisas ficaram um tédio. Mas adivinha quem veio bater à minha porta, gritando e batendo com toda a força, exigindo que eu contasse onde você estava? — Lance? — O próprio. Ele teve a coragem de me dizer que tinha encontrado seus prospectos de viagem. E exigiu saber de você, como se eu fosse contar ao safado. O homenzarrão abanou a face com as mãos, dramático. — E você não disse nada, não é? — Detesto lhe dizer, mas aquele babaca gritou que iria atrás de você até o fim do mundo, querida. E como estou indo a Paris resolver um probleminha de trabalho, achei melhor dar um pulo aqui antes, para avisá-la. — Mas o que o faz pensar que ele está vindo para cá? — Ele não está vindo, Abby. Está estourando por aí! Imaginei que fosse muito preguiçoso para ir à agencia de viagens, aquela virando a esquina, sabe? Bem, aconteceu de eu passar por lá para pegar minha passagem, e vi uma com o nome de Lance. Desviei a atenção da atendente, li o número do voo e o destino. E provável que Lance já esteja na Inglaterra, doçura. E, sem dúvida, vindo às pressas para cá. — Oh, Deus! — Abby gemeu. A situação passara de horrível para insuportável num instante. — Talvez ele não tenha conseguido o endereço. Eu só o tinha escrito num pedaço de papel em minha carteira, eu acho. — Pense bem, Abby. Ele encontrou a carta. — A carta dando-me as boas-vindas a Bowness? — Acho que sim. Ele leu para mim, através da porta, veja só. Ele sabe onde você está, e vai achá-la, a menos que você se mande daqui. — Droga, não farei isso, não tenho medo dele. — Não tem medo de quem, minha querida? Abby teve um sobressalto, ao ouvir a voz profunda de Ian às suas costas. Então, girou nos calcanhares, caindo nos braços dele. — Ian! Você... oh, oh! — E as boas maneiras, querida? — Ian fez um gesto na direção do estranho em sua casa. Lutrelle postava-se ao lado do sofá, com um sorriso imbecil nos lábios cuidadosamente pintados. Abby olhou para Ian, tentando detectar o seu humor. Como explicar Lutrelle? Resolveu jogar limpo. — Ian gostaria de lhe apresentar Lutrelle Davids, meu amigo de Nova York. Lutrelle, este é Ian Wincott, décimo sexto conde de Bowness.

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Ian deu um sorriso estranhamente acolhedor ao estender a mão. Lutrelle livrou-se totalmente da persona feminina, e os dois homens pareceram se entender ao apertarem as mãos. — Prazer em conhecê-lo — Lutrelle disse, a voz firme e máscula. Abby julgou que ele parecia testar o conde. Ian sorriu. — O prazer é meu. Abigail, você... A frase foi cortada por outra pessoa na sala. — O que temos aqui? Brian! Abby sentiu-se afundar no buraco que ela e Ian tinham cavado. O que aquele sujeito estava fazendo ali? Lutrelle estendeu a mão e murmurou, com sua voz de barítono: — Lutrelle Davids, um amigo de Abigail de Nova York. E você, quem é? Abby pestanejou quando Brian mediu o gigante de conjunto azul "já cheguei". Estendeu a mão, contudo. Boa criação, ela pensou, sempre falava mais alto. — Lutrelle é um performer — disse, dirigindo-se tanto a Ian quanto a Brian. — Sua noiva tem amigos interessantes, Ian. Lutrelle detectou o termo "noiva". E Abby rezou para que ele não tivesse um acesso de gritinhos. Mas, graças a Deus só pôde ler nos olhos do amigo: Que bom por você, Abby. Pescou um conde inglês. Os três se entreolharam, e a sala caiu em silêncio. Então, a porta abriuse, deixando entrar Tish e os Walsh. Abby não sabia mais o que poderia acontecer para piorar as coisas, agora que todos estavam reunidos num mesmo lugar, a se fitarem com perguntas mudas. Mais uma rodada de apresentações se seguiu. Duxbury surgiu no limiar da porta, parecendo amarfanhado, os fios de cabelo em pé, a gravata-borboleta torta. — Milorde, há um... Não conseguiu terminar. Alguém o empurrou de lado e irrompeu sala adentro. Abby olhou horrorizada para o intruso. Lance. — O que está acontecendo aqui? — A voz era irritante e estridente. Abby sentiu a garganta fechar-se, mas conseguiu balbuciar: — Vá embora, Lance. Seu lugar não é aqui. Ian aproximou-se e passou o braço pela cintura de Abby. E ela sentiu que sua arrogância a contaminava. Lance aproximou-se. — Você parece ótima, Abby. Mas é hora de voltar para casa. — Fora, Lance. Não é bem-vindo aqui e não tem nada a reivindicar de mim ou de meu tempo. Ian deu um passo à frente. — Ouviu minha noiva. Você não é bem-vindo em minha casa. Duxbury vai lhe mostrar a saída. Lance parou a meros centímetros de distância. — Noiva? Ouvi direito? Levou as mãos aos quadris, os longos dedos de artista a tremer.

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Abby virou-se para Ian, enterrando o rosto em seu peito. — Tire esse homem daqui por mim, por favor. Ian não hesitou, apesar de tanta plateia. Brian era um dos mais curiosos. — Fora! A voz de comando deu calafrios em Abby. Lance, sem um cérebro pensante e, pela aparência desmazelada, sem dinheiro também, avançou e agarrou Abby pelo braço. — Você vai para casa comigo. — Tire as mãos de cima dela. Lance bufou e apertou os dedos com mais força no braço de Abby. Toda a reserva aristocrática cuidadosamente cultivada desapareceu. Com um gesto rápido, Ian agarrou Lance pelo pulso, forçando-o a soltar Abigail. — Largue minha mão, imbecil! Sou um artista. Lance lutou para livrar-se, mas Ian aumentou a pressão. Seria fácil quebrar-lhe o pulso. Sem dar atenção aos arquejos de Dee Walsh e de sua irmã, o conde arrastou o sujeito para a porta. Lance girou a mão livre numa tentativa de acertar um murro em Ian, enquanto soltava algumas imprecações, emprestando cor à cena. — Pelo amor de Deus, homem, aja como alguém civilizado! — Ian esbravejou. Lance acertou um chute na canela de Ian. E berrou: — Um conde inglês! Não é de admirar que perderam duas guerras! Ian perdeu a paciência. Fechou os dedos e acertou a cara do intruso. O baque surdo dizia que alguma coisa se quebrara. Pelo sangue que escorria do nariz do artista, adivinhou o que poderia ser. Segurou-o pela camisa, sustentando-o em pé. Atrás dele, Abigail gritava seu nome. A adrenalina encheu Ian de energia. A porta se abriu. De novo, Duxbury surgiu, ainda de cabelos em pé e gravata torta. Com a voz apropriada de um mordomo, anunciou: — A polícia. E deixou um homem uniformizado entrar. — Problemas, Vossa Senhoria? Ian deixou o corpo de Lance despencar no chão. — Um intruso que tentou raptar minha noiva, Nigel. Faça-me um favor, leve-o embora. O policial inclinou-se e agarrou Lance pelos braços, fazendo-o levantarse. — O que mais posso fazer pelo senhor? — Isso será o suficiente. Conforme arrastava Lance da sala, o policial cumprimentou a todos com um gesto de cabeça e entregou o americano ao outro companheiro que esperava do lado de fora. — Leve-o para interrogatório.

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Ian endereçou-lhes um sorriso rápido e fechou a porta. Agora, teria de enfrentar a todos arranjar algum tipo de explicação. Evitou olhar para Abby por um instante. Para seu espanto, foi o americano esquisito que falou primeiro: — O que foi que eu lhe disse, Abby? O idiota não sabe se virar sozinho. Ele me falou que iria arrastá-la pelos cabelos se fosse preciso. Precisa de você trabalhando, pondo comida na mesa e pagando o aluguel. Abby afundou numa cadeira, mortalmente pálida. Ian correu até ela, e tentou fazê-la abaixar a cabeça. — Bela direita, Ian — comentou Fred Walsh. Ian ajeitou as roupas. — Não sei o que deu em mim, nunca pretendi bater em ninguém em minha vida. Dee aproximou-se. — Quem era o sujeito? Parecia julgar que Abby pertencia a ele. Lutrelle, que ouvira o comentário, começou a contar a história, bastante modificada, para a plateia atenta. Até Ian teve de admitir que o grandalhão tinha jeito com as palavras. Abby gemeu baixinho. — Deixe-me levá-la para o quarto, Abigail. Com um débil sorriso, ela o fitou enquanto ele a enlaçava pela cintura e a conduzia para a porta. — Minha esposa e eu queremos agradecê-lo pela hospitalidade, Ian. Ian estava sentado à escrivaninha, enquanto o americano andava de um lado para outro. — Você e sua esposa foram hóspedes muito bem-vindos. Era verdade, considerando a enxurrada de parentes, abutres e até um travesti importado, com um aperto de mão de ferro, sem falar num pulha que se dizia artista. Fred continuou a andar pelo aposento, pensativo. Fale logo! Vamos pôr um fim nesse assunto para que eu possa ou terminar o empreendimento ou procurar outro financiador! Walsh foi até a janela e olhou para fora e depois para a esposa, que estava sentada numa cadeira de espaldar alto ali perto. — Vimos seu projeto, Ian. É uma obra de arte, embora eu não possa dizer que concordo com você quanto à finalidade. Mas minha esposa aqui tinha algo a dizer depois de nossa conversa com sua noiva. — Minha noiva? — Ian levantou-se. — O que Abigail tem a ver com o negócio? — Depois que ela explicou umas coisinhas sobre seu irmão Peter, e de como você se sentia em débito para com ele para construir Rivendell, ora, tudo começou a fazer mais sentido — Dee explicou. Ian apoiou as mãos na mesa para se recuperar. Abigail! Ela não tinha o direito de contar a eles sobre Peter! Sentiu o rosto queimar de raiva. — Meu irmão pode ter influenciado meu desejo de construir Rivendell, mas a ideia é legítima e só minha. — Ah, mulheres! — Fred exclamou, levantando a mão. — Ela na verdade lhe prestou um favor, Wincott. Se não fosse por ela, eu teria descartado a ideia de financiar o projeto completamente.

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Ian não respondeu. As palavras não passariam pela garganta. — Eu o ajudarei a terminar Rivendell, Ian. Apesar do que seu tio pensa, emprestarei o dinheiro... A pausa foi longa demais, e Ian percebeu que havia mais, outra parte do acordo. E o que tio Clarence fazia naquela história? Mais traição pelas costas? — Diga qual é o "se", Fred. — Ah-ah! Eu disse a você que ele era extremamente observador, querida. Dee ronronou, satisfeita. Walsh atravessou o escritório e parou diante das plantas presas rio painel da parede. — Construa isto para mim — disse, simplesmente. Ian virou-se para encará-lo. — Perdão? O que disse? — Passou a mão pelos cabelos, tentando imaginar o que o americano queria dizer. Walsh apontou para uma planta. — Gostaria que fizesse este projeto para mim numa propriedade que tenho na Virgínia. — Mas é apenas meu croqui para o restauro de Bowness Hall. Nada especial. — Quero esta casa construída nos Estados Unidos. O cenário é perfeito. Embora não tão grande quanto sua propriedade. Não precisamos de noventa quartos, mas a parte central deve ter lugar para nossa família e alguns convidados. Os estábulos também ficam, já que combinam tão bem com a casa. Queremos tudo idêntico, cada canto, cada viga, cada arco e ferragens das portas. Mas nada de alas ou jardins imensos, embora deva existir algo para colocar a casa na paisagem adequada. Depois, a quadra de tênis. A área de garagem. E a piscina, naturalmente. Enregelado até os pés, Ian olhou de um para outro. Engraçado, não pareciam as víboras que realmente eram. — Não. — Não? Não para os jardins? — Não. Não para os jardins, não para a casa, não para a extorsão. Eu poderia projetar uma residência adequada ao terreno, enchê-la com todas as novidades que vocês americanos sempre querem, mas, não, não construirei uma réplica de Bowness Hall nos Estados Unidos. Ian sentou-se na beirada da escrivaninha e cruzou os braços no peito. Walsh pareceu surpreso, também. Então, a máscara de empresário estampouse em sua face. Foi até a esposa, estendeu a mão e ajudou-a a levantar-se. — Receio, Vossa Senhoria, que não possamos fazer negócio então. Saíram. Quando Ian teve certeza de que os dois estavam bem longe da porta, pegou o pesado peso de papel que decorava a escrivaninha e atirou-o contra a janela, ouvindo satisfeito o baque surdo e o estalar do vidro. Depois, serviu-se de dois dedos de uísque puro.

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Queria queimar nos infernos antes de permitir que sua herança se transformasse em outra Torre de Londres! Um peso, como uma lápide fria, apertava o coração de Abby. O desfecho daquela peça teatral começara. Ela sabia que os Walsh estavam trancados com Ian no escritório. Tish levara Brian Brightly para cavalgar. Tia Phillippa voltara sorrateiramente para casa antes do café da manhã, e felizmente não estava por perto para testemunhar a chegada desastrosa de Lance e o que acontecera na sala de visitas. Mas Brian estava. Se quisesse arruinar Ian por completo, vazar aquele pequeno escândalo para os tablóides, conseguiria o furo. Abby sentou-se diante da velha mesa de preparo que começara a olhar com verdadeiro respeito. Serviu-se de um pouco de chá. Mais um dia, e iria para casa. Não tinha dinheiro para suvenires, não tinha câmera para fotos. Não tinha absolutamente nada, a não ser lembranças para levar de volta. Contudo, que lembranças incríveis! Fechou os olhos e revisitou todos os locais históricos e paisagens naturais que ela e Tish tinham visto juntos. Maravilhosos. Fizera tudo o que desejava desde criança. Então, só para provar que ela não pertencia àquele lugar, que não tinha o direito nem de pensar em se encaixar ali, tudo saíra dos trilhos. Num flash. Pior ainda, Lance poderia ter destruído todas as chances de Ian. Ian... Seu modo de andar, suas mãos, os cabelos compridos... Sentir seus braços a enlaçá-la... Oh, não! Em poucas horas, assim que os Walsh partissem, Brian iria embora e todos os parentes também, e tudo estaria acabado. Ela voltaria a ser Abby Porter, a americana de Nutley, New Jersey, dando duro para construir seu nome e sua reputação como chef de cuisine. — Mas, por um tempo, eu fui uma princesa — ela murmurou para o cachorro a seus pés. Então, percorreu a cozinha com os olhos, e suspirou. — Por um tempo, fui noiva de um conde inglês. A porta rangeu. Ao erguer os olhos, ela sorriu. Lutrelle entrou. Desabou numa cadeira na frente de Abby. — Seu mordomo me contou que Lance foi levado sob custódia. Tentou agredir o policial no caminho. — Lutrelle olhou para as unhas esmaltadas com ar ausente. — Não me importo. — Fale-me do conde — Lutrelle disse, olhando feio para Abby. — Quando se apaixonou por ele, Abby? — Não quero... falar sobre isso. Mas sim, me apaixonei. Não sei quando. Talvez não o ame de verdade, talvez... quem sabe... Oh, cruzes, Lutrelle, não é exatamente o que parece. Não quero... não posso falar. E, amanhã, tudo estará acabado. — Você está representando, fingindo estar noiva. — Não é isso. E... oh, não posso falar. Amanhã talvez eu conte. Hoje, não. Abby não queria falar de Ian e do sentimento que nutria por ele.

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— Lutrelle, tenho de fazer o jantar. Não há muita gente, e estão de saída. O que acha de filé malpassado? Umas pontas de aspargo e vinagrete? Lutrelle levantou-se e saiu. Quando só restava o seu perfume no ar, Abby enterrou o rosto entre as mãos. A porta escancarou-se. — Oh, doçura! Esqueci de lhe dar isto aqui! Estendeu a Abby um envelope amassado. Maison Pays des Fees. As entranhas de Abby se enregelaram. Seu emprego. Algo estava errado. Podia sentir a má notícia ao olhar para o papel.

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Capítulo 6 Ian parou de beber depois de três doses de uísque. O álcool entorpeceu parte de sua raiva. Queria esmurrar Fred Walsh. Ele não merecia um soco, merecia um pontapé no traseiro. E Lance. Esse merecia outro soco e um chute nas bolas. Tia Phillippa merecia uma descompostura, mas ouvira o que merecia. E tio Clarence... o que faria com aquele ali? Nada. Ou, talvez devesse fazer alguma coisa. O sujeito era uma sanguessuga. E aquela esposa? Pensando bem, eram feitos um para o outro, um casamento dos céus. Não como o dele. Não como... Abigail. Ah, aqueles cabelos cacheados, os olhos maravilhosos. Ela era tão cheia de vida. Tão apaixonada. Tão generosa... Então, lembrou-se de que ela quebrara sua confiança. Contara aos Walsh sobre Peter. Fizera dele um objeto de pena... Iriam ajudar o "pobre pedinte" por causa do "coitado" do irmão morto. Pervertidos. Não, aqueles dois queriam algo em troca também, queriam que ele se prostituísse, malbaratasse sua herança, recriasse Bowness Hall nos Estados Unidos para gozo deles. Para o inferno! A raiva correu por suas veias, obrigando-o a fazer alguma coisa. Quando levantou-se, porém, as pernas vacilaram e os braços penderam, como se adormecidos. Arrastou-se até o corredor, parando no meio do caminho entre o banheiro e a cama, tentando saber onde se amontoar. O estômago tomou a decisão por ele. Ian acordou no escuro. Sua cabeça martelava. A boca tinha gosto de cabo de guarda-chuva. Ao se erguer, um gemido ecoou pelo quarto. Custou um pouco até que percebesse que viera de sua garganta. Com um andar arrastado, seguiu para o banheiro e lavou o rosto com água fria. O homem no espelho tinha um ar cansado e desditoso. A barba crescida o fazia pensar num ladrão, não num conde. Se não tivesse tão aborrecido consigo mesmo, ele se barbearia para aparecer diante dos hóspedes que continuavam em Bowness Hall. Céus! Nem sabia que horas eram! Devia ser tarde. Talvez todos estivessem na cama. Talvez pudesse entrar sorrateiro no quarto de Abby. Fazê-la explicar a perfídia, a parte que tivera naquele desastre. Quem sabe isso servisse para tirá-la da cabeça. Expurgasse seus sentimentos por ela. Faça isso. Assim, quando ela for embora, não vai deixar um buraco em seu coração. Ele poderia preenchê-lo de raiva. Poderia descarregar sua frustração na única pessoa com quem remotamente se sentira ligado além dos laços de sangue. Talvez funcionasse. Ela não estava no quarto. Ian parou diante da porta aberta, a raiva vulcânica fazendo sua cabeça latejar. Entrou. Verificou o armário no quarto. As poucas roupas que ela trouxera estavam lá... aquele vestido preto que se agarrava aos seios,

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modelava os quadris roliços... Escorregou os dedos pelo tecido sedoso. O cheiro prendeu-se à sua mão e, apesar da raiva, aquilo o excitou. Onde estava Abby? Correu para a cozinha e, depois, para fora. Nada se movia nos jardins. Apressou o passo. O cascalho cantava sob seus pés, e o fez recordar-se daquela primeira noite quando encontrara Abigail na trilha. Ela deixara uma marca de dentes em sua mão, que começava a formigar agora. Mais alguns passos apressados, e ele parou. Um ruído. Um murmúrio? Um suspiro? Talvez uma coruja, um rato-do-mato. Não. Apurou os ouvidos. Ian saiu correndo e, então, estava na tumba. Olhou ao redor da pequena clareira, esperando encontrar Abby de pé no meio. Esperando por ele. Pronta para enfrentar sua ira. O que ele não esperava era uma figura agachada contra as grades que protegiam o túmulo de Arthur. A lua iluminou-lhe o contorno com um brilho azulado. Abby ergueu o rosto, e Ian ficou paralisado. Mesmo seu coração parou de bater ao ver os rastros das lágrimas como dedos de prata ao luar. — Se escondendo de mim? Ela encarou-o, assustada e, então, levantou-se devagar. — Precisamos parar de nos encontrar assim. O que faz aqui a essas horas da noite? — Vim procurá-la. Há algumas coisas que tenho de lhe dizer e dizer agora. Abby enxugou as lágrimas com o dorso da mão. Ian ia pegar o lenço, mas lembrou-se de que estava zangado e deixou a mão cair. Abby recuou, parecendo assustada. — Que inferno, mulher. Não vou bater em você! Não resolvo as coisas aos murros. Nem com aqueles que se voltam contra mim. — Que se voltam contra você? — Quem lhe deu o direito de contar a eles sobre Peter? — O quê? Como se ela não soubesse. — Meu irmão, Peter. Por que contou aos Walsh sobre ele? Ninguém sabe dele, ninguém precisava saber. Ele era meu irmão. Morreu. Herdei o título de meu pai. Ponto final, fim da história. — Ian enterrou as mãos nos cabelos. — Eu lhe contei sobre Peter em confiança. — Falei sobre Peter para que eles pudessem compreender por que era tão importante terminar Rivendell. Não dei todos os detalhes. — Não tinha esse direito. Como pôde mencionar meu irmão a eles? — Pensei que os Walsh precisavam saber da história de Peter para que entendessem o quanto o projeto significava para você. Ele soltou um palavrão. — Você fez com que tivessem pena de mim. — Oh, não, eu só quis ajudar. — O que deu em você para falar de mim e de minha... situação?

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A raiva o espicaçou, e Ian levantou-se, olhando para o céu noturno. Um grito de sofrimento e angústia brotou de sua alma. — Vá embora, Abigail. Somos de dois mundos diferentes. Não consigo entender o seu e você por certo não pode compreender o meu. A faca verbal transpassou o coração de Abby. Talvez fosse melhor que ele dissesse tudo o que tinha a dizer. Mas ela também tinha umas poucas coisas para desabafar. — Olhe aqui, seu emproado. Você me pergunta o que me deu o direito de contar aos Walsh sobre Peter. Eu lhe direi, por que você jamais descobriria por si próprio. Fiz isso porque quando a gente ama alguém, é isso o que se faz. A gente tenta endireitar as coisas, tenta ajudar, não importa como. Tudo que se quer é que a outra pessoa seja feliz. Pelo menos, eu acho que deve ser assim. Por isso, eu fiz o que fiz, seu asno. Ela socou-o no peito. Com força. Então, derreteu-se em lágrimas e se afastou. — Estava fazendo o papel de noiva? — Você disse que eu deveria agir como se o amasse. Foi isso que me veio à mente. Pensei que estava certa. Senti que tinha de fazê-lo. Os Walsh entendem o amor, mesmo que você não entenda. E não precisa me mandar embora. Eu vou, amanhã. Seus joelhos tremiam tanto que precisou sentar-se na lápide. — Não posso pagá-la de volta, Abigail. Terei de arranjar uma venda particular de algumas coisas. — Não se preocupe. Voltarei para casa para morar com meus pais enquanto procuro emprego. Você pode me mandar o dinheiro quando o conseguir. — Você me disse que o emprego de seus sonhos começava na semana que vem. — Acabou. Ian aproximou-se, estendeu a mão e segurou-a pelo queixo, para fitá-la dentro dos olhos. — O que aconteceu? — O restaurante abriu uma semana antes do programado. Tentaram entrar em contato comigo, evidentemente, e não puderam. Lance deve ter atendido o telefone, e é provável que tenha dito que eu não morava mais lá. Quem sabe? Recebi uma carta, e o gerente disse que tentaram me localizar e, quando não conseguiram, tiveram de contratar outro chef. — Como recebeu a carta? — Lutrelle me trouxe. Pegou na caixa do correio antes de Lance. Expurgada toda a raiva, Ian sentiu que algo restava dentro dele... algo que não sentia fazia um longo tempo. Ao fitar os olhos cheios de lágrimas de Abigail, teve a impressão de ver o seu próprio coração. O amor ao qual mal se adaptara transbordou. O que ele interpretara como um comportamento indigno fora motivado por amor, ou pelo menos um falso amor. Será que lá no fundo, bem no fundo, Abigail sentiria algo por ele? Poderia amá-lo, mesmo que um pouquinho? — Abigail — ele murmurou. — Sinto muito. Abby fungou.

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— Não, Ian. Eu sinto muito. Estraguei tudo. Não deveria ter sido tão impulsiva. Depois do que seu tio disse a Fred Walsh, achei que poderia defender sua causa, mas acho que tudo que fiz foi constrangê-lo. Nunca teria agido assim se não sentisse em meu coração que era o certo. Abigail pensara em tornar as coisas melhores para ele depois que seu tio... espere um pouco. Tio Clarence? — Abigail, o que disse sobre tio Clarence? — Ouvi seu tio e Fred conversando enquanto jogavam sinuca na outra noite. Seu tio estava dizendo a Fred que ninguém emprestaria dinheiro a você aqui na Inglaterra. — Ele disse isso? — Disse que nenhum inglês em sã consciência investiria em seu projeto. Achei horrível da parte dele dizer isso. — Maldição! Alguém o prejudicar de propósito, tudo bem. Mas seu próprio tio? Clarence tinha dinheiro para viver como um nababo. Sempre tivera. Era ele o traidor. Não Abigail. Ian avançou um passo. Respirou fundo. Abby fizera tanto por ele... Esforçara-se tanto, e sentia-se mal por tudo ter sido em vão. Sem pensar, inclinou-se e beijou-a com ternura. O ar faiscou em torno dos dois, e a eletricidade aumentou quando ele a puxou para mais perto, para sentir cada curva, cada saliência, os pedaços a se encaixarem num molde perfeito. O gemido que ela deixou escapar o encheu de desejo. Ian afastou-se e a fitou. Abby continuava dentro de seu abraço, de olhos fechados, com as lágrimas a brilharem como diamantes entre os cílios. Tudo pareceu entrar nos eixos. A mulher em seus braços, as sensações maravilhosas que o percorriam, a começar do peito e a descer pela virilha. Ele a desejava; queria possuí-la, arrancar-lhe as roupas e se desnudar e fazer amor com ela... para ela. Hesitou, porém. Precisava de um sinal, algo que lhe dissesse que ela sentia o mesmo. Abby abriu os olhos. Ouviu-o respirar fundo, num arquejo rouco. Percebeu que a ereção se comprimia contra seu ventre. Ian a desejava. Podia ler em seus olhos toldados, facilmente visíveis com a estranha luz pulsante que os rodeava. Numa voz estrangulada, Ian murmurou-lhe o nome. Ela entendeu. Também queria a mesma coisa. Correu os dedos pelos lábios dele. E, então, ergueu-se na ponta dos pés e puxou-lhe a cabeça para baixo, beijando-o com uma ansiedade que surpreendeu a ambos. Apesar do calor, ela estremeceu. Ian pegou-a no colo, beijou-a com uma intensidade selvagem e apertou-a com força contra o peito. E rumou para Bowness Hall. Ian levou-a para seus aposentos. Envolvidos na luz cintilante como estavam, Abby via tudo e não via nada, aninhada naqueles braços fortes. As nuvens esconderam a lua, lançando o mundo em sombras profundas, mas nada a assustava. Nada.

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Todos os sentimentos que negara, irromperam, redemoinhando pelos lugares que ela ansiava que Ian tocasse. O desejo palpitava, uma coisa viva, independente, em seu sangue apressado. Ela queria, mesmo que apenas uma vez, que Ian a tomasse. Mesmo que, pela manhã, retornassem às suas vidas solitárias. Pelo menos teria a lembrança daquela noite mágica. Chegaram à porta do quarto, ao santuário em que Abby nunca penetrara. A porta abriu-se sozinha, como se empurrada por mãos invisíveis. Só podia ser magia. Que outra explicação poderia haver? Aquela luz a circundá-los, movendo-se ondulante como uma coisa viva, aquele sentimento tão forte, tão urgente, de que fizessem amor. Era parte da magia? Ou apenas desespero de sua parte? Ao entrar, logo depois do limiar, Ian apertou-a gentilmente contra o peito e depois, lentamente, deixou que ela escorregasse por sua ereção, e desceu-a até que os pés dela tocaram o chão. Soltou-a devagar. Abby estendeu a mão por baixo da camisa, tocando a pele macia e quente de seu peito. Aconchegou-se, os seios a se contraírem ao contato. Num gesto lento, ela tirou a mão de sob a camisa e começou a abrir os botões. Um som rouco escapou da garganta de Ian. Ele estremeceu, e Abby sentiu a confiança crescer. Camisa aberta, Ian arrancou-a, apressando o passo. Uma barreira se fora. Abby deslizou as palmas das mãos pelo peito forte, pelo plano dos músculos, sentindo cada vale, cada ondulação. A luz faiscou quando ela esfregou os mamilos. Ian sentiu-se incendiar por dentro. — Minha vez — resmungou. Abby tirou o casaco, deixando-o cair ao chão. Ian empurrou-o com o pé para longe e aproximou-se. O suéter subiu devagar, centímetro a centímetro até descobrir o sutiã rendado. Ele puxou o fôlego, e um sorriso surgiu nos lábios de Abby. A luz azulada cintilava numa dança misteriosa em torno dos dois. Ian tirou-lhe o suéter, deixando-a só com a peça delicada. Lentamente, com cautela, lutou contra o instinto, não querendo assustá-la com seu desejo devorador. — Deslumbrante — murmurou, rouco de paixão. — Tal como eu imaginava... Inclinou-se e pousou os lábios nos dela, num beijo voraz em que percebeu a indisfarçável acolhida. Abby deixou que ele a invadisse com a língua. A necessidade, quente e desvairada, o tomou. Os músculos, agora de aço, ansiavam por esmagá-la e sentir toda a gloriosa extensão daquele corpo macio contra o seu. De novo ele a ergueu no colo e, desta vez, levou-a para a imensa cama que ele jamais compartilhara com outra pessoa. — Quero vê-la por inteiro, Abigail. Quero tocá-la... preciso tocá-la. Abby sorriu.

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Ian debruçou-se sobre ela, distribuindo beijos pelas faces, pelo pescoço, pelo vale entre os seios. Depois de soltar o sutiã, admirou os seios perfeitos por um instante, enchendo as mãos com a suavidade quente, beijando os mamilos até que se erguessem, duros. Sugou um primeiro, com força, esperando a reação de Abby antes de tocar o outro. E Abby reagiu arqueando-se para trás, encorajando-o com gemidos ansiosos, e retorcendo o corpo. Num gesto provocante, ela o puxou pelo cinto. Relutante em desviar a atenção dos seios, ele empurrou-lhe a mão para mais embaixo. Abby correu os dedos pelo volume pulsante e, com uma lentidão aflitiva, voltou ao cinto. Custou muito tempo para abri-lo, na percepção de Ian. Apressado, ele cuidou do resto, livrando-se do confinamento das roupas. Os olhos de Abigail se fecharam, e um sorriso curvou os cantos de sua boca. Ian retornou à deliciosa tarefa, beijando-a, as mãos agora deslizando pela pele macia. Abby acariciou-o hesitante. E ele afastou-se para fitá-la. — Deus do céu, Abigail... como eu a quero! Beijou-lhe o umbigo e sentiu o prazer ondular a musculatura. Mais ousado, enfiou a mão pelo cós da calça e sorriu ao perceber que nada mais bloqueava o caminho. Com perturbadora lentidão, correu o zíper até embaixo, para depois livrá-la dos jeans e jogá-los por sobre o ombro. Estavam ambos nus. Mas a ansiedade os deixou separados apenas por segundos até que o desejo superasse a repentina hesitação. Ela era realmente adorável. Minúsculas letras pretas destacavam-se no quadril esquerdo. Uma tatuagem: "'Beije a cozinheira!". Nossa! Exultante com a descoberta, ele a beijou bem ali. — Ian, não pare... Abby deslizou a mão pelo bíceps pronunciado e desceu pelo braço até agarrá-lo pela mão e deslizá-la por seu ventre. Ian tomou-lhe a boca, num beijo demorado, para depois mordiscar-lhe o pescoço e a curva dos seios, antes de sugar as pontas rosadas e provocá-las com a língua até que Abby se encolhesse de prazer. Então, sua mão desceu até o triângulo entre as pernas, parando no ninho de pêlos macios para acariciá-los e escorregar pela tenda úmida, antes de enterrar o dedo na quentura deliciosa. Abby reagiu como quem recebe uma descarga de mil volts. E, em poucos movimentos, Ian levou-a ao êxtase. Com um suspiro fundo, ela afastou-se, e Ian a fitou. — Quero tocá-lo também. Ele parecia feito de aço envolto em cetim. Os músculos, tensos e impressionantes, convidavam Abby a explorar aquele corpo másculo e belo. Abby levantou-se, disposta a marcá-lo com beijos em brasa, como Ian fizera com ela, e começou a mordiscá-lo pelo pescoço e pelos ombros, pelo peito forte. E o tempo todo, ansiou que ele pudesse amá-la do jeito como o amava. Não era uma mera paixão, uma relação íntima como já vivenciara antes. Cada movimento que ela fazia espelhava-se nos olhos de Ian como algo por muito tempo esperado.

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Com toda a lentidão, ela abriu os dedos e deixou-os percorrer a trilha até embaixo, deliciando-se a cada contração, a cada gemido rouco. Ian tinha os olhos cravados nos seus e, quando ela circundou a ereção rígida, ele arquejou, puxando o fôlego, e gemeu, jogando a cabeça para trás. Quando ela o tomou na boca, Ian não conseguiu suportar aquela nova agonia. Mergulhou o dedo dentro da cavidade macia e moveu-o numa cadência ritmada. Debruçou-se sobre ela, e tomou-lhe as mãos. — Abigail... Abby... abra os olhos — murmurou. Quando ela o atendeu, penetrou-a. Que quentura! A suavidade escorregadia o rodeou, e a sensação... Ah, a sensação era perfeita. Era onde ele tinha de estar. Com aquela mulher. Tentou controlar-se. Refreou-se e acompanhou-a até que se moviam em sincronia. O tempo perdeu o significado; a realidade não mais existia; nada mais havia do que Abigail e ele, entrelaçados, movendo-se num outro mundo, de luz e calor, paixão e amor. Explodiram juntos. Fachos de luz prateada mesclados com ouro criaram uma aurora boreal no quarto. Sensações intensas, poderosas, que ameaçavam dilacerar a ambos brotaram de seus corpos. Ian gritou-lhe o nome ao mesmo tempo em que Abby soluçava o seu. Ondas de choque, como um terremoto secundário o sacudiram, e Ian pensou que acabara de morrer. Abby deixou-se ficar largada, frouxa e imóvel nos braços de Ian. Era egoísmo de sua parte ficar ali, sentindo a energia, o calor, respirando o cheiro e provando o gosto de Ian nos lábios? Sabia que precisava ir embora enquanto ele dormisse. Não faria bem algum acordá-lo, fazerem amor outra vez para depois se separarem enquanto ela se preparava para deixar a Inglaterra. Contudo, Ian lhe dera uma paixão que jamais conhecera. Nunca antes ela sentira a junção de corpo e coração que vivenciara com ele. Era tudo que sempre esperava que fosse um ato de amor. Seu inglês nervosinho tinha um outro lado, um que mantinha escondido, fazia muito tempo. Quem imaginaria que aquele homem que rosnara para ela no avião seria um amante tão maravilhoso? E quem pensaria que ela se apaixonaria pelo dragão empertigado que quase a expulsara daquela casa? ' E agora, ela tinha de ir embora. A tristeza minou como um poço, lembrando-a que, desta vez, a culpa era dela. Desta vez, o homem não a atraíra com falsas promessas de amor imorredouro. Fora franco e sincero desde o primeiro instante. Tinham um acordo de negócios. Ela perdera dinheiro, perdera o emprego, mas não se importava. Fizera tudo voluntariamente e sabendo onde se metia. Ian não a enganara. Não era como Lance ou qualquer um dos outros a quem ela entregara o coração. Ian o roubara. E Abby sabia que ele moveria céus e terras para devolver o dinheiro que lhe devia. Não importava agora; ninguém emprestaria o dinheiro, e ele teria de vender algo precioso.

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Talvez houvesse um meio de resguardar o bom nome e arranjar dinheiro para pagá-la numa venda particular. Algo bem pequeno e valioso. Como o anel que ainda usava no dedo. Ela remexeu-se, pensando em tirar o anel. No sono, Ian apertou-a contra o corpo. Ansiosa por ficar presa naquele abraço para sempre, e sabendo que isso não aconteceria, deixou-se invadir pela sensação de ser querida e, relutante, mergulhou no sono. Com Abigail em seus braços, o corpo voluptuoso enroscado ao seu, os cabelos macios espalhados por seu peito, a mente de Ian girava num torvelinho. Tinha de haver um jeito de mantê-la na Inglaterra. Tinha de haver um jeito de fazê-la se apaixonar por ele. Era esse o seu maior desejo. Maior que concluir Rivendell. Maior que preservar seus domínios. Queria Abigail. O modo como ela o fazia sentir-se ia além de qualquer coisa que eleja experimentara na vida. Era amor, puro e simples. De sua parte, quer dizer. Achava que Abigail compartilhava desses sentimentos. Esperava que sim. Desejava que fosse de verdade. Se pelo menos ela dissesse que o amava... Talvez, ponderou, devesse dar o primeiro passo. Seja ousado! Atreva-se a esticar o pescoço e se declarar. Não era assim tão fácil. Nenhum homem se arriscaria a ser magoado. Ian pesou os prós e os contras. Abigail poderia pensar que era uma forma de ele se descartar da dívida. Não! Abigail não era assim. Era a pessoa mais generosa que já conhecera. Agora que ela perdera o emprego em Nova York, ele poderia usar sua influência em Londres e em qualquer cidade próxima para encontrar um lugar de prestígio. Ela poderia escolher onde trabalhar, se realmente quisesse se dedicar à culinária. Bowness Hall tinha condições de receber hóspedes para jantares especiais... nos feriados, em festas e banquetes, ou coisa assim. Explorariam todas as opções juntos. Abigail mexeu-se e respirou fundo, roçando o joelho contra o "orgulho da família", e Ian sentiu o membro ganhar vida. Fitou-a, pensando em ver aqueles olhos cheios de promessas, mas a respiração continuou tranquila. Ela estava dormindo. Quando Abby respirou fundo, enchendo os pulmões, detectou o cheiro delicioso de Ian. Ele a apertava nos braços de novo, desta vez beijando-a na testa. A suavidade do toque relembrou-a da noite de amor. Se abrisse os olhos, o sonho desapareceria, e a noite teria um fim. Teria de encará-lo, no claro, sem a égide da magia e das emoções sem controle das últimas horas. Pestanejou, a visão turva, e se deparou com uma expressão terna e estranha. Os lábios, tão próximos, se abriram num sorriso que pareceu despertar todos os seus sentidos. Se o fitasse, Ian leria sua alma, descobriria o que ela sentia por ele. Baixou os olhos. — Ora essa, vai se fazer de tímida agora? — A voz de Ian ressoou profunda. — Abigail, olhe para mim. Não, por favor, não esconda o rosto! Abigail... eu quero... eu gostaria de...

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Ian resmungou algo ininteligível, e quando Abby tentou se afastar, seus braços a prenderam, recusando-se a soltá-la. — Abigail... — ele murmurou, impaciente. — Há algumas coisas sobre as quais devemos conversar. Era agora. Ele iria afagar-lhe a cabeça e agradecer por toda a ajuda, dizer como faria para pagá-la. Abby sabia disso. Ian queria deixar tudo certo entre os dois antes de enxotá-la da cama. Bem, ela não tornaria as coisas mais difíceis para ele. Ian não era o tipo de homem que gostaria de vê-la toda emotiva e sentimental. E certamente não iria tolerar qualquer expressão de remorso de sua parte. Abby tentou sentar-se para sair da cama. — Não, por favor, Abigail. — Ele a segurou pelo ombro. — Isso não é necessário, Ian. Não quero que você pense que tem que me explicar, conversar, fazer algo. O que aconteceu... bem, aconteceu. Foi ótimo, mas já é de manhã e é hora de levantarmos e agirmos como dois adultos responsáveis mais uma vez. — E assim que você se sente? Acabou porque é de manhã? A noite foi apenas algum tipo de anormalidade e agora, dia claro, não precisamos falar sobre isso? Não precisamos dizer nada a respeito? — Não quero que pense que tem de me dizer palavras doces, ou fazer promessas que não pode cumprir. Ou não quer cumprir. Sou uma mulher crescida. Eu queria... ficar com você na noite passada, e não me arrependo. Mas é de manhã. Tenho coisas a fazer, despedir-me de algumas pessoas, arrumar minhas coisas. E, depois, há Tish. Quero conversar com ela. E com Lutrelle, tenho de saber para onde vai. E há os Duxbury... toda a gente que eu nunca... provavelmente nunca mais... verei... As palavras morreram com um soluço. Abby virou a cabeça, envergonhada por estar chorando na cama com ele, nu, mais belo e másculo que qualquer homem que ela já vira na vida. Se olhasse para aqueles braços que a seguravam, se lembrasse de como se sentira segura e protegida dentro deles... E para aquelas mãos longas... tão experientes e ternas... ela não teria coragem de se afastar. — Abigail, por favor, não faça isso. Ela virou-se para fitá-lo, apesar de não querer. — Não faça o quê, Ian? — Não me deixe assim. Espantada, Abby fitou-o, esperando que dissesse mais alguma coisa. Momentos se passaram, Ian não disse mais nada. Talvez ele quisesse fazer amor de novo, pensou. Fazer sexo, para ele! Mas não dava. A menos que retribuísse o que ela sentia. E ele não poderia. Não o conde de Bowness, Ian Wincott, o homem de controle férreo sobre as emoções; o homem que ainda sofria com o irmão morto e a mãe que o abandonara; o homem que se zangava quando alguém falava de amor. Tentou livrar-se da mão que a segurava e, a princípio, Ian quis mantê-la nos braços, mas depois a soltou. — Tudo bem. Não tentarei retê-la. — Sua voz soou oca e resignada.

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Abby levantou-se e começou a recolher suas roupas, enquanto Ian continuava deitado, um perfeito Adônis, enrolado nos lençóis; na expressão, uma máscara de impassibilidade. Ela foi até o banheiro, e fechou a porta, vestiu-se depressa e lavou o rosto. E já que não poderia ficar ali pela eternidade, abriu a porta e apressouse a sair do quarto, de costas para a cama o tempo todo. Pensou tê-lo ouvido chamar o seu nome. Se realmente chamara, ela não deu atenção. Chutado, era como ele se sentia. Seu corpo doía de desejo por Abigail, e ela, aparentemente, nem ligava. Depois da noite que tinham compartilhado como ela poderia simplesmente sair andando e ir embora? Por que não quisera conversar? Tudo quanto era mulher gostava de conversar, ora! Ela falava com estranhos, com sua irmã, com seu mordomo, com os cavalos, vacas, porcos e galinhas. Falava com o açougueiro, com os guias, com o motorista do táxi, com Brian Brightly, pelo amor de Deus! Mas não com ele! Pelo menos, não naquela manhã, quando ele mais queria ouvir a alegria provocante daquela voz, o sotaque ianque e os arquejos suaves dos gemidos de quando tinham feito amor. Até se acostumara com os gritos! Com as discussões, quando o chamava de imbecil e aristocrata pomposo! Almofadinha. Suportaria qualquer daqueles nomes, contanto que fosse Abigail a dizê-los. Tinha de deixá-la pensar. Era o que ela precisava fazer. E ele precisava encontrar o tio e confrontá-lo com a história que soubera por Abigail. Ao seguir pelo corredor até a cozinha, ainda abotoando a camisa, pensou nas mãos de Abigail a brincar em seu corpo. Maldição! Era melhor lembrar-se de outra coisa, ou não teria condições de ver o tio, muito menos de conversar com ele. Ah, seu tio... Sempre pensara em Clarence como um sujeito inofensivo, nada mais que uma sanguessuga. Dificilmente um homem de negócios, alguém que fizesse outra coisa a não ser falar em cavalos e beber uísque no clube. Mas pelo jeito se enganara. Ao entrar na cozinha, alegrou-se. Só de pensar em Abigail trabalhando ali, seu coração se aqueceu. Chá. Queria um chá e talvez umas daquelas coisinhas com canela que ela fizera dias atrás. Que criatura incrível... Conseguia produzir maravilhas com ingredientes simples. Parecia magia. Magia. Sua mãe falava em magia. Depois de tantos anos, surpreendeuse, ainda acreditava nisso. E a noite passada! Certamente fora mágica. Ver o poder de Abigail coruscar na luz brilhante, senti-la preenchê-lo de desejo, fora magia de primeira grandeza. Digna de Merlin. Digna de Abigail Porter. O devaneio dissipou-se quando seu tio apontou a cabeça na porta da cozinha. E sem dúvida o velho teria recuado se ele não o chamasse. — Entre, tio. Não há ninguém aqui, como pode ver. Abigail deixou uns pãezinhos doces prontos, e eu fiz chá. Venha, junte-se a mim. Clarence entrou e aproximou-se da mesa. Pegou um dos pãezinhos e o cheirou, antes de morder. — Isto aqui é muito bom.

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Ian bebeu um gole de chá, pensando em como poderia confrontar o tio. — Então, tio, ouvi dizer que tem estado muito ocupado ultimamente. Clarence engoliu o bocado, e empalideceu ligeiramente. — O que quer dizer com isso? — Muito ocupado conversando com Fred Walsh, pelo que sei. Clarence engasgou-se, e tomou um gole de chá. Tinha um ar cauteloso, ao pousar a xícara no pires. — Olhe aqui, Ian. Eu só contei a ele que você não teve sorte em conseguir financiamento para o projeto. — E que nenhum "inglês em sã consciência" investiria em Rivendell, creio que foi o que disse. — E se eu disse? Não é a verdade? — Não sei, tio. Diga-me o senhor. Nunca tive problemas em conseguir patrocínio ou financiamento. Nunca deixei de cumprir prazos nem ultrapassei o orçamento. Por que, de repente, meu nome e minha reputação não valem nada? — Eu certamente não sei dizer. A risada curta e ríspida de Ian fez o tio empurrar a cadeira para trás. — Veja uma coisa, rapaz. Certas pessoas podem ter perguntado minha opinião, e eu talvez tenha dito a elas que a idéia era bizarra. Em minha opinião, é. Um lar para idiotas e fracos! Não é algo em que um Wincott deva sujar as mãos. Ian levantou-se abruptamente. — Esqueceu de Peter? E assim tão fácil para o senhor esquecê-lo? — Que bobagem! Um condenado a morrer, ele era. Não tinha saúde para prosperar, você sabe disso. — Mas era o primogênito. Substituiu-o na linha da sucessão! Era uma boa coisa que ele morresse, uma conveniência, só que então... eu nasci. Clarence enrubesceu violentamente até a raiz dos cabelos brancos. — E foi uma maldita sorte que ele morresse e deixasse o caminho livre para você, não se esqueça disso. Ian meneou a cabeça. — Eu não queria o título. Não, se Peter tivesse de morrer. — Então, venda-o para mim! — exclamou Clarence, e se debruçou sobre a mesa. Aturdido, Ian não conseguiu dizer uma palavra. Não podia acreditar no que ouvira. Finalmente, sacudiu a cabeça, atordoado. — Recebi uma proposta pelo título uma quinzena atrás, por meio de meu advogado. Devo deduzir que veio do senhor? Ele me disse que a pessoa queria continuar no anonimato até a venda. Eu jamais sonharia, tio, que o senhor cobiçasse tanto esse título. Clarence pigarreou ruidosamente. — Na verdade, eu realmente nunca me importei com o título. Eu tinha tudo que poderia querer sem as responsabilidades do condado, você sabe. Não precisava aparecer no Parlamento, nem brincar de juiz, nada do que seu pai fazia. E cometer erros... coisa que ele jamais poderia fazer, e você também não pode.

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O velho respirou fundo. — Embora eu achasse que seu pai sabia de coisas a que eu não tinha acesso, eu não queria que ele morresse e deixasse os deveres a meu cargo, nem a posição social nem a fortuna. — E o que mudou? Clarence cravou os olhos azuis em Ian. — Daisy. Ela quer ser condessa de Bowness. Toda a vida ela sonhou em ser alguém. E, por mais estranho que isso possa parecer a você, rapaz, eu quis dar isso a ela. Eu a amo, compreenda. Ela me trata como um rei. Faz qualquer coisa que eu peça. Disse que queria ser alguém quando nos conhecemos. É por isso que tem aulas de etiqueta e elocução. Sou um bocado mais velho que ela. Não sei quanto tempo ficaremos juntos. Quero lhe dar a única coisa que ela realmente deseja: um título. Ian olhou para o tio, vendo, não o homem em quem costumava pensar com carinho, o homem cujas excentricidades perdoava, mas o velho tolo hostil e maquinador que sucumbira a uma cara bonita e ao sexo. A pena o invadiu. — Então, resolveu me arruinar com uma palavrinha cuidadosamente plantada aqui e ali? Pegou minha reputação, destroçou-a, só para que sua esposa pudesse ter um título? O meu título? Clarence empertigou-se. — Você disse a mim, a mim, que isso era um fardo. Por que não poderia vendê-lo? — Eu tinha dezesseis anos quando lhe disse isso, quando era mais um sofrimento que um prazer. — Precisa de dinheiro para terminar Rivendell? Não encontrará em lugar nenhum, Ian. Não aqui na Grã-Bretanha. Pode tentar no continente, mas duvido que consiga. — Era essa sua ideia o tempo todo? Queria forçar-me a vender o título? Tudo bem. Quanto vale para o senhor, tio Clarence? Vale um milhão de dólares por século? Toda cor sumiu do rosto do velho. — Ora, seu tolo! Posso comprar vários títulos por muito menos. Ian sorriu. — Então, faça isso. E chame seus "trombadinhas", tio. Eles terão de fazer melhor do que apontar a faca em minha cara para me obrigar a vender alguma coisa para o senhor. — O quê? Que bobagem é essa9 — Clarence esbravejou. — Abigail e eu fomos ameaçados em Londres por um sujeitinho patético que queria dinheiro para drogas. Mas será que não foi o senhor que o mandou para acabar comigo de uma vez? Isso deixaria Bowness para o senhor, não deixaria? — Eu jamais faria uma coisa dessas! Como ousa pensar isso de mim? — Eu ouso pensar qualquer coisa, tio, e nem sei até onde chegaria. Assassinato não leva mais ao cadafalso, mas ainda é crime. Ian viu o tio estremecer, percebeu como a acusação o afetava. — Creio que é melhor deixar Bowness, tio Clarence. Não posso permitir que um parente me apunhale pelas costas.

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O tio empertigou-se. Ao chegar à porta, parou no limiar. — Jamais mandei alguém para lhe fazer mal, Ian. Você é meu sobrinho, pelo amor de Deus. — Peter também. E o senhor o deixou apodrecer naquele hospital. — Dever! — ele berrou. — Oh, o dever. Esqueci. — Virando as costas para o tio, Ian olhou pela janela, atormentado. Precisava encontrar Abigail. O antigo carrinho de chá rangia pelo corredor atapetado quando Abby o empurrou para os aposentos de Duckie. Estava arrumado com a mais bonita porcelana e talheres de prata, e delícias dignas da realeza. Quando bateu à porta, alguém abriu-a, e Abby empurrou o carrinho para dentro. Duckie estava sentada num divã em frente à lareira, e seu rosto iluminou-se quando viu o que ela trouxera. — Eu não lhe disse que Abigail era um encanto? Abby olhou para ver com quem a governanta falara. Uma mulher fechava a porta sem ruído e depois veio até o divã. — Sim, é tudo que você disse que era, Duckie. Alta, elegante, talvez por volta de uns cinquenta anos, vestida num conjunto verde feito sob medida, de olhos da mesma cor do traje, a mulher era a criatura mais impressionante que Abby já vira na vida. Os cabelos loiros, da cor dos trigais, com ligeiras luzes mais claras, estavam penteados num coque francês que dava a ela um ar impecável. Abby não a reconheceu, até que a mulher sorriu. — Você é a senhora que leu minha sorte! — Sim, Abigail, sou eu. Duckie fez um gesto para que elas se sentassem. — Que gentileza, Abigail. Eu ia pedir a John que arrumasse um pouco de chá e você me poupou o trabalho. E que banquete delicioso! Sente-se, por favor, quero apresentá-la à minha visitante. Meu pescoço dói se ficar olhando para cima. Abby sentou-se, e Duckie virou-se para a senhora. — Rhiannon, você se importaria de pegar outra xícara e o pires? Era óbvio que a mulher conhecia os aposentos. Desapareceu na pequena copa e retornou com outra xícara. Abby percebeu-se admirando a visitante. O sotaque americano soava claro embora suavizado pelo regional. Poderia passar por inglesa. — Abigail Porter, esta é Rhiannon Wincott. O chá derramou da xícara antes que Abby se desse conta. — Wincott? — Sim. E não precisa adivinhar, sou a mãe de Ian e Letícia. Abby olhou de Duckie para a visitante. Ambas sorriam, felizes. — Oh, nossa... — Eu queria tanto conhecer a noiva de meu filho antes do casamento... — Sobre isso, Sra. Wincott... receio que eu tenha de dar algumas explicações.

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— Bobagem, menina. Sei de tudo. Duckie me manteve a par da situação desde que você chegou. Sabia quem era você quando foi à cidade com minha filha. Afinal, como uma vidente não reconheceria a pessoa mais importante na vida do próprio filho? — Mas isso foi bem antes de Ian e eu... Eu tinha acabado de chegar a Bowness Hall e seu filho... bem, Ian nem gostava de mim. — Eu sabia que isso iria mudar. — Porém, o noivado... não é para valer. Duckie arquejou de espanto. E Rhiannon Wincott ergueu a mão para acalmá-la. — Você está usando o anel Bowness. — Faz parte do teatro. Ian precisava de uma noiva e eu estava à mão. Duckie começou a torcer as mãos com ar aflito. — Ah, meu Deus, o que está acontecendo? Abby finalmente resolveu contar tudo. Contou como a farsa começara e como terminara num fracasso, por fim. Explicou por que Ian precisava de dinheiro e o que ela ouvira Clarence dizer a Fred Walsh. E soluçou ao dizer que Ian teria de vender o título para conseguir o dinheiro e terminar Rivendell. Duckie começou a chorar. Mas, durante toda a narrativa, Rhiannon Wincott ficara atenta, queixo cerrado. Então, levantou-se da cadeira. — Isso é pior do que pensei — disse. — Mas nada que não possa ser consertado. — Ian me disse que ninguém o ajudará aqui na Inglaterra, depois do que o tio espalhou. — Aquele paspalho. Diga-me, ele tentou passar a mão em você? — Tentou, mais meu garfo acidentalmente o impediu — ela respondeu, sorrindo. — O velho safado. — Rhiannon foi até o aparador da lareira. — Deixeme adivinhar. Você também ouviu barbaridades daquela velha bruxa pavorosa, Phillippa. Ela tentou livrar-se de você? Ameaçou-a? — Fez algumas ameaças e me insultou. E me ofereceu algum dinheiro. Disse que nada perto do que deu à senhora. Rhiannon encarou Abby com franqueza. — Ela lhe contou sobre isso? — Disse-me que lhe deu dinheiro para ir embora, que a senhora o pegou e sumiu. — A história é mais comprida, e creio que é hora de eu contar aos meus filhos o que aconteceu. Rhiannon mal terminara a frase quando se ouviu uma batida à porta, que se abriu, deixando entrar o conde de Bowness em pessoa. — Ah, você está aqui... — O pânico desapareceu da face de Ian ao ver Abby. — Estou procurando por você desde... Calou-se, sem dar mais um passo. Mãe e filho se encararam por um longo instante. — O que está fazendo aqui? — Ian! Por favor, oh, não... —Abbey levantou-se e correu até ele, enlaçando-o pela cintura para que não deixasse o quarto.

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— Abigail, o que está acontecendo? Ela meneou a cabeça. — Não cabe a mim dizer, Ian. E sua mãe quem deseja explicar algumas coisas. Quer conversar com você e Tish. — Por que eu ouviria algo que ela tem a dizer? — Por favor, Ian. Existem coisas que precisam ser esclarecidas entre vocês três. Sei de algumas, não preciso saber mais. Mas peço que dê uma chance a ela... escute o que tem a dizer. Creio que mentiram horrivelmente para você e sua irmã, e você acreditou. Abaixe a guarda, Ian, pelo menos uma vez. Por sua mãe... por mim! — Ela respirou fundo. — Você me prometeu um favor. Estou pedindo agora. — Ela nos abandonou, Abigail. Não se importou em deixar duas crianças serem criadas por outra pessoa. Por que eu a escutaria? — Porque é hora de saber a verdade. Você nunca ouviu a versão de sua mãe, ouviu? Só a de seu pai e de sua tia Phillippa, e os boatos depois. Por que não lhe dá uma chance? — Ouvirei, mas isso não quer dizer que mudarei de idéia. Farei isso porque você me pediu, Abigail. Mas não quero Tish envolvida. — Obrigada, Ian. — Vamos até meu escritório — Ian disse à mãe. Rhiannon Wincott pegou sua bolsa e fez um gesto a Ian para que fosse na frente. — Por quê? Ian sentou-se à escrivaninha. A mulher que o abandonara dezesseis anos atrás estava de pé à sua frente. — Posso me sentar? Ele apontou a poltrona. — O que tem a dizer? — As coisas que aconteceram dezesseis anos atrás estavam além de meu controle. Sinto muito por ter magoado você e sua irmã, mas não havia nada que eu pudesse fazer naquela época. — Ora, diga por que nos deixou, onde esteve, o que fez nesse tempo. Como se sentiu, e eu lhe direi como eu me senti. Contarei como Tish chorou até não conseguir mais chorar. Eu chorei também, até descobrir que você não merecia minhas lágrimas. — E o que você pensa? — Diante do gesto brusco com que Ian respondeu, ela continuou: — Você sabia como sua tia-avó me odiava. Ian olhou pela janela. — Você é americana. E ela detesta os americanos. — Ela se mostrou uma criatura maldosa, Ian. Disse a seu pai que eu vinha sendo infiel a ele fazia muito tempo. Ele a encarou, estudando-lhe o rosto em busca de um ar de falsidade. Não encontrou. — E vinha? — Não, meu filho. Nunca poderia ser infiel ao homem a quem eu amava. E eu amava seu pai de todo o coração. Assim como amava meus filhos e ainda amo. — Rhiannon sustentou o olhar ressentido de Ian. — Phillippa ameaçou contar a seu pai que você não era filho dele, Ian. Ele saltou da cadeira. — O quê? Como ela poderia... teria de comprovar!

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— Você é, em cada célula, um Wincott. Mas Phillippa já espalhara o boato de que eu fora infiel. E seu pai... optou por acreditar nisso. Não havia testes de DNA disponíveis na época. E seu pai jamais se submeteria a eles. Você era seu herdeiro. E ele o amava. Era tudo de que precisava. O que não precisava era de uma esposa marcada por mexericos. Phillippa disse que destruiria a mim e a você, Ian. Disse que iria se certificar de que todos soubessem que você era ilegítimo. Isso o arruinaria, juntamente com seu pai. E eu não poderia permitir que tal coisa acontecesse. Seu futuro estava em risco. — Então, foi embora? Não a enfrentou? — Você significava muito para mim para que permitisse que Phillippa o destruísse. E Letícia! Como seria a vida dela se a história se espalhasse... mesmo que não fosse verdade? — Deveria ter contado a meu pai. — Acha que não tentei? Acha que não fiz tudo em meu poder para fazêlo acreditar? Sem um teste de paternidade, sem a plena confiança em meu amor, não havia nada que eu pudesse fazer. — E foi embora. — Não. Phillippa me disse que depositaria uma boa soma de dinheiro em uma conta, se eu fosse embora. O suficiente para que eu não aborrecesse você ou seu pai pelo resto da vida. Ordenou que eu voltasse para os Estados Unidos e jamais entrar em contato com qualquer um de vocês de novo. — E você, cheia de escrúpulos, pegou o dinheiro... — ele disse, com sarcasmo. — Claro que peguei. Não tinha nada de meu. Meus pais estavam mortos, eu não contava com um emprego, com nada poupado. Fiquei casada com seu pai por dezessete anos, Ian, e nunca imaginei que precisaria de algo a não ser dele pelo resto da vida. Peguei o dinheiro e fui para Londres. John levou-me até lá. Quando chegamos ao hotel, eu desabei. John não sabia o que fazer, o que dizer, mas esse homem bondoso sugeriu um caminho para mim. Agradeço a Deus todos os dias pelos Duxbury, meu filho. Mostraram-se meus amigos desde que cheguei a Bowness Hall, e permaneceram os melhores amigos durante todo esse tempo. A despeito da raiva, Ian agora queria saber de toda a história. Reconhecia uma mentira. E tudo que ela dizia era plausível. Mesmo que ele não quisesse acreditar. — Foi idéia de John que eu fixasse residência em Glastonbury. Ele conhecia algumas pessoas que tinham um apartamento para alugar. Havia apenas a questão de encontrar um meio de vida. E foi fácil. Usei meus dons, e o bom povo da cidade e todo esse mundo de turistas ansiosos me ajudou a ser bem-sucedida. Ela suspirou, com ar cansado. — O melhor era que eu sabia que Phillippa jamais iria se aventurar pela cidade. E seu pai, enquanto viveu, apenas passava de carro pela rua principal, uma ou duas vezes por ano. Eu mudava de aparência. Tanto que mesmo meu próprio filho não me reconheceu quando me viu em Stonehenge, dias atrás. — Um sorriso misterioso surgiu nos lábios de Rhiannon. —Você pensou que eu

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era uma ambulante. Conversamos perto de seu carro... você estava com Abigail nos braços. A cigana! Ela oferecera ajuda. — Era você? Eu jamais a reconheceria. Estava a poucos passos de mim, e eu não vi que era minha própria mãe. — Não era para saber. Estive em Bowness Hall pelo menos uma vez por semana por dezesseis anos e você nunca me viu, Ian. Eu me assegurei disso. Mas deixo aos Duxbury o encargo de contar tudo que se passou em minha vida. Duckie e John guardaram meu segredo. E me contavam tudo sobre você e sua irmã. Ela sorriu, pela primeira vez. Levantou-se e aproximou-se da escrivaninha. — Estou orgulhosa de você, meu filho. E de sua irmã. Quanto eu ansiei por abraçar os dois, ouvir suas histórias, em ajudá-los, por estar com vocês... Mas não poderia arriscar a causar o mal que Phillippa havia jurado fazer a você. Não até que estivesse casado e feliz, ou ela no túmulo. Um frio perpassou pelas entranhas de Ian. — Por que escolheu este momento para voltar a nossas vidas? — Era hora, Ian. Conheci Abigail. Soube pelos Duxbury que estavam noivos. Sabia que aquele odioso Clarence e aquela mulherzinha estavam aqui, assim como Phillippa. Sabia que Abigail era americana e receei que sua tia-avó pudesse arruinar suas chances de felicidade. E sabia sobre os problemas de dinheiro, Ian. Tenho amigos nas instituições financeiras, graças a meus investimentos. Uma semana atrás eu soube que você estava com problemas para levantar financiamentos. Eu não conseguia compreender o que poderia estar acontecendo. Assim, perguntei a Duckie e John e fiquei sabendo que você foi atrás dos investidores americanos. Tive medo de que alguém pudesse interferir em seus planos, como tinham feito na Inglaterra. Os ombros de Ian se retesaram, e seu pescoço estava duro. E ele tentou aliviar a tensão que o consumia. — Estou certa, não estou? — Clarence cuidou disso. Não tenho qualquer chance de conseguir o dinheiro de que preciso. Os americanos me fizeram uma oferta, mas queriam algo que eu não poderia dar em troca. A idéia de meu querido tio ora me deixar tão mal que eu me veria forçado a vender o título a ele. — Não! Não faça isso, Ian. O que seria da tumba de Arthur? Ian espantou-se diante daquelas palavras. — Sabia sobre isso? Rhiannon deu mais alguns passos até que pudesse pousar a mão no braço do filho. — Claro que sei, Ian. Seu pai me contou quando nos casamos. Sei sobre a tumba e o compromisso, e as visitas mensais. E ela não contara a ninguém. Isso significava alguma coisa. Por dezesseis anos, Ian vilipendiara a mulher parada à sua frente, criando um monstro para substituir as lembranças amorosas, até que ela se tornara uma criatura de pesadelo, inumana, algo a detestar. Agora, não sabia o que pensar.

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— Então, Ian, acredita em mim? O ponto onde a mão dela descansava em seu braço começou a formigar. Ela sempre tivera aquela magia interior. Podia suavizar seus machucados de criança apenas com um toque de mão. Disso, ele se recordava. — Não sei em que acreditar. Você ficou longe durante quase a metade de minha vida e, então, de repente, vem e me conta essa história, e eu devo esquecer todo o sofrimento que suportei por tanto tempo? — Respirou fundo. — E quanto a Letícia? O que devo fazer? Chamá-la e dizer: "Oh, Tish, a propósito, esta é nossa mãe e ela morou em Glastonbury durante todos esses anos, e agora quer ser nossa mãe de novo?". E isso? — Não espero que me receba de braços abertos, Ian. Há muito tempo e muito sofrimento entre nós. Espero, contudo, que acredite quando eu digo que eu não queria causar essa dor. Não queria arruinar seu futuro, filho. E, ao vêlo agora, sei que fiz a coisa certa. Você é um homem de sucesso. Carrega as tradições da família, construiu o próprio negócio. Sei como cuida de seu povo. Todos o amam e respeitam. Seria o homem que é hoje se eu tivesse ficado? Se eu tivesse permitido que os boatos destruíssem seu pai e você? Boatos e calúnias ainda controlam a vida dos ingleses, você sabe disso. Ninguém pode se permitir brincar com o escândalo. Você sabe o que os tabloides podem fazer a um homem ou a uma mulher, encurralados entre a verdade e os mexericos. E devastador. E o pecado nunca some. A mancha fica e segue a família inteira para sempre. — Eu compreendo — Ian murmurou. — Só não sei o que fazer. — Deixe-me ajudá-lo. — Pode sacudir sua varinha mágica e tornar minha vida melhor? Pode consertar o que está errado? Pode ser uma mãe de verdade para Tish depois de todos esses anos? — Posso tentar compensar o sofrimento. Posso ajudá-lo, dando-lhe o que você precisa mais. E posso rezar para que um dia você me perdoe. Você sentiu muita falta de amor e isso o endureceu. Talvez com o tempo possa aceitar o amor novamente. — Rhiannon olhou para o filho e viu sua carência, mesmo que ele não visse. — Posso ajudá-lo a terminar Rivendell. — E como se propõe a fazer isso? Ah, deixe-me adivinhar, fez fortuna vendendo cristais e lendo a sorte e auras. — Não ria. Eu me saí muito bem lendo a sorte, como você gentilmente colocou. Mas não é isso que tenho em mente. — Vamos lá, diga-me, como pode me ajudar? — O dinheiro que Phillippa colocou no banco para mim, meu suborno, eu o investi sabiamente. E cresceu, transformando-se numa importância considerável. É seu, Ian. — Está me comprando, mamãe ? — O dinheiro nunca foi meu. Nunca tive intenção de usá-lo. Eu o guardei porque sabia que faria algum bem um dia. E acho que agora é a hora, Ian. Aceite-o, meu filho. Não tenho uso para ele, e você tem. Deixe-me fazer isso por você.

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Por que ele se mostrava tão relutante? Precisava daquele dinheiro, queria aquele dinheiro. Contudo, não conseguia apaziguar a raiva. Não conseguia abrir os braços e dar-lhe as boas-vindas. Havia sofrimento demais em seu íntimo! — Por que não procura Abby e conversa com ela, meu filho? Talvez possa ajudá-lo a decidir. — Creio que é o que farei. E, mamãe, se quiser saber, acho que Tish está nos estábulos. — Ian, que notícia maravilhosa! Abby desviou os olhos para os poucos pertences sobre a cama e deixou escapar um suspiro. Ela arrumava a bagagem e deixara a mente devanear quando Ian batera à porta do quarto. — Ela está me pedindo muito, Abigail. — Claro que está. Está pedindo que acredite que o que ela fez foi por você e sua irmã. Que escolha terrível. Eu não haveria de querer isso para mim. — O que quer dizer? — Quero dizer que ela teve de escolher entre ser egoísta, ficar e deixar que sua vida fosse arruinada pelas difamações de Phillippa, só para estar com você e Tish, ou ir embora e saber que vocês sofreriam com a perda do amor maternal. Ninguém deveria ter de fazer uma escolha assim. Ela fez o que julgou certo, pois pelo menos você não teria de enfrentar o estigma de ser chamado de bastardo... de ilegítimo. — Não me atingiria. — Claro que atingiria. Pense em descer a rua e ouvir as pessoas murmurando às suas costas. — Fazem isso agora. — Sim, mas não o chamam de bastardo. Eles o chamam de conde de Bowness, um belo rapaz. — Um sorriso brincou nos lábios de Abby. Ian desviou os olhos. Abby pousou a mão em seu peito, na altura do coração. — Como se sente a respeito dela, Ian? Você a odeia? Bem no fundo, você detesta sua mãe por tentar protegê-lo? Ian colocou a mão sobre a de Abby, e suspirou. — Eu estava me lembrando de como ela costumava ser maravilhosa. Contava histórias incríveis. Adorávamos ouvi-la contar sobre a vida nos Estados Unidos e de como conhecera nosso pai. Tudo parecia mágico para nós. Abby encolheu-se. Partiria em poucas horas. Ian e Tish seriam apenas lembranças em breve. E a dor da separação crescia exponencialmente conforme as horas passavam. — Ela parece uma pessoa amorosa, Ian. E você me disse que sua mãe costumava visitar seu irmão e que tentava fazer seu pai deixar que ela o trouxesse para casa. Uma pessoa sem coração não agiria assim. Quer meu conselho? E por isso que está aqui? Ao dizer que sim com um gesto de cabeça, Ian percebeu que era exatamente o que queria. Isso, e que ela ficasse na Inglaterra.

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— Pegue o dinheiro que ela ofereceu, use-o sabiamente. Aceite o presente generoso. Como mulher, posso compreender o que sua mãe está tentando fazer. Creia, não acho que ela queira algo mais além de ajudá-lo. E, pelo que vi, ela ficou fora por tanto tempo que está tão apavorada com você como você está com ela. — Não tenho medo de minha mãe. — Não, mas tem medo daquilo que ela pode fazer ao seu coração. Nisso ela não poderia estar mais correta. E não era apenas sua mãe que poderia magoá-lo. Abby poderia matá-lo, depressa, se fosse embora. Ele soube disso naquele instante. Abby poderia magoá-lo muito mais do que sua mãe, se saísse pela porta e o deixasse sozinho. — Quando descobriu isso, Abigail? — Eu sempre soube, Ian. Eu sempre soube. Ian saiu do quarto resignado com o fato de que era provável que permitisse que a mãe voltasse a fazer parte de sua vida. Usaria o presente e construiria o monumento a seu irmão e faria a diferença nas vidas de muitas pessoas infelizes. E seria bom para Tish ter a mãe de volta. Ela precisava de orientação, de carinho, da experiência que a mãe poderia trazer. Abigail cuidara disso. Ao olhar para o relógio, ele se deu conta do pouco tempo que faltava para que ela fosse para o aeroporto e para os Estados Unidos. E, quando partisse, Abigail levaria o seu coração com ela. Saiu para o sol de primavera, e ouviu os passos apressados. — Ian! Ian! Não é maravilhoso? Sua irmã o alcançou, sem fôlego, passou os braços em torno de seu pescoço e beijou-o com exuberância. Um olhar bastou para que soubesse que ela reencontrara a mãe. Reluzia por dentro. Sua irmãzinha transbordava de felicidade. — Estou tão feliz, Ian! Sei que este dia chegaria, e agora chegou! Todas as minhas preces durante todos esses anos. Deve ter sido isso que a trouxe de volta. Ele beijou a testa da irmã. — Onde está mamãe agora? — Seguiu a trilha de cascalho. Vou entrar para me trocar. Depois, iremos para a cidade fazer compras. Não é o máximo? Ela virou nos calcanhares e correu para a casa. Ian sorriu. A tumba parecia diferente no dia claro. Engraçado, a tumba de Arthur parecia velha e enferrujada. Abby tocou a barra da grade e tomou um choque. A onda de eletricidade percorreu seu braço, desceu pelo corpo e aterrou-se nos pés. Deve ser mágica, ela pensou. Talvez seja de onde as luzes surgiram na noite passada. — Então, você sentiu também? Abby teve um sobressalto ao som da voz de uma mulher. Virou-se, e se deparou com Rhiannon Wincott a poucos passos.

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— Sim, um formigamento que me penetrou. — E este é o único lugar em que sentiu essa sensação? — Não, senti a primeira vez na abadia em Glastonbury. Como eletricidade passando por dentro de mim... um fogo branco... não sei como descrever. — E onde mais? Estou curiosa porque poucas pessoas sentem o poder ultimamente. Fingem, ou sentem o vestígio de um zumbido, mas não forte. Mas você... — Houve a ocasião na abadia e depois a noite em que Ian me levou a Stonehenge. Foi realmente forte. Ian disse que era porque a magia estava dentro de mim. Fiquei tão exausta que acho que posso ter desmaiado, porque, depois disso, só me lembro de estar no Jaguar a caminho daqui. — Stonehenge drena o poder de indivíduos mágicos. Tem uma magia tão antiga que consume o poder de quem o visita. A maioria não sente. Você sentiu. Sabe como isso a torna especial, Abigail? — Ora, bem que eu gostaria de acreditar que existe magia em mim, mas se há, nunca apareceu antes. — Em Woodstock não havia magia, mas nós queríamos que houvesse — Rhiannon murmurou, com um sorriso. — Esteve lá? — Quem não esteve? Foi onde conheci meu marido. A mãe de Ian caminhou até a lápide caída e sentou-se. Abby aproximou-se. — Não tenho o direito de perguntar, mas... A senhora o amava? O pai de Ian? — Com cada fibra de meu ser, Abigail. Achava que não poderia respirar a menos que ele estivesse por perto. — Entendo. Quando a gente ama, realmente ama alguém, essa pessoa tem poder sobre nós, mas não é algo sufocante, é liberador. A gente acha que pode fazer qualquer coisa no mundo, contanto que nosso amor esteja ao nosso lado. — É assim que você se sente com relação a meu filho? Abby suspirou. — Eu o amo. Ele me tira o fôlego, provoca arrepios em mim e chega até minha alma, eu acho. Eu não queria admitir porque é unilateral, mas, sim, eu o amo. A princípio, eu queria socá-lo. Era tão puritano, tão metido a besta... — Ela ficou por um instante pensativa. — Mas, sabe, creio que aquela ranhetice era teatro. Um tipo de autodefesa. E Tish o surpreendeu ao me trazer aqui. Ele não tinha uma pista do que estava acontecendo e, no que lhe dizia respeito, eu era uma intrusa... nada bem-vinda. — Acha que ele mudou de ideia quanto a você? — Ah, pouco a pouco. Eu me ofereci como voluntária para assumir as tarefas de cozinha quando a Sra. Duxbury quebrou o quadril. Creio que ele gostou da minha comida. Rhiannon levantou-se, aproximou-se de Abby e pousou a mão em seu braço. — Pode ser mais do que sua comida o que o atraiu em você, minha cara. Meu filho seria um tolo se não correspondesse a seus sentimentos.

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Olhou para Abby, parada, de ombros derrubados, as mãos enfiadas nos bolsos da jaqueta. A tristeza impregnava suas feições. Rhiannon esboçou um sorriso. — Coragem, garota. — Acho que viu meu futuro, só que estava errado. — Quem sabe... Tenha fé. Rumou para a trilha, mas parou por um instante para olhar para trás, para a futura nora. Abby, a própria imagem da depressão, deixou-se cair na pedra de granito e suspirou. Ian quase chocou-se com a mãe. — Ouviu o suficiente, meu filho? — Sim, ouvi tudo que queria ouvir. — Sua face iluminou-se. — Bem, o que está esperando, então? Ele sorriu, transformando-se num homem de uma beleza devastadora. Tão parecido com o pai, Rhiannon pensou. — Eu nunca assinei os papéis do divórcio, Ian. Nunca deixei de amar seu pai, mesmo que ele tenha desistido de mim. E sempre, sempre amarei você e sua irmã. — Eu acredito. Mas agora, mamãe, preciso impedir que um erro terrível aconteça. Pode me dar licença? Ela não teve tempo de responder. Ian já corria até a tumba. A cabeça de Tugger descansava no colo de Abby, e o cão gania baixinho sempre que ela parava de lhe acariciar o focinho. Lágrimas corriam de seus olhos. Ela soluçou algumas vezes, enxugando a face. Enfiou a mão no bolso e sentiu uma coisa macia. O lenço de Ian, aquele que ele lhe emprestara no avião. Tirou-o do bolso, e viu que o dragão vermelho se parecia mais com um cachorro engraçado na insígnia. Apertou-o na palma da mão e resolveu ser egoísta e guardá-lo. Um suvenir de Bowness Hall e de seu conde. Então, o desespero a invadiu. Um lenço amassado em vez do homem a quem amava. Grande coisa. — Abigail! Lá estava ele, parado à sua frente. Abby fechou os olhos, achando que, quando os abrisse, Ian teria desaparecido. Naquele lugar cheio de magia, ele só poderia ser uma ilusão. — Querida, tenho algo a lhe perguntar. Ao ouvir a voz de novo, Abby abriu os olhos. — Ian? Está na hora de ir? — Seu coração afundou-se na tristeza mais profunda. Tugger levantou-se com um uivo suave e afastou-se. — Não, temos alguns minutos de sobra — Ian murmurou, e caiu de joelhos no chão. — Você andou chorando. — Um pouco triste de deixar a Inglaterra. — Isso é tudo? Como Abby poderia lhe contar? — Não sou boa em dizer adeus, Ian. — Temos coisas a cuidar, antes que você vá — ele murmurou.

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— Eu sei. Tome, eu quase esqueci. — Tentou tirar o anel do dedo. — Quero que fique com ele, Abigail. — Oh, não! Ian, você não me deve tudo isso. E é para sua noiva de verdade, não para uma de mentira. — Girou o anel no dedo. — Oh! Não consigo tirar! Estalou! — Ótimo. — Ian, este anel vale... muito dinheiro! E deve ser da mulher com quem você pretende se casar. E não sou eu... não sou eu. — Sim, é você, Abigail. Você é aquela que quero que use o anel Bowness. Quando o colocou, eu disse que servia como se tivesse sido feito para você. Eu tinha razão. Foi feito para você. Eu te amo Abigail. Quero que seja minha esposa. Abby o fitou com ar abobalhado e não respondeu. — Ouviu? Eu te amo. Quero que seja minha esposa e viva comigo para sempre em Bowness. — Está dizendo que quer se casar comigo, Ian? — Sim, disse duas vezes. O que me responde? — Está brincando... É este lugar. Coisas esquisitas acontecem sempre aqui. E algum tipo de sonho bizarro, não é? — Não, creio que não. Abigail não acreditava no que ele dissera. Como convencê-la? Uma lufada de vento arrepiou a grama ao redor da tumba e depois soprou sobre ele. Apenas diga o que se passa em seu coração. A coragem vinha de lugares estranhos, Ian pensou. Talvez ela queira mais palavras, palavras mais bonitas, algo que nasça... do meu coração. Agarrou as mãos de Abby. — Abigail, preciso de magia. Preciso da sua magia. Preciso de sua risada e de seu amor em minha vida. E posso lhe dar todo o amor que tenho no coração para sempre, porque... eu te amo. Por favor, seja minha esposa. Case-se comigo, Abigail! Abby julgou ouvir um assobio atrás das palavras de Ian, à distância, suave, mas sem interferir naquilo que ele dizia. Custou a compreender o significado. E a rebuscar sua alma até as profundezas. Ian falava sério. E ela acreditou em cada palavra. O dragão lhe oferecera o coração. — Ian... Oh, Ian! Como? — Eu te amo, Abigail. E julguei que você poderia sentir o mesmo por mim. Depois da noite passada, não consigo pensar em outra coisa a não ser em você. E em estar com você até que nós dois sejamos tão velhinhos como Arthur aqui. Um sorriso abriu-se no rosto de Abby. — Não pensei que você se sentisse assim. — Céus, mulher! Você me deixa de joelhos moles! Me incendeia e desafia minha paciência o tempo todo. Ando num estado quase constante de ereção só de respirar o mesmo ar que você. Quando me toca, fico louco. Abigail, estou apaixonado por você.

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Numa voz empostada e teatral, Abby exclamou: — Ian, Vossa Senhoria, o honorável nobre conde de Bowness e de vários outros lugares... eu sou louca por você! —Agarrou-o pelo pescoço e puxou-o para perto. — Me beije, por favor, querido. Ian inclinou a cabeça e pousou os lábios nos dela. — Deus meu, Abigail, diga "sim"! Por favor, não posso suportar mais! Ela encheu os olhos com a visão de Ian. Ali estava ele, tudo que ela sonhara num homem. Belo, de ombros largos, inteligente, nobre, um pouquinho nervoso, mas isso era passível de conserto, e... ele a amava. — Fala sério? — Claro que falo sério! Acha que eu estaria aqui de joelhos na grama molhada implorando assim, se não fosse sério? — Isso está mais parecido com você. — Abby riu. — Eu o compreendo melhor quando está berrando, Ian Wincott. — Não estou berrando. — Está. — Droga, Abigail, vai se casar comigo ou não? Ela riu de novo. — Uma mulher que lê a sorte me disse que eu me casaria com um príncipe, sabe? Leu minha aura e disse que me apaixonaria por um príncipe e viveria feliz para sempre. — Bem, Charles está fora de circulação, mas pode ser que o último ainda se encontre disponível. Poderíamos tentar. Uma gargalhada pura e cristalina brotou da garganta de Abby. — Não quero um príncipe. Um conde está muito bom para mim. — Então, vai se casar comigo? — Eu te amo, Ian Wincott. Sim, eu me casarei com você. — Embora eu seja apenas um conde? — Embora você seja esnobe e um tirano, e um homem com um sonho, eu me casarei com você porque te amo, Ian. Eu te amo!

Fim ***

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