(Sabrina157) Amigo, Amante

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Amigo, Amante (Flamingo Park) Margaret Way Digitalizado por: Revisado por: Maryvone Digitalizado por: ValĂŠria O.


Nick Langford era um bom amigo intimo de seu pai, protetor de Kendall desde que ela tinha catorze anos de idade e sua família comprou a fazenda, naquela bela região da Austrália. E era apenas como um bom amigo que Kendall tinha que continuar vendo Nick . Porque, com seus recém-completos dezoito anos, ela não tinha ainda condições de enfrentar aquela emoção violenta, que fazia seu coração bater trêmulo e descompassado. Uma criança é o que ela era. E, por mais que desejasse, por mais que se sentisse desejada por Nick, Kendall não podia revelar nem a si mesma, que amava um homem que era quase um pai para ela...

Copyright: MARGARET WAY Título original: "FLAMINGO PARK" Publicado originalmente em 1980 pela Mills & Boon Ltd., Londres, Inglaterra Tradução: SILVIA MACEDO Copyright para a língua portuguesa: 1981 EDITORA EDIBOLSO LTDA. — São Paulo Uma empresa do GRUPO ABRIL Composto e impresso nas oficinas da ABRIL S.A. CULTURAL E INDUSTRIAL Foto da capa: RJB LIBRARY

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CAPÍTULO I Estava muito quente! Kendall ia esperar só mais dez minutos, então guardaria tudo e iria para a praia. Aquela tarde tinha sido bem-sucedida: conseguira vender quase todas as frutas e os vasos de plantas que trouxera. Sabia lidar com plantas, o que era raro na sua família. Harry, seu pai, costumava perguntar se conversava com elas e Kendail respondia que sim. Na verdade, muitas vezes até assobiava ou cantava enquanto trabalhava, pois tinha descoberto que as plantas gostavam disso. Pobre Harry! Ele era pintor, um bom pintor por sinal, e comprara aquela fazenda pensando que bastava sentar-se comodamente numa cadeira e esperar que tudo crescesse ao seu redor. Ele estava agora em Sídnei, tentando encontrar outro administrador. Pamela, a madrasta de Kendall, tinha discutido com o anterior, que se demitiu logo em seguida. Kendall suspirou e recostou-se na cadeira. O ar estava parado e logo mais cairia uma tempestade. Se as crianças Flamagan não passassem por ali dentro de cinco minutos, ela ia guardar suas coisas e voltar para casa. Tinha certeza de que Pamela não se envergonharia em se apossar dos lucros daquela tarde. Nunca ficava ali para vender frutas e plantas, pois se sentia humilhada com isso, mas não tinha o menor acanhamento em usufruir as vendas que Kendall e, às vezes, Harry faziam. Na verdade estavam sem dinheiro. Harry precisava encontrar outro administrador. No tempo de Benjii a fazenda florescera, até que Pamela tivesse a brilhante idéia de chamá-lo de polinésio sujo, fazendo Benjii abandonar o emprego. Kendall e Harry haviam lhe implorado para que ficasse, mas ele não voltou atrás em sua decisão. Logo depois a fazenda começou a regredir. Kendall sempre encontrava Benjii na cidade e lá conversavam sobre tudo, exceto sobre Pamela. Ellis, filho dele, havia sido colega de Kendall no colégio e agora estava no segundo ano de engenharia. Benjii trabalhara muito para assegurar o futuro do filho. Kendall, embora também prometesse muito na escola, não pôde fazer um curso superior, pois Harry não tinha condições de mandá-la para a Universidade. Fechou os olhos, sentindo as lágrimas querendo escapar. Não tinha importância. Ela se sentia indispensável vivendo com seu pai. Harry não era

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um exemplo de virtude, mas Kendall o amava. E mesmo para Pamela ela era importante, pois, na casa, era Kendall quem tomava conta de tudo. Tentando afastar aqueles pensamentos, levantou-se, dobrou a cadeira e guardou-a na cesta. Não lhe agradava voltar para casa; Pamela andava muito irritada naqueles dias em que Harry estava fora, e não havia nada que Kendall pudesse fazer. De qualquer forma, um banho no lago compensaria seu trabalho daquela tarde. Além disso, amanhã seria segunda-feira e ela voltaria ao trabalho normal. Não viu o furgão passar, mas ouviu quando ele brecou e voltou. — Tem algo para mim, meu bem? Estou faminto. O desconhecido estava com as duas mãos pousadas no volante e o corpo inclinado para o lado, olhando para fora da janela. Tinha mais ou menos a idade de Kendall, os cabelos longos e os olhos de um azul pálido. — Quanto você pode gastar? — Apesar do seu tom de voz frio e profissional, ela sentiu o coração bater acelerado. — Vamos ver o que você tem aí. — Ele desceu do furgão e, para surpresa dela, estava acompanhado por outro jovem, que vestia jeans desbotados cortados abaixo do joelho. — É realmente inacreditável encontrar você numa estrada secundária — disse o cabeludo. A maneira estranha como ele a fitava deixou Kendall incomodada, mas ela evitou que percebessem isso. — Esta estrada é muito movimentada. Muita gente visita o lago — disse Kendall. — Você é muito bonita para ficar sozinha neste lugar. — Sozinha? É que você ainda não viu Sebastian. Os dois rapazes se entreolharam. Então o cabeludo, erguendo as sobrancelhas, perguntou: — Sebastian? — Meu cachorro — respondeu Kendall. — Um pastor alemão. — Onde está ele, então? — Quando eu assobio, ele vem correndo. Não me force a fazer isso. — Fique calma. — Ele parecia zombar. — Não estamos fazendo nada. Ou estamos? — As melancias estão boas — disse Kendall, tentando dissipar a tensão. — Estão? Que bom! — É você quem cuida delas? — perguntou o rapaz de jeans. — Meu pai. — A maneira como Kendall disse isso fez parecer que Harry era um excelente agricultor.

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— E hoje é o dia de folga dele? — O cabeludo pegou uma melancia, sacudiu-a e deu-a para seu companheiro levá-la até o furgão. — Não, ele voltará daqui a um minuto. — Está aí a clássica resposta de garotinhas desacompanhadas. — Ele sorriu irônico e depois continuou: — Meu nome é Boness. Aquele é Foxy. — Apontou para o amigo. — Ele é encantador — retrucou Kendall, perdendo a calma. Aqueles dois rapazes estavam em busca de aventura. E poderiammuito bem empurrála para dentro do furgão, se ela deixasse. Kendall sentiu vontade de pegar uma melancia e esmagar na cabeça deles. Havia sido um erro deixar que Colin levasse Sebastian para a praia, pois ele conseguia espantar qualquer pessoa com más intenções. Subitamente o cabeludo inclinou-se para a frente e pegou uma mecha dos longos cabelos de Kendall; seus olhos brilharam quando os cabelos escorregaram como seda através de seus dedos calejados. — Você é bonita, sabia? Mais do que isso, é jovem e arredia. — Se você está com segundas intenções, desista — disse ela depois de desvencilhar-se daquela mão. — Não estou nem um pouco interessada. — Tem certeza? — A mão dele desceu até a curva do ombro de Kendall. — Ei, Boness! — gritou Foxy. — Um carro está se aproximando. É um Jaguar. — É um amigo meu — disse Kendall, que parecia aliviada. — Ele é um policial. — Os policiais não usam Jaguar, gatinha. — Hoje é o dia de folga dele. — Kendall sentia-se quase feliz. Era preferível ouvir uma repreensão de Nick do que fazer um passeio forçado naquele velho furgão. O cabeludo largou-a e recuou alguns passos com a expressão atenta. O Jaguar parou. — Vocês deviam ter me ouvido. — Kendall nunca sentira tanta alegria ao ver Nick. Ele desceu do carro e aproximou-se. Era alto e forte, aparentando possuir muito dinheiro e poder. — O que está acontecendo? — perguntou ele. — Nada, Nick. — Kendall sorriu. Agora podia dar-se a esse luxo. — Então você conhece esses dois? — Nick demonstrava desprezo no olhar. — Só paramos para comprar uma melancia — disse o cabeludo. — E já escolheram? — perguntou Nick. — Acabamos de colocá-la no furgão. — E já pagaram?

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— Ainda não. — O cabeludo meneou a cabeça e mexeu no bolso. — Quanto é? — Um dólar — disse Kendall. — Passe o dinheiro para cá e suma. — Nick estendeu a mão. — Eu disse, não devíamos ter parado! — falou Foxy, parecendo furioso. — Você devia ter ouvido o seu amigo — disse Nick, voltando-se para Boness e entregando o dinheiro a Kendall. — Tudo bem, já estamos indo. — Os olhos do cabeludo brilhavam de raiva. — Acho bom mesmo. — Nick pousou a mão sobre o ombro do rapaz e o virou em direção ao furgão. Kendall olhou para o carro também e, logo em seguida, os dois rapazes se dirigiram para o furgão. Nick acompanhou-os até que eles se acomodassem e exigiu que saíssem o mais rápido possível dali. Ele parecia mesmo um policial, com toda aquela sua autoridade. Quando o furgão começou a se afastar, o cabeludo colocou a cabeça fora da janela e gritou uma série de palavrões. — Que coisa horrível! — disse Kendall. — O que você esperava da parte desses dois palhaços? — Nick se aproximou, encarando-a furiosamente. — Eu não avisei que poderia acontecer alguma coisa desse tipo? — Avisou. — Então, quanto mais rápido você desistir da idéia de se sentar aqui todos os fins de semana, melhor. — Não enquanto estiver ganhando cem dólares por dia. — Eles podiam ter levado o seu dinheiro também — retrucou ele com voz áspera. — Imagine, Nick! Não ia acontecer nada! — Como não? Não gosto nem de pensar no que poderia ter acontecido! A propósito, onde está Sebastian? Falei para você mantê-lo sempre a seu lado. Colin levou-o à praia. O que você quer que eu faça, que compre uma arma? Acho que você poderia deixar que Harry cuidasse das vendas daqui por diante, ou então o seu namorado, quando ele sair da barra da saia da mãe. E deve saber que nenhum homem ficaria indiferente a você, do jeito que está vestida. Short e sutiã de biquíni não são trajes uma vendedora. - Não foi intencional. — Kendall enrubesceu. - Sei disso. Acho que você não presta atenção no que veste.

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- E daí? — Kendall sentiu-se magoada. — É preciso dinheiro para seguir a moda. Pamela parece conseguir isso — comentou ele. — Ela é a mais bonita da família. -- Não acho — disse ele, encarando-a. -- Quem é, então? Sebastian? — Kendall fitou-o desafiadoramente. — Isso mesmo. Ele era o mesmo de sempre: irônico, agressivo e mandão. Tanto que estava fazendo um elogio, e ela não se sentia preparada para recebê-lo. -- Quando Harry vai voltar? — perguntou ele. — Logo que encontre outro administrador. -- E enquanto isso ele deixa que sua filhinha corra perigo pelas estradas. — Agradeço por você se preocupar tanto comigo! Afinal, o que o traz aqui? — Você está muito interessada? — Só estou querendo manter a conversa. — Ela moveu-se para pegar os vasos de plantas, mas Nick impediu-a. — Você é muito teimosa, sabia? — Obrigada. — Por que o jovem Hogan não está aqui ajudando você? Pensei que fossem inseparáveis. — Ele precisava descansar e eu disse a ele para ir embora. — E você? — perguntou Nick, irônico. — Fiquei aqui sozinha. O que você esperava que eu fizesse, que fosse embora e deixasse as frutas apodrecerem? Nick virou-se e começou a guardar as frutas e as plantas no cesto. — Se você deixar, posso ajudá-la — disse ele depois de alguns momentos. — Não posso fazer isso, Nick, a fazenda pertence a Harry. — Ele não se importaria. Além do mais, é você quem toma conta de tudo. — As coisas vão melhorar se Harry vender algumas pinturas. — Ele não está se esforçando para vender os quadros. Harry é o tipo do homem que precisa ser obrigado a fazer as coisas. — Mas Pamela o obriga — retrucou Kendall, parecendo preocupada. — Tenho certeza que sim, mas pelo visto não tem obtido muito sucesso. Acho que Harry perdeu a motivação. Logo que vocês chegaram aqui, o trabalho era importante para ele, pois tinha uma filha para criar. Hoje em dia ele me parece muito indolente. — Deve ser o clima.

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— Falando sério, o que está acontecendo com Harry? — Inesperadamente Nick segurou-lhe os ombros, obrigando-a a encará-lo. — Não sei. — Era estranho sentir as mãos dele sobre sua pele nua. — Acho que ele não está bem, mesmo. — Ele bebe demais — disse Nick. — Pensei que você não tivesse notado. — Tenho olhos, Kendall. — Tem mesmo, e negros como a noite! Você nos despreza, não é, Nick? — Sua tola! — Nick largou-a abruptamente. — Se você está mesmo preocupada com Harry, deveria levá-lo ao médico. — Harry? Ele nunca iria a um médico. Ele não faz uma consulta há anos. Desde que minha mãe morreu. Ela não morreria, você sabe, se o médico não tivesse errado o diagnóstico. Harry nunca se esqueceu disso. — Ainda que nenhum de vocês dois fale dela. — Falar o quê? Que nós a amávamos e que sentimos falta dela todos os dias? — Pobre criança! — Havia ternura em sua voz. — Não sou uma criança, Nick. — Kendall precisava afastar-se dele. — Tenho dezoito anos. — Deus, como se eu não soubesse disso! Mas, mudando de assunto, vim aqui para convidar todos vocês para uma festa no próximo sábado à noite. Convidei algumas outras pessoas. Você acha que Harry estará de volta até lá? — Ele voltará especialmente para agradá-lo. — Kendall não conseguiu deixar de sorrir. — Harry é uma boa companhia. — Ele acha o mesmo de você. Sempre diz que você é espirituoso, irônico, ríspido, porém, educado. — E você não diria o mesmo, Kendall? — Acho que Harry entende você melhor do que eu. — E como você poderia entender-me? Uma criança... E você, vai à festa? — Oh, sim. Se você realmente quiser que eu vá. — Kendall ergueu as sobrancelhas. — Você não é obrigado a me convidar só porque está convidando Harry e Pamela. — Muito bem dito! — disse ele. — Quando você vai crescer, Kendall? — Acho que eu devia mesmo. — Também acho. Às vezes você parece uma criancinha boba.

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— Talvez você espere muito de mim! Muito bem, Nick, ficarei encantada em participar de sua festa. Gostaria que houvesse alguns convidados mais ou menos da minha idade. — Meu Deus! Você é a única mulher que conheço que me faz sentir como se tivesse oitenta anos de idade. Devo convidar Colin, Beu amiguinho? — Por que você critica tanto Colin? — É de nascença. Tenho espírito crítico. — Posso garantir que sim. Obrigado outra vez. - Só porque Colin... — Kendall interrompeu-se ao ver a expressão de enfado do rosto dele. — Oh, de que adianta? Colin não é o tolo que você imagina. Você simplesmente não entende o tipo de pessoa que ele é. - E nem quero entender — disse ele com desprezo. — Eu o idmiraria um pouco mais se ele tivesse ficado com você esta tarde. Infelizmente terei que mencionar este incidente a Harry. Você está li arriscando demais nisso que está fazendo. Por favor, Nick, não conte nada a Harry. Prometo a você que nunca mais me separo de Sebastian. - Você já me disse isso antes. Mesmo assim, Sebastian não pode l>iotcgê-la totalmente. Será que você não consegue perceber que seu corpo atrai o desejo dos homens? — Nick, não vejo tantos perigos assim — retrucou ela, já impaciente e um pouco perturbada com as últimas palavras dele. — Se você continuar aqui, outros incidentes vão acontecer. Se vocês estão precisando de um dinheiro extra, Harry que venha trabalhar em seu lugar, ou então que contrate outra pessoa. — Deus! Você é mesmo um ditador! — exclamou Kendall. — Fique certa de que sou. — Juro que tomarei mais cuidado, Nick. — Não — disse ele, tentando pôr um fim na conversa. Kendall quis responder, mas achou que seria melhor calar-se, pelo menos por enquanto. — Quer uma carona? — perguntou ele. — Você sabe que sim. — Está certo, então. Mas lembre-se de suas boas maneiras. — Normalmente eu me esqueço delas quando estou a seu lado. — Trouxe umas fitas cassetes para Pamela — disse ele. — Foi ela quem pediu? — Pamela ligou-me pedindo algumas, quando soube que eu estava indo para o sul — disse Nick, caminhando para o carro. — Claro, nada é problema para Nick Langford. — Está com ciúme? — Ele lançou-lhe um olhar significativo. — Não seja ridículo!

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— Você é mesmo uma garotinha mal-educada! — Tenho um ótimo professor. — Vamos — disse Nick, segurando-a pelo cotovelo. Ele abriu a porta para Kendall e ela sentou-se no banco ao lado dele. — Deve ser horrível ter quase dois metros de altura, não? — Você é mesmo uma bruxa! — Nick, você não poderia ter sido mais brilhante nessa sua observação. — Kendall notou algo de viril e raivoso no olhar dele. — As bruxas normalmente não possuem longos cabelos negros e olhos verdes? — perguntou ele. — Você fala como se quisesse queimar todas elas. — As bruxas costumam causar muitos problemas aos homens. — Vou me lembrar disso. — Kendall prendeu os cabelos no alto da cabeça, deixando que algumas mechas emoldurassem seu rosto. Decididamente ela conseguia perturbar Nick de alguma forma. E não havia dúvida de que ele exercia o mesmo efeito sobre ela. Enquanto ele guiava, não falaram. Nick parecia estar pensando em alguma coisa. — Vou chamar Pamela — disse Kendall quando estacionaram no jardim em frente à casa. — Certo. E onde você quer que eu guarde a mercadoria? — Pode colocar no porão — gritou Kendall, entrando em casa. Precisava avisar Pamela da chegada de Nick, pois ela não gostava de receber visitas sem estar preparada. Kendall encontrou-a no pátio que ficava no fundo da casa, descansando na cadeira predileta de Harry. Já de volta? — perguntou Pamela sem muito interesse. Nick está aqui! — Kendall anunciou com ênfase. O quê? — Pamela pulou da cadeira. — Mas eu devo estar horrível! Não posso recebê-lo assim! Você está ótima! — Kendall tentou acalmá-la. Distraia-o por alguns instantes — disse a madrasta de Kendall. Vou trocar de roupa. Não seja boba. Você está ótima assim. Imagine! — Os olhos azuis de Pamela brilharam de indignação. talvez você não se importe em se apresentar de qualquer jeito, Mas eu, sim! -- Você acha que ele vai ficar para o chá? — perguntou Kendall, ficando subitamente preocupada. Claro que eu vou convidá-lo.Tudo bem, nós temos o que servir. — Na verdade não muita pensou. Kendall encontrou Nick ainda guardando as plantas. -- Olá. Como se chama essa aí? — perguntou ele, apontando para um pequeno vaso contendo uma planta com uma bela flor em tons vermelhos e malhados.

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--Essa é uma primavera chinesa — disse ela. — Se você gostou, pode levar.

-- Verdade? — Nick observava Kendall atentamente. -- Sim. -- Francamente, estou emocionado. -- Você vai levar ou não? — Ela desviou os olhos, não sustentando 0 olhar dele. — Ficaria muito feliz em poder dar a Nik o que ele gosta. Fique certa de que você pode, garota. Espere um pouco, eu estou falando sobre a planta. E do que você poderia estar falando? — disse Nick, com uma nesga irônica no olhar. — Vou colocá-la em um lugar bem bonito. — Então você agora vai ser gentil? -- Ora, garota! — disse ele, abraçando-a. — De vez em quando eu me arrependo das coisas que disse a você durante todos esses anos. — Até que você era bom para mim, quando eu tinha quatorze anos — disse Kendall, sorrindo. Quando eles subiram a escada, Pamela estava parada no patamar, como se estivesse pronta para posar para a capa da Vogue. — Nick, que bom ver você aqui! — Ela estendeu o braço muito efusivamente, mas Nick apenas segurou-lhe as mãos e beijou-lhe a face. — Você está belíssima, Pamela. Como sempre. — Você é muito gentil. — Pamela sorria, feliz, pois mais uma vez despertara a admiração de um homem. — Entre e beba alguma coisa. Estava pensando em ir buscar Kendall quando vocês chegaram. Se você soubesse como eu me preocupo com essa menina! Conversa fiada, pensou Kendall. Pamela nunca se preocupou com ninguém, exceto consigo mesma. — Se vocês me derem licença, vou tomar um banho rápido e trocar de roupa — disse Kendall. Ouanto mais rápido Pamela ficasse sozinha com Nick, melhor. — Fique à vontade. Não estou com pressa. — Para provar isso, Nick sentou-se numa poltrona que Kendall havia forrado recentemente. — Faz muito tempo que você não aparece por aqui — disse Pamela, sorrindo. — Espero que tenha uma boa desculpa. Pamela sempre apreciara muito a companhia de Nick. Até Harry percebia isso. No banheiro, Kendall tirou a roupa, colocou uma touca para proteger os cabelos e entrou embaixo de uma ducha de água fria. Lembrou-se então de que Colin a esperava na praia. A essa altura, já devia ter cansado e desistido de esperá-la. Colin na verdade tinha dito que ficaria para ajudá-la, mas ela o mandara embora. Ele precisava descansar, pois trabalhava muito durante a semana.

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Enxugando-se, Kendall viu-se no espelho da parede. Deixou a toalha cair a seus pés e ficou parada, observando sua figura. "Será que você não consegue perceber que seu corpo pode atrair o desejo de muitos homens?", Nick tinha dito. Mas ela não era tão bonita quanto Pamela, uma mulher de seios grandes e firmes. Também não era feia, mesmo sendo magra e não muito alta. Pegou o robe e observou seu rosto. Harry sempre dizia que ele não era comum. Seus traços eram claramente definidos: olhos grandes, lábios bem delineados, ossos um tanto salientes. As sobrancelhas e os ditos escuros destacavam seus olhos verdes, muito parecidos com os de sua mãe. Os cabelos negros eram abundantes e pesados, naturalmente lisos. De repente achou muito estranho ficar olhando durante tanto tempo para si mesma, por isso se virou e foi para o quarto. Ao pentear os cabelos, constatou que eles precisavam de um corte, mas o melhor cabeleireiro da cidade cobrava muito caro. Só Pamela podia se dar ao luxo de fazer isso. Quando se olhou novamente no espelho, estava vestindo uma blusa verde-jade e a sua melhor saia. Sua pele não precisava de cuidados especiais, mas ela passou um pouco de brilho nos lábios. Pelo menos isso fazia com que parecesse mais velha e mais preocupada com a aparência. Certos comentários de Nick não lhe saíam da cabeça. Ao voltar para a sala, Pamela já havia colocado um de seus novos cassetes para tocar. Deixara o som bem baixo, para que a música envolvesse o ambiente levemente. — Oh, foi muito bom você ter vindo nos visitar, Nick — dizia Pamela, sentada graciosamente na frente dele. — Tenho me aborrecido tanto! — Não se preocupe, Harry deve voltar esta semana. — Nick levantou-se e olhou para Kendall, examinando sua aparência por um instante. — O que você vai beber, garota? — Qualquer coisa. Uma água mineral, um suco de frutas, qualquer coisa gelada. Nick colocou num copo suco de frutas, gelo e um pouco de gim. — Aqui está. Você merece, depois de se expor ao sol numa tarde tão quente. — Merece mesmo! — Pamela olhou para a enteada com afeição. — As jovens precisam de um dinheiro extra.... Mas eu desconfio que Kendall esteja comprando peças para o seu enxoval. — Meu o quê? — Kendall virou a cabeça, perplexa. — Não se preocupe, querida. — Pamela sorriu levemente. — Acho que Nick sabe que você e Colin estão namorando firme.

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— Então ele está sabendo mais do que eu. Só penso em me casar daqui a muitos anos. Não quero mais problemas. — Ora vamos, querida, ninguém pode dizer que Colin seja um problema; mas não queremos aborrecê-la. Sente-se. Pamela encarregou-se de manter a conversa animada, fazendo várias alusões ao fato de ser aborrecido duas mulheres ficarem sozinhas na fazenda. — Então, que tal irmos os três jantar fora? — propôs Nick. — Por mim, não, Nick, mas mesmo assim obrigada — disse Kendall, embaraçada com as palavras de Pamela. — Colin vai trazer Sebastian de volta para cá. — E você vai perder a noite inteira por causa disso? Por coincidência, um magnífico pastor alemão entrou na sala nesse momento. — Querido! — exclamou Kendall. — Não se chama cães de guarda de "querido" — brincou Nick. — Mas eu chamo. — Kendall afagava delicadamente a cabeça do cão. — Você sabe que eu detesto esse cachorro aqui dentro de casa, Kendall — disse Pamela. — Desculpe-me. Vou pô-lo para fora. Colin deve estar chegando. Colin já estava entrando na sala. Parou perto da porta ao perceber que Pamela e Nick estavam presentes. Timidamente dirigiu-se a Kendall: — Olá, garota — disse com seu rosto magro e alegre. — Fiquei preocupado com você. Por que não foi para a praia? — Nick me trouxe — explicou ela rapidamente, pondo Sebastian para fora de casa. — Entre. — Oh. .. — Colin olhou para a camiseta e o short que usava, como se não estivesse preparado para uma reunião com aquelas pessoas, depois encolheu os ombros e entrou. — Você está bonita — disse com um olhar de admiração que Kendall não percebeu. — Onde vai toda elegante? — A nenhum lugar. Só quis mudar um pouco a minha imagem. — Olá! — Nick levantou-se e estendeu a mão. — Como vai, sr. Langford? — Colin apertou a mão de Nick e olhou respeitosamente para Pamela, que estava recostada como uma odalisca. — Sra. Reardon? — Você sentiu falta de Kendall na praia? — perguntou Pamela, após cumprimentá-lo. — Fiquei preocupado. Pamela apontou uma cadeira para Colin e ele sentou-se timidamente, como se fosse uma criança e não um rapaz de vinte e quatro anos, dono de uma pequena fazenda.

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— Isso significa que você já está caído por ela! — Pamela brincou. — O que não é de todo mau — comentou Nick laconicamente. — Você não vai oferecer uma bebida para Colin, Kendall? — O que você quer beber, Colin? — perguntou ela. — Qualquer coisa. — Acompanhe-me num suco de frutas — disse Kendall, tentando ajudá-lo. — Para mim está ótimo. — Como vai sua mãe, Colin? — perguntou Nick gentilmente. — Uma fortaleza, como sempre. — Olhou agradecido para Nick. — Mas sei que ela ainda sente muita falta de papai. — Não é de estranhar. Afinal, não faz muito tempo. — Não. — Colin suspirou e baixou a cabeça. — Ora, vamos deixar isso para lá — disse Pamela. — Você não vai sair com Kendall hoje? — Não... — Por um instante, Colin pareceu confuso. — Quer dizer, nós não combinamos nada. — Kendall entregou-lhe a bebida, lançando-lhe um olhar contrariado. — Você não disse que queria dormir cedo? — Disse — respondeu Kendall. — Pamela deve ter esquecido. — E então parece que sobramos apenas você e eu, Nick. — Pamela lançou-lhe um olhar de triunfo. — Estamos vivendo numa época muito liberal. Uma mulher não precisa ficar embaraçada em sair com outro homem, sem a companhia do marido. — Minha mãe não é dessa opinião — disse Colin, enrubescendo em seguida ao perceber sua falta de tato. — Não estou querendo insinuar nada, sra. Reardon. — Bem, todos nós conhecemos a sua mãe. — Pamela sorriu. — Tenho uma sugestão — disse Nick de repente. — Por que não Vamos todos a um lugar calmo e descontraído? Podemos voltar cedo por causa de Kendall. - Ótima idéia! — Os olhos de Colin brilharam. — Que acham irmos ao Golfe Clube? - Vamos sim — disse Nick. Olhou para Kendall, talvez esperando que ela contrariasse a sugestão do namorado. — Tenho uma jaqueta no carro. Não precisarei passar em casa. -- Bem, eu terei que voltar. — Colin tomou outro gole da bebida I levantou-se. — Mamãe não vai se importar. Ela convidou algumas amigas para jogar cartas. -- Maravilhoso! É maravilhoso estar cercada por gente amiga! — Pamela levantou-se jovialmente. Em nenhum momento deixava trans-parecer

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que já estava beirando os quarenta anos. — É desnecessário dizer que não sairei com esta roupa, não é? -- Mas eu acho que você está tão bem vestida — disse Nick, olhando para a túnica leve que Pamela usava. Mas não é um traje apropriado para um jantar. Quer que eu venha buscá-la, Kendall? — perguntou Colin. -- É muito longe — disse Nick. — Nós o encontraremos lá daqui i uma hora mais ou menos. -- Continue — disse Kendall para Nick. — Vamos, manobre, mande em todo mundo. -- Eu só estava pensando no gasto desnecessário de gasolina. -- É por isso que você tem um Jaguar, não é? Ele é tão econômico! — observou Kendall ironicamente. — E você queria que eu o jogasse fora? — Aquele carro maravilhoso? — Pamela observava-os com olhos atentos. — Kendall gosta de aborrecer você, não é, Nick? Já disse a ela que isso não é nada gentil, mas ela tem a mesma língua solta de Harry. — Sou muito feliz por ter herdado isso do meu pai. — Kendall dirigiu-se para a porta com Colin. — Nick acha Harry uma excelente companhia! — Acho que eu não devia dizer isso, mas não me sinto à vontade com sua madrasta — confessou Colin, assim que pôs os pés fora da sala. — Então, por que aceitou o convite? — Você sabe a resposta. O importante é estar com você. Além do mais, achei gentil Nick ter me convidado. — O que não significa que nenhum de nós tenha que se rebaixar diante dele. — Pensei que você gostasse de Nick. — Gosto, mas às vezes ele é absolutamente intragável. — Sebastian aproximou-se e Kendall afagou-lhe carinhosamente as orelhas. — Dê lembranças minhas à sua mãe. — Darei, obrigado. Ela e eu esperamos que você possa ir em casa na próxima semana, tomar um chá conosco. Kendall não respondeu. Embora a sra. Hogan sempre tivesse sido muito educada com ela, não se sentia bem em sua presença. A mãe de Colin sempre fora muito possessiva, sobretudo depois de perder o marido. E já fazia dois anos. Colin foi embora e ela voltou para dentro da casa. Sentia-se constrangida e embaraçada, pois era pouco provável que Nick quisesse realmente levá-los a algum lugar. Pamela esperou que ela voltasse e pediu, sorrindo:

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— Fique com Nick enquanto me preparo, querida. Sirva-lhe outra bebida.

— Você quer beber mais alguma coisa? — Não — respondeu ele, fitando-a intensamente. — O que aconteceu com você? — Nada, só estou um pouco deprimida. — Diga-me por quê, então. — Às vezes penso que a mãe de Colin não gosta muito de mim, e isso é desagradável, porque Colin é muito meu amigo. — Meu Deus! A amizade de Colin é tão importante para você assim? — Claro que é! — exclamou com mais ênfase do que pretendia. — Colin é gentil e atencioso, como o pai, que gostava muito de mim. — A maioria dos homens gosta de você. O problema é o seguinte: a sra. Hogan tem medo de que Colin se envolva com uma garota que ela não possa dominar. Ela deve pensar que vai perder Colin para você. — Perder? Mas ele é apenas um bom amigo! — Mas ele quer ser seu namorado. — Não! — Honestamente, você nunca percebeu? — O que você está pensando, Nick? Colin e eu simplesmente nos damos bem. — Deve ser maravilhoso! Como ele consegue ser só seu amigo? — Oh, cale a boca! Você sempre encontra um jeito de me aborecer! — É mesmo? — De repente, sem que Kendall esperasse, Nick aproximou-se da poltrona, tomou-a pela cintura e levantou-a. — Nick! — Ela tremia. — Não perca a calma, meu bem. — Nick sorria, mas havia um brilho perigoso em seus belos olhos. — Por favor, largue-me! — Kendall debatia-se furiosamente. — Está bem. — Nick colocou-a no chão e soltou-a. — Não pensei que você fosse tão nervosa! Você sempre se debate quando algum homem a sagura? Ah... homem nenhum fez isso!!... — Pobre criança. Acho que terei de lhe dar algumas lições sobre como namorar. -- Obrigada, mas não preciso! — Kendall estava certa de que não queria continuar aquela brincadeira com Nick. Aquele abraço de gozação a deixara quase maluca, e não sabia exatamente por quê. --Se você quer saber, já fui beijada montes de vezes. Então posso beijá-la também — brincou ele. -- Só disse isso para irritá-la. Francamente, não vejo graça nenhuma em beijar criancinhas. O telefone tocou e Kendall foi atender.

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Era Harry. Ao ouvir sua voz querida e familiar, Kendall quase começou a chorar. Papai! — Kendall não costumava chamar Harry de "papai" e, quando o fazia, era porque estava muito emocionada. -- Como vai a minha garotinha? -- Bem, e você? Estávamos ansiosas, esperando notícias suas.Tenho me sentido muito só. E seu trabalho? — perguntou Kendall. — Vai indo — respondeu, alegre. — Aconteceu algo de errado, Harry? — Não, querida. Estarei de volta na terça-feira e então contarei todas as novidades. Onde está Pam? — Está se vestindo. Nick está aqui e vai nos levar para jantar. — Ele está ai? Deixe-me falar com ele. — Você quer mesmo? As ligações interurbanas são muito caras. — Não faz mal, chame-o. Levou apenas alguns segundos para que Nick atendesse o telefone e, logo depois, ele já estava rindo de alguma coisa que Harry lhe dissera. — Ora, Harry, é ridículo. Você não passa de um caluniador! Kendall podia ter se afastado, mas preferiu ficar no vestíbulo enquanto ele falava mais alguns minutos com seu pai. Como sempre, Nick estava bem vestido e Kendall, naquele momento, não pôde deixar de admirar seu corpo bronzeado, bem-feito e extremamente sensual. Nick desligou o telefone e virou-se para ela. Kendall enrubesceu como se ele pudesse ler seus pensamentos. — O que aconteceu com você? — Estou preocupada com Harry. — Pare de se preocupar. Ele estará de volta na terça-feira. — Ele lhe disse alguma coisa? — Não, Kendall. Não me disse nada. — Nick parecia pensativo. — É muito difícil fazer Harry conversar a sério. Não se preocupe, tudo vai dar certo. — Oh, espero que sim. — Ela suspirou e olhou para uma das pinturas de Harry. Era uma de suas preferidas: pequena mas com toda a luminosidade vibrante dos trópicos. — Harry é bom, não é, Nick? — Ele tem qualidades para ser melhor. — Você está certo, mas lhe faltam estímulos. — Sua mãe tinha sido capaz de tirar o máximo de Harry, mas era melhor nem pensar nisso agora. — O que é que há? Você não vai chorar, vai? — Não, não vou! — respondeu com voz trêmula.

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— Oh, Deus! Vamos, menina, deixe disso. O importante é que você ama Harry e que ele ama você. Na verdade ele adora você. Se isso deixá-la mais feliz, posso conversar com Harry quando ele voltar. — Você faria isso mesmo? — Ela levantou a cabeça rapidamente; sua voz era uma mistura de súplica e alívio. Nick, provavelmente, era a única pessoa que Harry ouviria. — Sim. Harry é meu amigo, e eu não gosto de ver você triste. Ele era sempre assim quando estava de bom humor: gentil, atencioso e um pouco mandão; no entanto, algo parecia diferente nele agora. Kendall olhou-o. } -- E agora, você não vai seguir o exemplo de Pamela e mudar de roupa? -- Você não gosta do que estou usando?Já sei, gosta... Mas não é adequado para ir ao Golfe Clube! Está bem, Nick Lingford, você é quem manda!

CAPÍTULO II Harry não voltou na terça-feira e mandou um telegrama dizendo que estava ocupado, que os negócios ainda o prendiam. — Acho que ele deve estar bebendo — disse Pamela, lançando um olhar furioso para Kendall. — Ele parece se vangloriar disso. — Nós não temos certeza de nada. — Kendall bebeu um gole de café. Se desse chance, Pamela começaria a enumerar seus ressentimentos contra Harry. — Oh, sim, temos sim! — retrucou Pamela com amargura. — É sempre assim quando ele sai sozinho. — Não se preocupe tanto — disse Kendall. — Provavelmente ele encontrou alguém que pode ajudá-lo. — Como pude me casar com ele! — Pamela suspirou. — Você não deve ter achado tão ruim na época. — Kendall tomaria outra xícara de café, mas preferiu ir embora, pois não estava disposta a discutir com a madrasta. — Você já vai? — Se não sair agora chegarei atrasada ao trabalho. — Trabalho! — Pamela encolheu os ombros com desdém. — Na sua idade eu estava ganhando muito dinheiro como modelo. — Demais, talvez. Mas parece que você gastou tudo. — Não seja mal-educada. — A mão de Pamela começou a tremer. — Eu não suporto mais isso aqui!

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— Desculpe. — Kendall sentou-se outra vez, tentando ser simpática. — Acho que você devia sair mais. Você é uma mulher bonita, Cheia de vida. Por que não tenta abrir uma butique? — Uma o quê? — Uma butique de classe, por que não? Mesmo amargurada, Pamela pareceu se interessar pela idéia. — E como eu arrumaria o capital? Você sabe tão bem quanto eu que Harry nunca poderia financiar um empreendimento desses. Ora, ele nem mesmo pôde mandar você para a Universidade. — Eu não quis ir — Kendall mentiu. — Talvez conseguíssemos Um empréstimo no banco. Acho que você devia pensar seriaments nisso. Tenho certeza de que se sairá bem. — Você está certa! A cidade está precisando de uma butique de classe lasse, pois lá só se vê lojinhas de segunda categoria! Você já reparou? — Não — disse Kendall. Pamela era a única a quem Harry contemplava com uma mesada especial para roupas. — Há muito dinheiro por aí. As freqüentadoras do Golfe Clube gastam centenas de dólares em um vestido. — Mas elas não compram na cidade. Nos velhos tempos eu tinha muitos amigos nesse meio que poderiam me ajudar. — Por, que não os procura novamente? — sugeriu Kendall. — Eles não emprestam dinheiro, queridinha — disse Pamela sarBasticamente. — Sabe de uma coisa? Acho que vou pedir ao Nick. — Ao Nick? — Por que não? Ele tem tanto dinheiro que nem sabe onde pôr. — Como precaução, não seria melhor evitar pedir dinheiro para amigos? — Eu diria que Nick não vai correr risco nenhum. — Pamela eslava cada vez mais animada. — Quanto mais eu penso sobre isso, melhor me parece. Até que suas idéias não são más! — É melhor eu ir embora. Espere até Harry chegar e converse sobre isso com ele. — Harry não concordará, você sabe. Tudo o que ele quer é uma boa companhia na cama. Ele nunca me viu como sua esposa. — Oh, isso não é verdade! — É, sim! Eu não faço parte do seu coração. Esse lugar sagrado pertence ainda à sua mãe. — Tenho certeza de que isso não é verdade. — Kendall parecia desanimada. — Harry ama você, não percebe isso?

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— Ele ama você! Sua paixão por mim foi passageira. Tenho de admitir que foi fácil para ele me conquistar. Harry é charmoso e viril, um homem íntegro, mas atualmente anda muito diferente. — Imagine! Harry não é tão responsável quanto devia ser, eu sei, mas nunca agiria desonestamente. — Eu não disse isso! — protestou Pamela. — Ele anda muito preguiçoso! Tenho vontade de gritar quando o vejo matando o tempo. "Não está dando certo, Pammy", diz ele. Depois larga o pincel e vai pescar em busca de inspiração. — Pelo menos pescar não faz mal a ninguém. — Kendall colocou a mão suavemente sobre os ombros de Pamela. — Prometo a você que vou ajudá-la, falando com ele sobre o negócio. Imagino como deve ser horrível para você ficar trancada aqui na fazenda, o dia todo. Você poderia até montar uma espécie de galeria, para vender quadros, cerâmica e um monte de outras coisas. — Não! — Pamela vetou imediatamente a idéia. Não apreciava pintura, a não ser quando a retratada era ela mesma. — Pretendo montar uma butique. Só quero trabalhar com moda. — Telefono mais tarde para saber se Harry ligou. — Kendall pegou a bolsa e a sacola de compras. — Por que Harry não volta logo para casa? — Pamela suspirou, impaciente. — Agora que você teve essa idéia, quero resolver isso logo. Durante toda a manhã, Kendall ficou pensando naquilo. Pamela teria com o que se ocupar e, sem dúvida, seria bem-sucedida se montasse o negócio; mas Kendall não queria que ela pedisse ajuda a Nick. Harry também não gostaria disso. Ou gostaria? Muitas vezes Harry pensava diferente dela. Um banco ou uma companhia financeira não resolveriam o problema? Na hora do almoço ela estava com dor de cabeça. O ar condicionado estava quebrado e a srta. Reed havia levado o ventilador. Ainda por cima, precisava fazer compras na cidade. Kendall estacionou o carro no fim da rua principal e desceu a colina a pé. Os carros alinhavam-se dos dois lados da rua longa e larga, alguns muito caros, outros sujos e velhos. Langford estava se transformando rapidamente numa grande cidade. Havia plantações de cana-de-açúcar e chá, pomares em abundância, e sua área rural era famosa pelas granjas e pequenos sítios. O Parque Flamingo, já existente antes da fundação da cidade, era considerado, há muito, uma das melhores fazendas de gado do país. Havia até mesmo uma estátua do pioneiro John Palmer Langford, um ancestral de Nick, no centro da cidade. Outrora os Langford possuíam grandes extensões de terra virgem, mas agora os interesses da família estavam diversificados. Nick herdara o

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Parque Flamingo e administrava toda a fortuna da família. Ele, seu tio e as primas moravam em esplêndidas residências no topo de uma colina onde se avistava toda a cidade e o rio. Podia-se dizer que os Langford tinham dominado aquele vale rico e fértil por tanto lempo quanto era possível se lembrar. Uma vez, Harry desafiou Nick a providenciar um herdeiro, pois senão toda a fortuna correria o risco de cair nas mãos de estranhos. Mas ele apenas sorriu e meneou a cabeça, dizendo que não estava preparado para se casar. No entanto, nenhuma mulher descomprometida da região, e mesmo de outros lugares, deixaria de cair aos pés de Nick, caso ele se mostrasse interessado. Até Thalia, uma prima dele. Kendall detestava aquela garota e não sabia por quê. Thalia era rica, educada, bonita e, mesmo assim, parecia grosseira. Mas por quê, afinal, a detestava? Não, não podia ser isso, ela nunca detestara ninguém! Kendall fez as compras e, quando saía do supermercado, foi ímpossível fingir que não vira a sra. Hogan. — Como vai, Kendall? — perguntou ela com um sorriso forçado. — Bem, e a senhora? — disse Kendall, quase solene. Aquela parecia ser a melhor maneira de se dirigir à mãe de Colin. — Mais ou menos, querida. Como você pode correr tanto num calor desses? — Na minha idade, isso não é problema. — Sem dúvida, minha filha. — A sra. Hogan sorriu. — Quer tomar uma xícara de chá comigo? Kendall preferia recusar o convite, mas acabou aceitando. — Seria ótimo. — Estou contente por termos essa oportunidade para uma peque-n;i conversa. — O chapéu da sra. Hogan deixava parte de seu rosto sombreado. — Seu pai já voltou? — Não. — Kendall não estava disposta a continuar aquele assunto, pois sabia que a sra. Hogan não simpatizava muito com Harry, com Pamela e nem mesmo com ela. — O que fez com que ele comprasse a fazenda? — Ele gostou do lugar — respondeu Kendall. — Temos uma vista maravilhosa do lago e da nova plantação de chá dos Lockhart. — Ah, sim, os Lockhart. — A expressão severa da sra. Hogan aliviou-se milagrosamente. — E notável como eles foram capazes de se reabilitar. Deve ter sido um golpe para eles precisar abandonar a propriedade na Nova Guiné. — Acho que eles já superaram essa fase.

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— Sue é uma garota encantadora, não é? — A sra. Hogan parecia entusiasmada. — Sem dúvida. — Sue era uma garota bonita, doce, mas um pouco sem personalidade. O chá e os sanduíches que a sra. Hogan havia pedido foram trazidos. — Eu tinha alguns planos para Sue e Colin, mas depois ele se envolveu com você. . . — Envolveu-se? — Kendall fitou-a, perplexa. — Ele está completamente caído por você. E você sabe disso. — Nem mesmo sei o que significa "caído". — Significa estar encantado por alguém — disse ela. — Não passa um dia sem que ele mencione seu nome. — De que forma? — Kendall sentia dificuldade em manter a calma. Sempre soubera que a sra. Hogan não gostava dela, mas a mulher se mantinha polida, educada, embora nada amigável. Mas agora era diferente! Seus olhos eram frios e acusadores. — O que Kendall acha, o que Kendall gosta. Ele nem mesmo deixaria que eu trocasse as cortinas sem saber a sua opinião. — Que extraordinário! — Kendall engoliu as palavras que gostaria de dizer. — Gosto muito de Colin, sra. Hogan, mas não há nada sério entre nós. — Oh, por. favor, cresça! — disse a sra. Hogan. — Meu filho está apaixonado por você. Tenho certeza de que ele só está esperando o momento apropriado para pedi-la em casamento. Ele não é o fazendeiro que foi o pai dele, mas está aprendendo. Dê-lhe mais um ano e você vai ver como ele a pedirá em casamento. — Mas, sra. Hogan, eu só penso em me casar daqui a vários anos. — Claro. Na verdade, você teve uma educação que deixa muito a desejar. — A senhora está me insultando, sra. Hogan! — Os olhos de Kendall faiscavam. — Eu não pretendia! Já lhe disse antes, Kendall, você é muito agressiva. Vê insultos onde eles não existem. Fico duvidando que você pudesse ser uma boa esposa para o meu filho. — Não, isso é demais! — Kendall dobrou o guardanapo e fez menção de se levantar. — Não, por favor, não vá! Colin nunca me perdoaria se você se zangasse comigo! O problema é o seguinte, Kendall: eu quero o melhor para o meu Colin. Quando você tiver um filho, saberá então o que isso significa. Sei que vocês dois gostam de estar juntos, sei que você é uma boa garota, mas

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me parece que não se importa tanto com Colin. Pode ser que seja muito jovem. Você mesma disse que não deseja se casar tão cedo, mas não quero que faça Colin perder tempo. Se não o quer, deixe-o. Acredite-me, eu ficarei ao lado dele, ajudando-o a superar a sua perda. — Acho que isso não será necessário, sra. Hogan. Nunca dei esperanças a Colin! — Dá para perceber como você é petulante? — A sra. Hogan parecia agitada. — Entende agora, Kendall, por que eu tinha que conversar com você? — Não, não entendo. Colin pode cuidar de sua própria vida. Nós somos bons amigos e eu prezo a amizade dele, mas não tenho nenhum plano em relação a nós. — Eu poderia gostar mais de você se você tivesse! Dizem que as garotas de olhos verdes não têm coração. — Existem razões históricas para isso — retrucou Kendall. — Lembre-se das bruxas. — Então levantou-se rapidamente, para que a sra. Hogan não pudesse impedi-la. — Desculpe-me, mas preciso ir embora. — Espere, Kendall! — Não posso mesmo, ou chegarei atrasada. — Kendall fez um esforço para sorrir. — Talvez seja a maneira como a senhora sente coisas que a faça ver tudo de forma tão confusa. Se for assim, eu compreendo e prometo que nunca magoarei Colin. Gosto muito dele. Quanto realmente eu gosto dele?, pensou ela, subindo a colina corre ndo. Com certeza a sra. Hogan estava exagerando os sentimentos de Colin. Nunca percebera nele os sintomas de uma forte paixão, embora Nick tivesse lhe dito que Colin estava apaixonado por ela. Quando chegou ao carro, seu coração batia acelerado. A sacola de eompras parecia terrivelmente pesada e foi difícil encontrar as chaves. Quanando afinal ligou o motor, o carro pareceu gemer, depois morreu. Kendall praguejou baixinho e tentou outra vez. Nada. Tentou novamente, e nada. A bateria estava descarregada. Esmurrou o volante, depois achou que era melhor sair e telefonar para o escritório. Quando chegou ao telefone público, Kendall estava a ponto de desmaiar. Mesmo seus dezoito anos não permitiam que abusasse tanto no calor. Claro que não tinha dez cents trocados para pôr nó telefone e, quando já estava pensando em gritar na calçada, um carro parou a seu lado. Era Nick. — Meu herói! — Kendall abriu a porta do carro e entrou.

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— O que você esteve fazendo? — Nick observou a palidez e as gotas de suor que cobriam o rosto dela. — Parece estar a ponto de desmaiar. — Oh, estou mesmo! — Kendall recostou-se. — Primeiro, tive uma conversa chata com a sra. Hogan, e, como se não bastasse, não consegui fazer o carro funcionar. — Onde está o carro? — Na colina. — E você esteve correndo para cima e para baixo? — Faz bem para a saúde. — Fique quieta e relaxe. — Nick falou como se fosse um médico, sem admitir réplicas. — Meu Deus! — Kendall fechou os olhos. — Pode me emprestar dez cents? Tenho que telefonar para o escritório. — Quer parar de agir como uma criança estabanada? — disse ele, fazendo-a encostar-se no banco outra vez. — Eu vou telefonar para o escritório. — Peça para falar com a srta. Reed. Suas pernas tremiam inexplicavelmente e ela sentia-se tonta. Seria melhor deixar Nick cuidar daquilo; ele conhecia todos e todos o conheciam. Quando ele voltou para o carro, Kendall estava com os olhos fechados para não ver tudo girar. — Você está tonta? — Um pouco. — Devia colocar a cabeça para baixo, e não para trás. — Nick segurou-lhe a nuca e baixou-lhe a cabeça. Depois de alguns minutos, ela começou a sentir-se melhor. , — Conseguiu falar com a srta. Reed? — A srta. Reed que vá para o inferno! — Ele ainda lhe segurava a nuca. — Muitos de nós gostaríamos demais que isso acontecesse. — Kendall levantou a cabeça. — O que ela disse? — Não conversei com ela — respondeu Nick, afinal. — Conversei com Bob Stirling. — O patrão! — Provavelmente a srta. Reed não teria me dado muita atenção. Você tem a tarde livre. — O que você disse exatamente? — No meu entender, não tenho que lhe dar satisfações. — Nick fitou-a, percebendo que a cor voltava a seu rosto. — Sabe, Kendall, às vezes você me irrita.

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— E deixo você furioso? — Também. Onde está o seu carro? — No fim da rua Lake. Não funciona mesmo. Eu tentei. Quando pararam na frente de seu carro, Kendall deu as chaves para Nick e deixou-o certificar-se de que a bateria estava descarregada. — A bateria está descarregada! — Foi o que eu pensei. — O que a sra. Hogan lhe disse? — perguntou Nick. — Ela fez quase um ultimato. — É por isso que você está tão chateada? — Eu não estou chateada! E onde você está me levando? — Para onde você quer ir? — Nick fitou-a. — Para casa. Harry mandou um telegrama. Ele não pode vir por causa dos negócios. — E mesmo? — Nick não pareceu convencido. — Vá para o inferno, Nick! — brincou. — Vá você também, sua bruxa de olhos verdes. Harry voltou para casa na sexta-feira e naquela mesma noite ele e Pamela tiveram uma discussão violenta. — Você nunca cumpriu uma só das promessas que me fez! — Pamela estava exaltada. — Pelo amor de Deus, o que há de tão terrível nisso? — disse Harry. — Quantos homens cumprem as promessas que fazem? — Seu grosseirão! — Pamela correu para a cama, pegou o travesseiro de Harry e jogou-o para fora do quarto. — Saia! — Como você quer que eu interprete isso? — Como uma expressão de protesto! — Pamela segurou a porta, pronta para batê-la a qualquer momento. — Você está se arruinando, Harry, bebendo e negligenciando o seu trabalho. Quanto tempo você acha que eu vou agüentar ficar vendo você beber uísque desde a hora em que levanta da cama? Você é igual a todos os homens, pensa que pode dar um jeito em tudo. Mas eu lhe digo uma coisa: estou farta de tudo isso! — Ora, Pammy... — Harry começou. — Não me chame de Pammy, seu imbecil! — disse Pamela, batendo a porta com força. — Uau! — Harry entrou na cozinha e tentou sorrir. — Você poderia me dizer o que deu nela? — Ela tem razão, Harry — disse Kendall com honestidade. — Ah, uma traidora em nosso meio! — Harry sentou-se à mesa. — Seja boazinha e me arranje uma bebida. — Não.

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Kendall.

— Só uma. Eu estou precisando. — É muito fácil para você ficar bebendo desse jeito — disse

— Mas eu já lhe disse que estou precisando. — Harry estava com umas manchas estranhas na pele, que Kendall nunca vira antes. — Você está bem, não está? — Ela tocou o braço do pai, um pouco assustada. — Você está muito vermelho. — É minha pressão — brincou ele. — Você não vai pegar aquela bebida, querida? — Oh, Harry! — Kendall levantou-se, abraçou e bei :ou o pai. — Você não está sentindo nada? — Não! Estou forte como um touro. — Se está sentindo sua pressão alta, tem que se tratar. Você precisa se preocupar mais com a saúde, Harry. É a sua vida que está em jogo! — Mostre-me o caminho para o cemitério! — Isso não é brincadeira, é muito sério! — Não comece a se meter na minha vida. Já basta uma mulher me perturbando nesta casa! — Foi você quem provocou tudo o que aconteceu esta noite. — Sem dúvida! — Harry deu uma risada. — Fui o culpado. Agora, por favor, quer me servir aquela bebida? — Já que você insiste. . . — Kendall suspirou. — Acho que a bebida irá acalmá-lo. — Ela sempre me acalma. Kendall foi até o bar no canto da sala, lamentando o dinheiro desperdiçado na compra de tantas bebidas, quando tinham tantas outras coisas mais importantes para comprar. Serviu um pouco de uísque num copo, colocou água e voltou para junto de Harry. — Aqui está! — disse ela. — Obrigado, querida. — Harry observou a bebida, depois disse: -Você chama isso de bebida? — A maior parte das pessoas chamaria. — Pelo amor de Deus! — Harry suspirou. — Pense muito bem, antes de se casar. — Vou pensar muito bem antes mesmo de me comprometer definitivamente com alguém! — Kendall sentou-se outra vez, olhando para o rosto de Harry. — Nós nunca falamos sobre isso, Harry, mas você ama Pamela, não? Harry suspirou profundamente. — Por favor, diga-me. Sei que Pamela é infeliz. — Mas, minha garotinha, isso é perfeitamente normal para Pamela.

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— Harry tomou a bebida de uma vez só. — Para dizer a verdade, querida, não amo Pamela. — Oh, Harry! — Você está chocada? — Harry olhou para a pia da cozinha. — Durante algumas semanas eu pensei que estivesse apaixonado por ela; depois percebi que a imagem que eu fazia de Pamela não correspondia à realidade. -- Apesar de tudo, acho que Pamela merece mais do que você está dando a ela — disse Kendall. -- E eu não mereço nada? — Harry fitou-a e ela percebeu em seus olhos uma grande solidão. -- Oh, papai! — Todas as lágrimas que ela reprimira nos últimos anos de repente brotaram em seus olhos. -- Não chore, querida! — Harry afagou os cabelos de Kendall. Discussões daquele tipo são insuportáveis. Mas você fui o culpado! Ando meio perdido. Na verdade, sinto-me perdido já faz cinco anos. Minha vida começou e terminou com sua mãe. Sinto-me atualmente como se estivesse vivendo num redemoinho, com tudo em minha vida se perdendo, tudo caminhando sem direção. Por que você acha que não a deixei ir para a Universidade? Porque eu preciso desesperadamente de você aqui. Eu sei, sou egoísta. Eu sei, Pamela e eu não passamos de uma mentira. -- Que coisa horrível! — Kendall levantou o rosto banhado em lágrimas. — Ela gosta muito mais de você do que você pensa. -- Eu também gosto dela, mas isso não é amor, Kendall. — Harry encolheu os ombros. — Não o amor que eu senti por sua mãe. Às vezes a vida nos prega uma peça, da qual é impossível sair. Eu perdi minha esposa e você sua mãe. Isso é irrevogável. -- Mas, Harry, você assumiu uma responsabilidade casando-se com Pamela — disse Kendall, enxugando as lágrimas. — Você não pode se deixar abater. Meu Deus, Harry, você só tem cinqüenta anos! — Quarenta e oito — retrucou ele, ofendido. — Não fique por aí dizendo às pessoas quantos anos eu tenho. — Eu não faço isso! — Kendall parecia nervosa. Harry sempre tentava esconder sua verdadeira idade. — Tenho certeza de que você é capaz de tornar sua vida com Pamela muito mais feliz do que é hoje. — Pamela está muito bem. — Não, não está. Ela sabe que está em segundo plano, e isto deve ser horrível. Você pode mudar tudo isso, Harry. Você é o melhor ator que eu conheço, e estou certa de que, com o tempo, vai se adaptar perfeitamente ao papel. Você apenas não está tentando. — Esse é o problema. Tenho que tentar.

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— E todos não têm? — Kendall estava desanimada com a atitude dele. — Você e mamãe costumavam ter discussões. — E quando elas terminavam... — Os olhos azuis de Harry ficaram sombrios com a lembrança. — Rachel podia ter um gênio forte, mas, por dentro, tinha tanta paz! Você é jovem demais para saber o que é o verdadeiro amor. Minha felicidade com sua mãe, na verdade, estragou-me para o resto das mulheres. — Pare com isso, Harry! Acho bom você começar a prestar mais atenção nos sentimentos dos outros também. Você é muito egoísta. — Ei, calma! — Harry parecia chocado. — Eu também sofro, Harry. Você não é o único que sente falta da mamãe. — Minha querida! — Harry olhou os olhos verdes brilhantes de Kendall. — Perdoe-me! — Claro, eu sempre perdôo. — Kendall levantou-se, cansada. — É melhor eu arrumar sua cama no quarto de hóspedes. — Por que ela sempre joga o travesseiro para fora do quarto, Kendall? — Você podia tentar fazer as pazes. — Claro que sim, mas provavelmente ela só abrirá a porta amanhã de manhã. — Pobre Pamela! Kendall e Harry foram para o quarto de hóspedes. Ela arrumou a cama e ele ficou à espera, sentado numa poltrona, com uma expressão preocupada no olhar. — Vou buscar o pijama para você — disse Kendall. — Não se preocupe. — Claro que eu me preocupo. Pode chegar alguma visita. . . — Talvez Forsyth apareça. Ele quer me comprar três ou quatro obras. — Mas que ótimo! — Os olhos de Kendall brilharam de contentamento.— Por que você não me contou antes? — Eu ainda não comecei a pintá-las — disse Harry sem entusiasmo. — Mas isso não tem importância, Harry! Comece o primeiro e você vai ver como logo, logo termina a encomenda! — Kendall sabia que devia reanimá-lo. — É, falando assim parece fácil. .. — Harry.. . — Ah, não, Kendall. Por hoje chega... — Harry parecia cansado — Sabe o que é? Estava pensando numa forma de todos nós ficarmos ricos!

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— Isso tem alguma coisa a ver com Nick? — perguntou Harrv — Nick? — Kendall repetiu aquele nome, perplexa. — Pamela falou com você? — Pamela? De que você está falando, afinal? — De um trabalho para Pamela. Ela precisa ter algum interesse fora de casa, algum desafio. De preferência, algo que dê dinheiro. Você acredita no trabalho das mulheres. Encoraje-a a conseguir um trabalho. Acho que ela seria a pessoa apropriada para cuidar de uma butique. -- Minha querida! — Harry fitou-a com tanta piedade, que se podia pensar que ela tivesse perdido o juízo. — Você consegue ver Pamela trabalhando? Para outra mulher? Não deve ter passado despercebido para você, que ela nunca aprendeu a nobre arte da diplomacia. Ela detestaria isso, minha cara. Pamela sente necessidade de ser o centro das atenções. -- Ela poderia ser. Na loja dela! — disse Kendall. -- É preciso capital para se abrir um negócio, garota. Oh, meu Deus! -- Ele cocou a têmpora direita. — Ela não está pensando em pedir Nick, está? -- Não, não está! — Kendall mentiu. — Mas não há nada de mal em pedir a opinião dele. Nick é a pessoa que mais entende de negócios na região. Tenho certeza de que ele ficaria feliz em nos ajudar a ver todas as possibilidades. Deixe-me dormir, Kendall. . . — pediu Harry. — Ninguém tem sua coragem e a sua autoconfiança. -- Mas não é uma má idéia, é? -- Na verdade, não é. — Harry cocou o bigode. — E eu até poderia usar o meu talento. Nas minhas horas de folga, poderia criar alguns modelos exclusivos. -- Então nós falaremos com Nick amanhã à noite? -- Não sobre o capital. — Harry ergueu as sobrancelhas. — Todo mundo vive pedindo dinheiro para Nick. Quero a amizade dele mais que qualquer outra coisa. Eu não a estragaria por causa de dinheiro. — É exatamente o que eu penso! — Kendall abraçou o pai. Agora tudo o que ela tinha que fazer era conversar com Nick. Uma boa noite de sono fez maravilhas por Harry. E, na manhã seguinte, quando as duas mulheres acordaram, o aroma delicioso de café e de bacon frito pairava na cozinha. Kendall chegou primeiro, sabendo que não poderia ser Pamela, a não ser que ela tivesse mudado de humor repentinamente. — Bom dia, querida — disse Harry, parecendo muito bem disposto. — Mas que surpresa! — Ela olhou encantada para a toalha da mesa e para o vaso de flores que a decorava.

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— Levantei muito cedo hoje — disse Harry, e serviu suco de abacaxi em três copos. — Sua querida madrasta já se levantou? — É melhor fazer suco de laranja para Pamela — sugeriu Kendall. — Suco de abacaxi lhe dá acidez no estômago. — Vou fazer. Quero agradá-la. — Você parece ter dormido bem. — Kendall bebeu o suco de abacaxi. — Na verdade fiquei acordado durante horas, pensando na sua idéia. — Então você a aprovou. — O suco estava tão refrescante que Kendall bebeu também o que Harry servira para Pamela. — Bem, vamos dizer apenas que ela me deu o que pensar. — Harry serviu bacon e ovos em dois pratos. — Veja se Pam se levantou, sim, querida? — Não é preciso. — Pamela apareceu na porta da cozinha, sem maquilagem e com os cabelos longos presos num coque. Harry colocou a frigideira no fogão, contornou a mesa e abraçou Pamela pela cintura, beijando-a na boca. — Isso é um pedido de desculpas por ontem à noite — disse ele. — Estou grata. Tão grata! — Pamela estava dividida entre a sinceridade e o sarcasmo. — Ora, você sentiu a minha falta, você sabe que sim. — Pare de brincar, Harry! — Corada pelo gesto carinhoso de Harry, Pamela parecia quase dez anos mais nova. — Ora, querida, estou tentando pedir desculpas a você. Você é muito boa para mim. — Ele abraçou-a novamente e beijou-a. — Que novidades são essas, de você estar querendo abrir uma loja? — Por que não? — Pamela olhou rapidamente para Kendall, que assentiu. — Conversei com Harry ontem à noite. Ele está muito entusiasmado. — Sentem-se, garotas. Se não tomarmos cuidado, vai esfriar tudo. — Harry puxou uma cadeira para Pamela, que olhou ansiosa para Kendall. — Vocês poderão me contar tudo enquanto comemos. — Neste caso, acho que também vou comer. — Pela primeira vez, Pamela resolveu esquecer a dieta. — Pegue o meu prato. — Kendall colocou seu prato na frente da madrasta. — Harry, sente-se e coma também. Só levarei um minuto para preparar outro para mim. Levaram mais de uma hora conversando sobre o assunto e concordaram unanimemente em pedir conselhos a Nick. Ele .era um perito em matéria de dinheiro e exigências legais. Pamela, durante a conversa,

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aproveitou a oportunidade para dizer que talvez Nick se interessasse em auxiliá-los inclusive financeiramente. Harry, por sua vez, tentou explicar-lhe com calma que os bancos e as instituições imanceiras existiam justamente para casos como aquele. — Se isso der certo, eu poderia até desenhar algumas roupas. — Pamela estava animada. — Ou poderíamos fazer isso juntos, Harry. Lembrase daquele vestido de noite que você desenhou para mim? Você tem bom gosto, e é um excelente desenhista. — O quê? — Harry zombou da sugestão. — Rebaixar-me em desenhar roupas para mulheres? — Você não detestaria ser rico — disse Pamela secamente. — Pense em todas as garrafas de uísque que você poderia trazer para posa. — É, vou pensar no seu caso. — Desculpe-me, querido. — Ela colocou a mão no braço de Harry. — O problema é o seguinte: se queremos impressionar Nick e todas as pessoas que estiverem na festa, precisamos comprar um vestido novo para Kendall. Ela não tem um vestido decente para usar na festa. — Acho uma boa idéia. — Harry olhou para sua bela filha. — Mas será que já não estamos muito em cima da hora para arrumar ligo bonito? — Basta ir até a cidade. — Pamela olhou para Kendall. — É claro que não encontraremos algo tão fino quanto eu desejaria, mas ela é jovem e magra o suficiente para ficar bonita com qualquer coisa. Pamela e Kendall foram a quase todas as lojas, à procura de uma roupa para ela usar na festa. Quando estavam quase desistindo, encontraram algo que agradou a ambas. Um leve e audacioso vestido negro, completamente diferente de tudo o que Kendall já vestira. — Você fará sucesso! — disse Pamela, orgulhosa, e nem mesmo piscou ao pagar o vestido. — Pelo menos aquela esnobe da Thalia Langford não poderá torcer o nariz para nós. — Seja gentil com ela — Kendall advertiu-a com um sorriso. — Ela poderá ser uma de suas clientes!

CAPÍTULO III Quando chegaram em frente à mansão dos Langford, Pamela, Kendall e Harry ficaram admirados com o esplendor não só da paisagem que se descortinava dali, como também da fachada da residência de Nick. Pamela e Kendall desceram em frente à casa e ficaram esperando por Harry, que foi estacionar seu modesto carro um pouco afastado dos automóveis luxuosos dos outros convidados.

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Quando se reuniu à esposa e à filha, Harry não pôde deixar de admirar mais uma vez Pamela, elegantemente vestida com uma longa túnica branca, e Kendall, misto de mulher e garota, naquele vestido negro revelador. Nick recebeu-os gentilmente; a elegância de suas roupas acentuava seu porte atlético. Pamela e Harry sorriram felizes para ele, mas Kendall retraiu-se, hesitante e assustada. — Será que você é mesmo aquela menininha chamada Kendall? — murmurou Nick para ela. O grande número de convidados espalhava-se pelos dois imensos salões. Várias pessoas cumprimentaram Pamela e Harry, e Kendall ficou a sós com Nick. Aquela era a primeira recepção de Nick a que ela comparecia, e por isso sentia-se nervosa e insegura, pois achava que não era tão bela quanto Pamela e nem possuía a personalidade cativante de Harry. — Por que você está tão inquieta? — perguntou ele. — Por estar no meio de toda essa gente bonita. — Você se sairá bem. — Os olhos de Nick examinaram detalhadamente os cabelos, o rosto e os ombros nus de Kendall. Depois desviaram-se vagarosamente para a leve curva dos seios. — Muito, bem. Uma mulher alta e magra, usando um vestido de jérsei vermelho, abriu caminho por entre os convidados. — Ah, finalmente encontrei você, Nick! — O sorriso brilhante desapareceu quando ela viu Kendall. — Ora, esta é. . . é. . . — Kendall Reardon — completou Nick secamente. — Esta é minha prima Thalia, Kendall. — Mas, minha querida, eu não a reconheci! — Thalia agora segurava o cotovelo de Nick, leve mas possessivamente. — Você está crescida! — Você não foi a única a perceber — murmurou Nick. Vários homens que passavam por eles olhavam com interesse para Kendall. — Ora, vamos deixar isso para lá. — Nick encolheu os ombros. — Se algum deles começar a incomodá-la, Kendall, avise-me imediatamente. — Incomodá-la? — Thalia fitou-o, perplexa. — Será que ela não tem idade suficiente para cuidar de si mesma? — Não, não tem — respondeu ele com firmeza. — Eu sou um anfitrião muito responsável. Logo depois, Kendall já estava circulando pelos salões, cumprimentando alguns conhecidos e, na medida de suas possibilidades, dando atenção a cada um dos rapazes que se interessavam em conversar com ela. Kendall descobriu que os rapazes que dirigiam os automóveis caros não eram muito diferentes dos rapazes do seu círculo de amizades. Eles se

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vestiam melhor, claro, e também possuíam uma certa arrogância descuidada, mas ela percebeu que podia lidar com eles tão facilmente quanto lidava com os rapazes que conhecia. Eles podiam até mesmo aborrecê-la também, com seus elogios exagerados e a maneira como fitavam seus lábios, enquanto ela falava. U m deles, mais velho e mais decidido do que os outros, levou-a para o terraço, uma área enorme e mais descontraída, onde grupos de pessoas conversavam, observando os casais que dançavam. — Eu simplesmente amo essa mulher, você não? — Seu companheiro, Dean Hallitt, puxou-a para a pista de dança. — Quem? — O corpo de Kendall automaticamente começou a moverse ao som contagiante da música. — Donna Summer. — Dean admirava os movimentos graciosos de Kendail. Ela era uma bailarina nata, com pronunciado senso de ritmo. — Oh, sim. — Kendall sorriu, desejando que ele não a fitasse tão intensamente. Era muito desconcertante. — Quem ensinou você a dançar? — perguntou ele, empurrando-a para frente e puxando-a de volta, ao som da música. — Você é muito bom dançarino. — Era verdade. — Sou bom quando tenho alguém como você para dançar. Se você se soltasse um pouco mais, seria sensacional. Kendall demorou alguns momentos para perceber que os outros casais estavam se afastando, dando-lhes mais espaço para dançar. — Parece que estamos dando um show! — disse Dean, intimamente feliz por ser o centro das atenções. — Vamos, doçura, dê tudo o que você tem! Alguém aumentou a música e um grupo de convidados começou a bater palmas, acentuando ainda mais o compasso acelerado da música. Dean não sorria, concentrado no que estava fazendo. Kendall passou a acompanhá-lo com mais entusiasmo, dançando mais depressa e com mais originalidade; dependendo dos movimentos que fazia, a saia de seu vestido levantava-se, mostrando suas belas pernas. Quando a música terminou, Kendall teve vontade de fugir dos aplausos que se seguiram. Mais do que isso, quis fugir de Dean, pois ele a abraçou e beijou seus lábios entreabertos. Isso a desagradou profundamente. Foi então que viu Nick. Ao contrário de todos, ele não estava sorrindo e parecia atento a eles. — Foi uma experiência e tanto! — Dean ainda segurava-a pelo braço firmemente. — Você é incrível... e eu estou sendo sincero!

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— Agora eu preciso sentar. — A voz de Kendall soou nervosa. Enquanto se aproximavam das mesas e Dean agradecia os elogios, Thalia, que estava ao lado de Nick, disse num tom provocante: — Foi uma apresentação e tanto! — Há quanto tempo vocês estão assistindo? — Dean, que aparentemente a conhecia bem, sorriu, malicioso. — Desde o começo. — Thalia olhou para o rosto corado de Kendall. — Você podia ser um profissional, meu bem. — É tudo uma questão de ritmo, querida — disse-lhe Dean. — Você, Thalia, é absolutamente fantástica cavalgando, mas sobre uma pista de dança. . . — Tenho certeza de que Thalia melhoraria com uma boa orientação. . . — Nick falou pela primeira vez. — Por que você não lhe dá uma lição agora? — Eu não quero lição! — Thalia descartou a sugestão impacientemente. — Por que não tentar? — disse Nick e pegou Kendall pelo braço. — Esta criança está precisando de um descanso. — Parece que não nos querem aqui, querida! — Dean sorriu para Thalia. — Vamos, você pode aprender alguns passos simples. Com a cabeça jogada para trás e parecendo ofendida, Thalia seguiu Dean. — Você não demorou muito, não foi? — Nick murmurou para Kendall sem fitá-la. — Não sei do que você está falando. — Então eu vou explicar. Não vá se envolver com esse tipo. Dean Hallitt é muito mais perigoso do que qualquer pessoa com quem você esteja acostumada. Por um momento ela prendeu a respiração, como se estivesse chocada, depois explodiu, furiosa: — Você deve estar louco! — Em público não, pequena. — Ele segurou-a pelo cotovelo e levou-a na direção da piscina iluminada. — Não, não estou louco — continuou ele. — Não quero você na companhia de Hallitt, entendeu? — Mas eu o conheci hoje, aqui na sua casa — disse Kendall, espantada. — E ele já beijou você. — Eu detestei isso! — Não me pareceu, Kendall. E tenho certeza de que ele também não percebeu. Fique longe dele, garota. Dean não é uma boa companhia.

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— Meta-se com a sua vida, Nick! Não admito que você fale comigo nesse tom! — Oh, sim, meto-me! — A raiva de Kendail parecia ter passado para ele. — Estou arrependido por tê-lo convidado! — Por que o convidou? — Tenho uma porção de negócios com o pai dele — disse Nick friamente. — Então ele é útil para você! — De certa forma, sim. Que inferno! Ele e Thalia quase ficaram noivos uma vez. — Mas que ótimo! — Ela estava tremendo agora. — Não fiquei sabendo. Nossos círculos de amizades são muito diferentes, você sabe. — Não banque a temperamental comigo. — Talvez você esteja me insultando! — Os olhos dela brilhavam. — Se eu a insultei, desculpe-me. É melhor ser eu a insultá-la do que qualquer outra pessoa. — E pensar que eu estava me divertindo! — As garotinhas precisam ser salvas dos gaviões — disse Nick, mais calmo. — Há outros aqui com os quais você pode se divertir. — Não com você, meu caro! — disse ela. Ele então segurou os ombros dela com força, machucando-a. Kendall protestou. — Desculpe-me, mas acho que você não sabe quando deve parar. Se ele não a estivesse prendendo em seus braços, ela teria se arriscado a sair correndo. — Você não tem que circular? — perguntou ela a Nick, com voz trêmula, prestes a chorar. — Todas essas trapalhadas são típicas de você! — Então você já devia estar acostumado! Ficou bravo só por causa daquele beijo estúpido? — Eu devia ter batido naquele cara! Sim, é o que eu devia ter feito. Aliás, acho que é o que eu devo fazer. — Nick! Por favor, pare. Acho que eu não devo ficar aqui, já que você está tão furioso comigo. — Está bem, fique calma. Mas eu tinha que avisá-la sobre Hallitt. Dali em diante, não importava o que ela estivesse fazendo, ou com quem estivesse conversando, se virasse a cabeça encontrava o olhar de Nick. Harry mostrava seu característico humor, mantendo todos os que estavam à sua volta rindo, e Pamela fazia um verdadeiro esforço para ser agradável com as senhoras mais velhas.

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Pamela sempre tinha deixado claro que achava a companhia de seu próprio sexo uma completa perda de tempo, mas naquela noite via as coisas de modo diferente. Todas aquelas mulheres tinham dinheiro e influência. Eram mulheres que podiam ser persuadidas a patrocinar uma butique de primeira classe. Ela sabia de antemão que aquelas senhoras não compravam seus trajes nas lojas da cidade, por ocasião de algum acontecimento especial. Pamela estava certa de que, se conseguisse manter o negócio que desejava, poderia ter todas elas como clientes. Uma hora mais tarde, talvez mais, Dean Hallitt aproximou-se de Kendall novamente. Ela fizera o máximo para evitá-lo, o que não fora muito difícil. A discussão com Nick deixara-a agitada e ela estava começando a se dar conta de seu próprio poder; como Nick dissera, havia muitos outros com quem se divertir. Entretanto, no minuto em que ficou sozinha, Dean aproximou-se e ela percebeu quanto sua boca era cruel sob o bigode preto. — Você esteve me evitando, não, amor? — perguntou ele. — Absolutamente! — Ela fingiu estar surpresa. — Talvez Nick tenha tido uma conversa particular com você. — Ele não me disse nada. — Você não sabe mentir muito bem, não é? — disse ele lentamente. — Ele está nos observando agora, soltando faíscas pelos olhos. Demônio arrogante! Rico, bonito, implacável quando tem que ser, enfim um homem de poder e influência. Meu pai sempre me compara desfavoravelmente com ele. Qual o interesse que ele tem em você? — O de um bom anfitrião, eu imagino. — Kendall disse a verdade, como ela a via. — Deixe disso! Você é uma garota muito bonita, ou ainda não descobriu isso? Virando-se um pouco, Dean aproximou-se ainda mais de Kendall. — A propósito, você sabia que deixou Thalia furiosa? — Mas por quê? — Kendall sentiu a raiva transparecer em sua voz. — Ela não gosta da maneira como Nick protege você. Thalia adoraria que ele fizesse o mesmo com ela. — Será? Eles são primos. — Você é uma garota inteligente, mas Thalia não. Ela é loucamente apaixonada por Nick desde que éramos crianças. Eu acho isso incestuoso. — É mesmo? — Ele estava começando a aborrecê-la. — Eu ouvi dizer que você quase ficou noivo dela. — Não lamente por mim, boneca. Nunca estive apaixonado por Thalia.

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Com alívio, Kendall viu o rapaz que fora buscar uma bebida para ela caminhar em sua direção. — Aqui, Dave! — disse ela, levantando a mão. O rosto feio e sardento do rapaz iluminou-se e Dean sorriu maliciosamente. — Dave Masterson, que tédio! — Eu gosto dele. Felizmente Dean não a perturbou mais, e ela foi jantar com Dave e seu irmão gêmeo. Nenhum dos dois a incomodava e, aos poucos, Kendall voltou a se divertir. A comida estava deliciosa, mas ela não sentia fome. Estava um pouco preocupada com o que Dean lhe dissera sobre Thalia. Ela representaria uma ameaça para Thalia Langford? Imagine! Não conseguia entender. Depois do prolongado jantar, a música se tornou mais doce e suave. Kendall encontrara-se com Pamela no lavabo quando ambas foram retocar a maquiagem, e Pamela havia dito que não tivera uma só oportunidade de conversar com Nick sobre a butique. Talvez ela pudesse puxar o assunto se o encontrasse a sós. Aparentemente Pamela pensava que ela, Kendall, fosse sutil o suficiente para fazer com que Nick se interessasse pelo negócio. Triste engano! Sentindo-se um fantoche, Kendall caminhou com a cabeça baixa para o terraço e quase caiu nos braços de Nick. — Ei! Kendall levantou a cabeça, assustada, observando como os olhos dele mudaram ao perceber que era ela. Oh, maldito! Pela segunda vez naquela noite ela quis sair correndo. — Desculpe, eu não estava olhando por onde andava — desculpou-se ela. — Não tem problema. Em todo o caso, eu estava mesmo procurando por você. — Oh, por quê? — Não fique brava comigo, garota! Ela meneou a cabeça, experimentando uma mistura de emoções. Sentiu-se tensa. — Você não está cansada, está? — perguntou Nick. — Acho que você foi muito requisitada hoje. — Bem, eu não pedi por isso. — Venha cá. Nick abraçou-a gentilmente, fazendo com que ela se colasse a seu corpo, com a desculpa de que dançavam. Kendall devia estar querendo aquele abraço, pois todo o seu corpo se entregou.

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— Você é um bruto, Nick! — Mas, garota, alguém tem que cuidar de você. — As mãos dele moviam-se carinhosamente sobre as costas de Kendall. Uma estranha excitação estava tomando conta de Kendall, como uma droga perigosa. Ela teve que fazer um esforço grande para manter uma certa tranqüilidade. — Sua casa é fantástica — disse sinceramente. — Você não viu metade dela. Se quiser eu lhe mostro. — Quantos quartos tem? — Ela estava dizendo qualquer coisa que lhe viesse à cabeça. — Que pergunta interessante, Kendall! — Perguntei sem segundas intenções, Nick. — Estou certo que sim. Você parece uma mulher feita, mas no fundo ainda não passa de uma menininha. Ele estava muito perto dela e Kendall podia sentir o calor de seu corpo e o perfume forte da colônia que usava. — No que está pensando? — Nick parecia sinceramente interessado. — Oh, estava pensando em quanto as minhas experiências são limitadas. — Não faz muito tempo, você era uma criança. — Nick baixou um pouco a cabeça para encará-la. — Não deve ser fácil tornar-se mulher. — Não, não é. — Não tenha medo. Você conseguirá. Eu prometo. Tudo o que Nick dizia lhe chegava aos ouvidos como se a voz dele estivesse muito distante, pois Kendall se sentia terrivelmente emocionada. Era tão estranho estar dançando com Nick, embora aquilo parecesse ser o fato mais normal do mundo! Afinal, ela o conhecia desde quando tinha quatorze anos! — Você não convidou Colin, não é? — perguntou ela. — Fiquei muito tempo com ele ontem à noite. Cansou-me. — Mas ele é tão agradável! — De repente a figura de Colin surgiu na mente de Kendall. — É isso o que as mulheres querem de um homem? Que ele seja apenas agradável? — Puxou suavemente os cabelos de Kendall, forçando-a sutilmente a olhar para ele. — Eu não sei o que quero — disse com voz rouca, sentindo de repente que lágrimas brotavam em seus olhos. Lágrimas! Ela queria morrer de vergonha. — Kendall! Nick estreitou ainda mais seus braços em volta dela.

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— Está tudo bem. Não vou me descontrolar. — Mas ela sentia que, se não tomasse cuidado, cairia numa séria crise de choro. — Calma. — Ele baixou os olhos e olhou para ela. — Você está tremendo. Thalia Langford também percebeu o estado em que Kendall se encontrava, ao aproximar-se do casal. — Nick! — exclamou, observando perplexa a expressão confusa de Kendall. — O senador e a sra. Lawson estão indo embora. — Deus, eu me esqueci deles! — Nick virou-se para Kendall. — Fique aqui, garota. Não vá embora. Claro que ela foi. Quanto mais longe estivesse, melhor. O que estaria acontecendo com ela? Estaria ficando louca? Para se acalmar, procurou Harry, mas ele estava no meio de uma de suas histórias engraçadas e limitou-se a fazê-la sentar-se a seu lado, sem dar-lhe muita atenção. De qualquer forma, o que ela devia dizer? Acho que estou me apaixonando por Nick, pensou. Que confusão isso traria! Nick iria parar de visitá-los, Harry ficaria sem um amigo e Pamela perderia o possível financiador de sua butique. Ela não tinha outra opção senão fazer o máximo para evitá-lo durante o resto da noite.

CAPÍTULO IV No dia seguinte Colin foi até a fazenda e convidou Kendall para jantar em sua casa. — Mamãe convidou algumas pessoas — ele explicou com um sorriso gentil. — Você pode me ajudar a assar a carne. — Sua mãe me convidou? — Ela insistiu — disse Colin. — Ela gosta muito de você, você sabe disso. A última coisa que Kendall queria era ir a um churrasco na casa dos Hogan, mas essa seria uma forma de escapar de Nick. Harry conseguira falar com o amigo sobre "uma pequena aventura comercial que estamos pensando" e Nick, muito amavelmente, prometera ir visitá-los naquela tarde. Kendall tinha certeza de uma coisa: não queria ver Nick. Não agora, que havia percebido o que sempre sentira por ele. Pela primeira vez em sua vida estava com medo... Medo de si mesma e das emoções novas que estava experimentando. A fazenda dos Hogan ficava a quatro quilômetros de distância e, quando chegou, Kendall viu Sue Lockhart e seus pais descendo do carro. — Olá! — cumprimentou Kendall de maneira amigável.

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Os Lockhart eram pessoas agradáveis, honestas e trabalhadoras, e haviam se adaptado muito facilmente à comunidade local. Entretanto, Kendall não sabia que eram íntimos da sra. Hogan. — Que prazer em vê-la, querida! — disse a sra. Lockhart, sorrindo. — Como vai a sua família? — Muito bem, obrigada. — E quando você vai aparecer em nossa casa, Kendall? — perguntoulhe o sr. Lockhart. — Logo que eu puder. O senhor não faz idéia de quanto apreciamos ver a sua plantação crescer. — Sim, graças a Deus! — disse o sr. Lockhart. — Daqui a dois anos poderemos fazer a primeira colheita. Acho que posso prometer-lhe um chá de ótima qualidade. Caminharam para casa todos juntos e, como Kendall continuasse a fazer perguntas sobre a plantação de chá que a fascinava, não percebeu que Sue a observava atentamente. Sue era bonita e tinha os olhos azuis e os cabelos loiros da mãe. Havia mais quatro pessoas na casa, todas amigas da sra. Hogan e conhecidas de Kendall. A sra. Hogan mantinha a casa muito bem arrumada, mas Kendall sempre tinha vontade de mudar as coisas de lugar. Não havia livros, nenhum animal, apenas algumas flores arranjadas em vasos de gosto duvidoso. Todas as cortinas estavam fechadas, como se a sra. Hogan temesse que o sol estragasse a mobília e os pequenos objetos espalhados pelas mesas e prateleiras. As novas cortinas, ela notou, não haviam feito nada pela sala, a não ser deixá-la ainda mais sóbria. . Kendall devia ter ficado olhando fixamente para as cortinas, pois a sra Hogan fitou-a com severidade. — Qual é o veredicto, Kendall? — Sem dúvida, um trabalho de profissional! — respondeu ela, evitando uma resposta mais direta. A sra. Hogan costurava muito bem e pareceu satisfeita com o comentário. — Por que os jovens não vão acender o fogo? — perguntou ela alegremente. — Eu levarei tudo para fora. Foi um dia muito agradável, pois todos se divertiram, apesar de a sra. Hogan não servir bebidas alcoólicas. Colin comportava-se ds maneira submissa, dividindo seu tempo entre Sue e Kendall. Sue, evidentemente, era a favorita da sra. Hogan, que sugeriu a Colin levá-!a a um bonito lugar que ela nunca visitara. — Por que Kendall também não vai conosco? — perguntou Sue delicadamente, e com tanta generosidade que Kendall sentiu o coração

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apertado. Pois tinha ficado claro que Sue, com toda a sua timidez, estava caída por Colin. — Eu já fui lá muitas vezes — respondeu ela. — Vá e divirta-se... e leve um maiô, pois há uma cachoeira muito bonita. Vendo Kendall dirigir-se para o carro, Colin disse, pensativo: — O que você acha que minha mãe está tentando fazer? Sue é uma ótima garota, mas não é nada em comparação a você. — Por que você não dá uma chance a ela? — perguntou Kendall. — Acho que você a deixa acanhada. — Eu, deixando uma garota acanhada? — Colin jogou a cabeça para trás e riu. — Acho que não será tão ruim, afinal. Ela é uma garota encantadora e mamãe parece gostar dela. — Gosta mesmo — confirmou Kendall secamente. — Bem, obrigada pelo dia agradável que passei, mas preciso ir. — Você não me contou como foi a festa no Parque Flamingo. — Você ficou sabendo? — Todos ficam sabendo sobre as festas de Nick. Como foi? — Um imenso sucesso — disse ela. — Imagino que seja um lugar fabuloso — comentou Colin. — É, mas não se preocupe, você está indo muito bem. Sua fazenda está progredindo bastante. — Estou dirigindo a fazenda melhor do que eu pensava — disse Colin, orgulhoso. — Mas minha mãe me ajuda muito! Kendall não respondeu, limitando-se a sorrir. — Vá em frente e não desiluda a pobre Sue. — Acho que ela está cansada de saber por quem meu coração bate — disse Colin, mais impetuoso do que o normal. — Telefono para você no meio da semana. Poderíamos ir a algum lugar na quarta-feira à noite. A tempestade que estivera ameaçando nas últimas horas subitamente caiu. Os limpadores de pára-brisa não trabalhavam depressa o suficiente e, quando estava subindo a estrada esburacada, Kendall pensou em parar. A estrada ficava muito escorregadia em alguns lugares e havia muitas curvas. Diminuiu a velocidade, procurando um lugar para estacionar, e viu quando um pequeno automóvel amarelo, que fazia a curva, subitamente derrapou na pista. Isso aconteceu exatamente na sua frente. Horrorizada, Kendall percebeu que não seria capaz de frear seu carro a tempo. Nunca sofrerá um acidente e o que estava acontecendo agora lhe parecia um sonho. Tudo ocorreu em poucos segundos. Ela pisou no freio, não com muita força para seu carro não derrapar. Os dois carros colidiram com um terrível

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estrondo e o automóvel amarelo ainda rodopiou um pouco, parando de encontro a uma árvore. Kendall não sentiu nada a não ser alívio. Ela ainda estava inteira, mesmo que seu carro não estivesse, e o outro motorista já estava saindo do dele. As mãos de Kendall nem mesmo estavam tremendo quando ela colocou seu pequeno veículo avariado de volta à pista, um pouco mais adiante. A vida era cheia de surpresas: num momento, uma festa despreocupada; no outro, uma colisão que poderia ter-lhe custado a vida. Nem sentia a chuva e, pelo jeito, o outro motorista também não. Ele era jovem, tinha mais ou menos a sua idade, e um rosto não propriamente inteligente. — Uau! — exclamou ele. — Desta vez a gente chegou perto! — Você está certo! Esta estrada é perigosa quando está molhada. — Eu tentei parar. — Ele quase chorava. — Você cortou a cabeça — disse-lhe Kendall. — É mesmo? — Ele levou a mão à cabeça. — Não tem importância. Minha cabeça não me preocupa. Este carro não é meu. — De quem é? — Da minha mãe. — De repente ele começou a gritar: — Ela vai me matar! — Você podia ter matado você e eu — disse Kendall bruscamente. — Acalme-se. Aposto que sua mãe prefere ter você ao carro. — Estou me sentindo mal. — Oh, Deus! — Ele estava muito pálido. — Vamos para o seu carro. Lá você poderá ficar sentado. — Você é muito calma, não? — disse ele. — Não resolveria nada ficar nervosa. Olhe, você terá que esperar aqui enquanto eu vou buscar ajuda. O seu radiador está estragado. — Oh, inferno! — resmungou ele. — Os radiadores são substituíveis — disse ela, tentando confortálo e agradecendo a Deus por seu carro estar funcionando. — Não vou demorar muito. Moro a dez minutos daqui. A propósito, eu me chamo Kendall Reardon. — Bobbie Cotton. — Ele fechou os olhos. — Bobbie Cotton? — Por alguma razão aquilo lhe pareceu muito engraçado. — Bem, fique aí, Bobbie, e eu irei buscar ajuda. Quando ela chegou à fazenda, o automóvel de Nick estava estacionado sob o jacarandá, ao lado da casa. Kendall subiu os degraus e teve a presença de espírito de tirar as sandálias ensopadas. — Harry, você está aí? — Ela estava ensopada dos pés à cabeça, mas não estava ligando.

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— O que foi? — Harry apareceu na varanda e logo em seguida Nick surgiu atrás dele. — Que, diabos, aconteceu com você? — Houve um acidente. — Com você? — Harry recuou um pouco e sentou-se numa poltrona. — Você está bem, não está? — Você está machucada, Kendall? — Nick aproximou-se dela e começou a examiná-la. — Não, mas o outro motorista, sim. — Kendall sentiu suas pernas tremerem. — Foi a alguns quilômetros daqui. Ele é muito jovem. Seu carro derrapou e bateu no meu. — Eu vou matá-lo — disse Harry. — Acho que a mãe dele se encarregará disso. — Você tem que tirar essas roupas molhadas — disse Nick. — Eu disse a ele que voltaria. — Ridículo! — Pam! — gritou Harry. — Se você tem certeza de que está bem, Kendall, eu irei ver o que posso fazer por esse rapaz — disse Nick. — Estourou o radiador do carro dele. — Venha cá, querida. — Harry levantou-se e a abraçou. — Minha garotinha! — O que foi? — perguntou Pamela, aparecendo na varanda. Eles estavam no meio de uma discussão muito importante.. . para ela. — Kendall sofreu um acidente — explicou Nick rapidamente. — Eu daria a ela um chá com bastante açúcar e faria com que deitasse. Ela teve um choque. — Minha querida! — Pamela correu para o lado de Kendall. — Venha comigo. Kendall não foi para a cama, mas consentiu que Pamela lhe preparasse uma xícara de café instantâneo com duas colheres de açúcar. Estava tão doce que ela pensou que fosse lhe fazer mal, mas só de bebê-lo já se sentiu melhor. Depois todos se sentaram na sala e ficaram esperando por Nick. Passou-se quase uma hora antes que ele voltasse. Pamela e Harry haviam prometido aos Jamieson, amigos de Nick, que iriam jantar com eles. Clive Jamieson possuía uma coleção de obras de arte e queria que Harry a conhecesse, sem saber que Harry tinha pouco interesse em outros artistas, a não ser nos grandes gênios. — Você deve estar se sentindo melhor, sua cor está voltando — disse Nick, sentando-se e olhando para ela.

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— Eu estou bem. — Kendall recostou-se na poltrona. — Obrigada, Nick.

— O que faríamos sem você? — confessou Harry com sinceridade. — Espero que tenha repreendido aquele moleque. — Deixei que a mãe o repreendesse. — Nick deu uma risada, lembrando-se do incidente. — Você teve que chamar a polícia? — perguntou Pamela, fingindo interesse. — Não houve estrago suficiente. Os dois tiveram muita sorte. — Sorte! — resmungou Kendall. — Você viu o meu carro? — Mais ou menos — respondeu Nick laconicamente. — Ainda bem que nada de grave aconteceu — disse Harry, um pouco mais alegre. — Só precisamos mandar desamassar o carro. — Deixe isso comigo — disse Nick. — Eu arrumarei alguém para levar o carro à oficina. — Ótimo — disse Kendall. — Enquanto isso, eu arrumo outro carro pequeno para você. — Você é assim sempre tão generoso com seus amigos? — perguntou Kendall quase desafiadoramente. — Não. — Bem, em nome de todos nós, Nick, gostaria de agradecer —disse Harry. — Kendall ficaria perdida sem o seu carrinho. A propósito, é melhor telefonar para os Jamieson — disse Harry para Pamela. — Para quê? — perguntou ela. — Não quero deixar Kendall sozinha depois de ter sofrido um acidente — disse Harry. — Mas ela está bem! — Pamela começou a ficar irritada mesmo na frente de Nick. — Além do mais, é muito tarde para telefonar agora. Nós estamos sendo esperados daqui a uma hora. — Não cancelem o compromisso. Ficarei feliz em poder cuidar da nossa ovelhinha — propôs Nick. — Eu posso cuidar de mim mesma! — protestou Kendall. — Não parece — disse ele. — Podemos ir até a minha casa. Você me disse que gostaria de conhecê-la por inteiro. — Então está combinado! — Harry sorriu. — Só existe um homem a quem eu confiaria a minha filha, Nick, e esse homem é você. Pamela deu um suspiro de profundo arrependimento; ela também não vira a casa inteira. — Ei, escutem aqui — gritou Kendall. — Eu não preciso de uma babá! — Só que hoje você vai ter uma! — disse Nick com arrogância. — Não espero que me agradeça.

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Quando chegaram ao Parque Flamingo, a tempestade já havia passado. Kendall respirou profundamente, sentindo o ar fresco penetrar-lhe o corpo. — Que honra ter sido convidada para vir aqui pela segunda vez! — Não fique me provocando, garota — brincou ele. — Sei que fui eu quem a meteu nisso, mas você não tem por que se preocupar. — Do que você está falando? — perguntou Kendall. — Daquilo que a deixou aborrecida ontem à noite. Kendall não ousou encará-lo e entrou na sala de estar, enquanto Nick acendia as luzes. — Só porque eu estava me divertindo com Dave Masterson! — Qualquer desculpa era sempre melhor do que nenhuma. — Você precisava ter fugido? — disse ele, novamente furioso. Ela se via forçada a esconder de Nick sua verdadeira tragédia interior. — Todos esses seus ataques de fúria devem ser hereditários. Com certeza você vai passá-los para seus filhos — disse Kendall, tentando desviar a conversa. — Esta casa realmente precisa de crianças — comentou ele, olhando para ela. — Mas lembre-se do que Harry diz: você tem que se casar primeiro. — Eu nem mesmo encontrei a mulher. — Tenho certeza de que você não terá que procurar muito. — Kendall sentiu uma pontada no coração quando percebeu o duplo significado do que dissera. — É, tenho que me cuidar! — Surpreendentemente a voz dele parecia divertida. — Pare de ficar fazendo suposições, Kendall, e deixe-me mostrar-lhe os outros cômodos que você não conheceu. Kendall visitou os aposentos calmamente, um por um; eram enormes, todos de teto adornado com belas pinturas. A mobília da casa era quase toda antiga, a não ser os sofás e as confortáveis poltronas. — Onde está a sra. Mitchell? — perguntou Kendall. Nora Mitchell estava a serviço dos Langford há anos; era uma mulher muito eficiente e que agora cuidava da casa para Nick. — Ela merecia uma folga, Kendall, especialmente depois da noite de ontem. — Quer dizer que estamos sozinhos? — E daí? — Nick ergueu uma sobrancelha. — Não me consta que eu seja um violentador de garotas! — E já está quase para se casar. . . certo?

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— Isso pode levar mais tempo do que eu estou pensando. Vamos descer, menina tola, acho que você precisa se alimentar. Estavam no meio da refeição que Nick insistira em preparar, quando o telefone tocou e Nick foi atender. Quando voltou, sem que Kendall perguntasse, ele disse: — Era Thalia. — Ela está pretendendo controlar você? — indagou Kendall. — Receio que sim. — Nick sentou-se novamente, não parecendo nem um pouco perturbado. — Coma. Agora não havia mais dúvidas. Ele praticamente admitira seu envolvimento com a prima. Como já haviam discutido a idéia de abrir a loja, Kendall agarrou-se a esse assunto como se fosse a sua salvação. — É importante para você, não é? — perguntou Nick, fitando-a intensamente. — Acho que seria bom para todos nós, principalmente para Pamela. — Muito bem. — Nick encolheu os ombros. — Eu não estou pedindo a sua ajuda financeira, Nick. Só quero a sua opinião. — Não fique tão agitada — disse ele, ajudando-a a afastar-se da mesa. — Acontece que eu também acredito que Pamela possa se sair bem e o mercado está aí mesmo. — Mas, Nick, tenho certeza de que um banco ou uma instituição financeira faria um empréstimo a Pamela. — Querida, nem Pamela nem Harry poderiam pagar os juros que uma instituição financeira ou mesmo um banco pediria. — Vá para o inferno, Nick! — Kendall tinha vontade de chorar, ao pensar em quanto sua família dependia dele. — Cale a boca! — Harry sabe que você mesmo vai fazer o empréstimo a Pamela? — Kendall não podia aceitar aquilo com tranqüilidade. — Não, ele ainda não sabe. — E se não der certo? — Vou pedir a seu pai que penhore você. — Nick estendeu a mão e enrolou uma mecha dos cabelos dela no dedo. — Como você é cruel! — Kendall sentiu-se ameaçada ao ver a sensualidade estampada nos olhos de Nick. — Ora, o que eu fiz a você? — Você me faz sentir como se nós o tivéssemos forçado a participar do negócio dessa maneira. Foi apenas uma idéia de Pamela. — Tenho a sensação de que a idéia foi sua. — Ele tomou-a pela mão e levou-a até o terraço. — Não se preocupe com isso, Kendall. Farei com que

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tudo corra bem. Não existem tantos riscos como você parece pensar, caso contrário teria que dizer não. Pamela veste-se muito bem, e as outras mulheres percebem isso. Ontem à noite, por exemplo, ela estava deslumbrante. Se Pamela tiver a oportunidade de dizer às mulheres mais finas da região o que ficaria melhor para elas, e se tiver um estoque de qualidade para oferecer, garanto-lhe que todas iriam se sentir satisfeitas em fazer suas compras na própria cidade. Gasta-se muito dinheiro em roupa, mas nenhuma das lojas da cidade dispõe de artigos sofisticados o suficiente para, digamos, Thalia e seu círculo de amizades. — E elas gastam centenas de dólares para tomar um avião e comprar o que querem — completou Kendall, olhando a idílica paisagem ao redor. Cercas vivas cuidadosamente aparadas delimitavam os gramados perfeitos que só eram interrompidos pela imensa piscina que mais parecia um lago e pela quadra de tênis, mais adiante. — Existe uma paz fantástica aqui — disse ela. — um verdadeiro paraíso. — Você está vendo apenas uma parte dele. — Quando será a feira de gado? — Dia 26 do próximo mês — respondeu Nick. — Vou pôr à venda alguns dos melhores bois do país e umas duzentas novilhas. — E Frank, como está? — Frank Delance era o administrador de Nick há muito tempo. — Ele sofreu uma queda cavalgando, mas já está bom. Por falar nisso, faz muito tempo que você não monta, não é? — Os fins de semana voam — disse ela, meneando a cabeça. — Sobretudo quando você passa a maior parte deles vendendo frutas no portão da fazenda. — E eu devo ter vergonha disso? — indagou ela, ressentida. — Eu já falei com Harry. Você não ficará mais lá! — Seu ditador! — Acho que sou, mesmo. Agora que você sabe disso, nos daremos muito bem. Kendall virou-se abruptamente e caminhou em direção à piscina, tentando sem sucesso dominar a excitação e a raiva que estava começando a sentir. Ela sabia que era difícil se opor a Nick, ainda mais agora que ele decidira ser sócio de Pamela. Franzindo as sobrancelhas, olhou para a água e ouviu Nick, atrás dela, dizendo: — Por que você está tão irritada? É mais difícil lidar com você do que com uma potranca arisca!

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— Está bem, eu sou assim mesmo. E vamos parar por aqui! — Virouse para encará-lo e, quando fez isso, escorregou na borda da piscina. Deu um pequeno grito quando perdeu o equilíbrio e caiu na água. Quando apareceu na superfície, Nick estava rindo e estendendo a mão para puxá-la. — Acho que isso acalmou você. — Talvez eu quisesse isso! — gritou ela. — Saia! — Agora que estou aqui, posso muito bem nadar um pouco. — Ela virou-se e nadou para os degraus do outro lado. Era uma ótima nadadora, mas depois de atravessar a piscina vestida, estava sem fôlego. Rapidamente Nick ajudou-a a sair. — Foi culpa sua! — protestou, furiosa. — Hoje não é o seu dia. — Sem dar atenção às suas roupas caras, Nick pegou-a nos braços e levou-a de volta para casa. — Ponha-me no chão — pediu Kendall. — Você parece mesmo uma criança. Esta é a segunda vez hoje que a vejo ensopada. — Isso deve ter divertido muito você. Por favor, me dê uma toalha e o assunto estará encerrado. — Farei muito mais do que isso. Apesar dos protestos de Kendall, Nick carregou-a nos braços até o quarto mais bonito do andar de cima. — Acho que você encontrará tudo o que precisa aqui. Atrás daquela porta, fica o banheiro. — Ele colocou-a no chão e sorriu. — Este é o quarto de minha mãe. Ela sempre o usa quando vem me visitar. — Oh! — Kendall dirigiu-se ao banheiro. — Sua mãe é muito bonita, não? — Kendall vira a mãe de Nick apenas uma vez, mas nunca a esquecera. Ela agora morava em Melbourne com seu segundo marido, um financista muito conhecido. — Acho que sim. — Nick abriu a porta espelhada de um dos guardaroupas embutidos que tomavam toda a extensão da parede. — Você encontrará algo para vestir aqui. Liz é bem mais alta do que você, mas é muito magra. — Agora saia, Nick. Logo que estiver vestida vou voltar para a minha casa. — Por quê? — Porque é a coisa mais inteligente a ser feita. — Às vezes você me surpreende — disse Nick com ironia. A agitação interior fez com que seus movimentos ficassem mais rápidos. Despiu-se e enrolou suas roupas molhadas em uma toalha. No

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banheiro, encontrou um secador de cabelos. Usou-o por alguns minutos, mas depois resolveu não perder mais tempo. Tinha que se apressar. Já no quarto, viu que a maioria das roupas guardadas nos armários, embora bonitas, eram pouco apropriadas para aquela hora. De repente, descobriu um lindo vestido de seda verde que talvez lhe servisse. Numa mulher alta, ele devia chegar até o meio das pernas, mas em Kendall foi até os pés. Ela não podia calçar suas sandálias novamente, por isso enrolou-as na toalha também. — Kendall? — Nick bateu à porta. — Vamos! Ela correu para a porta e abriu-a. — Estou pronta. — Você fica muito bem de verde. — Nick a observava com uma estranha expressão no olhar. Kendall percebeu que a situação estava ficando perigosa. — Que tal levar-me para casa? — disse ela. — Você já parece estar em casa. — Havia um meio sorriso nos belos lábios de Nick e ela disse, um pouco trêmula: — Lembre-se, Nick, eu tenho dezoito anos. — Eu sei. Esse é o grande problema. Vamos, então. Ela descia as escadas um pouco mais tranqüila, mas, quando Nick se voltou para fazer um comentário qualquer, recuou visivelmente. Foi um erro, pois os olhos dele faiscaram de raiva. — Que diabos está acontecendo? — perguntou Nick. — Nada! — Você pensa que eu estou à procura de algum passatempo, por acaso? O tom de voz dele era tão cortante e desdenhoso que ela sentiu raiva. — Eu não estranharia isso, vindo de você. . . — Sua pequena impertinente! — Ele puxou-a contra si e o embrulho que Kendall segurava caiu de sua mão. — Não se atreva, Nick... — Os braços dele a machucavam e ela começou a debater-se. — Mas eu pensei que fôssemos tão amigos! — Seu tom de voz era cínico. — Vá para o inferno, Nick! — Kendall debatia-se inutilmente. — Não é exatamente amizade o que eu sinto por você! — O que é, então? Medo? — Ele continuava a segurá-la. — Pelo amor de Deus, você não quer que eu a machuque, quer? — Eu também não estranharia se você o fizesse! — Kendall provocou-o deliberadamente.

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Nick apertou-a com mais força e ela, com os olhos verdes brilhando de indignação e impotência, sentia os dedos dele através da seda do vestido. — Você é uma garota covarde. E fique sabendo que não pode bancar a virgem histérica para sempre. Todos têm que conhecer a vida, não se pode fugir disso. — É o que dizem todos os grandes sedutores. Estou lhe avisando, Nick Langford, tente alguma coisa e eu grito! — Claro que você poderia, fazer isso, mas não fará. — Ele segurou a cabeça de Kendall. — Na verdade, sua feiticeira, você esteve tentando fazer-me beiiá-la já há algum tempo. — Escute aqui, seu convencido. . . Os lábios de Nick impediram que Kendall continuasse a falar. Por alguns segundos ela pensou que fosse desmaiar. Quando se deu conta, estava nos braços dele no sofá. Queria gritar, mas não conseguiu, pois Nick a impedia com seus beijos. Confusa, Kendall perguntava-se como podia odiá-lo e amá-lo ao mesmo tempo. Seu coração batia acelerado e ela não havia percebido que seu vestido se abrira, deixando à mostra seus seios. Percebeu então que seu corpo correspondia às investidas de Nick. Estremeceu e sentiu-se angustiada quando ele a apertou ainda mais. Uma estranha excitação apoderou-se dela, derrubando-lhe todas as defesas. — Kendall... — A voz de Nick, normalmente sóbria e decidida, estava levemente rouca. Ela não conseguiu responder, ou mesmo abrir os olhos. Sentia-se flutuar numa atmosfera nova e envolvente. Balançava a cabeça em movimentos suaves e lentos. — Posso ouvir seu coração batendo. Você não morreu — brincou ele. Ela abriu os olhos, mas estava tão tonta que mal conseguia enxergar. — Eu odeio você! — sussurrou apaixonadamente. — Bem, certamente você não me ama, mas...Talvez você esteja tomada pelo vírus da paixão, mas vai superar isso. Olhou para ela, enquanto sua mão se moveu delicadamente, fechando-se sobre um dos seios. O que você está sentindo? Diga-me! – A voz dele continuava rouca.— Vergonha. Eu odeio isso! — Teve que fechar os olhos novamente para que ele não visse quanto estava louca de desejo. Era impossível. Tudo aquilo... o anseio desesperado, a angústia. . . Ele não a largou. Pelo contrário, estreitou-a ainda mais em seus braços. Continuou a beijá-la, enquanto lhe acariciava os seios com ternura. Kendall tinha a sensação de que tudo aquilo era um pesadelo, uma fantasia erótica. E sabia como tudo teria terminado, se o telefone não tocasse.

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Exausta, ela afastou-se; seus olhos estavam cheios de lágrimas. — Deve ser Thalia — disse Kendall. — Se ela estava vigiando com um binóculo, deve ter visto tudo.. . — Eu, particularmente, acredito que deva ser o seu anjo protetor. Quando ele voltou, Kendall estava parada no meio do vestíbulo, tremendo violentamente. — E então? — Era meu tio — respondeu Nick. — Está se sentindo bem? — Preferia ter morrido do que estar em suas mãos. — Desculpe-me! Até um cavalheiro como eu pode ficar enfeitiçado. — Leve-me para casa, Nick. — De repente ela sentiu que ia chorar de novo. — E nunca, nunca mais me beije!

CAPÍTULO V Durante os dias seguintes Kendall trabalhou como um autômato, tentando não pensar em nada. Até agora, a não ser pelo terrível golpe que foi perder sua mãe, sua vida não tinha sido complicada. Preocupava-se com Harry, claro, e não tinha um relacionamento muito íntimo com Pamela, mas os últimos anos haviam sido relativamente calmos. Agora, isso! Apesar de seu empenho em esquecer, sempre se lembrava dos momentos emocionantes que passara nos braços de Nick: não tinha experimentado propriamente uma grande felicidade, mas um arrebatamento sensual muito forte e sem sentido, pois, apesar de estar loucamente apaixonada, sabia que Nick nada sentia por ela, a não ser desejo. Quando voltou a ver Colin, quase o incitou a acariciá-la. E isso também foi um erro, pois provocou nele uma explosão de ardor para a qual ela não estava preparada. — Você sabe o que eu sinto por você, não, Kendall? — perguntou Colin, com o rosto encostado nos cabelos dela. — Você está um pouco apaixonado por mim — disse ela gentilmente, agora envergonhada de si mesma. — Eu quero me casar com você! — Ele segurou delicadamente o rosto de Kendall. — Oh, por favor, se você disser que sim eu a esperarei para sempre! — Mas, Colin, já lhe disse que a idéia de casamento, pelo menos por enquanto, não me atrai. Você não vê quantos divórcios há hoje em dia?

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— Bem, nós não podemos viver juntos — disse ele, surpreso. — Sei que tem medo de compromissos, mas é porque você teve uma vida muito instável. — Não tive, não! — Minha mãe diz que sim. — O que a sua mãe sabe sobre mim, ou sobre a minha vida, daria para encher a cabeça de um alfinete! — Oh, Kendall! Ela gosta muito de você e se preocupa muito com o seu bem-estar. — Só Deus sabe quanto eu preciso disso! — retrucou Kendall. — Acho que você não está querendo ver as coisas, pois sua mãe não gosta de mim, e sempre foi assim. — Já é muito tarde e você deve estar cansada. — Estou mesmo. Não tenho dormido bem, mas é melhor você acreditar no que estou dizendo. Sua mãe aceitaria qualquer garota como nora, menos eu. — Você está louca! — protestou Colin. — Minha mãe vive para mim. Ela só quer me ver feliz. — Mas não comigo. De qualquer forma, querido amigo, gosto muito de você. — Você vai se casar comigo — disse Colin. — Pode esperar. No fim de semana ela aceitou um convite de Dave Masterson para ir dançar, e no dia seguinte foi com ele à praia. Dave era uma boa companhia, feliz e nem um pouco complicado, e eles passaram um dia agradável juntos. Não era como Nick — e ninguém poderia ser —, mas tinha um bom humor e uma segurança que lhe agradavam. Além disso, mais um ponto a favor dele: Dave não tinha a intenção de se casar até completar trinta anos. Ou, pelo menos, foi o que ele lhe disse. Quando voltaram da praia, o carro de Nick estava estacionado no lugar de sempre, ao lado da casa. Kendall virou-se para Dave e perguntou: — Você vai entrar, não vai? — Eu adoraria! — Dave já estava na porta. — Seu pai conta as histórias mais engraçadas que já ouvi. Harry cumprimentou-os com sua costumeira alegria, Pamela sorriu cordialmente e Nick levantou-se, observando-os com indulgência. — Você ficará para tomar chá conosco, não, filho? — perguntou Harry amavelmente. Kendall e Pamela foram para a cozinha preparar o chá. — Nick está sendo absolutamente maravilhoso! — confessou Pamela. — Só Deus sabe como iremos retribuir tudo a ele. — Fazendo com que a butique seja um grande sucesso.

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— Honestamente, estou com tantas idéias! — Calma! — Kendall segurou a mão de Pamela. — É tão excitante! — Os olhos de Pamela brilhavam. — Se nós conseguirmos que as mulheres da família Langford se interessem, estamos feitos. — Elas não são as únicas que têm dinheiro — observou Kendall. — Mas são as que interessam. A propósito, você sabia que já é quase oficial que Nick e sua prima Thalia vão ficar noivos? — Que mau gosto! — exclamou Kendall. — Mas quem lhe disse isso? — Ora, a mãe de Thalia! Estávamos conversando, na festa, e ela deixou isso bem claro. — Isso é o que ela deve querer. Todas as mães são iguais. . . — Você está certa! — Pamela respirou fundo. — De qualquer maneira, acho que Thalia não serve para ele. Nem bonita é! Ainda assim, acho que ela se veste bem. E tem uma certa classe. Kendall fingiu aceitar tudo aquilo muito bem, mas por dentro estava uma pilha de nervos. Provavelmente o mais fácil seria continuar ali na cozinha, mas não podia se esconder a vida inteira. — Céus, você é uma excelente cozinheira! — exclamou Dave depois do lanche. — Não há nada que a minha garotinha não saiba fazer bem — disse Harry, sorrindo para a filha. Quando Dave foi embora, Kendall acompanhou-o até o carro. Era noite de luar. — Muito obrigado, Kendall. — Dave pegou a mão dela. — Eu me diverti muito. — Fico contente. — Não só essa noite, mas todo o fim de semana. Pensei que você estivesse namorando firme com Colin Hogan. — Eu não vou namorar firme com ninguém — disse ela com firmeza. — Ótimo! — Ele riu e beijou-a no rosto. — Que tal ir até à minha casa no próximo fim de semana? Mamãe achou você encantadora na festa de Nick. Papai também, claro, mas isso não é de se estranhar. — Gostaria muito. — Ótimo! — De repente, Dave segurou o rosto de Kendall e beijou-a na boca. — Você é uma garota e tanto, sabe disso? Entrou, então, em seu carro esporte e foi embora. Nick estava na varanda. — Você iá enfeitiçou o pobre Dave, não? — Oh, céus! Você é sarcástico demais para o meu gosto!

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— Já estou cansado de ouvir isso, mas não consigo mudar. — Ele segurou-a quando ela passou. — Faça-me companhia. Harry e Pamela estão lavando a louça. — É mesmo? — Verdade. Eles parecem estar mais próximos do que normalmente. — Graças a você. — Kendall teve que dizer isso, pois era verdade. — Pamela está vibrando pelo que você está fazendo por ela. — Desculpe-me. . . por você. — Por mim? — E por mim também. Espero que tudo dê certo. O que Colin vai dizer quando souber que você esteve passeando com Dave? — Eu não vou dizer a ele. — Ele ficará sabendo! — Nick parecia divertir-se. A luz do hall iluminava as mãos dele. . . mãos bonitas, fortes e sensíveis, que podiam levar uma mulher ao êxtase. Kendall estremeceu incontrolavelmente. — Você está com frio? — Nick aproximou-se. — Não. — Kendall sentou-se numa poltrona. — Dave convidou-me para ir à casa dele no próximo fim de semana. — Vá, você vai gostar. Mas poupe Colin dos detalhes. — Colin me pediu em casamento — disse Kendall, estendendo a mão para Sebastian, que subiu os degraus correndo. — Quando? — Nick perguntou e estalou os dedos para o pastor alemão, que se voltou para ele no mesmo momento. — Ele disse que está preparado para esperar. — Não em pé, imagino — disse Nick, rindo. — Por que você não tira o pobre diabo da tristeza em que ele se encontra? Vocês não vão se dar bem e, enquanto você o mantém esperando, ele não pode continuar a procurar a garota que poderia fazê-lo feliz. — Você fala como a mãe dele! — Você não pode culpar a sra. Hogan por querer o melhor para o filho. Um dia você também será mãe. — Não estou pensando nisso! — Oh, será sim! — Nick fitou-a, cruel e triunfante. — De que outra maneira você pode mostrar a um homem que o ama, a não ser lhe dando o que ele mais deseja. . . um filho? — Quantos anos você tem, Nick? — Trinta e dois, contra os seus dezoito anos. — Então pare de tentar me convencer a casar. Você mesmo não gostaria de perder a sua liberdade. — Eu estou pensando nisso — disse ele. — Talvez um casamento por conveniência e a esperança de que o amor venha depois.

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Kendall não suportava mais aquelas insinuações. Levantou-se e sua saia ficou presa na poltrona. — Maldição, maldição! — Ela parecia irritada. — Calma, garota! — Gentilmente, ele desprendeu a saia dela e fitoua. — Não chore. — Não vou chorar. — Kendall sentia a cabeça girar com a proximidade de Nick, e ele percebeu isso. Segurou-lhe então a nuca, mas nisso ouviram a voz de Harry cantando no corredor e Nick retirou a mão. — Ah, vocês estão aí! — Harry parou de cantar. — Terminamos tudo. Pamela só está acabando de guardar a louça. — Então eu já vou indo — disse Nick. — Tenho que me levantar cedo amanhã. Vou até Colby Downs. Todos o acompanharam até o carro e Pamela beijou-lhe o rosto com afeição. — Nunca poderemos agradecê-lo o bastante, Nick. Você nos deu a possibilidade de uma vida nova. — Se você não tiver nada para fazer, Harry, poderia ir comigo amanhã. Estaremos de volta no fim da tarde. — É uma ótima idéia! — Harry ficou entusiasmado. — Eu estou mesmo interessado em pintar cavalos. — Então apareça por volta das seis horas. Até amanhã, companheiro! Até logo, Pamela. . . Kendall. — Aquele carro é fantástico, não? — disse Harry alegremente, quando subiam as escadas. — O Jaguar sempre foi o meu carro predileto. — Então vou comprar um para você! —Pamela passou o braço em volta da cintura dele. — Trabalharei até ficar esgotada. — Claro! — Harry riu. — Acho que é isso o que Nick está esperando. Por volta das sete horas da noite seguinte, enquanto Kendall e Pamela esperavam Harry para o jantar, o telefone tocou. — Eu atendo — disse Pamela. — Deve ser Harry. — Ela passara o dia todo muito bem-humorada, por isso, quando voltou, Kendall assustou-se ao vê-la tão pálida. — O que aconteceu? — Kendall levantou-se tão depressa que derrubou a caixa de costura da mesa. — É Harry. — Papai! — Ele teve um mal-estar em Colby e Nick está chamando o médico agora. — Ele está na casa de Nick. — Pamela estava pálida como um fantasma. Se havia alguma dúvida de que ela amava Harry, agora se dissipara. — Temos que ir para lá.

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— Vou tirar o carro. — Kendall correu para a porta. O médico ainda estava examinando Harry quando elas chegaram, mas Pamela correu para o andar superior. — Oh, Nick — Kendall viera dirigindo, mas agora suas pernas estavam bambas. — Está tudo bem. — Nick abraçou-a. — Existe um tratamento para tudo. Hoje mesmo havia dito para ele fazer um check-up. — É algum problema do coração? — Kendall fitou-o. — Não sei, Kendall. O dr. Richardson nos dirá do que se trata. — Eu não suportaria se algo acontecesse a Harry — sussurrou ela e seus olhos se encheram de lágrimas. — Não fique assim! — Nick pareceu contagiado pela angústia de Kendall. — Harry está na idade em que um homem tem que cuidar um pouco mais de si mesmo, mas tenho certeza de que é só isso. Simplesmente hoje ele se excedeu. Você sabe como ele é. . . — Kendall! Nick! — gritou Pamela do corredor no fim da escadaria. — Subam! — Ela já havia recuperado a cor normal e isso deu forças a Kendall para subir a escada. Harry estava deitado, um pouco pálido, mas com um enorme sorriso nos lábios. — Venha dar um beijo em seu querido pai! — Harry abriu os braços para Kendall. — Se eu não tivesse montado um cavalo bravo hoje, estaria perfeitamente bem. Kendall atravessou o quarto correndo e Nick e Pamela conversaram com o médico de cabelos grisalhos que estava perto da janela, fechando sua maleta. Não era o coração de Harry, que funcionava bem, embora não por muito tempo caso ele não tratasse sua pressão, muito alta. — O médico teve a audácia de me dizer que eu tenho de perder peso! — exclamou Harry, logo que o dr. Richardson foi embora. — Espero que você siga os conselhos dele, papai — disse Kendall com sinceridade. — Oh, ele seguirá — assegurou Pamela. — Se eu que não tenho nada sigo o meu regime religiosamente, Harry também pode seguir. E ele precisa tomar cuidado com o uísque também! — Assim será — concordou Harry. Na verdade, ele passara por um grande susto, mas sua boa vontade acabaria quando percebesse que já estava melhor. — Ele vai ter que tomar alguns remédios. — Nick pegou a receita. — Eu vou comprá-los — ofereceu-se Kendall imediatamente.

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— Você pode ir comigo — disse Nick. — Não quero que você vá dirigindo para a cidade sozinha. — Ele esfregou o queixo, olhando para o rosto preocupado de Pamela. — Acho melhor Harry ficar onde está pelo resto da noite. — Não, velho amigo, já lhe causei muitos problemas. — Harry sentou-se. — Nick está certo! — Pamela segurou a mão de Harry. — Deite-se e fique quietinho. — Vocês todos podem ficar aqui. — Nick dobrou a receita, colocoua no bolso da camisa e caminhou para a porta. — De qualquer forma, se vocês fossem para casa só iriam ficar preocupadas. — É muita gentileza sua, Nick! — disse Pamela. — Eu voltarei para casa — disse Kendall com firmeza. — Papai está com vocês dois e Sebastian ficará sozinho. — Mas, meu Deus, Sebastian pode muito bem ficar sozinho por uma noite — resmungou Nick. — E o que eu vou vestir para ir trabalhar? — argumentou Kendall. — Não vá trabalhar. — Nick encarou-a. — Vamos embora. — Você acha que ele vai fazer tudo direitinho? — perguntou Kendall, já no carro. — Você está se referindo às prescrições do médico? — Sim. Harry gosta de comer e beber bem. Ele achará muito difícil seguir uma dieta rigorosa. — É a bebida o que realmente me preocupa. — Nick estava com os olhos fixos na estrada. — Ele não costumava beber tanto. Mas fez disso um hábito, desde que mamãe morreu. — Ele sente muita falta dela, não é? — perguntou Nick. — Ele lhe disse isso? — Estranhamente, hoje ele me falou sobre sua mãe. Ele a amava muito. — Ela nunca devia ter morrido. — Kendall virou a cabeça. — Por que as pessoas têm que morrer quando são jovens? — Ninguém pode responder isso. Harry parece estar sucumbindo a uma espécie de melancolia. Ele me disse que sua vida está em ruínas. — Oh, não! — Kendall suspirou, desanimada. — Ele não podia ter dito isso. — Mas disse. Por trás de toda aquela aparência alegre, ele é um homem muito triste.

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— Eu sei disso. Eu conheço meu pai! — As lágrimas banharam o rosto de Kendall. — Mas ele não pode se sentir tão derrotado. Ele só tem cinqüenta anos! — Talvez essa seja uma parte do problema: a idade dele. Muitos homens e mulheres sofrem de depressão ao perceberem que seus melhores anos já passaram. A bebida oferece a Harry uma falsa euforia. Ele só renunciará à bebida se tiver muita força de vontade. A decisão é dele: conseguir dar um significado e um propósito à sua vida, ou então encurtá-la por simples negligência. — Mas você não conversou com ele? — perguntou Kendall, preocupada. — Conversei, com muita objetividade, por sinal, mas se ele ouviu ou não as minhas palavras isso é um outro problema. — Tenho certeza que sim. — Kendall cruzou as mãos. — Você é bastante persuasivo, quando quer. — Às vezes você acha isso um defeito muito grande — disse Nick com seriedade. — Você sabe que Harry é muito preso a você? — Claro! Ele tem mesmo que amar sua única filha. — Muitos pais amam seus filhos, mas não os mantêm presos a seu lado. Harry usa você como uma muleta. Isso não está certo nem para você nem para ele. De uma certa forma, é até mesmo uma séria ameaça para o casamento dele. — Oh, fique quieto! — Kendall tapou os ouvidos com as mãos. — Você sabe que ele devia se dedicar mais a Pamela. Ela não é tola e às vezes deve se sentir posta de lado. — E o que você quer que eu faça? — perguntou com amargura. — Quer que eu abandone a minha própria casa? — Não teria sido uma má idéia você ter ido para a Universidade. — Eu não quis ir — disse ela. — E Harry estava decidido a mantê-la em casa a todo o custo. O amor pode ser muito egoísta. — Não foi nenhum sacrifício, afinal. — Kendall abaixou a cabeça. — Pamela realmente o ama, sabe? Eu nunca tive certeza, até hoje à noite. — Então foi preciso um susto para que ela conseguisse demonstrar isso a você. Pamela é muito fechada. Deve ser um inferno estar sempre competindo com um fantasma. — Acho que sim. — Kendall riu. — Minha mãe não iria querer que Harry se lastimasse por ela para sempre. Ela o amava tanto, que sempre colocou a felicidade dele em primeiro lugar.

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— E ela teve um grande poder na vida dele. Sem ela, Harry parece ter perdido toda a motivação no seu trabalho. Ele poderia ser um grande pintor, mas é óbvio para todos nós, inclusive para ele mesmo, que não tem mais estímulos. Não acredita mais em si mesmo. Depois disso, os dois ficaram em silêncio, cada um com seus próprios pensamentos. Já na cidade, Nick estacionou o carro do lado oposto da farmácia de plantão e disse que era para ela esperar ali, pois hão iria demorar. Demorará um pouco, pensou ela, vendo pelo menos meia dúzia de pessoas esperando para serem atendidas. As pessoas sempre precisam ficar doentes durante a noite. Passaram-se cinco minutos e ela ligou a luz interna do carro para verificar a hora. Quase oito horas. Nick tinha cassetes no carro, mas ela preferiu ficar em silêncio, pois estava com os nervos abalados. Claro que Harry dependia muito dela, mas o que podia fazer? Não ganhava o suficiente para morar sozinha e, na verdade, essa idéia não lhe agradava. A outra alternativa, que parecia tão ruim quanto a primeira, era casar-se com Colin e agüentar a sra. Hogan para o resto da vida. Começou a atormentar-se, pensando em soluções impossíveis para o caso, e estava tão imersa em suas considerações que quase deu um salto quando alguém se aproximou da janela aberta do carro. — Eu sabia que era você! — O tom de voz não podia ser mais hostil e acusador. — Oh, olá! — disse Kendall, olhando assustada para Thalia Langford. — O que você está fazendo aqui? — Esperando por Nick. — Você quer dizer que saiu com ele? — perguntou Thalia. — Absolutamente! Ele me trouxe até a farmácia. Eu não sabia que Nick tinha que pedir a sua permissão. — Engraçadinha! — Thalia riu cinicamente. — Você não se enxerga? Já soube tudo sobre a pequena aventura comercial de vocês. — É mesmo? — Kendall não ficou surpresa. — Então você há de convir que será um sucesso. Nick sabe o que está fazendo. — E aparentemente a sua madrasta também! — Thalia jogou a cabeça para trás. — Eu achava que ninguém seria capaz de enganar Nick. — Ninguém o está enganando — respondeu Kendall o mais calmamente possível. — Minha madrasta tem tudo para ser bem-sucedida. Ela entende muito de moda, e já foi uma modelo famosa. — Quando? Vinte anos atrás? — Quase dez. — Kendall fechou a mão. — E isso inclui Londres, Paris e Roma. Neste ponto, ninguém nesta cidade pode competir com ela.

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— Bem, eu tomarei muito cuidado para não cometer esse erro — disse ela ofensivamente. — Você sabe que se nós, as Langford, boicotarmos sua madrasta, ela terá poucas possibilidades de ser bem-sucedida. — Ora, boicotar uma empresa Langford? — perguntou Kendall cinicamente. — Queridinha, o que sua madrasta está pretendendo é tão pouco que Nick nem se preocuparia se tivesse que desfazer todo o negócio. Afinal de contas, ele é um homem muito rico e isso não causaria nenhum abalo à nossa família. — Imagino que você esteja se sentindo na obrigação de investigar o que existe por trás disso. — Exatamente — retrucou Thalia. — Papai ficou chocado ao saber disso tudo. — Claro, e você não vai perder tempo com isso, certo? — No seu caso, acho melhor não perder mesmo! — disse Thalia. — Acontece que eu não acredito que você seja a tolinha que quer que todos pensem que é. — Que absurdo! — É mesmo? — Thalia desafiou-a. — Eu mesma teria achado que era um absurdo até a noite da festa. Na última vez em que a vi, você estava de meias soquetes e trancas, por isso levei um choque ao vê-la dançando com Nick. Sua expressão era inconfundível! — Mas muito normal para uma mulher que esteja desfrutando a atenção de Nick. — Inferno! — Thalia explodiu. — Você não é a uma mulher; não passa de uma garota tola! — E daí? — retrucou Kendall. — Nick pode chegar sozinho à conclusão de que eu não passo de uma tola. — Você é mais do que isso; é uma oportunista, tal qual a sua madrasta! — É uma pena que você não pense isso de si mesma — respondeu Kendall, furiosa. — Deve ser muito enfadonho ficar o dia inteiro em casa sem fazer nada. — Ora, que ousadia! — exclamou Thalia, chocada. — Se há uma coisa que não suporto é gente arrogante! — Eu também — disse Kendall. — Agora eu gostaria de avisar que Nick está voltando. No mesmo instante, Thalia endireitou o corpo e sua expressão severa deu lugar a um sorriso gentil e estranhamente vulnerável. — Olá, primo! Eu estava tendo uma conversa agradável com Kendall.

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— Então você deve ter ficado sabendo que o pai dela está doente. — Ora. . . não! — Thalia virou-se imediatamente para Kendall. — Você não me contou. — Eu não queria estragar a sua noite — respondeu ela. — Com certeza você não está sozinha. — Foi um comentário feito com malícia, pois Kendall já tinha visto o companheiro de Thalia. — Na verdade, vou jantar com Dean — explicou Thalia para Nick, como se pedisse desculpas. — Que interessante! — disse Nick — Ele não é uma má companhia — retrucou Thalia. — Está bem, então — disse Nick. — Eu não conhecia esse vestido. — Você gosta? — A maneira como ela disse isso fez Kendall perceber que o que Dean Haltitt havia dito era verdade. Thalia estava perdidamente apaixonada pelo primo. — É muito bonito. — Nick pareceu realmente admirar o vestido.— Hallitt não parece querer descer do carro, então acho melhor você ir. — Sim. Nós vamos encontrá-lo amanhã à noite, não? — Claro — respondeu Nick laconicamente. — Nós todos gostamos tanto da sua companhia. — Thalia riu alegremente. — Boa noite, Kendall. Espero que seu pai melhore. — Boa noite. — Kendall não podia corresponder a uma gentileza tão falsa. — Não sei como ela suporta estar com Hallitt — comentou Nick, quando fizeram uma curva para sair da cidade. — Já que não pode estar com você, acho que qualquer um serve.— replicou Kendall. — De que você está falando? — Nick fitou-a com irritação. — Pense nisso. — Por acaso você acha que ela sente por mim mais do que um amor fraternal? — Tenho plena certeza de que é mais do que isso — respondeu Kendall. — E você também! Particularmente, sou contra relacionamentos com laços de sangue tão próximos. — Por quê? — Nick fitou-a. — Baseada na moral, na genética, e em quê mais? Se eu casasse com Thalia, não seria nada contra a lei; poderíamos até casar na igreja. — Então não a deixe aprender a se vestir corretamente com você, milagroso. Quanto foi o remédio? - perguntou ela. – Quero pagar uma parte. — Acho melhor você ficar quieta. Só tem uma forma de pagar. — Oh, é mesmo? Como? — Assim. — Nick estacionou o carro e beijou-a.

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— Eu detesto você — disse ela, trêmula. — Continue detestando e eu lhe darei boas razões para detestar ainda mais. Os olhos de Nick brilhavam e ele puxou cruelmente os cabelos dela. — Não consegue lidar com isso? — Não, não consigo! — ela gritou, pois era a verdade humilhante. Era assustadora a maneira como seu corpo correspondia a ele. — A verdade é a seguinte: você tem medo de uma situação adulta, por isso passa tanto tempo com Hogan. — Deixe Colin fora disso! — pediu ela fracamente, ainda com o gosto do beijo de Nick nos lábios. — Tudo o que eu quero é um amigo, não um amante. — Está bem. — Nick largou-a abruptamente e virou-se. — Você está olhando para o melhor amigo que tem.

CAPÍTULO VI O imóvel que Nick escolheu para a butique de Pamela, era excelente. Conseqüentemente o aluguel era caro, mas Kendall percebia que Pamela nunca estivera tão satisfeita em sua vida. Como Nick tivesse insistido muito, Kendall pedira demissão de seu emprego e se tornara o braço direito de Pamela. Havia tanto a fazer, tantas viagens, tantas compras. Harry tivera que assumir a responsabilidade de supervisionar a loja. Uma firma de decorações fora chamada para fazer as modificações necessárias e providenciar o mobiliário. Claro que a notícia se espalhara rapidamente. Todas as pessoas da região sabiam da nova aventura comercial de Pamela Reardon e do envolvimento de Nick Langford no negócio. Apesar do interesse que a butique despertava nas pessoas de classe social mais elevada, Kendall perguntava-se se apenas aquele grupo de consumidores conseguiria manter a loja funcionando. Desejava que Pamela também oferecesse artigos para clientes de poder aquisitivo mais baixo, mas sabia que seria muito difícil convencer a madrasta a seguir seus conselhos. Incentivada pelos constantes telefonemas de suas amigas e excolegas, que diziam estar contentes, pois agora teriam Pamela para ajudálas a escolher suas roupas, Kendall resolveu colocar o problema em termos de desafio. Quem sabe, assim, Pamela se resolveria a enfrentar outro tipo de clientela. — Se elas não podem aprender a se vestir corretamente com você, com quem vão aprender? — perguntou ela.

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— Não me amole. — Pamela sentou-se e refletiu. Ela começara a fumar novamente e havia emagrecido um pouco. — Você sabe muito bem que o grupo da sua idade não tem dinheiro e que é impossível comprar qualidade a preços baixos. — Porque não manda confeccionar modelos criados por você? — sugeriu Kendall. — Você tem um verdadeiro estilo e, se tivesse seu próprio ateliê, isso diminuiria os gastos. Todas as minhas amigas estão cansadas de usar roupas ordinárias. Você poderia desenhar algo para nós, uma coleção de verão inteira, visto que quase não temos inverno, e seria um sucesso. — E poderia ser muito lucrativo. — Pamela recostou-se e cruzou as pernas. — Onde encontraríamos costureiras eficientes para confeccionar as minhas idéias? — Coloque um anúncio no jornal — disse Kendall. — Existem boas costureiras na região, mas elas não conhecem nada sobre moda. Além do mais, você estaria lhes oferecendo um emprego fixo. — Vamos resolver isso com o tempo. — Pamela encolheu os ombros. — No momento já tenho muito o que fazer. — Certo, patroa! — Kendall sorriu. — Você deve gostar de desafios. Nunca vi você tão bem. — Você acha mesmo? — Pamela pareceu ficar satisfeita. — Harry me disse a mesma coisa esta manhã. — Bem, então está confirmado! — disse Kendall gentilmente e caminhou para a porta. — Acho melhor eu ir dar aqueles telefonemas. Nick acha que devíamos organizar uma festa de inauguração, servindo champanhe.. . — Estou apavorada com isso — confidenciou Pamela, como se nunca tivesse se encontrado numa posição daquelas em sua vida. — Você se sairá bem. Tenho certeza de que a butique será um grande sucesso. — Então não fique parada aí! — Pamela sorriu. — Já que nós queremos fazer sucesso, é melhor você ir para o telefone. A propósito, você é ótima para lidar com as pessoas. É a melhor relações públicas que eu poderia ter conseguido. — Obrigada. — Kendall abaixou a cabeça com modéstia. Ela não era assim tão boa quando conversava com Nick, mas Pamela estava tão envolvida com seus negócios que não percebera. Naquela noite chovia muito e Colin foi buscá-la. — Céus, espero que aquele ciclone mude de direção — disse ele, preocupado. Chegara a época dos ciclones e um deles estava açoitando o norte do país, causando danos por toda a costa. — A última notícia que eu tive foi a de que ele estava estacionado.

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— Como vão os negócios? — perguntou Colin. — Eu quase não a vi nos últimos dias. Você está mudada. — Mudada? De que maneira? — Bem, está mais bem vestida. — Já que começara, Colin iria até o fim. — Você não parece a Kendall que eu conhecia. Quero dizer, eu sempre soube que você era bonita, mas agora você parece inatingível, com essa maquilagem, o novo penteado e essas roupas na última moda. — Você não gosta? — perguntou Kendall, sentindo um pouco de tristeza. — Não. — Colin meneou a cabeça. — Acho que antes eu pensava que tinha uma chance, mas agora você não parece mais o tipo de pessoa que seria feliz numa fazenda. — Que absurdo! — protestou Kendall. — Não pode me ver como eu sou realmente, sem ficar impressionado por causa dessas roupas bonitas? — Não fique brava! — Colin segurou gentilmente a mão de Kendall. — Tente entender como eu me sinto. Amo você, Kendall. Este meu sentimento aumenta, em vez de diminuir. — Pare, Colin, por favor. — Eu sei. — Colin apertou a mão dela. — Não adianta, não é? — Eu nunca lhe prometi nada além de amizade. — Mas eu não queria acreditar nisso. Como você me vê, Kendall? Diga-me, quero saber! — Como um bom amigo — disse ela, tentando não magoar o rapaz. — Uma pessoa com quem é agradável estar. — Agradável.. . Meu Deus! — Sinto muito, Colin. — Minha mãe acha que você está me usando. Que você só me procura quando quer sair e está sem companhia. — Que crueldade! — Kendall estava chocada. — Acho que ela vê as coisas com clareza — Colin continuou. — Você é a garota mais bonita desta cidade e tem uma excelente reputação. A maior parte dos meus colegas nem mesmo convidaria você para sair, pois sabem que de nada adiantaria. Você sempre interessou a todos nós, embora nunca tenha demonstrado gostar de muita ação. — A que ação você se refere? Ação para você é dormir por aí com qualquer um? É isso o que você quer dizer? — Kendall retirou a mão de entre as dele furiosamente. — Na verdade, é isso mesmo — disse Colin amargamente, ainda aborrecido pela discussão que tivera com a mãe. — Talvez você esteja perdendo algo de muito interessante. Mesmo Sue já deixou que eu a beijasse por mais tempo e mais intimamente do que você.

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— Isso mostra como eu sou ignorante em matéria de amor. Honestamente, Colin, eu concordo com a sua mãe: seria melhor que você ficasse com Sue. — Fique quieta — disse Colin asperamente. — De qualquer maneira, eu só beijei Sue para tentar me libertar da obsessão que tenho por você. — Que coisa mais feia! Você poderia tê-la magoado muito. — E não adiantou nada! — confessou Colin no mesmo tom áspero. Sue é uma ótima garota, mas não significa nada para mim. O nervosismo de Colin refletia-se na maneira como ele estava diriindo. O carro estava indo muito depressa sob a chuva pesada. A ituação era perigosa e Kendall lembrou-se do seu recente acidente. — Vá mais devagar — disse ela. — Não é bom correr tanto com chuva. Colin não conseguia tirar o pé do acelerador. Apesar de normalmente muito calmo, a discussão com a mãe o havia deixado abalado. Uma fúria poderosa crescia dentro dele. Havia sido a sombra de Kendall durante longos anos, devotado a ela, sempre à mão. Mas isso não poderia continuar para sempre. Queria mais. E só havia uma coisa que ele não tinha tentado: dominá-la. Colin desviou para o acostamento da estrada tão abruptamente que Kendall se assustou e deu um grito. — Que, diabos, você está fazendo? — O que eu já devia ter feito antes! — Ele desligou o motor do carro e, muito desajeitadamente, lançou-se sobre ela. — Oh, inferno! — Kendall estava mais irritada do que amedrontada. — Beije-me — exigiu ele, segurando-a pelos cabelos. — Por que eu deveria fazer isso? — perguntou Kendall, furiosa. — Se você não tomar cuidado, ficaremos atolados aqui a noite inteira. — Esplêndido! — Colin riu. — Já estava na hora de eu dar uma de louco! — Oh, por favor, pare — pediu Kendall. — Vamos, Colin, ligue o carro novamente antes que a gente afunde na lama. — Eu não posso continuar assim, Kendall. — Eu sinto muito, sinto mesmo. — Ela estava tentando confortá-lo. Não sabia por quê. — Não, você não sente nada! — afirmou Colin enfaticamente. — Minha mãe disse que você sabe muito bem que esteve me embromando.

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— É claro que você tinha que tomar o partido de sua mãe. Nesse momento Colin perdeu todo o controle. Segurou-a violentamente e procurou por seus lábios. — Cretino! — Kendall debateu-se, mas isso só serviu para deixá-lo ainda mais furioso. — Relaxe um pouco! — pediu ele com voz rouca. — Meu Deus, não é possível! Colin ainda a segurava, beijando-a onde podia. — Na verdade, você quer ceder, mas não consegue. Deve ser algum problema de infância. — Oh, seu idiota! — Usando toda a sua força, Kendall empurrou-o. — Pare de repetir o que a sua mãe diz! — Ela tem razão sobre você — disse Colin, encarando-a. — Algo não amadureceu em você. Você tem medo de um envolvimento com alguém. — Eu resolverei isso quando ficar mais velha — respondeu Kendall. — Até lá, tudo, o que há de errado comigo é que não vou deixar que você ou sua mãe me pressionem para um casamento imaturo. — É o que você pensa. — Colin segurou-a novamente, totalmente descontrolado. Kendall não pensou duas vezes. Abriu a porta do carro e desceu sob a chuva forte. — Kendall! Ela pôde ouvir o protesto de Colin no mesmo instante em que batia a porta com tanta força que o carro balançou. Deus, pensou ela, de repente minha vida virou uma confusão. O que devia fazer agora? Não tinha intenção de voltar para junto de Colin no estado em que ele se encontrava, embora também ele estivesse fora do carro, gritando em tom choroso: — Kendall... Kendall! Era um absurdo os dois agirem daquela maneira. Kendall afastou-se do capinzal e começou a caminhar rapidamente sobre os pedregulhos. — Kendall não se comporte assim! — gritou Colin, escorregando no capim molhado. Ela continuou caminhando com a cabeça baixa, decidida a voltar para a fazenda sozinha. — Oh, meu Deus, volte! — gritou Colin. — Eu machuquei o tornozelo. Ele podia ter se machucado, lógico, mas ela achava que não. E, se tivesse machucado mesmo, não seria nada grave. Kendall já estava a certa distância quando dois faróis a iluminaram. O motorista devia ter feito isso para certificar-se de que havia mesmo algum louco debaixo daquela chuva forte.

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O carro passou por ela bem devagar e o motorista olhou para fora antes de parar, sem acreditar no que via. — O que você está fazendo? — Nick perguntou quando Kendall se aproximou. — Nada — disse ela. — Você parece ser ótima nisso. — Você devia descer e caminhar na chuva. É uma sensação e tanto! Colin aproximou-se e dirigiu-se a Nick com grande deferência e embaraço. — Boa noite, Nick! — Meu Deus, o que está acontecendo com os jovens hoje? — tiveram uma briga? perguntou Nick. — Imagino que foi coisa feia... — Absolutamente! — respondeu Kendall. — divergência de opiniões sobre como passaríamos a noite. — E por causa disso vocês tiveram que se molhar assim? — Nick desceu do carro e pegou no braço de Kendall para que ela entrasse no automóvel. Pelo menos ele estava vestido para a ocasião: usava uma capa de chuva, embora a cabeça estivese descoberta. — Não, eu prefiro ir caminhando. — Suicídio na chuva — disse ele, quase empurrando-a para dentro do carro. Nick conversou alguns minutos com Colin; em seguida estava atrás do volante outra vez. — Deus, como você está molhada! E eu nem tenho um cobertor no carro — lamentou ele, parecendo penalizado e um pouco impaciente. — Vou levá-la para casa comigo. — Não! Não.. . — Kendall repetiu com mais calma, depois da rimeira explosão. — Ainda estou tendo pesadelos por causa da última vez em que estive lá. — Não tenha a ilusão de que aquilo aconteceria novamente. — Mas poderia acontecer. — Só se você quiser! — Ele parecia divertido. — Oh, Nick! — Mas qual é o problema? — Nada. . . ou tudo, não sei. — Ela recostou-se no assento do carro. — Oh, não posso acreditar no que aconteceu há pouco! — Esqueça, estamos falando sobre você. — Às vezes você é muito gentil comigo. — Kendall disse prendendo os cabelos num coque. — E não é nada fácil! — Nick olhou-a de forma significativa.

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— Eu já estou bem, embora ainda um pouco abalada. Colin nunca agira comigo daquela forma, antes. Você não acha difícil de entender? — Para falar a verdade, não. Você sempre o tratou como se ele não existisse! — Ora, já vai começar.. . — É a verdade. Você passa o tempo todo envolvida com os problemas de seu pai, querendo resolver todas as questões sozinha, e não percebe o que devia ser óbvio para você. Já está na hora de deixar o jovem Hogan livre. Ele está com fixação em você. — Nunca mais falarei com ele. Nem amanhã, quando ele me telefonar para pedir desculpas. Nunca. — Mais cedo ou mais tarde ele vai ter que entender. — Pobre Colin! — Kendall estava realmente penalizada. — Por que sempre temos que complicar nossas vidas? — Porque vivemos perseguindo nossos sonhos, acho. Você não vai me perguntar o que estou fazendo nessa estrada a essa hora? Ou você me vê como uma espécie de anjo da guarda que sempre aparece quando você está em perigo? — Acho que sim. — Kendall fitou-o, surpresa. — Já me acostumei a isso. Lembra-se de como você apareceu daquela vez que fui mordida por uma cobra? — Foi sorte sua. Você poderia não estar sentada aí, agora. — Você lembra como Harry estava desesperado? Ele pensou que eu fosse morrer. — Era bem possível que você morresse, mesmo. — Ele fitou-a por um momento. — Na verdade, estou indo para a sua casa, pois quero conversar com Harry. Tenho dois compradores texanos, conhecidos meus, que vêm para a feira. Um deles é louco por cavalos. Não só gosta de cavalos de verdade, como também de pinturas e esculturas. Harry pinta cavalos melhor do que qualquer outra pessoa que conheço... — Aquele quadro representando cavalos selvagens que Harry pintou para você é realmente incrível. — Quero oferecê-lo a Jake. Ele poderá mostrá-lo para muitas pessoas, e então Harry terá uma porção de encomendas. Todos os homens que mexem com gado gostam de pinturas de cavalos. Jake simplesmente vai adorar o quadro; é um belo exemplar da melhor fase de Harry. — Mas ele pintou-o para você — disse Kendall. — Nesse quadro, porque era para você, Harry deu o máximo de si. Ele trabalhou na pintura com um afinco que eu nunca vira antes.

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— Ele pode fazer isso novamente — disse Nick. — Não foi um acidente, não foi um deslize. Ele pode fazer isso de novo, e fará. Mas primeiro eu quero dizer a ele o que estou pretendendo fazer. Quando chegaram à fazenda, Nick deu a Kendall sua capa de chuva, para que ela escondesse o vestido ensopado. Ela poderia explicar o porquê do cabelo molhado, dizendo que Colin tivera um problema com o carro, e que achara melhor voltar para casa. Pamela estava ocupada em sua escrivaninha e Harry aceitou com tranqüilidade a explicação. Ela subiu imediatamente ao quarto. Quando Kendall voltou para a sala, Pamela lançou-lhe um olhar áspero, mas não disse nada, e ela percebeu que mais tarde teria que contar toda a verdade. Harry estava insistindo para que Nick bebesse alguma coisa, na esperança de poder acompanhá-lo, mas Nick recusou gentilmente. Fez, com calma, o pedido que queria, e Harry franziu as sobrancelhas com inquietação. — Eu acho que não poderia fazer isso novamente — disse ele, afinal. — Claro que poderia! — exclamou Kendall, sentando-se no braço da poltrona. — Você é ótimo pintando cavalos, sabe disso. — Naturalmente, Harry, eu queria consultar você — disse Nick. — Claro que sim. — Harry passou as unhas na poltrona. — Na verdade, Nick, acho que não sou mais capaz de fazer nenhum trabalho do nível daquela pintura. Ando sem inspiração. — Ora, Harry... — disse Pamela. — Foi só uma sugestão — Nick explicou. — Mas acredito que você conseguiria, Harry. Acredito que todos os artistas e escritores atravessam um período de dúvidas, mas depois superam isso. Todos nós temos medo de alguma coisa. — Você não — afirmou Harry. — Sou eu quem está decaindo. — Se você quiser, isso não acontecerá. Não negue isso — argumentou Nick. — Você quer que eu venda o quadro para Jake? Sei que ele vai querer comprá-lo, e dinheiro para ele não será problema. Harry lançou um olhar pensativo a Nick. — Bem, Nick, não será fácil para mim produzir algo tão bom quanto aquele quadro novamente. — Acho que você conseguirá. — Nick levantou-se e colocou a mão sobre o ombro de Harry. — Você poderia começar pintando meu novo garanhão. — Dominó? — Dominó — repetiu Nick. — Ele pode tentar atacá-lo se você chegar perto demais.

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— Não se preocupe, manterei uma distância segura. — Harry riu e levantou-se. — Você sabe o que é isso, não sabe? Chantagem. — Não é isso. Dominó é o melhor cavalo que eu já tive. Paguei uma fortuna por ele, e tenho o direito de possuir uma pintura dele; e feita pelo melhor pintor. — Você sabe mesmo como convencer um homem! — Harry riu. — Telefone para Huntley quando você quiser ir — disse Nick. — Nem sempre eu estou por lá, mas Ray cuidará de você. Além disso, ele é o melhor homem para lidar com Dominó. — Fique mais um pouco — Pamela olhou para Nick ansiosamente. — Vou fazer um café. Está chovendo muito lá fora. — Gostaria muito, Pamela, mas ainda tenho que fazer duas chamadas interurbanas esta noite. Estou esperando por vocês três na inauguração da feira. — Nós não a perderíamos por nada deste mundo! — Harry olhou para a filha e sorriu. — Vocês me desculpem, mas achei muito fraca aquela explicação que vocês me deram quando chegaram. — Você sabe como é, uma briga inesperada entre namorados — disse Nick. — E, por sorte, como sempre, você estava por perto. Talvez você deva ficar longe da gente, Nick, se quiser evitar problemas. Isto é tudo que temos proporcionado a você, de uma maneira ou de outra, desde que viemos para cá. — Eu nunca poderia concordar com isso! — Nick sorriu. — Maldição, se aquele ciclone não desviar sua rota, aí sim, teremos problemas. — Mas ele está enfraquecendo, não está? — perguntou Harry para confortá-lo. — No ano passado, nesta época, a plantação foi completamente destruída. — Eu me lembro — disse Kendall. — Colin está muito preocupado. — Não estou muito interessado em Colin agora — falou Harry. — O que teria acontecido se Nick não tivesse aparecido? — Bem, ele apareceu. — Já se tornou um hábito — disse Nick. — Agora eu preciso ir mesmo. Kendall, poderia devolver minha capa de chuva? — Oh, desculpe-me! Vou pegá-la. Eu a pendurei no banheiro. Kendall correu com a leveza e a vivacidade de uma gazela. Pensava em quanto todos eles gostavam de Nick. E que não era de se admirar que Thalia Langford se sentisse tão amargurada e ressentida. Talvez ela agisse da mesma forma se estivesse no lugar de Thalia.

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Dois dias antes da inauguração da butique de Pamela, Kendall recebeu a visita de Sue Lockhart. Estava na hora do almoço e Pamela fora tomar um café com Paul Rosen, dono da firma de decoração, que transformara o antigo lugar numa butique elegante e luxuosa. Sue entrou indecisa, mas sorriu quando viu Kendall. — Olá! Você está sozinha? — Completamente sozinha! — Kendall retribuiu o sorriso. — Como vão as coisas? — Mais ou menos. Papai está preocupado com o ciclone, lógico. Você não acha que ele vai se desviar para o mar? — Infelizmente os ciclones não são tão amáveis. — Kendall puxou uma cadeira e fez Sue sentar-se. — Bem, o que você acha? — Está linda! — Sue olhou à sua volta. — Isso tudo deve ter custado um milhão de dólares. — Não custou, mas parece que sim, é o principal. — Kendall sentouse atrás da bela escrivaninha de Pamela. — Não é magnífica? Nick emprestou-a para a loja. — Ele é muito generoso, não é? — Sue disse isso com sinceridade. — Quero dizer, papai diz que ele, praticamente sozinho, colocou esta cidade no mapa. — Bem, e o que a trouxe à cidade, hoje? Veio fazer compras? Por um momento Sue pareceu perturbada pela pergunta tão direta e seus olhos azuis ficaram sombreados. — Na verdade, Kendall, eu queria conversar com você sobre um determinado assunto. Um assunto que tem me incomodado bastante. — Colin? — Como sabe? — Você gosta muito dele, não? — Os olhos verdes de Kendall brilharam. — Ele é seu. — Você está completamente enganada — díse Kendall, um pouco impaciente. — Colin e eu somos amigos, Sue, só isso. — Mas não é isso o que ele diz! — Sue enrubesceu. — Ele me disse que está apaixonado por você. — Ele vai superar isso. A questão é a seguinte: eu não o amo e nunca dei a entender a ele que o amava. — A mãe dele não gosta de você. — Isso não tem importância — disse Kendall. — Mas ela gosta de você. Você tem uma aliada naquela casa. — Eu sei. Não sei por que ela não gosta de você. Você é uma pessoa tão agradável.

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— Obrigada. Quanto a mim, Sue, gostaria que você conquistasse Colin. Digo isso sinceramente. — Mas por onde devo começar? Tenho pensado muito e conversei sobre isso com a sra. Hogan. . . — Você o quê? — Kendall foi dominada por um louco desejo de rir. — Ela tem sido maravilhosa comigo — confessou Sue. — A sogra perfeita! Sue levou a sério o comentário de Kendall. — Bem, ela acha que eu sou a garota certa para Colin. — Eu concordo. Mas acho que seria melhor vocês duas deixarem Colin tomar a decisão por ele mesmo. — Lógico. — Sue levantou-se alegremente e beijou o rosto de Kendall. — Oh, obrigada. Eu estava tão preocupada! — Devia estar mesmo, já que pensava que Colin e eu fôssemos mais do que simples amigos. — Mas a sra. Hogan me disse o que você sentia por ele! — Sue pareceu embaraçada. — Ela realmente quer o melhor para o filho. E você realmente não combina com ele, não é? Você é tão alegre e Colin é tão introvertido, quase tímido. — Bem, você sabe que sempre dizem que os opostos se atraem. — Por favor, não deixe que ele continue nutrindo amor por você. — Escute, o que você quer que eu faça? Quer que eu tire umas férias? — Estou falando sério, Kendall — disse Sue com firmeza. — Quando Colin telefonar e convidar você para sair, diga-lhe que está ocupada. — Entendido! — Kendall escreveu a palavra no bloco de recados e grifou-a. — Ocupada! Suspirando, Sue pegou sua bolsa e a sacola. — Provavelmente uma das razões por que a sra. Hogan não gosta de você é essa maneira de você tranformar tudo em piada. — Você está brincando! — Kendall levantou-se. — Deixe disso, Sue. Não se torne outra sra. Hogan. Ainda não. — Estou falando sério, Kendall. — Os olhos azuis de Sue estavam cheios de lágrimas. — Você já tem tantas coisas, deixe Colin para mim. — Eu ficarei com os dedos cruzados. — Ela estava com vontade de gritar que Colin não era seu para que pudesse dá-lo à alguém. Colin era uma pessoa, não um idiota qualquer para deixar-se manipular por três mulheres conspiradoras. — Estou realmente ansiosa pela inauguração — disse Sue gentilmente. — Claro que nós nunca poderemos comprar aqui.

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— Como sabe? Pamela está com várias idéias. Nós não vamos apenas servir às mulheres do Golfe Clube. Vamos oferecer moda a preço razoável, também. — Oh, isso é ótimo! — Sue não parecia convencida. — De qualquer maneira, eu mesma faço as minhas roupas. — E elas são muito bonitas. Mas se você quer realmente deixar Colin caído por você, é melhor comprar pelo menos dois vestidos aqui. Kendall sorriu novamente e acenou para Sue.

CAPÍTULO VII O tempo melhorou milagrosamente na noite da inauguração da butique. Elas haviam pensado em vários nomes sofisticados para ela, mas finalmente Nick sugeriu o nome com que Pamela fizera tanto sucesso como modelo — Pamela Paige. O nome parecia ótimo, brilhando sob o glorioso céu daquela noite. Havia tanta gente na inauguração, que alguns convidados ficaram na calçada. Muitas mulheres haviam recebido convites especialmente impressos, mas Kendall estava feliz por ver as mulheres simples da região também demonstrarem interesse. Pamela tinha sido muito cuidadosa com o estoque da loja e, apesar das Langford — Thalia e sua mãe — ainda não terem aparecido, a julgar pelo interesse das mulheres ali presentes parecia que chegariam perto de uma venda total. Pamela era indubitavelmente a estrela da noite. Estava esplendidamente vestida de branco, sua cor preferida, e movia-se de um grupo para o outro, distribuindo charme e conselhos que faziam com que as senhoras pegassem rapidamente suas carteiras e talões de cheque. Haviam contratado três garçons italianos, todos jovens e de boa aparência, que estavam sempre atentos e serviam as quantidades certas nos momentos certos. Faltando vinte minutos para as oito, Thalia e sua mãe chegaram; obviamente, a julgar por suas expressões arrogantes, só para agradar Nick. — Ora, sra. Langford. . . Thalia! — Pamela cumprimentou-as. — Estou muito feliz por terem vindo. — Nick pediu que nós viéssemos — respondeu Thalia. A sra. Langford, por sua vez, pareceu não gostar daquela grosseria estudada, pois se desculpou educadamente: — Espero que nos perdoe por termos chegado tão tarde.

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— Não tem importância! Agora entrem e vej :am o que eu fui capaz de reunir. Há alguns trajes de noite encantadores e um vestido de cetim vermelho que ficaria perfeito para você, Thalia, considerando sua altura e a cor da sua pele. Apesar de sua intenção declarada de boicotar tudo o que Pamela oferecesse, Thalia foi completamente cativada. Kendall, circulando pela loja, viu a sra. Langford pegar um belo casaco de cetim preto com debruns dourados e nem titubear com o preço. Havia um vestido longo, de gaze negra, que parecia fazer conjunto, e Pamela levou apenas um minuto para pegá-lo e colocá-lo na frente de seu corpo esbelto. Kendall não pôde deixar de sorrir, pois estava claro que a sra. Langford estava se imaginando nele, já que também era alta e magra. Às oito e meia todas as mulheres pareciam relutar para ir embora, mas Pamela considerou que já as atormentara por muito tempo. Disse que a butique ficaria aberta durante cinco dias da semana em horário normal, e às sextas-feiras funcionaria até mais tarde. Portanto, agora todas sabiam onde fazer suas compras. Foi durante a confusão geral da saída que aconteceu o incidente. Kendall tinha nas mãos um vestido muito caro de crepe indiano e estava prestes a pendurá-lo no cabide quando uma senhora, que estava segurando uma taça, lançou-se sobre ela, derramando o champanhe sobre a saia do vestido. — Oh, meu Deus! — A mulher ficou parada, meneando a cabeça como se estivesse a ponto de chorar. — Fique calma. — Kendall também estava consternada, principalmente porque divisara a face de Thalia Langford, antes que ela recuasse para o meio dos outros convidados. — Juro que fui empurrada! — lamentou-se a mulher. — Tem certeza, Nan? — Uma amiga tirou a taça de sua mão trêmula. — Não se preocupe! — Kendall tentou acalmar as duas mulheres. — O que aconteceu? — perguntou Pamela, espantada. — Um pequeno incidente — respondeu Kendall. — Eu sinto tanto! — A mulher, que não havia comprado nada, estava muito pálida. — Isso não altera nada, eu sei, mas tenho certeza de que fui empurrada. Eu nunca perco o equilíbrio. Alguém me empurrou de propósito. Pela expressão de Pamela, estava claro que seu entusiasmo estava prestes a desaparecer; Kendall imediatamente tentou não deixar que isso acontecesse. — Sempre acontece algum pequeno incidente nas inaugurações de grande sucesso. Não pense mais nisso, por favor.

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— Tenho certeza de que conseguiremos tirá-la facilmente — disse Pamela afinal, olhando para a mancha no vestido. — Agora, por favor, não deixe que isso estrague a sua noite. — Ela tomou sua convidada pelo braço. — Você tem que tomar mais uma taça de champanhe antes de ir embora. E ela não é a única!, pensou Kendall, olhando à sua volta novamente. Do outro lado da loja, Thalia Langford sorriu para ela. Kendall ficou surpresa com a raiva que tomou conta de si. Thalia, obviamente, não se importava nem um pouco com o estrago que causara. Mais do que isso, ela estava se divertindo com a situação, certa de que não poderia sofrer nenhuma represália. Entretanto, quando se dirigia para o seu carro, foi Thalia quem ficou surpresa por Kendall alcançá-la. — Que coisa horrível você fez! — Kendall segurou a outra garota pelo braço. — Querida... — A sra. Langford, que já chegara ao carro, virou-se, espantada. — Você não vai fazer uma cena, vai? — Thalia sorriu desdenhosamente. — Imagino que seja disso que você precisa. Você não passa de uma garota nojenta e mimada! — Como você é bem-educada! — Não diga isso para mim — respondeu Kendall. — Quem tem boa educação não faz o que você fez, deixando uma mulher inocente levar a culpa. — O que foi, garotas? — A sra. Langford aproximou-se delas. — Nada. — Kendall não queria continuar a discussão; além do mais, a sra. Langford não tinha culpa de nada, a não ser de ter educado mal sua filha. — Essa pirralha insolente está me acusando de ter causado aquele incidente com o vestido — disse Thalia à sua mãe. — Mas não é possível! — A sra. Langford lançou um olhar severo para Kendall, tentando fazê-la perceber a seriedade de sua acusação. Naquele momento Kendall sentiu um aperto no estômago e deu-se conta, tarde demais, de que havia criado uma situação difícil por ter deixado que a raiva a dominasse. — Vamos esquecer o assunto — disse ela, tentando parecer calma. — Você acredita nisso? — perguntou a sra. Langford, erguendo as sobrancelhas. — Claro que sim, ou então ela não estaria parada aí — zombou Thalia.

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Nick trancou a porta de seu carro no outro lado da rua, e aproximou-se delas. — Olá, como foi a inauguração? — perguntou ele. — Não muito bem, receio. Esta garota doida aqui acaba de aborrecer terrivelmente mamãe e eu! — disse Thalia com voz magoada. — Como? — Por favor, esqueça isso, querida — disse a sra. Langford. — Tenho certeza de que Nick não quer se envolver nisso. — Bem, quero, sim. — Nick virou-se para a tia. — Nós não íamos todos jantar juntos depois da inauguração? — Nós estávamos ansiosas por isso. Muito ansiosas. — A sra. Langford colocou a mão cheia de anéis sobre a têmpora, como se estivesse sentindo dor de cabeça. — Qual é o problema, Kendall? — perguntou Nick. — Receio que eu não tenha agido com muita diplomacia. — Eu diria que não, mesmo! — disse a sra. Langford. — Exijo que você peça desculpas. — Muito bem — disse Kendall. — Eu peço desculpas. É uma vergonha, mas eu peço. — Do que ela está falando? — perguntou a sra. Langford para Nick. — Não vamos discutir aqui na calçada — sugeriu ele. — Se vocês quiserem ir ao clube, nós a encontraremos lá. — Eu, não! — disse Kendall. — Vamos, mamãe! — Thalia pegou a mãe pelo braço. — Algumas pessoas simplesmente não sabem se comportar. — E outras nem mesmo tentam! — retrucou Kendall. — Nós nos veremos no clube, não, Nick? — perguntou a sra. Langford. — Sim. Eu não vou demorar muito. Nick levou-as até o carro, inclinou-se para dizer algo para sua tia, depois voltou para onde Kendall havia ficado. Pamela ficaria furiosa com ela por ter entrado em conflito com as duas mulheres mais influentes da região, além de futuras boas clientes. De repente, sentiu-se cansada, cansada de tudo e de todos. A noite começara de forma excitante, nunca se sentira tão bela como naque-las poucas horas. A butique parecia ter tido a aprovação de todos. Agora aquilo! E Nick, claro, ficaria do lado das Langford; afinal, eram suas parentes. — Escute, pequena, desta vez você foi longe demais! — disse ele, confirmando o que Kendall pensava. — Você pode estar certo! — Sorriu. — Pamela vai me matar. — Eu ainda não sei o que aconteceu.

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— E eu não sei como lhe contar, já que isso envolve sua amada prima.

— Tente, e deixe de gracejos. — Está bem! Eu estava guardando um vestido de noite, que deve valer uns trezentos e cinqüenta dólares, quando uma mulher lançou-se sobre mim, derrubando uma taça de champanhe sobre a saia do vestido. Ela jurou que foi empurrada, e eu sei muito bem quem a empurrou. Não vou mencionar nomes. — Parece que você já fez isso — observou ele secamente. — Você viu Thalia fazer isso? — Não, não vi. — Você só pensa que ela fez isso. Alguma intuição feminina? — Não tire conclusões. Ela fez tudo muito bem. Teve até a audácia de sorrir maliciosamente depois do que fez. — E neste momento você perdeu a cabeça? — Você me conhece — disse ela. — Sou mestra em arrumar problemas. — Parece que sim! — Nick foi forçado a concordar. — E o que eu faço agora? — Bem, acho que Pamela não vai dizer que você agiu como devia. — Eu sei, ela vai dizer que eu não tenho controle. — Você está absolutamente certa de que Thalia foi a responsável? — perguntou Nick depois de um breve silêncio. — Só Deus sabe por que ela fez isso! — Kendall nem se importou em dar uma resposta direta. — Quem iria querer estragar uma coisa bonita? — Como a nossa amizade? — Nick estendeu a mão e segurou o queixo dela. — Nós não somos amigos — disse Kendall solenemente, com os lábios trêmulos. — Não. — Ainda segurando o queixo dela, Nick acrescentou: — Tinha a intenção de levar todos vocês para comemorar o sucesso da inauguração, e não pretendo mudar de idéia. — Não iria me sentir bem — disse Kendall, virando a cabeça. — Acho que não queremos estragar a noite de Pamela, não é? Imagine como ela ficaria se contássemos o que aconteceu! Harry já deve estar chegando e todos nós iremos ao clube. Já está tudo combinado. — Estou lhe dizendo que eu não vou! — teimou ela. — Ora, está ficando nervosinha? — Imagine! — Ela teve que sorrir. — Então, vamos. Prometo que manterei você distante de Thalia.

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Na manhã da inauguração da feira anual do Parque Flamingo, apesar do vento e da chuva fria — efeitos do ciclone que assolava o norte do país, o entusiasmo de todos era muito grande. Era costume dos Langford oferecerem um soberbo churrasco aos visitantes da feira. Quando Kendall chegou com seu pai, as primeiras pessoas que viu foram a sra. Hogan e Colin. — Meu Deus! — exclamou Harry, acenando para eles hipocritamente e mantendo-se afastado. — Kendall, gritou Colin. Ela sentiu sua raiva aumentar ao notar a expressão da sra. Hogan, mas achou melhor acalmar-se, pois não queria magoar Colin. Ele era seu amigo há anos. — Olá! — Kendall sorriu. — Oh, como é bom ver você! — Os olhos de Colin brilharam. — Mamãe, aqui está Kendall. — Como vai, Kendall? — Havia um brilho diferente nos olhos da sra. Hogan. — Bem, obrigada. E a senhora? — Sinto dizer que estou com dor de cabeça. — Deve ser o vento. — Kendall tentou se lembrar das vezes em que a sra. Hogan fora gentil com ela. — Você vai se sentar conosco, não vai? — perguntou Colin, pegandoa pelo braço. — Vou sentar-me com Harry. — Onde estava ele, aquele traidor? — Então está bem. — Colin sorriu. — Podemos nos sentar todos juntos. — Tenho certeza de que Kendall quer andar pela feira — disse a sra. Hogan. — Você não quer, não é, Kendall? — Colin fitou-a com tanta ternura que ela não teve coragem de ser rude com ele. — Ficarei muito contente em sentar-me com vocês. — Kendall lamentou que ele tivesse se apaixonado por ela, estragando assim a amizade que existia entre os dois. — O que eu disse à senhora? — Colin parecia ignorar a expressão contrariada da mãe, pois tomou as duas mulheres pelo braço. —Temos que nos apressar se quisermos conseguir bons lugares. — Disseram-me que Nick programou um jogo de pólo para o fim da tarde. Acho que vai ser muito bom, ele é um ótimo jogador. A sra. Hogan lançou a Kendall um olhar furioso, mas ela não percebeu, pois estava preocupada procurando Harry na multidão. Era típico de

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seu pai, desaparecer daquele jeito. A sra. Hogan fazia parte de um pequeno grupo de pessoas que Harry se esforçava para evitar, e Kendall sentia que não podia culpá-lo por isso. Quase todas as pessoas da região estavam ali. — Este lugar é um sonho, não é? — murmurou Colin, olhando à sua volta. — E é um lugar apropriado para feiras deste tipo — concordou a sra. Hogan, sentando-se. — Vejo que Nick está com seus convidados. — Eles parecem muito interessados no gado daqui — disse Colin, sentando-se entre sua mãe e Kendall. — Devem estar, senão não teriam vindo dos Estados Unidos — disse a sra. Hogan e começou a acenar entusiasticamente para alguém. Colin e Kendall viraram-se para ver a quem a sra. Hogan cumprimentava tão calorosamente, e viram Sue Lockhart, muito bonita, num vestido cor-de-rosa. — Levante-se, Kendall — disse a sra. Hogan bruscamente. — Sue já vem vindo. — Ora, mãe! — protestou Colin, furioso. — Já não lhe disse que sou eu quem escolho meus próprios amigos? — Fique quieto! — Kendall apertou o braço de Colin. Sue já estava muito próxima e Kendall não queria ver aquele sorriso trêmulo desaparecer de sua face. Aproximou-se mais de Colin e bateu no banco a seu lado. Dentro de dez minutos seria a inauguração da feira, e mais tarde ela encontraria alguma desculpa para deixá-los. Como era esperado, a área em volta da pista ficou tão cheia de gente que era impossível para Kendall, mesmo querendo, ir para outro lugar. Sue olhava tão constantemente para Colin que Kendall teria se oferecido para trocar de lugar, se não temesse alguma explosão de raiva do rapaz. À sua esquerda, podia ver Harry sentado tranqüilamente, desenhando em seu caderno de esboços. Com certeza ele estava tão absorvido em seu trabalho que se esquecera dela. Na hora do almoço, Kendall tentou escapar. — Vocês me dão licença, não? — Ela sorriu para todos e viu alívio nos olhos azuis de Sue. — Acho que vou para junto de Harry. — Você vai voltar, não vai? — Colin parecia querer impedi-la de afastar-se dele. — Com certeza a gente ainda vai se encontrar. — Kendall levantouse e sorriu para ele. — Pamela virá para cá, à tarde. — Bem, então vocês vão querer ficar todos juntos! — disse a sra. Hogan, sorrindo. — Acho muito engraçado, querida, você chamar seu pai pelo nome de batismo.

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— Ele gosta disto — explicou Kendall. — Isso o faz sentir-se mais jovem.

— Acho que ele devia afastar-se daqueles touros. Eles podem ser perigosos — disse Colin abruptamente. — Vou dizer a ele. — Aquela foi a oportunidade que Kendall estava esperando, e saiu apressada por entre os bancos. Mantinha a cabeça baixa, observando onde pisava, quando o lote 25, que seria leiloado, subitamente foi anunciado sem qualquer advertência anterior. As mulheres gritaram e o tumulto generalizou-se, quando um enorme touro sem chifres jogou um homem no chão e começou a investir contra ele. Era Harry. Kendall correu até lá, sem se importar com nada a não ser com seu pai, que estava jogado no chão, talvez correndo risco de vida. — Kendall! — Ela ouviu alguém gritar seu nome, mas estava muito fora de si para parar. Os encarregados da segurança da feira correram até o animal, mas não pareciam capazes de afastá-lo de Harry. O touro, ao perceber a presença de Kendall, dirigiu-se para ela com fúria. Seu coração quase parou de pânico. Ela descobrira a pior maneira possível de salvar Harry: arriscando-se. Quis fugir desesperadamente, mas suas pernas pareciam não obedecê-la. Abriu a boca para gritar, mas nenhum ruído saiu de sua garganta. Porém, de repente, alguém apanhou-a, carregando-a numa corrida desesperada. Por um momento, ambos ficaram expostos ao imenso perigo. A multidão observava aterrorizada o espetáculo, mas um suspiro de alívio foi ouvido por todos os lados quando o homem, ainda segurando Kendall, atravessou o portão, que alguém fechou rapidamente atrás deles, evitando o perigo. Na queda que os dois sofreram do outro lado da pista, o homem sofreu o impacto mais forte, batendo o ombro e a cabeça no chão. Kendall abriu os olhos, assustada. — Oh, Nick! — gritou, desesperada. Naquele momento de intensa consciência, Kendall compreendeu que o amaria até morrer. A camisa clara de Nick estava molhada de sangue; o ombro e o lado esquerdo do corpete do vestido de Kendall também. — Oh, Nick! — sussurrou novamente, tão fraca que teria caído se ele não a estivesse segurando. Harry, que começara tudo aquilo, já estava em pé, trêmulo e arranhado, mas sem nenhum ferimento grave. Afinal, cerca de doze homens haviam dominado o touro, mantendo-o preso firmemente com uma corda no pescoço.

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— Meu Deus, Nick! — Harry aproximou-se deles, mancando. — Vocês estão bem? — Sr. Langford! — O administrador de Nick apareceu. — Ponha o touro dentro do cercado novamente — disse Nick. — Sim, senhor. Kendall começou a sentir tontura e um mal-estar na boca do estômago. — Não desmaie! — Nick ordenou com firmeza e ela endireitou o corpo. O dr. Richardson aproximou-se e disse para Nick: — É melhor vocês irem para dentro da casa por algum tempo. Acho bom eu dar uma olhada nesse ferimento da sua cabeça. — Eu estou bem! — Nick fez uma careta e olhou para seu próprio corpo e para Kendall. — Acho que está parecendo muito pior do que foi na verdade. — Vocês tiveram sorte! — disse Harry. — Por que vocês não deixaram que o touro me pisoteasse? Eu preferia morrer a ver um de vocês dois ferido! — Calma, Harry. — Nick olhou para o rosto aflito de Harry. — É melhor você entrar conosco. Eu tenho que trocar de camisa. Kendall tinha intenção de ir caminhando sozinha e fez uma séria tentativa para libertar-se, mas a tontura dominou-a novamente e ela caiu nos braços de Nick. Algumas horas depois, Nick foi ver se ela estava bem e encontrou-a despertando do sono provocado pelo sedativo que tomara. — Você está bem? — Nick sentou-se na beira da cama. — Como poderei agradecê-lo um dia, Nick? — Eu pensarei numa maneira — disse ele. — Acho que, se não fosse por você, eu estaria morta. — Kendall sentou-se subitamente, segurou os ombros largos de Nick e fitou-o. — Como está a sua cabeça? — Sem problemas. — Indiferente, Nick mostrou os poucos pontos que levara no corte. — Como você faz pouco caso disso! — censurou-o e beijou-lhe o rosto. — Obrigada por tudo, Nick. Houve um curioso momento de tensão e Kendall sentiu a reação do corpo dele. — Isso é o máximo que você pode fazer? — perguntou ele secamente, segurando-a pela cintura. — É tudo o que sou capaz de conseguir no momento.

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— É mesmo? — Nick afastou-lhe os cabelos do rosto e, num gesto espontâneo, ela encostou-o na palma da mão dele. — Não me magoe, Nick. — Sua tolinha! — Nick tomou-a nos braços. — Eu não posso... — Kendall sentiu as lágrimas banharem seus olhos. — Nick. . . — Eu não vou magoá-la. Prometo. Com muita ternura, seus lábios passearam sobre o rosto molhado de Kendall, aproximaram-se do canto dos lábios trêmulos e fecharam-se sobre eles com tanta paixão que Kendall teve a sensação de que um raio a havia partido em pedaços. Sentiu a mão de Nick fechar-se sobre seu seio possessivamente, aumentando-lhe ainda mais o desejo, e percebeu que por trás de sua inocência havia uma mulher muito apaixonada que estava ansiosa por ser satisfeita. Kendall não suportou esse pensamento e virou-se, com os olhos fechados de prazer e medo. — Não, Nick. Por favor, não! Ela pediu em vão, ou ele nem mesmo a ouviu. Puxou-a de novo para si e beijou-a levemente do pescoço até a fenda entre os seios. Isso deixou-a extremamente excitada. Era quase uma loucura querer tanto... Quis gritar novamente, mas ele abafou-lhe os sons com os lábios. Kendall resistiu a ele, amedrontada pela intensidade de suas próprias emoções, dos riscos terríveis que existiam em brincar com fogo, mas Nick a segurou implacavelmente. — Abra os lábios, Kendall! — pediu-lhe. Ela meneou a cabeça, quase furiosa com o ardor de sua paixão. -- Você não quer? — Ele afastou-se um pouco e fitou-a. Ela estava bonita, um pouco selvagem talvez, e havia uma veia pulsando na base de seu pescoço. — Kendall? — Com o dedo, Nick seguiu o contorno dos lábios dela, até que Kendall abriu os olhos suavemente e fitou-o. — Você é um tirano, Nick! — sussurrou ela. — Eu estou amedrontada. — Eu sei disso. — Ele abaixou a cabeça e beijou a veia que palpitava no pescoço de Kendall. -- Você não pode saber! — Seu corpo curvava-se instintivamente, como se pertencesse a ele. — Como você pode saber como eu me sinto? Você é um homem experiente e seguro. Você disse que não quer me magoar, mas estou com medo que vá fazer exatamente isso. — Você está querendo dizer que está com medo de se soltar. A pessoa que você realmente teme, Kendall, é você mesma.

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— E se for? — Seus olhos encheram-se de lágrimas. — Eu terei que me entregar a você só para superar isso? — Acho que você ficaria feliz em se entregar. — Seu demônio! — Não, Kendall, não! — Segurou-lhe os pulsos. — Você precisa disso. Sei que é doloroso, mas eu não vou perder o controle. Kendall, porém, já estava muito excitada para rejeitar qualquer carícia que Nick lhe fizesse. Quando ele percebeu que ela já não oferecia nenhuma resistência, soltou os pulsos dela e Kendall pareceu dissolver-se em seus braços. Por que resistia a ele, quando na verdade o desejava tanto? Seus temores desapareceram e sua determinação também, e ela deixou que Nick a beijasse tão profundamente, que ele pareceu esquecer a promessa que acabara de fazer. Eles estavam se deitando na cama quando a voz de uma mulher gritou do vão da porta: — Nick! A realidade voltou num instante. Kendall deixou-se tombar sobre os travesseiros, mas Nick virou-se sem constrangimento. — Mas que mania você tem de gritar! Thalia bateu a porta e ficou parada, fitando-os, chocada. — O que você está fazendo? — Que pergunta! — Nick encolheu os ombros e levantou-se. — Isto a incomoda? — Sim, incomoda. — Thalia aproximou-se um pouco. — Com certeza você não tem interesse nesta criança! — Isto não é absolutamente da sua conta — retrucou ele. — É sim, Nick! — O corpo inteiro de Thalia tremia. — Ela quase matou você esta manhã! — Que absurdo! Você quer alguma coisa, Thalia? — Deus, como você é. . . cruel, Nick! — gaguejou ela. — Um minuto, por favor! — Kendall levantou-se, cambaleando. — Não quero ouvir isso. — Eu prefiro que você continue deitada — disse Nick com firmeza. — Então, por que você não a carrega para o seu quarto? — gritou Thalia. — Mais uma conquista do todo-poderoso Nick Langford! — Pode parecer muito estranho, mas as conquistas não me interessam nem um pouco — disse Nick tranqüilamente. — Não, elas são fáceis demais! — Thalia encarou Nick com um olhar cheio de ódio e ciúme. Parecia tão desesperada que Kendall sentiu pena dela.

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— Prefiro me retirar e não assistir a esta cena. — Kendall tentou levantar-se novamente, embora não tivesse conseguido ficar em pé da última vez que tentara. — Sua cadelinha fingida! — Thalia inclinou-se sobre ela, como uma cobra prestes a dar o bote. — Pare com isso! — repentinamente Nick esbofeteou Thalia. — Kendall é uma garota muito séria, fique você sabendo! — Não pelo que eu vi! — gritou Thalia. — O que você está tentando fazer comigo, Nick? Eu sempre amei você! — Que coisa triste! — exclamou Kendall e olhou para Nick. .— Por que você não a tira desta situação? — Se ao menos eu soubesse o que isso significa! — disse ele, parecendo terrivelmente irritado. — Ela ama você. Você deve saber! — Kendall parou na frente dele, cambaleando um pouco. — Eu poderia mencionar quase trinta mulheres que já me disseram isso — disse Nick, segurando-a pelo ombro. — Você gosta disto! — acusou-o. — Isso não é verdade — retrucou ele. — Quando se é milionário, é fácil atrair as mulheres. — É você, não o seu dinheiro — disse Thalia. — Oh? — Os olhos de Nick brilharam ironicamente. — A vida não seria tão maravilhosa para você num barracão. De qualquer maneira, esta é uma conversa sem sentido. Eu nunca dei esperanças a você. — Mas isto sempre foi tido como certo. . . — Thalia sentou-se numa poltrona. — O quê? — Nick perguntou educadamente. — Você sabe muito bem — disse Kendall, tentando arrancar a mão dele de seu ombro. — Você quer ficar quieta? — Não, não vou ficar! — Kendall continuou: — Até ouvi falar que vocês iam ficar noivos! Como resposta, Nick levantou-a deliberadamente e colocou-a de volta na cama. — Fique quietinha aí, e preocupe-se com a sua própria vida — disse ele bruscamente, depois se virou para sua prima e disse: — Você deve estar mesmo apaixonada, Thalia. Já faz alguns minutos que você não diz uma palavra. — Eu amo você, Nick — disse ela com a cabeça baixa. — Então você precisa procurar um analista.

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— Que coisa cruel! — exclamou Kendall. — O que a psicanálise pode fazer por ela? — Logo, logo, Kendall, eu acabo batendo em você. — Nick virou-se para ela. — Não se meta nisso. — Thalia está com um problema, e só você pode resolvê-lo. — Você está sugerindo que eu me case com ela? — perguntou Nick, irritado. — Você tem que se casar com alguém! — Thalia jogou a cabeça para trás. — Tenho vontade de colocar vocês duas para fora deste quarto! — Eu, pelo menos, você não vai precisar botar para fora! — gritou Kendall. — Que ótimo! — disse Thalia, obviamente pretendendo ficar, mas Nick segurou-a pelo braço e levantou-a da poltrona. — Fora! — ordenou, de forma tão determinada que Thalia caminhou para a porta. — Volte para a cama, Kendall. — Está certo. . . Preocupe-se com ela! — Thalia parecia desesperada. — Eu lhe dei a minha vida, mas você não me deve nada! — Lágrimas de humilhação banharam seus olhos, e ela virou-se e saiu correndo. — Que tristeza! — Por alguns segundos Kendall pensou que fosse desmaiar novamente. — Maldição! A última coisa que eu queria é que ela aborrecesse você! — Uma raiva violenta transpareceu nos olhos de Nick, mas ele se aproximou de Kendall e levou-a gentilmente de volta para a cama. — Mas você tem certeza de que nunca deu a ela um pouco de esperança? — perguntou Kendall e lançou-lhe um olhar preocupado. — Isso nunca me passou pela cabeça. — Que confusão! — exclamou ela. — Seria, se eu deixasse que as mulheres tomassem conta de minha vida. — Ele fitou-a com olhos brilhantes e frios. — Obviamente você ainda está sentindo os efeitos dos sedativos. Aconselho-a a fechar os olhos e dormir.

CAPÍTULO VIII Thalia e sua mãe nunca mais voltaram à butique. E, embora Pamela se sentisse desprezada, não tinha do que se queixar. A notícia sobre a coleção de Pamela Paige se espalhara e a loja estava sendo prestigiada pelas esposas e filhas dos outros fazendeiros ricos da região. Pamela achou

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necessário fazer uma viagem de compras que não estava programada, deixando Kendall na direção da loja. De certa forma, ela gostou. Pamela não era uma pessoa muito fácil de se trabalhar junto, portanto seria agradável ficar sozinha; mas cuidar de uma loja de roupas não combinava com o temperamento de Kendall. Ela era uma pessoa muito ativa e, agora que o verdadeiro trabalho terminara, não havia muito o que fazer. Pamela deixara claro que não precisava dela nas suas viagens de compras e, lógico, alguém tinha que atender às clientes. Quando voltou para casa naquela noite, Harry cumprimentou-a com um copo de uísque na mão. — Pamela telefonou — disse ele. — Ela não estará de volta antes do fim da semana. — Você parece satisfeito! — Kendall deixou-se cair numa poltrona. — Oh, querida, você sabe como é. Você e eu somos tão amigos que às vezes é bom Pamela não estar aqui. Fica tudo tão calmo e normal. — Oh, Harry! — Ela não sabia se chorava ou ria. — Esse é o primeiro uísque que você está tomando? — Fico surpreso por você perguntar! — Harry piscou para ela, sem responder realmente. — Quer beber alguma coisa, querida? Você parece tão cansada! — Eu estou bem — disse, sabendo muito bem que não estava com sua aparência alegre de sempre. Colin a procurara naquela tarde, implorando para que saísse com ele, e a situação havia sido muito embaraçosa. — Vou lhe preparar uma bebida, mesmo assim. — Aposto que você não colocou a roupa para lavar. — Kendall levantou-se e foi para a cozinha. — Faremos isso depois do jantar. — Carne e salada está bom para você? — perguntou ela. — Qualquer coisa serve. — Harry levou um copo com uma bebida gelada para ela. — Tenho comido salada até entupir e não perdi um quilo sequer. — Não vou me deixar enganar, companheiro — disse ela. — Espere até o dia em que você tiver que fazer dieta. Você vai ver que não é nada fácil. — Eu sei que não é, mas você vai continuar seguindo a dieta. — Kendall começou a preparar o jantar, cantarolando uma canção enquanto trabalhava. Era uma canção triste, mas ela não percebeu. — É muito ruim trabalhar na loja? — perguntou Harry. — Não diga isso quando Parnela estiver por perto — respondeu Kendall e começou a preparar o tempero da salada. — Não, na verdade passei quase o dia inteiro ocupada. É que Colin me procurou.

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— É mesmo? — Harry fitou-a. — Ele não está incomodando você, está?

— Está. Não sei por que ele teve que se apaixonar por mim. — Ele estaria louco se não se apaixonasse! — retrucou Harry como um pai orgulhoso. — Ele sempre foi tão calmo e gentil! Agora nem consegue conversar com tranqüilidade. — Que garoto idiota! — Harry escolheu um rabanete e comeu-o. — Vou dar uma palavrinha com ele. — Acho que a mãe está deixando ele maluco. Ela quer desesperadamente que Colin se apaixone por Sue Lockhart. — Que loucura! — Harry deu uma risada. — Desde quando podemos nos apaixonar por alguém só porque outra pessoa mandou? — É isso mesmo! — Isso lhe parece tão ruim? — Harry olhou para ela. — Parece? — Ela não estava preparada para aceitar o desafio. — Você mesma não ama ninguém, não é? — perguntou Harry. — Alguém chamado Nick, por exemplo. — Isso seria um desastre! — Não tenho tanta certeza assim. — Harry ficou quieto por um momento. — Nick é um homem muito bom. O melhor. — Você não pode estar falando sério, Harry! — Ela tentou sorrir — Nick é um homem sofisticado e experiente. Eu só tenho dezoito anos. — Você fará dezenove em agosto, lembre-se. — Mesmo assim, ainda sou jovem para Nick. De qualquer forma, acho que ele nunca se casaria comigo. — Se eu fosse você não estaria tão certa disto. — Por quê? — Kendall foi até o armário e pegou os pratos. — Ele não vai se casar com outra pessoa, isso é que é o importante. Parece-me que Nick sempre foi muito afeiçoado a você. Muitas vezes ele até me repreende por causa de certas atitudes que eu tomo com você. — Ele se acha muito responsável — comentou Kendall. — Você não deve esquecer que éramos muito inexperientes quando viemos para cá. — Ainda somos. — Harry riu. — Cuidar de uma fazenda é um trabalho que exige uma dedicação total, e todas as minhas tentativas não foram bem-sucedidas. — Está bem. Um copo de vinho branco — propôs Kendall, dando a garrafa para Harry abrir. — Você vai beber comigo? — Por que não? Um copo cada um. Sentaram-se à mesa e começaram a comer.

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— Lógico que você está apaixonada por Nick desde os quatorze anos — disse Harry, sem levantar os olhos. — Harry, você está louco! — É muito estranho, mas eu nunca tive ciúme. — Harry ignorou o protesto de Kendall. — Sempre soube que chegaria o dia em que eu teria que entregar minha filhinha para alguém, e ficaria muito feliz se esse alguém fosse Nick. — Oh, Harry! — Kendall.abaixou a cabeça. Seus ombros começaram a tremer, primeiro levemente, depois com mais força. — Querida, você está chorando? — Harry levantou-se, um pouco assustado. Kendall afastou-o. — Ora, sua bruxinha, você está rindo! — Claro que eu estou rindo! — Ela levantou a cabeça rapidamente, mas seus olhos estavam estranhamente brilhantes. Kendall parecia ainda mais jovem e vulnerável, recusando-se a admitir seu segredo mais íntimo. Tão íntimo, que na verdade Harry o descobrira antes mesmo que ela. — Você é impagável! — Mas eu estou certo, não estou? — De certa forma. — Kendall tentou sorrir. — Todo mundo tem que ter um primeiro amor. — Pobre criança! — Harry suspirou. — Algumas pessoas deixam marcas tão fortes em nossas vidas que nós nunca conseguimos apagar. Sabe, querida, elas passam a fazer parte de nós! Horas depois, precisamente poucos minutos antes da meia-noite, Kendall estava em frente à janela, contemplando a noite. Não conseguia esquecer as palavras de seu pai. Pamela, embora fizesse parte da vida deles, nunca se tornara verdadeiramente parte da família. E o mais triste é que ela sempre soubera disso. Pelo menos agora Pamela possuía um outro interesse, mas será que isso compensava o fato de ela não ser verdadeiramente amada? Eu nunca me sentiria compensada, pensou Kendall. Amar e ser amado era a coisa mais importante do mundo. Dava significado a tudo. Lembrou-se de quando sua mãe ainda vivia; eram tantas lembranças que seus olhos se encheram de lágrimas. Naquela época a vida tinha tanto significado para Harry! Brincando, ele costumava chamar sua mãe de tirana, e quando ela protestava, magoada, ele sempre a abraçava e dizia que aquela era a mais doce das tiranias. Kendall lembrou-se do amor e da felicidade deles. Mesmo suas discussões tinham tanto amor que voltavam à lembrança como algo engraçado. Enquanto estavam juntos, pareciam uma só pessoa.

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A compreensão desse fato trouxe-lhe uma tristeza tão grande como a que ela não sentia desde a morte de sua mãe. Harry nunca mais encontrara a mesma felicidade. Havia tentado novamente com Pamela, mas ela não era o tipo de mulher que completava a vida dele. Ela o amava, sim, mas não era o amor profundo e generoso que ele conhecera com a primeira esposa. Pobre Harry! Por mais que tentasse confortá-lo, ele estava mesmo perdido num sonho do passado. A verdade era que Harry não se importava por estar se destruindo. Devia ser horrível estar junto de alguém que significa tudo para nós e, de repente, perdê-lo para sempre. Talvez fosse melhor que ela aceitasse esse fato e parasse de dizer a si mesma e a Harry para ele se empenhar em fazer seu casamento mais feliz. Tinha que aceitar o que Nick lhe dissera: alguns amores eram indestrutíveis, únicos. Profundamente apaixonada e sofrendo também, subitamente ela compreendeu a inquietação de Harry, sua solidão. Ele estava sempre acompanhado de seu fantasma, só esperando que ela o abraçasse como nos velhos tempos. Kendall jogou-se na cama e chorou amargamente por Harry, por sua mãe e por Nick. Pamela voltou no fim da semana, mais bela do que nunca. Parecia cheia de energia e recusou-se a ficar em casa. Ela e Harry iriam jantar fora. — Eu não quero ir — disse Harry. — Não podemos jantar em casa? — Não, não podemos! — disse Pamela com firmeza. — O problema é que você, Harry, está muito preso à rotina. — Eu trabalhei o dia inteiro. — Se você está dizendo que pintou o dia todo, eu não chamo isso de trabalho. — Pamela riu. — Bem, posso lhe garantir que é. — Harry estava tenso. — Por favor, querido, vamos. — Pamela tentou adequar-se ao humor dele. — Agora é importante que eu seja vista. — Ah, sim! Harry continuou sentado e Kendall, que ouvira a discussão do seu quarto, enquanto se arrumava para sair também, decidiu interferir. Não era uma posição muito agradável, mas tinha que enfrentá-la. Era fácil compreender o desejo de Pamela de sair e se divertir um pouco; por outro lado, Harry trabalhara o dia todo na tela de Dominó e parecia cansado. — Ah, você está aí! — disse Harry. — Está linda. — Está mesmo! — concordou Pamela inesperadamente. Quase sempre ela criticava a aparência de Kendall. — O que vocês dois vão fazer? — Kendall girou para que Harry visse como sua saia flutuava.

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— Nada, espero — resmungou Harry. — Esse vestido é mesmo muito bonito.

— E essa cor fica muito bem com seus cabelos pretos e sua pele dourada — disse Pamela. — Eu trouxe algumas roupas orientais, maravilhosas. Acho que você devia prender os cabelos, Kendall. — Eu prefiro que ela deixe os cabelos soltos, mesmo — disse Harry. — Você é tão ingênuo, Harry. — Pamela suspirou. — O penteado é muito importante. Pretendo usar um traje maravilhoso esta noite e, já vou avisando, meu penteado será muito exótico. Como se não quisesse mais discutir, Pamela saiu, sem dar oportunidade para que Harry protestasse novamente. — Não se preocupe, querido! — Kendall deu um tapinha no ombro dele. — A vida é cheia de sacrifícios. — Que inferno! — Harry levantou-se. — Que inferno! — Você precisa relaxar. — Kendall fitou-o. — Você realmente se dedicou àquela tela hoje. — E ela está terminada. — Harry esfregou os olhos. — Acho que eu não seria capaz de fazê-la melhor. — Eu também acho. — Kendall abraçou-o. — Nick ficará satisfeito. — Harry parecia feliz. — Não queria que o quadro que dei a Nick fosse para os Estados Unidos, mas este de Dominó está tão bom quanto aquele. Quero dá-lo de presente a Nick. — Vai ser difícil — disse Kendall. — Você sabe que ele vai querer pagá-lo. — Acho que ele já fez muito por nós. Kendall assentiu, sem saber que outra coisa poderia fazer. Não queria conversar sobre Nick naquela noite, especialmente porque tinha um encontro com Dave Masterson. Mas a simples menção do nome dele deixou-a cheia de saudade. Maldito Nick e seu amor por ele! Dave chegou quinze minutos depois e, quando viu Kendall, assobiou em sinal de admiração. — Você está divina! — É um modelo de Pamela Paige. — Kendall sorriu. — Que não se compra em nenhum outro lugar. — Dave segurou o rosto dela gentilmente e beijou-lhe a ponta do nariz. — Vou dizer boa-noite ao seu pessoal, depois é melhor irmos embora. Reservei uma mesa para as sete e meia. Pamela estava muito ocupada e foi Harry quem se despediu deles. — Prometa que você vai procurar descansar. — A voz de Kendall parecia ansiosa. — Você sabe o que o médico disse. Você tem que aprender a relaxar. Faça meditação.

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— No meio do jantar? — Bem, não... — Kendall não sorriu. — Agora, antes de vocês saírem. — Está bem, querida. — Harry beijou-a. — Vou para o meu quarto relaxar todos os músculos, um por um. Boa noite, Dave. — Boa noite. — Dave, que estava parado ao lado da porta do carro, abriu-a para que Kendall entrasse. Percebendo que Kendall estava preocupada, ele perguntou: — O que há de errado? — Nada. Não estou sendo uma boa companhia? — A melhor, mas tenho a impressão de que você está preocupada. — Acho que todos nos temos problemas — respondeu ela calmamente. — Na sua idade? — Dave sentia vontade de protegê-la. — Em qualquer idade. — Kendall sorriu para ele. — Você não tem problemas? — Não — disse Dave. — Você tem sorte. — Está bem — disse, determinado. — Tenho que fazer algo para alegrá-la. O que você acha de irmos dançar? — Eu adoraria! — Kendall esforçou-se para ficar animada. — Você é bonita! — Dave suspirou. Eles estavam na pista de danças quando Kendall viu Nick parado na entrada do restaurante, conversando com o maitre. Os dois homens viraram a cabeça abruptamente na direção da pista de danças e algo na expressão de Nick deixou Kendall sobressaltada. Ele estava muito sério, olhando intensamente as pessoas que dançavam. Quando seus olhos pousaram nela, pareceram queimá-la como brasas; ela se afastou dos braços de Dave, murmurando em voz alta: — Meu Deus! — O que foi? — Dave fitou-a, perplexo, mas ela nem mesmo o ouviu. Foi saindo da pista e ele a seguiu, sem saber direito o que estava acontecendo. Quando viu Nick e a expressão carregada de seu olhar, percebeu então que algo de sério devia ter acontecido. — Nick? — Kendall estendeu as mãos involuntariamente e Nick segurou-as. — Você precisa me acompanhar. — Harry? — perguntou ela. — Ele foi levado para o hospital. — Nick levantou a cabeça e olhou para Dave. — Vou levar Kendall para ver o pai dela. — Ele está vivo? — perguntou Dave em voz baixa, para que Kendall não ouvisse.

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— Teve um ataque do coração. Demorei muito para encontrar vocês. — Oh, Deus! Vou pegar a bolsa de Kendall e seguirei vocês em meu carro. — Ele não queria se intrometer, mas também sentia que não poderia deixar de ir. Nick concordou e conduziu Kendall até seu carro. Durante o trajeto até o hospital, ela manteve os olhos fechados e Nick não disse nada. E o que havia para ser dito? Ela tinha que ficar quieta, para rezar. Harry tivera um ataque do coração no clube e Pamela, desesperada, telefonara para Nick quase imediatamente. Tinha sido muita sorte encontrá-lo em casa, pois ele teria a possibilidade de encontrar Kendall. Preocupada demais em se arrumar para sair, Pamela nem perguntara onde Kendall e Dave iam jantar e Harry, inconsciente, não pudera dizer-lhe. Os pais de Dave não estavam quando Nick telefonou, mas finalmente ele os encontrou na casa de um amigo comum. A sra. Masterson tinha sido capaz de dizer a ele o nome do restaurante que ela mesma havia recomendado ao filho. Depois disso, Nick levou cerca de meia hora para localizá-la. Quando chegaram ao hospital, encontraram Pamela à beira de um colapso. Ela estivera chorando e parecia muito abatida. — Oh, Deus, Nick! — Pamela deu um salto e agarrou os braços dele. — Eles não me deixam vê-lo! — Fique calma, Pamela. — Ele segurou-a firmemente pelos ombros. — Ele está em boas mãos. — Pelo amor de Deus, não o deixem morrer! — Pamela abandonou-se ao desespero. — Por favor, Pamela, sente-se — disse Nick, levando-a até uma cadeira. — Kendall? — Ele virou a cabeça e viu-a pressionar a mão na boca e morder um dedo para não chorar. — Eu estou bem — disse com a voz trêmula. — Você tem um lenço, Nick? Ele estendeu-lhe um lenço e Kendall gentilmente inclinou-se para Pamela, limpando o rimei que havia escorrido de seus olhos. — Ele vai ficar bom — sussurrou ela. — Estou com tanto medo — disse Pamela, segurando o pulso de Kendall. — Ele queria ficar em casa e eu o forcei a sair. — Não foi culpa sua — respondeu Kendall com tristeza. — Sente-se, Kendall. — Nick a fitava intensamente, percebendo que ela própria estava à beira de um colapso. Kendall concordou e sentou-se ao lado de Pamela, segurando a mão dela.

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— Vá ver se você consegue descobrir alguma coisa— pediu ela a Nick. — Com você eles conversarão. — Eles nos procurarão quando puderem — respondeu Nick. — Eu só atrapalharia. Os minutos passavam e ninguém vinha até eles. — Você não me parece nem um pouco abalada com tudo isso! — Pamela acusou Kendall quase histericamente. Kendall estava sentada, infinitamente calma, sem derramar uma lágrima. — Estou rezando. — Ela levantou a cabeça e procurou os olhos de Pamela. — Então pode parar! — gritou Pamela. — Ele vai morrer. — Chega! — Nick levantou-se abruptamente e aproximou-se dela. Vamos procurar uma enfermeira para lhe dar um sedativo, Pamela. Você está muito abalada. — Estou. — Ela também levantou-se, esfregando as mãos. — Não queria gritar com você, Kendall. — Eu sei. — Venha comigo, Pamela. — Nick passou o braço em volta dos ombros dela. — Acho que você precisa se deitar. Eles desapareceram no fim do corredor e, alguns momentos depois, Kendall viu Pamela ser levada a algum lugar por uma enfermeira. Kendall não queria tomar um sedativo. Queria estar completamente consciente para poder falar com o pai. Nada poderia tirar Harry dela. E, se ninguém viesse logo dar-lhe alguma notícia, sairia correndo pelos corredores, gritando. Alguns segundos depois Nick voltou. Sentou-se ao lado dela e abraçou-a. — Eles acabaram de me contar. Pela primeira vez, desde que ela o conhecia, Nick parecia indescritivelmente cansado.

CAPÍTULO IX Passaram-se três meses terríveis antes de Pamela anunciar que decidira mudar-se da fazenda. — Eu não posso mais ficar aqui — disse ela para Kendall. — Tenho que refazer a minha vida. Tenho que pensar na loja. Para ser sincera, ela tem sido a minha salvação.

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— Para onde você vai? — Kendall olhou para o corpo alto e elegante de Pamela. Ela emagrecera muito e, na verdade, andava trabalhando quase sem parar. — Pensei em alugar uma casa na cidade. — Eu ajudarei em tudo o que você precisar — disse Kendall. — Você já me ajudou muito. Acho que eu não teria conseguido suportar esses meses sem você. Você é uma boa garota, Kendall.. . Uma garota forte. — Não sou. — Kendall meneou a cabeça tristemente. — Se não soubesse que nós duas queremos seguir nossos próprios caminhos, te convidaria para morar comigo... Isso era inegável. O relacionamento delas nunca fora muito profundo e, sem Harry, tinham pouco em comum. — Você já encontrou uma casa para alugar, Pamela? — Já. — Pamela pegou sua bolsa. — Se você passar pela loja mais ou menos à uma hora da tarde, gostaria de mostrá-la. Você não imagina a falta que me faz na loja — acrescentou, caminhando para porta. — Joanne é tão distraída. Depois que Pamela foi embora, Kendall limpou a cozinha. Um pouco antes do meio-dia, mudou de roupa e foi para a cidade. Depois, ela e Pamela foram até a casa, em Park Street. Era uma construção pequena mas muito bonita, e Kendall ficou comovida ao perceber quanto era importante para Pamela que ela também gostasse da casa. — Nós sempre seremos boas amigas, não é, Kendall? — perguntou Pamela, parecendo triste. — Claro. — Kendall sorriu. — Você teve muita sorte em encontrar uma casa como esta. — Eu também acho — concordou Pamela, agora mais alegre. — E é tão perto da loja. — Ela apontou para um moderno bloco de apartamentos à direita. — Se você vender a fazenda, pode comprar um daqueles apartamentos. Eles têm uma ótima vista. — Vou pensar nisso — disse Kendall, sem intenção de fazer tal coisa. Ela voltou para a fazenda e, ao estacionar o carro em frente à casa, viu o automóvel de Nick. Pensou que só conseguisse sentir tristeza, mas imediatamente seu corpo começou a pulsar. Logo que Harry morreu, ela e Pamela estavam tão chocadas e desoladas que haviam contado com a ajuda e o apoio de Nick para tudo. Mas depois Kendall se afastou de Nick e de tudo o que ele significava para ela. De agora em diante, não queria mais acreditar no que só lhe trazia sofrimento.

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— Olá, pequena — disse Nick gentilmente, segurando-a pelos ombros e beijando-lhe o rosto. — Olá, Nick — respondeu ela, sem encará-lo. — Onde você esteve? — Na cidade. — Por quê? — Acho que você já deve saber. — Tem algo a ver com Pamela? — Ela lhe contou? — perguntou Kendall, ao entrarem na casa. — Que quer se mudar? — Nick foi até a janela, olhar a paisagem. — Sim, contou. Não posso dizer que eu a censuro. Esta casa traz muitas lembranças. — Isso não me incomoda — retrucou Kendall. — Quer beber alguma coisa, Nick? — Uma xícara de café. — Nick virou-se e fitou-a. — Vou prepará-lo. — Kendall colocou sua bolsa sobre a mesa redonda e foi para a cozinha, esperando que Nick não a seguisse. Mas ele a seguiu, observando a profunda melancolia de sua expressão e a maneira como ela tremia levemente, apesar do calor. — Você sabe que terá que vender a fazenda — disse ele seriamente. — Jim Lcckhart pode acrescentá-la à dele. — Você já pensou em tudo, não é? — Você não acha que já me castigou o suficiente? — Não sei do que você está falando. — Então olhe para mim, Kendall. Você não olha mais para mim. — E qual é o problema? Você não sabe quando deve deixar as pessoas em paz, Nick. — Eu não vou deixá-la em paz — disse ele. — Não vou deixá-la sozinha nesta casa velha. — Eu gosto dela, Nick. Se você se sente tão incomodado, não venha mais aqui. — Aí é que está a dificuldade; não consigo fazer isso. — Nick torceu os lábios. — Eu me preocupo com você, Kendall, e sabe disso. — Não há muito mais com que se preocupar! — Kendall pegou as xícaras e os pires. — Harry levou quase tudo com ele quando morreu. — Você vai superar tudo isso, garota. Você ainda possui lembranças maravilhosas. — Eu nunca superarei isso! — Nunca. Nunca. Nunca! A calma forçada que a protegera por tanto tempo desmanchou-se em pedaços. Kendall jogou o pano de prato na pia e saiu da cozinha correndo. Chegou ao seu quarto, bateu a porta e jogou-se na cama. Estava tremendo

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violentamente e odiava Nick por trazê-la de volta para a realidade cruel da vida. — Kendall! — disse ele, entrando no quarto. — Vá embora! — resmungou ela com voz trêmula. — Você já deve estar sabendo que eu não vou fazer isso — disse ele calmamente. — Você precisa de mim, Kendall, só que não admite isso. — Kendal não respondeu e ele a virou. — Você se casaria comigo? — Por quê, Nick? — Kendall olhou para o teto. — Assim eu posso tomar conta de você. — Eu só faria você infeliz. — Eu já não sou muito feliz agora. — Está bem — disse ela, parecendo muito distante. — Eu me casarei com você, mas não vou amá-lo. — Eu a lembrarei disso — disse Nick abruptamente e não esperou que ela respondesse. Casaram-se um mês depois. Não foi o grande acontecimento social que todos queriam e esperavam que houvesse quando Nick Langford se casasse, mas uma cerimônia muito simples, apenas com Pamela, e os familiares e amigos mais próximos de Nick. Kendall não esperava ser bem recebida pela família de Nick, mas enganou-se. Tudo o que haviam esperado ou desejado, agora estava esquecido. O importante era que Nick fosse feliz e a família não questionou o casamento. Todos imaginaram, sem sombra de dúvida, que eles estavam profundamente apaixonados um pelo outro, e respeitaram o desejo de Nick ter a garota que amava sob os seus cuidados. Só Kendall sabia que tudo era diferente. A lua-de-mel passou rapidamente e, embora Nick fosse muito atencioso em público, quando estavam a sós seu comportamento não era muito apaixonado. Viajaram bastante, visitaram museus, galerias de arte e antiquários e, à noite, iam assistir a peças teatrais, concertos e bales. Nick não lhe dava um minuto para ficar sozinha com seus pensamentos. De certa forma, foi um alívio voltar para casa. Para o Parque Flamingo. — Mude o que você quiser — disse-lhe Nick. O que ela poderia mudar? Estava cercada pela perfeição. A mãe de Nick, que fora muito gentil quando passara alguns dias com eles antes do casamento, era uma mulher de rara inteligência e bom gosto. Não havia o que mudar na decoração. O único lugar que Kendall realmente queria mexer era o jardim. Este era tão grande que ninguém se importaria se ela ocupasse uma pequena área e plantasse centenas de florzinhas coloridas. Faria um jardim em homenagem a Harry.

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Eles não dividiam o mesmo quarto, nem o haviam dividido em nenhum dos hotéis em que ficaram durante a lua-de-mel. Isso tornou a viagem muito mais cara, sem dúvida, mas também provou que Nick não tinha a menor disposição de dividir qualquer coisa. Ele parecia perfeitamente satisfeito com a maneira como as coisas estavam. Agora Kendall tinha o quarto mais bonito da casa, enquanto Nick ocupava uma suíte especialmente mobiliada para o seu avô. Esse esquema estava funcionando muito bem. Nick não exigia nada dela. Kendall fazia o que queria: levantava cedo e andava a cavalo, depois supervisionava os dois garotos que estavam limpando a área para o seu jardim. Raramente Nick vinha almoçar e, à tarde, ela nadava ou andava a cavalo novamente, até que estivesse frio o bastante para ir cuidar do jardim outra vez. Não era o paraíso, mas ela estava sobrevivendo. Uma noite, Kendall ficou surpresa por Nick procurá-la em seu quarto. Quando ela se recolhia, ele não a procurava mais. — O que foi? — perguntou ela. — Quero conversar um pouco. — Nick fechou a porta. — Você é feliz aqui? — Serei mais quando me acostumar à suntuosidade da casa. — Você está se saindo muito bem! — Nick fitou-a. Ela não era mais a garotinha que ele conhecera, mas uma mulher muito bonita e atraente. — Recebi notícias de Liz. Ela quer nos fazer uma visita. — É mesmo? — Kendall virou a cabeça e a luz mostrou as curvas de seu corpo através da roupa de dormir. — Achei que você ficaria satisfeita. — Nick sentou-se numa poltrona. — Claro que sim! — disse ela. — Sua mãe foi muito gentil comigo. E esta casa é dela. — Não, esta casa é sua — corrigiu-a calmamente. — Liz acharia estranho ver dois recém-casados tão distantes um do outro. Como regra geral, os casais felizes ocupam o mesmo quarto. — Então cabe a você encontrar uma solução! — Kendall ficou agitada. — Eu já encontrei! — Nick estreitou os olhos. — Há inúmeros quartos nesta casa, Quero que amanhã de manhã você escolha um quarto adequado para nós dois. Nós só o ocuparemos enquanto Liz estiver aqui, é lógico. — Eu não farei isso! — Kendall fitou-o, odiando a zombaria que havia nos olhos de Nick. — Nós fizemos um trato, lembra-se? Eu a tenho tratado como se você fosse um pedaço de porcelana rara e continuarei a fazer isso se não

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tentar me fazer de bobo. Minha mãe pensa que estamos perdidamente apaixonados um pelo outro. Tenho certeza de que você sabe muito bem o que isso significa. Nós vamos dormir juntos. — Você nunca conseguirá que eu faça isso! — Ora, vamos, seria fácil! — Considerando o seu tamanho e o meu, é isso o que você quer dizer? — Espero que a discussão não vire para esse lado, Kendall. — Por favor, Nick! — Seu tom de voz apaixonado chocou até a si mesma. — Não me peça isso! — Por que você tem tanto medo? Meu Deus, por quê? — Ele se levantou da poltrona e segurou-a pelos ombros. — Você está criando problemas terríveis para nós dois. Eu tenho tentado ser paciente; só Deus sabe como tenho tentado. — Pare, você está me machucando! — Pelo menos isso você consegue sentir! Kendall tremia tão violentamente que a raiva de Nick pareceu se desvanecer; ele a abraçou gentilmente e começou a afagar-lhe as costas. — Você tem medo que eu faça amor com você? — Sim. — Você não suportaria isso? — Você não comprende, Nick. — Ela fechou os olhos. — Eu quero ficar sozinha. Completamente sozinha. — Onde ninguém possa feri-la? — Sim. — Ela arriscou-se a fitá-lo. — Sinto muito. Você não devia ter se casado comigo. — Todo homem tem uma fraqueza, e a minha é você. Desde os seus quatorze anos que eu a quero; portanto, esperar mais um pouco ão faz tanta diferença assim. — Não acredito em você! — Só que naquela época você não era tão esperta assim! — disse ele, afastando-se. — Sinto muito que isto a deixe nervosa, mas é a verdade. Na manhã seguinte Nick a esperava, e, quando Kendall o viu, sentiu uma contração no estômago. Só em pensar que ele pudesse tocá-la, ficava amedrontada. Era uma loucura! Não era possível que Nick a quisesse como lhe havia dito. Era só algo que inventara, uma história para uma criança crédula. Uma maneira de conseguir dela o que realmente queria. — Você vai sair? — perguntou ela. — Vou para Colby Downs. Eles tiveram problemas. — Aproximou-se então de Kendall, ainda na escada. — Falei sério a noite passada. Quero que você escolha um quarto. No sótão você encontrará uma série de objetos

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para decorar o quarto que escolher, à sua maneira. Se você não encontrar alguma coisa, poderemos comprá-la. — Sim, Nick. — Kendall sentia-se fraca demais para contradizê-lo. — Ótimo. Vou dizer a Liz que nós a esperamos daqui a uma semana. Dois dias antes da chegada de Liz, Kendall sentia-se um pouco cansada. Os empregados finalmente haviam acabado de arrumar o quarto que escolhera. Era luxuoso e sofisticado. Kendall sentou-se na cama e pensou em como seria sua vida dali por diante. A situação agora parecia estar mudando. Nick já não se comportava com aquela gentil indiferença dos primeiros dias de casados. Estava cada vez mais ansioso e tudo indicava que, mais cedo ou mais tarde, ele exigiria seus direitos. Cansada pelos preparativos para a visita de Liz e pelas noites mal dormidas, Kendall deitou-se e adormeceu. — Ei, menina, acorde! — Oh, acho que eu dormi. — Kendall suspirou e afastou os cabelos da face. — Você não está ansiosa por dividir sua cama comigo? — Você já ouviu falar em mulheres frias? — Kendall lembrou-se de quando ele fazia cada veia de seu corpo pulsar. — Já ouvi falar, mas nunca conheci uma. — Não encerre sua lista ainda. — Ela tentou levantar-se, mas ele empurrou-a gentilmente. — É uma pena perder uma oportunidade de se conhecer. — Não — disse ela. — Eu só vou beijá-la. Não é nada terrível, só um beijo. Nick parecia tão indiferente, que Kendall sentiu uma pontada no coração. Ela nem tentou se virar; e Nick baixou a cabeça e beijou-a. Kendall sentiu seu corpo todo em chamas. Estava ficando cada vez mais difícil continuar deitada, imóvel. — Eu quero fazer amor com você — disse ele. — Está bem? Se eu não pudesse vê-lo e ouvi-lo, não acreditaria que isso está acontecendo comigo, pensou Kendall, afastando-se. — Você gosta de me fazer sofrer, não é, Kendall? — Nick afastouse e não tentou tocá-la novamente. Elizabeth McFarland chegou pontualmente, carregada de presentes e tão amável que Kendall acalmou-se. — Ora, acho que você emagreceu, Kendall — disse ela, quando foram para a mesa de jantar.

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— Acho que foi todo esse trabalho de jardinagem. — Nick lançou um falso olhar ansioso para Kendall. — Você não acreditaria ao que ela fez. Transformou uma área improdutiva num belo jardim. — Estou orgulhosa disso — disse Kendall, e sorriu para Nick. Se ele podia fingir, ela também podia. — Quero vê-lo amanhã de manhã — disse Elizabeth. — Eu sempre gostei de plantas. Quando vocês forem nos visitar, verão minhas camélias. Eu adoro camélias, você não, querida? Foi surpreendentemente fácil. A conversa girou sobre vários assuntos e ficou ainda mais claro para Kendall que, agora que ela fazia parte do mundo de Nick, devia esforçar-se para se tornar uma mulher mais culta, refinada. Uma mulher como Elizabeth. Não seria fácil, mas tinha certeza de que conseguiria. Cansada pela viagem, Elizabeth logo desejou recolher-se. Como mulher acostumada a uma intensa vida social, ficara contente ao saber que Nick havia programado um recepção em sua homenagem para o próximo sábado. Quando Nick entrou no quarto, Kendall estava colocando algumas almofadas no chão. — Que diabos, você está fazendo? — perguntou ele. — Acho que você pode imaginar. — Você deve estar brincando, não é, meu bem? — Ele riu gentilmente e tirou a camisa. — Não estou com vontade de ter uma virgem trêmula em meus braços. Não, esta noite. — Ótimo! Então eu vou ficar com a cama. — Correu para a cama te tropeçou na camisola. — Maldição! — Você se machucou? — Nick pegou-a e colocou-a sobre a cama. — Claro que sim! — Kendall esfregou o cotovelo. — Não sei para onde você vai, Nick, mas aqui você não vai ficar. — Ah, talvez não. Acho um pouco desagradável violentar minha própria esposa. — E seria exatamente assim! Para onde você vai? — Você já viu o sofá no quarto de vestir, não é, meu bem? — Mas é muito pequeno! — Não para você. — Ele carregou-a para o quarto de vestir. — Não gosto deter que fazer isso, mas é óbvio que preciso do meu repouso. -- Seu bruto! — gritou ela ao ser jogada no sofá. — Calma, meu bem, calma. Não queremos que minha mãe ouça, não é? — Eu poderia odiá-lo — ela sussurrou.

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— Obrigado e boa noite. — Nick dirigiu-se para a porta. — Você não se incomoda que eu feche a porta, não é? Deve-se tomar certas precauções. — Prefiro que você a tranque! — ela gritou e, quando ficou claro que ele havia trancado a porta, virou-se para o canto com os olhos cheios de lágrimas. Ao amanhecer, Kendall despertou levemente quando Nick carregoua de volta para a cama ainda quente com o calor do corpo dele. Nick estava vestido com roupa de montaria e. disse-lhe que não voltaria até a hora do almoço. Kendall dormiu profundamente depois disso e, quando finalmente desceu, Elizabeth estava terminando de tomar o café da manhã. — Bom dia, querida! — Desculpe-me, dormi demais. — Kendall aproximou-se da sogra e beijou-lhe o rosto. — Sente-se a meu lado — disse Elizabeth gentilmente. — Há tantas coisas que eu quero conversar com você! A esposa de Nick! Kendall sentiu-se corar. Ela era esposa de Nick, certo, mas apenas no nome. — Sei que você vai fazer Nick muito feliz, Kendall; ele gosta muito de você. — A senhora não acredita que, na verdade, ele sente um pouco de pena de mim? — perguntou Kendall e, para sua surpresa, Elizabeth deu uma risada. — Acho difícil que um homem como Nick possa me amar! — Mas ele deve estar provando que a ama. Todas as jovens recémcasadas se sentem um pouco inseguras. Dê tempo ao tempo. Você tem muito a oferecer. — Posso perguntar-lhe uma coisa? — Claro, querida. Qualquer coisa. — Alguma vez você achou que Nick e Thalia fossem se casar? — Na verdade, não. Nós percebíamos que Thalia idolatrava o primo, mas isso nunca foi um grande problema. Por que você pergunta? — Thalia e a mãe voltaram da viagem que fizeram ao exterior. Imagino que você vai querer revê-las sábado à noite. — Bem, acho que não podemos deixar de convidá-las — respondeu Elizabeth. — Quero dizer, elas perderam o casamento e eu gosto muito de Noel. — Como Kendall ficasse em silêncio, Elizabeth fitou-a com olhos compreensivos. — Você está preocupada com Thalia? — Não é preocupação exatamente, é que ela não gosta de mim. — Talvez, mas ela não será tola de demonstrar isso. Você é a esposa de Nick e ninguém ousaria aborrecê-la quando ele estiver por perto. — E eu acho que poderei me cuidar quando ele não estiver.

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— Claro que sim! — Elizabeth deu um tapinha na mão de Kendall. — Lembre-se, querida, eu conheço Thalia há mais tempo do que você, e sei que quem a estragou foi a mãe. Até Noel admite isso. Ela queria Nick e foi encorajada a vida inteira a pensar que podia conseguir tudo o que queria. — A voz de Elizabeth parecia tranqüila. — Mas acredite-me, Kendall, conheço o meu filho. Ele sempre teve filas de garotas atrás, desde quando tinha dezesseis anos, mas só se casou com você. Por favor, não veja ameaças onde elas não existem. Todos os convidados pareceram chegar juntos, e nenhum deles deixou de ficar fascinado pelo colar e pelos brincos de esmeraldas que Kendall estava usando. Ela própria ainda estava espantada com aquele presente que Nick lhe dera poucos minutos antes. Não podia se esquecer do quanto ele fora gentil ao colocar aquela jóia em seu pescoço. Thalia não chegou com seus pais mas, para surpresa de todos, surgiu acompanhada por Dean Hallitt, que não fora convidado de propósito. — Kendall, querida. Você está linda! — gritou, e pelo brilho de seus olhos ficava claro que ela recorrera e alguns drinques para poder aparentar aquela calma. — Sra. Langford! — disse Dean, beijando a mão de Kendall. — Perdoe-me por vir sem ser convidado, mas Thalia garantiu que você não se importaria. Thalia examinou toda a sala, à procura de Nick. Mesmo estando de costas, Kendall percebeu quando ela o localizou, pela expressão de dor em seus olhos: a dor de rejeição e do ciúme. A festa continuou por várias horas e parecia não haver maneira de aliviar a dor de Thalia. Kendall lamentava por ela, embora as outras pessoas, inclusive seus pais, a observassem com um misto de preocupação e desânimo. Até mesmo Dean havia dito para ela se controlar, mas Thalia sorrira e esvaziara outro copo. A certa altura, a própria sra. Langford foi conversar com ela e não conseguiu nada. Thalia não via razão para esconder seus sentimentos. Ela amara Nick durante toda a sua vida, e agora outra mulher o roubara. Kendall, que estava dançando com Dean Hallitt, sugeriu-lhe: — Acho que seria melhor você levar Thalia para casa. — Nada disso! — respondeu, insolente. — Ela está tão engraçada! — Você não se importa nem um pouco com ela? — Agora não! — Puxou-a para mais perto de si. — Nenhum homem em sã consciência iria preferir Thalia a você. — Você parece bobo. — É? Todos estão meio abobados, hoje. Afinal, o patinho feio de Nick transformou-se no mais belo cisne.

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— Nunca pensei em mim como sendo um patinho feio. Por outro lado, acho você muito insolente! — Estou acostumado a isso, meu bem. — Dean encolheu os ombros. — Meus próprios pais não conversam comigo. — Se você não se importa, estou cansada de dançar — disse Kendall friamente. — Está com medo de que Nick fique com ciúme? — Dean não pretendia largá-la. — Por que você teve que se casar com ele? Poderia ter se casado comigo. Kendall não sabia como proceder. Palavras só serviriam para inflamá-la ainda mais. Pouco depois, não entanto, percebeu que alguém atrás dela fez com que Dean mudasse sua atitude. — Está bem, Nick, eu sei — disse Dean. — Não devo monopolizar sua esposa. — Você poderia fazer outra coisa — retrucou Nick. — Poderia levar Thalia para casa. — Mas esta é a maior noite da vida de Thalia! — disse Dean, sorrindo. — A noite em que ele teve que aceitar definitivamente que você nunca quis nada com ela! — Seria um grande favor se você sumisse daqui imediatamente — disse Nick com uma fúria contida. — Seria melhor para todos nós. — Bem, acho que é melhor. — Dean estava humilhado. — Porém, não espere que eu leve Thalia comigo. Em primeiro lugar, eu nem queria vir, mas ela disse que valeria a pena. — Saia — disse Nick em voz baixa, e Dean sabia que era melhor não provocá-lo. — Boa noite, sra. Langford. — Dean ergueu a mão para Kendall com sarcasmo. — A festa estava ótima! — Existem várias pessoas aqui dentro com as quais você poderia conversar — disse Nick, depois que Dean se afastou. — Não sei como você pode suportar esse Hallitt. — Eu o desteto! — É mesmo? — Fitou-a com um brilho estranho no olhar. — Você tem uma maneira bem diferente de mostrar que detesta um homem. — Ele não queria me largar. — Não tem importância. . . — Nick mudou de assunto. — Vou levar Thalia para casa, antes que ela apronte um escândalo. — Ela não tem pai? — perguntou Kendall, chocada com sua própria demonstração de ciúme. — Não vou demorar muito.

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Nick caminhou em direção a Thalia. Através de uma névoa, Kendall viu quando a garota sorriu tristemente para ele. Nick segurou-a pelo braço, e atravessaram o terraço até a sala de estar. A festa continuou até depois da meia-noite, porém sem o brilho de uma grande recepção. O comportamento patético de Thalia conseguira transformar o clima alegre do ambiente, deixando-o um pouco pesado. — Que garota mal-educada! — resmungou Elizabeth. — Ela conseguiu estragar a festa. — Eu sinto muito — desculpou-se Kendall. — Mas, minha cara, eu estou furiosa exatamente por sua causa! Como ela ousou vir aqui naquele estado?! E aquele Dean! Honestamente, ele é repugnante! Graças a Deus que Nick se livrou dele. — Elizabeth levantou-se. — Eu não o deixaria entrar aqui novamente. — Eu gostaria tanto que tudo tivesse corrido bem — disse Kendall. — Apesar de tudo, minha querida, eu estou muito, muito feliz! — Elizabeth abraçou-a. — Esses incidentes não significam nada. Vim para conhecer melhor a minha nora e isso está sendo um grande prazer. — Para mim também. — Ah, aí está Nick! — Elizabeth apontou para o filho. — Está tudo trancado? — Podemos ir todos dormir — disse Nick com a expressão quase severa. — Deus, que noite! — Não tem importância! — disse Elizabeth. — Uma parte dela até que foi muito agradável. Agora, minhas crianças, vou dormir. Vocês não me verão antes das dez da manhã. Kendall chegou ao quarto antes de Nick e caminhou de um lado para o outro, insegura. Nick parecia muito tenso e perturbado. Provavelmente Thalia o agarrara e o cobrira de beijos, provocando nele uma excitação involuntária. A visão de Nick nos braços de outra mulher era insuportável. Um pouco agitada, ela pegou a camisola e foi para o banheiro. Depois de vesti-la, tentou tirar o colar de esmeraldas, mas não conseguiu abrir o fecho. Nick teria que fazê-lo para ela, ou então teria que dormir em pé. Nervosa, entrou no quarto e encontrou Nick caminhando de um lado para o outro como uma pantera enjaulada. — Não sabia que você se trocava assim tão depressa! Toda essa correria é para você poder trancar-se no quarto de vestir o mais rápido possível? — Daria para você abrir o fecho do meu colar, por favor? — disse, com o coração batendo acelerado. — Fique com ele. Está muito sensual — disse, provocando-a.

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— Não posso dormir com ele, não é, Nick? — Kendall aproximou-se, abaixando a cabeça. — Por favor. Eu não consigo abrir o fecho. — Meu Deus! — Meneou a cabeça e, quando ela se virou, ele a abraçou. — Você sabe muito bem que eu vou possuí-la esta noite! — Talvez eu esteja mesmo querendo isso. — Ela riu estranhamente. Viu então o reflexo deles no longo espelho e isso fez seu coração bater mais forte ainda. Como alguém que estivesse despertando de um sono profundo, enxergou seu marido como se o visse pela primeira vez. Uma incrível excitação começou a tomar conta de Kendall, envolvendo-a totalmente. E soube que havia chegado a hora. Foi como se uma nuvem de êxtase a carregasse. E quando as mãos de Nick tocaram seus seios, Kendall levantou a cabeça para ele, sedenta como uma flor para a chuva. Nick tomou-a nos braços e caminhou para a cama, ambos com os corpos ardendo de desejo.

CAPÍTULO X Quando Kendall acordou na manhã seguinte, estava nua e sozinha. Ainda extasiada com tudo o que acontecera naquela noite de sonhos, levantou-se e pegou a camisola. Onde estaria Nick?, perguntou-se, querendo que ele estivesse ali a seu lado novamente. Havia dito a ele que o amava? Tinha sido difícil para ela falar naqueles momentos de paixão. O que ele teria dito? Ainda estava tentando se lembrar. Quando desceu, a sra. Mitchell, a governanta, estava atendendo o telefone no escritório de Nick. Kendall ficou parada no vestíbulo, esperando. Seu coração começou a bater violentamente, pois teve um mau pressentimento. Ela odiava telefone, pois nunca davam boas notícias. A sra. Mitchell estava pálida. Desligou o telefone, aproximou-se de Kendall e colocou a mão em seu ombro. — Houve um acidente, minha cara. Pelo que eu entendi, provavelmente não é nada grave. Kendall não disse nada. Ficou parada onde estava, pálida. — Por favor, não se apavore — disse a sra. Mitchell. — O sr. Langford deve estar bem.

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Kendall não respondeu e a sra. Mitchell percebeu que ela estava entrando em estado de choque. — Ele está bem, claro que está. Foi uma estupidez de Frank telefonar sem ter muitas informações. — Passou o braço em volta de Kendall e levou-a para o escritório, sentando-a numa das poltronas de couro. Depois pegou um cálice, encheu-o de conhaque e colocou-o na frente dos lábios de Kendall. Ela meneou a cabeça, recusando a bebida. — Acho que você precisa disso, minha cara. Você está tremendo. — Nick. . . — sussurrou Kendall. — O que aconteceu? O que há de errado? — Elizabeth apareceu e olhou para Kendall, preocupada. — Kendall, pelo amor de Deus! O que aconteceu? — Ela aproximou-se da poltrona e ajoelhou-se na frente da nora. — O que está acontecendo aqui? — perguntou, olhando para a sra. Mitchell. — Recebi um telefonema de Frank — disse a sra. Mitchell. — Pelo menos acho que era o Frank, pois a ligação estava péssima. Houve um acidente no estábulo. . . Um dos cavalos, Dominó. . . — E Nick? Diga-me, pelo amor de Deus! — Elizabeth parecia nervosa. — Não sei. — Os olhos da sra. Mitchell encheram-se de lágrimas. — Tudo o que ele disse foi que havia acontecido um acidente e que era para eu avisar a sra. Langford. — Provavelmente ele devia estar se referindo a mim! — murmurou Elizabeth. — Nick não ia querer preocupar Kendall. — Dominó é perigoso — disse Kendall, amedrontada. — Nick sempre falou em quanto era arriscado mexer com esse cavalo. — Tenho que descer — disse Elizabeth. — Deus não pode fazer isso comigo, pode? — perguntou Kendall, levantando-se num salto. — Ora, querida! — Elizabeth abraçou-a. — Nós não sabemos o que aconteceu, na verdade. — Então precisamos ir verificar — disse Kendall. Ouviram o som de um veículo parando na estrada, a batida de uma porta e, depois, os passos de um homem nos degraus de mármore. — Estou com tanto medo! — Kendall sussurrou e suas pernas bambearam. Se Elizabeth não fosse forte, Kendall teria caído. E então, como um milagre, Nick surgiu. — Oh, Deus, você não está ferido, está? — perguntou Elizabeth. — Não, não. — Nick tirou Kendall dos braços da mãe e abraçou-a.

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— Foi um terrível engano. Dominó deu um coice em um dos garotos do estábulo. — E ele está bem? — Elizabeth deixou-se cair numa poltrona; a sra. Mitchell correu para preparar um chá. — Espero que sim. — Nick também sentou-se, com Kendall agarrada a ele. — Vocês não acreditariam no trabalho que eu tive para conseguir colocar Dominó de volta em sua cocheira. — Posso imaginar. — Elizabeth estremeceu. — Você terá que mandar castrá-lo. — Não — disse Nick enfaticamente. — Isso seria um crime. Dominó só é perigoso quando provocado. Talvez agora o garoto leve a sério as minhas ordens. Frank levou-o ao hospital para fazer alguns exames. Ele está com uma série de arranhões no corpo, e certamente quebrou a clavícula. — Nós pensamos que fosse você — disse Elizabeth, afinal. — Foi o vigia noturno quem telefonou para cá. Normalmente ele é muito eficiente, mas falhou desta vez. Frank pediu para que ele avisasse que havia acontecido um acidente e que eu não poderia voltar para casa. Mas o vigia achou que eu estava ferido e disse isso a vocês. — Que coisa desagradável! — disse Elizabeth. — Kendall! — Nick colocou a mão sob o queixo dela e levantou sua cabeça. — Minha pobre garotinha! — Leve-a de volta para a cama — sugeriu Elizabeth. — Acho que eu também vou me deitar. Tudo isso me deixou fraca. No quarto, Nick colocou Kendall gentilmente sobre a cama e sentouse a seu lado, friccionando-lhe o pulso. — Se eu pudesse pegar o velho Ted agora, eu o enforcaria. Coitado, ele ficou muito aborrecido. Acho que quando me viu debruçado sobre o garoto, não sabia ao certo quem estava ferido. — Não fale mais nisso — pediu Kendall. — Eu achei que isso pudesse ter sido o meu castigo. — Castigo? — Nick pareceu perplexo. — Por não dizer que eu o amo. — Você não me disse ontem à noite? — Eu não tinha certeza. — Ela tomou-lhe as mãos e pressionou-as em seu rosto. — Foi tudo tão fascinante. Quando eu acordei esta manhã, queria lhe dizer o que eu sentia, mas você não estava aqui. — Desculpe-me. — Nick abaixou a cabeça e beijou-a com ternura e paixão. — Eu já lhe disse que a amo? — Nunca. — Os olhos de Kendall refletiam seu profundo desejo. — Eu teria lhe dito um milhão de vezes, mas o amor nem sempre é complacente. Comigo tem sido um fogo louco e consumidor. Eu a amo desde a

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primeira vez em que a vi. Sempre a amei. O que me atormentava era que não sabia quais os sentimentos que você nutria por mim. Ontem você deixou que eu a possuísse como queria. Mas hoje quando acordei e a vi adormecida a meu lado, senti remorso. Você é tão jovem. Tão desesperadamente jovem, às vezes, que eu pensei que pudesse tê-la forçado a ceder. Afinal de contas, tenho que admitir que o meu desejo por você não conhece limites. Ontem à noite ele nos envolveu, mas hoje pela manhã desconfiei de mim mesmo. — Duvido! — Kendall abraçou-o. — O grande Nick Langford desconfiando de si mesmo? — Você não pode perceber que eu também tenho minhas incertezas? — Os olhos dele estavam brilhantes, alertas. — Mas eu o amo tanto! — disse ela tragicamente, pousando a cabeça no peito de Nick. — Eu o amo tanto, a ponto de ficar louca! — Ótimo! — Nick riu e abraçou-a com mais força. — Será muito bom ter você como minha pequena escrava. — Isso significa que eu terei que voltar para o sofá? — Acho muito improvável! Kendall ouviu a risada de Nick, depois ele levantou a cabeça dela e beijou-a apaixonadamente na boca.

fim

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