O HERDEIRO DO SHEIK The Sheikh’s Heir
Sharon Kendrick
Harlequin Paixão Sagas nº 10.2 Parem as máquinas: Bebê inesperado surpreende sheik e célebre baladeira! Fontes não confirmadas contam que a organizadora de casamentos de celebridades Ella Jackson está grávida! Solteira, a senhorita Jackson causou umalvoroço na festa de noivado de sua irmã, e futura princesa, quando jogou uma taça domais fino champanhe no sheik Hassan Al Abbas depois de uma discussão na frente de todos. O que aconteceu em seguida ninguém sabe dizer...
Digitalização e Revisão: Nell
A COROA DE SANTINA – SANTINA CROW 1. Penny Jordan – The price of Royal Duty (Princess Sophia & Marajá Ashok Achari) May-2012 PtBr – O Preço do Dever (HPaixão Sagas 10.1) Esp – El amor del marajá (Escándalos de palacio 1) 2. Sharon Kendrick – Sheikh’s Heir (Ella Jackson & Sheikh Hassan Al Abbas) Jun-2012 PtBr – O Herdeiro do Sheik (HPaixão Sagas 10.2) Esp – La tristeza del jeque (Escándalos de palacio 2) 3. Kate Hewitt – Santina’s Scandalous Princess (Princess Natalia & Ben Jackson) Jul-2012 PtBr – Um Escândalo de Princesa (HPaixão Sagas 11.1) Esp – El secreto de la princesa (Escándalos de palacio 3) 4. Caitlin Crews – Man Behind the Scars (Angel Tison & Rafe McFarland) Aug-2012 PtBr – Cicatrizes da Alma (HPaixão Sagas 11.2) Esp – Los ojos del corazón (Escándalos de palacio 4) 5. Sarah Morgan – Defying the Prince (Izzy Jackson & Prince Matteo) Sep-2012 PtBr – Desafiando a paixão (HPaixão Sagas 12.1) Esp – La canción más Dulce (Escándalos de palacio 5) 6. Maisey Yates – Princess From the Shadows (Princess Carlotta & Prince Rodriguez Anguiano) Oct-2012 PtBr – Uma vida nas Sombras (HPaixão Sagas 12.2) Esp – Princesa en las sombras (Escándalos de palacio 6) 7. Lynn Raye Harris – Girl Nobody Wanted (Anna Constantinides & Leo Jackson) Nov-2012 PtBr – Ilha do Amor (HPaixão Sagas 13.1) Esp – La chica a la que nadie quería (Escándalos de palacio 7) 8. Carol Marinelli – Playing the Royal Game (Allegra Jackson & Prince Alessandro) Dec-2012 PtBr – O Jogo da Realeza (HPaixão Sagas 13.2) Esp – Jugando a las princesas (Escándalos de palacio 8)
PUBLICADO SOB ACORDO COM HARLEQUIN ENTERPRISES II B.V./S.à.r.l. Todos os direitos reservados. Proibidos a reprodução, o armazenamento ou a transmissão, no todo ou em parte. Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas é mera coincidência. Título original: THE PRICE OF ROYAL DUTY Copyright © 2012 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2012 por MB Modern Continuity 2012 Título original: THE SHEIKH’S HEIR Copyright © 2012 by Harlequin Books S.A. Originalmente publicado em 2012 por MB Modern Continuity 2012 Arte-final de capa: Isabelle Paiva Arquivo ePub produzido pela Ranna Studio Editora HR Ltda. Rua Argentina, 171, 4° andar São Cristóvão, Rio de Janeiro, RJ — 20921-380 Contato: virginia. rivera@harlequinbooks. com. br
CAPÍTULO UM Aquela maldita festa nunca acabava? Na antessala suavemente iluminada do palácio de seu amigo, o sheik Hassan Al Abbas deu um suspiro irritado e virou-se para o homem parado a alguns passos de distância. — Você acha que há alguma chance de eu escapar da festa, Benedict? — perguntou ele, sabendo muito bem como seu leal assistente inglês responderia. Houve uma pausa. — Sua ausência certamente será notada, Vossa Alteza — replicou Benedict. — Uma vez que você é um dos convidados presentes mais estimados. Ademais, seu velho amigo ficaria ofendido se soubesse que você não quis ficar para lhe desejar felicidades na noite de seu noivado. As mãos de Hassan se fecharam contra o terno que raramente usava, detestando a constrição de colarinho e gravata. Desejava que estivesse vestido em túnicas de seda contra sua pele nua. Que estivesse galopando livremente em seu cavalo, com o vento quente do deserto soprando em seu rosto. — E se eu acreditasse piamente que tal desejo não seria apenas fútil, mas também hipócrita? — retrucou ele. — Que eu acho que Alex está prestes a cometer o maior erro de sua vida? — É frequentemente difícil para dois homens concordarem quando o assunto é mulher — respondeu Benedict, de maneira diplomática. — Particularmente em relação ao assunto “casamento”. — Não é somente com a escolha da noiva que eu discordo dele! — disse Hassan, incapaz de conter a frustração que vinha crescendo em seu interior desde que seu velho amigo, o príncipe Alessandro Santina, tinha anunciado que se casaria com Allegra Jackson. — Embora tal escolha seja ruim o bastante. Pior ainda é o fato de ele ter abandonado a mulher de quem estava noivo desde que nasceu! Uma mulher de linhagem nobre, que daria uma esposa muito mais adequada.
— Talvez o amor dele seja muito forte para... — Amor? — interrompeu Hassan, e agora podia sentir o nó amargo que se formara em sua garganta. Uma dor breve, porém inegável, comprimiu seu coração. Pois não sabia, melhor do que ninguém, que “amor” não passava de uma ilusão que poderia destruir vidas com seu poder sedutor? — Amor não é nada mais do que um nome sofisticado para luxúria — disse ele. — E um reinante não pode se permitir ser guiado por desejos físicos ou emocionais. Deve pôr o dever na frente de tais coisas. — Sim, Alteza — murmurou Benedict, de forma obediente. Hassan meneou a cabeça em incredulidade, ainda não conseguindo aceitar que seu amigo da realeza tinha deixado seus padrões caírem tanto. — Sabia que o futuro sogro de Alex é um ex-jogador de futebol, com uma longa lista de esposas e amantes a quem foi publicamente infiel? — Eu ouvi alguma coisa nessas linhas, Alteza. — Não acredito que Alex está disposto a se casar com alguém de uma família de tão má reputação! Você viu o jeito como eles se comportaram no baile? Assisti-los bebendo champanhe como se fosse água e fazendo papel de tolos da pista de dança me revirou o estômago. — Alteza. — Esta mulher, Allegra, não pode se tornar a esposa de um príncipe herdeiro do trono! — Irritado, Hassan bateu a mão contra uma mesa adjacente, e sua estrutura delicada vibrou contra a força desdenhosa. — Ela é uma vadia... exatamente como a mãe e as irmãs! Você testemunhou o espetáculo que me fez procurar refúgio aqui, quando a irmã com a voz de gralha subiu no palco e tentou cantar? — Sim, Alteza, eu a vi — respondeu Benedict, suavemente. — Mas o príncipe da coroa está decidido a se casar com a senhorita Jackson, e duvido que até mesmo você seja capaz de mudar isso. E, agora, não deveria retornar ao salão de bailes, antes que sua ausência seja comentada? Mas Hassan não estava ouvindo... pelo menos, não o que seu assistente dizia. Ergueu uma mão para pedir silêncio, seus ouvidos se aguçando para o sussurro de um
som. Seu corpo enrijeceu. Ouvira alguma coisa? Alguém? Ou os meses recentes passados em batalha significavam que ele suspeitava de perigo espreitando por toda parte? Todavia, podia jurar que a sala estivera vazia quando tinha chegado lá, procurando uma escapatória. — Você ouviu alguma coisa? — perguntou ele, ao sentir sua pele se arrepiar num aviso instintivo. — Não, Alteza. Eu não ouvi nada. Houve um breve silêncio, antes que Hassan assentisse, sentindo um pouco da tensão esvair-se de seu corpo quando se permitiu ser tranquilizado por seu assistente. Aquela devia ser a pior festa de sua vida, mas, pelo menos, a segurança era rígida. — Então, vamos voltar à recepção ridícula. Verei se posso encontrar alguém toleravelmente atraente com quem dançar. — Ele deu uma risada sardônica. — Uma mulher que seja a antítese de Allegra Jackson e da família vulgar dela! Com isso, os dois homens saíram da sala suavemente iluminada, enquanto, de seu esconderijo, atrás de um baú entalhado, num canto da vasta câmara, Ella Jackson desejou que pudesse abrir a boca e gritar de raiva e frustração. Como ele ousava? Esperando por alguns momentos para se certificar de que ele realmente se fora, ela estendeu o corpo de sua posição agachada e respirou diversas vezes, porque estivera prendendo o ar, a fim de não ser descoberta. Por um momento, tivera certeza de que ele a acharia. E algo lhe dizia que tinha sorte de não ter sido descoberta por aquele homem arrogante, que insultara não somente Allegra e Izzy, mas a família Jackson inteira. O outro homem o chamara de “Alteza”. E, julgando pelo jeito como tomara as decisões, certamente soara como um membro da realeza. A voz era profunda, com um leve sotaque... não o tipo de voz que você ouvia todo dia. Uma voz que também soara mandona e orgulhosa. Aquele poderia ser o sheik poderoso de quem todos estavam falando? O amigo mais antigo do noivo, que tinha sido esperado na festa daquela noite com o mesmo tipo de excitação com que se esperava um astro de cinema?
Ella saiu de trás do baú. As pérolas de seu vestido elaborado estavam pressionadas dolorosamente contra sua pele, e seus cachos desalinhados precisavam desesperadamente de uma escova. Ela teria de fazer algo drástico para reparar sua aparência, antes de retornar para a festa de noivado de sua irmã Allegra com o príncipe da coroa da família real Santina. Mesmo se estivesse disposta a dar um mês de salário para não precisar voltar lá. Não era irônico que tivesse escapado da festa precisamente pela mesma razão que o sheik? No momento que sua irmã, Izzy, subira ao palco para cantar, Ella quisera morrer. Amava Izzy. De verdade... mas por que tinha tanta inclinação para fazer papel de tola? Por que cantar em público, quando você não possuía o menor talento? Ella havia escapado para a antessala, e o instinto a fizera se abaixar atrás do baú quando ouvira o som de passos se aproximando. Houvera o som da porta se fechando, e então de alguém praguejando. E foi quando ela ouvira o homem com sotaque falar mal de sua família. Todavia, ele não falara a verdade? Seu pai tinha uma longa lista de mulheres de quem fora íntimo. Duas ex-esposas até a última contagem, e ele se casara duas vezes com uma delas. Além de todas as amantes... algumas das quais eram de conhecimento da mídia, e outras que ele conseguira abafar. A vida de sua própria mãe não havia sido destruída por desejar um homem que parecia incapaz de qualquer tipo de fidelidade? Sua mãe doce e tola, que nunca vira defeito no marido errante, motivo pelo qual tinha sido noiva dele duas vezes. E motivo pelo qual permitia que ele a tratasse como um capacho. Se Ella quisesse saber como não conduzir um relacionamento, era só olhar para o exemplo de seus próprios pais. E não jurara que nunca, jamais, deixaria que um homem a fizesse de tola daquela maneira? Ela abaixou-se e pegou sua bolsa, removendo um pente de dentro para tentar dar um jeito nos seus cachos. Ousaria arriscar acender mais luzes ali? Por que não? Não havia muita chance de que o sheik prepotente retornasse. Ele provavelmente estava dançando com alguma mulher “toleravelmente atraente”. Pobre
garota, pensou Ella. Imagine dançar com alguém que tinha o ego tão grande quanto o dele... mal sobraria espaço na pista de dança! Ela acendeu uma luz que iluminou o esplendor da vasta antecâmara, e olhou ao redor, até que encontrou um espelho num dos cantos. Dando um passo atrás, estudouse com olhos críticos. Seu vestido prateado era um pouco ousado, mas estava na moda... e tal visual era essencial na linha de trabalho de Ella. Seus clientes exibidos esperavam que ela refletisse seus valores, para passar uma mensagem, e não desaparecer no pano de fundo. Como planejadora de festas para o mercado dos novos-ricos, Ella decidira se aproveitar da notoriedade de sua família, trabalhando para o tipo de pessoas que tinha muito dinheiro, mas muito pouco “gosto”, dentro dos padrões aceitáveis. Ela rapidamente aprendera as regras. Mas, então, era excelente aprendiz... resultado de ser uma sobrevivente, de ter convivido com escândalo e notoriedade pela maior parte de sua vida. Se uma noiva glamorosa quisesse chegar ao seu casamento numa carruagem de diamantes, ela esperava que a mulher organizasse o evento para impressionar de uma maneira similar. Então, o trabalho de Ella era impressionar. Com seu batom vermelho acentuando sua boca grande, ela usava roupas que impressionavam os clientes. Fazia cabeças se virarem, quando precisava. Mas tudo aquilo era uma fachada. Mantinha a Ella verdadeira trancada, onde ninguém pudesse encontrá-la. Ou machucá-la. Sob o exterior brilhante, quando estava em casa, e não arrumada, era uma história diferente. Lá podia ser a pessoa que sua família sempre a provocara por ser. Sem maquiagem, usando jeans surrados e camiseta... às vezes com tinta sob suas unhas. Gostaria que estivesse lá agora, em vez de ter de suportar a noite mais longa de sua vida. Uma noite que nunca acreditara que pudesse acontecer. Um membro de sua família estava se casando com um membro de uma das famílias reais mais antigas do Mediterrâneo... e eles estavam em maus lençóis. Ela não acabara de ouvir, pelo sheik arrogante, como o clã Jackson inteiro estava sendo julgado e considerado inadequado? Os olhos dissimulados de diversos membros da imprensa não estavam observando cada movimento que eles faziam, para reportarem,
com alegria, quão mal equipados os Jacksons eram no meio da aristocracia? Bem, Ella lhes mostraria. Os comentários cruéis não a atingiriam, porque ela não permitiria. Mordeu o lábio por uma vez, sentindo-se vulnerável sobre as acusações que sempre caíam sobre ela e suas irmãs. Trabalhava duro para se sustentar — sempre trabalhara — todavia, seu sobrenome, Jackson, fazia com que as pessoas a interpretassem de maneira errada. Eles achavam que ela ficava deitava o dia inteiro, tomando champanhe e festejando, quando nada poderia estar mais longe da verdade. Passando o pente através de seus cachos castanho-avermelhados, ela se certificou de que não havia nenhuma mancha de rímel em seu rosto, então aplicou uma camada de batom vermelho. Pronto. Seus brincos longos estavam balançando numa cascata reluzente, e até mesmo sua sombra azul tinha toques de dourado. Sua armadura brilhante estava firmemente no lugar, e Ella estava pronta para enfrentar a multidão. E que ninguém ousasse menosprezá-la. O som de música e de conversas aumentava de volume conforme ela seguia o corredor de mármore com seus sapatos novos. Em couro preto, com saltos altos prateados que realçavam suas pernas maravilhosamente, eles eram o sonho de um modista e o pesadelo de um cirurgião ortopédico. Mas eles a faziam andar ereta, e esta noite ela precisava disso mais do que qualquer coisa. O salão de bailes estava barulhento, e os olhos de Ella percorreram a pista de dança. Lotada. Membros da realeza se misturavam com estrelas de televisão e exjogadores de futebol, que haviam trabalhado com seu pai. Ela podia ver diversos membros de sua família se divertindo. Com muito entusiasmo. Seu pai estava bebendo uma taça de champanhe num gole só, sua mãe, pairando ali perto com seu usual sorriso esperançoso no rosto. O que significava que ela estava preocupada que o marido ficasse bêbado. Ou que passasse uma cantada em alguém com idade para ser sua filha. Por favor, não permita que ele fique bêbado, pensou Ella. E, por favor, não permita que ele passe uma cantada na namorada de alguém. Ou na esposa de
alguém. Lá estava sua irmã Izzy, dançando, balançando os quadris de um jeito que fez Ella virar-se com embaraço. Sabendo que não adiantaria tentar repreender sua irmã voluntariosa, redirecionou o olhar para a pista de dança. Seu coração subitamente disparou quando seus olhos descansaram num homem cuja aparência exótica o destacava de todos os outros. Ella piscou. Num salão onde não faltava glamour, ele chamava a atenção de maneira irresistível. Entretanto, parecia não combinar com aquele ambiente, e ela não sabia bem por quê. Não era pelo fato de ser mais alto do que todos os homens lá, ou com o corpo mais forte e mais musculoso. Ele parecia faminto. Como se não tivesse comido uma refeição decente em meses. Ella estudou-lhe o rosto. Um rosto cruel, pensou com um súbito tremor. Os olhos negros pareciam vazios de emoção, e a boca sensual estava curvada num sorriso cínico, enquanto ele ouvia sua parceira loira de dança falar alguma coisa. O coração de Ella parou de bater por um segundo. Era ele. Instinto lhe dizia isso. O homem que tinha sido tão rude sobre sua família, quando ela estivera escondida na antessala. O homem que ela silenciosamente rotulara como arrogante e preconceituoso. Entretanto, agora que o via, parecia não conseguir tirar os olhos dele. A pele cor de oliva brilhava, como se ele fosse feito de um metal precioso, em vez de carne e osso. Ella viu quando uma linda ruiva passou por ele, viu o jeito como ele automaticamente olhou para os seios grandes da mulher. Ele era perigo e sexualidade misturados num potente coquetel masculino... o tipo de homem de quem a maioria das mães aconselharia a filha a ficar longe. Ella sentiu um friozinho na barriga, como se alguma coisa em seu interior respondesse a ele. Como se, em algum nível instintivo, tivesse descoberto algo que nem sabia estar procurando. Ele levantou a cabeça então, e ela viu o jeito como os olhos pretos se moveram ao redor do salão, até que finalmente encontrassem os seus. Como um caçador. Ella podia se sentir enrubescendo... um calor começou no topo de sua cabeça, e
pareceu se espalhar até os dedos de seus pés. Ele sabia que ela o estivera observando? Desvie o olhar, ordenou a si mesma, furiosamente. Mas não conseguiu. Era como se ele tivesse lhe lançado algum feitiço que a impossibilitava de desviar o olhar. Do outro lado da pista de dança, os olhos pretos se tornaram levemente divertidos enquanto o contato ocular era mantido. Um par de sobrancelhas cor de ébano se ergueu numa pergunta arrogante e, quando ela ainda não se moveu, ele abaixou a cabeça para sussurrar alguma coisa no ouvido da loira. Ella teve ciência da mulher virando-se para olhá-la com raiva, e do homem de olhos negros andando na sua direção. Corra, disse a si mesma. Fuja daqui, antes que seja tarde demais. Mas ela não correu. Não conseguiu. Era como se estivesse enraizada no lugar. Agora que ele estava mais perto, a presença física do homem era tão poderosa que ela perdeu o fôlego. E, de súbito, ele estava à sua frente, e foi como se todas as outras pessoas no salão de bailes parassem de existir. Houve uma pausa, enquanto ele estudava-lhe o rosto, depois o corpo, assim como fizera com a ruiva de seios grandes mais cedo. — Nós já nos vimos em algum lugar? — perguntou ele. Ella não precisava ouvir a voz profunda, com sotaque, para saber que estivera certa. Era ele. O homem prepotente que tinha sido tão rude sobre sua família. Ela já esperara que ele fosse orgulhoso e arrogante, mas não esperara esse nível de carisma. Nem que ele lhe causasse um efeito que a impossibilitasse de pensar com clareza. E precisava pensar com clareza. Agora não era hora de demonstrar que seu corpo parecia ter ganhado vida própria. Tudo de que necessitava era se lembrar dos insultos imperdoáveis do homem. — Não até agora — respondeu ela, tentando colocar indiferença no tom de voz. Os olhos de Hassan a percorreram, interessados nas emoções brincando no rosto bonito da mulher. Ela o olhara como se quisesse remover-lhe as roupas com os dentes! Não uma reação comum para uma mulher. Mas a expressão inicial de desejo havia sido substituída por uma de cautela e desconfiança. Ele sentiu uma onda de
hostilidade emanando dela, e isso era novidade suficiente para despertar seu interesse. — Tem certeza sobre isso? — murmurou ele. Ela notou como o inglês dele era impecável, apesar do sotaque estrangeiro sexy. E a voz profunda parecia acariciar sua pele, e, inexplicavelmente, Ella imaginou como seria ouvir aquela voz sussurrando coisas doces em seu ouvido. — Absoluta — replicou ela friamente. — Todavia, você estava me olhando como se me conhecesse. — Você não está acostumado com mulheres o olhando, então? — questionou ela, inocentemente. — Não, isso nunca me aconteceu antes — murmurou Hassan com ironia. Olhou para o brilho vermelho provocante nos lábios dela e sentiu uma repentina onda de desejo. — Qual é o seu nome? Ella desejou que seus seios parassem de formigar. Não queria se sentir assim em relação a um homem que falara de sua família como se eles fossem animais de sarjeta. Ela o encarou, desafiando-o a contradizê-la. — Meu nome é... Cinderella. Hassan sorriu. — Sério? — Então ela queria brincar? Bem, sem problemas para ele, que gostava de jogos... particularmente os jogos de flerte, de natureza sexual. E particularmente com uma mulher de lábios vermelhos e corpo firme, num vestido prateado que enfatizava cada curva à perfeição. Quando criança, os únicos modelos de figura feminina que ele conhecera tinham sido as empregadas, e, como adulto, descobrira que as mulheres eram geralmente predadoras, e quase sempre seduzíveis. — Então, eu acho que o conto de fadas deve estar se realizando, Cinderella — disse ele. — Porque você acaba de conhecer seu príncipe. Aquela era a cantada mais antiga que ela já ouvira, todavia funcionou. Por alguma razão insana, ela sorriu, enquanto se sentia enrubescer. Mas não caía naquele tipo de lábia, caía? Não tinha aprendido — através do exemplo humilhante oferecido por seu próprio pai — que homens passavam suas vidas dizendo coisas que não sentiam para as mulheres? E Ella não jurara jamais ser
uma daquelas mulheres que absorvia elogios vazios, e deixava seu coração se partir como resultado? Endireitando os ombros, encarou o homem de aparência exótica, satisfeita por estar usando saltos tão altos, de modo que os olhos deles estivessem quase no mesmo nível. — Então, você é realmente um príncipe? — Na verdade, eu sou. — Por um momento, Hassan sentiu uma ponta de impaciência. Não gostava de ser reconhecido por seu sangue real, todavia achava irritante quando seu status régio não era lembrado. Não esperava que ela fizesse uma cortesia, mas um pouco de deferência certamente não faria mal. — Eu sou um sheik — explicou ele orgulhosamente. — Meu nome é Hassan, e sou um príncipe do deserto. — Uau! Hassan estreitou os olhos. Era sarcasmo que ouvira naquela exclamação? Certamente não. Pessoas sempre se impressionavam por seu título de sheik. Na verdade, ser violentada por um sheik parecia ser a fantasia número um entre as mulheres ocidentais que ele conhecia. Entretanto, a incerteza da resposta dela esquentou seu sangue. Os olhos azuis desafiadores eram muito atraentes, e Hassan sentiu outro golpe de luxúria ao imaginar aqueles olhos se tornando opacos enquanto ele investia no corpo deleitoso. Engoliu em seco, sentindo seu sexo pressionar contra sua calça social. — E, agora, eu acho que nós deveríamos dançar — disse ele. Lentamente, permitiu que seu olhar deslizasse para as pernas dela, até onde os pés estavam calçados em saltos altíssimos. — Antes que o relógio bata meia-noite, e deixe um destes sapatos muito sexies para trás. O coração de Ella disparou. É claro que sabia que os sapatos eram sexies... sapatos altos não são usados porque são confortáveis. Mas foi um choque ouvi-lo dizer aquilo tão diretamente. Havia alguma coisa rude sobre a observação dele, fazendo-a se sentir... estranha... como se ela fosse algo que não era. Como se usasse aqueles sapatos de modo que o sheik arrogante pudesse olhar para suas pernas com
apreciação desavergonhada. E ela certamente não fizera isso. Cada instinto que possuía lhe dizia para fugir daquele homem. Mas, mesmo enquanto adrenalina bombeava no seu corpo, não havia um instinto contraditório impulsionando-a a fazer exatamente o contrário? Ela não sentia um desejo insano que ele a tomasse nos braços e a pressionasse contra aquele corpo poderoso? — Eu não gosto muito de dançar — disse ela, sinceramente. — Ah, mas isso é porque você nunca dançou comigo. — Hassan pegou-lhe a mão e conduziu-a para a pista de dança. — Depois que dançar, vai mudar de ideia, e se converter instantaneamente, acredite. Ella engoliu em seco. Que homem arrogante! Agora era o momento de recolher a mão dos dedos firmes que seguravam os seus e sair dali, distanciando-se dele e das emoções confusas que estava experimentando. Então, por que estava permitindo que ele a levasse para a pista de dança? Porque gostava do toque dele, que lhe fazia sentir coisas estranhas. Coisas como tontura e excitação. Como um coração deliciosamente disparado. Ela foi tomada por uma breve onda de vergonha, mas ainda não se moveu. E soube que estava prestes a trair sua família, dançando com um homem que os desprezava. Sem aviso, Hassan tomou-a nos braços, e a presença dele envolveu-a como um cobertor. O corpo poderoso era quente e sólido como ela imaginara, e ela se moveu para mais perto, enquanto mãos grandes seguravam suas costas de maneira possessiva. Lembre-se de tudo que ele falou sobre sua família, Ella disse a si mesma. Mas era difícil lembrar-se dos insultos, quando ele a estava segurando nos braços daquela forma. Difícil fazer qualquer coisa, exceto se derreter contra ele. — Seu cheiro é maravilhoso — murmurou Hassan. — De pradarias de verão no sol. Com esforço, Ella levantou a cabeça para olhar para o maxilar orgulhoso dele. — O que sheiks sabem sobre pradarias de verão? — Muita coisa. Quando eu era menino, costumava vir visitar Alex, e, às vezes,
nós íamos à Inglaterra para jogar polo, no que éramos excelentes. Foi lá que eu descobri que o cheiro de grama recém-cortada era um dos aromas mais sedutores do mundo. — Ele sorriu contra os cabelos dela. Particularmente, se houvesse uma mulher disposta deitada na grama, com a maior parte das roupas abertas. Ella agora podia sentir a carícia gentil dos dedos dele em sua pele desnuda, e soube que tinha de parar aquilo, antes que fosse longe demais. Antes que aquela voz sexy e toque delicioso a levassem a fazer alguma coisa da qual se arrependeria. Erguendo o rosto, deu-lhe um sorriso falso. — Você deve ter ficado impressionado em encontrar alguém “toleravelmente atraente” com quem dançar, entre todas estas mulheres aqui, esta noite — observou ela. — Devo me sentir lisonjeada? Hassan franziu o cenho diante da inesperada mudança de assunto, a ênfase sutil nas palavras dela parecendo querer lhe despertar alguma memória. — Talvez você devesse. — Ele moveu a mão para permitir que seus dedos entrelaçassem brevemente nos cachos que dançavam ao redor da cintura dela. — Embora eu imagine que você esteja acostumada com lisonjas. O elogio fácil a encheu de indignação. Ella movimentou-se um pouco nos braços dele. — Você é sempre assim previsível quando fala com mulheres? — Previsível? Quer que eu seja um pouco mais original, Cinderella? — perguntou ele, sentindo as pequenas pérolas do vestido pressionadas contra seu peito. — Mas isso seria extremamente difícil com alguém de sua aparência. O que posso lhe dizer que incontáveis homens já não lhe falaram antes? Deve estar cansada de ouvir que seus olhos azuis são da cor de um céu de verão. Ou que seus cabelos são tão lustrosos que, se eu me movesse um pouco, provavelmente seria capaz de ver meu rosto no reflexo deles. Ele posicionou a cabeça como se pretendesse fazer exatamente aquilo, mas, em vez disso, descobriu que seus olhos estavam se fechando, enquanto ele a puxava para mais perto de si. E que subitamente a queria muito. Fazia tempo que não segurava uma mulher nos braços daquela forma, percebeu. Principalmente uma mulher que
enviava mensagens tão conflitantes. Ella sentiu os braços fortes se apertarem ao seu redor, e ficou apavorada com sua própria vontade de se derreter naquele abraço. De sentir as batidas do coração de Hassan, e ouvir as palavras que ele provavelmente falava para todas as mulheres, e que não significavam nada. — Hassan — murmurou ela, notando que sua voz estava trêmula. Então sentiu as carícias quase imperceptíveis dos dedos dele em suas costas arrepiando-lhe a pele, e pensou que tinha de parar com aquilo. — Eu também poderia lhe dizer que você tem os lábios mais lindos que já vi. Conte-me, este batom sai quando um homem a beija, e tem gosto de rosas, ou de morangos? — Hassan — repetiu ela, com mais fraqueza desta vez. — Hmm? Eu gosto quando você fala meu nome. Fale de novo. Fale meu nome como se quisesse me pedir um grande favor, e deixe-me ver se posso adivinhar que favor é esse. Com esforço, Ella ignorou o comando erótico e afastou o rosto, de modo que pudesse ver a reação dele. — O que você acha da noiva desta festa? Uma expressão de desprezo surgiu no rosto de Hassan, enquanto a atmosfera sensual era quebrada pela pergunta inesperada. Por um momento, ele quase se esquecera de onde estava... e não gostou de ser relembrado. — Eu não acho que você quer saber — respondeu ele, o tom de voz avisando-a de que não queria continuar o assunto. — Oh, mas eu quero — discordou Ella. — Estou fascinada para ouvir sua opinião. Tenho certeza de que será esclarecedora. Ele suspirou. Ela era encantadora, mas estava perto de ultrapassar o limite. A mulher não entendia que, se ele quisesse encerrar um assunto, então estava encerrado? Imediatamente. E aquela persistência da garota para testar seu ponto de vista sobre casamento — a qual era claramente a intenção dela — estragaria com o resto da noite? Porque, se ele lhe dissesse a verdade — que casamento não era para
ele — , a linda mulher de lábios vermelhos não ficaria desapontada? Ele queria dançar com ela, sentir-lhe a pele suave e o corpo delgado pressionado contra o seu. Se ela continuasse agradando-o, talvez Hassan a levasse para sua cama mais tarde, mas ela deveria aprender depressa que a sua palavra era lei. — Eu acho que, quanto menos for comentado sobre a noiva da festa, melhor, você não acha? — Não, eu não acho. — Ella viu o brilho de aviso nos olhos pretos, e uma sensação de poder a envolveu. Ele era tão mimado que estava acostumado com pessoas atendendo aos seus desejos cada vez que estalava os dedos? Sim, provavelmente. Ela inclinou-se para a frente, sua raiva fazendo-a aumentar o tom de voz: — Mas então você já deve ter esgotado o assunto, uma vez que já falou muitas coisas horríveis sobre Allegra, não é? Ele enrijeceu. — Perdão? Ele afrouxara o aperto nela, e Ella aproveitou a oportunidade para dar um passo atrás, encarando os olhos escuros sem o menor temor. — Você me ouviu. Mas talvez esteja sofrendo de algum tipo de perda de memória, e precise que eu lhe relembre das coisas que disse? — Do que você está falando? Ella começou a enumerar os fatos nos dedos da mão. — Vamos ver, você acha que Allegra é totalmente inadequada e que Alex não deveria se casar com ela. Não a descreveu como uma “vadia”... exatamente como a mãe e as irmãs? E não disse que considera a família inteira Jackson muito “vulgar” para se relacionar com o príncipe herdeiro de Santina? — Onde você ouviu tudo isso? — demandou ele. — Noto que você não nega! — acusou ela, a voz mais alta fazendo com que outros dançarinos se virassem para ver o que estava acontecendo. — Você deu seu veredicto condenatório sobre pessoas que nunca conheceu, não é? E então saiu para ir encontrar alguém “toleravelmente atraente” com quem dançar. E esta pessoa por acaso sou eu!
Houve uma breve pausa, antes que os olhos pretos se estreitassem sobre ela. — Você é uma das Jackson? — adivinhou Hassan. — Oh, bravo, sheik Hassan! Príncipe do deserto! Você demorou um pouco a perceber isso, não é? Sim, eu sou uma das Jackson! — Você estava ouvindo às escondidas, na antessala! — acusou ele. — E se eu estivesse? — Ouvindo às escondidas! — repetiu ele com desprezo. Uma raiva lenta começou a se construir no interior de Hassan, quando ele encontrou o brilho desafiador nos olhos azuis. Mas, na verdade, estava furioso consigo mesmo por não ter seguido seus próprios instintos. Pensara ter ouvido alguma coisa, entretanto permitira-se ser convencido do contrário. E aquele não era um comportamento preguiçoso e perigoso para um rei, especialmente para um que acabara de sair de uma zona de guerra? Estaria se tornando complacente, agora que estava longe dos campos de batalha? Baixou o tom de voz para um sussurro zangado: — Esse é exatamente o tipo de atitude vulgar que eu teria esperado de uma família como a sua, e um que justifica minha crença sobre sua inadequação geral para se misturar nos círculos da realeza. Sem mais argumentos. Não eram tanto as coisas detestáveis que ele estava dizendo que fizeram o sangue de Ella ferver, mas o modo hipócrita com que falava aquilo. Como se ele estivesse certo, e ela errada! Como se ele tivesse o direito de falar o que bem entendesse, e ela não pudesse fazer nada a respeito. Ella sentiu sua raiva crescer, e um tipo estranho de mágoa querendo subir à superfície. Pessoas os observavam abertamente agora, mas ela não se importou. — Inadequação? — declarou Ella. — Eu lhe mostrarei inadequação! — Quase sem pensar, pegou uma taça de champanhe de um garçom que passava e jogou o conteúdo no rosto zombeteiro de Hassan, antes de virar-se e abrir caminho entre os espectadores boquiabertos.
CAPÍTULO DOIS Por um momento, o choque deixou Hassan imóvel, quase incapaz de acreditar no que tinha acabado de acontecer. A atrevida garota Jackson jogara champanhe no seu rosto! Com raiva, ele enxugou a face, ciente dos olhares das pessoas, das vozes começando a preencher o ar depois do breve silêncio que seguira a discussão muito pública. Mas ele mal prestava atenção. Estava ocupado observando o balanço do traseiro de “Cinderella” Jackson, enquanto ela se movia pelo salão de bailes, tão rapidamente quanto os saltos altíssimos permitiam. Ele viu seu guarda-costas lhe dando um olhar interrogativo, como se pedindo permissão para seguir a garota e lhe dar um curso rápido sobre o protocolo da realeza. Mas Hassan meneou a cabeça, enquanto refletia. Como ela ousava humilhá-lo daquele jeito? E em público! Se um homem em seu país tivesse feito uma coisa dessas, seria enviado para a prisão imediatamente! Irado, Hassan começou a segui-la, seus passos longos logo cobrindo a distância entre eles. Quando estava bem perto, viu-a olhar para trás, os olhos azuis se arregalando ao vê-lo, antes que ela começasse a correr. Silenciosamente, ele a seguiu, satisfeito quando ela hesitou brevemente entre dois corredores... um largo e outro estreito. Ela não teria ideia para onde estava indo, enquanto ele conhecia bem o labirinto de corredores do palácio Santina. Ele e Alex não tinham brincado de esconde-esconde muitas vezes ali, quando eram crianças? Ela escolheu a passagem mais estreita, e Hassan continuou perseguindo-a, sabendo que já poderia tê-la alcançado facilmente, mas estava apreciando demais a excitação da caça para querer acabar com aquilo. Era como estar de volta em batalha, seus sentidos aguçados, enquanto ele perseguia sua presa. Apenas quando eles se afastaram do corpo principal do palácio e os corredores estavam vazios de servos, ele a ultrapassou. Virando-se, encurralou-a num canto, a respiração dela ofegante. Os cachos abundantes estavam espalhados sobre o vestido
prateado, uma coxa delgada posicionada para a frente, e ele pensou que nunca vira uma mulher de aparência tão selvagem e tão devassa. — Peguei você — disse ele com triunfo, mas não a tocou. Ella o encarou, seu coração bombeando violentamente. Sentia-se quente e ofegante. Correr naqueles saltos altos tinha sido uma estupidez, porque agora sentia que seus pés estavam pegando fogo. O que a possuíra para reagir daquela maneira? Ousar jogar um drink num homem que agora se agigantava sobre ela, parecendo o demônio encarnado, a camisa branca molhada colada ao peito. Um homem que era diferente de qualquer homem que ela já conhecera. Bem, ela fizera aquilo, e agora precisava manter sua coragem. — Você não me assusta! — declarou ela, mas não teve certeza se foi convincente quando encontrou os olhos pretos vazios. — Não? — Hassan se aproximou mais. — Então talvez eu tenha de tentar mais arduamente. A maioria das pessoas estaria com medo de minha reação, se tivessem feito o que você acabou de fazer. — Ele observou a respiração ofegante dela, a qual fazia as pérolas no peito brilharem num balanço provocante. E de repente era difícil lembrar por que estava tão zangado. Engoliu em seco, tão excitado que, por um momento, foi incapaz de falar. — Você criou uma cena e tanto lá. — Quem se importa com uma cena? — questionou ela com teimosia. Ele encontrou o desafio nos olhos azuis gelados. — Claramente não você, mas não tem uma reputação para manter, tem? Na verdade, ela tinha. Trabalhara duro para construir seu próprio negócio e sobreviver da renda do mesmo. Mas a ironia era que, causando uma cena com o sheik, ela provavelmente ganharia novos clientes, em vez de perdê-los. O fato de que estava se misturando com membros da realeza seria uma excelente publicidade. Um pouco de escândalo nunca parecera afetar sua clientela. Ela não notava um crescimento nos negócios sempre que o rosto de seu pai aparecia em todos os jornais, independentemente do quanto a história fosse negativa? — E você tem, eu suponho? — É claro que tenho! Eu sou o governante de um reino do deserto, e minha
palavra é lei. Na verdade, eu faço as leis. — Uau! Senhor Poderoso — zombou ela. A insolência dela o excitava quase tanto quanto o enfurecia. Hassan sentiu um músculo saltando em seu rosto, e uma pulsação ainda mais insistente em seu sexo. — E tenho pessoas que me admiram, e que não irão gostar de ler que o rei deles levou um banho de champanhe de uma inglesa insolente, que não é ninguém. — Eu pensei que as pessoas já estivessem acostumadas com suas aventuras, a essas alturas! — retornou ela, e, por um breve momento, pensou ter visto o começo de um sorriso no rosto dele. — Mas, então, você deveria ter pensado sobre isso antes de ofender a minha família. — Falado a verdade, você quer dizer? — Não é. — Oh, por favor, poupe-me da defesa vazia! — Os olhos negros adquiriram um brilho de desafio. — Vai negar que seu pai é corrupto? Ou que o canto horrível de sua irmã chama a atenção, mas não de uma maneira positiva? Ou que o príncipe da coroa rompeu com sua noiva de longo tempo para se casar com sua outra irmã? Ella cerrou os dentes. — Se houvesse outro garçom por aqui, eu ficaria feliz de jogar outro drink em você! — Verdade? — Ele inclinou a cabeça para um lado e estudou-a. — E é seu hábito recorrer às táticas de um playground? — Somente se eu sou forçada a lidar com intimidadores! — Ella o fitou com confusão crescente. Por que experimentava essa frustração que a fazia querer cerrar os punhos e socar-lhe o peito? — Na verdade, eu nunca fiz nada desse tipo antes. — Não? Achou que deveria abrir uma exceção no meu caso, certo? — Hassan a olhou, querendo beijar aqueles lábios vermelhos. Querendo mais que isso. Querendo sentir o corpo suave se rendendo ao seu domínio. — Por que será? O olhar arrogante dele fez a pele de Ella esquentar. — Porque você é prepotente, preconceituoso e ridiculamente tradicional? Fez comentários tão antiquados e tão machistas que me levaram a reagir de uma maneira
primitiva não característica. — Passando os dedos pelos cachos, ela o encarou. — E você obviamente não tem ideia de como o mundo moderno é. Ele estreitou os olhos. — Você acha que o mundo moderno me é estranho? Subitamente, Ella não tinha mais certeza do que achava. Não quando ele a olhava de um jeito tão intenso, e cada célula de seu corpo respondia a tal olhar. Seus sentidos pareciam estar dominando seu cérebro, porque havia algo do que ela estava certa. Hassan acabara de agregá-la ao resto de sua família, e não parecia arrependido sobre isso. Talvez fosse hora de ele descobrir como era ser tratado como se fosse um estereótipo, em vez de um indivíduo. Ela encontrou o desafio nos olhos escuros com seu próprio desafio. — Sim, eu acho que o mundo moderno lhe é estranho! Como pode saber como a maioria das pessoas vive, se está enfiado em algum deserto distante, onde provavelmente viaja de camelo e dorme numa tenda? Por um momento, Hassan mal pôde acreditar no que estava ouvindo. Camelo? Era verdade que seus meses recentes tinham sido passados sobre um cavalo, enquanto ele lutava para acalmar a disputa de longo tempo entre as fronteiras de seu país. Mas, embora muito em sua vida envolvesse o antigo e o tradicional, ele também insistira em abraçar cada nova tecnologia, pois reconhecia que não poderia haver progresso sem isso. Pensou sobre sua frota de carros, no avião moderno e nos engenheiros que contratara para pesquisar alternativas de transporte que não prejudicassem o meio ambiente. — Agora você insulta minha terra — observou ele, com fúria. — E, consequentemente, minha honra. — Assim como você insultou a minha! Hassan estudou o brilho rebelde nos olhos azuis. — Eu não falei nenhuma mentira. Enquanto você está julgando minha terra natal, sem o menor conhecimento sobre a mesma. — Bem, lide com isso. E agora, se não se importa em sair do caminho, eu gostaria de ir embora.
Hassan ficou tenso. Era o contínuo desafio dela que mexia tanto com seu interior? Mulheres nunca o enfrentavam daquela maneira. Geralmente, faziam de tudo para agradá-lo. Não jogavam champanhe no seu rosto e depois saíam andando, balançando os quadris de forma provocante. Por mais que ela alegasse desprezá-lo, havia uma inegável carga sexual no ar entre eles, a qual estivera presente desde o começo, e nada do que eles haviam dito ou feito a diminuíra. Ele podia ler desejo nos olhos azuis brilhantes, e nos mamilos arrepiados contra a seda do vestido. Sentiu o desejo esquentar seu sangue com sua insistente pulsação. Tinha voltado da batalha apenas uma semana antes que voasse para a festa de Alex, e o contraste entre o evento festivo e os meses de sofrimento na guerra não poderia ser maior. E como ele poderia não agradecer ao destino, que conspirara para colocá-lo, sozinho, diante de uma linda mulher, depois de um período tão longo de abstinência? Olhou ao redor. O corredor estava totalmente vazio. Deveria tomá-la ali e arriscar ser descoberto? Ou apenas lhe dar um gostinho do que inevitavelmente se seguiria... um roçar provocante dos lábios sobre os dela, a carícia leve da ponta de seus dedos sobre os seios cobertos de joias? Entretanto, reconhecia que aquela morena de cabelos exuberantes era um desafio, o que apenas aumentava seu desejo, pois ele adorava conquistar e domar. Esse era seu mecanismo de defesa. Uma maneira de infligir controle numa vida que tinha sido preenchida com caos. Agora que sua raiva se dissipara, restava apenas desejo. O olhar de Hassan desceu para ver o movimento irrequieto dos pés dela, e ele deu um sorriso preguiçoso, porque podia ler mulheres tão bem quanto era capaz de ler seus falcões amados, com os quais caçava no deserto. — Seus pés estão doendo — observou ele, suavemente. Ella arregalou os olhos. Ele tinha lido sua mente? E o que havia naquele canto do palácio que a fazia se sentir como se eles subitamente fossem íntimos, de modo que ela lhe respondesse com tanta franqueza?
— Meus pés estão me matando. — Então, remova-os. Não seria isso o que a Cinderela faria? As palavras eram levemente eróticas, e Ella abriu a boca para protestar, mas então pensou, por que não? Muitas mulheres tiravam seus sapatos em festas. Algumas até mesmo levavam um par de sapatilhas escondidas na bolsa. Ela começou a se curvar, mas Hassan chegou lá primeiro, abaixando-se para lhe remover ambos os sapatos com uma destreza que indicava que ele tinha prática naquilo. Ele deslizou um polegar sobre seus dedos, antes de colocar seus pés, um de cada vez, sobre a deliciosa frieza do piso de mármore. Então endireitou o corpo, os olhos pretos zombeteiros fitando-a. — Melhor? Ella assentiu. Claro, seus pés estavam confortáveis e livres, mas, estupidamente, ela estava sentindo falta do toque dele. Forçou um sorriso. — Muito melhor — disse ela. Hassan entregou-lhe os sapatos. — Você vai voltar para a festa? Enganchando os dedos nas tiras traseiras dos sapatos, ela meneou a cabeça. Não poderia voltar agora, e não apenas porque deixara o salão de bailes em circunstâncias tão dramáticas. Não queria mais encarar aquela festa, supostamente celebrando um noivado sobre o qual ninguém parecia feliz. Exceto pelos noivos. — Não. Eu vou chamar um táxi para voltar ao meu hotel. — Eu a acompanharei até a entrada principal. O coração de Ella disparou quando medo e desejo se fundiram num estranho friozinho na barriga. Ele estava perto o bastante para que ela pudesse inalar o aroma másculo. E para que se lembrasse daquelas mãos deliciosas removendo seus sapatos, como em algum conto de fadas antiquado, apenas que ao contrário. Porque o príncipe não deveria calçar o sapato em Cinderela? — Não, honestamente. Eu ficarei bem. Ele estreitou os olhos. — Você sabe o caminho, certo?
Pela primeira vez, Ella se tornou consciente de suas redondezas, do corredor vazio, num labirinto de passagens, as quais pareciam todas iguais. Subitamente percebeu, pelo silêncio absoluto, que eles deviam estar a quilômetros dos outros convidados. Mas ela havia corrido como o vento, não havia? Correra para escapar de Hassan, e agora estava num canto desconhecido de um palácio estranho. Deveria lhe dizer que encontraria seu caminho de volta, e que não precisava da ajuda dele? Isso seria a coisa mais sensata a fazer. Ir embora com seu orgulho intacto, e com algum tipo de trégua tendo sido alcançada entre eles. — Eu acharei o caminho. — Tem certeza? Isso é um verdadeiro labirinto. E eu detestaria pensar em você andando em círculos por horas. — Mas um labirinto em que você pode se locomover com a facilidade de um navegador natural, suponho? Ele deu de ombros. — Por acaso, tenho um excelente senso de direção, mas também conheço bem o palácio. Eu costumava passar muito tempo aqui com Alex, quando nós éramos crianças. Os dedos de Ella se apertaram ao redor das tiras dos sapatos. Era difícil imaginar aquele homem grande de rosto cruel tendo sido criança um dia. Ele estava lhe dizendo aquilo para enfatizar as próprias credenciais da realeza, reforçando o fato de que a família dela era composta de membros arrivistas? Todavia, quando fitou os olhos zombeteiros, Ella percebeu que talvez devesse agir com maturidade e aceitar a oferta dele. A última coisa que queria era ficar andando horas por aquele palácio enorme. Nunca mais precisaria vê-lo depois disso... exceto, presumivelmente, no casamento de sua irmã com o amigo de Hassan. E, sem dúvida, era melhor que eles se separassem em termos cordiais, depois que ela lhe jogara champanhe. Desta vez, seu sorriso foi mais amplo, mesmo se não fosse exatamente alegre. Mas, então, alegria não era uma palavra associada a um homem cujos olhos eram tão duros e tão negros que pareciam feitos de alguma pedra rara.
— Nesse caso, sim, por favor. Eu não me importaria se você me apontasse o caminho certo. Hassan sorriu. — Vamos — murmurou ele, sabendo instantaneamente a rota que iria pegar. Eles andaram ao longo da passagem com teto alto em silêncio, mas Ella estava tão ciente dele que mal notou as redondezas espetaculares. Pela primeira vez, a decoração ornada foi completamente ignorada pelo próprio Hassan. Sem seus saltos, a altura e largura dele eram quase intimidadoras. Ele sempre dominava as redondezas e as pessoas?, imaginou ela. — Quanto tempo você vai ficar na ilha? — perguntou Hassan. — Eu irei voar de volta para Londres amanhã. — Depois do almoço? Ella deu de ombros, temendo a ideia de outra refeição formal, enquanto pessoas olhavam para sua família com superioridade. Ela tivera esperança de viajar logo depois do café da manhã, mas parecia que comparecer ao almoço era obrigatório. Estava aprendendo rapidamente que não tinha permissão de dizer “não” para membros da realeza. — Sim Ouvindo o tom de resignação na voz dela, Hassan fitou-a. Ela não estava fazendo nada que ele esperara. Ele tinha esperado um pouco mais de gratidão por têla perdoado pela cena do champanhe, e a remoção sedutora dos sapatos femininos deveria ter garantido que, a essas alturas, ela estivesse batendo os cílios e flertando como louca. Em vez disso, ela olhava fixamente à frente, como um corredor mirando a reta final. Como alguém querendo chegar ao seu destino. Ela queria? Ou só estava tentando reprimir o desejo que estivera tão aparente desde que eles haviam se entreolhado pela primeira vez? — Então, você gostaria de uma taça de champanhe, antes de ir embora? — ofereceu ele. — Ou isso seria apenas chamar por problema? — Champanhe? — Foi o humor inesperado na voz de Hassan que a fez hesitar,
até que ela se lembrasse de sua saída dramática do salão de bailes. Olhou-o, os cabelos brilhantes ao redor do rosto. — Mas eu não quero voltar para a festa. — Eu sei. Porém, uma vez que estamos perto de minha suíte, eu pensei que talvez você quisesse conhecê-la. — Ele sorriu. — Especialmente porque há fabulosas pinturas lá. Era irônico que ele parecia, inconscientemente, ter falado a única coisa designada a fazer o coração de Ella bater mais acelerado, todavia ela sentiu-se desapontada. Parecia que todos os homens eram previsivelmente similares, fossem eles príncipes ou gerentes de banco. — Como em “suba e veja minhas gravuras”, suponho? — questionou ela, com sarcasmo. — Deus, você precisa realmente fazer um curso de reciclagem para tentar flertar com uma mulher! — Eu não sabia que estava lidando com uma especialista em técnicas de flerte — murmurou ele. — Ou talvez você não goste de lindas pinturas? Ella ouviu a crítica sutil. Ele achava que ela era muito comum para apreciar qualquer tipo de arte, que uma Jackson só apreciaria novelas na tevê ou revistas de moda? A raiva que ela pensara que estivesse extinta começou a ferver novamente. Mas tal reação estava se manifestando de forma física, enrijecendo os bicos de seus seios e causando uma umidade entre suas coxas. — Ou talvez eu apenas não goste de homens estranhos me abordando com insinuações sexuais? — Ah, Cinderelas, Cinderelas — zombou ele, observando a batalha entre as palavras provocantes dela e o corpo feminino que parecia florescendo. E aquela mesma batalha não estava acontecendo em seu interior? — Eu estava simplesmente falando sobre arte, todavia tudo que você parece querer falar é sobre sexo. E qual é o seu nome verdadeiro, a propósito? — Ella — respondeu ela, sua cabeça girando. — E, por favor, pare de distorcer tudo que falo. Eu não quero falar sobre sexo! — Nem eu — concordou Hassan, inesperadamente. — Uma vez que falar sobre isso é uma completa perda de tempo.
Antes que ela percebesse o que ele ia fazer, Hassan a puxara para seus braços. Então a estava pressionando contra a excitação do corpo másculo, e, com uma onda de choque, Ella percebeu que estava permitindo aquilo. Um tipo de desejo feroz a dominou ao sentir o peso das mãos dele em suas costas. O toque dos dedos quentes em sua pele desnuda era tão elétrico quanto tinha sido na pista de dança, e lhe causou o mesmo efeito atordoante. Somente que desta vez eles não estavam no meio de uma multidão, com olhos curiosos observando-os. Desta vez, estavam perigosamente sozinhos. Ella abriu a boca para falar alguma coisa, mas naquelas alturas os olhos pretos vazios tinham ganhado vida, e ele estava abaixando a cabeça em direção à sua. E, então, era tarde demais. Os lábios de Hassan desceram para encontrar os seus, e a boca de Ella se abriu, como se por vontade própria, e ela encontrou-se perdida no beijo mais sensacional de sua vida.
CAPÍTULO TRÊS Ella balançou enquanto Hassan a beijava, os braços fortes se apertando ao seu redor, de modo que cada músculo da forma poderosa parecia ser impresso permanentemente em seu corpo. Ela podia sentir seus seios formigando, o calor erótico se construindo em seu interior, causando umidade entre suas coxas. O seu coração bombeava freneticamente, enquanto os lábios sensuais exploravam os seus. Entretanto, mesmo quando Hassan deslizou a língua para dentro de sua boca, e ela fechou os olhos, sabia que alguma coisa não estava certa. Atordoada, tentou lembrar o que estava errado, mas seu corpo sedento parecia determinado a reprimir todos os pensamentos sãos de sua mente. Ella arfou quando Hassan segurou um de seus seios, a mão grande cobrindo-o de maneira possessiva. Contra a superfície das pequenas pérolas, ele provocou-lhe o
mamilo com o dedo, e, naquele instante, ela lembrou-se da fonte de seu desconforto. Detestava-o. E ele a detestava. Ele deveria estar lhe mostrando o caminho da saída do palácio. Em vez disso, pressionara-a contra alguma parede fria, onde parecia determinado a fazer sexo ardente e urgente com ela. Então, por que ela não o estava empurrando e manifestando ultraje diante daquela sedução? Por que lhe rodeava o pescoço com o braço que não segurava os sapatos, e emitia pequenos gemidos de encorajamento? Porque nunca se sentira assim antes. Nunca imaginara que uma mulher pudesse se sentir daquela forma quando um homem a beijasse. Como se fosse para aquilo que seu corpo tivesse sido criado. Sua única experiência sexual prévia agora parecia um ensaio morno para este rápido despertar que estava fazendo seu sangue ferver nas veias. Mas aquilo estava errado. Muito, muito errado. — Hassan. — Com esforço, ela afastou a boca da dele quando seus sapatos quase escorregaram de seus dedos para o chão. — Isso é... uma loucura total. — Ela pensou em como sua voz soava fraca. Como se ele tivesse, de alguma maneira, lhe roubado toda sua força e determinação. — Não quebre o encanto, Cinderela — avisou ele, abrindo a porta de sua suíte. Puxando-a para dentro, fechou a porta com um chute, antes de tomá-la nos braços e começar a beijá-la novamente, como se isso pudesse anular quaisquer objeções que ela pudesse ter. E estava funcionando, não estava? Não parecia importar o fato de ela estar no quarto de um homem estranho... um sheik de olhos vazios, que falara coisas cruéis sobre sua família. Tamanha era a habilidade de Hassan que ele derreteu cada dúvida de Ella com as carícias de seus lábios. Mãos fortes deslizavam pelo seu corpo, enquanto ele a beijava, até que Ella estivesse se contorcendo de desejo nos braços dele. Seu corpo estava em chamas. Ela gemeu no momento em que ele segurou seu
seio novamente, o polegar brincando com o bico rijo contra o tecido do vestido. Por que ele não tocava sua pele nua, em vez disso, perguntou-se, quando, como se tivesse lido sua mente, Hassan estendeu os braços e abaixou o corpete do vestido. Ele inclinou-se para trás a fim de estudá-la, do jeito que pessoas faziam em galerias de arte, quando queriam ver mais detalhes de uma pintura. Os olhos pretos pareciam devorar seus seios, fazendo a pele de Ella formigar sob o escrutínio. — Você nunca usa sutiã? — perguntou ele. Ela queria lhe dizer que o modelo do vestido impossibilitara o uso de um sutiã, mas as palavras ficaram presas em sua garganta. — Mas, então, por que você cobriria alguma coisa tão linda quanto estes seios pequenos e firmes? — continuou ele, roçando um polegar preguiçoso no bico intumescido. — Eu gosto do fato de que eles sejam instantaneamente acessíveis. Que estejam ao alcance fácil da curva de minha língua. Ela queria protestar, mas ele inclinou-se para a frente para tomar um de seus mamilos na boca, e a onda violenta de desejo fez o corpo inteiro de Ella tremer. Ela podia ver o contraste erótico da cabeça preta contra sua pele clara, e podia sentir a língua quente circulando o bico de seu seio. E, subitamente, o prazer quase se tornou intenso demais para suportar. Ella sentiu seus joelhos começarem a ceder, e Hassan respondeu erguendo-a do chão. Ele a carregou em direção a um arco sob o qual ela podia ver uma enorme cama coberta com um dossel. E a realidade do que estava prestes a acontecer a atingiu. — Hassan? — Este é o meu nome. As palavras brincalhonas a distraíram momentaneamente. Mas nem de perto tanto quanto o calor dos dedos pressionados sobre sua pele desnuda. — Nós... nós não deveríamos estar fazendo isso. — Não deveríamos? Você não me parece muito certa disso. Porque ela não estava. Nunca havia sido carregada por um homem antes, e aquilo a fazia se sentir muito feminina. Como se, pela primeira vez na vida, tivesse encontrado alguém forte o bastante para protegê-la.
Hassan colocou-a sobre a cama, e ela permaneceu ali, observando enquanto ele removia o paletó e o deixava cair no chão. A gravata se seguiu, depois a camisa de seda. Sapatos e meias foram eficientemente descartados, e então a mão dele moveuse para o cinto da calça, abaixando-a sobre a ereção formidável. Completamente absorvida pelo que estava acontecendo, Ella não foi capaz de desviar o olhar daquele corpo magnífico. Deveria ter se sentido tímida diante de tal strip-tease, mas, estranhamente, não se sentia. Seria porque sabia que o corpo poderoso de Hassan era a coisa mais próxima da perfeição que ela já vira? Ele aproximou-se da cama e inclinou-se sobre ela, os dedos se movendo para encontrar o zíper de seu vestido. Mas o zíper pareceu se prender em algumas pérolas errantes e, quando ele puxou, o vestido rasgou, enviando pérolas ao redor deles, algumas rolando da cama e outras cascateando para o chão. Ella ouviu alguém rindo, e percebeu que era ela mesma, e que seus braços estavam estendidos a fim de puxá-lo para si. Ele deu uma risada curta. — Então, seu apetite sexual combina com seu temperamento explosivo, não é, Cinderella? — O seu combina? — devolveu ela, sentindo o roçar dos lábios quentes sobre seu ombro. A resposta provocativa dela o excitou ainda mais. Hassan nunca se sentira tão sem controle antes, sabendo que o que estava prestes a fazer era pura loucura, entretanto era incapaz de se conter. Já não tinha negado a si mesmo o conforto de uma mulher por muito tempo? Esquecera como era a sensação de tocar a pele de uma mulher, do doce contraste entre o corpo masculino sólido com a suavidade de sua contraparte feminina. Contudo, havia centenas de mulheres mais adequadas como amantes do que Ella. Mulheres naquele salão de bailes, com excelentes linhagens aristocráticas. Que sabiam como se comportar e como não se comportar. Que nunca teriam lhe jogado champanhe no rosto. Ele deveria voltar agora. Abrir mão da Jackson insolente, enquanto ainda lhe restava forças para fazer isso.
Mas agora as pernas delgadas estavam abertas, silenciosamente convidando-o às suas profundezas secretas, e Hassan soube que era tarde demais. Com dedos não muito firmes, pegou um preservativo. Tudo que queria naquele momento era enterrarse na doçura sedosa de Ella e encontrar aquela paz evasiva. Incapaz de esperar mais, removeu-lhe a calcinha de renda, jogando-a de lado antes de mover-se sobre ela e posicionar-se contra o calor trêmulo. Com um gemido agoniado, penetrou-a, movimentando-se dentro do corpo deleitoso com uma avidez que mal podia conter. Ella arfou ao sentir a posse íntima de Hassan, um pouco atordoada quando a extensão enorme começou a preenchê-la. Certamente, ele era grande demais para qualquer mulher. Por um momento, ficou tensa, enquanto permitia que seu corpo o acomodasse, e pôde sentir seus músculos internos se estendendo, então se estabilizando, seu sangue bombeando e seu coração dando um pequeno salto de alegria. Ela emitiu um som instintivo de prazer, e Hassan olhou-a, afastando uma mecha de cabelos de seu rosto. — Isso está gostoso? — perguntou ele. — Está... fantástico — gaguejou ela. — Então, vamos ver se eu consigo deixar ainda melhor, certo? Aquela parecia uma vanglória sexual arrogante, mas ela não se importou. Especialmente porque as palavras dele eram verdadeiras. Hassan estava tornando o ato irresistível. E, de alguma forma, instinto a fez responder como se ela fosse sexualmente experiente. Sentia-se como a mulher que acreditara que nunca poderia ser. Que seria capaz de responder com paixão e avidez. Não mais um lamentável bloco de gelo, mas uma mulher fogosa que sabia exatamente o que queria. Seus quadris se ergueram para encontrar os de Hassan enquanto ela acompanhava o ritmo dos movimentos dele. Abraçando-o pelas costas, sentiu os músculos poderosos se flexionando sob a pele sedosa. — Hassan — sussurrou ela. — Ladheedh! — disse ele com a voz rouca, em sua língua nativa. Ella inclinou a cabeça para trás enquanto ele lhe beijava o pescoço e os seios,
aumentando o prazer que estava se construindo em seu interior a cada segundo. Hassan gemeu. Ela era tão ardente. Tão apertada. Quantas noites no deserto ele fantasiara sobre estar dentro do corpo de uma mulher, antes de despejar sua semente quente em seus próprios dedos frustrados? Ele investiu fundo dentro de Ella, então ergueu-lhe as pernas para que elas circulassem seus quadris, de modo que pudesse aprofundar ainda mais a penetração. Podia sentir os dedos delicados enterrando em suas costas, ouvir os gemidos de prazer que combinavam com seus próprios gemidos. Aquilo era tão maravilhoso porque fazia muito tempo? Ou porque o encontro acontecera de modo tão súbito e inesperado, e sem nenhum dos pré-requisitos exigidos até mesmo pelas mulheres mais predatórias? Hassan sentia como se estivesse agarrando-se à extremidade de um penhasco com as pontas dos dedos, e, a qualquer momento, perderia o controle e escorregaria. Por um instante, observou-a. Ela parecia perdida em seu próprio pequeno mundo: os cabelos gloriosos espalhados na fronha branca, os lábios sensualmente entreabertos. Hassan viu quando ela ergueu os cílios, e os olhos deles se encontraram, mas ele rapidamente fechou os seus. Pois, por que um homem deixaria uma mulher olhá-lo quando ele estava em seu momento mais vulnerável? Em vez disso, concentrou-se em dar prazer a ela e, dessa forma, recuperando o controle que se sentira no perigo de perder. Repetidas vezes, levou-a até a extremidade, como um homem determinado a mostrar seu repertório de habilidades sensuais. Ouviu-a emitir sons que pareciam súplicas em seu ouvido. — O que foi, minha pequena fogosa? — perguntou ele. — Por favor. — Ela parou quando outra onda de sensações a inundou. Ele sorriu, apreciando estar no domínio mais uma vez. Ela não estava mais tão desafiadora agora, certo? — Eu não consigo ouvi-la — sussurrou ele. Ella sabia o que ele estava fazendo. Hassan a estava manipulando. Brincando com ela como um gato brincaria com um rato, antes de mover-se para atacá-lo. Ela sabia como deveria responder... deveria mandá-lo para o inferno... mas estava
desesperada demais para fazer isso. Muito ávida para experimentar alguma coisa que sempre lhe parecera fora de alcance. — Por favor, Hassan — choramingou ela. — Oh, por favor. A súplica ofegante o desfez e, com uma investida final poderosa, ele lhe deu o orgasmo pelo qual ela estivera implorando, como ele estivera determinado, desde o começo, que assim ela faria. Mas Hassan também foi carregado pela maré poderosa, quando espasmos começaram a sacudir o corpo feminino, e ele a sentiu contrair os músculos ao seu redor. E, de alguma maneira, havia uma qualidade no pequeno grito de Ella que ele nunca ouvira antes. Alguma coisa inexplicável que tocou o centro do coração de Hassan. Inesperada e estranhamente, seu próprio orgasmo atingiu uma força tão violenta que o fez se sentir vazio depois, como se ela tivesse lhe drenado toda a vida. Ele ouviu o tremor de sua própria respiração, e sentiu o suor secando em seu corpo. Por alguns segundos, sentiu-se tão perto da morte como uma vez tinha se sentido em batalha, enquanto, sob si, sentia o corpo quente de Ella se mexer. Longos segundos se passaram antes que ela falasse. Hassan estivera rezando para que ela não falasse, que apenas dormisse e deixasse que aquela curiosa intensidade que ele experimentava se dissipasse. — Hassan? — chamou ela, com voz sonolenta. — O quê? Ela engoliu em seco. — Foi... incrível. — Eu sei que foi. — Não acredito que isso aconteceu. Nunca antes. — Shhh — disse ele, porque aquelas palavras ofegantes estavam lhe causando desconforto. Cuidadosamente, saiu de dentro dela, sua pele começando a esfriar, enquanto a realidade voltava aos poucos, e ele percebia o que fizera. Que hipócrita tinha sido! Tão cheio de palavras orgulhosas e certezas sobre a maneira correta e apropriada de se comportar. Entretanto, como podia julgar seu amigo Alex, quando provara ser tão fraco quanto ele? Apesar de todas as suas palavras de desprezo sobre
o assunto de inadequação, havia levado uma das irmãs Jackson para cama. Por que tinha feito isso? Autodesprezo o preencheu enquanto ele permanecia deitado ali, imaginando o que iria dizer a ela... o que poderia lhe dizer, além de expressar seu arrependimento? Mas, quando virou a cabeça, viu que ela adormecera, o rosto descansando no seu braço. Aliviado, Hassan prendeu a respiração quando ela se mexeu, virou-se e acomodou-se contra o travesseiro. Ele fechou os olhos ao se recordar dos movimentos excitantes na pista de dança, e então da briga muito pública. Ela saíra do salão, ele a seguira, e nenhum dos dois retornara. O que os convidados da festa pensariam de tal comportamento? E o que ele faria agora? Escaparia, era o que faria. Exatamente como se tivesse sido capturado pelo inimigo em batalha. Precisava sair de lá, antes que seu corpo fraco sucumbisse e fizesse amor com ela novamente. Como se fosse um sinal, ela gemeu baixinho e se aninhou mais ao travesseiro, e, com a habilidade de um caçador nato, Hassan saiu da cama. Silenciosamente, coletou suas roupas, mas não antes de notar as pérolas prateadas do vestido rasgado espalhadas pelo piso de mármore. Com um tremor, imaginou a reação das criadas quando chegassem para limpar o quarto pela manhã. Mas qual era a alternativa? Colocar-se de quatro no chão e tentar recolher as pérolas? No isolamento do banheiro, vestiu-se rapidamente, e de lá ligou para seu assistente. Benedict atendeu no segundo toque. — Alteza? A voz de Hassan era baixa: — Por favor, prepare o avião de volta para Kashamak. Eu quero ir embora assim que possível. — Mas, Alteza, sua presença é esperada no almoço de amanhã. — Bem, eu não irei — replicou Hassan com firmeza. — Mandarei um e-mail para Alex depois. E, Benedict, mais uma coisa.
— Sim? — Peça para alguém levar algumas roupas de mulher para a minha suíte, amanhã bem cedo. E, antes que você faça alguma gracinha, não, eu não adquiri um apetite por me travestir. Benedict não perdeu a compostura. — Requer algum traje em particular, Alteza? — Algo que seja adequado para a lady em questão usar para voltar ao seu hotel — respondeu Hassan, pausando quando uma imagem do corpo nu deleitoso atualmente deitado em seus lençóis emaranhados lhe veio à mente. — Número 38, eu imagino.
CAPÍTULO QUATRO Ella se mexeu, sentindo-se desorientada naqueles segundos entre sono e vigília. Onde estava? Devagar, estendeu os braços acima da cabeça, espreguiçando-se. Certamente, não em sua casa em Tooting, porque não havia o barulho de caminhões do lado de fora da janela. O canto de um pássaro a alertou, ao mesmo tempo em que ela registrou a dor suave entre suas pernas. E a luz do sol que banhava sua pele. Emitindo um murmúrio sonhador de contentamento, ela baixou o olhar para ver que estava completamente nua, e que havia minúsculas manchas roxas em seus seios, como se alguém os tivesse roçado com os dentes. E foi quando sua memória voltou. Alguém tinha roçado seus seios com os dentes! E feito muitas outras coisas, além disso. Sheik Hassan Al Abbas, para ser precisa. Arfando, Ella agarrou o lençol e puxou-o até o queixo. Permanecendo deitada e imóvel, tentou ouvir algum movimento. Olhou para o outro lado da cama enorme, onde o travesseiro afundado mostrava que Hassan deitara lá.
Então ela não imaginara aquilo. Calor a inundou quando imagens vívidas surgiram em sua mente. O jeito que se contorcera sob ele e implorara que ele fizesse amor com ela. O jeito como sussurrara o nome de Hassan no momento do clímax. O primeiro e único homem que já a levara ao orgasmo, e tinha sido ele. Seu coração disparou. Onde ele estava agora? No banheiro, provavelmente. Ela penteou os cabelos com os dedos enquanto se preparava para um encontro embaraçoso com o homem com quem fizera sexo selvagem na noite anterior. Como pudera? Como pudera ter caído na cama de um homem que não fizera segredo de seu desprezo por ela e por sua família? Ele mal precisara tentar, antes que ela lhe permitisse praticamente rasgar as roupas de seu corpo. Seus olhos foram para o vestido prateado no chão, as pequenas pérolas espalhadas por todo lado. Todavia, ele não tinha sido o amante mais fantástico e mais altruísta, destruindo todas as suas dúvidas e incertezas ao longo do caminho? Hassan a fizera sentir coisas que ela nunca sentira antes. Desejo, e desejo saciado. Como uma mulher de verdade, em vez da mulher gelada e tensa que Ella acreditara ser. Olhou para seu relógio, que ainda estava no pulso, apavorada ao ver que passavam das 9h. Que ironia que o sono mais longo que tinha em anos fosse na manhã quando nem deveria estar no palácio real. Deveria estar naquele hotel sofisticado, com o resto de sua família. O que eles diriam quando ela não aparecesse para o café da manhã? Onde ele estava? Mas, mesmo enquanto absorvia a situação na qual agora se encontrava, Ella tomou uma decisão. Acontecera, e não havia absolutamente nada que pudesse fazer sobre isso. Tinha sido incrível e inesperado, e ela não agiria de maneira envergonhada e amedrontada. Ambos eram responsáveis pelo ocorrido da noite anterior. E se Hassan decidisse que gostara tanto da experiência que queria repeti-la? Ella olhou para o teto, incapaz de reprimir as memórias do deleite que sentira. Não ficaria feliz em recomeçar, de modo que eles pudessem provar um ao outro que
primeiras impressões não necessariamente contavam? — Hassan? — chamou ela suavemente. Não houve resposta. Será que ele estava no banho? Talvez ensaboando aquela pele cor de oliva? Subitamente, ela podia visualizar as pernas poderosas, o estômago reto, os pelos escuros ao redor da masculinidade. Fechou os olhos. Era melhor não ler muito naquilo, não neste estágio. Tudo que queria era voltar para sua família assim que possível, e precisava da ajuda dele para fazer isso. — Hassan! — Sua voz foi mais alta desta vez, mas ainda não houve resposta, e sim uma batida à porta. O que ela deveria fazer? Ignorar? Esperar Hassan sair do banheiro para atender quem estivesse do outro lado da porta? Afinal de contas, quanto menos gente a visse lá, melhor. Mas a batida foi repetida, e então veio o inegável som de alguém falando o seu nome. — Senhorita Jackson? Ella franziu a testa. Como eles sabiam que ela estava lá? Envolvendo o lençol ao redor do corpo, foi descalça para a porta, abrindo-a e olhando desconfiadamente através de uma pequena fresta. Do lado de fora estava um homem alto que ela não reconheceu, com um sorriso educado no rosto e o que parecia um pacote de lavanderia num braço. — Senhorita Jackson? — repetiu ele. Ella arregalou os olhos. — Quem é você? — Meu nome é Benedict Austin, e eu trabalho como assistente do sheik Hassan Al Abbas. Ele me pediu que lhe entregasse isto. Com aquilo, ele estendeu-lhe o pacote e Ella piscou. — O que é isto? — Encontrará algumas roupas aí dentro. O sheik insistiu que você as recebesse, uma vez que entendo que você — ele hesitou — derramou vinho em seu
vestido, ontem à noite. Ella pôde se sentir enrubescendo, pois, aparentemente, aquele homem sabia muito bem o que acontecera com seu vestido. E, naquele momento, ela sentiu-se furiosa. Por que Hassan não tivera a decência de lhe entregar as roupas pessoalmente, em vez de mandar uma de suas marionetes fazer o trabalho? Ela encarou o assistente. — Você sabe onde ele está? — O sheik? — O homem deu de ombros de modo apologético, como se aquela fosse uma pergunta que já ouvira de mulheres indignadas muitas vezes durante sua carreira. — Lamento, mas ele teve de voltar para Kashamak com certa urgência. Para cuidar de assuntos do estado. Ella havia achado que não era possível se sentir pior do que já se sentia, mas a informação mostrou-lhe como estava errada. Então Hassan tinha fugido, deixando-a sem se incomodar em dizer adeus. Humilhada, ela queria dizer a Benedict Austin o que ele podia fazer com as roupas, mas orgulho avisou-a de que aquele era um luxo ao qual não podia ceder. O que acontecera era ruim o bastante, mas, se ela fosse vista saindo do palácio com a versão rasgada do vestido da noite anterior, então estaria anunciando para o mundo como passara a noite. — Obrigada — disse ela com o máximo de dignidade que conseguiu reunir, antes de pegar o pacote e fechar a porta no rosto dele. Algumas mulheres teriam chorado, mas não Ella. Era uma sobrevivente. Não desperdiçaria lágrimas em alguém tão indigno como Hassan Al Abbas. Em vez disso, concentrou-se em se tornar apresentável para encontrar seu caminho para fora do palácio. Um banho e uma vigorosa lavagem nos cabelos a livraram do último traço do cheiro do sheik de seu corpo, mesmo se a lembrança dele não pudesse ser apagada tão facilmente. Ela olhou-se no espelho, fitando seus olhos azuis e se perguntando por que havia se comportado daquela maneira. Não tinha passado sua vida inteira revoltada com a facilidade com que sua mãe
aceitava os caprichos do ex-marido traidor, permitindo-lhe voltar para sua vida sempre que ele quisesse? Muitas e muitas vezes, ela suplicara para que sua mãe adquirisse um pouco de coragem e enfrentasse o homem que a fazia de tola. Todavia, uma vez que percebeu que sua mãe não ouviria nada, exceto as demandas do próprio coração, Ella jurara que seria diferente. Ela sempre seria racional no que dizia respeito aos homens. Sempre os veria com a mesma imparcialidade que veria um acordo de negócios em potencial. Até agora, nunca tivera problemas com a estratégia, mas, então, até agora nunca conhecera um homem como Hassan Al Abbas. Nem nunca se sentira escrava do próprio corpo. Sua única experiência sexual anterior tinha sido um desastre total, basicamente consistindo de ela deitada, olhando para o teto, enquanto se perguntava o que havia de especial naquilo. Bem, na noite anterior, entendera. Agora, podia ver por que pessoas corriam enormes riscos quando se tratava de sexo. Por que faziam papel de tolas. Ella se sentia como se tivesse sido iniciada numa seita secreta, sem ter decidido se queria ou não ser um membro. Com dedos trêmulos, abriu o pacote que o assistente de Hassan lhe entregara. Dentro, havia um vestido branco e uma calcinha aninhada entre folhas de papel seda. Mas, embora o vestido fosse de um comprimento respeitável, a calcinha cor de pêssego era minúscula, revelando mais do que escondendo. Ela sentiu a pele esquentar ao vestir a calcinha, quando memórias da noite anterior mais uma vez vieram à superfície. Mas que escolha tinha, senão usá-la? Ele escolhera o lingerie?, perguntou-se. Ou geralmente deixava esse tipo de coisa para o assistente? Pegando o batom vermelho de sua bolsa, ela o passou nos lábios, depois pôs o vestido arruinado no lixo do banheiro, ciente de que havia minúsculas pérolas espalhadas por toda parte. E então, tendo calçado os sapatos da noite anterior, saiu da suíte, momentaneamente tentando se orientar. Indo em direção a um corredor largo, repleto de candelabros de teto, ela vislumbrou um gramado impecável à distância, e percebeu que devia estar perto dos
jardins do palácio. Poderia achar algum empregado e pedir-lhe que lhe arranjasse um carro para levá-la de volta ao hotel? — Senhorita Jackson? Senhorita Jackson, não é? A voz educada atrás dela a fez congelar em horror, porque reconhecia aquele tom aristocrata. Oh, por favor, não permita que seja a rainha Zoe, rezou silenciosamente, suas esperanças se desfazendo quando ela virou-se para ver as feições frias da futura sogra de sua irmã. Sem graça, Ella fez uma cortesia, as faces queimando com embaraço. — Eu... Bom dia, Vossa Majestade. — É Ella, não é? — Sim, Vossa Majestade. A rainha arqueou as sobrancelhas. — Perdoe-me por estar um pouco surpresa em vê-la aqui a esta hora. Pensei que você e sua família estivessem hospedadas no hotel? Ella esperou que sua careta lembrasse um sorriso. O que poderia fazer, além se ser evasiva? Contar à rainha que passara a noite com o sheik? O fato de estar andando pelos corredores com roupas que não combinavam com os sapatos da noite anterior não era evidência suficiente? — Eu... peguei no sono — murmurou ela, de maneira pouco convincente. Houve um silêncio enquanto Ella desafiava a rainha a perguntar onde ela pegara no sono. Mas, felizmente, bons modos deviam tê-la impedido, pois a mulher mais velha apenas lhe deu um olhar de desaprovação, como se não acreditasse numa palavra daquilo. — Entendo. E você tomou café da manhã? — perguntou a rainha. — Não. Eu não estou com fome, Vossa Majestade. Na verdade, preciso voltar para o hotel. Minha mãe ficará preocupada com minha ausência. — Imagino que sim — respondeu a rainha, secamente. — Bem, fale com um dos criados e eles lhe arranjarão um carro. — Obrigada, Vossa Majestade. — Ella fez uma cortesia, e esperou a rainha assentir brevemente com a cabeça, antes de continuar andando.
Levou algum tempo, mas finalmente ela encontrou alguém, e se fez entender o suficiente para pedir um carro. Minutos depois, estava sendo levada por uma estrada costeira pitoresca, grata por estar se afastando do palácio real Santina. Mas seu estômago estava em nós, e ela mal notou o profundo azul-safira do mar ou o azul perfeito do céu. Por uma vez, a beleza cênica da ilha a deixou fria. Tudo que podia pensar era no jeito que se comportara. De maneira vergonhosa, porque tinha escolhido o pior homem do mundo com quem fazer sexo. Tivera a oportunidade perfeita para provar a Hassan Al Abbas que o preconceito dele com relação à família Jackson era injusto e infundado. Em vez disso, reforçara todos aqueles preconceitos com seu próprio comportamento. Ele acusara as mulheres de sua família de se comportarem como vadias vulgares, e ela não fizera exatamente isso? Ella mordeu o lábio quando o carro se aproximou do hotel. Decepcionara todos. Mas, acima de tudo, decepcionara a si mesma. E era ela quem teria de conviver com o que fizera.
CAPÍTULO CINCO — Eu não me importo como você fará isso. Apenas faça! — A voz da mulher era aguda e insistente. — É o dia do meu casamento, e sonhei com isso por muito tempo para fazer qualquer tipo de concessão. — Eu darei um jeito — prometeu Ella, desligando o telefone com um suspiro exasperado, o qual não se devia apenas ao último pedido absurdo de uma de suas clientes famosas. Desde os primeiros dias de sua companhia próspera de eventos, Cinderella-Rockerfella, ela recebia muitos pedidos bizarros e, no geral, atendia a todos. Mas, no geral, não estava sentindo um misto de culpa e enjoos, como vinha sentindo desde que retornara da festa de noivado de sua irmã.
Nada que fizesse parecia ajudar. Ela descobriu-se desejando que pudesse esquecer o sheik que lhe dera tanto prazer quando a levara para cama. Todavia, o que desejava ainda mais era que pudesse se livrar do medo que crescia a cada dia. O medo que se manifestara hoje, devolvendo o café da manhã apenas minutos depois que ela o consumira. Com esforço, reprimiu os pensamentos e olhou para Daisy, sua assistente, uma garota eficiente de vinte anos, cujo nível de energia recentemente fazia Ella se sentir beirando os cem. — Que tipo de casal quer se sentar em cadeiras tipo tronos na cerimônia de seu casamento, Daisy? — perguntou ela. — Um casal com egos enormes? — sugeriu Daisy com um sorriso. — Mas suponho que isso não seja tão surpreendente. Dois grandes astros da música precisam chamar atenção, especialmente se venderam os direitos fotográficos para a revista Celebridades! De qualquer forma, não podia ser mais fácil para você organizar algo assim, Ella, uma vez que sua própria irmã irá se casar com um membro da realeza, de verdade! — Por favor, não me lembre disso — murmurou Ella, com um tremor. — Por que não? A maioria das pessoas estaria se deleitando na glória refletida, entretanto você mal falou uma palavra sobre a festa de noivado desde que voltou, e isso foi semanas atrás — resmungou Daisy. — Eu tive de ler nos jornais para saber sobre a festa. — Bem, aí está. — Ella percebeu que seus dedos estavam tremendo quando ela largou a caneta com a qual estivera rabiscando. Olhou para baixo e viu que tinha desenhado uma espada ao lado de suas anotações. Que diabos aquilo significava? — Daisy, pode tentar conseguir dois tronos dourados para mim? Ligue para aquela companhia de artigos para teatro que às vezes usamos, e veja se eles podem ajudar. Eu... eu preciso sair esta tarde. — Ela se levantou rapidamente demais e sentiu tontura, o que vinha acontecendo muito nos últimos dias. Daisy a olhou. — Ella, está tudo bem? Você empalideceu, de repente.
— Eu estou bem — replicou Ella, engolindo o agora familiar gosto de náusea que subiu à sua garganta. — Até mais tarde. Ignorando o olhar preocupado de sua assistente, ela saiu para as ruas movimentadas de Londres, onde uma chuva fora de estação caía, e percebeu, tarde demais, que não estava usando sua capa de chuva. Mas quem se importava em ser pega na chuva, quando havia alguma coisa tão grande em sua cabeça que começava a dominar tudo que ela fazia? Estava tremendo quando pegou um ônibus para sua casa em Tooting. Não era o bairro mais sofisticado da cidade, mas tinha bom transporte público e o bônus adicional de ser barato. Morar lá significava que ela não precisava morar numa caixa de sapato, e fora capaz de investir suas economias em seu negócio próprio. O negócio que lutara tanto para construir, porque quisera ser independente, e nunca depender dos caprichos de um homem para sua renda ou sobrevivência. E o pensamento que ecoava em sua cabeça agora era: o que iria acontecer com seu precioso negócio próprio agora, se seus piores medos fossem confirmados? A casa estava fria quando ela entrou, e Ella foi diretamente para o banheiro, onde o exame de gravidez que comprara ainda estava intocado ao lado da pasta de dente. Pegou-o com mãos que tremiam, sabendo que não podia mais adiar a verdade. Seu coração estava disparado quando ela abriu a caixa e agachou-se sobre o toalete, tentando urinar na pequena vareta estreita, pensando em como aquilo parecia surreal. Isso era o que milhões de mulheres no mundo inteiro faziam, disse a si mesma. Que estavam provavelmente fazendo agora. Mas ela apostava que nenhuma delas estava fazendo aquilo como resultado de uma única noite com um sheik de olhos vazios, que a deixara sem dizer adeus. Ella não precisou ver a linha azul na vareta para saber que o resultado dera positivo. Soubera disso em seu coração, o tempo inteiro. Forçando-se a preparar uma xícara de chá doce, levou-a para sala e sentou-se, tomando o chá enquanto a noite caía. Uma por uma, as estrelas começaram a aparecer no céu, e tudo em que ela podia pensar era que sua vida iria mudar para sempre. Estava grávida.
Grávida do sheik. Ia ter um bebê não planejado de um homem que a desprezava. Ella pôs a xícara vazia sobre a mesa e fechou os olhos. A situação não podia ser pior, podia? Entretanto, eram estranhos os truques que a mente podia pregar. Por mais algumas semanas, Ella fingiu que aquilo não estava acontecendo. Deixou o segredo crescer dentro de sua cabeça, assim como dentro de seu corpo, como se, não contando a ninguém, pudesse quase se convencer de que aquilo não estava acontecendo. Mas, alinhado com essa falta de lógica, estava o desejo imenso de contar para alguém, de desabafar com uma pessoa que pudesse entender. Não sua mãe. Definitivamente não sua mãe fraca e romântica. Nem suas irmãs, não se não quisesse que a notícia se espalhasse. E, com certeza, não seu pai. Ella tremeu. Seu pai enlouqueceria se descobrisse. Restava Ben, seu irmão. O brilhante Ben, que, apesar de toda sua reputação de magnata controlador, era ferozmente protetor no que dizia respeito às mulheres de sua família. No momento, estava morando em alguma casa de praia esplendorosa, na ilha de Santina, enquanto trabalhava num projeto beneficente. Antes que tivesse tempo de mudar de ideia, Ella pegou o telefone e discou o número dele. — Ben Jackson. — Ben, é Ella. O tom abrupto na voz dele se transformou num tom carinhoso: — Ella. A quem eu ainda não perdoei por ter saído da ilha de um jeito tão dramático, depois da festa de noivado. Por que você não foi ao almoço do dia seguinte? Eu estava ansioso para que colocássemos os assuntos em dia. — Na verdade, o motivo pelo qual eu não fui ao almoço é basicamente o mesmo pelo qual estou lhe telefonando agora. — Eu devo adivinhar, ou você vai direto ao ponto? — perguntou ele, em tom de brincadeira. Ella engoliu em seco, instintivamente sabendo o tipo de notícia que nenhum irmão gostaria de receber. E que não havia um modo de contar aquilo que causasse menos impacto.
— Ben, eu estou grávida. Houve uma pausa. — Mas você não tem namorado, Ella. Ou, pelo menos, não tinha desde a última vez que conversamos. Que, por acaso, foi na festa de noivado. O que está acontecendo? Quem é o pai? Ella foi inundada por vergonha, desejando que nunca tivesse dado aquele telefonema. Mas contar a alguém tornava o fato real, e... era real. Ela não podia mais se esconder da realidade. E era inútil tentar mentir ou ignorar a verdade. Temendo a reação de seu irmão diante da informação que lhe daria, umedeceu os lábios. — O nome dele é Hassan Al Abbas. Houve outra breve pausa e, quando ele falou, a voz de Ben tinha adquirido um tom totalmente distinto. — O sheik? — O próprio. — Você vai ter o bebê de um dos homens mais poderosos do Oriente Médio? Ella tremeu. Parecia ainda mais assustador quando colocado dessa forma. — Assim parece. — Ela ouviu seu irmão falar alguns nomes feios. — Ben, não pragueje. — O que espera que eu faça? — respondeu ele, com irritação. — Você pensou no que está se metendo? Não conhece a reputação do sheik? Ora, Ella, eu nem mesmo sabia que vocês dois eram um casal. — Nós não somos! — exclamou ela, com veemência. — Nós... nós nos conhecemos. Brigamos e depois... depois. — Acho que posso imaginar o que aconteceu depois — disse ele rapidamente. — A pergunta é: o que você vai fazer sobre isso? A mão de Ella foi para a barriga. Uma barriga ainda reta, verdade, mas não por muito mais tempo. Em seu interior, estava crescendo um pequeno embrião, que era metade daquele bruto de olhos pretos, mas também metade seu. Metade Jackson. O primeiro neto ou neta de Bobby e Julie. O primeiro sobrinho ou sobrinha de seus irmãos e irmãs. Uma nova vida iria entrar em sua família disfuncional. Uma dor
terrível comprimiu seu coração ao pensar sobre a responsabilidade que carregaria agora, mas também sabendo que só havia uma coisa que poderia fazer. E um forte sentimento protetor seguiu aquela dor. Uma determinação de que alguma coisa boa resultaria daquela confusão. — Eu terei o bebê — declarou ela com firmeza. — Ótimo. — Ben deu um suspiro aliviado. — E quanto a Al Abbas? O que ele tem a dizer sobre isso? — Eu não contei a ele. E ele não irá querer ser o pai, Ben. — Ella lembrou-se do jeito como Hassan escapara de sua cama, como um ladrão no meio da noite. — Ele nem mesmo gosta de mim! Houve uma pausa. — Então, você irá contar a ele? Mais uma vez, ela pensou sobre Hassan. Não no homem que a seduzira com tanta facilidade e lhe mostrara como o verdadeiro prazer podia ser. Mas no outro lado do mesmo homem. Lembrou-se do estranho vazio que vira nos olhos negros, e um arrepio percorreu sua coluna. — Eu não sei — replicou ela com desespero. — Saiba que, uma vez que lhe contar, isso será irrevogável, e você terá pouco controle sobre o que acontecer depois — avisou ele. — O sheik não é apenas impossivelmente rico, mas também é um autocrata. Homens assim são possessivos com o que têm, e ele irá acreditar que o bebê lhe pertence. Ele é cruel, irmã... não se iluda quanto a isso. Ben não estava lhe dizendo nada que ela já não soubesse, e parte sua queria ficar longe de Hassan, de modo que pudesse proteger a si mesma e ao bebê. Ella sentiu o coração disparar enquanto ponderava sobre o que fazer. Se tivesse uma varinha mágica, seria para apagar todas as memórias do sheik sem coração de sua cabeça. Mas aquilo não se tratava mais dela, certo? Havia uma criança envolvida, e Hassan não tinha o direito de saber sobre a existência desta criança, independentemente de seus sentimentos um pelo outro? — Eu não tenho escolha, exceto contar a ele — murmurou ela.
A voz de Ben pareceu emocionada. — Na verdade, você tem escolha. Eu apenas espero que ele aprecie a que você fez. Informe-me se houver alguma coisa que eu possa fazer. Qualquer coisa. — Obrigada, Ben. — Ella engoliu o nó que se formara em sua garganta. — Oh, e Ben? Você não irá contar isso para ninguém, irá? — Não, a menos que você queira que eu conte. Vamos adiar a reação histérica do resto do clã pelo máximo de tempo possível. Ella estava pensativa quando desligou o telefone, percebendo que não poderia adiar contar para Hassan por nem mais um momento. Até que também percebesse que sabia muito pouco sobre ele. Nem mesmo sabia onde ele vivia! Franziu o cenho. O assistente dele não tinha mencionado um país quando fora lhe entregar o vestido e a calcinha sexy insultante? Kasha-alguma coisa. Kasha-mak? Ela sentou-se diante de seu computador e digitou o nome no site de busca para descobrir que Kashamak era realmente um país, do qual Hassan era o líder supremo, apesar de ter um irmão mais novo. Estudou uma foto dele, vestido em roupas tradicionais do país oriental, e pensou em como ele estava formidável. Os grossos cabelos pretos estavam cobertos por uma espécie de touca branca, presa por uma corda trançada de seda escura. O traje o fazia parecer estrangeiro. Mais inacessível. Era estranho olhar para a curva sensual da boca de Hassan e lembrar como ela havia explorado seu corpo. Recordou-se do orgasmo poderoso, que a abalara até a alma, o primeiro que já experimentara. Era por isso que o sexo parecera tão profundo para ela, ou aquele era o efeito que ele causava em todas as mulheres? Com esforço, desviou os olhos da foto. Havia páginas sobre os recursos naturais de Kashamak, e sobre as disputas de fronteiras com um dos países vizinhos, com as quais Hassan recentemente acabara, mas Ella mal absorveu outras informações. Não precisava saber que Hassan era um herói no país dele, porque estava olhando aquele site por um propósito. Agora sabia onde ele estava baseado, mas como contatar um homem que estava tão fora de alcance? A posição de Hassan o isolava de pessoas como ela, e ele não deixara o número de seu celular e lhe pedira
para contatá-lo, certo? No final, Ella reuniu coragem para perguntar à sua irmã Allegra, que, por sua vez, perguntou para Alex, que disse que, infelizmente, não podia dar o número do telefone de Hassan para ninguém, nem mesmo para a família. Questões de segurança, explicou ele. Mas daria seu recado ao sheik, e pediria que ele a contatasse. Ella sentiu-se mortificada quando recebeu tal informação, embora supusesse que deveria ter ficado grata que sua irmã não exigira saber por que ela queria contatar Hassan. Uma onda de frustração a envolveu quando ela imaginou o que Hassan pensaria quando soubesse de seus esforços para contatá-lo. E se ele não a contatasse? E se pensasse que ela era apenas uma mulher pegajosa que não podia aceitar que ele não queria mais vê-la? A ideia a alegrou. Esta seria a melhor coisa do mundo. Ela ficaria com a consciência tranquila por ter tentado contatá-lo, mas não haveria necessidade de envolvê-lo na vida de seu bebê. Entrando em ação, marcou uma consulta com seu médico e foi vê-lo na manhã seguinte. Ter feito exames e recebido a notícia de que estava perfeitamente saudável, de alguma maneira, preencheu-a com uma sensação de esperança para o futuro. Podia fazer isso. Iria fazer isso. Muitas mulheres criavam bebês sozinhas, e algumas delas até mesmo administravam seus próprios negócios! Mais tarde, Ella comprou um cappuccino e uma torta de maçã no café perto de Cinderella-Rockerfella e percebeu que aquela era a primeira vez que sentia fome em dias. Balançando o saco marrom nos dedos, entrou no seu escritório e cumprimentou Daisy com um sorriso, perguntando-se por que o rosto de sua assistente parecia tão peculiar. — Você está bem, Daisy? De maneira dramática, Daisy gesticulou a cabeça na direção da sala de Ella. — Lá dentro — sussurrou ela. — Lá dentro o quê? — perguntou Ella, confusa. Mas sua confusão logo se
transformou num misto de terror e excitação, quando ela alcançou a maçaneta da porta. Respirando fundo, entrou em sua pequena sala, chocada, mas, de alguma forma, não surpresa em ver a silhueta enorme do sheik Hassan Al Abbas contra a janela.
CAPÍTULO SEIS O CORAÇÃO de Ella parou de bater por um segundo, quando o corpo poderoso do sheik conseguiu bloquear a maior parte da luz disponível. E não apenas a luz. Era como se ele tivesse sugado todo o oxigênio da atmosfera, fazendo com que ela subitamente mal pudesse respirar. — O... o que você está fazendo aqui? — sussurrou Ella. Hassan virou-se para a mulher que tinha acabado de entrar no escritório desordenado. A única cor no rosto pálido dela era o batom vermelho nos lábios que não sorriam, e ele pegou-se pensando que ela parecia uma estranha. Mas era uma estranha, relembrou-se, uma mulher que ele só vira sob a luz artificial dos candelabros. Ou nua, é claro. — Você queria me ver, Ella — replicou ele, suavemente. — Então, aqui estou. O choque de vê-lo novamente era como um golpe físico, e Ella pôs sua torta e café sobre a mesa, temendo que seus dedos trêmulos derramassem o líquido escaldante. — Eu queria falar com você. Há uma diferença. — Ela encontrou os olhos pretos e vazios, furiosa com seu corpo, que a traía com um tremor instintivo. Como se reconhecesse que ali estava o homem que tinha o poder de lhe proporcionar prazer. — Você sempre entra no escritório das pessoas sem ser anunciado? Essa é certamente uma abordagem não convencional. — Ah, mas eu sou um homem não convencional de muitas maneiras. De
outras, é claro, posso ser bem mais previsível. — Ele a estudou, notando como ela parecia cansada. — E, uma vez que nós não combinamos nenhum encontro futuro, estou curioso para saber o que você quer? Ella estava achando difícil manter seu equilíbrio. A visita de Hassan a pegara de surpresa, mas esse não era o único motivo para o disparo em seu coração. Era ele, e o efeito que lhe causava, por mais que ela tentasse ficar imune a ele. Na noite que eles tinham... se conhecido, ele estivera usando um smoking formal, que favoreceria até mesmo o homem de aparência mais comum. E este era um homem que certamente não precisava ser favorecido. Hoje, ele usava um terno caro, do tipo usado por homens de negócios bem-sucedidos. Todavia, não parecia se sentir confortável no traje, o qual parecia restringir as linhas do corpo poderoso. Já tinha aberto o botão do colarinho e devia ter puxado a gravata impacientemente. Ella de súbito se tornou ciente que, sob a sofisticação da realeza, havia um homem muito primitivo, e a enormidade do que ela estava prestes a lhe dizer preencheu-a de medo. Mas, primeiro, era importante estabelecer algum tipo de diálogo. Havia algumas coisas que precisava esclarecer, independentemente do que acontecesse depois, porque as respostas para suas perguntas determinariam como ele via as mulheres em geral, e ela, em particular. — Conte-me, Hassan, você sempre deixa uma mulher na cama no meio da noite, sem se importar em dizer adeus? Ele ficou surpreso com a pergunta direta, e mais do que um pouco irritado com a falta de remorso dela. Ella não sentia nem um pouco de vergonha sobre o que tinha acontecido?, perguntou-se Hassan. Ou casos de uma única noite eram ocorrências comuns na vida dela? — Decidi que partir era a melhor forma de limitar danos — respondeu ele, sem rodeios. — Perdão? Você disse, limitar danos? — Ora, sejamos realistas — disse ele. — O sexo foi fantástico... ambos sabemos disso... mas, sob as circunstâncias, imprudente. Aquilo nunca poderia dar em nada. Então, qual teria sido o sentido em prolongar o nosso encontro?
— Certamente boas maneiras deveriam ter incentivado você a se despedir? Hassan deu uma risada curta. — Acho que abandonamos boas maneiras algum tempo depois que você jogou champanhe no meu rosto. — E esta era certamente uma memória distante no momento em que você me despiu. A boca de Hassan endureceu, porque aquelas palavras desafiadoras o estavam excitando. E isso era exatamente o que ele não queria: ser lembrado de como se tornara vítima dos charmes dela. Porque, para que servia um homem que podia derrotar seus inimigos em batalha, se depois se permitia fraquejar nos braços de uma mulher que desprezava? — Você recebeu o vestido e a lingerie que mandei? — Sim, recebi — retrucou ela. — Por acaso, eu estava usando as peças quando encontrei a rainha Zoe nos corredores do palácio, no meu caminho para a rua. Ele fez uma careta. — O que ela falou? — Oh, ela é muito educada para falar qualquer coisa, embora tenha declarado os pensamentos no rosto. Especialmente quando eu lhe disse que tinha passado a noite com você. Hassan olhou-a, horrorizado. — Você disse a ela que passou a noite comigo? Brevemente, Ella permitiu-se apreciar o desconforto dele, até que lembrou que aquilo não era sobre marcar pontos. — Não, é claro que não. Mas eu gostaria que tivesse dito. O sheik todopoderoso, que não fez segredos de seu desprezo pelos Jackson, acabou na cama com uma delas! Isso teria dado muito combustível para fofocas, não é? Por um momento, Hassan quase sorriu, porque não podia negar que ela possuía coragem além de beleza, e nenhuma mulher já lhe falara daquela maneira antes. Se ela não fosse quem era, então ele poderia ter apreciado um caso curto e mutuamente satisfatório com ela, expondo suas regras de não compromisso antes que
começassem. Mas isso não ia acontecer. Não com Ella Jackson. Hassan olhou ao redor do escritório, fazendo uma careta de desgosto. O lugar era tão espalhafatoso quanto ele imaginara quando o investigador que contratara lhe dissera que ela possuía uma companhia de eventos chamada Cinderella-Rockerfella. As paredes eram cobertas com fotos brilhantes de eventos que ela presumivelmente organizara... montagens horríveis de ocasiões que pareciam o auge da vulgaridade. Havia uma fotografia ampliada do casamento de pessoas que Hassan reconheceu vagamente... um jogador de futebol internacional e sua noiva. O fato de que a mulher estava usando um vestido que revelava a maior parte dos seios aumentados cirurgicamente parecia zombar da santidade do casamento e desrespeitar o noivo. Ele perguntou-se como Ella suportava trabalhar para aquele tipo de gente. Porque ela é uma Jackson, só por isso. Ela é esse tipo de pessoa. — Então, por que você estava tentando me contatar? — questionou ele. A pergunta levou Ella de volta à realidade e fez seu coração disparar. — Nenhuma ideia? — Diversas. — Ele fitou-lhe os olhos e lembrou-se da noite ardente que passara com ela. E seu corpo respondeu com excitação. — Oh? — Talvez você tenha decidido que sua noite comigo foi tão ardente que quer repeti-la. Eu não a culparia, se você quisesse. Ela ficou apavorada pela onda de desejo que a resposta lhe causou, e ainda mais apavorada pela arrogância dele. — Eu tento nunca cometer o mesmo erro duas vezes, Hassan. Alguma outra sugestão? Nuvens escuras flutuaram na mente dele. — Ou o nosso caso imprudente nos deixou com alguma coisa a mais do que arrependimentos. Ela o olhou fixamente, porque aquelas palavras não dificultavam ainda mais o
que estava prestes a lhe contar? — Esta é a descrição mais fria que eu já ouvi — sussurrou ela. Sua falta de negação o desconcertou, mas Hassan manteve seu sangue-frio, da mesma maneira que fizera quando, uma vez, tivera a lâmina de uma faca em seu pescoço. Naquele momento, pensou que fosse morrer. Mas não morrera. Tinha desafiado as probabilidades e vivido para lutar mais um dia. — Isso é porque eu sou um homem frio, Ella. Não tenha dúvida quanto a isso. E não vim aqui para brincar de jogos de adivinhação. O que você queria me dizer? — Que você está certo! — Ela engoliu em seco enquanto se forçava a falar a amarga verdade. — Que nosso caso nos deixou... ou me deixou... com algo mais do que arrependimentos. — Fitou os olhos pretos e murmurou numa voz baixa: — Eu vou ter um bebê, Hassan. Hassan engoliu em seco, lembrando-se do jeito como a lâmina da faca havia cortado sua pele, um ferimento somente para avisá-lo, não para matá-lo. Mas a pele tinha curado, não tinha? Enquanto isto... Isto não curaria! Ele deu um passo na direção dela, prendendo-lhe os olhos e falando numa voz baixa: — Mas não necessariamente o meu bebê? — É claro que é o seu bebê! — Não existe “é claro” sobre isso — negou ele. — Você caiu na minha cama com uma velocidade que foi inigualável... mesmo em minha experiência. Como vou saber que não faz isso com um homem diferente a cada noite da semana? As palavras dele machucaram, mas Ella não demonstrou seus sentimentos. Forçou-se a ser lógica, em vez de emocional, do jeito como tinha sido pela maior parte de sua vida. Porque poderia realmente culpá-lo por tal conclusão, quando tudo que ele possuía era a evidência de como ela se comportara? Percebeu que ele a estava acusando porque sentia medo. Que homem ficaria alegre ao ser informado de que uma completa estranha teria um filho seu? Hassan provavelmente achava que Ella queria um casamento ou compromisso... arrogante
como era. Bem, era hora de tranquilizá-lo que ela poderia se virar muito bem sozinha. — Porque eu não durmo com homens por aí — replicou Ella. — Você fez uma exceção somente para mim? — Não há razão para falsa modéstia, Hassan. Tenho certeza de que muitas mulheres fizeram uma exceção por você no passado. — Mas, estupidamente, aquilo doía, também. Por que deveria doer pensar nele na cama com outras mulheres? Ela respirou fundo. — Entendo que isso é um choque para você. — Oh, a rainha da mitigação! — zombou Hassan, porque, de alguma maneira, zombar era mais fácil do que reconhecer que o que ela dizia era verdade. E que, mesmo enquanto ela estava parada ali, num vestido de seda azul, com os lábios vermelhos tremendo, seu filho estava crescendo dentro dela. — Mas quero que você saiba que eu pretendo ter este bebê e... amá-lo. — Ella viu a boca de Hassan se torcer numa expressão irônica, e adivinhou o que ele pensava que viria a seguir. — E eu não estou lhe pedindo nada. Ele deu uma risada cínica. — Essa seria realmente uma primeira vez. Então, por que se incomodar em me contar? — Porque você é o pai, e eu senti que era meu dever informá-lo. Hassan se concentrou numa única palavra da sentença de Ella. Dever. Uma palavra que fizera dele o homem que era. Uma palavra que sua própria mãe rejeitara, causando danos irreparáveis para a família real, e destruindo três vidas no processo. Não era seu dever apoiar esta mulher agora, por mais que abominasse a ideia? — Isso parece um pesadelo — disse ele. Ella assentiu. Porque não pensara a mesma coisa? — A descoberta foi um choque para mim, também. Hassan meneou a cabeça. — Mas eu me certifiquei de ser cuidadoso. — Eu sei disso.
Ele se perguntou como aquilo podia ter acontecido, então lembrou-se do jeito como suas mãos tremiam quando ele colocara o preservativo. — Não cuidadoso o bastante — admitiu ele, encarando os olhos azuis. — Chame isso de fraqueza, mas ter você se contorcendo em minha cama deixou minha atenção aos detalhes um pouco falha! Eu lutei numa guerra recentemente, e fazia muito tempo que não ficava com uma mulher. Qual é a sua desculpa? — Minha desculpa é que eu sofri um lapso momentâneo de julgamento — disse ela. — Sou muito novata no que diz respeito a sexo. — Você não agiu como novata naquela noite. — Talvez isso tenha mais a ver com a sua ampla experiência do que com a falta da minha — respondeu Ella. — Não faz sentido discutir sobre isso. Eu apenas achei que você tinha o direito de saber que vai ser pai. E agora você sabe. Cumpri o meu dever. Portanto, se não se importa de ir embora, tenho trabalho a fazer. Hassan viu desafio nos olhos azuis. Não uma emoção que encontrava com muita frequência, e, para sua surpresa, percebeu que ela falava sério. Não havia ameaças vazias para impressioná-lo... Ella realmente queria que ele fosse embora! O lado do contra de sua natureza queria se rebelar contra uma mulher tentando ditar seu comportamento. Mas ele também sentiu a onda de uma emoção indesejada golpeá-lo. Por um momento, a dor quase o levou de volta para uma época que Hassan enterrara mais fundo do que os preciosos artefatos que cercavam o túmulo de seu pai. A época na qual sua mãe fugira para estar com o homem que “amava”. Deixando para trás um menino pequeno e confuso, que jurara a si mesmo nunca se permitir ser machucado como seu pai tinha sido. E então a memória foi apagada de sua cabeça, e ele se pegou fitando os olhos azuis de Ella Jackson. Ela ia ter seu bebê, percebeu com incredulidade. Consequentemente, aquele não era qualquer bebê. A criança que ela carregava era o filho ou a filha do sheik. Seu filho ou sua filha. Hassan uma vez jurara que nunca se casaria. Dissera ao seu irmão mais novo que um dia ele seria sheik. pois Hassan Al Abbas não teria um filho para ser seu
herdeiro. Depois de tudo que sofrera pelo abandono de sua mãe, soubera que paternidade nunca estaria nos seus planos, mas, subitamente, estava. Ele cerrou os punhos, reconhecendo, naquele instante, que o que Ella Jackson lhe contara mudaria sua vida de modo irrevogável. Naquele momento, todos os seus planos e certezas passaram por uma transformação dramática, e Hassan soube o que deveria fazer. Mais importante, o que não deveria. Não faria o que sua própria mãe tinha feito. Não daria as costas para alguém de seu sangue. Inclinou-se sobre Ella. — Eu não irei a lugar algum. Nós precisamos conversar. Ela o olhou cautelosamente, a proximidade perturbadora de Hassan lembrandoa de que ele era perigoso em mais de uma maneira. — Pensei que tivéssemos dito tudo que havia para dizer. — Está brincando? Nós nem mesmo arranhamos a superfície, Ella. Ou achou que pudesse dizer que vai ter um filho meu, e que eu simplesmente iria embora, deixando-a para se virar com tudo? Sim, talvez ela tivesse pensado. Talvez tivesse sido estúpida e ingênua. Talvez tivesse esperado que o destino, ou a relutância de Hassan em reconhecer o bebê, o tirasse de sua vida para sempre. Porém, não mais. Não havia engano na determinação férrea no rosto e na postura dele. O telefone em sua mesa começou a tocar, e Ella automaticamente estendeu o braço para atender. — Deixe tocar — ordenou ele. — Não posso. É a minha... — Eu disse, deixe. Deixe a outra garota atender. Os olhos deles se encontraram num combate silencioso, enquanto o telefone tocou seis vezes, antes de Daisy atender, na sala de fora, e Ella soube que aquela era uma luta que não venceria. Porque como poderia conduzir uma conversa profissional com uma de suas clientes sob o olhar carrancudo do sheik? E se Daisy tivesse ouvido a discussão dos dois através das paredes finas? — Certo, conversarei com você — concedeu ela. — Mas não agora e não aqui. Eu o encontrarei mais tarde, quando acabar o trabalho.
— Ótimo. — Ele prendeu-lhe os olhos. — Vá jantar comigo em minha suíte do hotel. Ella meneou a cabeça. — De maneira alguma eu irei ao seu hotel. — Não? — Ele viu os lábios vermelhos se entreabrindo e experimentou uma onda indesejável de luxúria. Mas dormir com ela não seria contraprodutivo para a ideia que estava se formando lentamente em sua cabeça? A ideia que precisaria abordar com muito cuidado, para fazê-la aceitar. — Então, onde você sugere? Se tivermos o que, inevitavelmente, será uma conversa difícil num restaurante cheio, arriscaremos ser ouvidos por outros. E não quero nosso encontro nas manchetes de jornais, amanhã. Ella ouviu o comando inegável na voz dele, e parte sua queria se rebelar contra aquilo. Ele era tão autoritário! Tão acostumado a conseguir o que queria. Se ela fosse para o hotel dele, então isso não permitiria que Hassan dominasse a situação? Ella não sabia o que ele ia dizer, mas sentia que era mais seguro estar em seu próprio território. — Você pode ir à minha casa — murmurou ela. — Pegue o endereço com Daisy antes de sair. Eu o vejo lá às 21h, mas é melhor comer alguma coisa antes. Não pretendo lhe fazer jantar. Hassan pausou por um momento quando ia passar por ela, estudando o tremor nos lábios vermelhos. O desejo de beijá-la era imenso. Mas lutou contra aquilo, como lutara contra tantas outras coisas em sua vida. — Eu estarei lá — disse ele. Então saiu da sala, sem mais palavras.
CAPÍTULO SETE Com seus guarda-costas sentados em dois carros esperando, Hassan tocou a campainha, brevemente se perguntando se estava com o endereço errado. Aquele
bairro não era como qualquer outro que já tinha visto, e a casa de Ella ficava numa fileira de outras pequenas casas, numa avenida movimentada. Ele não conhecia ninguém que vivia num lugar como aquele... o tipo de lugar onde pessoas de pouco dinheiro viviam. Todavia, Ella Jackson não parecera pobre na festa de noivado da realeza, em seu vestido prateado com pérolas, seus saltos altíssimos e aqueles lábios pintados de vermelho. Ele imaginara que ela morasse num lugar sofisticado, não nesta pequena casa comum, situada do lado errado da cidade. A porta se abriu e lá estava Ella, confirmando mais uma de suas preconcepções. O glamour desaparecera. Com seus cabelos brilhantes presos num rabo de cavalo, ela usava uma blusa branca lisa e jeans desbotados que enfatizavam o azul de seus olhos. Ele franziu o cenho. O batom vermelho que chamava a atenção para aquela boca irresistível também desaparecera. Ela não parecia nada com a garota que ele conhecera na festa, e, por um momento, Hassan sentiu-se desorientado, como se ela tivesse, subitamente, produzido uma irmã gêmea mais contida. — É aqui que você mora? — perguntou ele. — Não, eu pensei em alugar a casa para impressioná-lo, mas vejo que fracassei. — Ela abriu mais a porta, indicando que ele entrasse. — Sim, é aqui que eu moro, Hassan. Por que, você achou que eu morasse numa casa com tetos espelhados e tapetes de pele espalhados por toda parte? Na verdade, aquilo era tão perto do que ele estivera pensando que, por um momento, Hassan não respondeu. Em vez disso, entrou no pequeno hall, fechando a porta. De lá, seguiu-a para o que deveria ter sido a sala de estar. Exceto
que
aquilo
também
não
era
o
que
parecia.
O
espaço
surpreendentemente grande continha um sofá e duas poltronas, mas tais móveis estavam num canto, quase escondidos. No espaço central, havia um cavalete, no qual estava uma pintura não terminada de um homem nu. Parecia uma boa pintura, de onde Hassan se encontrava, mas seu julgamento crítico foi suspenso quando ele fez a comparação inevitável. A visão satisfez seu ego, mas seu senso de moral foi ultrajado pelo pensamento de que ela estivera estudando os genitais de outro homem — Quem é este? — demandou ele, furiosamente.
— Isso não é da sua conta. — Pelo contrário. — Os olhos pretos brilharam — Você carrega a criança do sheik, portanto isso passa a ser da minha conta! Quem é ele? Ella ouviu o tom controlador da voz dele, e pensou que aquela era a primeira indicação de como seria essa reunião dos dois. Ele ia bancar o possessivo, com a conversa de “criança do sheik”? Seu primeiro instinto foi mandá-lo para o inferno, mas outro instinto protetor avisou-a para não irritá-lo. Que não era bom tê-lo como inimigo, especialmente nessas circunstâncias. — Ele é um estudante de arquitetura que posa em minha aula de desenho como modelo vivo. — Você fez sexo com ele? — É claro que não! Eu mal o conheço. — Tarde demais. Ella parou ao reconhecer a ironia de suas palavras, mas não antes que um brilho de triunfo preenchesse os olhos vazios de Hassan. — Você mal o conhece? — completou ele, acidamente. — Também mal me conhecia, mas isso não a impediu de abrir suas pernas para mim, não é, Ella? Ella reprimiu a resposta malcriada que estava na ponta de sua língua, dizendo a si mesma que não importava. Ele estava lá para falar sobre o bebê, e só isso importava. — Nós poderíamos desperdiçar muito tempo insultando um ao outro, mas estou muito cansada para querer uma coisa dessas. E não é para isso que você veio aqui, é? — Ella deu-lhe um sorriso educado. — Então, no espírito de conduzir nossa conversa de modo civilizado, talvez você queira se sentar? — Não, eu ficarei de pé, obrigado. — Pela primeira vez em muito tempo, Hassan percebeu que não tinha uma estratégia para seguir, e nenhuma ideia de como conseguir o que queria daquela mulher. Embora, ironicamente, ainda não tivesse muita certeza do que queria. Irrequieto, foi olhar pela janela. Viu um ônibus vermelho parar e um grupo barulhento de adolescentes descer. Quando se virou para encará-la, sua expressão era perplexa.
— Por que você mora num lugar como este, Ella? — Por que você acha? Porque eu gosto do som do trânsito? — Ela deu de ombros. — É pelo que eu tenho condições de pagar, Hassan. Qualquer dinheiro extra que recebo vai diretamente para meus negócios, em vez de ser desperdiçado num aluguel caro. — Seu pai não lhe dá uma mesada? Ella quase riu, pensando em que tipo de planeta ele vivia. Ou talvez fosse uma marca das qualidades de camaleão de seu pai que ainda conseguisse convencer o mundo de que havia dinheiro na família. — Não, eu não recebo nada do meu pai. Ele ouviu o tom ácido que tingira a voz de Ella e, pela segunda vez naquele dia, notou as fracas sombras sob os olhos azuis. Mulheres grávidas não sofriam de constante fadiga? Uma onda de culpa o assolou. — Talvez seja melhor nos sentarmos, afinal de contas. — Hassan pôs a mão sobre as costas dela e conduziu-a para uma das poltronas. — Você parece um pouco cansada. Ella não teve energia para protestar, mas a pequena gentileza a fez se sentir vulnerável. E estava cansada. Todas as emoções acumuladas durante as últimas semanas haviam drenado suas forças. Pensou sobre todos os planos que tinha feito para o futuro. Em todas as estratégias para explorar uma lacuna no mercado e se tornar um sucesso. Em sua determinação de sobreviver de maneira decente e nunca depender de um homem infiel, como sua mãe fizera. Onde estavam todos aqueles planos, agora? Tinham voado pelos ares. Porque toda mulher sabia que conciliar um bebê e a carreira envolvia muito malabarismo, fosse você solteira ou não. E, agora, ela precisava lidar com um homem sexy e poderoso, e não sabia o que ele queria. Hassan esperou até que ela estivesse acomodada antes de sentar-se no sofá oposto, estendendo as pernas longas à frente. — Então, para quando é o bebê?
— Bem, passaram-se 14 semanas desde a festa, o que significa que o bebê deve nascer em janeiro. — Ela o fitou. — Oito de janeiro, para ser precisa. Hassan ficou tenso, porque ter uma data na qual se focar mudava tudo. Transformava a gravidez de Ella em alguma coisa mais real. Em algo que estava acontecendo. Houve um momento de silêncio, enquanto ele imaginava que, no começo do ano novo, quando a neve estivesse caindo nos picos mais altos das Montanhas Samaltyn, ele se tornaria pai. — Essa é uma notícia importante — murmurou ele. — Sim. — Para quem mais você contou? Ela hesitou. — Apenas para meu irmão, Ben. — Ele é discreto? Ella ouviu a dúvida na voz dele e irritou-se. — Na verdade, não existe ninguém tão discreto quanto Ben, embora você provavelmente tenha dificuldade de acreditar nisso, uma vez que ele é um Jackson. — Por acaso, eu sei que, no mundo dos negócios, seu irmão tem uma reputação formidável — concedeu Hassan, secamente. — Mas isso é algo muito diferente. Ela o estudou, preocupada com a implicação por trás da pergunta de Hassan. — Por que você está tão preocupado com quem sabe sobre isso? Acha, acha... — Horrorizada, ela estremeceu. — Ouça, Hassan Al Abbas. Eu irei ter este bebê, independentemente de qualquer coisa. E nada do que você diga me fará mudar de ideia. A expressão feroz no rosto dela era inconfundível, e, por um momento, ele admirou-lhe a paixão e a integridade, antes que indignação o preenchesse. — Você acha que eu estou sugerindo... — Nem mesmo fale isso! — avisou ela. Hassan deu um suspiro impaciente. — Eu não estou acostumado a ser interrompido.
— Bem, eu não estou acostumada a ser insultada. Então, se você for educado, prometo não interrompê-lo, e assim poderemos conversar, certo? Os olhos de Hassan se estreitaram quando ele lembrou-se da determinação dela em removê-lo de sua sala, de modo que ela continuasse trabalhando, e, subitamente, uma solução lhe ocorreu. Subitamente, entendeu como deveria lidar com aquilo. — Precisamos decidir o que nós vamos fazer — disse ele. O uso da palavra nós deixou Ella levemente desconfortável. — Eu lhe disse, a decisão já foi tomada. Eu terei este bebê, e estou disposta a criá-lo sozinha. — Mas você não pode tomar decisões assim, porque este não é somente o seu bebê — murmurou ele suavemente. — Esta criança tem sangue real nas veias. Tem ideia do que isso significa, Ella? — Como eu poderia? O mundo dos sheiks é um mistério para mim. Na verdade, você também é um mistério para mim. — Oh, eu acho que não. — A voz profunda se tornou mais baixa enquanto os olhos pretos percorriam o corpo dela. — Acho que muitas coisas sobre mim não são mistérios para você. A alusão sensual era óbvia, e, ela desconfiava, intencional. Para sua fúria, Ella sentiu seu rosto esquentar. Tinha jurado não reagir a ele de nenhuma maneira sexual ou emocional, e lá estava ela, corando como uma adolescente ingênua. — Eu não quero falar sobre isso. Um misto de emoções que ele nem sequer queria reconhecer fez Hassan querer machucá-la. Fazê- la pagar por tê-lo prendido naquela armadilha, pois isso não era mais fácil do que admitir que ele andara diretamente para dentro daquilo? — Sobre o quê, o sexo do qual você não se cansava de fazer? — Mas foi igual para você — devolveu ela. — Não foi? Hassan encontrou o desafio nos olhos azuis, e teve de lutar contra a vontade de beijá-la. O que havia sobre aquela mulher que o fazia perder a cabeça. — e o corpo — tão completamente? A falta de medo de Ella o excitava. Ele vira esta qualidade quando ela se virara para ele no corredor do palácio, em Santina, e o encarara. E
podia ver agora... os olhos azuis grandes e destemidos, apesar da enormidade da situação. — Sim — admitiu ele, com a voz rouca. — Foi igual para mim. As palavras de Hassan despertaram memórias que ela estava tentando esquecer. A sensação de estar naqueles braços fortes. O toque da boca sensual na sua, e a resposta incendiária de seu próprio corpo. Ella tentou ignorar o súbito desejo de fazer amor com ele novamente. Concentre-se no que é real, pensou, enquanto se forçava a confrontar seu maior medo e sua esperança mais tola. — Você está dizendo que quer ter um papel ativo como pai? Por um momento, Hassan não respondeu. — Estou dizendo que essa é uma possibilidade. Mas acho importante discutirmos as suas necessidades antes. Ella piscou em surpresa. Era preocupação genuína que ouvia na voz dele? — Minhas necessidades? — Bem, você tem seu próprio negócio, não tem? Eu não sei muito sobre planejamento de eventos, mas imagino que seja o tipo de coisa que requer trabalho árduo e dedicação, especialmente quando você é o chefe. Cautelosamente, Ella assentiu. — Sim, requer. — E trabalho em alguns horários não convencionais? — Essa é uma das desvantagens — concordou ela, suavizando sua atitude, porque nunca teria imaginado que ele fosse tão compreensivo. — E um bebê pode atrapalhar isso? — Bem, si... — As palavras morreram nos seus lábios, quando ela estudou-lhe o rosto e não encontrou um olhar preocupado, mas sim um olhar calculista encarando-a de volta. E, de súbito, percebeu como era tola por se deixar envolver por algumas palavras gentis. Não era isso que sua mãe tinha feito, repetidas vezes? Caído no encanto de um homem que a tratava como lixo, apenas porque ele murmurava algumas palavras doces ao longo do caminho? O choque de perceber que quase fizera a mesma coisa drenou o sangue de seu rosto.
— Meu Deus — exclamou Ella. — Você é muito cruel! Vejo exatamente o que está fazendo. Você está tentando me fazer admitir que eu não serei capaz de lidar com este bebê, não é? — E essa não é a verdade? — desafiou Hassan, sua necessidade de agir com cautela esquecida diante de sua determinação em conseguir o que queria. — Já parou para refletir sobre o que isso pode significar para você? — Está louco? Eu não penso em outra coisa por semanas! — Mas pretende continuar trabalhando? — É claro que pretendo! — Ele tinha alguma ideia de como pessoas comuns levavam suas vidas? Provavelmente, não. — É como eu ganho a vida, Hassan. Nem todos nascem em palácios e são mimados por uma vida inteira. Se ele lhe contasse qual era a sua realidade, ela não acreditaria. Em vez disso, inclinou-se para a frente, a fim de enfatizar seu ponto. — E, enquanto você estiver “trabalhando”, Ella, enquanto estiver lidando com celebridades e suas diversas exigências, o que fará com nosso bebê? Irá deixá-lo em alguma creche que não tem o menor interesse no futuro dele? Com o coração bombeando, Ella o encarou. — Esse é um comentário tão ignorante que é indigno de uma resposta. — Você acha? Bem, que tal responder esta? Quando o bebê estiver doente, quem irá cobrir o seu trabalho? Ou pretende levar um carrinho de bebê para aquela sala abarrotada que você chama de escritório? — Eu não sou a primeira mulher na história do mundo a ser contemplada a criar um filho sozinha! — retrucou ela, furiosa. — É possível encontrar soluções para todas essas coisas. — Como? A pergunta a pegou desprevenida, porque, na verdade, ela não se sentara para pensar sobre as praticidades do dia a dia. — Certo, então qual seria a alternativa? Você quer levar a criança para seu palácio deserto e criá-la como um bebê sheik? — Sim, eu posso criar um bebê — respondeu Hassan. — Do jeito que meu pai
me criou. Uma criança não precisa de uma mãe para sobreviver. Ella ouviu a estranha amargura que distorcia as palavras dele, e subitamente percebeu para onde aquela conversa estava indo. Podia ler a intenção cruel nos olhos negros, como se ele tivesse dito as palavras em voz alta. Hassan lhe tiraria seu bebê sem remorso, levando-o para viver em algum reinado deserto, e Ella nunca mais o veria. Seu estômago se revolveu, e gotas de suor brotaram em sua testa. — Eu acho que vou vomitar — disse ela.
CAPÍTULO OITO Hassan já lidara com pessoas enjoadas antes. Vira homens vomitando até a alma depois de batalhas, tornando-se acinzentados e suados. Mas nunca tinha testemunhado isso numa linda mulher, e pensou em como ela subitamente parecia pequena e frágil. Sentindo remorso por suas palavras duras, ele a carregou para o minúsculo banheiro, e segurou-lhe os cabelos afastados do rosto enquanto ela dava vazão ao enjoo. Finalmente, ela parou e tombou contra seu peito, exausta, os olhos fechados. — Desculpe — murmurou ela. Tomado por remorso, ele meneou a cabeça. — Sou eu que lhe peço desculpas. Sou responsável por seu enjoo. Eu não devia ter dito aquelas coisas para você. Com isso, os olhos azuis se abriram e, para a total surpresa de Hassan, um sorriso fraco curvou os lábios bonitos de Ella. — Suas palavras foram ofensivas — concedeu ela. — Mas não poderosas o bastante para induzir náusea, Hassan. Isso é algo que acontece com muitas mulheres grávidas, independentemente das circunstâncias delas. — Você enjoou antes de hoje? — perguntou ele.
Ella engoliu em seco, sentindo-se muito fraca para ser capaz de manter a atitude estoica. — A maioria dos dias. — A maioria dos dias? Mas isso não é bom! Por isso você está tão magra e tão pálida. — O médico diz que o bebê ficará bem. Houve uma pausa. — Você foi a um médico? Ella sabia que devia se mover. Era ridículo e inapropriado estar inclinada contra um homem que lhe dissera coisas tão cruéis. Mas não queria ir a lugar algum. Sentia-se aquecida, e ele era tão forte. Mais importante, ele fazia com que ela se sentisse segura. — Ir a um médico é o que uma mulher normalmente faz quando fica grávida, Hassan. — E quem é este médico? — É o clínico geral do centro de saúde local, e ele é muito bom. Hassan ficou tenso, sua apreensão diminuindo diante da súbita percepção de que as costas dela estavam pressionando seu sexo. — Um clínico geral não pode cuidar da gravidez de um filho do sheik — disse ele, e viu Ella fechar os olhos novamente. — Mas não é hora de falar sobre isso. Agora, você precisa descansar. O protesto de Ella morreu nos lábios quando ele ergueu-a nos braços fortes e carregou-a para seu quarto, mas ela não perdeu a reação de Hassan quando ele viu uma série de desenhos que ela fizera de Izzy alinhando as paredes. Eram intitulados “Izzy Vestindo-se”, e mostravam sua irmã pondo várias peças de roupa. Os desenhos eram menos chocantes do que a maioria das coisas que você via numa galeria de arte municipal, mas isso não o impediu de fazer uma careta crítica. Ele a colocou na cama, ajeitando os travesseiros atrás dela, os olhos pretos estudando-a. — O que eu posso fazer ou pegar para que você se sinta melhor? — perguntou
ele. Tolamente, Ella sentiu vontade de pedir que ele a abraçasse. Que a aninhasse em seus braços, onde, por um breve momento, ela se sentira segura e mimada. E quão patético era aquilo? Esforçou- se para se sentar. — Eu não quero nada. — Certeza? A suavidade inesperada na voz dele a fez hesitar, especialmente quando sentiu a garganta seca, devido ao vômito. — Há refrigerante na geladeira. Ele estreitou os olhos. — Refrigerante? — Esse ajuda no enjoo. — Certo. — Hassan foi para a geladeira, a qual continha um pedaço de queijo, alguma salada murcha e uma garrafa de refrigerante, sem tampa. Sua expressão foi menos crítica quando ele levou-lhe a bebida e segurou o copo junto aos lábios de Ella enquanto ela bebia. Aquele foi um gesto inesperado e poderosamente íntimo, e Ella sentiu suas forças retornando. — Você daria um bom enfermeiro — brincou ela. — E você daria uma paciente horrível — retorquiu ele — , se acha que pode se sustentar, e sustentar ao bebê, com aquele disfarce patético de alimentos em sua cozinha. — Eu não tenho muito tempo para ir ao mercado — defendeu-se ela, então percebeu que caíra em sua própria armadilha. — Mas isso tudo vai mudar, é claro. — Como? — demandou Hassan. — Onde está sua varinha mágica? Quem irá ajudá-la, Ella? — Minha família. — Mas, mesmo para seus próprios ouvidos, as palavras não soaram convincentes. Ela sabia que Ben a ajudaria, todavia não queria recorrer a ele, temendo desapontar seu irmão amado e tornar-se um fardo para ele. Ademais, Ben vivia numa ilha que ficava a quilômetros de distância.
E quanto aos seus negócios... como iria lidar com o trabalho diário? Suas clientes celebridades esperavam uma chefe esbelta, com lábios sorridentes cobertos de batom vermelho. Não uma mulher grávida e cansada, que nem mesmo estava com o pai do bebê. Uma grávida que achava cada vez mais difícil permanecer de pé, sem querer dormir. Ou vomitar. — Não, definitivamente não a sua família. Eu não deixarei que este bebê seja influenciado pela família Jackson — declarou Hassan. A raiva de Ella começou a surgir. — Você não pode me impedir. Não, ele não podia, e reconheceu que pressioná-la demais tornaria Ella ainda mais teimosa em manter sua posição. Certamente, era melhor apelar para o senso inato de ganância que morava no coração de todas as mulheres? Ganância que Hassan vira em muitas formas desde que seu corpo poderoso amadurecera e que os diversos recursos de sua herança se tornaram disponíveis para seu uso. Ele pôs o copo, com refrigerante pela metade, sobre o criado-mudo e inclinou-se para a frente, vendo os olhos azuis se arregalarem automaticamente. — Mas e se eu usasse a varinha mágica, em vez disso? — Desaparecendo da minha vida? Agora, esse realmente seria um desejo transformado em realidade. Como ela era indomável, pensou ele. E que coragem notável passaria para o filho deles! Inesperadamente, Hassan sorriu. — Ouvindo a voz da razão. — Está tentando me dizer que você é um homem sensato? — Eu posso ser. — Ele pausou. — E se eu arranjar que alguém fique no seu lugar no trabalho enquanto você estiver grávida? Alguém que ajudaria a mulher que me olhou com tanta intensidade hoje, quando eu fui ao seu escritório. — Daisy — murmurou ela, automaticamente. — E eu não tenho condições de contratar qualquer pessoa. — Talvez não, mas eu tenho. E não qualquer pessoa. A melhor nos negócios. Alguém de sua escolha, é claro.
Ella o estudou, seu coração começando a disparar, incapaz de negar que estava tentada pela oferta. Que fácil era para Hassan, pensou. Ele apenas jogaria dinheiro no problema, e o problema desaparecia. — E qual é o preço? — O preço é que me deixe cuidar de você. — Sei que falei que você daria um bom enfermeiro, mas eu não estava falando sério. Mas, mesmo enquanto ela tentava brincar, Hassan podia ouvir a falta de convicção na voz de Ella. Sentindo fraqueza no ar, ele atacou: — Pense bem, Ella. Você pode passar seus dias fazendo o que lhe der vontade. Ler livros que nunca consegue por falta de tempo. Pode relaxar e ver filmes. — Ele olhou para os desenhos da irmã dela, e acrescentou: — Você poderia até mesmo desenhar, se quiser. Talvez fosse bom ter tempo para fazer esse tipo de coisa, para variar? Ella sentiu a tentação crescer enquanto considerava a oferta. Tempo para pintar? Ou para fazer nada em absoluto? Ficar na cama pelas manhãs, até que aqueles enjoos horríveis passassem? Imaginou não precisar se arrumar para trabalhar, calçar saltos altos e se maquiar. Trabalhava desde seus 16 anos, e não conseguia se imaginar não trabalhando, todavia a ideia lhe agradava muito. Mas sentia-se um pouco como uma gata vira-lata que estava com medo de se aproximar para pegar a porção de comida deliciosa que lhe era oferecida. — Isso é muita generosidade sua — murmurou ela. Hassan sorriu. — Eu tenho condições de ser generoso. Ela engoliu em seco. — E... você viria me visitar de vez em quando? Toda vez que estivesse em Londres? Ele estreitou os olhos. Aparentemente, ela não entendera o propósito por trás de sua oferta... que, em troca de salvá-la, ela ficaria sob seu controle?
— Mas esse não é o meu plano — replicou ele, suavemente. — Eu tenho um país para reinar, e muitos assuntos urgentes para cuidar. Nós acabamos de enfrentar uma guerra. Eu não ficarei em Londres, e nem você, pois você irá comigo para Kashamak, assim que sua substituta puder ser apontada. Ella o fitou em confusão. — Kashamak? — O país que eu reino, e que produz bons guerreiros e grandes poetas — disse ele com orgulho. — E a criança que você carrega deve conhecer tudo sobre sua herança, Ella. — Houve uma pausa. — Assim como você. Entretanto, no fundo, ele suspeitava que ela acharia seu país muito implacável para as sensibilidades ocidentais. E se a exposição prolongada a Kashamak a fizesse querer escapar de suas restrições e voltar para a liberdade de sua vida antiga? E se Ella descobrisse que maternidade não era para ela? Um pensamento audacioso ocorreu-lhe. Talvez ela deixasse o bebê para trás, para que Hassan o criasse, como seu próprio pai o criara. Pois ele não sabia, melhor do que ninguém, que não era preciso uma mãe para sobreviver? Seu coração começou a bombear com um tipo exultante de excitação quando ele percebeu o que estava ao alcance de sua mão. Talvez esta fosse a resposta para suas preces. O herdeiro que sabia que seu povo queria, mas que, até agora, não estivera disposto a providenciar, porque abominava a ideia do casamento. Mas agora estava sendo forçado a se casar, não estava? E isso mudava tudo. Ella observou o corpo de Hassan ficar tenso e perguntou-se o que causara aquela mudança repentina nele. — Mas talvez eu não queira morar em Kashamak — objetou ela. — Como será, então? — Acho que você descobrirá que não tem escolha na questão — replicou ele, porque a alternativa era impensável, especialmente agora que ele vira as possibilidades. Não permitiria que seu filho fosse criado convivendo com a família Jackson regularmente. — Seu bem-estar é minha primeira preocupação, Ella, e não
posso monitorá-la se você estiver a milhares de quilômetros de distância. Aquelas palavras pareciam tão vazias quanto a expressão nos olhos pretos. Seu bem-estar era a “primeira preocupação” dele. Ella não acreditava naquilo. Nem por um minuto.
Isso parecia mais
uma
atitude possessiva.
Filho dele, e,
consequentemente, mulher dele. As feições de Hassan pareciam cruéis naquele momento, quase triunfantes. Como ela desejava que pudesse puxar as cobertas sobre a cabeça e fazer todos os seus problemas desaparecerem! Mas ele estava certo. Ela não tinha escolha. Estava grávida do bebê do sheik, e teria de aceitar tal fato, assim como outras pessoas. Pela primeira vez, pensou como o povo de Hassan reagiria à notícia, e olhou-o. — Seu povo não achará estranho se você aparecer com uma mulher ocidental que está tão obviamente grávida? — Eles achariam isso inaceitável — concordou Hassan, percebendo que só havia uma solução para a situação deles. Uma que, inevitavelmente, significaria uma associação mais profunda com o ultrajante clã Jackson. Fitou-lhe os olhos azuis. — Motivo pelo qual nós precisamos nos casar imediatamente. Casar? Ella o encarou, seu coração bombeando freneticamente. — Você está louco? — Qual é o problema, Ella, você está esperando pelo príncipe encantado? Ela pensou nos múltiplos casamentos de seu pai, e nas mulheres cujos corações ele destruíra, e meneou a cabeça. — Estou muito velha para acreditar em contos de fada. O sorriso cínico de Hassan espelhou o de Ella. — Eu também. Talvez não sejamos tão diferentes como você pensa, afinal de contas, uma vez que nenhum de nós tem ilusões para destruir. Talvez isso faça de nós o casal perfeito, se o propósito do casamento é legitimar filhos. E meu país tende a ser liberal sobre divórcio. Se você achar que viver em Kashamak é insuportável, eu lhe darei sua liberdade, depois que a criança nascer. Ella mordeu o lábio, porque a oferta de um divórcio fácil parecia zombar da
proposta de casamento. Entretanto, a sugestão de Hassan não era a única coisa que fazia sentido naquela situação louca? Que havia uma rota de escape toda mapeada, se ela escolhesse pegá-la... e, francamente, Ella não podia se imaginar não pegando tal rota. Era apenas a certeza arrogante de Hassan, de que podia estalar os dedos e ela aceitaria seus planos, que a fazia querer se rebelar. Além disso, havia o medo muito real de ir para um país distante com Hassan. Viver sozinha com um homem que parecia desprezá-la. Como poderia se sentir confortável com uma coisa dessas? — E se eu me recusar? — ela o desafiou. Hassan a estudou. Ela estava realmente impondo sua vontade contra a dele? Parecia que sim, julgando pelo pequeno queixo erguido em determinação. Forçou-se a lembrar que ela estava grávida, e imprevisível. — Não complique as coisas para si mesma, Ella. Por que não relaxar, e me deixar cuidar de você? As palavras dele eram suaves, porém armas muito efetivas apontadas para sua parte mais vulnerável, e Ella sentiu tentação inundá-la. Alguém cuidando dela. Quando isso tinha acontecido algum dia? Pensou na luta para enfrentar a gravidez sozinha. Em se enterrar no trabalho todos os dias e se preocupar como louca sobre dinheiro. Então pensou naquele homem que a colocara nesta situação. Viu o brilho nos olhos negros enquanto ele a observava. Seria tão terrível deixá-lo assumir o controle, usar seu poder abundante para tornar a vida dela mais fácil? Sentindo uma onda de náusea, fechou os olhos para esperar passar. Mas o enjoo teve o efeito de enfatizar sua fraqueza geral, e, com um suspiro, ela assentiu. — Tudo bem, eu me casarei com você. Hassan olhou para o bonito rosto pálido quando registrou o tom rancoroso de Ella, e um breve sorriso curvou seus lábios. Quem teria previsto aquilo? Que, depois de anos tendo mulheres tramando para tentar comprometê-lo, sua noiva atual consentia em se casar com ele com óbvia relutância.
CAPÍTULO NOVE — Então, seu nome é realmente Cinderella? Ella estivera olhando, pela janela do carro, para a beleza do deserto, mas virouse agora para ver a figura de túnica ao seu lado. Seu novo marido. Ela teria pensado que ainda se encontrava no meio de um sonho bizarro, se não fosse pelos enjoos da gravidez. Mas conseguiu dar um sorriso triste quando respondeu a Hassan: — Sim. Aparentemente, meu pai disse à minha mãe que me dar tal nome significava que eu me casaria com um príncipe. — Então, por uma vez, seu pai estava certo — comentou Hassan. — Eu raramente me surpreendo, mas fiquei surpreso quando o juiz de paz leu seu nome completo durante a cerimônia de casamento. — Eu não pretendia anunciar meu nome. — Ella deu de ombros. — Isso é algo que eu tento não contar às pessoas, mas, na Embaixada, eles exigiram meu nome inteiro. — Devem ter zombado muito de você na escola por causa disso — observou ele. — Oh, ser uma Jackson era suficiente para assegurar isso. Ter um nome de batismo ridículo não fez muita diferença. Mas a declaração não soava verdadeira, e Hassan estudou-a, pensativamente. Na primeira vez que ela se apresentara com o nome do personagem do conto de fadas, ele achara que ela estava brincando. Nunca sonhara que aquilo pudesse ser verdade. Todavia, o nome combinara com a garota sexy e atrevida da qual Hassan a rotulara, muito mais do que com a solene futura mãe que agora usava seu anel de casamento. Ele a olhou, e a palidez no rosto dela causou-lhe ansiedade. — O carro está sacudindo muito? Você não se sente enjoada? — Não mais do que eu estava me sentindo em Londres, e não tem nada a ver com o carro, ou com a estrada. Na verdade, a viagem está transcorrendo de maneira
tão suave que é difícil acreditar que estamos no meio de um deserto! — Provavelmente porque você imaginou que as estradas de Kashamak fossem trilhas esburacadas de terra, mal transitáveis por causa dos camelos? Uma vez não comentou alguma coisa previsível sobre camelos? — Talvez eu seja culpada disso — replicou ela, olhando para seu novo anel de casada brilhando no dedo, ainda atordoada pela velocidade com que tudo tinha acontecido. Ainda incapaz de acreditar que o homem de rosto sombrio sentado ao seu lado era seu marido, assim como o pai de seu filho. Estivera louca por concordar com aquele casamento apressado, ou simplesmente muito confusa por seus enjoos e preocupações gerais para protestar sobre o futuro? E a sua decisão não fora facilitada pela oferta de um divórcio “fácil”, se ela assim quisesse? Ella recostou-se no banco de couro. — Eu não sabia bem o que esperar quando chegasse aqui, mas, até agora, tudo desafia minhas expectativas. Os insights de como sua nova vida seria haviam começado no momento em que ela entrara a bordo do avião particular luxuoso do sheik. O voo tranquilo e ininterrupto os levara direto para o aeroporto em Samaltyn, a capital de Kashamak. No momento em que tinham aterrissado, e Ella ouvira o hino nacional sendo tocado, percebera que estava realmente na companhia de um rei de verdade. Enquanto ela, por mais inacreditável que parecesse, era sua nova rainha. Uma rainha vestida numa abundância de seda, que cobria cada parte de pele, exceto por seu rosto e suas mãos. O casamento deles acontecera na Embaixada de Kashamak, no centro de Londres, com apenas dois diplomatas e suas testemunhas. Nenhum comunicado sobre o casamento havia sido feito, nem mesmo para suas respectivas famílias. Hassan não permitiria paparazzi os rodeando, para tirarem fotos da nova rainha ocidental do sheik. Mas Ella sabia que essa não era a única razão pela qual ele insistira numa união secreta entre eles. Suspeitava que Hassan estava apavorado com a publicidade
negativa que sempre cercara a família Jackson. E, se esse fosse o caso, então ela seria forçada a conceder que talvez ele estivesse certo. Ella podia imaginar como sua família teria sabotado o dia de seu casamento. Seu pai alardeando que a filha ia se casar com um dos homens mais poderosos do Oriente Médio. Sua mãe fazendo seu habitual papel de capacho ao lado dele. E Izzy — que Deus a livrasse — tentando cantar para desejar felicidades ao casal. Mas Ella também temia que uma de suas irmãs pudesse ter descoberto a verdade por trás de seu sorriso brilhante, e percebido o que ela estava carregando. Que Hassan só estava se casando com ela para estampar sua marca de posse no bebê não nascido. E agora eles estavam viajando num carro com ar-condicionado, em direção ao palácio de Hassan, em excelentes estradas modernas. Ela se sentia. Bem. Sentia-se tão estranha quanto qualquer mulher se sentiria, se estivesse grávida e deixando para trás tudo que conhecia. Porém, a maioria das mulheres em sua posição teria o conforto de saber que eram amadas e desejadas, em vez de vistas como algum tipo de incubadora. Com suas ações instintivamente espelhando suas emoções turbulentas, Ella descansou uma mão sobre a barriga. — Você está sentindo algum desconforto? — perguntou Hassan. — Que tipo de dor? Ela meneou a cabeça, porque decidira que ia ser forte. Não ia choramingar cada vez que sentisse uma dor ou uma onda de enjoo. — Hassan, eu estou bem. Ele olhou para os dedos que estavam curvados protetoramente sobre a barriga dela, imaginando quando aquilo começaria a parecer real. Como se estivesse acontecendo com ele, e não com outra pessoa. Olhou para a barriga redonda mais uma vez. — O bebê está chutando? — Ainda não. — Quando?
— A qualquer momento agora, eu espero. — Como você sabe todas essas coisas? Os olhos escuros de Hassan estavam curiosos, e Ella pensou em como ele era lindo, e em como era inalcançável. As túnicas kashmakianas tradicionais pareciam enfatizar o corpo bem torneado, zombando dela com memórias da noite incrível que eles haviam passado juntos. A primeira e única vez que tinham feito amor. Reprimindo a súbita onda de desejo que a inundou, Ella tentou responder a pergunta dele: — Há um gráfico que você pode baixar pela internet, e que lhe diz todas as coisas que são esperadas — explicou ela. — Movimentos começam por volta da décima sexta semana. — E você vai me deixar sentir meu bebê, quando ele chutar, Ella? — questionou ele, de repente. — Vai colocar minha mão sobre a sua barriga, de modo que eu sinta o movimento? Apesar do ar-condicionado do carro, o rosto de Ella esquentou com a intimidade da pergunta. A noite de paixão deles acontecera tanto tempo atrás que, às vezes, parecia não passar de um sonho distante. E, quanto mais o tempo passava, mais irreal parecia. Porque Hassan nunca mais indicara que queria tocá-la, de qualquer maneira que fosse. Então, se ele pusesse a mão em sua barriga, aquilo despertaria o desejo de Ella por maior intimidade? Ele ainda a desejava fisicamente?, perguntou-se. — Sim, é claro que você pode sentir o bebê se mexer — respondeu ela, sabendo que não poderia lhe negar isso. Não somente porque Hassan era o pai do bebê, mas porque fizera tanto para ajudá-la. E, pela primeira vez na vida, Ella relaxara e permitira que ele a ajudasse com uma passividade que atribuiu à gravidez e às náuseas que ainda não tinham desaparecido. De alguma maneira, Hassan conseguira diversas mulheres que estavam ansiosas para substituí-la no trabalho, e Ella entrevistara cada uma delas. E agora Daisy estava na Inglaterra, trabalhando alegremente com sua substituta, enquanto os negócios iam muito bem.
Porém, havia mais coisas para ocupar sua mente do que os negócios que deixara para trás. À frente, podia ver o par de enormes portões dourados brilhando no sol, e, além destes, palmeiras margeando um retângulo de água. Uma construção em tom de dourado claro se erguia a distância. uma estrutura tão grandiosa que, mais uma vez, Ella quis se beliscar para se convencer de que não estava sonhando. Eles tinham chegado ao palácio real e, subitamente, todas as suas dúvidas subiram à superfície, causando-lhe medo. Havia esquecido quem era? Apenas uma Jackson, cuja família mantivera a imprensa entretida por anos. Como poderia ter passado de ser ridicularizada a usar uma coroa na cabeça e carregá-la com algum grau de confiança? — Hassan, eu não posso fazer isso — murmurou ela. — E se seu povo não me aceitar? Ouvindo a insegurança na voz dela, Hassan virou-se, tentando enxergá-la como os outros a enxergariam, pela primeira vez. Ela estava usando uma linda túnica em tons de vermelho e dourado, cores típicas das noivas de Kashamak. Os cabelos estavam cobertos por um véu dourado, e os olhos, pintados com Kohl. Até mesmo o batom vermelho fora substituído por um brilho cor-de-rosa, que fazia a boca de Ella parecer muito mais suave. Ela lhe dissera que queria aparecer no país dele pela primeira vez da maneira mais tradicional possível, e Hassan a respeitara por tal consideração. E ela estava, pensou com uma onda de desejo, absolutamente deslumbrante. Uma mistura deleitável de ocidente e oriente, representando o melhor de ambas as culturas. — Sua aparência está impecável — disse ele. — Não se preocupe quanto a isso. E, como rei, meu povo irá aceitar o que eu lhes disser para aceitar. As palavras de Hassan lhe deram um momento de conforto, e ela agarrou-se a elas, como uma criança se agarraria à sua coberta favorita. — E quanto ao seu irmão, Kamal? — O que tem ele? — Eu estou... ansiosa para conhecê-lo. O sorriso dele foi suave.
— Isso não acontecerá imediatamente, uma vez que ele decidiu sair cavalgando pelo deserto, a fim de escapar do rigor da vida no palácio real. Ella engoliu em seco. Ou para escapar de conhecê-la? — Ele não estava reinando o país enquanto você estava fora, lutando a guerra? Kamal não se importará em lhe devolver as rédeas? — Ela hesitou. — Poder pode ser algo viciante. Ele deu um sorriso duro. — Kamal terá de se acostumar com muitas mudanças. E construir um novo papel para si mesmo. Porque, é claro, muito mais significativo para ele do que meu retorno para reinar é o fato de que você está carregando meu bebê. — E Hassan não levara seu irmão a acreditar que ele não tinha desejo de procriar? Kamal pensaria que ele tinha quebrado sua palavra, mudando assim o destino de ambos os irmãos? A voz de Ella interrompeu seus pensamentos. — E este bebê um dia herdará o reinado? — Somente se for um filho homem. — Olhos pretos a encararam — É um menino, Ella? Você já sabe? — Não, eu não sei. Eles não conseguiram ver no primeiro ultrassom e eu... — O quê? Ela balançou a cabeça. — Eu não quero saber! — replicou com ferocidade. — Não quero esse tipo de pressão estragando a gravidez. Não quero você feliz se for um menino, e seu irmão feliz se for uma menina. Quero a surpresa de não saber. Do contrário, será como saber como são seus presentes de Natal antes que você os abra. Por um momento, ele sorriu. — Lamento, mas nós não comemoramos o Natal em Kashamak. — Bem, seus presentes de aniversário, então. — Eu também não saberia sobre isso. Ella o fitou com incredulidade. — Está dizendo que nunca ganhou presentes de aniversário? — E daí se eu não ganhei? — Hassan deu de ombros. — Meu pai era muito
ocupado para esse tipo de coisa. Às vezes, ele lembrava, outras vezes, não. Isso não era importante. O coração de Ella entristeceu. É claro que era importante, especialmente para uma criança. Era o único dia do ano quando podia garantir que toda a atenção estaria focada em você, fazendo-o se sentir amado. Mesmo quando o orçamento era apertado, sua mãe sempre conseguira organizar algum tipo de comemoração. — E quanto à sua mãe? Ela não queria um bolo de aniversário para seu garotinho? Silenciosamente, ele amaldiçoou o uso emocional da linguagem de Ella. Aquilo era deliberado? Ela estava tentando mexer com ele, como as mulheres sempre faziam? — Minha mãe não estava por perto. — O que aconteceu com ela? — A voz de Ella suavizou-se. — Você nunca a mencionou, Hassan. Sua mãe... morreu? Hassan fechou as mãos sobre as coxas. — Não, ela não morreu. pelo menos, não na época. Ela nos deixou para encontrar um tipo de vida diferente, e eu não quero falar sobre isso. Principalmente não agora, num momento tão significativo. Olhe, aí vêm meus conselheiros e empregados para nos cumprimentar. Prepare-se, Ella, pois tenho certeza de que você sabe como primeiras impressões são importantes. Ouvindo o tom de finalidade na voz dele, Ella endireitou seu véu dourado com dedos trêmulos. Certamente, lembrava-se da primeira impressão que tivera dele. Como a beleza arrogante parecera tocar um lugar profundo em seu interior. Como, por uma noite abençoada, pensara ter encontrado o amor de sua vida, apenas para ser abandonada por ele. Aquilo não passara de uma ilusão?, perguntou-se. E ela imaginara um elo especial inexistente como uma forma de justificar seu próprio comportamento devasso? O carro poderoso parou, e suas memórias se dissolveram na presença de um dilema prático. Porque, como se preparar para encarar pessoas sendo agora a nova rainha delas?
— Eles sabem que eu estou grávida? Hassan deu um sorriso estranho. — É claro que não, embora esteja bastante óbvio para todos. Mas não se preocupe com isso, Ella. Não sabe o que dizem sobre a realeza? Nunca reclame e nunca explique. Não será necessário nenhum tipo de anúncio. Muitas pessoas não saberão de nada até que uma criança lhes seja apresentada, pois você ficará escondida pela maior parte do tempo. Escondida? O que aquilo significava? Apesar de alarmada por aquelas palavras, Ella não teve tempo de pedir maiores explicações, pois a porta do carro foi aberta e uma rajada de ar quente e fragrante a atingiu. Ela desceu com o máximo de graça que foi capaz. não foi uma tarefa fácil, considerando que as joias incrustadas no lindo vestido pesavam uma tonelada. Lentamente, andou ao longo de duas fileiras de pessoas bem posicionadas, onde os conselheiros eram apenas homens, e usavam versões mais simples das túnicas de Hassan. As únicas mulheres presentes eram servas, e abaixaram as cabeças em deferência quando ela andou ao longo da fileira, timidamente murmurando o cumprimento de Kashamak que ela vinha praticando há dias. Havia tanta coisa para absorver. Tetos altos e pisos de mármore, o brilho do ouro e o brilho dos cristais. Era assim que sua irmã Allegra se sentira a primeira vez que chegara ao palácio real de Alex? Impressionada pela história e tradição? E pela riqueza, é claro. E aquela era uma riqueza sólida. Duradoura. Dinheiro daquela forma poderia influenciar seu pensamento e comportamento. Entretanto, era a herança do filho deles, percebeu. Todo aquele esplendor e beleza eram seus por direito. e ela não ia negar isso ao seu bebê. — Claramente você aprova? — Hassan havia notado, com interesse, o movimento dos olhos azuis, enquanto ela observava as redondezas. Ela estaria silenciosamente avaliando o seu valor, e percebendo que nunca mais lhe faltaria dinheiro? — É maravilhoso — murmurou ela. — Absolutamente maravilhoso.
Por um momento, ele imaginou se deveria ter aceitado o conselho de seu advogado e obrigado Ella a assinar um acordo pré-nupcial. Mas alguma coisa sobre tal ação o fizera hesitar. Parecia errado pedir isso da mãe de seu filho. Por mais ultrajantes que fossem as exigências dela para um acordo de divórcio, Hassan podia pagar. E uma mulher que estivesse satisfeita com uma boa pensão tinha menos chance de causar problemas no futuro. — Então... você deve estar cansada depois da longa jornada — disse ele. — Gostaria de ver seus aposentos? — Normalmente, teria ido direto para reuniões com assistentes e ministros, e então para uma longa cavalgada. Mas agora a familiaridade confortante de sua rotina fora quebrada por uma mulher de lábios cor-de-rosa e olhos azuis. Sua esposa. Se fosse qualquer outra pessoa, ele teria designado uma criada para lhe mostrar o palácio. Mas porque era Ella, e estava grávida e, consequentemente, vulnerável, Hassan encontrou-se na posição de guia. — Meus aposentos? — Ela o fitou em surpresa. Por semanas, vinha se preparando para a vida de casada. Tivera dúvidas se fazer aquilo era loucura ou a única escolha sã. Mas, depois que decidira se casar com Hassan, um pensamento confortante conseguira sustentá-la. Pelo menos, sexo com seu novo marido seria incrível. Ele já lhe mostrara que ela podia sentir prazer em seus braços, e a verdade era que ela não via a hora de repetir a experiência. Deu-lhe um sorriso provocante. — Mas, certamente, nós compartilharemos uma suíte, agora que estamos casados? Hassan meneou a cabeça, reprimindo os pensamentos tentadores provocados pela curva suave dos lábios dela. — Essa não é a tradição. Não aqui. O costume data da época quando um monarca sempre precisava estar preparado para ir à guerra, e não queria perturbar sua esposa, se saísse para batalha no meio da noite. Então, o isolamento dele era uma necessidade, em vez de um luxo. O coração de Ella entristeceu.
— Você está brincando? — Não. Eu estou apenas obedecendo à tradição, assim como lhe dando a oportunidade de ter algum espaço privado. — Hassan viu como os olhos azuis haviam nublado, mas, pela centésima vez, disse a si mesmo que era melhor assim. Melhor para os dois. Pois um divórcio seria mais simples se não houvesse intimidade. — Minha cultura é muito diferente da sua, Ella, e você precisa aceitar isso, se quiser encontrar algum tipo de contentamento aqui. Contentamento? Ele achava que ela ficaria contente se ficasse trancada como uma freira, sem nem mesmo o conforto do marido ao seu lado? Ella o encarou, querendo saber a verdade. — Então, nós não seremos um casal normal? Quase com relutância, Hassan deixou seus olhos percorrerem-na. Com o véu dourado emoldurando-lhe o rosto alvo, ela estava adorável, como uma estátua frágil e preciosa. Naquele momento, ele a teria puxado para si e absorvido tanta beleza com um beijo apaixonado. Mas a lógica o impediu. Aquele era um casamento de conveniência, feito com o único propósito de legitimar o filho deles. Era melhor manter o relacionamento em bases formais. — Mas nós não somos um casal normal, somos, Ella? — questionou ele, o tom ríspido escondendo o desejo sexual que sentia. — Nunca pretendemos ser. E acho que é melhor não complicarmos uma situação já difícil, fingindo ser alguma coisa que não somos. As palavras golpearam Ella como um vento gelado, e ela o fitou com tristeza, percebendo como sua vida seria isolada, se Hassan estava planejando se distanciar. Bem, certamente não iria suplicar que ele dormisse com ela! Reprimindo a mágoa, acompanhou-o ao longo do largo corredor de mármore, querendo perguntar por que Hassan não lhe contara isso antes de torná-la sua esposa. Porque não poderia ter lhe contado, concluiu. Se ele tivesse lhe dito quão limitada sua vida seria no país estranho, Ella teria se recusado a ir para lá. Nenhuma quantidade de dinheiro ou a promessa de um divórcio rápido a teria convencido a levar uma vida de prisioneira. Ela teria encontrado outra maneira de se sustentar,
porque precisaria fazer isso. Em outras palavras, Hassan a enganara. Mas isso agora era irrelevante. Ella não podia mudar o que acontecera. Tudo que podia fazer era reagir aos fatos. E faria o que sempre fizera durante toda sua vida... se adaptaria às circunstâncias, e conviveria com sua realidade da melhor forma possível. Todavia, sua determinação vacilou quando Hassan informou-a de que o jantar seria servido às 20h, e que um servo iria apanhá-la. Ele saiu e fechou a porta, deixando-a sozinha dentro da suíte dourada. Ela olhou para o candelabro de cristal suspenso do teto e inalou o aroma de rosas que haviam sido colocadas em lindos vasos de ouro. Tudo parecia tão perfeito, mas tão irreal. E a sensação era irreal, também. Como se alguém a tivesse colocado no meio de um set de filmagem, e, se ela empurrasse com muita força, descobriria que as paredes eram feitas de papelão. Outra onda de náusea lhe veio à garganta, e ela deitou-se na cama rapidamente, abraçando uma das almofadas bordadas contra o estômago, enquanto tentava lutar contra as lágrimas.
CAPÍTULO DEZ Outro dia no paraíso. Ella olhou pela janela, a qual tinha sido aberta por uma das doces criadas, cujo trabalho era atendê-la. O cheiro matinal de flores preencheu o quarto, competindo com o aroma do chá de jasmim, que estava na mesinha ao lado da grande cama. Recostando-se contra os travesseiros, ela contemplou o que o novo dia traria. Do lado de fora, havia uma enorme piscina, que ela poderia usar quando quisesse. Os lindos jardins eram imensos e variados, com muitos caminhos sombreados para boas caminhadas. Bancos eram posicionados em pontos estratégicos, onde ela poderia parar para ler um livro da vasta biblioteca do palácio. Qualquer coisa que quisesse,
Ella poderia ter. Exceto que a coisa que mais queria a evitava constantemente. Queria seu marido. Queria reviver a paixão que eles haviam compartilhado naquela noite em Santina, quando ela sentira o gosto do prazer pela primeira vez na vida. E como esposa de Hassan, não tinha direito a isso? Os enjoos da gravidez haviam passado agora, e Ella percebeu que não tinha sido ela mesma quando concordara com aquele casamento. Ele a informara de que ela seria sua esposa em seu momento mais vulnerável. Ainda atordoada pela descoberta do bebê e enfraquecida pelas náuseas, Ella permitira que Hassan assumisse o comando. Mas alguma coisa mudara. Agora que se sentia melhor, parecia ter recuperado seu antigo “eu”. Sentia-se cheia de energia e vida. E não apenas estava ficando frustrada com o estado celibatário de seu casamento, mas também estava determinada a fazer alguma coisa sobre isso. E daí se estivesse destinada a viver lá apenas por alguns meses? Não poderiam ser ao menos meses prazerosos? O desejo que Hassan sentira por ela desaparecera? Ella achava que não. Podia não ser a mulher mais experiente do mundo, mas via o brilho ardente nos olhos pretos, às vezes, quando eles estavam jantando sozinhos. Uma vez não vira o corpo de Hassan ficar tenso quando ela se inclinara para a frente a fim de pegar uma ameixa numa fruteira que estava mais perto dele? Não, Hassan não era imune a ela, por mais que quisesse ser. O estranho era que, uma vez que ela se permitira reconhecer que estava sofrendo de frustração sexual, o sentimento aumentava cada vez mais. Tanto que dominava seus pensamentos. Tanto que, toda vez que olhava para Hassan, tudo que podia se lembrar era da expressão de abandono no rosto dele enquanto investia em seu interior. Ela o queria. E percebia que ninguém ia fazer aquilo acontecer, exceto ela. Calando a voz em sua cabeça que questionava se não era loucura considerar
seduzir um homem tão orgulhoso como Hassan, Ella bolou seu plano. Reunindo fragmentos de coisas que lera em revistas e livros na Inglaterra, esperou até sábado à noite, porque descobrira que sábado era um dos dias mais folgados para seu marido, em termos de deveres reais. E que ele frequentemente dormia até mais tarde aos domingos. Escolhendo um vestido azul que realçava seus olhos, ela passou um longo tempo cuidando dos cabelos e da maquiagem Não muita maquiagem, porque também aprendera que, no que dizia respeito a Hassan, menos era mais. O brilho rosa clarinho em sua boca era bonito, porém muito natural. No momento em que se juntou a ele na sala de jantar, estava preenchida com um tipo de excitação nervosa, e, por um instante, questionou a si mesma se o que estava prestes a fazer era sensato. E se ele a rejeitasse? Quando Hassan levantou-se, ela ouviu o sussurro das túnicas de seda dele, e foi lembrada do corpo magnífico que havia por baixo. Reprimindo seus medos, substituios por determinação. Não permitiria que ele a rejeitasse. Um servo despejou água gelada em seu copo e começou a servir a refeição, mas Ella mal prestou atenção naquilo. Brincou com a comida no prato e tentou não encarar o rosto sério e pensativo de seu marido. — Você não está comendo muito — observou Hassan. — Não estou? — perguntou ela, inocentemente. — Não. — Ele a estudou através da luz de incontáveis velas que iluminavam a sala, e pensou em como Ella florescia a cada dia que se passava. E no tormento que era resistir à tentação de levá-la para sua cama. Com esforço, retornou ao assunto da falta de apetite de Ella. — Você está desgostosa com o jantar no qual meus chefs passaram o dia preparando, a fim de impressionar a nova esposa do sheik? — A comida está deliciosa. Como sempre. — Então, por que você não a tocou? — Porque eu não. — O nervosismo a fez parar. Como poderia seduzir um homem que não dava nenhum sinal de querer ser seduzido, apesar do fato de eles
serem recém-casados? O que acontecera com o homem fogoso que a arrastara para sua cama na noite da festa de noivado? Talvez ele fosse um daqueles homens que só apreciasse sexo com mulheres que não conhecia. Talvez se esquivasse da intimidade. Ou não se sentia excitado pelo fato de ela estar grávida. Ou talvez simplesmente não se sentisse mais atraído por ela. Sua pulsação acelerou diante do pensamento de sua missão ousada. Ela, que nunca seduzira ninguém, seduziria um dos amantes mais incríveis do mundo. Mas não estava derrotada. Havia muitas desvantagens em ser uma Jackson, mas duas coisas o sobrenome lhe conferia... determinação e coragem. — Não o quê? — incentivou Hassan. Ela empurrou o prato e recostou-se contra as almofadas bordadas. — Eu não estou com fome. Um músculo pulsou na têmpora de Hassan. — Você precisa... comer — disse ele, tentando ignorar o fato de que a posição que ela adotara agora significava que os seios perfeitos parecessem convidativos. E ele não estivera decidido a não pensar nos seios de Ella, nos lábios, ou em qualquer parte que o relembrasse do ato de amor deles? Ella mudou um pouco de posição, satisfeita ao ver que a seda azul de sua túnica agora aderia ao seu corpo como manteiga derretida. E que Hassan parecia hipnotizado pelo movimento. Ela sorriu- lhe, dizendo a si mesma que nada seria obtido de covardia. — Eu continuo pensando em você, dormindo por perto. — Verdade? — Hassan imaginou o que ela diria se soubesse que ele dormia muito pouco ultimamente, enquanto permanecia deitado, lembrando-se do toque da pele sedosa de Ella, das curvas do corpo deleitoso. — Hmm E, às vezes, sinto muito calor. Ela queria dizer que dormia nua? Uma imagem das coxas alvas e dos mamilos firmes e rosados cristalizou-se em sua mente, e Hassan quase cortou o polegar com a faca que estava usando para descascar um pêssego. Com dedos trêmulos, pôs a fruta e
a faca sobre o prato. — Há ar-condicionado no palácio. — Eu sei, mas, às vezes, eu o desligo, porque é barulhento. E... — Oh, pelo amor de Deus! Que tipo de sedução era aquela, se tudo que eles estavam fazendo era falar sobre ar-condicionado? — E eu gostaria que você estivesse lá comigo. Eu gostaria disso. — Ela fitou-lhe os olhos e respirou fundo. — Na verdade, eu gostaria muito disso. Hassan enrijeceu quando o desejo inocente expressado naquelas palavras o excitou mais do que qualquer sedução experiente poderia ter feito. Sentiu sua ereção crescer e amaldiçoou-a silenciosamente. — Essa não é uma boa ideia — sussurrou ele, com a voz rouca. — Por que não? O que está nos impedindo? Ele balançou a cabeça. O medo da intimidade, isso os impedia. Ou melhor, que o impedia. E um medo muito real de como tal intimidade poderia complicar o casamento estranho dos dois. Deveria dizer-lhe que não via nada além de perigo, se eles sucumbissem ao desejo? Que sexo às vezes lançava uma magia distorcida sobre as pessoas? Mas como poderia lhe falar qualquer coisa, quando Ella estava puxando os gloriosos cabelos para trás, enquanto ele os imaginava caindo sobre os magníficos seios nus? — Ella? — O quê? — sussurrou ela, radiante ao ver a máscara de Hassan cair por uma vez, revelando o homem por baixo. Radiante ao ver o sheik do deserto com todas as vulnerabilidades e dúvidas de qualquer outra pessoa. Com força de vontade, Hassan se levantou. — Foi um longo dia para nós dois — disse ele. — Venha. Eu a escoltarei até seu quarto. Ella poderia ter chorado com desapontamento ao perceber que a máscara estava de volta no rosto dele. Seu plano não dera certo, e ela era a única culpada por isso. Tudo que fizera tinha sido declarar seu desejo de que Hassan dormisse com ela. Não deveria ter sido um pouco mais ousada que isso? Tocando-o, talvez? Não era
isso que as mulheres geralmente faziam, quando tentavam seduzir um homem? O que parecera uma ideia brilhante antes agora parecia uma loucura total. Mais uma vez, havia reforçado todos os preconceitos de Hassan em relação a ela e à sua família, com sua tentativa de sedução, apenas que nem mesmo conseguia fazer aquilo propriamente. — Muito bem — murmurou Ella, levantando-se e ignorando a mão que ele estendeu para ajudá-la. Em silêncio, eles andaram ao longo do corredor de mármore, o qual era aberto de um dos lados para os jardins fragrantes. Ela ouviu o movimento suave de suas túnicas roçando a pele, e o canto alto e doce de um pássaro que ela pensou ser um rouxinol. Tudo era muito bonito, no entanto Ella não conseguia sentir prazer nas redondezas. Pois sentia um terrível vazio, e uma dor profunda por ele parecer não mais achá-la atraente como mulher. A jornada para seu quarto pareceu levar uma eternidade, e ela se perguntou como iria conseguir suportar uma existência tão vazia e solitária, sabendo que não havia esperança de que aquilo um dia mudasse. — Chegamos — disse ele abruptamente, parando do lado de fora de sua suíte. — Eu a deixarei aqui. — Sim — Ela o fitou, surpresa pela fisionomia desolada de Hassan. O que colocara aquela expressão no rosto dele? Sua tentativa de seduzi-lo o lembrara que ela não deveria nem mesmo estar lá? Que não estaria lá, se não fosse pelo bebê? — Hassan, aquelas coisas que falei durante o jantar... bem, eu não deveria ter falado. Não deveria ter tomado tal iniciativa. Houve um momento de silêncio e, quando ele falou, a voz parecia estrangulada: — Eu não quero magoá-la, Ella. Ela o olhou em confusão. Como ele poderia magoá-la mais do que já a estava magoando com sua rejeição? — Eu não entendo. Naquele momento, ela parecia tão doce que Hassan sentiu a onda de culpa não
familiar. No geral, usava mulheres antes que elas pudessem usá-lo, e não sentia remorso ao fazer isso. Mas Ella era diferente. E se ela tivesse expectativas a seu respeito que ele nunca fosse capaz de honrar? E se esperasse que ele fosse como outros homens, que sentisse coisas que mulheres queriam que homens sentissem? Hassan suportaria destruir-lhe as esperanças e sonhos quando ela percebesse que suas palavras tinham sido verdadeiras? Que seu coração era frio? Que seria mais fácil enfrentar o fim daquele casamento se eles não se aproximassem através do sexo? Ele olhou para os lábios pintados de cor-de-rosa. — Não percebe que isso irá complicar tudo? — Isso o quê? — Isso — murmurou ele. — Isso! Ella honestamente não percebeu o que estava acontecendo até que ele a puxou para seus braços e começou a beijá-la com uma ferocidade que instantaneamente a deixou em chamas. Ela circulou-lhe o pescoço com os braços e agarrou-se a ele, quase querendo chorar de alegria. Então Hassan a desejava... E, julgando pela tensão no corpo poderoso, desejava-a com tanto desespero quanto Ella o desejava. Imaginou se o fato de eles estarem ali, no corredor escuro do palácio, não era um pouco público demais, até que lembrou que eram recém-casados. Era exatamente isso que deveriam estar fazendo, pensou, exultante, quando ele abriu a porta de sua suíte e puxou-a para dentro. As mãos de Hassan estavam tremendo quando ele afastou a boca da sua e aninhou-lhe o rosto entre as palmas. — Eu não sei o quanto posso ser gentil. — Você não precisa ser gentil. — Você está carregando meu bebê, Ella. Ela virou a cabeça, de modo que seus lábios roçassem os dedos dele. — Bem, a menos que você esteja planejando me amarrar e me suspender do teto. — Pare com isso. — Ele deu uma risada inesperada enquanto entrelaçava os dedos nos gloriosos cachos castanho-avermelhados. — Que tal se formos bem
devagar, desta vez? — Eu não tenho certeza se posso — sussurrou ela. Hassan também não tinha certeza se podia, mas se certificaria de ser cuidadoso. Conduziu-a para a cama, e lentamente removeu-lhe a túnica do corpo. E aquela era uma primeira experiência, também. Nunca despira uma mulher que estivesse usando as túnicas tradicionais de seu país, e isso pareceu adicionar outra dimensão ao aspecto surreal do que estava acontecendo. Era como se todas as suas certezas tivessem sido chacoalhadas e espalhadas ao acaso, como uma mão de dados jogada sobre uma mesa de jogo. E tudo estava disponível para ser agarrado. Inclusive sua esposa corada. Vestida em uma linda lingerie, os cílios longos sombreando parcialmente os olhos azuis, ela observava a reação de Hassan. A calcinha alta se aderia aos quadris delgados, e o sutiã de seda acariciava as curvas dos seios. Com olhos estreitos, ele estudou a cor de creme das peças, que pareciam distintamente nupciais. — Você escolheu isto especialmente para mim? — perguntou ele, curvando o dedo na extremidade de renda do sutiã. — É claro que sim Eu fui às compras especialmente para isso. — Ela não havia escapado para comprar lingerie nas poucas horas disponíveis, antes do casamento apressado? Imaginando se estava sendo hipócrita por comprar roupas de baixo para um casamento que parecia distintamente vazio. Contudo, agora estava feliz por ter comprado. — Toda noiva deve usar lingerie nova em sua lua de mel. Eu sei que, tradicionalmente, deveria ser branca, mas branco não fica muito bem em mim, fica? — Quem se importa com isso? — questionou ele, com a voz rouca. — Você não se importa? Hassan meneou a cabeça. Não via o corpo de Ella desde a noite da festa, e ele tinha mudado. É claro que tinha. Os seios estavam maiores, e a barriga, curvada sobre a extremidade da calcinha de renda. Ele emitiu um gemido que era parte luxúria e parte admiração, enquanto deslizava os dedos sobre o volume arredondado, porque, sob as túnicas de seda, não percebera como a barriga grávida estava grande. Todos os homens experimentavam uma onda de orgulho possessivo ao testemunhar seu filho
crescendo dentro da barriga de uma mulher?, perguntou-se. — Você está linda — sussurrou ele, abaixando-a sobre o colchão, despindo-se rapidamente, antes de se juntar a ela e puxar uma colcha sobre ambos. — Eu não estou com frio — murmurou Ella, quando eles estavam aninhados debaixo da colcha leve. — Não? — Hassan beijou-lhe o ombro. — Então, por que está tremendo? — Você sabe muito bem por quê. — Ela envolveu-lhe o pescoço com uma mão e puxou-lhe a cabeça para um beijo. Aquela era a segunda coisa assertiva que ela fizera naquela noite, e pareceu liberar Hassan de seu tratamento excessivamente gentil, quando ele abriu-lhe os lábios com a invasão de sua língua. Ella podia sentir o calor da respiração dele se misturando com a sua. O beijo foi como uma droga, um gostinho, e ela estava viciada. Com pura paixão, beijou-o de volta, acariciando a pele sedosa sobre os músculos poderosos das costas largas. E então ele começou a tocá-la. Em todos os lugares. Ella fechou os olhos. Aquilo era inacreditável. Até mesmo melhor do que da última vez. Podia sentir o calor se construindo em seu interior, enquanto ele lhe removia o sutiã, antes de capturar um mamilo, depois o outro, na boca quente e molhada. Ela estava se contorcendo e arfando no momento em que Hassan deslizou a calcinha por suas pernas. Sabia que ele dissera que ia devagar, mas realmente... — Fique imóvel — disse ele. — Eu não consigo! Preocupado que seu peso pudesse pressionar o bebê, Hassan a colocou sentada em cima de seu corpo, posicionando a ponta de sua ereção contra as dobras femininas úmidas. Mas, mesmo enquanto segurava os quadris delgados para penetrá-la lentamente, teve ciência de uma súbita sensação nova. De alguma coisa estranha lhe acontecendo. Sentiu o calor das coxas de Ella, quando estas se pressionaram em suas laterais, e tremeu quando ela ergueu os quadris para tomá-lo ainda mais profundamente. E então entendeu o que era. Aquela era a primeira vez em que fazia sexo com uma mulher grávida, e a primeira vez que não usava um preservativo.
E a sensação era... Ele fechou os olhos. A sensação era maravilhosa. E quase insuportavelmente íntima, enquanto ele investia no interior do corpo deleitoso. Pele com pele. O calor escorregadio de Ella contra seu calor rígido. — Eu não estou machucando você? Ella balançou a cabeça, mal conseguindo falar, percebendo o quanto quisera aquilo. Senti-lo tão perto novamente. Experimentar o prazer que somente Hassan era capaz de lhe dar. — Eu vou... eu vou... — Posso ver isso — murmurou ele, quando ela inclinou a cabeça para trás numa entrega feliz, gemendo ao atingir o clímax, um som baixo de tanto prazer que iniciou o próprio orgasmo de Hassan. Segurando-lhe os quadris com firmeza, ele sentiu os espasmos poderosos abalarem seu corpo, e pensou que não queria que aquilo acabasse nunca mais. Depois, com a cabeça no travesseiro, sentiu-se tão drenado e exultante quanto um soldado cansado de uma batalha. Todavia, mesmo enquanto lhe circulava a cintura e a puxava para mais perto, encontrou-se pensando que poderia se viciar naquilo. O calor de suas peles úmidas faziam seus corpos parecerem colados, e Hassan descobriu-se beijando os cabelos de Ella, distraidamente, enquanto minutos silenciosos passavam. Ele devia ter dormido mais profundamente do que o usual, porque, quando abriu os olhos, a luz do sol se infiltrava pelas persianas abertas, e a fragrância das rosas matinais era inebriante. Por um momento, ele não se lembrou de onde estava, mas, quando se virou para ver Ella dormindo ao seu lado, tudo voltou. A súplica tímida dela durante o jantar. Uma sedução hesitante que se provara estranhamente irresistível. Bocejando, ele pensou que seus sentidos nunca tinham sido tão saciados. A noite anterior lhe proporcionara a experiência mais erótica de sua vida, pensou. Mais do que isso, experimentara um momento de contentamento que lhe permitira reprimir as questões perturbadoras que pairavam no fundo de sua mente.
Sabia que havia um milhão de coisas que deveria estar fazendo. Deveria se levantar e sair do conforto daquela cama. Em vez disso, abaixou os lábios para a orelha de Ella. — Acordada? — sussurrou preguiçosamente. Ela se mexeu e sorriu contra o travesseiro. — Estou agora. Hassan guiou-lhe a mão para seu sexo pulsante. — Você é a amante mais incrível, sabia? Ella congelou quando seus dedos encontraram a ereção, e, na luz fria do dia, medo começou a envolvê-la. E se ele agora esperasse que ela demonstrasse um repertório de habilidades sexuais, habilidades que ela não possuía, ficaria muito desapontado? Antes, Ella não se importara com o que Hassan pensasse a seu respeito, mas, subitamente, tornou-se vital que ele soubesse a verdade. — Não sou a pessoa que você pensa que eu sou — disse ela, recolhendo a mão. Apesar de ver os olhos escuros se estreitarem com desapontamento, ele precisava saber que ela não era a expert sexual que ele imaginava. Não uma garota experiente, com dúzias de homens em seu passado e uma longa lista de amantes. Hassan ficou tenso, perguntando-se por que as mulheres sempre escolhiam o momento errado para expressar seus sentimentos. Mas, registrando o estado de sua ereção, percebeu que não estava em condições de se mover. Não estava em condições de fazer nada, exceto... — Que tipo de pessoa é esta? Ela suspirou. — Eu não tenho o hábito de seduzir homens. — Eu já percebi isso, Ella. — Percebeu? — Hmm — Ele levou uma mão para entre as pernas dela. — Ontem à noite, você se aproximou mais com doçura do que com experiência. Ella imaginou se aquilo era uma coisa boa ou ruim. Na verdade, era difícil
pensar quando ele a acariciava daquele jeito. — Até... até aquela noite da festa de noivado... eu nunca tinha me comportado assim antes. — Fico feliz em ouvir isso — replicou ele, com seriedade. — Uma única vez, eu tive um relacionamento com outra pessoa. E saí com ele por anos, antes que fizéssemos sexo. — Através das ondas crescentes de prazer, Ella encontrou a pergunta nos olhos de Hassan, admitindo para si mesma, pela primeira vez, que tivera medo de sexo. Tinha visto, pelo exemplo de seus pais, quantas tolices homens e mulheres podiam fazer em nome do sexo. — Quando finalmente aconteceu, eu... bem, eu tentei arduamente, mas nunca... — Ela balançou a cabeça, as palavras presas na garganta. — Você nunca tinha tido um orgasmo antes de mim? — adivinhou Hassan, ao lembrar como ela se agarrara a ele naquela primeira vez. E, de repente, tudo fez sentido. As palavras ofegantes que haviam soado quase como gratidão enquanto ela se contorcia em seus braços. — Certo. — Ela o estudou. Um homem como Hassan detestaria tanta transparência? — Então, eu o enganei. Não sou a mulher que você pensou que eu fosse. Está bravo comigo, Hassan? — Completamente furioso. — Sério? A risada dele foi baixa enquanto um dedo longo brincava com o centro da feminilidade. — Oh, Ella, não sabe que é a fantasia de todo homem ser o primeiro a despertar tal prazer numa mulher? Eu gosto do fato de que sou o único homem que já lhe deu prazer verdadeiro. Que tudo que você aprender sairá de meus lábios e de meu corpo. — A voz profunda tornou-se rouca. — Devo lhe mostrar como é a sensação quando um homem prova uma mulher? Timidamente, ela assentiu, as faces esquentando quando ele começou a mover os lábios pelo seu corpo. E, naquele momento, pensou que acabara de descobrir o perigo real do sexo. Porque, quando um homem a fazia se sentir tão
maravilhosamente bem... Quando a língua dele lambia lugares inimagináveis... Era fácil começar a imaginar como seria se Hassan a amasse. E isso nunca iria acontecer.
CAPÍTULO ONZE — Hassan. — Ella pausou tempo o bastante para garantir que tinha a total atenção de seu marido. — Eu não posso passar muito mais tempo fazendo isso. Hassan ergueu os olhos de seu jornal. A sala do café da manhã estava inundada de luz, e os cachos castanho-avermelhados brilhavam sobre os ombros de Ella. A túnica de seda que ela usava era larga, mas a grande barriga não podia mais ser disfarçada. E, mais uma vez, Hassan se sentiu encantado ao estudar o corpo florescendo de sua esposa. A passagem das semanas revelara o segredo dentro do palácio... que a rainha estava grávida. E Hassan não podia evitar se questionar se esse era o motivo da contínua ausência de seu irmão no palácio. Não era característico de Kamal ficar longe de Kashamak por tanto tempo, mas tentativas de contatá-lo tinham se provado inúteis, e Hassan fora forçado a aceitar que o desaparecimento dele era deliberado. Seu irmão mais novo estava magoado porque sua posição como herdeiro logo seria assumida por um bebê recém-nascido? Ou apenas zangado porque Hassan fizera o que jurara que nunca faria: casar-se e procriar? Entretanto, talvez fosse melhor que Kamal não estivesse lá, exigindo saber como ficaria sua posição depois que o bebê nascesse. Obrigando Hassan a admitir, pela primeira vez na vida, que não sabia. Que nada era como parecia, ou como ele pensara que seria. Que ele tinha sido conduzido a um estado curioso de contentamento por noites doces que agora compartilhava com sua esposa. Um contentamento falso, lembrou a si mesmo, e nada além de uma distração prazerosa, enquanto eles esperavam o nascimento da criança.
Porque não houvera sempre a certeza de que eles se divorciariam depois disso? O pensamento de que Ella voltasse para a Inglaterra, deixando o bebê deles para que ele criasse, não era seu desejo secreto? Mas passara a perceber que isso nunca iria acontecer. Sexo lhe ensinava muito sobre uma mulher, além de como agradá-la fisicamente, e Hassan descobrira um lado perigosamente suave e doce em Ella, que desafiara todas as suas expectativas. Balançando a cabeça para clarear seus pensamentos, estudou a expressão amarga de Ella. — O que você disse? — Que eu não posso continuar sem fazer nada o dia inteiro! — Você está entediada? — Não entediada, exatamente. Mais irrequieta. — Ela deu de ombros. — Os jardins são maravilhosos, assim como todos os livros na biblioteca, mas eu... — O quê? Ela encontrou os olhos pretos. Como Hassan reagiria se ela lhe dissesse que queria passar mais tempo com ele? Tempo de qualidade, que envolvia conhecê-lo melhor como pessoa. Que vê-lo somente no café da manhã, no jantar e quando eles estavam na cama de noite estava se provando estranhamente frustrante. Ou talvez a fonte de sua frustração fosse a habilidade de Hassan de mantê-la a uma distância emocional. Ela sentia como se nunca conseguisse alcançá-lo. Que, depois das confidências que compartilhara com ele durante a primeira noite dos dois juntos no palácio, Hassan se fechara ainda mais. Por que ele fazia isso? Por que guardava seus sentimentos de modo que ela nunca soubesse o que se passava pela cabeça dele? Oh, Hassan fazia o papel de marido atencioso à perfeição. Preocupava-se e se certificava de que ela ficasse confortável, às vezes, fazendo os criados sorrirem de seu zelo exagerado. Outras vezes, conquistava-a com pequenos gestos, como escolher a romã mais doce da fruteira e pedir que o chef a preparasse do jeito que ela gostava. Mas, de alguma maneira, tudo aquilo parecia algum tipo de terapia de substituição. Ela ainda sentia que Hassan tentava afastá-la. Olhou-o fixamente agora. — Eu preciso fazer alguma coisa.
Ele largou o jornal e deu-lhe toda a sua atenção. — Mas fazer o quê, exatamente? — Eu quero pintar você, Hassan. — Antes que ele respondesse, ela continuou, suas palavras ensaiadas saindo apressadamente: — Em Londres, você prometeu que eu poderia pintar aqui, se eu quisesse... e eu quero. Quando. quando o bebê chegar... bem, eu não terei tempo para pintar, terei? Então, eu gostaria de fazer isso agora, enquanto posso. Hassan tamborilou os dedos contra a mesa, mas podia ver que a ideia dela tinha mérito. Sua aversão a ficar sentado, imóvel, era lendária. Mas seu povo não ficaria feliz em ter um novo retrato seu, enquanto ele daria a Ella alguma coisa para fazer? — Suponho que essa é uma possibilidade — concedeu Hassan. — Contanto que você entenda que minha agenda é cheia, e meu tempo é precioso. Eu não posso ficar sentado durante longas horas. — Eu sei. E não espero que faça isso. Por favor, Hassan? — Ella não tentou esconder sua ansiedade, porque queria aquilo. Não se importava com quão curtas seriam as sessões deles; necessitava fazer alguma coisa além de esperar. Focar-se em algo além do bebê e seu futuro incerto. E da impressão de que seus sentimentos por Hassan estavam se tornando mais fortes do que pretendera que fossem. Era isso que acontecia quando um homem a amava todas as noites, de maneira tão maravilhosa que, às vezes, levava lágrimas de alegria aos seus olhos? Bem, pintores sempre descobriam muitas coisas sobre seus modelos durante sessões para um retrato... todos sabiam disso. Talvez essa fosse a única forma de alcançá-lo e saber o que o levava a se fechar tanto. Ela o olhou com uma expressão interrogativa. — Então, eu posso? — Como eu poderia lhe negar alguma coisa, quando você me pede tão docemente? — Ele pegou o jornal para retomar a leitura. — Diga a Benedict do que você precisa, e ele irá providenciar. — Certo. E, Hassan?
— Hmm? — Obrigada. — Apenas vá embora e deixe-me ler meu jornal — resmungou ele. Ella estava sorrindo sozinha quando saiu para encontrar Benedict, e, como sempre, o assistente inglês foi surpreendentemente amigável com ela. Surpreendente, considerando que ele lhe entregara o vestido e a calcinha na manhã depois da festa de noivado de Alex e Allegra. Na ocasião, Ella se perguntara o que ele pensaria de mulheres como ela, e com quantas tinha lidado no curso de um ano. Mulheres que iam para cama com um homem poderoso sem realmente conhecê-lo. Era estranho para Benedict Austin ver aquela mesma mulher, agora instalada como rainha? Todavia, ele não era nada além de eficiente, e logo lhe designara uma sala arejada na extremidade do palácio, perto do jardim perfumado. Deliberadamente, ela deixara as janelas abertas, de modo que o aroma das flores pudesse entrar. Ella preparou a sala inteira antes da primeira sessão, pretendendo fazer esboços em carvão vegetal antes de tentar colocar óleo na tela. Posicionou uma cadeira contra um fundo liso, e decidiu que retrataria Hassan em suas túnicas do dia a dia. Ela aproveitara a oportunidade para estudar os retratos no palácio, e os poucos de seu marido mostravam Hassan resplandecente em seus diversos uniformes militares, e em seu traje mais formal de sheik. Mas ela queria mostrar a pessoa por trás da posição. O homem, não o rei. Como se, fazendo isso, pudesse descobrir mais sobre ele. Sentou-se para esperá-lo, percebendo quão pouco sabia sobre seu marido. Ele ainda nunca mencionara a mãe, e não falava muito do pai, também. Ela lembrou-se do dia em que chegara lá, quando ele silenciara, com firmeza, suas perguntas sobre o crescimento dele. E ela se permitira ser silenciada, determinada a manter, a qualquer custo, um tipo precário de paz. Mas a gravidez estava mudando mais do que somente seu corpo; estava mudando sua maneira de ver a vida. A mãe de Hassan não era apenas uma pessoa cujo nome havia causado uma expressão de sofrimento no rosto do filho mais velho. Ela era também uma parte da criança cujos chutes dentro de sua barriga se tornavam mais fortes a cada dia. E a maternidade iminente também forçara Ella a reavaliar suas
opiniões em relação à própria família. Reconhecera que, apesar de não aprovar o modo como eles se comportavam, amava-os muito, e nunca poderia negar a influência deles sobre ela e sobre a criança que carregava. Descansou a mão sobre a barriga. Era isso que sua própria mãe tinha sentido, este elo poderoso conectando-a ao seu bebê? Pela primeira vez na vida, reconheceu como devia ter sido difícil para sua mãe ter educado os filhos de Bobby, assim como os filhos que ele tivera com outra mulher. Ele tinha sido infiel pela maior parte do casamento, e sua mãe fingira não ver o que estava acontecendo. Entretanto, Julie Jackson, de alguma maneira, conseguira manter a família unida. Ella e seus irmãos e irmãs podiam não ter tido muito dinheiro, mas o lar deles fora cheio de risadas e alegria. Não como aquele palácio grande e silencioso onde Hassan crescera. Ela tentou imaginá-lo brincando com o irmão nos corredores largos, e pensou em como devia ter sido solitário para eles. — Ella? Ainda perdida em pensamentos, ela olhou para cima, e viu que Hassan chegara ao “estúdio”, as sobrancelhas escuras arqueadas numa pergunta zombeteira. — Desculpe. — Ela sorriu-lhe. — Eu estava a quilômetros de distância. — Posso ver. Você está pronta para mim? — Com certeza. Entre e sente-se aqui. Isso, aí mesmo. Ele sentou-se onde ela indicara e, quando Ella alisou a touca que cobria os cabelos pretos, resistiu à vontade de se inclinar e beijá-lo. Era uma das regras dele que não deveria haver intimidade física fora da cama. Hassan lhe dissera que protocolo exigia isso, que os assistentes e ministros, que se moviam com deferência silenciosa ao redor do palácio, não aprovariam o rei brincando maliciosamente com sua nova esposa. Porque beijos tendiam a sair de controle e levar a intimidades mais profundas. E Ella entendia. Assim como entendia que essa era mais uma forma de seu marido mantê-la distante. Ele a olhou. — O que eu devo fazer? Ela riu.
— Você sabe exatamente o que deve fazer. Já posou para retratos antes. — Ah, mas foi sempre com um homem, nunca com uma mulher que, apenas algumas horas atrás, estava deitada em meus braços. — Pode, por favor, não falar sobre sexo? — Ela começou a esboçar no papel com seu lápis de carvão vegetal. — Por que não? — Porque isso muda a expressão no seu rosto. Faz seus olhos se tornarem nublados, e sua boca ficar tensa. E não apenas sua boca, pensou Hassan, ironicamente, mudando de posição. Estudou os movimentos rápidos da mão de Ella e lembrou-se dos desenhos que vira na casa dela, em Londres. O tema podia ser um pouco incomum para seu gosto, mas não havia dúvida de que Ella possuía talento. — Você nunca teve um treinamento formal nessa área? — Não. — Por que não? — Porque o orçamento era muito apertado para que eles me mandassem para uma escola de artes. — Eu pensei que seu pai tivesse feito uma fortuna. — Ele fez diversas fortunas, e perdeu todas elas. Ademais, ele tinha de pagar muitas pensões alimentícias. — Seu pai é famoso por gostar de variedade no que diz respeito a mulheres — observou ele. — A declaração do século — replicou ela, acidamente. — Ele também é famoso por seu amor aos grandes esquemas, e pela tentação de ganhar dinheiro rápido, motivo pelo qual nunca houve dinheiro estável em nossa família. Tudo que tivemos era apenas temporário. Hassan estreitou os olhos. — Entendo. — Será que entende? — Mas ela pôs um dedo nos lábios para indicar que ele parasse de falar. Hassan certamente nunca soubera o que era se preocupar sobre pagar
a conta de gás, ou vasculhar os armários para não encontrar nada, exceto uma lata de caviar há muito tempo esquecida, e perguntar-se como aquilo poderia encher sua barriga. Por um tempo, ela trabalhou em silêncio, e Hassan aproveitou a oportunidade para observá-la. Os movimentos de Ella eram econômicos, e o estúdio estava completamente silencioso, aparte o roçar do carvão no papel e de um ocasional pássaro do lado de fora. Todavia, sob a superfície calma da vida deles, ele estava ciente de um tipo sombrio de incerteza. Uma bomba-relógio cujo tempo estava se esgotando. Os dois esperando por alguma coisa que tinha o potencial de mudar suas vidas de maneiras que Hassan não podia imaginar. E não queria imaginar... Ele a vira acariciando a própria barriga, enquanto o rosto dela adquiria uma expressão quase sonhadora. Observara-a traçar pequenos círculos na região, como se estivesse fazendo alguma brincadeira secreta com o bebê em seu interior, e seu coração se contraíra dolorosamente. Tinha sentido inveja, percebeu... porque sua própria mãe nunca pudera encontrar um elo como aquele, se tinha sido capaz de abandonar os dois filhos... — Hassan, pare de franzir o cenho. — Eu não estava fazendo isso. — Sim, estava. — Ella parou de desenhar, perguntando-se o que causara aquela terrível dor nos olhos dele. — O que houve, Hassan? O que o deixou subitamente tão sério? Hassan viu a compreensão no rosto de Ella, e instinto o fez querer bloqueá-la. Ela queria saber sobre seu passado, como todas as mulheres queriam. Mas, com Ella, ele não estava numa posição de terminar a discussão e ir embora. Com Ella não havia escapatória; o fato de que ela carregava seu filho a tornava constante em sua vida. Então, por que não lhe contar a verdade, e tirar toda aquela doce compreensão do rosto delicado? Por que não fazê-la entender de onde ele vinha, de modo que ela entendesse por que ele nunca poderia amar uma mulher, e que não poderia amá-lo? — Eu estava me lembrando da minha mãe — respondeu Hassan. Alguma coisa sobre o veneno sedoso na voz dele fez os pelos da nuca de Ella
se arrepiarem. — Você nunca fala sobre ela. — Não. Você nunca parou para se perguntar por quê? — É claro que sim. A boca de Hassan se comprimiu numa linha fina. Ele nunca contara aquilo a ninguém, percebeu subitamente. Mesmo ele e seu irmão nunca discutiam o assunto. Eles haviam trancado as lembranças num lugar escuro, o qual nunca tinha permissão de ver a luz do dia. Como se tal rejeição fosse muito dolorosa para reconhecer, mesmo para eles próprios. — Talvez você deva saber, Ella. Talvez isso ajude a explicar o homem que eu sou. Alguma coisa na voz dele era alarmante, e a expressão sombria no rosto, ainda mais assustadora. — Não me conte, se não quiser — sussurrou ela, mas Hassan parecia nem ter ouvido. Ele balançou a cabeça, quando as memórias tristes vieram à sua mente. — Minha mãe era uma princesa do país vizinho de Bakamurat — começou Hassan. — E ficou noiva de meu pai desde criança. como era o costume na época. Eles se casaram quando ela completou 18 anos e, não muito depois disso, eu nasci. Dois anos mais tarde, veio Kamal. — Mas o casamento não era feliz? — Ella viu o maxilar de Hassan enrijecer e mordeu o lábio, criticando-se por sua própria ingenuidade. — Desculpe. Essa foi uma pergunta estúpida. Não podia ser feliz se ela... foi embora. — Naquela época não havia a expectativa realista de felicidade que existe hoje — replicou ele. — Mas, por um tempo, nós quatro tivemos uma vida familiar alegre. Ou, pelo menos, era assim que parecia para mim. — Mas alguma coisa aconteceu? — adivinhou ela. — Sim — concordou ele, o tom de voz amargo. — Minha mãe foi para Bakamurat visitar a irmã, deixando Kamal e eu em casa. Ela ficou mais tempo do que meu pai antecipara, e, quando retornou, estava... diferente.
— Como assim, diferente? Por um momento, ele não falou. Tinha enterrado a memória o mais profundamente possível, mas, mesmo agora, podia se recordar vividamente do ar distraído que fazia parecer como se sua mãe mal o notasse. O jeito como ela olhava para ele e para Kamal, como se eles não estivessem lá. Ela quase não comia mais, e havia perdido muito peso, de modo que o lindo rosto parecia grande demais, os olhos escuros confusos. De certo modo, sua mãe nunca parecera mais adorável, entretanto, mesmo sendo criança, Hassan sentira a preocupação crescente de seu pai. Lembravase do som das vozes alteradas de seus pais, quando ele e Kamal estavam na cama de noite, e dos terríveis silêncios durante os cafés da manhã. — Minha mãe se apaixonara por um nobre de Bakamurat. — Hassan ouviu o som distorcido de sua própria voz. — Ela disse que não poderia viver sem ele. Que ele era o único homem que ela sempre amara. Meu pai foi muito paciente, mas, por fim, disse-lhe que ela teria de escolher entre eles. Ella quebrou o terrível silêncio que se seguiu com uma pergunta cuja resposta já sabia. — E ela o escolheu? — Sim. Ela escolheu o amante sobre o marido, e deixou seus dois filhos pequenos, enquanto ia encontrar o que descrevia como o único homem que realmente a entendia. — E quem lhe contou isso? — Meu pai. Ella assentiu, seu coração doendo por ele. — Às vezes, os pais falam coisas demais para os filhos — murmurou ela. — Lembro-me de minha mãe chorando e me dizendo coisas sobre meu pai que eu preferia não ter ouvido. Acho que ela esquecia quem era a mãe e quem era a filha. Às vezes, as pessoas agem de modo inapropriado quando dominadas por suas emoções. — Exatamente! Por isso que eu não quero emoções em minha vida... ou “amor”. — Ele deu um sorriso cínico, pensando que ela não poderia ter lhe dado uma melhor plataforma para a verdade, se tivesse tentado. — Por que abraçar alguma
coisa que faz as pessoas agirem de maneira tão vergonhosa? Amor é tão inconsistente como o vento. Minha mãe jurou passar a vida com meu pai, e quebrou tal juramento. Então, como alguém pode confiar nos votos de matrimônio, ou em qualquer promessa de amor? Ella largou o carvão vegetal, temendo que ele visse o súbito tremor de seus dedos. O aviso na voz de Hassan era implícito; ela o ouviu alta e claramente. Mas queria saber o final. Se alguma felicidade resultara da história amarga que ele estava lhe contando. — O que aconteceu com sua mãe? Ele meneou a cabeça, porque o castigo que sua mãe sofrera não lhe trazia conforto. — A vergonha do abandono de minha mãe acompanhou-a. O amante nobre não quis se casar com uma mulher manchada daquela forma. Eu acho que ele nunca pretendeu se casar com ela, para começar. Ela apenas construiu a fantasia em sua cabeça. É claro, meu pai se recusou a aceitá-la de volta. — Ela queria voltar? — perguntou Ella. — Oh, sim. Parece que ela se deu conta do que tinha perdido... dois filhos pequenos e um homem que a amava. Porém, era tarde demais, e o orgulho de meu pai não permitiria arriscar ser feito de tolo uma segunda vez. Minha mãe começou a se descuidar. Não comia propriamente. Foi para a Suíça, e foi lá, na neve de inverno, que ela pegou pneumonia. Ella não precisou ouvir as palavras para saber que a mãe dele tinha morrido; podia ler isso nos olhos pretos. — E você nunca... nunca mais a viu? — Não. — Hassan. — Não! — disse ele novamente, esquivando-se da mão suave que tentara tocálo. Levantando-se, afastou-se da cadeira e da proximidade tentadora. Mas Ella o seguiu, porque a tristeza no semblante dele era mais do que podia suportar. Aproximou-se do corpo tenso e poderoso, e, erguendo-se na ponta dos pés,
ela o abraçou. — Hassan — sussurrou, no ouvido dele. — Querido, querido Hassan. O coração de Hassan estava disparado, e ele podia sentir a suavidade contrastante do rosto dela contra o seu. Deveria afastá-la de si, mas como poderia, quando a curva da barriga grávida estava pressionada contra ele, e braços carinhosos o envolviam? E esse foi o momento em que suas emoções há muito tempo reprimidas vieram à tona. Quando raiva, dor, vergonha e ressentimento ameaçaram inundá-lo. Ele abriu a boca para gemer, mas os lábios de Ella estavam alcançando os seus, e, de alguma maneira, Hassan a estava beijando com um tipo de desejo que nunca sentira antes. Suas mãos se abriram nos seios dela e, no instante em que os bicos enrijeceram contra suas palmas, um desejo primitivo o dominou. Com um gemido baixo, Hassan afastou-se para trancar a porta, e, quando ele voltou, Ella sabia exatamente o que ia acontecer. O abraço dele foi forte e os lábios, quase desesperados, mas ela correspondeu aos beijos com a mesma ferocidade. Hassan ergueu-lhe a túnica até a cintura, seus dedos roçando-lhe a pele fria, até que encontraram o calor úmido que o esperava. Ella não ousou gritar, nem mesmo quando ele investiu fundo em seu interior, tomando-a por trás, porque era mais confortável desse jeito, antes de estabelecer o ritmo inexorável. Ela engoliu em seco quando ele segurou-lhe os ombros, os lábios de Hassan em seus cabelos, enquanto ele sussurrava palavras estranhas em sua língua nativa. O ato de amor nunca tinha sido como aquele: com todos os sentidos aguçados pela emoção do que ele lhe contara, e o fato de que Hassan estava quebrando as próprias regras, fazendo amor com ela no estúdio improvisado. O orgasmo de Ella aconteceu rapidamente. quase rapidamente demais, parecia... e era como se ela houvesse lhe dado tudo que possuía para dar. Sentiu a investida final de Hassan. Ouviu o som estrangulado no momento em que ele despejou sua semente dentro dela. — Hassan. Por um instante, ele não conseguiu falar, enquanto inalava profundamente, sanidade retornando para esfriar seu ardor como uma chuva de verão. Contra os
cabelos sedosos, fechou os olhos brevemente, uma onda de culpa o inundando ao perceber o que tinha acabado de fazer. Ele a usara, como usava todas as mulheres. Aceitara o doce conforto que Ella estava oferecendo, e o transformara no único bem que lhe era familiar. Sexo. — Isso nunca deveria ter acontecido — murmurou ele, com a voz rouca. — Mas eu estou feliz que aconteceu! — veio a resposta veemente. Reprimindo seu remorso, Hassan saiu de dentro dela, arrumando-se, antes de virá-la para lhe segurar o rosto nas mãos. — Então, agora você entende por que eu sou o homem que sou? Por que eu não posso amar? Entende isso, Ella? Ela o fitou, seu coração se contorcendo em dor, querendo lhe dizer que a rejeição da mãe dele não significava que todas as mulheres iriam fazer o mesmo. Que ela o amaria, se ele apenas lhe desse a chance. — Eu entendo perfeitamente — murmurou ela. — Mas essas coisas não são imutáveis, Hassan. Não há motivo pelo qual você não possa mudar. — Eu posso ajudá-lo a mudar. Ele viu esperança e compreensão escritas no rosto dela, e uma onda de recriminação o envolveu. Ella não tinha ideia, tinha? Quão horrorizada ficaria se soubesse como ele fora cruel? Se descobrisse que a levara para lá com a esperança de que ela o abandonasse? E abandonasse o bebê deles, também. Hassan meneou a cabeça enquanto destrancava a porta e a abria. — Acho melhor encerrarmos por hoje. Esta sessão acabou, e eu tenho trabalho a fazer. E ele saiu da sala. Simplesmente assim. Deixando Ella piscando contra as lágrimas que se acumularam em seus olhos. Ela olhou para o começo do desenho que fizera, vendo o contorno do rosto de Hassan. Mas era estranho como algumas linhas pretas haviam conseguido capturar as feições do homem com quem ela se casara. O nariz aquilino e o maxilar sombreado pelo começo de uma barba. As maçãs do rosto autocráticas e os olhos pretos vazios. Um homem orgulhoso que lhe dissera que nunca poderia amar.
Fechando a porta silenciosamente, Ella deixou o estúdio e andou ao longo do corredor de mármore, em direção à sua suíte.
CAPÍTULO DOZE Então era assim que seria. Tudo havia mudado, entretanto nada mudara, e Ella se sentia como se estivesse vivendo num tipo estranho de limbo. Movia-se ao redor do lindo palácio, sentindo-se como uma penetra que o anfitrião bondoso permitira que continuasse na festa. O pior era que, no começo, o desabafo emocional de Hassan lhe dera esperança. Ela acreditara que, uma vez que ele tivesse tempo de refletir sobre suas palavras, pudesse passar a pensar como ela. A entender que mudar era possível. Que qualquer coisa era possível, se você quisesse muito. E, talvez, a simples verdade fosse que ele não queria aquilo. Talvez a ideia de se permitir sentir secretamente lhe causasse repulsa. Talvez as experiências da infância de Hassan o tivessem marcado profundamente demais para que ele contemplasse viver de uma maneira distinta. Porque ele se comportava como se nada tivesse acontecido. Novamente, as barreiras haviam se erguido, apenas que, dessa vez, era pior do que antes. Porque agora Ella tinha alguma coisa com a qual comparar aquilo. Sentira uma proximidade real quando Hassan se abrira sobre seu passado. Sentira como se tivesse descoberto uma nova honestidade... percebendo como seria fácil amar aquele homem orgulhoso e torturado. Mas tudo isso era uma memória distante agora; a paixão ardente entre os dois zombava de Ella, porque Hassan lhe dissera que sexo não estava mais nos planos. Suas mãos tinham tremido quando ele jogara esta bomba em particular. — Você está dizendo que não me acha mais atraente? Ele meneara a cabeça, ainda mal acreditando que se abrira com ela. Ainda
atordoado pelo sexo poderoso que se seguira, e que o deixara se sentindo... desnudo em todos os sentidos. Como se Ella pudesse ver dentro de sua alma. — Estou dizendo que sua gravidez está muito avançada — respondeu ele. — E não acho que sexo seja uma boa ideia. Ella se virara para esconder sua tristeza. E agora suas noites eram longas e solitárias. Sua cama enorme permitia que os dois se deitassem lá sem se tocar, e, quanto mais tempo passava, mais impossível ficava retornar ao que eles haviam tido antes. Hassan adormecia assim que punha a cabeça no travesseiro, enquanto ela permanecia acordada, olhando para as sombras que a lua lançava no teto. Uma manhã, ela acordou para encontrá-lo inclinado sobre ela, a fisionomia preocupada, e, por um louco momento, pensou que ele fosse beijá-la. Seus lábios se abriram ansiosamente, mas o rosto de Hassan se fechou, e ele se afastou. — Você parece exausta — observou ele. — Não tem conseguido dormir? — Não. — Porque eu sinto a sua falta. Sinto falta de seus toques, de seus beijos. De você fazendo amor comigo. Porque estou com medo do futuro... e só agora começo a perceber o sofrimento que me aguarda se levarmos vidas separadas. — Ninguém nunca morreu por falta de sono. — Não, mas essa sua exaustão não é justa para com você, ou para com o bebê — disse ele. — Eu voltarei para meus aposentos, e dormirei lá, de agora em diante. Os olhos de Ella suplicaram para que ele reconsiderasse, mesmo se seu orgulho a impedisse de expressar seu desejo em voz alta, mas Hassan cumpriu sua palavra. Não levou muito tempo antes que um dos lacaios removesse as poucas posses de Hassan de sua suíte, e, depois daquela noite, Ella dormia sozinha. Conforme os dias passavam, sua solidão aumentava. Sua vida no palácio parecia vazia e sem sentido. Apenas continuar com o retrato de seu marido, no qual colocava toda sua paixão e desespero, ajudava-a a preencher os longos dias de espera. Mas essa era sua única distração. O calor constante e falta de mudança sazonal pareciam desorientá-la. Ela sentia-se como alguém que tinha acordado de um longo sono, e se encontrado num lugar desconhecido. As flores no jardim pareciam falsas; o
céu parecia muito azul para ser real. O lindo palácio dourado começou a lhe causar a sensação de estar presa numa gaiola de ouro. Era difícil acreditar que eles estavam no começo de dezembro, e que, na sua casa, todos estariam se preparando para o Natal. Ella pensou sobre as luzes brilhantes ao longo de Regent Street, e nas correntes de papel nas quais seu pai costumava insistir, porque, independentemente de seus defeitos, ele amava o Natal, e passara esse amor para seus filhos. E, insanamente, ela começou a sentir saudade de sua família. De todos de sua família. Sua mãe podia ser cega no que dizia respeito ao marido, mas estava sempre lá quando você precisava dela. A correspondência por e-mail que vinha acontecendo, de súbito, pareceu muito inadequada, especialmente uma vez que o último e-mail de sua mãe expressara o desejo de ver “sua garotinha grávida”. Sentia saudade de suas irmãs, também Não tivera a chance de conversar com Allegra sobre seu noivado. E, embora Izzy pudesse ser errática algumas vezes, era repleta de energia e entusiasmo que faziam falta a Ella. Agora que todos os Jackson sabiam que ela estava grávida, seria vergonha admitir derrota e ir para casa, aceitar ajuda de sua família, em vez da ajuda de Hassan? Porque a ajuda de Hassan vinha com um preço que estava se tornando alto demais. Ella decidiu que queria ir para casa. E que teria de contar a Hassan. Enfatizaria que sua viagem para lá não tinha sido desperdiçada, porque, pelo menos, eles haviam se conhecido o bastante para estabelecer um grau de civilidade. E ela não seria irracional sobre o acesso de Hassan ao bebê. Na verdade, iria lhe permitir quanto acesso ele quisesse. Porque jamais deixaria que um homem que fora negligenciado pela mãe ficasse distante de seu filho ou filha. Depois de refletir bastante, Ella se sentou calmamente à mesa do café da manhã, do lado oposto de seu marido. Começou seu ritual de colocar mel no iogurte. Sentindo que Hassan a observava, ela pôs a colher sobre a mesa e encontrou-lhe os olhos escuros. — Você ainda não consegue dormir? — perguntou ele. — Mesmo agora que
tem a cama só para si mesma? — Não. Está ficando muito desconfortável para dormir. — Há algo que eu possa fazer? — questionou Hassan. Por um momento, ela ficou tentada a dizer que sim. A pedir que ele voltasse para sua cama e a abraçasse. Mas, então, lembrou que Hassan lhe dissera enfaticamente que não podia amar. Que mulher em seu juízo perfeito se contentaria com um relacionamento sem amor? — Sim — Ela hesitou, unindo as mãos, caso elas começassem tremer. — Na verdade, há. Alguma coisa no tom da voz dela fez Hassan estreitar os olhos. — E o que seria, Ella? Houve uma pausa. — Eu quero ir para casa. Um terrível senso de inevitabilidade o envolveu. — Para casa? — Sim, para casa. Eu quero ver minha família. — Mas pensei que sua família a enlouquecesse? — Eles me enlouquecem... frequentemente! — Ela o encarou com firmeza. — Mas, pelo menos, eles sentem coisas. Pelo menos, seus corações estão no lugar certo, mesmo que façam muita bobagem! A implicação dela era clara como cristal, e subitamente Hassan foi forçado a aceitar o que uma vez considerara impossível. Que, apesar de todos os defeitos, os Jackson tinham coragem de enfrentar suas próprias emoções. Suas vidas podiam ser caóticas às vezes, mas eles não fugiam e se escondiam de seus sentimentos. Todavia, ele não desprezava esse tipo de emoção descontrolada? Será que não era uma ponta de inveja que estava experimentando? — E você sente a falta deles? — Sim — Ella assentiu. — Eu me sinto como uma sombra aqui, Hassan. Como se eu fosse invisível. Quero voar para casa, de modo que possa ver rostos familiares e amigáveis, comer empada de carne e ouvir cantigas de Natal...
Para seu horror, ela percebeu que lágrimas estavam escorrendo de seus olhos, e, quando Hassan tentou tocá-la, ela bateu-lhe na mão para impedi-lo. — Não! — Ella sabia que, se ele a tocasse, ela estaria perdida. — Por favor, não faça isso. Você deixou muito claro que não me quer por perto, então não deixe que algumas lágrimas o desviem de seu caminho escolhido. Minha vida neste lindo palácio agora parece uma prisão, e começo a me perguntar se era assim que você queria que fosse, o tempo inteiro. Hassan arfou. Sentia como se estivesse vagando num labirinto de sua própria criação, onde escuridão subitamente tinha caído. Afastara Ella de si, a fim de se proteger. Afastara-a mais e mais, até que ela decidira que não aguentava mais. Agora ela queria ir embora, e ele não podia culpar a ninguém, além de si mesmo. Olhou para o rosto pálido à sua frente, para a curva inchada da barriga, e foi tomado por uma terrível onda de arrependimento. — Mas você está com quase 36 semanas de gravidez — apontou ele. — E daí? — Daí que as companhias aéreas não permitirão que você viaje. — Você tem seu próprio avião, Hassan, então não vejo como isso pode ser um problema. Em silêncio, Hassan se levantou da mesa e andou para a janela, a mente girando com pensamentos conflitantes. E se ele lhe pedisse para ficar? O que Ella realmente queria dele? No fundo de seu coração, Hassan sabia. Ela queria o impossível! Queria o homem que ele nunca poderia ser, o parceiro íntimo e amoroso que todas as mulheres eram programadas para querer. Virou-se da janela para vê-la encarando-o, os olhos azuis cautelosos, os braços cruzados numa postura defensiva. E, de repente, Hassan percebeu que essa era a única área de sua vida em que ele consistentemente mostrava uma completa falta de coragem. Tinha tanto medo de reviver a dor de sua infância que não correria nenhum risco por uma chance de felicidade? Não poderia pelo menos tentar ser o que ela queria? — Talvez você esteja certa — murmurou ele. — Eu sou culpado por
negligenciá-la. Mas, se esse é um consolo, acreditei estar fazendo isso para o melhor. — O melhor para quem? Para você? Ou para mim? — questionou ela. — Durante todo o tempo, você anda por aí, cumprindo seus deveres de rei, enquanto eu estou trancada dentro deste palácio há semanas! — Eu percebo isso. — Ele respirou fundo, não acostumado ao papel de mediador de seu próprio casamento. — Motivo pelo qual eu estava me perguntando se você gostaria de viajar? — É o que eu estou propondo, Hassan... uma viagem para minha casa, na Inglaterra. — Não, não isso. — Hassan meneou a cabeça. — Meu irmão tem uma tenda beduína tradicional, na extremidade do deserto Serhetabat. Não fica longe daqui, embora pareça como um mundo diferente. Nós poderíamos ir e passar duas noites lá. Essa seria uma mudança total de cenário. Não gostaria disso, Ella? Apesar de tudo que havia acontecido entre eles, Ella sentiu-se tentada. Certamente, duas noites numa tenda beduína significava que eles se conectariam novamente... e isso não era algo que ela ainda queria, apesar de seu coração despedaçado aconselhar o contrário? Perguntou-se o que a oferta de Hassan representava. Aquele era o jeito dele de dizer que entendia suas frustrações, e queria fazer as pazes? Ou apenas um incentivo para que ela fizesse o que ele queria, e ficasse em Kashamak? — Eu não sei, Hassan. A relutância dela não o surpreendia, e nem o brilho feroz que surgiu nos olhos azuis. Hassan percebeu que admirava a determinação de Ella em enfrentá-lo. — É um lugar muito lindo — insistiu ele. — Você precisa vê-lo por si mesma. O céu do deserto, quando está banhado pela luz da lua, é uma visão imperdível. — E depois, Hassan? O que acontecerá depois? Ele sentiu a garganta secar quando encontrou a pergunta nos olhos dela, e soube que não poderia lhe oferecer promessas vazias. Poderia dar este primeiro passo, e ver o que aconteceria, mas não tinha o hábito de distribuir falsas esperanças. — Se você decidir que está com muita saudade da Inglaterra, então é claro que
poderá voltar. Eu não a impedirei, e irei apoiar você e nosso bebê de todas as maneiras possíveis. Com o coração bombeando, Ella o estudou. Ele estava lhe oferecendo liberdade, e nunca uma oferta parecera tanto um cálice envenenado. — E você não se importaria? Hassan deu de ombros. — Naturalmente, seria mais fácil manter você e o bebê aqui — respondeu ele. — Mas eu não pretendo forçá-la a ficar. No final, a decisão terá de ser sua. Ella balançou a cabeça em frustração. Lidar com Hassan era como lidar com algum tipo de robô, um que estava condicionado a se mover, mas nunca sentir! Ele não se importa se você vai ou fica! Nada mudou em todas as semanas que você está aqui. A voz dentro de sua cabeça zombou de sua hesitação, entretanto alguma coisa em seu interior a fez querer aquela viagem Alguma pequena esperança ilógica, que se recusava a morrer, apesar de todas as probabilidades contra. — Então vamos — disse ela, fitando os olhos pretos. — Talvez ver o céu do deserto banhado na luz do luar seja exatamente do que eu preciso.
CAPÍTULO TREZE Eles partiram na manhã seguinte num veículo quatro por quatro, com o próprio Hassan dirigindo. Ella estava determinada a aproveitar o máximo do que poderia ser sua única viagem ao deserto, mas sua empolgação era temperada pela dor irritante nas costas que ela desenvolvera durante a noite e que parecia impedi-la de ficar confortável. Perguntou-se por que estava se incomodando em passar por tudo aquilo — a rainha recém-casada sendo levada ao deserto pelo seu rei sheik — , quando era tudo uma farsa. Hassan provavelmente só sugerira aquela viagem para aplacá-la.
Irrequieta, ela movimentou-se no assento. Hassan a viu puxando o cinto de segurança impacientemente sobre a barriga grande. — Você está bem? — Estou ótima — replicou ela. — Então, por favor, mantenha seus olhos na estrada, em vez de olhar para mim. Ela estava num humor irritadiço durante toda a manhã, reconheceu ele, mas fez o que ela pediu, silêncio se instalando entre eles enquanto ele dirigia, até que viu uma marca familiar no horizonte. — Olhe — disse ele. — À frente e um pouco à esquerda. Você pode ver? Ella estreitou os olhos para ver uma pequena mancha na vasta paisagem Quando eles se aproximaram, percebeu que era uma tenda, mas não uma tenda tão glamorosa quanto estivera esperando. A não ser pela cor preta, parecia apenas uma versão muito maior das tendas que ela vira em festivais de música. — Ela fica vazia o tempo inteiro? — perguntou ela. — Esta fica. Kamal a usa raramente. Eu enviei alguns servos para cá mais cedo, de modo que eles tornassem a tenda habitável para nós, mas eles já devem ter retornado ao palácio a essas alturas. Hassan parou o carro e rodeou-o para a porta do passageiro. O ar puro encheu seus pulmões quando ele inalou profundamente, enquanto olhava para o céu azulcobalto, antes de ajudar sua esposa a descer. Fazia muito tempo que ele não ia ao deserto apenas por prazer, em vez de para uma guerra, e sentiu uma onda de alegria. Roubando um olhar de Ella, ajudou-a a descer do carro. Talvez para ela não fosse um prazer estar lá. Tolerância poderia ser uma descrição mais precisa, julgando pela expressão no rosto dela. — Bem-vinda — murmurou ele. — A uma tenda verdadeiramente beduína. Para um viajante cansado, a visão de uma destas é como atravessar um oásis. Ella conseguiu mostrar um pequeno sorriso. Estava cansada, e o lugar era muito melhor do que imaginara. Mas reconhecia que Hassan estava se esforçando para agradá-la, então não deveria tentar apreciar a experiência? Andou para a entrada
da tenda, mas, quando puxou a aba e pisou no interior surpreendentemente fresco, arfou diante do que viu. Iluminado por intrincados lampiões de metal, o teto era decorado com ricos tecidos vermelhos e cor de bronze que pendiam dali. Panôs cor-de-rosa e turquesa brilhavam nas paredes, e sobre os tapetes de lã havia sofás baixos, almofadas e mesas de bronze. O ar estava preenchido com um aroma evocativo, e, por um momento, a dor nas costas de Ella foi esquecida. — Oh, uau — exclamou ela, porque aquilo era como entrar numa ilustração de As Mil e Uma Noites. — É maravilhosa. Mas a atenção de Hassan não estava na decoração. Ele estava momentaneamente hipnotizado pela expressão no rosto de sua esposa. Pelos lábios rosados entreabertos e pelos grandes olhos azuis. Ela era maravilhosa, pensou ele de repente. Com o rosto sem maquiagem e a barriga grávida com seu bebê, Hassan pensou que nunca tinha visto uma mulher tão linda em sua vida. E ela quer abandoná-lo. Ela quer deixá-lo, e você não pode culpar a ninguém, exceto a si mesmo. — Vamos nos sentar? — convidou ele. — E eu farei um pouco do chá pelo qual os beduínos são famosos. Uma leve tontura a envolveu, e Ella assentiu, abaixando-se sobre uma das almofadas. — Se você quiser — murmurou ela. Ele pôs água para ferver, e mediu ervas e açúcar, antes de adicioná-los na caneca em que o chá era feito. Mas virou-se ao ouvir o pequeno suspiro de Ella, e viu os olhos azuis se fechando por um momento. — Você está bem? Os olhos dela se abriram. — Eu ficaria, se você parasse de fazer tempestade num copo d’água! Ela parecia estar querendo provocar uma briga, mas Hassan não reagiu. Ella estava apenas emotiva, disse a si mesmo. E tinha o direito de estar. Ele carregou uma bandeja com pequenas xícaras e o chá fervendo.
— Do que é esse cheiro estranho? — perguntou ela, desconfiada. — Provavelmente habak e marmaraya. São as ervas do deserto que dão um sabor distinto ao chá. O gosto do habak lembra um pouco o de menta. Ella engoliu em seco. — Eu acho que vou enjoar. — Não é tão ruim assim Mas a tentativa de humor de Hassan foi esquecida quando Ella de súbito percebeu que alguma coisa extraordinária estava lhe acontecendo. — Hassan, eu me sinto estranha. — Estranha, como? Ela engoliu em seco. — Eu acho que vou ter o bebê. — Não seja boba. — Não ouse me chamar de boba! — protestou ela. — Como pode saber? Você subitamente tem um diploma de obstetra? — Faltam quatro semanas para o nascimento do bebê. — Eu sei disso e não me importo! O bebê está vindo agora. — Levantando-se com dificuldade, Ella sentiu líquido quente escorrendo por suas pernas, e olhou para baixo, apavorada ao perceber o que estava acontecendo. — Hassan! — Ergueu a cabeça para encontrar incredulidade nos olhos pretos. — Minha bolsa d’água acaba de estourar! Hassan congelou. Pensou no interior limpo e brilhante da ala de maternidade no hospital Samaltyn, na equipe de médicos e enfermeiras treinados que poderiam ser chamados a qualquer momento, e negação foi sua primeira reação. — Não pode ser! — A bolsa estourou! Olhe! Olhe! — Estendendo o braço, ela pegou-lhe a mão, enterrando as unhas na pele dele. — Hassan, essa foi definitivamente uma contração. — Tem certeza? — É claro que tenho certeza! Oh, meu Deus! O bebê está chegando, e nós estamos presos no meio do deserto!
Uma olhada para ela foi o bastante para convencê-lo de que aquilo era verdade, e Hassan experimentou um pânico que nunca sentira antes. Com desespero, pensou nas opções que eles tinham. Havia tempo de levá-la de volta a Samaltyn? Ele ouviu o gemido de Ella e a viu segurar a barriga com a mão livre, e soube que não havia. Deus, por que ele a levara lá tão no final da gravidez? Mas os olhos azuis estavam escuros de medo, e Hassan soube que tinha de reprimir seu próprio medo e ajudá-la. Ele a decepcionara tantas vezes no passado, mas agora ela dependia dele como nunca antes. Cuidadosamente, deitou-a sobre as almofadas, mal notando as unhas enterradas em sua pele com tanta força que lhe tiravam sangue. Seu coração bombeava freneticamente quando ele se inclinou sobre ela e apertou-lhe a mão. — Fique aqui! — comandou. — Para onde mais acha que eu vou? — Ela segurou-lhe a mão quando o sentiu se afastando. — Hassan! Aonde você vai? Ele praguejou enquanto olhava para seu celular mudo. — Eu tenho de ir lá fora, ligar para o hospital. Não há sinal aqui dentro! — Não me deixe — sussurrou ela. — Querida, eu volto já. Ella sentia como se tudo aquilo estivesse acontecendo com outra pessoa, e o não característico querida apenas enfatizou a sensação. Como se a mulher deitada ali, ofegando de dor, fosse alguém que ela uma vez encontrara, mas que não conhecia realmente. De modo vago, podia ouvir Hassan do lado de fora da tenda, dando uma série de instruções em sua língua nativa. Corra, pensou ela com fraqueza. Ella nunca ficara tão feliz em ver alguém como quando Hassan voltou para dentro da tenda e agachou-se ao seu lado. Mas então outra contração veio, e ela se agarrou a ele, sem fôlego. — Está tudo bem — murmurou ele, fechando os olhos brevemente contra os cabelos úmidos de Ella, enquanto a abraçava. — O hospital está enviando um helicóptero com um obstetra e sua equipe a bordo. Eles dizem que provavelmente ainda há muito tempo antes de o bebê nascer. Especialmente porque esta é sua
primeira gravidez. Ela balançou a cabeça quando outra contração sacudiu seu corpo. — Não! Ele estudou-lhe o rosto pálido. — Não, o quê? Apenas aguente firme — disse Hassan, entre dentes cerrados. — Eles logo chegarão aqui. — Hassan. — Suor escorria pela testa de Ella quando veio mais uma contração. — Eles estão errados. — Quem está errado? — O hospital. — Ela arfou quando a dor tornou falar momentaneamente impossível. — Eu acho que o bebê vai nascer agora! O coração dele disparou. — Não pode ser. — Sim, pode. — Como você pode ter tanta certeza? — Eu simplesmente tenho! Desesperado, Hassan olhou para o espaço vazio no deserto, que podia ver através das abas da tenda. Em quanto tempo o helicóptero chegaria? E eles seriam capazes de localizá-los facilmente? — Eu vou lá fora, conseguir um sinal. Avisar o médico que... — Hassan, não há tempo! — Desta vez, a contração foi tão forte que ela enterrou ainda mais as unhas nele. — Fique! — ofegou ela. — Hassan, eu preciso de você aqui comigo. Preciso de você. Por favor. Ele viu a mudança nela e percebeu que aquilo era verdade. O bebê ia nascer. Ali. Agora. E ele era a única pessoa que poderia ajudá-la. Teria de ajudar a trazer o bebê ao mundo. Seu bebê. Hassan sentiu um zumbido nos ouvidos, antes que sua cabeça se clareasse, e subitamente ficou calmo. Era como estar em batalha, quando os sons de luta ao seu redor silenciavam, e ele não podia ver nada além da tarefa que tinha em mãos. — Eu estou aqui — disse Hassan suavemente, injetando calma em sua voz
enquanto começava a soltar as roupas dela. — Estou aqui para você, e tudo vai dar certo. Acalme-se, Ella. Respire bem devagar. Isso mesmo. Bem devagar. A natureza sabe o que fazer. Ela o olhou. — Eu estou com medo. Ele também estava... com mais medo do que já sentira algum dia. Mas tinha uma vida inteira de experiência em esconder seus sentimentos. No momento, estava grato a tal habilidade. Segurando-lhe as mãos com firmeza, fitou-lhe os olhos. — Confie em mim, Ella. Estou aqui para você, e acredite quando eu lhe digo que tudo vai dar certo. Ella assentiu e, apesar da dor e do medo, a confiança nele naquele momento era total e absoluta. Hassan achou uma colcha macia, lembrando-se da primeira vez em que vira um potro nascer, e recordou-se do que o garoto do estábulo lhe dissera: que éguas eram como humanos, que cada parto era diferente, e que a maior parte do que acontecia não necessitava de intervenção. Por favor, permita que esse seja o caso, rezou silenciosamente, enquanto afastava os cabelos molhados de suor do rosto dela. — Hassan! — Eu estou aqui. Continue respirando. As contrações estavam aumentando em frequência e intensidade. Ela começou a antecipar a próxima, imaginando se poderia ser tão ruim quanto a anterior, apenas para descobrir que era pior. Era isso que toda mulher que tinha um bebê experimentava? — Eu não posso aguentar isso! — gritou ela. — Sim, você pode, Ella. Pode fazer tudo que quiser, porque você é forte. A mulher mais forte que eu já conheci. Em qualquer outro momento, tais palavras a teriam tocado, mas agora ela mal as registrou, quando outra contração a assolou. Mordeu o lábio com força, quando algo no seu corpo mudou, e fitou os olhos pretos de Hassan, viu a pergunta neles, e percebeu que alguma coisa muito poderosa estava acontecendo.
— Eu acho que o bebê está nascendo agora — disse ela. — Oh, Hassan, por favor, me ajude! Ele moveu-se bem a tempo de ver o topo da cabecinha do bebê aparecer. — Você está indo muito bem — disse ele, trêmulo. — Você é incrível. Está quase lá. Vagamente, Ella lembrou-se do que tinha aprendido: não fazer força até que a necessidade de fazer força fosse insuportável. Guiada por isso, e governada por instinto tão velho quanto o próprio tempo, agarrou-se a esse pensamento. — Sim — sussurrou, seu rosto contorcido de dor. — Sim. Hassan ouviu o gemido sofrido de Ella, e seu coração acelerou. Com todos os seus sentidos aguçados, moveu-se como se fosse algum tipo de robô. — Muito bem — disse ele, com a voz rouca. Subitamente, percebeu que estava olhando para os cabelinhos pretos do bebê, e um nó se formou em sua garganta. — Faça força só mais uma vez, Ella. Acha que consegue fazer isso? — Sim! Não! Eu não sei! — Sim, você consegue, Ella, você consegue. O som que ela emitiu parecia ter vindo de um lugar muito, muito profundo, e Hassan estendeu as palmas para formar um berço em miniatura, e seu bebê nasceu ali. Seu bebê. Ele sentiu a nova vida em suas mãos, e foi preenchido com um terror que nunca experimentara antes. O mundo inteiro pareceu suspenso naquele momento de absoluto silêncio, antes que um choro vigoroso rompesse o ar. Seus olhos nublaram com lágrimas, e ele olhou para baixo, vendo o ser humano minúsculo, porém perfeito, em suas mãos, o qual ele rapidamente envolveu na colcha macia, antes de colocá-lo gentilmente sobre o peito de Ella. A voz dela pareceu vir de muito longe. — Está... está tudo bem? — Ela é perfeita, minha querida. Perfeita. Exatamente como você. A mão de Ella estava tremendo quando ela tocou seu bebê, perplexidade e
alívio pela percepção de que Hassan estava chorando. E que ele estivera lá para ela. Ele estivera presente quando ela mais precisara dele. Presente em todos os sentidos. Ele poderia ser o homem que ela queria que ele fosse: sensível e forte. Ella suspirou ao ouvir o som do helicóptero no céu do deserto, e, apesar de estar feliz pela chegada de ajuda, queria agarrar-se àquele momento particular para sempre. Somente os três em seu pequeno mundo. Sem medo de que, uma vez que eles saíssem daquela tenda, Hassan voltasse a ser o homem frio e distante do passado.
CAPÍTULO CATORZE Hassan saiu do estúdio e fechou a porta, então começou a andar ao longo do corredor de mármore, em direção à suíte do bebê. Seu coração estava pesado, mas ele sabia que não poderia mais adiar aquele momento. Era hora de aceitar e encarar a verdade. Estivera esperando pelo momento certo. Esperando que Ella se recuperasse do parto, que os médicos dessem alta para mãe e filha. E que aquela terrível sensação de remorso o abandonasse. Mas o último não acontecera. O remorso não o abandonava. No fundo, ele sabia que havia uma única coisa que o faria se sentir melhor... ironicamente, a mesma coisa que faria o mundo desmoronar ao seu redor. Encontrou Ella de pé, junto à janela da saleta principal da suíte, olhando para fora e para uma das pequenas fontes, onde a queda d’água formava uma curva graciosa. Descalça, e numa túnica bege, os cabelos gloriosos cascateando pelas costas, ela se virou ao ouvi-lo entrar. Os olhos azuis estavam mais brilhantes do que o usual, mas ele os viu entristecer, como se ela também tivesse reconhecido que aquele era o momento da verdade. — Seu pai telefonou — contou ele. — Oh? O que ele disse?
Hassan viu a expressão nervosa de Ella, e percebeu que ela deveria ter passado grande parte da vida daquela forma... nunca sabendo o que o pai ia fazer ou dizer a seguir. A boca de Hassan se comprimiu. E não tinha sido o mesmo quando ela o conhecera? Ele não levara aquele mesmo elemento de incerteza para a vida de Ella? — Ele quer saber se nós iremos ao casamento de Alex e Allegra. Ela o fitou. — E o que você respondeu? — Eu disse que ainda não decidimos. Porque essa é a verdade, não é, Ella? Nós não decidimos muitas coisas, e não acho que ir ao casamento de sua irmã esteja na lista das coisas mais importantes que precisamos resolver. Ella assentiu, mas seu coração disparou. Sabia que eles não poderiam continuar adiando o inevitável, todavia estava com medo de enfrentar o que viria. Com medo de um futuro frio e vazio, sem seu marido ao seu lado. Não tivera esperança de que eles pudessem esquecer o passado e seguir em frente? Rendendo-se ao amor — sim, amor — que pulsara no ar entre eles depois que o bebê tinha nascido. Aquele momento de pura alegria, quando seus olhos haviam se encontrado, e eles tinham silenciosamente reconhecido a nova vida que criaram juntos. Olhou para Hassan agora, pensando se não seria melhor que eles adiassem quaisquer decisões por mais alguns dias. Ele ainda parecia levemente chocado, embora fizesse uma semana desde que eles tinham retornado do deserto. Os sete dias mais longos da vida de Ella, e facilmente os mais cheios de acontecimentos. Eles haviam ficado confusos e desorientados ao entrar na cidade festiva de Samaltyn, carregando sua filhinha recém-nascida com orgulho. Eles a chamaram de Rihana, porque ambos gostavam do nome, e, quando Ella descobrira que significava “doce erva”, isso reforçara a escolha do nome. Porque Hassan não estivera fazendo chá de ervas quando ela entrara em trabalho de parto? Por um tempo, ela estivera tão dominada por emoções que fora fácil fingir que eles eram um casal normal que acabara de ter um bebê. Mas agora as memórias íntimas do parto começavam a desaparecer, deixando
um casal que não resolvera nada sobre seu próprio futuro. — Você falou que queria ir para casa — começou Hassan, as palavras parecendo quase acusatórias. — Refletiu melhor sobre isso? Ella tremeu quando aquelas palavras trouxeram realidade para o momento. Durante os dias alegres após o nascimento de Rihana, tinha sido fácil esquecer sobre suas inseguranças, mas a pergunta de Hassan era direta demais para que ela continuasse ignorando a realidade. Continuava insegura em seu relacionamento com ele. E nada mudara. Sim, durante aqueles momentos mágicos no deserto, Ella se sentira tão perto de Hassan como nunca imaginara que um homem e uma mulher pudessem se sentir. Quando o helicóptero aterrissara, e a equipe médica assumira o controle, antes de deixar os dois... não, os três... sozinhos novamente por alguns minutos, parecera um momento muito precioso. Eles haviam se entreolhado sobre a cabecinha escura do bebê, e Ella pensara ter lido alguma coisa além de orgulho na expressão de Hassan. Agarrara-se à esperança de que ele agora pudesse querer formar um novo elo, e construir um futuro para todos eles. Mas tais esperanças haviam evaporado quando eles voltaram para o palácio, onde a conduta comum foi retomada quase imediatamente. Hassan fizera o que fazia melhor, e se ocupara com praticidades. Certificando-se de que ela recebesse os melhores cuidados. Dando declarações para a mídia e recusando-se a lhes contar a história completa e dramática do nascimento de Rihana. Enchendo o quarto do bebê de brinquedos e bichos de pelúcia. Todavia, a transição suave de rainha grávida para nova mãe deixara Ella se sentindo tão deslocada quanto antes. E nada mudaria enquanto estivesse com Hassan, percebeu. Por que mudaria, quando ele parecia não querer nada mais do que isso? Agora, focou-se nas palavras dele e percebeu que a situação era pior do que pensara. Que ele queria que ela fosse embora. — Eu pensei em esperar.
— Esperar pelo quê, Ella? — interrompeu ele, amargamente. — Que eu fique ainda mais apegado a Rihana, de modo que acharei insuportável quando você levá-la embora de mim? — Você quer que eu vá embora — afirmou ela com tristeza. Hassan suspirou. Ela estava determinada a lhe causar ainda mais dor do que ele já estava sentindo? E ele poderia culpá-la, se esse fosse o caso? — Eu não posso ver nenhuma alternativa. — A voz dele era dura. — Certamente, você não vê a hora de se livrar de um homem que a forçou a vir para cá, embora você quisesse ficar em Londres. Um homem que não tem coração ou compaixão. Porque agora eu olhei para mim mesmo através de seus olhos, Ella, e não gosto do que vejo. — Do que você está falando? — sussurrou ela. Ele meneou a cabeça quando a memória lhe veio à mente, como fumaça destorcida. — Aquele retrato! Eu estive no estúdio há pouco, e vi o homem que você pintou. Um homem devastado. — Hassan. — Existe algum romance em que o homem concorda em negociar com o demônio por eterna juventude? — demandou Hassan. — Enquanto isso, há um retrato no sótão que mostra a desolação crescendo no interior dele? — Chama-se O retrato de Dorian Gray — disse ela, automaticamente. — Bem, a desolação está na tela que você fez de mim, apenas que eu nem sequer recebi eterna juventude em troca — murmurou ele amargamente, até que percebeu que aquilo não era bem verdade. Porque, de certa forma, todo homem que tinha um filho ganhava o presente da eterna juventude. Uma pena que ele não veria o milagre diário da vida de sua filha se desenvolvendo. Teria de se resignar em encontrá-la em datas especiais e nas férias, o tempo precioso deles sendo gasto nos ajustes iniciais de ter de se reconectar cada vez que se encontrassem Hassan envelheceria sem conhecer realmente sua filha, e não poderia culpar a ninguém, exceto a si mesmo.
Ella o estudou. — O que você está tentando dizer, Hassan? Ele sabia que tinha de lhe contar. Tudo. Absolutamente tudo. Ela precisava saber até onde ele estivera disposto a ir... e esse seria o fim do casamento deles, de uma vez por todas. — Quer saber o verdadeiro motivo pelo qual eu insisti tanto que você viesse para Kashamak, quando descobri sobre sua gravidez? — perguntou ele. Ela lembrou-se do jeito como ele expressara aquilo na época... como preocupação por seus enjoos matinais, e a necessidade de alguém para cuidar dela. Mas não tinha sido ingênua o bastante para acreditar que aqueles fossem os verdadeiros motivos. — Foi sobre controle, não foi? Sobre se certificar que eu conduzisse a gravidez de uma maneira que você aprovasse. — Sim, foi. Todavia, eu a manipulei ainda mais do que isso — confessou Hassan. — Achei que você fosse ter problemas em se adaptar, que a maternidade iria atrapalhar seu estilo de vida. — Atrapalhar meu estilo de vida? — repetiu ela, confusa. — Isso foi quando eu ainda tinha a ilusão de que você era uma garota superficial e festeira. Uma borboleta social. Achei que você fosse odiar sua vida aqui, e querer ser livre novamente. E era isso que eu queria, também. Ella viu um músculo saltando no maxilar dele, e a expressão nos olhos negros. Mas, por uma vez, eles não estavam vazios. Em vez disso, estavam repletos da maior tristeza que ela já vira. Até pior do que quando ele lhe contara sobre a mãe. — Você queria que eu fosse embora? — adivinhou Ella. — E que deixasse o bebê para trás, com você? Hassan estremeceu, mas não desviou o olhar. A verdade era dolorosa, mas não podia negá-la. E ele não merecia essa dor? Não merecia todas as recriminações que ela jogasse em seu rosto? — Sim. — Para criar o bebê, como seu pai fez uma vez, sem uma mãe?
— Sim — Ele balançou a cabeça, como se saindo de um sono profundo. — Foi somente durante as últimas semanas que eu percebi que não poderia continuar com isso. Que não poderia infligir em meu próprio filho ou filha o que tinha sofrido. Mas, durante um tempo, tal intenção existiu. — Ele encontrou a pergunta nos olhos azuis. — Como você deve me odiar, Ella. Por um segundo, ela pensou que talvez fosse mais fácil se o odiasse, porque o homem que estava à sua frente era o indivíduo mais complexo que já conhecera. E não desconfiava que o lado sombrio e complicado de Hassan queria que ela o odiasse? Que seria mais fácil para ele se ela o odiasse, reforçando assim todos seus preconceitos contra mulheres? Mas Ella se deu conta de que ninguém nunca estivera presente para Hassan, não emocionalmente. Depois que a mãe dele partira, ele nunca permitira que alguém se aproximasse o bastante para tentar, e ela imaginou se teria a coragem para fazer isso. Para arriscar ser rejeitada por ele novamente. Todavia, que escolha possuía? Levar uma vida de arrependimentos, porque não tivera coragem de abrir mão de seu orgulho e estendê-la para um homem que precisava desesperadamente de amor. Do seu amor... e do amor da filha deles. Ela e Rihana não poderiam curar o coração ferido de Hassan? — Eu não odeio você, Hassan — murmurou ela, suavemente. — Na verdade, eu o amo. Mesmo sabendo que você não quis que eu o amasse. E mesmo quando deu tudo de si para virar meu coração contra você. Tenho de lhe dizer que isso não funcionou. E que se você me pedisse para ficar aqui, com Rihana, e ser uma esposa adequada em todos os sentidos da palavra, então eu ficaria sem pensar duas vezes. Mas eu só farei isso com uma condição. As palavras suaves e poderosas o tinham deixado sem ação, mas agora ele agiu, porque condições lhe eram um território familiar. Ele a fitou com olhos cautelosos. — E qual seria esta? Ela engoliu em seco. — Eu preciso saber que você gosta de mim, pelo menos um pouquinho. Que
existe uma pequena semente de afeição em seu coração, a qual tem chance de amadurecer e crescer. E que você irá cultivar tal semente, porque, embora eu tenha me apaixonado pela areia que nos cerca, não posso levar minha vida num deserto emocional. Por longos segundos silenciosos, Hassan olhou-a, reconhecendo a coragem que ela precisara para abrir o coração daquela forma. Seus olhos escuros começaram a piscar rapidamente, e quando ele conseguiu falar, sua voz soou rouca e emocionada para seus próprios ouvidos. — Não uma semente — disse ele. — Não uma semente? — repetiu Ella em confusão. Ele meneou a cabeça. — Não uma semente, mas uma jovem planta, desabrochando pela primeira vez na vida. Pois essa é a força de minha “afeição” por você, Ella! — Emoção o inundou quando Hassan a puxou para seus braços. — Mas eu não conheço o sentimento por uma palavra tão medíocre como afeição, porque há dias agora, percebi que tem outro nome. Algo que eu nunca conheci antes, nem ousei reconhecer. — Talvez você possa tentar reconhecer agora? — sugeriu ela, gentilmente, sabendo o que Hassan queria dizer, porque podia ver a emoção no rosto dele. Mas necessitava muito ouvir. Desnudara seu coração para ele, e agora Hassan precisava devolver o favor. Ser seu igual em todos os aspectos existentes. Ele segurou-lhe ambas as mãos nas suas. — Ella, eu amo você. Note que gaguejo ao dizer estas palavras, mas isso não significa que eu não as sinta. Com todo meu coração, corpo e alma, eu a amo. Você é tudo que uma mulher deveria ser, e eu não sei por que um destino tão generoso foi trazido para minha vida. Você me ofereceu seu coração, quando eu não mereço. — Não! — As mãos de Ella estavam tremendo quando ela segurou-lhe o rosto adorável entre as palmas. — Você não mereceu a infância que teve, e talvez eu também não. Mas acho que está na hora de termos coisas adoráveis em nossas vidas, e elas estão bem aqui, ao alcance de nossas mãos. Podemos estender o braço e pegálas a qualquer momento que quisermos, começando por agora. Não palácios,
privilégios, ou algum estilo de vida sofisticado, mas você, eu e Rihana. — E nosso casamento não irá fracassar — declarou ele, suavemente. — Não, não irá... porque nós não permitiremos que fracasse — concordou ela, trêmula. — Aprenderemos através dos erros que nossos pais cometeram, e daremos a Rihana o tipo de infância que nenhum de nós conheceu. Os lábios de Hassan eram apaixonados quando ele clamou pelos de Ella num beijo mais profundo do que qualquer beijo que já experimentara. Um beijo que falava mais do que de paixão, e talvez até mesmo mais do que amor. Falava sobre compreensão e perdão. Sobre compromisso e partilha. Sobre criar um lar feliz para a pequena garotinha que dormia em seu berço. Bobby Jackson batizara sua filha com o nome de Cinderella, porque quisera que ela se casasse com um príncipe, e, de alguma maneira, a ambição dele se tornara realidade. Mas Ella e Hassan tinham aspirações muito diferentes para sua garotinha, e era por isso que o nome do meio de Rihana era Hope, que significa esperança em inglês.
FIM
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Jordan, Penny A coroa de santina 1/4 [recurso eletrônico] / Penny Jordan, Sharon Kendrick; tradução Ligia Chabú. — Rio de Janeiro: J69C HR, 2013. Recurso digital (Paixão sagas; 10) Tradução de: The Price of Royal Duty & The Sheikh's Heir Formato: ePub Requisitos do sistema: Adobe Digital Editions Modo de acesso: World Wide Web ISBN 978-85-398-0778-9 (recurso eletrônico) 1. Romance inglês 2. Livros eletrônicos. I. Kendrick, Sharon II. Chabú, Ligia III. Título. IV. Série. 13 — CDD: 823 1191 CDU: 821.111-3