Adriana Vianna ORGANIZAÇÃO
Objetos Afetivos
Adriana Vianna ORGANIZAÇÃO
Objetos Afetivos
Objetos Afetivos Preparação: Adriana Vianna Projeto gráfico: Cid Costa Neto Capa: Cid Costa Neto, Graphics RF / Vecteezy Esta é uma publicação independente, de cunho artístico-cultural e pedagógico, distribuida gratuitamente. Os textos e imagens são de propriedade intelectual de suas respectivas autoras e não devem ser reproduzidos sem autorização.
V617 Vianna, Adriana Objetos Afetivos / organizado por Adriana Vianna São João del-Rei, Edição Independente, 2021. 23.709 KB; PDF. ISBN 978-65-00-27551-3 1. Fotografia 2. Autorretrato I. Título. CDD: 770 CDU: 77
RESUMO FOTOGRÁFICO Rua Deputado André de Almeida, 551A Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte/MG CEP: 30160-906 - Brasil www.resumofotografico.com contato@resumofotografico.com
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos por um grupo de fotógrafas durante a oficina Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos, realizada em maio de 2021. A partir da filosofia de Susan Sontag e do estudo de casos na literatura de Clarice Lispector, nos apropriamos do tempo, do espaço e dos objetos afetivos que possibilitaram o diálogo entre palavra e imagem para concretizar transformações durante o processo artístico. Adriana Vianna
Para o filósofo Friedrich Nietzsche, nós somos uma corda sobre um abismo, uma corda esticada entre o que fomos e o nosso devir. “A travessia é perigosa, é perigoso tremer e parar”, diz ele. Entre tempos, somos nossas circunstâncias possíveis, habitando nosso corpo poético, político e com memórias - se não salvamos nossas circunstâncias, não salvamos a nós mesmos. Eis o vestígio que Susan Sontag contornou em algum momento no ensaio “Diante da dor dos outros”. Em meio a tantas fotografias de guerra que não deveriam se apresentar com beleza e sim fazer refletir, denunciar as circunstâncias da “corda sobre o abismo”, Sontag nos aponta o desvio para arte quando anuncia que a fotografia enquanto imagem pode transformar o sofrimento inaceitável da vida real, em algo aterrador mas perfeitamente suportável, quando entrelaça esse poder duplo de gerar documentos e criar obras de arte. É nesse campo híbrido das linguagens que encontram-se as fotografias que reúno nesse livro como documentos que tratam de histórias reais vividas pelas fotógrafas - quase todas em processo de luto - e a sua transformação em ato fotográfico, objeto da arte. Pela proposta da Oficina fomos conduzidas à metamorfose tão necessária para a sobrevivência e recuperação da vida após traumas. Adriana Vianna
Adriana Vianna ................................................... 09 Claudia Borba ........................................................ 13 Cris Odaris ............................................................. 19 Edna Costa ............................................................. 25 Elisa Rossin ........................................................... 29 Erica Modesto ....................................................... 33 Fernanda Toigo .................................................... 39 Gilma Mello ........................................................... 43 Giovana Pasquini ................................................ 47 Gizele Lima ........................................................... 53 Jana Inocencio ..................................................... 59 Jeanete Domingues ............................................ 63 Julien Rose ........................................................... 67 Kika Antunes ....................................................... 71 Lara Pires .............................................................. 75 Letícia Valente .................................................... 81 Lu Rocha ................................................................ 85 Lucianny Carvalho ............................................. 91 Maria Cristina ...................................................... 97 Thais Andressa .................................................. 103 Viviane Pedroso ................................................ 107
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Perdida no inferno abrasador de um canyon uma mulher luta desesperadamente pela vida” Clarice Lispector
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Adriana Vianna São João del-Rei, MG
@adri_vianna Artista, pesquisadora, professora, fotógrafa, atua na área de arte educação, história da arte, cinema, galeria de arte, há mais de dez anos. Em 2019 passou a trabalhar para dar visibilidade ao corpo feminino. Escreve regularmente no site Resumo Fotográfico e leciona cursos em que mulheres são protagonistas. Seus projetos autorais envolvem questões do efêmero nas paisagens e identidade nos autorretratos.
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Improvisando recursos afetivos, eu andava dentro de casa, dentro de mim. A vida do lado de fora estava off, e a minha, como continuaria? Dei a mexer em tudo que estava guardado, a memória trouxe o passado de recente e a imaginação trouxe lonjuras ancestrais. A conexão foi feita pelos objetos de família (in memoriam), em especial os relógios do pai, a caixa de música da mãe, a rosa da bisavó que passou para a mãe que passou para mim. A rosa-demiurga. Essas memórias foram tratadas e identificadas como objetos que ocupavam seus espaços de referências históricas. Os objetos, como coisas significantes que geram imagens escritas alcançaram lugar de presença que me olha e acena um devir. Dessa experiência nasceu o projeto da Oficina. Com a inclusão da filosofia de Sontag e a literatura de Lispector que vem das experiências pessoais, as conectei para compartilhar com outras histórias de mulheres que continuarão sendo conquistadas pela sobrevivência das metamorfoses. Adriana Vianna
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Julho de 2021 - 11
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Escuta: eu te deixo ser, deixa-me ser então” Clarice Lispector
Claudia Borba Porto Alegre, RS
@pombaclaudia Professora, cineasta, poetiza, grafista. Pomba Cláudia ocupa os lugares com sua expressão para aprender, para trocar. Dirigiu o curta-metragem “Pé de cabra”, em 2015, que compõe uma antologia de terror, participou de exposições coletivas de grafismo e busca nas artes uma forma de gritar ao mundo: eles não merecem nosso silêncio.
Julho de 2021 - 13
“Eles não sabiam como se passeia. Andaram sob a chuva grossa e pararam diante da vitrine de uma loja de ferragem onde estavam expostos atrás do vidro canos, latas, parafusos grandes e pregos. E Macabéa, com medo de que o silêncio já significasse uma ruptura, disse ao recém-namorado: - Eu gosto tanto de parafuso e prego, e o senhor?” Clarice Lispector
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Julho de 2021 - 15
Objeto Fálico de Metal é um vídeo experimental criado com uma sequência de fotos e fragmentos de vídeos com objetos que simbolizam a dureza da infância, a feminilidade e o abuso. O ponto de partida se deu através da proposta lançada pela Prof. Dra. Adriana Vianna em uma oficina que, ainda que breve, trouxe diversas reflexões sobre autoconhecimento e expressividade. Como inspiração, adotei um dos livros que tem sido chave em vários momentos da minha vida: A Hora da Estrela e, mais precisamente, sua protagonista Macabéa que, em quase todos os momentos, se depara com a dureza da vida, com os parafusos e pregos tão simbólicos quanto à opressão deste nosso universo falocêntrico, objetos tão representantes do proletariado, da dor e da culpa que a religião nos impõe ao assumir-se como mártir, crucificando-nos à culpa de nossa própria existência. Claudia Borba
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Julho de 2021 - 17
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A mulher não está sabendo: mas está cumprindo uma coragem” Clarice Lispector
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Cris Odaris Florianópolis, SC
@odaracris Sou Cristina, mulher mãe, 31 anos, fui casa e ainda sou alimento de outro ser. Vivi um puerpério intenso, vivo uma maternagem real. Seria impossível mergulhar nesse mar sem que ele refletisse no meu trabalho, que é parte do meu ser. Iniciei com fotografia na época de estudante de jornalismo, em 2011. Desde então, ela sempre se integrou no meu trabalho com comunicação. Após cinco anos entre agências, assessoria de imprensa e redações, resolvi seguir o caminho do meu coração: apostar no meu trabalho autoral.
Julho de 2021 - 19
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dor do parto de partir partir-me ao meio para você ir parto agora do princípio de que parir nem sempre é chegada partidas par tida parida para onde? se não havia vida mas o sangue era vivo me latejava o corpo o sangue era vivo e eu achei bonito enquanto ele escorria e eu te juntava os pedacinhos porque eu me sentia aos pedaços incompleta re-partida mas também viva há muita vida na morte mas, quem entende? se não nasceu, não existiu? mas nasceu entre os azulejos do banheiro ao brilho da lua cheia mas, não cresceu tudo bem, tudo bem logo vem outro logo é outro dia porque choras ainda? porque pari porque partiu
porque morri junto e renasci ao colocar na terra ao saber que tão grande você seria que não caberia em mim quantas partem sozinhas com medo quantas partem no escuro em banheiros sujos com remedios clandestinos com alivio e medo e dor e alivio e medo quantas partem e não voltam dizem sermos livres me chamam assassina se escolho me falam que não foi nada se aconteceu sem minha escolha que logo passa em nenhum dos lugares da escolha ou não escolha do bem quisto ou mal quisto em nenhum dos lugares importa eu o meu parto minha partida então reparto-me porque quando te perdi encontrei-me de outra forma numa forma que não tem forma em algo que nunca saberei você vive em mim e eu vivo em cada uma cada uma que sangra todo mes todo dia. Julho de 2021 - 21
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Julho de 2021 - 23
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Ouve-me, ouve o meu silêncio.” Clarice Lispector
Edna Costa São Paulo, SP
@edncosta1 52 anos, fotógrafa amadora, tem na fotografia sua motivação para viver.
Julho de 2021 - 25
“Nunca pensara em ‘eu sou eu’.” - A Hora da Estrela 26 - Objetos Afetivos
Por Adriana Vianna Edna Costa chegou a dizer que não ia concluir o trabalho porque sua pouca experiência a deixava tímida. No entanto, com uma estimulação pontual em seu processo criativo, ela voltou e conseguiu entregar essa síntese expressiva e universal que certamente conversará com muitos nesses dias de crise. Seu processo criativo foi inspirado na personagem de A Hora da Estrela - uma mulher que representa milhares de pessoas que vivem a vida em um anonimato tão profundo que chega a beirar o anonimato para si mesma. Edna, virando o jogo através do ato fotográfico, tem retomado seu lugar de protagonista na própria história. “A datilógrafa vivia numa espécie de atordoado nimbo, entre céu e inferno. Nunca pensara em “eu sou eu”. Acho que julgava não ter direito, ela era um acaso. [...] Pensando bem: quem não é um acaso na vida? Quanto a mim, só me livro de ser apenas um acaso porque escrevo, o que é um ato que é um fato. É quando entro em contato forças interiores minhas, encontro através de mim o vosso Deus. [...] Espanto-me com o meu encontro.”
Julho de 2021 - 27
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Viver essa vida é mais um lembrar-se indireto dela do que um viver direto” Clarice Lispector
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Elisa Rossin Embu das Artes, SP
@lirossin2019 Artista cênica e doutora pela Universidade de São Paulo. Seus trabalhos são atravessados por diferentes linguagens, como teatro, dança, fotografia e cinema. Sempre foi apaixonada pelo universo das máscaras e atualmente pesquisa a construção de mascaramentos pessoais a partir da realização de autorretratos poéticos.
Julho de 2021 - 29
Mulher-objeto com cheiro de desejos guardados que acende com poesia! 30 - Objetos Afetivos
Brinquei apenas de tornar-me presença entre os demais objetos que habitam o antigo apara(dor) na sala de estar. Misturei-me com os reflexos do tempo e do espelho e vi meu rosto projetado como lembrança. Senti saudades daquela moça que fui no retrato e me perdi na saudade dos afetos emoldurados. Comparei a luz da pele com a luz da madeira, esculpi imagens internas e externas, habitando dentro e fora dos quadros imaginários. Mas confesso, brinquei mesmo foi com o acaso ao construir, por fim, uma poesia visual como suporte para uma explosão interna de calmarias! Elisa Rossin
Julho de 2021 - 31
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Para que um sentimento perca o perfume e deixe de intoxicar-nos, nada há melhor que expô-lo ao sol” Clarice Lispector
32 - Objetos Afetivos
Érica Modesto Rio de Janeiro, RJ
@erica_modesto Fotógrafa, diretora de audiovisual e produtora cultural carioca em atuação desde 2008. Seu trabalho artístico autoral explora temas como a memória, a efemeridade e o erotismo através de autorretratos, experimentações com técnicas botânicas e colagem.
Julho de 2021 - 33
34 - Objetos Afetivos
As imagens diante da vela vieram provocadas pela falta de luz no dia de realizar o trabalho do curso, que me colocou diante do castiçal para iluminar a casa e os afazeres e que acabou por me fazer recordar a relação intensa que tenho com as velas e o fogo. Sempre gostei de olhar velas queimando, acho lindo o fogo dançando diante de mim, e talvez por isso sempre tenha gostado de acender velas em casa como um ritual de conexão com minha espiritualidade e minha força pessoal. O calor do fogo me faz sentir muito viva, ao mesmo tempo em que é impossível não me relacionar com o fato de que ele consome a matéria e o oxigênio ao redor, fazendo desaparecer a vela e fazendo restar apenas a fumaça. Foi a partir da metáfora do esvair-se do fogo que criei a narrativa fotográfica enviada, na qual vou me desmaterializando diante da vela até não restar mais nada, exceto a chama, que usa meu ar, minha presença, para manter-se viva e dançante até que exista apenas a escuridão. Sigo invisível ali, no breu, na fumaça, no cheiro da parafina derretida, no silêncio da falta de eletricidade. A luz vai retornar e vou reaver meu corpo uma vez mais, mas a sensação de não me achar no escuro faz das trevas um lugar menos desconhecido para se frequentar. Érica Modesto Julho de 2021 - 35
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‘Libertar’ era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores” Clarice Lispector
38 - Objetos Afetivos
Fernanda Toigo São Paulo, SP
@fernandatoigofoto Fernanda Toigo, fotógrafa, comunicóloga, publicitária, mãe. Formada pelo Centro Universitário Belas Artes de São Paulo.
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Julho de 2021 - 41
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Cada pessoa é um mundo, cada pessoa tem sua própria chave e a dos outros nada resolve” Clarice Lispector
42 - Objetos Afetivos
Gilma Melo Florianópolis, SC
@mellogilma Natural do Rio de Janeiro, resido em Floripa. Meu trabalho é híbrido, onde misturo autorretrato, colagens, pintura e impressões com placas de ferro sobre canvas ou voal. Participei de várias exposições coletivas, três individuais, salões e feiras de artes.
Julho de 2021 - 43
Autodidata, carioca, comecei minha jornada em 1986 nas oficinas do Centro Integrado de Cultura em Florianópolis, depois de fazer várias oficinas, cursos e workshops até me sentir preparada para trilhar por este caminho. Participei de diversas exposições coletivas e três individuais, sendo que a última foi virtual em decorrência da pandemia, mas que em posteriormente será presencial na Galeria da Assembleia Legislativa do Estado. Aventurei-me na fotografia há 4 anos, faço uso do autorretrato como forma de expressão e também da fotografia híbrida, participando de editais, festivais e feiras de fotografia. Gilma Melo
44 - Objetos Afetivos
Julho de 2021 - 45
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É preciso saber sentir, mas também saber como deixar de sentir” Clarice Lispector
46 - Objetos Afetivos
Giovana Pasquini São Paulo, SP
@giovanapasquini Graduada em Comunicação Social e Fotografia (2002), é freelancer em design gráfico e animação. Na fotografia, dedica-se à cobertura de espetáculos e fotografia autoral. Participou de exposições coletivas e individuais entre 2012 e 2018. Publicou a série de zines “Crap Noir” e o livro “Quando o deserto já não basta”. Desde 2017, gerencia junto a sua sócia o espaço Vacca Madre, centro cultural independente.
Julho de 2021 - 47
48 - Objetos Afetivos
Fotografo tudo o que me chama a atenção no meu dia a dia ou que de certa forma me emociona. Estou o tempo todo guardando essas imagens. Quando uma ideia para um trabalho aparece é por necessidade de começar a expor algum pensamento ou emoção de forma mais organizada, para que eu consiga entender o porquê de sua existência. É nesse momento que revisito as imagens que guardei e começo a juntar os pedaços. Às vezes, ainda estou no processo de criá-las, outras vezes elas já estão todas lá. Para o exercício proposto na oficina, escolhi uma das muitas questões que tem me acompanhado: a morosidade e as incertezas deste período que estamos vivendo (sanitário, social e político). E, aproveitando um ensaio que já havia iniciado anteriormente, usei o violoncelo como objeto afetivo. A música me acompanha desde cedo, por conta dos meus pais que apreciavam muito e fizeram questão de que cada filho aprendesse um instrumento. Eu aprendi flauta quando
criança, mas, mais recentemente, me apaixonei pelos instrumentos de corda. O cello, especificamente, me remete a um passado aconchegante e carinhoso, por conta de seu som, e, também do cheiro de madeira. Para mim, este instrumento traz similaridades com o corpo humano e, ao tocar, com ele apoiado na altura do peito, do coração, é possível sentir toda a vibração do som, provocando a sensação de fusão do meu corpo com o do instrumento. Além disso, seu som melancólico é capaz de preencher o espaço próximo ao chão, provocando a sensação de uma certa melancolia. Aqui, estão algumas das imagens que compõem o ensaio ainda em desenvolvimento. O nome, Solilóquio para a melancolia, veio como uma “brincadeira” de fazer uma sonata em homenagem à melancolia. Solilóquio é uma reflexão que se realiza em voz alta, de forma solitária. É um discurso que a pessoa mantém consigo mesma. Giovana Pasquini Julho de 2021 - 49
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Julho de 2021 - 51
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Aprenda a encantar e a desencantar. Observe, estou lhe ensinando qualquer coisa de precioso” Clarice Lispector
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Gizele Lima Belém, PA
@gizelelimavieira Gizele Lima é uma artista visual, nascida em Belém do Pará, e residente no Rio de Janeiro desde 2005, frequentou grupo de estudos no Ateliê da Imagem e na A Casa Foto Arte, no Rio de Janeiro, e desde 2016 participa de exposições coletivas. Tem o corpo feminino como linguagem, este corpo que parece emergir e submergir, nascer e morrer, mas ao mesmo tempo é vivo, pulsando nas suas imagens. Sua produção se faz em diferentes meios como a fotografia, performance, intervenções e vídeos.
Julho de 2021 - 53
Deserto O que há por trás da mulher? Em meio a rotina do mundo contemporâneo, as responsabilidades, as mudanças, onde está a mulher? Debaixo das roupas, da maquiagem, dos filhos, dos compromissos, da cordialidade do cotidiano. Onde ela pode chorar suas dores, desaguar, sangrar? Onde estão os seus anseios, quando não se tem que estar pronta a responder a todas as demandas? Onde estão seus desejos, seus sonhos mais íntimos? Onde estão suas dores intrínsecas? O trabalho da autora quer explorar a mulher no seu íntimo, expondo suas dores, com todo o peso do seu cotidiano, observando nos detalhes do corpo, como este reage, e traz um mundo de significados que levam à reflexão necessária ao tempo corrido. Gizele Lima
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Abre a boca e sente o ar fresco inundá-la. Por que esperou tanto tempo por essa renovação?” Clarice Lispector
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Jana Inocencio São Paulo, SP
@janainocencio_fotografia Sou a Jana de Janaina, mulher, negra, periférica, sagitariana, artesã, fotografa, entusiasta do bem viver e a fotografia sempre foi um jeito de me comunicar, socializar e estar com minha família, a fotografia me auxilia no autoconhecimento e a posicionar a minha existência no planeta. Participei da expo “Corpórea: quem te mandou?” e do Festival de Imagens Periféricas, entre outros projetos.
Julho de 2021 - 59
O autoretrato é muito novo na minha vida, sempre fotografei sem noção técnicas, registrando mesmo a minha família, movimentos culturais que fazemos parte e a fotografia sempre foi um meio de me comunicar com as outras pessoas e agora com as filhas criadas, estou tendo a oportunidade de fazer um curso técnico em processos fotográficos e estou num momento de me conhecer, então a fotografia está fazendo parte desse autoconhecimento, durante a oficina de retratos e autorretratos conceituais como objetos afetivo com a orientação de Adri Vianna, me lembrei de um bule de aluminio e cabo de madeira que minha mãe me deu do primeiro casamento dela, deve ter quase 70 anos, ele tá bem amassadinho trazendo a sensação do quanto foi utilizado, minha mãe me contou que ganhou de um a amigo de seu esposo que tornará seu amigo também e acompanhava uma bandeja com xícaras para café, então refleti muito como eram as uniões nessa época, muitas vezes arranjados e como exercício busquei utilizar espelhos e a iluminação da vela que traz uma certa nostalgia e remeter ao passado. Foi um processo de imersão através desse objeto de afeto, me deixei levar por esse movimento da luz de vela, dos reflexos no espelho e com vários explorando sentimentos e sensações. Foi muito especial e o resultado foi uma serié de 6 imagens e um texto que chamo de poesia afetiva. Jana Inocencio 60 - Objetos Afetivos
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‘Libertar’ era uma palavra imensa, cheia de mistérios e dores” Clarice Lispector
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Jeanete Domingues Guarulhos, SP
@jeanetedomingues22 Formada em direito, atuei por mais de 30 anos como advogada. Quando pensei em aposentar resolvi enveredar na fotografia, uma paixão antiga. Fiz vários cursos na área, atuando no segmento da fotografia de família. Neste momento busco algo novo na área, maisespecificamente na fotografia criativa, tentando trazer um sentimento intrínseco do meu existir como forma de expressão.
Julho de 2021 - 63
Neste singelo trabalho tento mostrar momentos de angústia que tenho passado com minha mãe mas também todo amor e alegria de ainda tê-la comigo. “Fico com medo. Mas o coração bate. O amor inexplicável faz o coração bater mais depressa. A garantia única é que eu nasci. Tu és uma forma de ser eu, e eu uma forma de te ser. Eis os limites de minha possibilidade” - Clarice Lispector Obs.: Gosto muito das cores quentes e o amarelo me trás a esperança de dias menos sombrios. Jeanete
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Porque despertei simultaneamente mulher e humana” Clarice Lispector
66 - Objetos Afetivos
Julien Rose Madri, Espanha
@julienrose__ Artista visual brasileira que vive na Espanha e desenvolve seus projetos artísticos nas áreas de vídeo, collage e fotografia. Seu currículo consta de exposições de fotografia e collage, assim como de projeções de videoarte e curtas-metragens na Espanha, Brasil, Polônia e Alemanha.
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Perder a minha mãe foi o mais difícil que já vivi até hoje, e o processo de fotografar dentro da sua casa ao mesmo tempo que vivia o luto foi doloroso e sanador. Passei semanas sentindo falta de ar e mesmo ausente, ela estava presente em cada detalhe dessa casa. Tentei plasmar esse sentimento de sufoco nas minhas imagens, usando seus pertences e as flores do seu jardim. Essa mulher tão forte e tão amada já não está, mas seu amor sempre permanecerá em mim e em todos os sorrisos que ela me deu.
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Fui moldada em tantas estátuas e não me imobilizei...” Clarice Lispector
70 - Objetos Afetivos
Kika Antunes Belo Horizonte, MG
@antuneskika Estudei Comunicação Social até meados de 1991, mas foi na aventura e imersão em um laboratório e em cursos livres que descobri a fotografia como expressão. Desenvolvi trabalhos essencialmente no âmbito das artes cênicas, espectáculos e fotografia documental.
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72 - Objetos Afetivos
ato ou fato? permanência ou fuga? perda ou abandono? mágoa ou culpa? procuro no instante aquele minuto, um sopro de medo e incerteza, a cena do dia, a hora em que o segundo se abriu e revi você, ou o que você seria, ou onde quer que esteja agora neste outro segundo do hoje. neste instante, neste fragmento de lembrança, olho a pele já envelhecida, a derme lacerada e pouco cuidada, uma cicatriz exposta, dolorida, revela medos e acende culpas... olho com carinho o que seria você. ficou pouco carinho pra mim... algo escapou, entre um sim e um não o medo preencheu os espaços, estavamos sós, com medo e desamparados, rompendo a vida. este romper é ao mesmo tempo, abrir a fenda de um segundo interminável e saltar a outro segundo irrepetível. agora espio o que restou. minhas maos vão e vem no peito. espiar é olhar secretamente, as escondidas... olho meu peito. expiar é purificar de uma falta cometida. expio o tempo. eu tão só. eu tão amor. liberta, complexa e sacrificada pelo ontem que não termina.
eu despida. liberta. fecho os olhos e abro dentro de mim. no minuto expandido e desprotegido descubro, conheço e reconheço o medo, a culpa, o amor, a fragilidade, a incompreensão, o sacrifício, a solidão, a potência de estar onde se está, de ser quem se é, de entregar o que se tem... recolho sentimentos e costuro cada retalho, abro o espelho do perdão, do amor. os pedaços de mim , sombrios e doloridos começam a ser enfeitados de pérolas e vidrinhos, de escarlate e violeta, sou carne e céu. sempre fui. existe uma cama para o corpo que dói. deito, e por sobre meu corpo um tecido me cobre, é lindo. milhares de bordados em sua trama me enfeitam, me acolhem. observo um bordado especial, uma pequena janela amalgamada perto de onde o tecido toca o coraçao, ali uma fenda permanece, ela foi coberta por um delicado tule, suas bordas recobertas por contas azuis, dali uma luz potente emana . já posso descansar. Kika Antunes Julho de 2021 - 73
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À duração de minha existência dou uma significação oculta que me ultrapassa” Clarice Lispector
74 - Objetos Afetivos
Lara Pires São Paulo, SP
@eularapires Oi, eu sou a Lara Pires, tenho 26 anos e sou fotógrafa há sete. Atualmente moro em São Paulo e sou especializada em ensaios profissionais femininos.
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O foco do meu trabalho tem sido retratar mulheres de todos os corpos de idades. Sou a favor da liberdade da feminina e sou contra objetificação da mulher na fotografia. Defendo a produção de imagens mais democráticas, mais amigas das mulheres e menos dos padrões impostos. Acredito que fotos podem ser ferramentas de expressão artística e de cura interior. Lara Pires
76 - Objetos Afetivos
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78 - Objetos Afetivos
Sintoma você não é ninguém de quem eu me orgulhe é minha parte fodida quebrada violenta exposta minha degradação é ter ficado tanto tempo porque talvez se eu conseguisse provar que você não é tão errada eu não teria que me corrigir
sua arma é a indiferença a minha, o masoquismo se eu me importasse desejaria que você parasse de se anestesiar com tantos pedaços, migalhas corpos fragmentados já essa nossa linha borrada entre o que era sintoma e o que era gostar ainda vai levar mais um tempo para se desenhar Lara Pires
eu queria consertar você por causa da minha bondade ou porque tenho a sua doença? talvez sejamos os opostos do mesmo espectro temos o mesmo vício a mesma falta de amor próprio
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Luto por conquistar mais profundamente a minha liberdade de sensações e pensamentos, sem nenhum sentido utilitário: sou sozinha, eu e minha liberdade” Clarice Lispector
80 - Objetos Afetivos
Letícia Valente São Paulo, SP
@valente_leticia Paraense, psicóloga de formação e fotógrafa autoral. Participou de exposições em galerias paraenses com as temáticas do Círio de Nazaré, universo feminino e cultura amazônica. Membro do Coletivo Paraense de Streetphoto Club do Urubu, desenvolve trabalho de fotografia documental com os trabalhadores do Mercado do Ver-o-Peso, em Belém, desde 2018, juntamente com trabalho autoral de fotografia street. Atualmente desenvolve trabalho autoral de autorretrato como ferramenta de construção de identidade.
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Sobre o processo criativo: Título: Álcool sobre nota. Nota de pesar. Nota de repúdio. Nota. Série produzida durante a pandemia, é um grito de socorro que retrata a dor da situação de isolamento somada à revolta pelo descaso do Governo no enfrentamento da covid-19 no Brasil. Na rotina pandêmica, higienizar compras com álcool tornou-se o hábito que simboliza esse sentimento, dando vazão ao medo e à angústia de não saber quando nem se vai acabar. Letícia Valente
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Desejava ainda mais: renascer sempre, cortar tudo o que aprendera, o que vira, e inaugurarse num terreno novo onde todo pequeno ato tivesse um significado, onde o ar fosse respirado como da primeira vez” Clarice Lispector
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Lu Rocha Contagem, MG
@pretarochaliz Sou Lu Rocha, professora de Artes, residente na cidade de Contagem/MG. Minhas pesquisas em arte se dão através da pintura e da fotografia. Normalmente fotografo com câmeras digitais, analógicas e com a pinhole.
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86 - Objetos Afetivos
A série “Sem voz” são autorretratos com sobreposições de imagens com formas orgânicas que fiz no decorrer dos anos. Imagens essas que agregadas ao autorretrato compõem um significado de como tenho vivido a vida. Com as reverberações que o conto de Clarice Lispector, Obsessão, teve sobre mim, através do comportamento de Cristina, a personagem do conto, uma possibilidade de expressar sentimentos que há muitos já estavam em mim, surgiu.
Enraizada nos valores que me foram impostos, vivi, ou talvez vivo, sem saber quem eu sou. Me mantiveram calada por muito tempo, isolada em mim mesma, como uma pessoa que não conseguia se expressar e sem condições de lutar por si. Devia ficar sempre com a minha boca fechada, do contrário, sofreria as consequências. Fizeram-me acreditar que eu era incapaz, estava fadada ao fracasso. E em muito tempo andei por este caminho, que me levou há mais e mais pessoas com a “semente” da maldade, como diria Cristina. E me lembro das palavras de Clarice, na voz de Cristina “transformei-me independemente da minha consciência e quando abri os olhos, o veneno circulava, irremediavelmente no meu sangue, já antigo no seu poder.” Fato é, que o mal já foi feito, e digo, fizeram um bom trabalho! Mas devo continuar acreditando nas mentiras que me foram ditas? Penso que não! Devo agora romper as paredes do casulo em que vivi e me ressignificar e me reconstruir. Hoje, sei que tenho voz! Hoje, sei que eu posso gritar. Lu Rocha Julho de 2021 - 87
88 - Objetos Afetivos
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90 - Objetos Afetivos
Agora - silêncio e leve espanto” Clarice Lispector
Lucianny Carvalho Rio de Janeiro, RJ
@pequenoconceito_criativa Nascida em 16 de junho de 1974, funcionária pública, natural do Rio de Janeiro. A fotografia sempre esteve presente em suas memórias de infância. Herança emocional, especialmente paterna. Acredita que a criatividade e a arte conceitual são as vias para a compreensão dos afetos e para dar forma aos tumultos internos, parafraseando Nise da Silveira.
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Meu nome é Lucianny Maria Carvalho, nascida no Rio de Janeiro, 47 anos, funcionária pública há 27 anos, sendo a Oficina “Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos” a minha primeira experiência estruturada com a arte de fotografar, amadoramente. O gosto pela fotografia, creio, advém da infância. Meu pai gostava de fotografar e tenho muitos registros desse período. No entanto, sempre gostei de ser fotografada, nunca me ocorrera até então fotografar. É recente, posso assim dizer, o hábito de fazer registros de lugares, pessoas e momentos com um olhar conceitual. É recente, também, valer-me da fotografia, conjuntamente com outros elementos (música, literatura, poesia, manipulação de imagens), para expressar afetos e despertar sentidos, o que se dá intuitiva e espontaneamente. É recente, também, apropriar-me do termo “criativa”, uma vez que sempre acreditei não ser esta uma característica/ habilidade minha por uma limitada visão do termo, pautada na vivência escolar. A fotografia hoje é a linguagem dessa “persona criativa”, que nasceu com a pandemia e busca ancorarse nesse e em outros segmentos da arte para não submergir. No momento, encontro-me na dolorosa travessia do luto pelo falecimento do meu irmão, 38 anos, devido a complicações da Covid, ocorrido há 3 meses. 92 - Objetos Afetivos
Minha família por parte de mãe - que faleceu em 2012 - mora em Florianópolis. Meus pais se mudaram para a cidade quando meu irmão tinha 14 anos e a minha relação com a família sempre foi marcada pela distância. Não acompanhei a sua adolescência, não me dera conta de que o “menino” se transformara num homem. Um homem que se agigantou em meio à dor, que foi o esteio do pequeno núcleo familiar (pai, mãe e dois filhos) quando minha mãe cometeu suicídio devido à depressão associada ao mal de Parkinson. Um homem que foi o elo para que esse núcleo não se perdesse, o menino que assumiu o “lugar” que se julgava caberia ao meu pai e a mim, de cuidado, de apoio, afinal era o caçula, meu menino. Um homem que frente à minha ruptura psíquica, em decorrência do trauma pelo suicídio da minha mãe, esteve presente à distância e tudo fez para que eu alcançasse êxito no meu tratamento. Soube que havia contraído o vírus por ele, “estive com ele”, por via de mensagens no WhatsApp, todos os dias em que esteve internado. Não esteve em leito de UTI. O último laudo na noite anterior informara que as taxas inflamatórias estavam reduzidas, a saturação estava normal, o comprometimento do pulmão estava no patamar mínimo. Aguardávamos a alta, havia falado comigo pela manhã, quando no início da tarde recebi a notícia de que teve uma parada cardiorrespiratória e não resistiu. Não percebera que, durante todo o período de espe-
ra, angústia, não regava as plantas da pequena área verde do apartamento. Para além disso, as via desfalecer diariamente. Todos os dias eu as via “perdendo vida”, pensava no porquê de não as regar, de não “salvá-las”... O mesmo ocorreu com os arranjos semanais de flores, sequer colocava nos vasos, não os retirava do “embrulho” em que eram entregues, deixava ali, e assistia desfalecerem. Há quatro meses não há vida quase, poucas resistiram. O verde já não aparece entre as folhas secas, mortas.
Desfalecer Manhã
Chorara na análise relatando este fato quando foi proposto o trabalho de conclusão da oficina, chorara na análise porque não sabia o que registrar sendo eu uma fotógrafa amadora. Foi sugerido pela minha analista que construísse a narrativa a partir dessa minha percepção. Foram três dias imersa para trazer com veracidade o que esse coração em luto sente. As plantas representavam que morrera uma parte de mim. Não há mais aquele que ainda trazia a leveza da minha mãe, a generosidade. Aquele que melhor reuniu as virtudes dos nossos pais não está mais aqui. E todos os dias, de manhã, o coração “acorda” e se dá conta de que é real, a dor grita e a vida convoca a seguir em frente. É preciso, ele assim desejaria, penso. E assim levanto e tento continuar a travessia para transmutar essa dor em doces lembranças, saudades.
Desfalecer Tarde
Desfalecer Noite
Por fim, lembrei-me da echarpe da minha mãe, úniJulho de 2021 - 93
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ca peça de vestuário que ficou comigo e que ficou intocada por todos esses anos. Era esse o objeto afetivo que deveria se unir às plantas e flores para retratar a dor pelas perdas que tive. Elas se encontraram no quarto retratado. Eu pude enxergar o meu rosto, em frente ao espelho, a sós. Desespero e dor. A foto final representa a resiliência, comprei uma orquídea cuja flor havia morrido. O seu caule foi cortado para que possa crescer com mais facilidade até voltar a florir. Voltarei a florir junto com ela. Não sou conhecedora de recursos de edição, mas optei pelo preto e branco na maior parte das fotos porque a meu ver espelham melhor os sentimentos presentes. Apenas um efeito de tempo busquei, trazendo filtro e máscara muito discretos. Em uma das fotos que fogem ao formato preto e branco, trouxe o sol e o vermelho, as manhãs são o momento em que a dor grita com mais intensidade. A construção da narrativa foi um processo doloroso, mas de todo belo... e através dele diversas outras imagens desse momento de angústia por que passamos todos vieram. Pretendo seguir com os registros, metamorfoseando a dor a partir da aceitação de que ela está presente, a partir da aceitação de todos os meus afetos. Grata pela experiência nunca vivenciada. Grata pela condução humanizada com que foi realizada a Oficina. Lucianny Julho de 2021 - 95
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Erguia-se para uma nova manhã, docemente viva. Cada acontecimento vibrava em seu corpo como pequenas agulhas de cristal que se espedaçassem” Clarice Lispector
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Maria Cristina São João del-Rei, MG
@mcristyna Com formação e atuação em Psicologia, graduou-se também em Arquitetura e Urbanismo pela Universidade Federal de São João del-Rei (UFSJ). Atualmente, mestranda em Artes, Urbanidades e Sustentabilidade - PIPAUS na UFSJ, onde realiza pesquisa sobre as transformações socioespaciais mediada pela fotografia. Atuou na gestão pública de saúde, no desenvolvimento urbano e meio ambiente. Nos últimos tempos, vem organizando e elaborando os gestos fotográficos entorno da discussão do afeto e da memória.
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Eu Maria Cristina (MCristina), mulher, aprendiz de fotografia, com vários papéis ao longo dessa existência... Numa busca de construir a narrativa para o trabalho da Oficina Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos, explorei a linha, a agulha, os fios do cabelo, o corpo despido, a roupa como segunda pele, a luz, a câmera e o celular. Optando pelo registro monocromático por buscar desvelar um processo reflexivo através das imagens. Então, ancorada pelo transbordamento das emoções nesse cotidiano e contexto que estamos vivendo, e ainda atravessada pelas palavras de Clarice Lispector, remeti meu olhar as memórias das costuras realizadas pelas mulheres da família no reduto de seus lares e de suas histórias... Esses gestos fotográficos trazem à tona a simplicidade do ofício das costureiras, que por outro lado, traz a carga e a força do seu simbolismo atrelado ao universo predominantemente feminino. A nudez é uma revelação desse feminino que foi e está marcado por cicatrizes de alegrias, de dores, de nódulos, de cirurgias, de estrias, de expressões, de sentimentos, de crenças, de subjetividade, de malabarismos, enfim de vida que pulsa motivada pela resiliência e ressignificação através processo artístico... Maria Cristina
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Mas agora tenho vontade de dizer coisas que me confortam e que são um pouco livres” Clarice Lispector
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Thais Andressa São João del-Rei, MG
@thais.andressa_art Jornalista e fotógrafa. Realizou exposições fotográficas no Museu Regional de São João del-Rei (2018), Centro Cultural Sesi Minas Ouro Preto (2019) e participou da exibição no projeto “Por dentro de um tempo suspenso”, Foto em Pauta (2020). Seu trabalho tem como foco temas relacionados ao fotojornalismo, fotografia urbana e o olhar poético sobre o cotidiano. É uma das integrantes do Estria Fotocoletivo.
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Acordei mais cedo que o habitual. Fiquei horas contemplando a parede branca e sem graça. Todas as idades guardam suas crises, que, quando resolver se apresentar, parecem nos levar para um abismo; todas as lembranças se juntam, até mesmo aquelas perdidas em algum baú da infância de 1900 e alguma coisa. Somos compostos de pequenas dores e grandes alegrias, ou vice-versa. Hoje preferi não me olhar no espelho, mas preparei a câmera e fiz um autorretrato, o primeiro depois de anos. Peguei um papel e uma caneta despretensiosamente, sentei-me na cadeira próxima a uma janela, e aguardei pela inspiração, mas foi em vão. Olho o autorretrato, os traços do rosto, a boca marcada pelo batom, a face séria, serena, um tanto melancólica. Talvez eu aprenda a me amar nessas horas em que tudo parece distante e frio. Talvez o medo um dia se despeça e uma luz esperançosa brilhe no céu de minha juventude. Tento reinventar-me através da arte. Insisto em encontrar-me entre cores, versos e melodias. Thais Andressa
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Minha liberdade pequena e enquadrada me une à liberdade do mundo” Clarice Lispector
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Viviane Pedroso Belo Horizonte, MG
@vicapedroso Yoguini Comunicóloga Fotógrafa amadora
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Essência Poetizo, poemizo, polemizo Ando, canto, Respiro Danço! Sou voz, Vibração Reflexo Energia, movimento Dança! Sou em cores A sombra O contraste O brilho
Nas sombras me dissolvo Em mim Renasço, troco de pele pra me caber E ainda disforme Alço vôo Sem asas Danço a existência que persiste Resisto Triunfo Na dança efêmera que a vida É. Viviane Pedroso
A dança Fragmentada Na pele que me exibe inteira Conduzida pela vibração Pelo sangue que escorre e aquece No reflexo pareço acabada Emoldurada Limitada Conforme
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Objetos Afetivos CURADORIA E organização
Adriana Vianna DESIGN E Diagramação
Cid Costa Neto ILUSTRAÇÕES
Graphics RF / Vecteezy Rawpixel FONTES TIPOGRAFICAS
Anna Gustafson [APG Studios] Johan Holmdahl Mohamad Farhan Ramadhan Realização
Resumo Fotográfico Site
www.resumofotografico.com.br Email
contato@resumofotografico.com RESUMO FOTOGRÁFICO Rua Deputado André de Almeida, 551A Bairro Ouro Preto - Belo Horizonte Minas Gerais - Brasil CEP: 30160-906
Este fotolivro apresenta os trabalhos produzidos por um grupo de fotógrafas durante a oficina Retratos e Autorretratos Conceituais com Objetos Afetivos, realizada em maio de 2021. A partir da filosofia de Susan Sontag e do estudo de casos na literatura de Clarice Lispector, nos apropriamos do tempo, do espaço e dos objetos afetivos que possibilitaram o diálogo entre palavra e imagem para concretizar transformações durante o processo artístico. Adriana Vianna
www.resumofotografico.com