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IDEIAS

IDEIAS

FATOS

MAPA DA INTOLERÂNCIA

Todos os anos, a ONG Portas Abertas divulga a lista dos 50 países mais hostis aos cristãos. Desde 2002, o ranking é liderado pela Coreia do Norte (1º). As tristes novidades são que a Índia (10º) está entre os países mais intolerantes do mundo e, depois de anos, a Rússia (41º) voltou a aparecer na lista. Três tendências foram apresentadas pelo relatório: (1) mais países estão criando leis para controlar a religião; (2) cresce o número de governos ul tranacionalistas; e (3) a ala radical do islamismo continua a avançar no Oriente Médio e na África subsaariana.

CONCURSO PARA ADOLESCENTES

A cada quatro anos, é iniciado um novo ciclo de estudos na Lição da Escola Sabatina dos Adolescentes. E o quadriênio 2019 a 2022 terá uma novidade. Será realiza do um quiz semanal sobre o conteúdo da lição e dos cin co livros da série Conflito, de Ellen White, que servem de complemento ao guia de estudo. A ideia é incentivar o estudo por meio de prê mios mensais e trimestrais. Para facilitar o registro dos dados do concurso, a igreja está desenvolvendo neste ano uma plataforma digital. Mais informações no link https://bit.ly/2B0CiwP.

12 mil juvenis

foram batizados ao fim de um programa anual de discipulado da Divisão Interamericana da Igreja Adventista.

GENTE

MÚSICA BRASILEIRA NA SÉRVIA

A produção musical adventista parece estar ultrapassando barreiras linguísticas, e o Oceano Atlântico. Isso porque o re pertório de alguns CDs do Ministério Jovem daqui foram regravados na Sérvia. Quem interpreta essas músicas é o Link (horlink.com), grupo formado por estudantes secundaristas e universitários de várias partes do país. Depois de um ano de atividades e de apresentações em igrejas e eventos de ajuda humanitária, o grupo lançou o primeiro CD em novembro, em Belgrado.

30 anos de existência celebrou o seminário adventista da Rússia, no início de dezembro. O primeiro seminário protestante pós-regime comunista cresceu e se tornou a Universidade Adventista de Zaoksky.

IGREJA ITINERANTE

No ano passado, o trabalho evangelístico realizado a bordo da lancha do projeto A Igreja que Navega passou por dez comuni dades ribeirinhas, plantou cinco igrejas, ofereceu 2 mil atendimentos na área de saúde e levou mais de 200 pessoas ao batismo na região norte e centro-oeste do Amazonas. O pastor Reno Guerra e sua esposa, Natália, casal que comanda a em barcação, contou com o apoio da ADRA Brasil e dos 24 jovens voluntários do programa Um Ano em Missão.

GENTE

BODAS DE OURO (50 ANOS) NOMEAÇÃO

De Raulino Martins Brás e Margarida Maria de Carva lho Braz, em setembro, na Igreja Central de Jacareí (SP). A cerimônia foi dirigida pelo pastor Jeferson Santana. O casal tem três filhas, seis netos e duas bisnetas.

De Nivaldo Ferreira Campos e Regina Pereira Fer reira, em dezembro, também na Igreja Central de Jacareí (SP). Com o consentimento do pastor local, Marco Lamarques, a cerimônia foi dirigida pelos an ciãos da igreja. O casal tem três filhas. Do pastor Almir Augusto de Oliveira, de 54 anos, para dire tor associado da Rede Educacional Adventista na América do Sul. Ele assumiu a função no lugar do pastor Ivan Góes, que liderará a rede no Estado de São Paulo. Ele é graduado em Teologia e Pedagogia e tem mestrado em Teologia e Liderança. Casado com a pro fessora Léia, tem dois filhos.

14 mil toneladas de açúcar

é o que o Ministério da Saúde pretende reduzir nos alimentos e bebidas industrializados no Brasil. Atualmente, o brasileiro consome o dobro da quantidade indicada pela OMS.

CENTENÁRIA E PIONEIRA

Elizabeth Moses celebrou seu 100º aniversário em 5 de janeiro. Betty, como é conhecida, aos 80 anos decidiu trabalhar em tem po integral como recepcionista da sede administrativa da Igreja Adventista no país. E ela fez isso até 2008. Betty é neta dos pri meiros adventistas batizados em Bahamas, como fruto do trabalho de colportores. No seu aniversário ela foi homenageada “Em todas as regiões do mundo pelas quais passei, há uma energia maravilhosa entre os desbravadores. Mas a América do Sul é única. Há muito crescimento, fogo e paixão aqui. É como uma cultura. É divertido pertencer a um clube.”

Andrés Peralta, líder do Ministério de Desbravadores na sede mundial da igreja, sobre o campori em Barretos, em entrevista ao Portal Adventista (acesse: https://bit.ly/2HpGkV5)

105 mil dólares

em doações para a construção de poços de água no Quênia foram levantados pelo ministério Maranatha International em novembro, numa campanha digital.

INTERNACIONAL

NÍVEL EDUCACIONAL DOS ADVENTISTAS AO REDOR DO MUNDO

25% ensino superior

20% ensino médio

15% ensino básico

14% ensino superior incompleto

13% ensino médio incompleto

12% ensino profissionalizante

2 4 6 8 10 12 14 16

Fonte: Adventist Global Church Member Survey (2013) 18 20 22 24 26 28 30

1.000 moçambicanos

poderão retirar 20 litros de água potável por dia de um quiosque construído pela ADRA em Mocuba. Há muitos anos o abastecimento é inadequado na região.

450 empresários e empreendedores do Sul da África participaram do primeiro encontro da ASi (equivalente à Federação dos Empreendedores no Brasil) da sua região, em junho. No evento, foi coletada uma oferta de 40 mil dólares para projetos missionários.

10 clubes de desbravadores

devem ser estabelecidos em escolas públicas com o apoio do Ministério da Educação da Jamaica.

“O governo não pode suprir sozinho as necessidades de sua população. Portanto, é necessário ajudar nossas autoridades.”

Elie Weick – Dido (foto), presidente da Divisão Centro-Oeste Africana da Igreja Adventista, justificando a doação de

300 bancos escolares realizada por líderes e funcionários do escritório administrativo da denominação em Abidjan, Costa do Marfim.

“A cultura adventista de não se misturar com a sociedade deve mudar. Nós somos o sal da Terra. Sal que se recusa a sair do saleiro é inútil; nunca vai beneficiar ninguém. Temos a última mensagem do amor de Deus para ser levada ao mundo que perece. Ser sal da Terra não é opcional para os seguidores de Cristo”.

Solomon Maphosa, presidente da Divisão SulAfricana e Oceano Índico da Igreja Adventista.

Colaboradores: Adventist Review, Aleksandra Jovanovic, Alex Simões, Felipe Lemos, Lóren Vidal, Mauren Fernandes, Penny Brink, Priscila Baracho, Rosmery Sánchez Calleja

TEXTO FINAL

Avida é cheia de mistérios, contradições e surpresas. Mas algumas vezes o capricho dos fatos desafia a lei das probabilidades e mostra que o imponderável acontece. Imagine uma reunião de família para celebrar as bodas de 50 anos de um casal, um feito que não ocorre a toda hora. Os parentes começam a chegar. Tudo está preparado. Percebe- A VIDA DE RUBENS LESSA CHEGOU AO FIM, MAS AS OBRAS QUE CARACTERIZAM SEU LONGO E ABENÇOADO -se a alegria no ar. Dentro de horas, a festa terá início. Mas, de repente, o “noivo” se sente mal. Esforço excessivo? Tensão do momento? EmoMINISTÉRIO CONTINUAM, ção por receber um novo “sim” da amada? Descuido em procurar ajuda POIS, QUANDO O POETA SE médica antes? Ainda sem clareza da gravidade da situação, ele é levado ao hospital. Ali tem um enfarto. Depois uma parada cardiorrespiratória. CALA, A POESIA AINDA FALA A alegria se transforma em tristeza, o riso em choro, a festa em luto. As bodas são substituídas por uma cerimônia fúnebre. Esse roteiro ocorreu com um dos ícones do adventismo no Brasil: Rubens Marcos De Benedicto da Silva Lessa (1937-2019). Pastor e jornalista, ele iria celebrar os 50 anos de casamento com Charlotte Fermum Lessa no domingo 13 de janeiro, mas morreu no sábado à tarde, aos 81 anos, com o coração apaixonado. serão celebradas junto com as bodas do CorNo domingo de manhã, seu corpo foi velado no auditório da Casa Publi deiro (Ap 19:9), no Céu. “O ser humano realcadora Brasileira (CPB), instituição à qual serviu intensamente por mais mente não conhece o dia de amanhã”, dizia um de 41 anos como editor e redator-chefe. A cerimônia, muito bonita, solene trecho da mensagem do diretor-geral da CPB, pase significativa, teve início às 14h e durou cerca de duas horas. Parte dela tor José Carlos de Lima, que estava no exterior e contou com os mesmos oficiantes programados para as bodas. Cerca de não pode comparecer. “Quem poderia imaginar 500 pessoas estiveram presentes. que eu estaria escrevendo estas linhas para dar um

Na sequência, o corpo seguiu para o Cemitério São João Batista em Tatuí, ‘até breve’ a um velho amigo de mais de 40 anos onde o dedicado servo do Senhor descansa. No fim da tarde, quando os de convivência, companheirismo e trabalho? Na últimos raios do sol coloriam de alaranjado o céu no horizonte e a noite se verdade, eu estava escrevendo uma mensagem que aproximava coberta de luto, um poeta poderia dizer que cada crepúsculo seria lida na cerimônia das bodas de ouro. Tive que encerra em si a promessa de um novo amanhecer. mudar o texto. A alegria foi substituída pela tris

Por algum motivo misterioso que somente o Onisciente conhece, teza. O texto que seria de felicitações converteu-se as bodas de casamento foram adiadas e, como alguém observou, em condolências.”

Dentro da minha fala, o pastor André Oliveira Santos, editor da Lição da Escola Sabatina, apresentou um lindo poema composto pelo pastor Assad Bechara em homenagem ao amigo Rubens, e concluiu com um texto de sua própria autoria: “Quando o poeta se cala, a poesia fala. Quando a vida termina, o texto está pronto. O texto que permanece é o texto final. O texto final é um testemunho que fica nos corações. O pastor Lessa descansou, mas o texto escrito com sua vida continuará ativo, inspirando pessoas, editando histórias que precisam ser reescritas pela palavra do evangelho e transformado rascunhos em textos de vidas semelhantes a Cristo.” No sermão, tomando por base Apocalipse 14:13 (“Bem-aventurados os mortos que, desde agora, morrem no Senhor”), Wellington Barbosa, que foi pastor distrital de Lessa e o último editor a ser chamado por ele, destacou que “todos nós vivenciamos pelo menos três esferas da vida, e nelas damos evidências de nossas obras”: (1) a esfera pública, o espaço em que somos conhecidos pelas pessoas em geral; (2) a esfera familiar, o círculo íntimo em que “demonstramos quem de fato somos, sem máscaras ou retoques”; e (3) a esfera relacional, o ambiente de interação com aqueles que vivem mais estreitamente ligados a nós, num vínculo de amizade. Para Barbosa, Lessa revelou seu caráter e seu valor nas três esferas.

O HOMEM

Filho de José da Silva Lessa (1914-1987) e de Elvira Porto Lessa (1918-2013), Rubens nasceu em Anápolis (GO), em 24 de maio de 1937. Primogênito, ele tinha quatro irmãos (Wilson, Marianita, Paulo e Juanita). A família Lessa (isto é, os avós de Rubens), oriunda da Bahia e radicada em Goiás, havia aceitado a mensagem adventista três anos antes (em 1934) por influência de dois livros da CPB. A partir de então, a área de publicações passou a fazer parte da história dos Lessas. Pouco antes de o pai falecer, Rubens escreveu um editorial intitulado “Simplesmente José”, no qual falou sobre o trabalho do pai na colportagem e concluiu: “José agora está velho. Abatido. Cansado. Doente. Proibido de trabalhar. Mas de uma coisa ele está certo: sua obra continua, embora sem aquele mesmo brilho. Um de seus filhos empunhou a tocha. E não a largará, com a graça de Deus” (Revista Adventista, agosto de 1987, p. 3).

O pai, um colportor que iniciou suas atividades de venda de literatura em 1939, em Goiás, a convite do célebre colportor Longino Niz, e foi ordenado ao ministério pastoral em 1963, em Manaus (AM), era um de seus heróis. Por isso, quando ficou doente e faleceu, ou mesmo mais tarde, Rubens dedicou ao pai textos na Revista Adventista, como “E agora, José?” (novembro de 1987) e “A tocha de José” (março de 2002). No “Poema a José” (fevereiro de 1988), comparando o pai a um “veleiro traquejado” que ensina o menino “despreparado” a “enfrentar as ondas sem receio”, ele sonha alcançar o pai na “praia de além-mar”. Nos últimos versos, a gratidão: “E lá te direi: Muito obrigado, José, por me haveres ensinado a velejar!”

Rubens iniciou sua carreira ministerial no norte do país, atuando como pastor distrital na cidade de Belém (PA). “Em seguida, exerceu a mesma atividade no Amapá. Como líder regional, atuou nos departamentos de Jovens, Educação, Saúde e Liberdade Religiosa, na antiga Missão Baixo-Amazonas”, informou o site da Revista Adventista na nota de falecimento. “Em 1973, recebeu chamado para trabalhar na CPB, ainda em Santo André (SP), dando início às suas atividades editoriais. Por 36 anos foi redator-chefe da CPB e editor da Revista Adventista, aposentando-se em maio de 2014, aos 77 anos. Rubens

é autor de alguns livros publicados pela editora, entre eles: Diagnóstico e Remédio (1982), Livre Para Viver (1990), Casa Publicadora Brasileira – 100 Anos e as meditações diárias A Esperança do Terceiro Milênio (2000), além de Alimento Para o Coração (2007).”

“Graduado em Teologia pelo então Instituto Adventista de Ensino (IAE), atual Unasp, campus São Paulo, e Jornalismo pela tradicional Faculdade Cásper Líbero, ele concluiu o mestrado em Divindade pela Universidade Andrews (EUA). Era membro da Igreja do Inocoop, em Tatuí (SP), na qual exercia as funções de ancião e líder do Ministério da Família.” Além da esposa, Charlotte, e outros familiares, deixa três filhas (Cláudia, Márcia e Kathia) e dois netos.

“Definir um caráter singular e único como o do homem com quem convivi e a quem amei por 50 anos, não é uma tarefa difícil”, afirma Charlotte, a esposa amada que enternecia o coração do escritor. “Rubens era transparente. Sem máscaras. Coerente. Assertivo. As férias em família eram sua maior alegria. Viajar com a família representava o momento mais parecido com o ambiente do Céu. Sua família era sua prioridade. Não havia doutorado que o convencesse a deixar a família em segundo plano. Ao olhar para seu ministério, vejo-o um pastor dedicado, incansável e amante das almas. Vejo um escritor preocupado em mostrar o amor de Deus e a beleza do evangelho. Um ser humano afinado com outros seres humanos. Conectarse com as pessoas, relacionar-se com elas, chorar com elas, rir com elas, era seu deleite. Penso ser este o legado que deixou. No decorrer de 50 anos, nosso amor nasceu, cresceu, floresceu, amadureceu e persistiu até o fim. Mais forte, mais inspirado, mais abençoado. Pastor Lessa com a esposa, Na convivência com as filhas era afetuCharlotte, e as filhas, Cláudia, oso, amoroso, acolhedor e compreenKathia e Márcia (esq. p/ dir.): sivo. Havia respeito mútuo.” compromisso com o trabalho

Para Cláudia, os momentos em famí e dedicação à família lia, especialmente as longas viagens de carro para Campo Grande (MS), eram oportunidades únicas de um convívio gostoso e agora objetos de lembranças e saudade. “De sorriso fácil e contagiante, papai era exigente mas amoroso, firme mas brincalhão. Apesar das muitas viagens, foi sempre presente em minha vida e na vida de meus filhos nos momentos de alegria e tristeza. Culto e letrado, disse certa vez que sua maior professora foi minha irmã Kathia, com quem aprendeu importantes lições de vida. Significou tanto para muitos, mas para mim foi meu pai, o símbolo terreno do Pai celestial.” Márcia, a filha do meio, completa: “Papai tinha algumas qualidades admiráveis: a busca por tempo com a família, o que o caracterizou como um pai presente em todas as circunstâncias; diligência no trabalho, na vida espiritual, intelectual e no serviço ao semelhante. Sua vida se resumiu ao cumprimento da missão.”

Lessa gostava de viver e acreditava que alcançaria uma idade bem avançada, a exemplo da mãe (falecida aos 95 anos) e ao contrário do pai (falecido aos 73, de enfarto) e do irmão Paulo (falecido aos 60 anos, vítima de aneurisma da aorta). Em especial, achava que o pai tinha vivido pouco. Ironicamente, o pai chegou a comemorar as bodas de ouro, em 18 de janeiro de 1987, embora tenha morrido no mesmo ano. Rubens viveu até os 81, porém sem celebrar o mesmo feito. Alguns o viam quase como indestrutível. No entanto, como diz o autor bíblico, “toda a carne é como a erva, e toda a sua glória como a flor da erva” (1Pe 1:24). Um dia, mesmo os mais hábeis, inteligentes e energizados voltam ao pó. Até a aroeira, árvore cuja

madeira é muito densa (a mais resistente do Brasil) e à qual Lessa se comparava, desaparece. Fomos feitos para a eternidade, mas vivemos num mundo marcado pelo pecado e a fragilidade.

Sociável, falante, contador de histórias, o pastor Lessa dizia que uma das coisas de que mais iria sentir saudade era o convívio com os colegas da CPB e da igreja. Ao completar 81 anos, ele recebeu um telefonema coletivo de um grupo de amigos da Redação. Ficou muito feliz e depois escreveu para sua ex-secretária, Andréa Cordeiro, que o assessorou por 26 anos: “É muito bom envelhecer rodeado de amigos como vocês. Posso até morrer um dia, mas vou morrer contrariado, porque não quero ficar longe dos meus amigos.”

O MITO Silva), patriarca (Josiéli da Nóbrega), solidário (Danieli Já na década de 1950, o nome de Rubens Lessa começou a aparecer em Machado), zelozo (Flaverlei Silva e Nerivan Silva). artigos e relatos da Revista Adventista. No texto “Obrigado, ENA!”, publiEmbora a palavra resiliência não tenha sido citada, ela cado em março de 1965, ele descreveu como havia tomado a decisão de é uma das melhores para resumi-lo. Pois Lessa soube estudar Teologia. Até então, sonhava se tornar um escritor de ficção, um superar adversidades, vencer desafios, se reinventar e mestre no manejo da língua. Personalizando o colégio do coração, afirparar somente aos 77 anos, quando quis. Para muitos mou: “Nem sabes que, para fruir a sombra amena de teu teto hospitaleiro, da Redação, além de pastor, chefe e líder, ele foi tam muito sofri num humilde quarto de hotel, no interior de Goiás, ao passar bém uma figura paterna. por um terrível conflito de alma!” As “paredes frias e sujas” do hotel preOs adjetivos e os comentários poderiam encher senciaram sua “angústia no labirinto da indecisão”. Entretanto, foi “venum livro. E não são apenas descrições abstratas, mas cido para vencer” e comemorou a decisão com alguns versos. Então terexpressões concretas de uma vida. “A integridade dele minou com um agradecimento: “ENA amigo, é com saudade que parto podia ser vista no uso do dinheiro da organização, na de tuas paragens, de tuas colinas verdejantes e acolhedoras! Continua responsabilidade para com seu ministério e na posfazendo por outros o que fizeste por mim, e eles te tura de simplicidade que evitava dirão no futuro o que te digo hoje, comovido: OBRIos aplausos”, descreve Wendel. GADO, ENA!” “Não me tornei o “O pastor Lessa foi um incentivador Nesse texto, já era possível entrever o estilo do futuro escritor: uma linguagem poética, com rico escritor que fantasiei de talentos”, avalia Christiane. “Às vezes, temos um dom ali, bem guarvocabulário, mas com um requinte ainda algo pomna minha juventude. dadinho em cada um. Ele foi uma poso. Seja como for, ele tentou registrar e despertar Não escrevi obras dessas pessoas que veem em você emoções por meio de palavras escolhidas com cui dado. Mais significativamente, ele assinalou seu de ficção para o que o mundo custa a enxergar.” De acordo com Lucas, que descompromisso de ir aonde Deus designasse. Mais entretenimento do tacou a diligência, para descrever o tarde, a fama de grande escritor e pastor dedicado povo. Não pertenço a antigo chefe caberiam vários verbos começou a se formar. A caracterização de personagens fictícios, como “Zé Formal”, “Chico das Obras” academias literárias, de ação que expressem “sua dedicação ao realizar seu trabalho em e “adventistas adventícios”, era um recurso para tormas conheço a qualquer dia, horário ou circunsnar o ensino mais claro e memorável. Os primeiros alegria de ver almas tância; constante cuidado e atenção textos têm um teor mais comportamental, cheios de zelo (quase legalistas, diriam alguns), mas o tempo convertidas a Cristo, ao administrar as diferentes personalidades e talentos de sua equipe; adicionou um toque inconfundível de graça e juspessoas transformadas e também o incansável zelo e intetificação pela fé. Lessa descobriu progressivamente uma dimensão mais amorosa de Deus. Intransigente pelo poder do Espírito resse para com todos”. Diogo ressalta: “Dentre seus muicom os erros, o rigor comportamental continuou até Santo, através da tos dons e qualidades, o pastor Lessa o fim, mas com abertura para aceitar ou entender os leitura de livros e foi uma pessoa completamente dedifracassos dos outros. Convidado com frequência para falar em concílios revistas de conteúdo cada àquilo que fazia. Punha o coração e o intelecto em seus textos, na e eventos da igreja, ele passou a relatar tais particisadio, construtivo” editoração e nos relacionamentos. pações na revista. Não raro, os editoriais eram deli( Revista Adventista, Diria que era quase que uma paixão ciosos fragmentos e recortes de encontros e diálogos com amigos e outros personagens, com a finalidade setembro de 2001, p. 2) que ele tinha por Deus, sua família, a igreja e sua amada ‘Publicadora’. de tirar lições espirituais. Admoestação era uma Era o que ele admirava nos pioneide suas palavras preferidas. Esse mosaico, aliado a ros e o que pregava para nós aqui seus dons de bom orador com voz de barítono e a fama de defensor dos em longas conversas.” valores da igreja, foi ajudando a formar sua persona pública. Com o tempo, “O que me marcou foi que ele se preocupava nasceu o ícone, depois o mito. com as pessoas sem se importar com o status delas”,

No mundo real, como definir as qualidades de Rubens Lessa? Em revela Adriana Seratto. “Conseguia conquistar crian uma rápida enquete na Redação, onde ele exerceu a quase totalidade de ças, adolescentes, jovens, adultos e idosos. Enérgico, seu ministério, pedimos para alguns colegas defini-lo em uma palavra. mas justo. Tinha humildade para reconhecer os próO resultado indica qualidades altamente positivas: acolhedor (Anne Lizie prios erros. Era poeta e profeta. No meu primeiro dia Hirle), amigo (Andréa Cordeiro), atencioso (Ariane Oliveira), comprode trabalho, ele entrou em minha sala, olhou para a metimento (Bruna Cornieri), consagração (Adriana Seratto), dedicação janela e disse: ‘É... você não tem uma vista bonita para (Diogo Cavalcanti), denominacional (Márcio Nastrini), diligência (Lucas o jardim como os seus colegas do outro lado do correLemos), equilíbrio (Vinícius Mendes), incansável (Eduardo Rueda), incendor, mas, quando essas palmeiras crescerem, os pastivador (Cristhiane Chagas), integridade (André Vasconcelos, Michelsarinhos virão cantar para você.’ Um dia, quando eu son Borges e Wendel Lima), intenso (Sueli Oliveira), paixão (Guilherme estava muito triste, depois da oração das 9h, ouvi um

passarinho cantando. Olhei e o vi na beira da janela, olhando para mim vem, ano vai e as esperanças / Se dissipam, quais e cantando, o que encheu meu coração de esperança. Lembrei da profe ondas junto à praia / Da existência, deixando cru cia do pastor Lessa. Chorei de alegria.” éis lembranças / De um drama ante o qual o ser

Na Redação, a filosofia administrativa lessana tornou-se lendádesmaia.” ria. Alguns a resumiam em meia dúzia de ditos que eram repetidos Criador de marcantes frases de efeito, ele concluiu, em forma de brincadeira, mas que encerram lições úteis. Um deles: por exemplo, o famoso editorial “Rios e Regatos”, “Cavalo comilão, corda curta.” Princípio: controle de perto os apro publicado na Revista Adventista em fevereiro de veitadores. Outro: “Não deixe a tocha apagar.” Princí1978 e republicado em maio de 2014, pio: comprometa-se totalmente com a missão. Ainda com uma bela metáfora: “Na hidrografia um terceiro: “Aprenda a administrar suas frustrações.” Princípio: aceite com resignação os limites impostos O pastor Lessa da Obra do Senhor, o que importa não é a posição que ocupamos no mapa. pela vida/igreja. Mas que ninguém considere esses pertence à O que interessa não é a quantidade de bordões a expressão de uma filosofia simplista, pois biblioteca do talentos que possuímos, mas o judiLessa era complexo e sofisticado em sua inteligência administrativa. Céu e, na volta cioso uso que deles fazemos. Afinal, rios e regatos correm para o oceano. E

Conforme frisou o pastor Wilson Sarli em 2014, por de Cristo, será o oceano é Deus.” ocasião da aposentadoria do redator-chefe mais longevo da história da CPB (36 anos), que ultrapassou o recorde um livro aberto O LEGADO de Luiz Waldvogel, o Tio Luiz (31 anos), Lessa teve uma acerca do poder “Algumas pessoas recebem um legado carreira abençoada, mas não foi perfeito, como ninguém da graça de e o empobrecem; outras o recebem e o é. Errou em alguns chamados de editores, que criaram problemas. Embora cuidadoso, publicou matérias que Deus enobrecem. O pastor Lessa pertence à segunda categoria”, eu disse durante a geraram controvérsias. Também pecou em não incenticerimônia. Sim, nosso biografado deixou var a formação acadêmica de seu grupo (talvez temesse um legado com muitas facetas. Neste conos vícios do academicismo) e via com certa resistência as mudanças tec texto, legado é aquilo que a pessoa herda ou conquista nológicas e comunicacionais. Em algumas ocasiões, era mais enérgico do e deixa como dom precioso para as futuras gerações. que alguns (e talvez ele mesmo) gostariam. No entanto, sua assertividade, Mais do que um bem material ou intelectual, o autênalém da influência do DNA, nascia de sua forte convicção e da urgêntico legado, que resulta de uma vida criativa e altruísta, cia de sua fé. Essa avaliação não é para criticá-lo, mas para evitar a pura é a dádiva singular de si mesmo para a sociedade; e, hagiografia e valorizar a dimensão humana, como faz a Bíblia em relamais do que sucesso, é a marca da transcendência que ção a seus heróis. Ele foi uma grande figura, apesar de ter sido tão humano confere significado e “imortalidade” ao que você faz como qualquer um. mesmo depois que se vai. Embora alguns estudiosos

Lessa também ganhou fama como poeta. Escreveu várias poesias, sugiram que o desejo de deixar um legado esteja enraiespecialmente para celebrar eventos e instituições, o que não significa zado em nós, numa espécie de mistura entre abnegapoesia burocrática. Ele tinha sensibilidade. Em dezembro de 1969, ção e narcisismo, o melhor legado é o que vem sem por exemplo, a Revista Adventista pretensão de grandeza. Equipe da Redação da CPB, (p. 3) publicou “A Marcha dos Entre os legados do pastor Lessa, podemos destacar por ocasião da aposentadoria Anos”, em que ele poetizava: “Ano seu compromisso com a mensagem profética e uma do pastor Lessa, em maio de 2014. Grupo que ajudou a formar e inspirar

lealdade incondicional a Deus e à igreja; a disposição de seguir o ritmo da igreja (ou caminhar pari passu com a organização, como ele diria), sem cortejar o tradicionalismo nem buscar o estrelismo da vanguarda; sua dedicação incansável à causa do evangelho, resultando em zelo ímpar e trabalho quase excessivo; sua integridade inquestionável no uso dos recursos da igreja; a formação da uma equipe sólida, que compartilha dos mesmos ideais e segue a cultura centenária da editora; a visão de que é importante dar espaço para cada editor exercer seu papel de maneira criativa e responsável; e a relevante produção intelectual, que continuará falando a leitores antigos e novos.

No artigo “Nossa Vida é um Livro Aberto”, na Revista Adventista de junho de 1969 (p. 12), ele comparou a existência a uma obra literária que toda pessoa escreve e cuja criação não exige “conhecimentos gramaticais e literários”. Como termina essa obra? “Cada dia é uma nova página que acrescentamos. O último parágrafo desse livro não termina enquanto nossa vida continua. Somente quando a morte se aproxima, é que se escreve a última frase. Às vezes, essa frase é um incontido arrependimento ou uma reconciliação que muito era necessária. O conteúdo dessa última frase atrai ou repele a aprovação de Deus.” E arrematou aconselhando o leitor a se arrepender e mostrar bons frutos: “Assim procedendo, serás recolhido, na volta de Cristo, para a biblioteca das mansões celestes! E o universo todo lerá a história da redenção em tua experiência.” Notou a metáfora “biblioteca das mansões celestes”? Lessa pertence a essa biblioteca e, na volta de Cristo, será um livro aberto a respeito do poder da graça de Deus. ]

MARCOS DE BENEDICTO, pastor e jornalista, é doutor em Ministério pela Universidade Andrews (EUA)

REPERCUSSÃO

Essa é uma perda irreparável. Rubens da Silva Lessa ocupou o palco da escrita como pastor e jornalista por quase 50 anos. Ele abençoou milhares de pessoas com milhões de páginas que circularam e continuam circulando mundo afora. Com a caneta na mão, máquina de escrever e teclado do computador, Lessa fazia o texto fluir como um rio para falar ao coração de leito res sedentos da Palavra de Deus. Ele foi um mestre das letras, e seu legado editorial é de valor inigualável para a CPB e a Igreja Adventista.”

José Carlos de Lima Diretor-geral da CPB

Volto no tempo e espaço e me encontro em 1973, em Santo André (SP), precisamente na na CPB, quinze anos já percorridos em minha trajetória na editora. Ouço entāo

que um novo redator tinha sido chamado. O pastor Lessa e sua família foram convidados para um almoço em minha casa, com direito a passeio em um dos parques de São Bernardo do Campo. Esse passeio foi o início da amizade entre nossas filhas, que perdurou até a adolescência,

quando cada uma delas tomou seu próprio rumo. Também foi o início da carreira de um servo do Senhor que labutou fervorosamente para transmitir por meio da página impressa os conselhos da Palavra de Deus. Dos 35 anos que trabalhei com ele, ao longo de 30 ele foi meu chefe. Lessa valorizava seus colaboradores e os incentivava a crescer na profissão e fé. Se ele pudesse ouvir, eu

lhe agradeceria por ter trabalhado ao seu lado.”

Abigail R. Liedke

Ex-editora, trabalhou por 50 anos na Redação da CPB “O que eu mais apreciava no pastor Lessa era seu bom senso, seu equilíbrio, o uso sábio das palavras, que traduziam uma profunda sabedoria, daquele tipo que inequivocamente só poderia advir de uma vida impregnada pelo Espírito Santo. Penso que, juntamente com o exemplo de vida e os milhares de páginas que escreveu, seu maior legado foi uma influência contundente

na formação dos editores que o sucederam. Foi um grande ser humano, cuja humildade tinha a proporção de sua grandeza.”

Dorival Duarte

Diretor clínico do Hospital Adventista de São Paulo

“Meu irmão era meu melhor amigo. Fomos criados muito próximos um do outro. Talvez ele tenha me ensinado a falar, pois este foi o seu dom desde muito cedo. Desde tenra idade ele gostava muito de ler e escrever, tendo sido orador de turma em todos os níveis de sua formação. Desenvolvemos gostos muito semelhantes, como apreciar a natureza e a vida simples do campo. A personalidade dele era marcada por determinação, coragem e valentia frente aos obstáculos da vida. Tinha fome pelo saber e buscava constantemente entender a vontade de Deus para sua vida. A dedicação ao trabalho aprendemos em casa. Na pré-adolescência, quando

jogávamos futebol na rua e nosso pai viajava para a colportagem, ele decidiu que estudaríamos à noite e durante o dia trabalharíamos numa fábrica de saltos de sapatos, sem ganhar um vintém. Era apenas uma forma de termos ocupação e responsabilidade. Glorifico a Deus

pela vida do meu querido irmão.”

Wilson Lessa

Médico aposentado, irmão do pastor Lessa, reside em Campo Grande (MS)

mbora eu seja responsável pelo laboraE tório de mídia da Adventist Review e esteja profundamente envolvido com tecnologia de ponta, como filho de missionários que cresceu no leste da África e na ilha de Madagáscar, não fui exposto à alta tecnologia até os 17 anos de idade. Divertia-me construindo brinquedos com sucata. Não trocaria minha infância por nada, pois desenvolveuse em mim a habilidade de pensar criativamente, “fora da caixa”, para encontrar soluções diferentes.

No Vale do Silício, na Califórnia (EUA), os altos executivos estão concluindo que a exposição a muita tecnologia é potencialmente nociva para as crianças, gerando dependência de jogos e mídias sociais. Funcionários de empresas gigantes nesse mercado, como Google, Apple e Yahoo, estão enviando seus filhos para escolas em que os profes sores utilizam uma abordagem mais prática e experimental, menos dependente de dispositivos eletrônicos e que incentive a imaginação.

Os recursos digitais fazem parte da nossa vida hoje. Porém, é preciso ensinar nossos filhos a navegar com sabedoria. Leia os próximos depoimentos de pais, educadores e profissionais adventistas que estão buscando usar a tec nologia de modo a colaborar e não comprometer o desenvolvimento integral das crianças.

DARYL GUNGADOO, engenheiro de tecnologia e software da Radio Adventista

Mundial e produtor de vídeo da Adventist Review. Ele vive na Inglaterra

EXEMPLO DOS PAIS

Sou mãe de duas crianças de seis e quatro anos de idade. O acesso que elas têm a qualquer tela é bem limitado. Quando viajamos de avião, permitimos que usem o tablet ou, quando estão doentes em casa, elas podem assistir a uns dois episódios do seu programa preferido. Além disso, só podem assistir ocasionalmente a um episódio de algum desenho ou à história da Lição da Escola Sabatina infantil.

Como pais, compreendemos que a tecnologia está e permanecerá presente na vida deles, mas também acreditamos que há tempo e lugar para o consumo de tecnologia. Nesta fase em que estão, precisam brincar ao ar livre, sujar-se e desco brir o mundo com os cinco sentidos. Conforme forem amadurecendo, aí eles saberão que uso farão da tecnologia digital.

As telas são altamente viciantes, para crianças e adultos. É fácil cruzar com pessoas que estão olhando para seus celulares, com expressão vazia nos olhos e imersos numa observação sem fim. Muitos deles são pais, com seus filhos pequenos ao lado, desejosos de sua atenção. A pergunta é: se somos viciados, como podemos esperar postura diferente de nossos filhos?

É verdade que os dispositivos eletrônicos são “babás” acessíveis e econômicas. As telas fisgam de imediato a atenção de nossas crianças e oferecem alto índice de estímulo,

NOSSOS FILHOS NÃO PODEM PERDER A VIDA DIANTE DA TELA NEM DEVEMOS DEIXAR DE AGIR PORQUE NÃO SABEMOS AINDA COMO LIDAR COM ESSA NOVA REALIDADE

minando a capacidade criativa delas. Precisamos resgatar algumas práticas de gerações anteriores, em que as crianças exploravam mais o mundo fora de casa, com brincadeiras, pessoas e interatividade reais.

Escondidos atrás das telas, esta mos perdendo a habilidade de nos relacionar com outros seres humanos; de estar “presentes” numa conversa sem participar de outras 20 interações simultâneas e virtuais. Além de nós, devemos pensar em nossos filhos. Eles não devem ser privados de ter uma infância significativa, com tempo de qualidade com os pais, com quem eles possam brincar, rir, ler, criar, conversar e se sentirem amados.

Nosso lar precisa ser um ambiente em que o fruto do Espírito seja desenvolvido (Gl 5:22, 23): amor, alegria, paz, paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio. E o consumo sem critérios de tecnologia não é a melhor escolha para o desenvolvimento dessas virtudes. Ao contrário, observamos crianças carentes de habilidades sociais e de linguagem, impacientes, agressivas, com o desenvolvimento emocional atrasado e com problemas de atenção e saúde física.

Nossos filhos não podem perder a vida diante da tela e não podemos deixar de agir, mesmo quando não sabemos ainda direito como lidar com essa nova realidade.

ASUN OLIVAN, fotógrafa, casada, tem um casal de filhos. Vive na Espanha

TECNOLOGIA: AMIGA OU INIMIGA?

Como diretora de escola, não posso negar que os computadores se tornaram parte integral da educação contemporânea. Na escola fundamental do campus do Newbold College, eles são usados para vários objetivos de aprendizado. Nossos professores planejam suas aulas neles e nosso sistema administrativo também é gerenciado on-line. Na sala de aula, notebooks também estão disponíveis para que as crianças explorem o conhecimento. Porém, sabemos que esses recursos não são usados apenas para o aprendizado. Eles trazem consigo também os inconvenientes do tempo perdido em entretenimento e mídias sociais. Além disso, podem comprometer a segurança e a habilidade social dos alunos. É verdade que esse novo universo digital também abriu a possibilidade de se conectar com pessoas que estão longe e com quem nos relacionamos no passado. Serve também para namorar, ouvir música, assistir filmes e fazer compras. De fato, grande parte da cultura juvenil de hoje é moldada pelos jogos eletrônicos e redes de interação on-line. A tecnologia digital trouxe à vida um novo ritmo. A possibilidade de clicar em inúmeros sites ao mesmo tempo pode nos tornar mais impacientes quanto à interação na vida real. O volume de informação a que estamos expostos também tem impactado o consumo de comunicação e a própria linguagem, especialmente a escrita. Por exemplo, os emojis costumam substituir palavras inteiras. Nesse contexto, crianças precisam ser ensinadas na escola a diferenciar a linguagem formal da informal que usam nas mídias sociais.

Outro tarefa das escolas é orientar os alunos quanto ao aliciamento para fins de exploração sexual e consumo de drogas. Felizmente, no Reino Unido, o aliciamento on-line de crianças tornou-se crime, e a polícia pode prender imediatamente o aliciador com base em mensagens sexuais inapropriadas. Os pais também devem fazer a lição de casa, tendo o controle do que os filhos acessam. Afinal, ninguém gostaria de ter a presença de alguém estranho em casa, ainda que seja apenas virtualmente.

Embora o uso das novas tecnologias represente ameaças, elas vieram para ficar. E se forem bem utilizadas, podem ser extremamente valiosas para criar e aprender coisas incríveis. O problema não são os dispositivos nem a web, mas a maneira de nos apropriarmos disso. Controlar e não ser controlado é a escolha mais importante a ser feita nesse contexto. Devemos ensinar nossos filhos sobre a importância de gerenciar seu tempo, além de boas maneiras digitais e como se manter seguro neste novo mundo disponível a um clique.

JAKI CRISSY, diretora da escola fundamental do campus do Newbold College, no Reino Unido

JOGOS NEM SEMPRE SÃO BRINCADEIRA

Como pai e empreendedor que lançou uma animação sobre Moisés para crianças, a melhor coisa que posso fazer é garantir que seja saudável o que criei e o que permito meus filhos consumirem. Embora o uso dos dispositivos eletrônicos já traga em si riscos para a saúde física, como o impacto no desenvolvimento dos olhos e danos ao tecido biológico por causa da radiação, o conteúdo que neles consumimos ainda é mais perigoso, pois tem que ver com direcionamento moral.

O INTERNATO QUE CONFISCA CELULARES

Gerald Klingbeil, editor associado da Adventist World, conversou recentemente com Delwin García, diretor do Colégio Adventista dos Grandes Lagos, em Michigan (EUA). O regulamento desse internato limita o acesso dos alunos aos dispositivos móveis no campus. Saiba por quê.

O que motivou a diretoria da escola a tomar essa decisão?

Os smartphones são supercomputadores que levamos no bolso. Eu mesmo tenho um e faço muitas coisas com ele. Porém, esses aparelhos podem ser destrutivos e uma grande distração para nossos jovens, sendo que muitos deles chegam viciados em pornografia, mídias sociais e games. É uma maneira de ajudá-los a evitar a tentação de ter uma tela o tempo todo diante dos olhos.

Quando pensamos em mídias para crianças, devemos atentar para duas questões básicas: tipo de produção e enredo. Deve-se evitar os conteúdos que têm muitas luzes piscando, música muito acelerada e complexa, e cenas muito rápidas (com menos de 20 segundos), porque podem provocar déficit de atenção em crianças pequenas. Tecnologias como a realidade virtual, por sua vez, podem oferecer um consumo mais natural, tendo em vista que os espectadores controlam o enquadramento e o dispositivo funciona como um portal de observação do mundo real.

Quanto ao enredo, os perigos são mais sutis. Os pais devem analisar se a ênfase da produção está mais no entretenimento vazio ou na moral e no valor educativo da história. Podem observar também se os protagonistas são retratados de maneira atrativa e positiva, mesmo quando assumem uma postura de rebeldia. Precisamos ensinar nossos filhos a rejeitar o que é errado e escolher o que é correto.

Isso é importante porque pesquisas têm apontado que, quando nos envolvemos numa história, nossos filtros morais são suspensos e a mensagem vai diretamente para nosso cérebro. Na prática, temos dificuldade de diferenciar o correto do errado, o fato da ficção. De certa maneira, consumir mídias audiovi suais e digitais é como sonhar, só que totalmente acordado. A ação que vemos na tela é traduzida pelo nosso subconsciente como algo que estamos fazendo. Isso inclui as cenas de violência dos games, por exemplo, nas quais o jogador comete “crimes” que não faria no mundo real. É verdade que muitos pesquisadores não reconhecem esses perigos, mas como cristãos temos responsabilidade a respeito do que contemplamos.

KARL DA SILVA, designer e produtor de vídeo. Vive na Escócia

A MÍDIA DIGITAL PODE MUDAR A CULTURA

Fui criado numa época em que os livros da biblioteca tinham cartões em que a data de devolução da obra era controlada por um carimbo. De um tempo em que a maior autoridade sobre cultura geral era a Enciclopédia Britânica. Hoje, os estudantes pesquisam no Google, YouTube, Wikipédia e mídias sociais.

Nas ilhas do Sul do Pacífico, a revolução digital causou um impacto sobre toda a sociedade, afetando a própria cultura nativa. Muitas diferenças triviais ou questões familia res que eram resolvidas face a face, agora ganham visibilidade pública na web.

Falo a partir da minha experiência como um nativo fijiano sobre um fenômeno global que deve ser compreendido e que pode ser analisado a partir de vários ângulos. O consumo da mídia digital aqui nas ilhas do Sul do Pacífico criou uma geração de consumidores insaciáveis. Eles estão sendo bombardeados por propagandas sobre tecnologia, roupas, alimentos, veículos e atividades culturais. Muitos podem pensar que a vida por aqui seja mais lenta, tranquila e simples. Isso pode ser verdade em alguns lugares mais isolados, mas para os que moram nos centros urbanos dessa região e têm um plano de internet no seu celular o mundo está acessível nas mãos.

As crianças e jovens das ilhas eram vistas, mas não ouvidas. Com o acesso às plataformas digitais, porém, elas tiveram sua voz amplificada, ainda que não saibam lidar direito com isso, como a maioria dos jovens ao redor do planeta. Por um

E como vocês aplicam essa regra?

Os pais concordam com nosso regulamento e muitos deles demonstram alívio e gratidão. Os funcionários também nos apoiam. O maior desafio é fazer os estudantes entenderem que podem viver 25 dias do mês sem celular. Até hoje, nenhum aluno morreu por causa disso. A realidade é que, após algumas semanas ou meses, vários estudantes nos procuram dizendo que, sem o celular, conseguiram construir amizades mais significativas.

Você acredita que dessa maneira os alunos são mais bem preparados para viver numa cultura saturada de tecnologia e comunicação?

Não negamos que estamos no século 21; por isso, aqui eles têm acesso aos computadores nos laboratórios, às ligações gratuitas no telefone fixo dos dormitórios e podem conversar com os familiares via Skype. Os alunos do último ano do ensino médio têm computador no quarto, de onde podem acessar mídias sociais e e-mail. A diferença é que os computadores são de responsabilidade da escola, logo filtramos o que eles podem acessar.

Quando você conversa com ex-alunos, percebe que eles desenvolveram resiliência?

Percebemos que o mês inicial dos alunos serve para “desintoxicação” digital. O nível de distração deles abaixa e aumenta o de concentração. E é disso que precisamos para desenvolver o caráter deles. Somos uma escola adventista, nossa preocupação não pode ser apenas acadêmica.

lado, essas novas tecnologias ajudaram a “nivelar”, para o bem e o mal, os jovens das ilhas com os de outras partes do mundo. Os adolescentes daqui são menos dependentes em jogos do que os australianos e neozelandeses, mas caminham para a mesma direção.

A tecnologia digital também tem mudado algumas práticas culturais, como o anúncio de um noivado, o nascimento de um bebê e a morte de alguém. Na cultura tradicional, existem alguns protocolos para isso. Contudo, nas mídias sociais a dinâmica é um pouco diferente.

A questão é que a tecnologia digital veio para ficar e os pais dessa região do mundo, que foram criados numa cultura tradicional, agora precisam aprender a lidar com os filhos que experimentam essa nova realidade. Vejo, por exemplo, que muitos jovens da igreja têm usado esses recursos para atrair amigos para os caminhos de Deus. Por isso, os pais e os educadores que trabalham com crianças e adolescentes devem se interessar em compreender o que seus filhos e alunos estão fazendo com esses recursos, a fim de instruí-los no caminho em que devem andar. ]

LITIANA TURNER, diretora associada do Ministério de Discipulado da Divisão do Sul do Pacífico da Igreja Adventista. Ela vive na

Austrália

ADORAÇÃO DESCONECTADA

Tenho ido ali para orar por mais de meio século. Para mim, aquele lugar é meu lar espiritual, mais do que qualquer outro templo que frequentei ou no qual preguei. Porém, ali não há outro sistema de som a não ser o vento sussurrando pelos pinheiros gigantes que cercam o “santuário”. E não há um pregador

ao microfone, embora eu possa ouvir as palavras do próprio Espírito Santo, dizendo-me que devo me aquietar e me lembrar de quem é Deus (Sl 46:10).

Ali não há sistema de ar condicionado para aliviar o calor das manhãs de verão nem lareira a gás para oferecer ar quente com controle de umidade sob a neblina gelada do inverno. A iluminação é antiga: foi providenciada pelo Criador milênios atrás, quando ele pendurou os luzeiros no Céu (Gn 1:16).

Não há também tela de alta definição no saguão, anunciando o horário do almoço na

igreja e das atividades do ministério dos homens, nem placas com letreiros piscando na rua, comunicando qual será o sermão da semana seguinte.

Ali, na encosta que olha para o poente, acima das paisagens de verde luxuriante da terra que amo, tenho ido adorar o Senhor desde que meus pais me levaram lá pela primeira vez, quando eu tinha nove anos de idade. Atraído pela simplicidade e tranquilidade do lugar, tenho voltado ali dezenas de vezes para orar, geralmente sozinho, nas várias estações do ano.

Esse lugar de adoração ao ar livre – “Catedral de Pinheiros” como é chamado – tem sido o lugar em que tenho ido buscar o Senhor, Aquele que existe antes de toda nossa tecnologia e que sobreviverá depois dela. Pois, na verdade, o melhor que podem fazer nossos templos com luzes, microfones, carpetes e ar condicionado é obscurecer a grande e indomável realidade de Deus. Se não somos confrontados com nossa real estatura no Universo de Deus, corremos o risco de fazer um deus à nossa própria imagem, tão reduzido que caiba convenientemente na tela de nosso celular ou tablet.

BILL KNOTT, editor da revista Adventist World

O QUE VOCÊ PODE FAZER?

1. Avalie que tipo de mídia e conteúdo pode atrair e instruir melhor seu filho.

2. Dê o exemplo no uso da tecnologia.

3. Não use as telas como “babás” digitais. Dedique tempo de qualidade às crianças.

4. Seja seletivo e intencional. Existem coisas boas no mundo digital.

5. O tédio faz parte da vida das crianças. A criatividade também é cultivada quando elas têm

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