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Agroecologia no Vale do Rio Pardo

A EFASC no contexto da Agroecologia do Vale do Rio Pardo João Paulo Reis Costa

AGROECOLOGIA: UMA CONSTRUÇÃO COLETIVA NA REGIÃO.

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O movimento da Agroecologia vem conquistando cada vez mais espaço no mundo, especialmente frente aos debates a respeito das mudanças climáticas, índices de desmatamento, desertificação de regiões inteiras, uso intensivo de agrotóxicos, intensificação de monoculturas e principalmente pelas dúvidas a respeito da segurança dos alimentos produzidos em larga escala, vide as atividades articuladas nacionalmente pela Articulação Nacional de Agroecologia – ANA e a Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida. Situações essas que colocam em evidência o paradigma de desenvolvimento que orienta as forças político-produtivas no mundo.

Ante a essa situação limite, muitos grupos vão se organizando em antítese a essa forma de viver, produzir e consumir, que vem colocando em risco a vida no nosso planeta, sendo a Agroecologia uma proposta antagônica a esse paradigma posto, justamente porque pressupõem um outro paradigma de desenvolvimento, baseado no

Figura 1 - Composição atual da AAVRP.

Fonte: Elaboração do autor.

1 Historiador e Doutor em Desenvolvimento Regional. Monitor de Ciências Humanas e Sociais da EFASC. Professor e Vice Coordenador do Curso de Bacharelado em Agroecologia da UERGS/ AGEFA.

respeito à natureza, a uma produção e consumo que acolha os saberes ancestrais e que estabeleça processos horizontais entre as pessoas e entidades, compreendendo que produzir, comercializar e consumir não tenham que colocar em risco a vida na Terra e que sim, podem ser feitos de maneira que todos/as ganhem e assim, possam viver melhor.

Mesmo o Vale do Rio Pardo sendo conhecido popularmente como “terra do fumo”, pelo fato de concentrar em seu território uma rede de indústrias fumageiras transnacionais, ter aqui nesse espaço o desenvolvimento de mais de um século de sistema Integrado do Tabaco, a região hoje se mostra cada vez mais diversa, em todos os aspectos, inclusive produtivos, sendo o Vale cada vez mais referência em produção de alimentos, abrigando hoje seis cooperativas da Agricultura Familiar, mais de 30 feiras de alimentos comercializados diretamente pelos agricultores/as familiares camponeses, mais uma série de associações de agricultores, emprenhadas na produção de alimentos e cada vez mais com a consciência de que é preciso serem produzidas de maneira saudável, sem agrotóxicos, até mesmo por cada dia mais ser uma exigência dos consumidores/as. Desta forma, esses ares chegam ao Vale do Rio Pardo, especialmente pós anos de 1990, numa articulação de entidades como o CAPA – Centro de Apoio e Promoção da Agroecologia, que vão organizar grupos de Agricultores/as Familiares Camponeses em torno de uma perspectiva de produção agropecuária, aliada à preservação ambiental. E de lá pra cá uma série de experiências, entidades e instituições foram “recheando” esse paradigma, fazendo com que hoje tenhamos no Vale do Rio Pardo, desde 2013, uma Articulação em Agroecologia – AAVRP, que tem na sua constituição 23 entes formadores, das mais diversas matrizes, que vem trazendo os debates em torno da Agroecologia, em evidência na região.

A região hoje se mostra cada vez mais diversa, em todos os aspectos, inclusive produtivos, sendo o Vale cada vez mais referência em produção de alimentos, abrigando hoje seis cooperativas da Agricultura Familiar.

A FUNDAÇÃO AAVRP

No dia 19 de setembro de 2013, na sede da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul – EFASC, às 14h, se reuniram cerca de 25 representantes de 10 entidades do Vale do Rio Pardo, para fundar a AAVRP, que viria ser a “catalisadora” das atividades, envolvendo as pautas da Agroecologia na região, a exemplo disso, vale o destaque do engajamento nas Semana dos Alimentos Orgânicos – SAO da AAVRP, que de 2014 vem sendo feita todos os anos pela Articulação na data definida pela CPOrg/RS, estabelecendo uma agenda de debates, dias de campo, encontros e relatos de experiência em Agroecologia na região. Além do Seminário Regional de Agroecologia – SERA, atividade tradicional do segundo semestre, envolvendo as entidades em torno de um tema específico, em atividades que variam de um ou dois dias, pautando temas que interessam a AAVRP.

A AAVRP vai se constituir num campo muito fértil, como a Agroecologia pressupõe, diversa, de várias matrizes de compreensões, o que sempre desafia qualquer instituição dessa natureza, pois o diálogo tem de ser exercício e prática permanente, porque o “caldo cultural” é imenso.

Possibilitando assim, a aproximação de agenda e atividades conjuntas de entidades como Escolas, Universidade, grupo de pesquisas, sítios agroecológicos, entidades de assistência técnica, cooperativas, enfim, instituições que fazem Agroecologia nas suas mais variadas atividades fins. Além de agregar Agricultores/as Familiares Camponeses que são referência na construção histórica da Agroecologia na região, como seu Reinaldo Rodrigues, morador da comunidade de Capela dos Cunha, em Passo do Sobrado/RS, que define a Agroecologia.

O sistema de produção que fez eu trocar, passar para a Agroecologia é a minha índole desde criança. Em mim também colocaram a ideia de que tinha de ser diferente, tinha que ser moderno, que tinha de usar toda a tecnologia na agricultura. Nós podemos usar uma técnica nova no nosso trabalho da Agroecologia, pra produzir alimentos saudáveis, mas essa técnica vem do próprio agricultor, só tá na vontade das pessoas. Eu peço pras pessoas se conscientizarem um pouco, estudar um pouco, se formar um pouco nessa área (da Agroecologia). (COSTA, 2019, 141).

Esse tem sido o entendimento acordado entre as entidades e pessoas que formam a Articulação, ou seja, de que a pluralidade das forças que compõem o trabalho com a Agricultura Familiar Camponesa no Vale do Rio Pardo, seja a força dessa mobilização coletiva, o que vem permitindo que a AAVRP cresça, dinamizando as reflexões e diversificando as atividades propostas, reforçando a ideia lá da pesquisa junto aos seus membros, da necessidade de construir uma agenda coletiva na região.

A EDUCAÇÃO E AGROECOLOGIA NA REGIÃO.

A EFASC

Nesse processo que vem sendo construído no Vale do Rio Pardo, em relação a Agroecologia, cabe destacar o papel e a função da Educação nessa caminhada. Justamente porque se tem na composição da AAVRP, duas escolas, a EFASC (2009) e a Escola Família Agrícola de Vale do Sol – EFASOL (2014), ambas escolas de ensino médio e técnico em Agricultura. Pois tratam-se de instituições que trabalham com a Juventude do Campo da região, especificamente, diariamente, o que gera um fluxo de práticas, ações e vivência em Agroecologia, com muita intensidade.

Aqui será destacado o trabalho pioneiro nesse sentido da EFASC, que fundada em 1º de março de 2009, com sede no município de Santa Cruz do Sul/RS, que trabalha na formação de jovens filhos/ as de Agricultores/as Familiares Camponeses de 10 municípios do Vale do Rio Pardo (Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires, Passo do Sobrado, Rio Pardo, Vale Verde, Vera Cruz, Sinimbu, Herveiras, Boqueirão do Leão, General Câmara e excepcionalmente um jovem de Cachoeira do Sul), num curso de Ensino Médio e Técnico em Agricultura (pareceres CEED/RS nº 1422009 e 692-210 respectivamente), articulado via Pedagogia da Alternância (articulada por quase 20 instrumentos pedagógicos, alguns e criados a partir da experiência de Santa Cruz do Sul, com a EFASC2, alternados entre a sessão escolar (uma semana na escola) e a sessão familiar (uma semana em casa, com a família)), tendo como base formativa a Agroecologia.

Figura 2 - Atual sede da EFASC.

Novas endereço da EFASC desde setembro de 2019. (Acervo da EFASC).

2 Ver em: VERGUTZ, Cristina L. B. Aprendizagens na pedagogia da alternância da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul - UNISC, 2013.

A EFASC é uma Escola Comunitária de Alternância e a sua mantença é garantida via Associação Gaúcha Pró-Escolas Famílias Agrícolas – AGEFA, que foi fundada em 25 de julho de 2008. A AGEFA é responsável em estabelecer parceria com mais de 30 entidades/instituições que contribuem para a manutenção da Escola, através de repasses de A EFASC já formou bolsas de estudos, projetos de fomento 11 turmas, chegando e custeio, repasses num total de 277 jovens via programas internos das enti- egressos oriundos de mais de dades, e ainda a contribuição es120 comunidades do Vale do pontânea das fa- Rio Pardo. Alcançando hoje, mílias, mensal, semestral ou anual- a formação de quase 400 mente, de acordo com jovens na regiãoas possibilidades delas, com parte do custo de alimentação dos jovens na sessão escolar, além do Fundo Nacional de Educação Básica – FUNDEB, garantido por lei federal desde 2014.

Nesses 12 anos de atuação na Região, a EFASC vem se consolidando como uma Escola de referência na região, participando de uma série de fóruns que representam a Educação do Campo, a Agroecologia, o Desenvolvimento Regional, estando assim cada vez mais envolvida e sendo protagonista no cenário regional, vide a participação contributiva na AAVRP. Isso tudo faz com que a EFASC hoje seja uma instituição com uma procura considerável de pesquisadores/as de diversas áreas, a contatar como espaço e instituição a ser pesquisada. A EFASC foi criada, para atender uma demanda basicamente da agricultura familiar, mais especificamente de jovens moradores do meio rural, de vários municípios do Vale do Rio Pardo, que buscam uma qualificação maior na área da agricultura para, através desta, ter a possibilidade de avaliar a sua permanência na propriedade com qualidade. Atualmente a EFASC conta com 115 estudantes na formação de Ensino Médio Técnico em Agricultura, via Pedagogia da Alternância dos seus atuais dez municípios de abrangência no Vale do Rio Pardo, o que a faz ter uma grande capilaridade comunitária, dialogando hoje com cerca de 80 comunidades diretamente, via seus estudantes. E isso se intensifica quando contatamos que ao longo desses 12 anos de existência a EFASC já formou 11 turmas, chegando num total de 277 jovens egressos oriundos de mais de 120 comunidades do Vale do Rio Pardo. Alcançando hoje, a formação de quase 400 jovens na região , daí a sua importância para a promoção da Agroecologia na região, devido a sus capilaridade e resposta imediata no “fazer agroecológico” dos seus estudantes, envolvendo as famílias nesse processo, que a cada dia ganha mais espaço nas propriedades rurais da região.

O Bacharelado em Agroecologia UERGS/AGEFA

Vale ainda salientar que hoje a AGEFA, mantenedora da EFASC, é também proponente e ofertante do Bacharelado em Agroecologia UERGS/AGEFA, numa parceria inédita na região, a proporcionar um curso de nível superior em Agroe-

cologia desde 2019, já tendo três turmas ingressas, cerca de 60 acadêmicos/as, nesse curso pioneiro no Vale do Rio Pardo, se constituindo em mais uma opção em especial, aos jovens do Campo, num curso superior de qualidade, gratuito e situado na região, no campus da UERGS/Santa Cruz do Sul. E que ainda em 2018, iniciou uma Especialização em Agroecologia e Produção Orgânica, que hoje já conta com a segunda turma em formação, visando qualificar ainda mais o debate e o saber fazer da Agroecologia na região.

Vale salientar e destacar que o Bacharelado em Agroecologia nasce a partir de uma compreensão da Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo, que no seu conjunto de entidades, era preciso propor a reitoria da

Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS um curso que suprisse a demanda da região, nesse caso da Agroecologia e assim se fez, na sede da EFASC, um “Ato Público em defesa da UERGS”, no dia 20/06/2017, com a participação de cerca de 100 pessoas, unanimemente se posicionando a favor da criação do curso superior de AGROECOLOGIA, nessa Instituição. Sendo assim, um grupo de professores e pesquisadores se desdobrou em construir esse Curso, almejado por toda uma coletividade regional, sendo essa uma característica muito peculiar do Bacharelado.

Assim, a cada turma, uma nova experiência e a possibilidade de aproximar os estudos na universidade, seja na especialização ou no bacharelado, com o saber fazer cotidiano dos agricultores/ as e entidades que trabalham e

fazem agroecologia a campo na região. Porque essa aproximação e esse diálogo são fundamentais para a construção de um paradigma agroecológico de desenvolvimento, que aproxime as pessoas, suas práticas e recupere saberes tão importantes, que ao longo do tempo vão sendo esquecidos ou simplesmente substituídos, como se não fosse importante ou meramente superado. Assim, a Agroecologia ocupa um espaço cada vez mais protagonista no desenvolvimento do Vale do Rio Pardo, aos poucos, mas de maneira bem sólida, pela via da Educação.

Figura 3 - Primeira aula do Bacharel em Agroecologia UERGS/AFEFA.

Acervo da AAVRP, 2019.

Portanto, vale a ponderação da importância da EFASC/AGEFA na construção da Agroecologia do Vale do Rio Pardo, seja pelas suas práticas e envolvimento direto nessa elaboração, ou seja pelo seu protagonismo via Articulação em Agroecologia do Vale do Rio Pardo, contribuindo diretamente por um Curso de Ensino Médio Técnico em Agricultura para filhos/as de Agricultores/as Familiares da região, e também pela oferta de uma Especialização e um Bacharelado em Agroecologia, fazendo com a Agroecologia cumpra um itinerário importante e imprescindível a sua formação, da sala de aula, para a lavoura e da lavoura para a sala de aula, num compromisso dialético e horizontal de aproximar e promover o diálogo entre os saberes da escola e universidade, bem como os saberes da entidades, técnicos e Agricultores/as Familiares Camponeses, diariamente na região.

Assim, a Agroecologia vai colorindo os bancos escolares e as propriedades rurais da região, com o protagonismo, especialmente da Juventude do Campo da região, que vai, com seus estudos e práticas agropecuárias, fortalecendo cada vez mais a Agricultura Familiar Camponesa, promovendo a Agroecologia, propondo uma Educação inclusiva, que tenha no Campo, seu referencial de estudo e de vida, contribuindo diretamente para a construção de uma sociedade mais justa socialmente e mais saudável produtivamente, em passos mais vagarosos, porém, duradouros, pela via da educação, pois assim, vamos educando pela Agroecologia, uma geração toda.

Referências:

COSTA, João Paulo Reis. A articulação em agroecologia do Vale do Rio Pardo - AAVRP/RS: a agroecologia como possibilidade de existência e resistência na construção de “espaços de esperança” na região do Vale do Rio Pardo. Santa Cruz do Sul: Tese de doutorado. 2019. Orientadora: Profª Drª Virgínia Elisabeta Etges.

–––––––. Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC: uma contribuição ao desenvolvimento da região do Vale do Rio Pardo a partir da Pedagogia da Alternância. Dissertação Mestrado em Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul – UNISC, 2012.

POZZEBON, Adair. A Inserção socioprofissional dos jovens egressos da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul no Vale do Rio Pardo/RS: Uma contribuição para o Desenvolvimento Rural. Porto Alegre: PGDR/UFRGS (Dissertação de mestrado), Orientadora: Flávia Charão Marques. 2015.

VERGUTZ, Cristina L. B. Aprendizagens na pedagogia da alternância da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós Graduação em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul - UNISC, 2013.

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