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Feira pedagógica e grupo de produção e consumo

“Olha a feira aí!”

Antonio Carlos Gomes Evandro da Rosa Silveira Bruna Richter Eichler Mateus Ferreira Reis Costa

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Membro da Coordenação e Monitor da Área de Ciências Humanas e Sociais da EFASC. Monitor da Área de Produção Agropecuária da EFASC. Acadêmica curso Bacharel em Agroecologia – UERGS/AGEFA, Monitora da EFASC e bolsista da UERGS. Acadêmico curso Bacharel em Agroecologia – UERGS/AGEFA, Bolsista da UERGS.

Produzir alimentos saudáveis e diversificados é uma das marcas históricas agricultura familiar. Afinal, a maior parte de tudo que é servido à mesa dos brasileiros todos os dias, têm origem no trabalho de agricultores e agricultoras que vivem em pequenas áreas de terra, basicamente com mão de obra da própria família.

Mas para que essa produção brote da terra e alcance o seu destino, alimentando as pessoas e garantindo a sobrevivência de quem a produz, há um caminho a ser percorrido, por vezes ainda incerto, que exige planejamento, organização e, acima de tudo, trabalho coletivo. Exige também que se conheça todas as etapas do processo, desde antes do plantio até a comercialização.

Foi com esse intuito que surgiu a Feira Pedagógica, no ano de 2013, tornando-se um importante instrumento pedagógico da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul - EFASC. Os alimentos, produzidos, pelos próprios estudantes em suas áreas experimentais, em suas propriedades, passaram a ser vendidos para a comunidade semanalmente, servindo também como

espaço de troca de conhecimentos e de interação entre os estudantes e os consumidores. Uma aproximação que traz benefícios para ambas as partes.

Os estudantes da EFASC são oriundos de 10 municípios do Vale do Rio Pardo, uma região que tem como principal característica socioeconômica a presença da agricultura familiar integrada ao complexo agroindustrial de produção de tabaco, que é referência mundial. Organizado e desenvolvido há mais de 100 anos, este sistema tem enorme importância no volume de exportações agrícolas e é comandando atualmente por grandes empresas transnacionais.

Por meio do chamado “sistema integrado”, os agricultores recebem todos os insumos (adubos, sementes, agrotóxicos) e a tecnologia necessária para o cultivo do “fumo”, pagando a conta com a sua produção, ao final de cada safra. Uma das vantagens apontadas está justamente na comercialização, que já está garantida na assinatura do contrato, antes do plantio. As críticas e controvérsias ficam por conta do preço pago pelo produto, que é incerto e nem sempre o mais adequado, na visão dos agricultores, pois estão sempre suscetíveis às instabilidades ditadas pelo do mercado.

Além da produção de tabaco, como fonte de comercialização e geração de renda, grande parte dos agricultores familiares da região ainda possuem em suas propriedades espaços destinados à produção de alimentos para o autoconsumo. Esses espaços geralmente estão localizados mais próximos das propriedades e na maioria das vezes são de responsabilidade das mulheres ou mesmo dos jovens (SILVEIRA, 2019). Muitas famílias também se dedicam à outras culturas, que não o tabaco, como a produção de leite,

Os alimentos produzidos pelos próprios estudantes em suas áreas experimentais, em suas propriedades, passaram a ser vendidos para a comunidade semanalmente.

suínos, gado de corte e mesmo a produção de hortaliças e demais alimentos vendidos em feiras e cooperativas.

Por isso, a diversidade produtiva, da agricultura familiar do Vale do Rio Pardo, tem na produção de alimentos para o autoconsumo, uma das principais estratégias de autonomia, de diferentes formas de manejo e sobrevivência, dada a diversificação desta produção, em detrimento da especialização produtiva. Ainda mais porque essa produção de alimentos, na maioria das vezes, é feita em sistemas de manejo que integram agricultura e pecuária, preservando os saberes tradicionais que são passados de geração para geração (SILVEIRA, 2019).

Nesse contexto, a formação realizada pela EFASC, com filhos e filhas de agricultores familiares da região, tem a Agroecologia como matriz transversal do processo formativo, passando pelas diferentes áreas do conhecimento, ações sociais, práticas de produção e de comercialização de alimentos. Como estratégia pedagógica, orientada pela escola, cada estudante precisa ter, na propriedade familiar, um espaço que é chamado de “área experimental”, para realização de práticas, experimentos e, principalmente, um espaço de produção de alimentos, tanto para o autoconsumo, quanto para uma possível comercialização do excedente.

É nesse ponto que entra a Feira Pedagógica, sendo um elo à produção de alimentos feita pelos jovens em suas áreas experimentais, com a comercialização destes alimentos aos consumidores do meio urbano. A Feira Pedagógica constituiu assim um instrumento pedagógico da EFASC. Como aponta Vergutz (2013):

Assim, a Feira Pedagógica foi incorporada à dinâmica de aulas da EFASC, sendo uma experiência refletida, avaliada e planejada conjuntamente com os estudantes. Semanalmente, sob orientação dos professores, os estudantes realizam o planejamento da produção e o levantamento dos produtos que terão disponíveis para a próxima semana de aulas. Dessa forma, busca-se garantir a diversidade de alimentos, estimular que todos os estudantes participem do processo e que todos tenham a oportunidade de comercializar os seus produtos.

Todo esse processo de produção está embasado nos prin-

cípios da Agroecologia, através de técnicas e práticas de produção, nutrição, manejo dos solos e controle alternativo de pragas e doenças. Além disso, muitos alimentos são produzidos através de receitas resgatadas pelos jovens junto às suas famílias, trazendo também o elemento histórico-cultural dessa produção.

Os instrumentos pedagógicos, além de assumirem a característica de registros das alternâncias, se estruturam potencializado a pesquisa, a interrogação, o diálogo, a experimentação, a troca, a expressão, a sistematização através de relações com o viver, com o trabalho, com o distanciamento e com respeito aos diferentes saberes e relações existentes na humanidade (VERGUTZ, 2013, p. 94).

Nesse sentido, compreendendo que a agroecologia vai muito além da produção, como aborda Niederle et. al. (2013), faz-se necessário “construir” mercados que aproximem produtores de consumidores, estimular a produção e compra de produtos de base ecológica através de circuitos curto de comercialização, como desafio para criar um modelo alimentar ecologicamente correto.

Para isso, ressalta-se também a importância de haver consumidores conscientes e que busquem incentivar a produção dos agricultores, criando uma relação de confiança e de cooperação. É o que acontece na Feira Pedagógica, que recebe o apoio de pessoas que fazem questão de frequentar o espaço e adquirir os produtos, justamente por serem produzidos pela agricultura familiar, de maneira agroecológica e, especialmente, por jovens.

Com o início da pandemia de COVID-19 e o cancelamento das atividades presenciais na EFASC em março de 2020, a Feira Pedagógica também precisou ser paralisada. No entanto, a experiência foi remodelada, no sentido de seguir com os seus objetivos pedagógicos, porém adquiriu um caráter simbólico ainda maior: a produção de alimentos para pessoas em situação de vulnerabilidade social, através da criação do Grupo Feira Pedagógica de produção e comercialização de alimentos agroecológicos.

Este novo formato da Feira, também passou a integrar jovens estudantes e jovens egressos da EFASC, para produção e partilha de práticas agroecológicas de produção e comercialização. Além disso, incorporou novas parcerias, como a Universidade Estadual do Rio Grande do Sul – UERGS, que por meio de um projeto de Extensão, ofertou dois alunos do Curso de Bacharelado em Agroecologia para colaborar na organização do grupo.

Grupo Feira Pedagógica

Tendo 12 integrantes, todos moradores de comunidades mais próximas da EFASC, a fim de facilitar a logística de transporte dos alimentos, o grupo de reúne quinzenalmente, de forma remota, para a realização do levantamento dos produtos a serem ofertados para comercialização, além do planejamento e organização da produção, sempre sob supervisão de monitores da EFASC e dos bolsistas da UERGS. Para que se mantenha a qualidade e a quantidade de alimentos suficientes, leva-se em consideração as características das propriedades e a adaptação das plantas cultivadas, a fim de que se consiga elaborar e executar o planejamento de plantio e colheita dos alimentos conforme as demandas dos projetos.

A primeira demanda de comercialização de alimentos do grupo aconteceu no mês de setembro de 2020, para a Diocese de Santa Cruz do Sul. A entidade possui um programa social que atende famílias de baixa renda, para as quais fornece cestas básicas e passou a adquirir parte desses alimentos junto ao grupo de estudantes da EFASC.

Como contrapartida e para o incentivo ao grupo, a EFASC disponibilizou um veículo para realizar a busca dos alimentos nas propriedades e entrega no destino. É aí que entra também uma outra parceria importante, com a Fundação Banco do Brasil, através do Projeto Juventudes e Agroecologia, já que o veículo utilizado para este transporte foi adquirido com recursos deste projeto. Além do veículo, outros equipamentos oriundos do projeto compõe a estrutura da Feira pedagógica e estão sendo utilizados, como caixas plásticas agrícolas para transporte e balança de precisão.

A entrega desses alimentos foi acompanhada pela imprensa regional, gerando uma importante repercussão, afinal, são alimentos da agricultura familiar, saudáveis, produzidos por jovens, chegando à mesa de famílias em situação de vulnerabilidade agravada pela pandemia.

Desde então, as entregas seguiram acontecendo mensalmente, chegando a um total de 2 mil quilos de alimentos até de junho de 2021.

Além da comercialização para a Mitra Diocesana, o Grupo Feira Pedagógica também conseguiu acessar recursos do Programa Jovem Empreendedor Rural, financiado pela JTI (empresa do setor do tabaco). No projeto elaborado pelo grupo, garantiu-se a doação de 120 cestas de alimentos agroecológicos para o Banco de Alimentos do município de Santa Cruz do Sul, somando 1.200 quilos de alimentos, que, mais uma vez, chegam à mesa de famílias em situação de vulnerabilidade social.

Comprova-se assim, que a formação de jovens agricultores desenvolvida pela EFASC, articulada aos instrumentos pedagógicos da Pedagogia da Alternância, tendo a agroecologia como uma matriz transversal, possibilita, além de conhecer a realidade social, vislumbrar novas possibilidades e oportunidades de desenvolvimento da agricultura familiar e da região.

Sem dúvida, o sucesso da Feira Pedagógica e do Grupo Feira Pedagógica tem, na sua essência, a congregação de um esforço coletivo, de parcerias, de uma nova proposta de economia, uma economia solidária. Neste processo, todos saem ganhando, sejam os jovens, por meio da aprendizagem adquirida e pelo incremento de renda, sejam os consumidores, que adquirem ou recebem alimentos saudáveis em sua mesa. Ganha também a sociedade em geral, que vislumbra uma maneira de enfrentar a fome, de maneira conjunta, socialmente justa e ambientalmente sustentável.

Referências Bibliográficas

SILVEIRA E. R. A Feira Pedagógica no processo de construção de conhecimento de jovens do campo e de produção e comercialização de alimentos agroecológicos: Artigo final Pós-graduação em Educação do Campo e Desenvolvimento Regional, Universidade de Santa Cruz do Sul-UNISC, 2019. NIEDERLE, P.; ALMEIDA, L.; VEZZANI, F. M. Introdução. In: NIEDERLE, P.; ALMEIDA, L. de; VERGUTZ, Cristina L. B. Aprendizagens na pedagogia da alternância da Escola Família Agrícola de Santa Cruz do Sul. Dissertação (Mestrado em Educação) - Programa de Pós-graduação em Educação, Universidade de Santa Cruz do Sul, Santa Cruz do Sul, 2013.

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