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Espiritualidade
Caminhar e viver a fé na perspectiva de La Salette
Melânia, a vidente daquele marcante 19 de setembro de 1840, insistia na descrição da cena da aparição: “a misteriosa “Senhora” chorava sem cessar. Ela chorou durante todo o tempo em que nos falou. Vi suas lágrimas caírem”, dizia ela, sendo confirmada por Maximino.
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As imagens de Nossa Senhora da Salette chamam a atenção pelas lágrimas da “Bela Senhora”. As lágrimas da mãe de Jesus nos remetem a pelo menos dois acontecimentos dolorosos na vida de Maria e de Jesus.
O primeiro está ligado à ordem de Herodes de matar todas as crianças na tentativa de matar Jesus que acabava de nascer. Maria e José precisam fugir da violência de Herodes buscando refúgio no Egito (cf. Mt 2,13-18). No final, o evangelista cita o profeta Jeremias (31, 15): “Em Ramá se ouviu uma voz, lamentação, choro e grande pranto; era Raquel chorando seus filhos e não querendo ser consolada, porque já não existem” (Mt 2,18). O outro acontecimento é citado pelo evangelista São João (19, 25): “E junto à cruz de Jesus estava sua mãe...”
A vida de Nossa Senhora, assim como nos é apresentada nos evangelhos, está ligada a muitas alegrias, mas também a muitas dores. Como se não bastasse o desafio de cuidar de Jesus, ela estende seu olhar misericordioso para os irmãos e irmãs de Jesus, também feitos por Jesus, seus filhos e filhas.
As diversas aparições de Nossa Senhora nos recorda o cuidado materno de Deus que se revela em Maria. Desde os dias da vida com Jesus até nossos dias, a mãe Maria ‘aparece’, não para trazer uma nova revelação, mas para apelar, como já fizera um dia: “Fazei tudo quanto ele vos disser” (Jo 2,5).
Naqueles dias, com sua presença frágil e forte, e nos dias de hoje, chorando copiosamente como em La Salette ou aos pedaços como em Aparecida, Maria continua seu serviço de cuidar dos necessitados, chorando com aqueles que choram. Quantas lágrimas a pandemia fez escorrer pelos rostos das mães Marias pelo mundo todo?! Apenas no Brasil são mais de meio milhão de mortes, de histórias que desapareceram, de afetos que foram rompidos, de sonhos que foram interrompidos.
Uma espiritualidade a partir de Nossa Senhora da Salette nos convoca à solidariedade com todos os que choram, assumindo suas dores, mas também seus sonhos e busca de consolação. O conselho da mãe Maria, que nos orienta a fazer o que Jesus disser, nos dá uma direção para mudar nossas relações a fim de que, como humanidade salva pela vida, cruz e ressurreição de Jesus, vivamos a alegria de ter razão de nossa esperança.
Cremos que Deus realizará suas promessas: "E Deus limpará de seus olhos toda lágrima, e não haverá mais morte, nem pranto, nem clamor, nem dor, porque já as primeiras coisas são passadas”
(Ap 21,4).
Para enxugar as lágrimas de Nossa Senhora da Salette, precisamos fazer a nossa parte. No filme “A Missão”, que fala sobre o massacre dos guaranis e jesuítas nas reduções, um personagem diz ao representante do Papa: “Não se preocupe, o mundo é assim”. Mas outro responde: “Nós fizemos o mundo assim”.
Que nossa espiritualidade tenha Corpo e brilho, Alma e vigor, Espírito e vida, em Jesus, Maria e José.
Pe. Francisco Ary Carnaúba msf
Fechando os olhos para ver melhor
Fechei os olhos e fiquei profundamente emocionado. Nunca tinha “visto” tão longe. Nunca fizera tamanha retrospectiva em minha vida. Pessoas e fatos que me pareciam ter ficado tão distantes, no tempo e no espaço, de repente, ocuparam um lugar especial no presente.
Tudo parecia real! Como é maravilhoso recordar, ou mais do que recordar, reviver. Foi como se acontecesse comigo o milagre que aconteceu com o cego que pediu a Jesus: “Que eu veja de novo”.
Eu estava tendo a graça de ver novamente as belas paisagens que me encantaram um dia, pessoas que me amaram, apesar do meu desejo de posse, apesar de minhas limitações. Momentos de solidão e de tristeza, quando a vida parecia andar de ré. Mas também momentos de verdadeira alegria que brotavam profundamente do meu ser, ao descobrir, verdadeiramente, quem eu era. Momentos de dor e de saudade, de sonhos e realizações. Momentos que, nem então, nem agora consigo explicar.
Lembrei de pensadores e de pensamentos, que tiveram infl uência em minha vida, como Rousseau que teria dito “prefiro ser odiado pelo que sou, do que amado pelo que não sou”, um pensamento que me ajudou imensamente a ser mais autêntico em minha vida. Lembrei de Nelson Mandela que, ao sair da prisão onde ficara por diversos anos, olhou para trás e disse: “Eu continuaria preso se não perdoasse a quem me colocou aí dentro”. E, como a velhice está chegando, trouxe para o presente também o pensamento do Frei Beto: “Na velhice, é preciso agarrar a vida pelos chifres e deixar a morte nos surpreender.”
Ao sentir tanta coisa presente em minha vida, creio ter entendido melhor o que se diz quando se fala que, para Deus, não existe passado, nem futuro, pois para ele tudo é presente. Eu também nunca tinha entendido tão bem como esteve presente em minha vida a arte de desaprender, a arte de nascer de novo, como Jesus disse a Nicodemos, um dia.
Como é sublime a arte de reaprender. Quanta bagagem inútil consegui deixar para trás. Quanta mudança de mentalidade aconteceu em mim. Se não fosse isso, a minha vida não teria a leveza que tem.
E concluo dizendo, como alguém que disse antes de mim:
“Para perder uma guerra, basta vangloriar-se com a vitória de uma batalha, baixar a guarda e esquecer que o inimigo ainda está de pé”.
Pe. Euclides Benedetti msf
Santo Ângelo/RS
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Lágrimas que regam o campo da missão
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O mundo está carente de "lágrimas missionárias”. Cada ato de misericórdia, de compaixão, de solidariedade, perdão, é lágrima-semente de vida. O que seria da vida e do mundo sem o amor e as “lágrimas” da compaixão?
Com Jesus, conforme o episódio da morte de Lázaro (cf. Jo 11,35) e Maria, em sua aparição em La Salette, podemos aprender o sentido das lágrimas que brotam da compaixão. São lágrimas que expressam e constroem nossa humanidade, são lágrimas missionárias e redentoras!
Quem aprende o valor das lágrimas de compaixão pela vida e as chora de verdade nunca fará julgamentos apressados dos outros, juízos e acusações sem amor e misericórdia. Antes, far-se-á próximo do seu mais próximo que são os nossos irmãos segundo o Evangelho (os abandonados, os esquecidos na miséria humana e os diferem dos padrões impostos ou dominantes), são os irmãos de Jesus de Nazaré. Antes de julgar alguém que pouco conhecemos, temos que
Quem nunca derramou lágrimas? Lágrimas de saudades, de dor e de sofrimento, de encontros afetivos e ternos, lágrimas de despedidas, de solidão e de abandono, lágrimas de luto. E há também as lágrimas das festas que celebram a ternura e a bondade da vida, as lágrimas da fé, dos milagres e bênçãos, da acolhida incondicional.
derramar lágrimas de amor. Quem sabe chorar as dores, suas e dos outros, sabe semear o amor.
Que nossas lágrimas de vida possam juntar-se às lágrimas de Salette. Chorando, ela manifestou o seu amor maternal por todos os seus filhos e filhas que perdemos, ao longo da caminhada da vida, o sentido de sermos todos irmãos, filhos e filhas de um mesmo Pai-Amor. A vida precisa de amor e não de “julgamentos”! Jesus disse: “Lo que quiero es que sean compasivos, y no que ofrezcan sacrificios. Pues yo no he venido a llamar a los justos, sino a los pecadores.” (Mt 9,13)
Que nossas lágrimas sejam missionárias e anunciem o Evangelho da Salvação. Que elas reguem as sementes de amor, solidariedade e serviço que espalhamos com a vida em nossa missão. O “julgamento” da vida fica para Deus, que senta na mesa entre os pecadores, e não na cadeira do juiz, que se abaixa diante da mulher acusada para olhá-la no mesmo nível de humanidade, em vez de olhar de longe ou de cima para baixo e atirar pedradas doutrinais.
Uma missão sem lágrimas seria como um jardim sem fl ores! Missão é vida, e a vida tem suas lágrimas, sem ser necessariamente um “vale de lágrimas”. “Bem-aventurados os que choram, porque serão consolados”, proclama Jesus de Nazaré, o missionário do Pai!
Pe. Wilson Jorge Lamps msf
Santa Cruz de la Sierra, Bolívia