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Quial de Tubarão estimula a cultura e a resistência no subúrbio ferroviário

C O M U N I D A D E

QUIAL DE TUBARÃO ESTIMULA A CULTURA E A RESISTÊNCIA NO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO

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Idealizadores do Quilombo Aldeia Tubarão contam sobre a história e os projetos da organização cultural

Por Manoela Santos e Lucas S. Dias

ZEIS E O QUIAL

Localizado no subúrbio ferroviário de Salvador, o Quilombo Aldeia Tubarão está situado entre duas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Apesar de muitos dos integrantes do projeto não estarem familiarizados com o termo, acabam desenvolvendo atividades que estimulam a sensação de pertencimento e valorização da comunidade, dificultando o processo de gentrificação, segregação socioespacial que ocorre como uma forma de expulsão de uma população com renda econômica mais baixa de seu bairro, a partir da valorização econômica na região e o aumento médio do seu custo de vida.

“Desde 2004 que eu começo a fazer atividades artísticas, culturais e sociais aqui em Tubarão”, afirma Natureza França, idealizadora da associação comunitária Quilombo Aldeia Tubarão. Contra o processo de especulação imobiliária,tanto em Tubarão,como nas outras ZEIS do entorno, Natureza protesta : “A tendência é que as empresas cheguem e queiram construir aqui na praia. Não podemos deixar que isso aconteça”. Esse é um dos motivos da ação do QUIAL, que funciona com o trabalho manual diário e com a ajuda da universidade,de agentes políticos e de algumas instituições parceiras.

Apesar dos participantes não estarem diretamente mobilizados para a questão das ZEIS, através da valorização da produção e dos saberes locais, o QUIAL acaba funcionando como um centro social de movimentação para a comunidade e de qualquer forma,um instrumento de visibilidade e resistência.

A tendência é que as empresas cheguem e queiram construir aqui na praia. Não podemos deixar que isso aconteça.

Natureza França e Davi Bahia na sede so QUIAL Tubarão Fonte: AECC

QUIAL: DE TUBARÃO PARA O MUNDO

Em uma casa grande,decorada por todo tipo de artesanato,com cara e ritmo de interior fica a sede do QUIAL (Quilombo Aldeia Tubarão). A instituição de fomento cultural, produtora cultural e tantos outros títulos foi criada por Natureza França e hoje é administrada por ela e seu companheiro Davi Bahia.

Sentados ao redor de uma mesa e de memorandos dos projetos do QUIAL pendurados na parede,o casal nos conta sobre a história do projeto e a alegria de ter um lugar próprio, formalizado e com espaço para a realização das atividades. “O dinheiro que nós tínhamos era para comprar um lote e construir uma casa e ficar de boa, mas a gente pegou o dinheiro investiu para comprar dois lotes, para que a gente pudesse ter esse espaço aqui. principalmente o salão para fazer essas atividades.Temos espaço para as atividades que a gente vem realizando e outros que começaram aqui no Quilombo. Ele nasce em 2019 e a gente inaugura ele no início de 2022”. Conta Natureza.

Com formação em Produção Cultural e mestrado em Dança, Natureza idealizou um projeto que se dividiu, ou melhor, se multiplicou em muitos outros. Quando perguntados sobre quantos projetos o QUIAL abarcava, o casal teve até certa dificuldade de contar nos dedos.

O mais recente deles é o Roteiro Ancestral Ilha da Maré,uma proposta de turismo comunitário na área do Subúrbio Ferroviário que, segundo Natureza,pretende ser uma imersão na cultura e na história do local,tão rico de possibilidades. filosófica de permitir um espaço de encontro entre as culturas de quilombo e de aldeia. A produtora conta que os colonizadores batizaram locais hostis com nome de peixe. Tubarão,terra de tupinambás, foi um deles. Para ela, até hoje há um certo estigma sobre o local.

Natureza diz que não conseguiria viver em outro lugar além de Tubarão,onde também nasceu. Para ela há muito potencial na região. A comunidade já abraçou o QUIAL e vice-versa. Davi inclusive relata que o trabalho feito pelo QUIAL não existiria

RESISTÊNCIA

Natureza conta sobre a origem do nome dessa ZEIS. Ela se mistura com a própria origem do nome “QUIAL”. A questão passeia tanto pelas raízes indígenas de Natureza, quanto por uma questão Caretas de Tubarão Fonte: AECC

sem a ajuda das mulheres da comunidade. “É tudo feito por elas”, destaca. “A gente usava a escola, fazia atividade num num espaço de eventos, que uma moça emprestava para a gente, até que conseguimos comprar esse terreno”.

AS MATRIARCAS DE TUBARÃO

É com brilho nos olhos que o casal fala de um dos principais projetos desenvolvidos pelo QUIAL. O matriarcas de Tubarão é uma iniciativa de grande impacto para as mulheres da comunidade. O projeto valoriza o conhecimento das residentes antigas de tubarão e busca oferecer para elas cursos de capacitação, oficinas de empreendedorismo, além de visibilidade e oportunidade para contar suas próprias histórias. Segundo o casal, as matriarcas representam a história de Tubarão e estabelecem uma conexão com o passado, com o que veio antes.

Ainda segundo Natureza, as matriarcas participam ativamente das outras atividades desenvolvidas no QUIAL, demonstrando o espírito de liderança dessas mulheres, que muitas vezes assumem papel de protagonismo ao garantir o sustento de suas casas. “É que essas mulheres muitas das vezes sustentavam as casas com os filhos e os maridos. Então esse matriarcado é silenciado, mas ele existe”, diz.

O reconhecimento da potência das matriarcas pode ser observado no documentário disponível na página do youtube do QUIAL, intitulado “Matriarcas de Tubarão: Potência e resistência das mulheres de um lugar”. No documentário realizado pelo Quilombo Aldeia Tubarão, com apoio financeiro da CESE e apoio institucional da Pontos Diversos, tem-se acesso aos relatos das mulheres que narram suas lutas diárias para manter o sustento dos lares . “O matriarcado é uma coisa muito forte e o machismo muitas vezes não deixa o matriarcado existir”,relata a líder comunitária Natureza França.

É que essas mulheres muitas das vezes sustentavam as casas com os filhos e os maridos. Então esse matriarcado é silenciado, mas ele existe.

Fachada do Quilombo Aldeia Tubarão / Fonte: AECC

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