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Especialista em direito urbanís tico esclarece: “As ZEIS são uma demar- cação dentro do território para evitar especulação imobiliária”
PÁGINAS VERDES
ESPECIALISTA EM DIREITO URBANÍSTICO DA UEFS ESCLARECE: “AS ZEIS SÃO UMA DEMARCAÇÃO DENTRO DO TERRITÓRIO PARA EVITAR ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA”
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Adriana Nogueira, especialista em Direito Urbanístico da UEFS esclarece sobre o papel do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano nas Zonas Especiais de Interesse Social(ZEIS)
Por Glenda Morais, Maria Eduarda Ferreira e Vinícius Nocera
As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas da cidade de Salvador na Bahia criadas com a finalidade de atender a moradia da população de baixa renda. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, elaborado no ano de 2016 institui 234 ZEIS. Nessas áreas, a população deve ser prioritariamente atendida pela prefeitura do município a partir de ações direcionadas à urbanização e infraestrutura.
A maior parte dos moradores que vive nas ZEIS não conhece o instrumento A Campanha de informação social criada por militantes, ativistas, assessores populares, moradoras/es, pesquisadoras/es, professoras/es e estudantes universitárias de diferentes instituições de ensino superior baianas tem o objetivo de difundir o conhecimento das ZEIS nas diversas comunidades de Salvador.
A partir de 2023 haverá atualização no Plano Diretor. Em entrevista à Agência Experimental de Comunicação e Cultura da UFBA, a especialista em Direito Urbanístico da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e membro do movimento de divulgação Campanha ZEIS Já, Adriana Nogueira Vieira Lima afirma que “As expectativas são que o próximo Plano Diretor possa manter o que conquistou e avançar determinando prazos para a efetivação dos direitos relacionados às Zeis”
O que são as ZEIS, essas Zonas Especiais de Interesse Social?
As ZEIS são um instrumento de Política Urbana. É uma demarcação dentro da cidade para garantir que territórios de baixa renda sejam reconhecidos, urbanizados e dotados de infraestrutura. Nas Zeis são adotados parâmetros urbanísticos específicos que tem como objetivo evitar que os moradores sofram a pressão do mercado imobiliário. Por exemplo, nas ZEIS é proibido a construção de um Shopping, grandes empreendimentos e há limites para a verticalização. Em Salvador, o Nordeste de Amaralina, em 1978 foi o primeiro território popular a ter um zoneamento especial com essas finalidades. A partir dessa experiência, o Plano Diretor definiu 33 áreas da cidade de Salvador como objeto do zoneamento especial. Os planos diretores subsequentes foram aumentando o número de ZEIS até chegar nas 234 áreas demarcadas pelo Plano Diretor atual. Nesse percurso, houve a mudança da denominação do instrumento. Ele começa a ser denominado como Zona Homogênea, depois passa para ser APSES, que são Áreas de Proteção Socioecológica, depois vão ser chamadas AEIS, que é Área Especial de Interesse Social e por fim se adequar a terminologia prevista no Estatuto da Cidade e passam a ser chamadas de ZEIS.
O que seria esse novo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU) e de que forma ele interfere nessa formação que as ZEIS têm?
O Plano Diretor é uma lei municipal. Diria que, na cidade, o Plano Diretor é uma lei que vai dizer, mais ou menos, como cada parte do território deve ser utilizado para que haja cumprimento da função da propriedade. O plano diretor divide as cidades em zonas e vai dizer: “Essa zona é para uma determinada função. Essa é para outra”. Há um momento de muita tensão dessa disputa pelo território da cidade. Esse Plano Diretor é revisado a cada 10 anos e quando chegar nesse momento de revisão vai ser um momento de disputa. Por isso que é um momento importante do projeto ZEIS. A campanha das ZEIS foi justamente projetada para ir sensibilizando, para que as pessoas possam conhecer o que é esse instrumento e como podem utilizá-lo na luta pelo direito à moradia e à cidade.
Se tratando de obras que estão relacionadas à mobilidade urbana, a obra do Bus Rapid Transit (BRT), de alguma forma pode interferir nessas zonas?
O Plano Diretor vai tratar das questões da mobilidade urbana, vai definir as principais vias, as principais escolhas dos modais que vão ser utilizados. Essas definições sempre têm impacto na 11
cidade. Por exemplo, na ZEIS de Saramandaia, o metrô passou no entorno dela. Pelo fato dela ser uma ZEIS, deveria ter tido um tratamento mais especial, porque os moradores de Saramandaia descem para vender ali nas passarelas e a nova configuração gerou impactos. Essa articulação entre zonear, organizar a cidade e a dimensão da mobilidade, é importante que ela se dê de uma forma articulada, seja o BRT, seja o metrô, seja outro modal.
Quais são as expectativas envolvendo as ZEIS no próximo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano no município de Salvador?
A expectativa é que o Plano Diretor possa manter o que foi conquistado pelos movimentos sociais e avançar na determinação de prazos para que o município promova a elaboração dos planos de urbanização e regularização fundiária das ZEIS. Também é importante que sejam estabelecidas diretrizes, mais específicas em relação às comunidades tradicionais e as comunidades negras, e que nós avancemos também na demarcação dos vazios urbanos e edificações subutilizadas A proposta da campanha inclui a difusão das Zonas Especiais de Interesse Social.
No caso do plano diretor e a potencialização do alcance delas, de que forma você diria que difundir conhecimento sobre as ZEIS afeta a efetividade desse instrumento?
A primeira questão é que as pessoas precisam conhecer o instrumento. Como eu posso lutar pela efetividade do instrumento se eu não sei como ele funciona? Percebe-se que muitas pessoas, a maioria das pessoas e não estou falando apenas do morador, eu estou falando de juízes que não conhecem, promotores que não conhecem, pessoas que trabalham na prefeitura não conhecem o instrumento, es-
Adriana Nogueira Fonte: Arquivo Pessoal
estudantes universitários não conhecem. Compreende-se que era importante fazer essa campanha para discutir com as pessoas esses instrumentos, a aplicação, as suas potencialidades, as suas fragilidades para instrumentalizar as pessoas a estar ativamente buscando a sua efetivação.
É possível dizer que desde o início da formação dessas ZEIS houve um amplo alcance do conhecimento delas perante as pessoas que moravam nas próprias zonas ou fora dessas zonas?
Temos uma cultura tecnocrática e autoritária de não pensar democraticamente o planejamento da cidade e muitos moradores não utilizam esse instrumento. Talvez em Recife, as lideranças tenham se
se apropriado mais deste instrumento. Lá foi criado o PreZEIS que são os planos das ZEIS e também a Comissão de Urbanização e Legalização, enquanto instância de participação. Aqui em Salvador não houve esse avanço. Em Salvador, as ZEIS foram importantes para evitar a pressão imobiliária sobre os territórios populares, mas como dito não foi utilizada como instrumento de gestão, nem tecnocrática muito menos de questão democrática, então efetivamente muitas lideranças não sabem o que são ZEIS. A maioria dos juízes e os promotores também não conhecem o instrumento e seu importante papel para efetivação do direito à moradia.
Qual a atuação das ZEIS dentro do âmbito jurídico e como se estabelece a conexão dessas Zonas com a luta pela garantia dos direitos sociais?
As ZEIS são um instrumento fundamental de efetivação do direito à moradia na cidade, porque quando nós falamos de moradia, nós não estamos falando apenas de um teto sobre uma cabeça, nós estamos falando de uma moradia adequada. Essa moradia adequada precisa ter saneamento, precisa estar no lugar bem localizado, precisa ter a titulação da sua casa, precisa não estar pressionada pelo mercado imobiliário, ou seja, ela precisa ter segurança da posse e as ZEIS é um instrumento que se propõe exatamente a isso. Reconhecimento de território, regularização fundiária, investimento público e urbanização e aí tem um elemento da ZEIS que estamos negligenciando muito que é a relação com a questão étnico-racial. Temos a nível federal o Estatuto da Igualdade Racial e no Estatuto da Igualdade Racial tem um capítulo específico do direito à moradia da população negra. Esse casamento entre o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Igualdade Racial é muito importante e percebemos que boa parte da população que mora em ZEIS com percentual muito alto é a população negra. Essas ZEIS também podem estar protegendo as formas de viver das comunidades tradicionais. Quando falo de comunidades tradicionais, estou falando da Gamboa de Baixo que é uma comunidade tradicional quilombola e que são zonas especiais de interesse social como uma forma delas estar dentro do perímetro urbano e manterem suas características de forma de reprodução da vida, levando em conta as suas tradições, as suas ancestralidades.
Que ações são possíveis de se observar do Estado da Bahia, em específico na cidade de Salvador, podem contribuir positivamente para as ZEIS?
A competência de criar as ZEIS é do município, o Estado não pode criar porque isso faz parte do planejamento municipal e cabe ao município, O Estado da Bahia pode, por exemplo, condicionar o repasse de recursos à existência de ZEIS. Existe uma linha dentro da Secretaria de Desenvolvimento Urbano que é a capacitação, então o Estado pode investir recursos para estar multiplicando essa ideia para os nossos 417 municípios pela importância das ZEIS dentro desse programa de capacitação de assistência técnica que o Estado tem para os municípios.
É possível observar algum tipo de política pública que foi criada a favor dessas ZEIS e de que modo ela está atuando no momento?
Nesse momento o que temos é o fato de que instituir as ZEIS já é uma política pública importante. Já é um pressuposto importante. Neste plano diretor de 2016 está prevista a demarcação dos territórios tradicionais como ZEIS, isso é uma política pública importante. Em termos de regulamentação, houve poucos avanços. Tenho conhecimento que das 234 Zeis, apenas o plano de regulamentação da Gamboa e Ilha de Maré está em curso, portanto há muito a avançar para se garantir o direito à moradia e à cidade.