Revista JaÉ 5º edição Direito à cidade

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Revista da Agência Experimental de Comunicação e Cultura | 5° edição

SUMÁRIO

Tutor da Agência

Marcos “Bau” Carvalho

Editor-chefe Pedro Beno Cordeiro

Repórteres

Clarissa Narai Costa

Glenda Morais

Kamila Macedo

Laura Pita

Luanda Moreira

Lucas S. Dias

Manoela Santos

Maria Eduarda Motta

Maria Eduarda Ferreira

Marina Bello

Paula Eduarda Araújo

Pedro Beno Cordeiro

Vinícius Nocera

Revisão

Esther Morais

Diagramação

Clarissa Narai Costa

Imagem da Capa

Pólen Acácio

Eixo

Páginas
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Comunidade 18
Raiz 23 A
04 ZEIS Já afirma luta de direito à cidade na UFBA
Verdes
Especialista em direito urbanístico esclarece: “As ZEIS são uma demarcação dentro do território para evitar especulação imobiliária” Perfil
O que não se perdeu no aterro: Jeane Santos e a voz de Canabrava
Quial de Tubarão estimula a cultura e a resistência no subúrbio ferroviário
Primeira, ZEIS cinco

EDITORIAL

A quinta edição da Revista JAÉ aborda a cidade e suas várias dimensões culturais. Esse ambiente que é construído, e que conforma cada vez mais em seu território boa parte da população mundial, mas sob o qual também somos conformados de maneira individual e coletiva, em nossos trajetos, relações, atividades e em toda nossa produção. A revista aborda este tema pela perspectiva do direito à cidade. Dessa perspectiva, não só todos devem poder ter acesso à cultura, serviços, estrutura e equipamentos urbanos de maneira menos desigual, como também interessa aqui o direito de imaginar, desenvolver e construir coletivamente as cidades em que vivemos.

Como processo histórico de lutas sociais por esses direitos urbanos, recentemente a sociedade brasileira vem estabelecendo parâmetros para políticas públicas, que possibilitem juridicamente o reconhecimento e o desenvolvimento social das áreas mais desfavorecidas, que no caso de Salvador e tantas outras capitais brasileiras, é onde mora grande maioria de seus habitantes. Com o estabelecimento do conceito das Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) em 2001, no Estatuto da Cidade (lei federal nº 10.257), as cidades brasileiras passam a reconhecer essas áreas em suas leis municipais e, com isso, abrem-se possibilidades legais para que essas zonas sejam geridas oficialmente com a participação de seus moradores, e a titulação das moradias seja obrigatoriamente concedida aos seus habitantes.

Os conteúdos produzidos para esta edição da revista procuram articular essa outra cidade, que se constrói pela ação de pessoas que não se acomodam a uma cidade que é imposta por poderosos interesses. Pelo contrário, criam possibilidades de vida potente através da arte e da cultura, e da luta cotidiana por direitos individuais e coletivos. A operação proposta aqui, é que a luta histórica pela democracia ampla, que vai se consolidando em um ritmo próprio e quase sempre lento, seja apropriada cada vez mais pelos próprios agentes dessa cidade, particularmente aqueles que têm sua atuação local nestas áreas, só recentemente reconhecidas legalmente pelas ZEIS. Essa edição da JAÉ está dividida em cinco editorias. Na editoria EIXO a revista apresenta a campanha ZEIS Já, movimento formado por pessoas da comunidade, ativistas, professores e alunos universitários. Em COMUNIDADE, o Quilombo Aldeia Tubarão é apresentado por Natureza França, produtora cultural e moradora de Tubarão. Ela fala da importância dos projetos desenvolvidos para a comunidade. Em RAÍZES, Ana Caminha, ativista e filha da Gamboa, aborda a história e a realidade do lugar para os seus moradores. Em PÁGINAS VERDES, Adriana Nogueira, especialista em Direito Urbanístico da UEFS, fala da influência do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano nas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). E na editoria PERFIL, é apresentada Jeane Alves, mulher preta, coordenadora estadual do Movimento Nacional de Catadores Recicláveis (MNCR) e presidente da Associação Cultural e Esportiva da Comunidade de Canabrava (ACECC), representando-a na Campanha ZEIS Já.

Esta edição da revista é mais uma ação da universidade pública a serviço da ampla produção de conhecimento, a partir tanto das fontes acadêmicas tradicionais, como também do conhecimento culturalmente construído pela população, em suas necessidades e ricas potencialidades.

Boa leitura!

Marcos Carvalho, Nara Pessoa e Joelma Stella

EIXO

ZEIS JÁ AFIRMA LUTA DE DIREITO À CIDADE NA UFBA

Campanha fruto de experiências acumuladas ganha espaço na Universidade

A campanha ZEIS Já, coletividade que busca reivindicar políticas públicas em Zonas de Interesses Sociais vem ganhando espaço na Universidade Federal da Bahia (UFBA). O espaço acadêmico é um dos ambientes de articulação do movimento . Desde setembro de 2021 a campanha lançada nas redes sociais articulada por coletivos, movimentos sociais e pelas Universidades Federal da Bahia (UFBA), Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e Universidade Católica de Salvador (UCSAL) na luta por moradia, envolve grupos de pesquisa sobre direito à cidade e institutos de alcance nacional.

Em uma rápida consulta aos repositórios UFBA, primeira citação de um trabalho acadêmico envolvendo ZEIS data de 2003. . Após anos distanciada oficialmente dos debates urbanos envolvendo a temática das ZEIS, a universidade através de alguns alunos e professores perceberam a falta de informação da população, especificamente na região do estado da Bahia para utilizar a Zeis como forma de instrumento da luta por permanência e obtenção de moradia. A campanha se originou a partir da aliança dos setores civis que já lutavam a longa data com os novos perfis de docentes e discentes das universidades.

À medida que as experiências extensionistas prévias foram se desenvolvendo, o projeto foi se desenvolvendo e dando mais visibilidade às necessidades de cada bairro,

foi indispensável construir uma ligação entre esses territórios, segundo o professor e arquiteto Marcos de Oliveira Bau Carvalho, era fundamental essa relação entre as pessoas que compõem as Zonas De Interesse Social. “Com o passar dos anos e da experiência acumulada fomos detectando junto com os agentes e lideranças dos territórios a necessidade de que os movimentos de cada bairro conhecessem e apoiassem as lutas dos outros locais”.

A campanha ZEIS Já, contribui divulgando as áreas além de ter o papel de protagonizar a população que vive nesse território. Formada por pessoas de diversas áreas como estudantes e professores, ativistas, pesquisadores e moradores que lutam por um espaço de vivência mais apropriado. Atualmente,

no território soteropolitano 234 áreas são demarcadas como Zonas de Interesse Social segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU) e a campanha tem sua principal fonte de compartilhamento de informações em suas redes sociais e no site oficial (http:// www.zeisja.org).

ZEIS NA SALA DE AULA

A relação das ZEIS com o ambiente universitário foi se fortalecendo e passou a fazer parte da sala de aula introduzida por professores que já são integrados ao projeto e veem no ambiente de estudo a possibilidade de transferir seus conhecimentos e motivar alunos a fazerem parte dessa rede.

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Eixo
Professor Marcos “Bau” Fonte: Facom
Atualmente, no território soteropolitano 234 áreas são demarcadas como Zonas de Interesse Social segundo o Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU)

Foi o que aconteceu com a mestranda de arquitetura e urbanismo Michaela Alves (28) que se envolveu no projeto após conhecer e saber sobre as Zonas Especiais de Interesse Social no espaço acadêmico. Atualmente a estudante faz parte da equipe de apoio do projeto: “A universidade tem que cumprir uma função social, não é só você usar para a sua pesquisa, mas tem que ter um retorno porque a universidade tem função social” comenta sobre o papel social da universidade.

A campanha foi organizada em quatro núcleos. Em especial, o grupo responsável por pesquisas e insumos era encarregado pela coleta de dados e construção de referências em torno das temáticas relacionadas às ZEIS. O grupo de pesquisa “Lugar Comum”, da faculdade de arquitetura da UFBA, teve um protagonismo no trabalho de pesquisa do projeto.

Moradora de uma ZEIS e integrante desse primeiro grupo, Michaela pauta seu programa de mestrado inclusive no mapeamento de atividades culturais em ZEIS. Ela admitiu certo choque ao perceber como a questão ainda era muito pouco discutida e visualizada tanto no ambiente acadêmico como na sociedade civil. Para a estudante, a cultura faz parte dos pilares de luta da ZEIS Já,

segundo ela, é importante ter lutas sociais com uma visão integrada como moradia digna, mas também pautas como lazer, luta contra o racismo e pelo meio ambiente.

De acordo com Bau, “a demora do envolvimento institucional da universidade é produto de uma dificuldade estrutural histórica da academia no Brasil em reconhecer o conhecimento gerado fora da universidade”. A opinião do professor é que o cenário mudou em 20 anos.

PREZEIS

Na consolidação da constituição de 1988, a PL nº 775/83 resultou na constituição incluindo um capítulo específico para a política urbana, artigos 182 e 183, que previa uma série de instrumentos que poderiam ser abordados para garantir a ocupação e legalidade das moradias de baixa renda, com a supervisão do poder público para garantir a análise técnica.

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Michaela Alves Fonte: AECC

No site da campanha, há uma aba chamada biblioteca, lá é possível acessar os principais artigos e trabalhos feitos na universidade que servem para introduzir e mostrar a urgência da questão

O projeto de lei que criou o Plano de Regularização das Zonas Especiais de Interesse Social (PREZEIS) partiu do movimento popular e da comissão de justiça e paz da Arquidiocese de Olinda. Já no ano de 1983, em Recife e foi promulgada que garantia um novo uso e ocupação da terra, porém sem garantir uma proteção frente aos avanços do mercado imobiliário. Foi necessária uma revisão jurídica que zelasse pela prioridade da população carente que já se estabelecia ali. Assim foi formalizado pela primeira vez o projeto das ZEIS.

Bolsista de comunicação da campanha, Lais Rocha, destaca um dos aspectos mais importantes “Outro ponto interessante de destacar é que esse projeto ele foi desenvolvido de forma interdisciplinar pautado 100% na construção colaborativa, então é interessante destacar também a forma como nos organizamos, o ponto de vista terno da equipe era a equipe formada por professores, pesquisadores, estudantes bolsistas, estudantes de comunicação, arquitetura e direito”.

A estudante lembra que a chave para o sucesso dentro do ambiente acadêmico foi o planejamento e acesso a toda produção científica que passava por um processo de simplificação para atingir o maior grupo de pessoas possíveis.

Reunindo cada vez mais visibilidade, veículos de comunicação espalhados pela cidade dão espaço à campanha, ampliando essa rede de alcance e fazendo com que um número maior de pessoas entenda o que são as ZEIS. A ação também conquistou o espaço político: “Participamos da sessão ordinária da câmara, já que a campanha se propõe também a junto com o poder público deliberar e cobrar questões importantes para o povo, para a sociedade”, relembrou Laís sobre o evento.

Visite o site da Campanha ZEIS Já! e conheça mais sobre o projeto

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As pessoas sabem que precisam de políticas públicas, mas não sabem que tem um nome. Há um instrumento para lutar exatamente por esse tipo de política pública, para esse tipo de território.

PÁGINAS VERDES

ESPECIALISTA EM DIREITO URBANÍSTICO DA UEFS ESCLARECE: “AS ZEIS SÃO UMA DEMARCAÇÃO DENTRO DO TERRITÓRIO PARA EVITAR ESPECULAÇÃO IMOBILIÁRIA” Adriana Nogueira, especialista em Direito Urbanístico da UEFS esclarece sobre o papel do Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano nas Zonas Especiais de Interesse Social(ZEIS) Por Glenda Morais, Maria Eduarda Ferreira e Vinícius Nocera 10

As Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS) são áreas da cidade de Salvador na Bahia criadas com a finalidade de atender a moradia da população de baixa renda. O Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano, elaborado no ano de 2016 institui 234 ZEIS. Nessas áreas, a população deve ser prioritariamente atendida pela prefeitura do município a partir de ações direcionadas à urbanização e infraestrutura.

A maior parte dos moradores que vive nas ZEIS não conhece o instrumento A Campanha de informação social criada por militantes, ativistas, assessores populares, moradoras/es, pesquisadoras/es, professoras/es e estudantes universitárias de diferentes instituições de ensino superior baianas tem o objetivo de difundir o conhecimento das ZEIS nas diversas comunidades de Salvador.

A partir de 2023 haverá atualização no Plano Diretor. Em entrevista à Agência Experimental de Comunicação e Cultura da UFBA, a especialista em Direito Urbanístico da Universidade Estadual de Feira de Santana (UEFS) e membro do movimento de divulgação Campanha ZEIS Já, Adriana Nogueira Vieira Lima afirma que “As expectativas são que o próximo Plano Diretor possa manter o que conquistou e avançar determinando prazos para a efetivação dos direitos relacionados às Zeis”

O que são as ZEIS, essas Zonas Especiais de Interesse Social?

As ZEIS são um instrumento de Política Urbana. É uma demarcação dentro da cidade para garantir que territórios de baixa renda sejam reconhecidos, urbanizados e dotados de infraestrutura. Nas Zeis são adotados parâmetros urbanísticos específicos que tem como objetivo evitar que os moradores sofram a pressão do mercado imobiliário. Por exemplo, nas ZEIS é proibido a construção de um Shopping, grandes empreendimentos e há limites para a verticalização. Em Salvador, o Nordeste de Amaralina, em 1978 foi o primeiro território popular a ter um zoneamento especial com essas finalidades. A partir dessa experiência, o Plano Diretor definiu 33 áreas da cidade de Salvador como objeto do zoneamento especial. Os planos diretores subsequentes foram aumentando o número de ZEIS até chegar nas 234 áreas demarcadas pelo Plano Diretor atual. Nesse percurso, houve a mudança da denominação do instrumento. Ele começa a ser denominado como Zona Homogênea, depois passa para ser APSES, que são Áreas de Proteção Socioecológica, depois vão ser chamadas AEIS, que é Área Especial de Interesse Social e por fim se adequar a terminologia prevista no Estatuto da Cidade e passam a ser chamadas de ZEIS.

O que seria esse novo Plano

Diretor de Desenvolvimento Urbano de Salvador (PDDU) e de que forma ele interfere nessa formação que as ZEIS têm?

O Plano Diretor é uma lei municipal. Diria que, na cidade, o Plano Diretor é uma lei que vai dizer, mais ou menos, como cada parte do território deve ser utilizado para que haja cumprimento da função da propriedade. O plano diretor divide as cidades em zonas e vai dizer: “Essa zona é para uma determinada função. Essa é para outra”. Há um momento de muita tensão dessa disputa pelo território da cidade. Esse Plano Diretor é revisado a cada 10 anos e quando chegar nesse momento de revisão vai ser um momento de disputa. Por isso que é um momento importante do projeto ZEIS. A campanha das ZEIS foi justamente projetada para ir sensibilizando, para que as pessoas possam conhecer o que é esse instrumento e como podem utilizá-lo na luta pelo direito à moradia e à cidade.

Se tratando de obras que estão relacionadas à mobilidade urbana, a obra do Bus Rapid Transit (BRT), de alguma forma pode interferir nessas zonas?

O Plano Diretor vai tratar das questões da mobilidade urbana, vai definir as principais vias, as principais escolhas dos modais que vão ser utilizados. Essas definições sempre têm impacto na

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Páginas Verdes

O Plano Diretor vai tratar das questões da mobilidade urbana, vai definir as principais vias, as principais escolhas dos modais que vão ser utilizados.

cidade. Por exemplo, na ZEIS de Saramandaia, o metrô passou no entorno dela. Pelo fato dela ser uma ZEIS, deveria ter tido um tratamento mais especial, porque os moradores de Saramandaia descem para vender ali nas passarelas e a nova configuração gerou impactos. Essa articulação entre zonear, organizar a cidade e a dimensão da mobilidade, é importante que ela se dê de uma forma articulada, seja o BRT, seja o metrô, seja outro modal.

Quais são as expectativas envolvendo as ZEIS no próximo Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano no município de Salvador?

A expectativa é que o Plano Diretor possa manter o que foi conquistado pelos movimentos sociais e avançar na determinação de prazos para que o município promova a elaboração dos planos de urbanização e regularização fundiária das ZEIS. Também é importante que sejam estabelecidas diretrizes, mais específicas em relação às comunidades tradicionais e as comunidades negras, e que

nós avancemos também na demarcação dos vazios urbanos e edificações subutilizadas A proposta da campanha inclui a difusão das Zonas Especiais de Interesse Social.

No caso do plano diretor e a potencialização do alcance delas, de que forma você diria que difundir conhecimento sobre as ZEIS afeta a efetividade desse instrumento?

A primeira questão é que as pessoas precisam conhecer o instrumento. Como eu posso lutar pela efetividade do instrumento se eu não sei como ele funciona? Percebe-se que muitas pessoas, a maioria das pessoas e não estou falando apenas do morador, eu estou falando de juízes que não conhecem, promotores que não conhecem, pessoas que trabalham na prefeitura não conhecem o instrumento, es-

estudantes universitários não conhecem. Compreende-se que era importante fazer essa campanha para discutir com as pessoas esses instrumentos, a aplicação, as suas potencialidades, as suas fragilidades para instrumentalizar as pessoas a estar ativamente buscando a sua efetivação.

É possível dizer que desde o início da formação dessas ZEIS houve um amplo alcance do conhecimento delas perante as pessoas que moravam nas próprias zonas ou fora dessas zonas?

Temos uma cultura tecnocrática e autoritária de não pensar democraticamente o planejamento da cidade e muitos moradores não utilizam esse instrumento. Talvez em Recife, as lideranças tenham se

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Adriana Nogueira Fonte: Arquivo Pessoal

se apropriado mais deste instrumento. Lá foi criado o PreZEIS que são os planos das ZEIS e também a Comissão de Urbanização e Legalização, enquanto instância de participação. Aqui em Salvador não houve esse avanço. Em Salvador, as ZEIS foram importantes para evitar a pressão imobiliária sobre os territórios populares, mas como dito não foi utilizada como instrumento de gestão, nem tecnocrática muito menos de questão democrática, então efetivamente muitas lideranças não sabem o que são ZEIS. A maioria dos juízes e os promotores também não conhecem o instrumento e seu importante papel para efetivação do direito à moradia.

Qual a atuação das ZEIS dentro do âmbito jurídico e como se estabelece a conexão dessas Zonas com a luta pela garantia dos direitos sociais?

As ZEIS são um instrumento fundamental de efetivação do direito à moradia na cidade, porque quando nós falamos de moradia, nós não estamos falando apenas de um teto sobre uma cabeça, nós estamos falando de uma moradia adequada. Essa moradia adequada precisa ter saneamento, precisa estar no lugar bem localizado, precisa ter a titulação da sua casa, precisa não estar pressionada pelo mercado imobiliário, ou seja, ela precisa ter segurança da posse e as ZEIS é um instrumento que se propõe exatamente a isso. Reconhe-

cimento de território, regularização fundiária, investimento público e urbanização e aí tem um elemento da ZEIS que estamos negligenciando muito que é a relação com a questão étnico-racial. Temos a nível federal o Estatuto da Igualdade Racial e no Estatuto da Igualdade Racial tem um capítulo específico do direito à moradia da população negra. Esse casamento entre o Estatuto da Cidade e o Estatuto da Igualdade Racial é muito importante e percebemos que boa parte da população que mora em ZEIS com percentual muito alto é a população negra. Essas ZEIS também podem estar protegendo as formas de viver das comunidades tradicionais. Quando falo de comunidades tradicionais, estou falando da Gamboa de Baixo que é uma comunidade tradicional quilombola e que são zonas especiais de interesse social como uma forma delas estar dentro do perímetro urbano e manterem suas características de forma de reprodução da vida, levando em conta as suas tradições, as suas ancestralidades.

Que ações são possíveis de se observar do Estado da Bahia, em específico na cidade de Salvador, podem contribuir positivamente para as ZEIS?

A competência de criar as ZEIS é do município, o Estado não pode criar porque isso faz parte do planejamento municipal e cabe ao município, O Estado da Bahia pode, por exemplo, condicionar o repasse de recursos à existência de ZEIS. Existe uma linha dentro da Secretaria de Desenvolvimento Urbano que é a capacitação, então o Estado pode investir recursos para estar multiplicando essa ideia para os nossos 417 municípios pela importância das ZEIS dentro desse programa de capacitação de assistência técnica que o Estado tem para os municípios.

É possível observar algum tipo de política pública que foi criada a favor dessas ZEIS e de que modo ela está atuando no momento?

Nesse momento o que temos é o fato de que instituir as ZEIS já é uma política pública importante. Já é um pressuposto importante. Neste plano diretor de 2016 está prevista a demarcação dos territórios tradicionais como ZEIS, isso é uma política pública importante. Em termos de regulamentação, houve poucos avanços. Tenho conhecimento que das 234 Zeis, apenas o plano de regulamentação da Gamboa e Ilha de Maré está em curso, portanto há muito a avançar para se garantir o direito à moradia e à cidade.

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Quando nós falamos de moradia, nós não estamos falando apenas de um teto sobre uma cabeça, nós estamos falando de uma moradia adequada.
PERFIL O QUE NÃO SE PERDEU NO ATERRO: JEANE SANTOS E A VOZ DE CANABRAVA Por Clarissa Narai Costa, Laura Pita e Paula Eduarda Araújo A importância da coletividade na jornada da catadora que se tornou ativista social

Um lixão tem vida, muitos podem não saber. Mas, em meio ao lixo orgânico, pessoas sobrevivem encontrando novos sentidos aos objetos descartados, sem valor para seus antigos donos. Catadora de materiais recicláveis e moradora da comunidade de Canabrava, em Salvador, Jeane Santos é uma dessas vidas que foram moldadas em meio ao aterro sanitário a céu aberto que esteve ativo no bairro até 2001. Foi naquele espaço que ela conheceu o atual marido, deu à luz os dois filhos ainda na adolescência e descobriu-se voz ativa pelas causas sociais que defende.

Hoje aos 41 anos, Jeane é uma mulher preta, coordenadora estadual do Movimento

Nacional de Catadores Recicláveis (MNCR) e presidente da Associação Cultural e Esportiva da Comunidade de Canabrava (ACECC), representando-o na Campanha Zeis Já. Enquanto trabalhou no aterro, dos 7 aos 19 anos, ela conviveu com mais de 3.000 famílias lutando contra dificuldades financeiras, riscos de doenças e a violência. Assim, aprendeu como a coletividade transforma a vida das pessoas.

Quando tinha 7 anos, Jeane fez parte de seu primeiro coletivo com os amigos do bairro. Guiada pela curiosidade, explorava os limites do lixão a 100 metros de casa. Mesmo sem necessidade, contrariava as broncas do pai, pescador, e da mãe, lavadeira de

roupas, para encontrar merendas e organizar piqueniques. Eventualmente, procurar por danoninhos evoluiu para catar garrafas de vidro e trocá-las por algodão doce. Mas, a festa não durou muito. Ela resistiu ao sermão dos pais o quanto pôde, até ser obrigada a dizer adeus.

Para afastá-la do ambiente, Jeane foi mandada para a casa de sua avó, em Cachoeira de São Félix, no Recôncavo Baiano. Desse período, não carrega boas memórias. À mando da avó, acordava às 4 da manhã para realizar tarefas domésticas. Todos os dias, descia a ladeira do bairro onde morava até o rio e retornava aos tombos carregando dois tonéis d’água, que chegavam ao topo pela metade. “Minha avó era terrível, [morar com ela] era pior do que estar no lixão. Eu fazia trabalho escravo. Era uma criança e fazia tudo que um adulto tinha que fazer. Só entendo isso hoje”. Para uma criança sempre rodeada de amigos, a solidão a atingiu no tempo que morou em Cachoeira de São Félix. O conjunto de dificuldades foi razão para fugir da cidade.

As consequências vieram depois que sua família a encontrou. Seu comportamento foi considerado uma rebeldia. Expulsa pela avó, Jeane foi mandada para morar com a tia em Nazaré das Farinhas. Pelos três anos seguintes, continuou acordando às 04 da manhã para, além das

Jeane Santos

Fonte: Arquivo pessoal

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tarefas de casa, preparar o café da prima e ajudar a tia na cozinha da escola onde deveria estudar. “Foi pior do que a casa da minha avó. Eu fazia muito mais coisas. Minha prima era a princesinha da minha tia e eu tinha que cuidar de tudo”. Jeane não era o tipo de criança que facilmente se conformava. Por isso, contando com a sorte, se escondeu embaixo da lona de um caminhão de tomate esperando chegar ao ferry boat de Salvador.

De volta à capital baiana, foi direto para o aterro de Canabrava. Com apenas 13 anos, passou a morar com uma amiga e a viver dos recicláveis que coletava, a partir de então ninguém mais mandaria nela. A rotina era árdua e perigosa, levando Jeane a carregar consigo uma faca não só para trabalhar, mas também como um amuleto de autodefesa. Nessa época, a convivência coletiva voltou a ter força em sua realidade. Enquanto trabalhavam, Jeane e os demais catadores precisavam enfrentar tudo que chegava até eles. Drogas, fugitivos da polícia e até mesmo fetos escondidos entre outros detritos.

Jeane sobreviveu através do lixão por 6 anos. Nesse período, deu à luz seus dois filhos o primeiro quando tinha 14 anos e o segundo aos 17. Mesmo com o fechamento do aterro em 2001, ela seguiu contrariando ordens. Junto com outras famílias de catadores, ultrapassava os

arames postos pela prefeitura para entrar escondida. Jeane foi uma das pessoas que ficou desassistida pelo poder público entre 1999 e 2000, quando acabou a vida útil do aterro. Durante esse período, recebia ajuda de quem aparecia. Marília, assistente social, levava a vacina e prestava atendimento aos catadores. Dona Nenê e outros bons moradores de Canabrava ajudavam com roupas, comida, direcionamento para o hospital e no que mais conseguissem. A relação de Jeane com a comunidade se fortalecia cada vez mais.

na época com 22 anos, sentiu que estava mudando a vida das pessoas que alcançava.

Desde então, ela participa de palestras e congressos. Como em 2004, quando pela primeira vez foi falar sobre os catadores de materiais recicláveis e o papel da cooperativa para 10 mil pessoas no Centro de Convenções da Bahia. Antes mesmo de aprender a ler e escrever, Jeane aprendeu a decorar o que falar sobre seu trabalho. “Falei com as pessoas naquele lugar e senti um frio na barriga, mas foi massa no final. Nunca recebi tanto carinho, tanto apoio como daquela vez. Ali eu me encontrei e não parei mais”.

Em 2002, quando começou a formalização das cooperativas dos catadores, foi a chance para Jeane se capacitar através da Cooperativa de Catadores e Agentes Ecológicos de Canabrava (CAEC). Ao se juntar à Organização, começou a trabalhar fazendo coleta seletiva de porta em porta e descobriu uma nova paixão e vocação: mobilizar. “ Fui descobrindo que eu gostava de sair para rua, eu gostava de mobilizar, de falar. Acabei me tornando a coordenadora da mobilização”. Através das coletas e panfletagens, Jeane,

Depois da CAEC, a vida de Jeane foi mudando aos poucos. A partir dos programas do poder público, Mova Brasil e Petrobrás Fome Zero, ela pôde voltar a estudar. Nem a rotina como catadora, nem a maternidade fizeram Jeane desistir de enfim ser alfabetizada. O suporte com as crianças que a sua mãe oferecia foi importante naquele momento. A noite era seu momento de aprender a ler, com a companhia da professora, do zelador e de seu Cícero, um senhor de 60 anos. Em busca de novos conhecimentos, Jeane fez a prova de admissão para o programa ProJovem Urbano e durante os 2 anos seguintes ela viveu o que considera ter sido seu Ensino Fundamental 2. Ali, aprendeu a escrever palavras além de seu próprio nome, o nome de sua mãe, de seu pai e Canabrava.

Fui descobrindo que eu gostava de sair para rua, eu gostava de mobilizar, de falar.
Perfil 16

Oficina de Formação de Catadores/as e Mobilizadores/as sociais oferecida pelo Fortalecimento do Associativismo e Cooperativismo dos Catadores de Materiais Recicláveis (CATAFORTE) em São Paulo, 2015. Fonte: Arquivo pessoal

Atualmente, junto com a Cooperativa de Catadores e a Associação Cultural e Esportiva da Comunidade de Canabrava, distribui alimentos e itens de necessidade para algumas localidades, mas não é possível chegar a todos. “Fazemos uma escolha muito difícil de escolher quem vai comer agora e quem vai comer depois. Mas é assim que funciona, não conseguimos dar comida a todo mundo de uma vez”.

Dentro do Movimento ela aprendeu a ser ambientalista, administradora, solidária e a fazer assistência social. “Eu dou minha opinião e sempre vou estar ao lado do povo, porque é de lá que eu vim e eu sei ficar desamparado não é fácil”. Logo, pensando nas futuras gerações, sonha com a construção de uma escola pública de ensino médio para o bairro, projeto que está sendo discutido há dois anos.

A responsabilidade com a comunidade tornou Jeane uma das representantes da Zona Especial de Interesse Social de Canabrava. O bairro é considerado uma ZEIS de tipo 01, considerando a presença de assentamentos precários. Em 2021, ela conheceu e se envolveu com o projeto, contribuindo com a luta em busca dos direitos à moradia e à ocupação da cidade. Dentre

suas motivações está dividir com a comunidade as oportunidades que conquistou.

Apesar de todo o trabalho e problemas que precisa resolver, Jeane se motiva ao ver suas ações refletirem na vida das pessoas que alcança. Sua mobilização permite ocupar lugares que nunca imaginou, desde viagens pelo Brasil até congressos internacionais representando o MNCR. Descobriu que um de seus maiores prazeres é andar de avião. Quando ainda trabalhava no lixão, ela catava refeições que vinham do aeroporto, via lindas aeromoças em revistas e se perguntava se um dia entraria naquele lugar. No momento que conseguiu, a mobilizadora sentiu-se realizada. “Eu não escolhi ser catadora, também não tive a oportunidade de escolher ser outra profissão. A profissão me escolheu, e eu a amo de verdade.”

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Eu não escolhi ser catadora, também não tive a oportunidade de escolher ser outra profissão. A profissão me escolheu, e eu a amo de verdade.

C O M U N I D A D

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QUIAL DE TUBARÃO ESTIMULA A CULTURA E A RESISTÊNCIA NO SUBÚRBIO FERROVIÁRIO

Idealizadores

Por

do Quilombo Aldeia Tubarão contam sobre a história e os projetos da organização cultural
Manoela Santos e Lucas S. Dias

Comunidade

ZEIS E O QUIAL

Localizado no subúrbio ferroviário de Salvador, o Quilombo Aldeia Tubarão está situado entre duas Zonas Especiais de Interesse Social (ZEIS). Apesar de muitos dos integrantes do projeto não estarem familiarizados com o termo, acabam desenvolvendo atividades que estimulam a sensação de pertencimento e valorização da comunidade, dificultando o processo de gentrificação, segregação socioespacial que ocorre como uma forma de expulsão de uma população com renda econômica mais baixa de seu bairro, a partir da valorização econômica na região e o aumento médio do seu custo de vida.

“Desde 2004 que eu começo a fazer atividades artísticas, culturais e sociais aqui em Tubarão”, afirma Natureza França, idealizadora da associação comunitária Quilombo Aldeia Tubarão. Contra o processo de especulação imobiliária,tanto em Tubarão,como nas outras ZEIS do entorno, Natureza protesta : “A tendência é que as empresas cheguem e queiram construir aqui na praia. Não podemos deixar que isso aconteça”. Esse é um dos motivos da ação do QUIAL, que funciona com o trabalho manual diário e com a ajuda da universidade,de agentes políticos e de algumas instituições parceiras.

Apesar dos participantes não estarem diretamente mobilizados para a questão das ZEIS, através da valorização da produção e dos saberes locais, o QUIAL acaba funcionando como um centro social de movimentação para a comunidade e de qualquer forma,um instrumento de visibilidade e resistência.

A tendência é que as empresas cheguem e queiram construir aqui na praia. Não podemos deixar que isso aconteça.
Natureza França e Davi Bahia na sede so QUIAL Tubarão Fonte: AECC
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QUIAL: DE TUBARÃO PARA

O MUNDO

Em uma casa grande,decorada por todo tipo de artesanato,com cara e ritmo de interior fica a sede do QUIAL (Quilombo Aldeia Tubarão). A instituição de fomento cultural, produtora cultural e tantos outros títulos foi criada por Natureza França e hoje é administrada por ela e seu companheiro Davi Bahia.

Sentados ao redor de uma mesa e de memorandos dos projetos do QUIAL pendurados na parede,o casal nos conta sobre a história do projeto e a alegria de ter um lugar próprio, formalizado e com espaço para a realização das atividades. “O dinheiro que nós tínhamos era para comprar um lote e construir uma casa e ficar de boa, mas a gente pegou o dinheiro investiu para comprar dois lotes, para que a gente pudesse ter esse espaço aqui. principalmente o salão para fazer essas atividades.Temos espaço para as atividades que a gente vem realizando e outros que começaram aqui no Quilombo. Ele nasce em 2019 e a gente inaugura ele no início de 2022”. Conta Natureza.

Com formação em Produção Cultural e mestrado em Dança, Natureza idealizou um projeto que se dividiu, ou melhor, se multiplicou em muitos outros. Quando perguntados sobre quantos projetos o QUIAL abarcava, o casal teve até certa dificul-

O mais recente deles é o Roteiro Ancestral Ilha da Maré,uma proposta de turismo comunitário na área do Subúrbio Ferroviário que, segundo Natureza,pretende ser uma imersão na cultura e na história do local,tão rico de possibilidades.

RESISTÊNCIA

Natureza conta sobre a origem do nome dessa ZEIS. Ela se mistura com a própria origem do nome “QUIAL”. A questão passeia tanto pelas raízes indígenas de Natureza, quanto por uma questão

filosófica de permitir um espaço de encontro entre as culturas de quilombo e de aldeia. A produtora conta que os colonizadores batizaram locais hostis com nome de peixe. Tubarão,terra de tupinambás, foi um deles. Para ela, até hoje há um certo estigma sobre o local.

Natureza diz que não conseguiria viver em outro lugar além de Tubarão,onde também nasceu. Para ela há muito potencial na região. A comunidade já abraçou o QUIAL e vice-versa. Davi inclusive relata que o trabalho feito pelo QUIAL não existiria

Caretas de Tubarão Fonte: AECC dade de contar nos dedos.
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Comunidade

sem a ajuda das mulheres da comunidade. “É tudo feito por elas”, destaca. “A gente usava a escola, fazia atividade num num espaço de eventos, que uma moça emprestava para a gente, até que conseguimos comprar esse terreno”.

AS MATRIARCAS DE TUBARÃO

É com brilho nos olhos que o casal fala de um dos principais projetos desenvolvidos pelo QUIAL. O matriarcas de Tubarão é uma iniciativa de grande impacto para as mulheres da comunidade. O projeto valoriza o conhecimento das residentes antigas de tubarão e busca oferecer para elas cursos de capacitação, oficinas de empreendedorismo, além de visibilidade e oportunidade para contar suas próprias histórias. Segundo o casal, as

matriarcas representam a história de Tubarão e estabelecem uma conexão com o passado, com o que veio antes.

Ainda segundo Natureza, as matriarcas participam ativamente das outras atividades desenvolvidas no QUIAL, demonstrando o espírito de liderança dessas mulheres, que muitas vezes assumem papel de protagonismo ao garantir o sustento de suas casas. “É que essas mulheres muitas das vezes sustentavam as casas com os filhos e os maridos. Então esse matriarcado é silenciado, mas ele existe”, diz.

O reconhecimento da potência das matriarcas pode ser observado no documentário disponível na página do youtube do QUIAL, intitulado “Matriarcas de Tubarão: Potência e resistência das mulheres de um lugar”. No documentário realizado

pelo Quilombo Aldeia Tubarão, com apoio financeiro da CESE e apoio institucional da Pontos Diversos, tem-se acesso aos relatos das mulheres que narram suas lutas diárias para manter o sustento dos lares . “O matriarcado é uma coisa muito forte e o machismo muitas vezes não deixa o matriarcado existir”,relata a líder comunitária Natureza França.

que essas mulheres muitas das vezes sustentavam as casas com os filhos e os maridos. Então esse matriarcado é silenciado, mas ele existe.

É
Fachada do Quilombo Aldeia Tubarão / Fonte: AECC
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RAIZ

A PRIMEIRA, ZEIS CINCO

A primeira Zeis de comunidade pesqueira na cidade de Salvador é marcada por luta territorial, demarcação espacial e conservação da memória popular.

O atual Plano Diretor de Desenvolvimento Urbano (PDDU) de Salvador categorizou a Gamboa de Baixo como Zeis - 5, que consiste em garantia à moradia, recuperação ambiental e manutenção das tradições culturais em quilombos e comunidades de pescadores. A Gamboa é a mais avançada por ter sido a primeira regulamentada por essa categoria.

Por Kamila Macedo, Luanda Moreira e Marina Bello

Abaixo da Avenida Contorno, no centro da cidade de Salvador, existe uma comunidade com um mundo de tradições próprias que luta pelo reconhecimento de seu espaço e cultura dentro da lógica turística e da tentativa de alteração das dinâmicas da composição do local. Especula-se que a comunidade da Gamboa de Baixo, ficou assim conhecida por sua localização, abaixo da Avenida do Contorno. Construída em 1962 para delimitar aquele espaço abaixo como invisível enquanto em “posse” de pessoas marginalizadas pela sociedade. Dentre suas batalhas de permanência e garantia dos direitos dos moradores da Gamboa e da sua vizinha, o Solar do Unhão, moradores constroem e mantêm histórias e saberes das comunidades tradicionais da Bahia.

A história das comunidades tradicionais soteropolitanas é a história dos seus habitantes. Entre quem as construiu, Ana Caminha, ativista e filha da Gamboa, conta sobre sua realidade, de quem nasceu dentro de casa e lutou a vida toda por seu espaço. Para ela e a comunidade pesqueira que vive ali, a Gamboa é uma generosa casa com um mar que, além de belo, garante a sobrevivência e o sustento através da pesca. “Eu estou acostumada com uma Gamboa que você olha pela janela às quatro horas da manhã e já vê os pescadores gritando, pescando, sem ninguém se sentir incomodado

com isso”, relata ela sobre a experiência cotidiana no local.

Situada no coração da cidade de Salvador, a Gamboa recebe muitos olhares interessados em suas atrações: seus bares e vista privilegiada para a Baía de Todos os Santos. Marcada por esses olhares, a comunidade sofre constantes ações de abandono e enfraquecimento em nome de projetos privados e governamentais para “embelezar” a região. Esses projetos envolvem o despejo de moradores da Gamboa e das outras comunidades tradicionais de Salvador, expulsão de famílias que habitam aquele espaço há séculos e que construíram juntos a cidade.

FILHOS DA GAMBOA

As obras representariam melhorias, mas para quem? Os gamboeiros não se beneficiam de obras que tentam retirá-los de sua principal fonte de renda e dos seus barcos. O processo de

Eu estou acostumada com uma Gamboa que você olha pela janela às quatro horas da manhã e já vê os pescadores
Pedro Dep / Setor Visitante Fonte: Twitter
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despejo afeta a vida de diversas famílias, de toda a comunidade, que precisa estar sempre mobilizada para que esse risco de expulsão não se torne realidade. A Gamboa quer mostrar que lugar bom não é só onde tem branco, rico. Lugar bom é onde você pode contar com as pessoas, porque você as conhece.

Filhos da Gamboa, desde a década de 90, se organizam em associação de moradores para o fortalecimento de sua luta. Para Caminha, a luta de comunidades pretas e pobres não se faz sozinha. “Em um espaço valioso como Gamboa, precisamos fazer uma luta articulada com outras comunidades, universidades, ONGs e igrejas. Com pessoas que têm o mesmo sentimento social aguçado que nós”, completa a ativista. Pela manutenção dos seus territórios, identidades e culturas, membros da comunidade estão em oposição ao governo municipal para defender os seus companheiros contra as violências governamentais.

Por toda a cidade de Salvador, comunidades tradicionais sofrem com investidas baseadas em preconceitos sociais e raciais que segregam o desenvolvimento urbano.

Por isso essas comunidades agem em conjunto. Para proteger os povos que ainda resistem do mesmo destino da Água Suja, comunidade desmantelada que ficava próxima à Gamboa, de acordo com Caminha.

O diálogo entre periferias por toda a cidade se faz necessário para que a luta por sua memória e identidade se mantenham vivas. Não apenas a Gamboa, como outras comunidades centrais de Salvador são atacadas diariamente. Perdendo membros por violência policial, descaso do governo com políticas de assistência pública de segurança. A madrugada de 1° de março de 2022 sempre estará marcada na vida dos moradores da Gamboa. A morte de três jovens ocorreu devido uma operação da Polícia Militar de Salvador. O Estado age de forma violenta

e truculenta na tentativa de desmobilizar o movimento criado nas periferias. Não é a primeira vez que tragédias como essa acontecem na comunidade da Gamboa de Baixo. A violência em áreas periféricas é uma realidade contínua. Jovens convivem com o medo de andar pelas ruas à noite. Mães sentem alívio ao verem seus filhos voltarem vivos para casa.

Famílias temem ser destruídas pela perda de um parente. “Eu não quero que meu irmão ou meu sobrinho seja um dos meninos que morreram no dia 1º de março, porque estava num lugar errado, na hora errada e a polícia veio e matou”, declara Caminha, que apesar dessas ocorrências, acredita que se possa alcançar melhores condições. “Eu quero que desçam na Gamboa entendendo que aqui tem muita gente de bem”, afirma.

Raiz
Comunidade Gamboa de Baixo Fonte: Mariana Domingues
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Em um espaço valioso como Gamboa, precisamos fazer uma luta ar ticulada com ou tras comunidades

Uma das conquistas dos moradores da comunidade foi o reconhecimento como ZEIS em 2016. A Gamboa de Baixo se encaixa como Zona Especial de Interesse Social 5, se enquadrando em assentamento de povo quilombola ou tradicional associado à pesca ou mariscagem, de acordo com o Capítulo III, Do Zoneamento, Seção IV Das Zonas Especiais de Interesse Social do Plano Diretor – Lei n.º9.069/2016. Ana Caminha comenta sobre o sentimento de validação que esse avanço traz: “A gente acredita que o processo de realização fundiária colado à regulamentação das ZEIS dá uma autoestima, porque a Gamboa é reconhecida como comunidade pesqueira. Ele dá autoestima porque as pessoas agora tem um documento”.

NETOS DA GAMBOA

O desejo da população local é ser conhecida e respeitada por sua história. Mesmo com a expansão do comércio e turismo no bairro, Caminha explica que sempre conta a história de Gamboa para os visitantes, em uma tentativa de fazê-los entender que a comunidade precisa ser preservada por completo. Há um pedido de atenção popular para os acontecimentos que rodeiam o bairro. A qualidade de vida da população é prejudicada por fatores em decorrência da negligência governamental no lugar.

A Gamboa, embora seja tão visitada, não tem uma coleta de lixo adequada, tampouco um saneamento básico correto.

As lutas por demarcação e reconhecimento territorial têm como um de seus principais objetivos a construção de um futuro seguro. Visam a produtividade para todas as gerações que lá residem, principalmente para os jovens. As crianças da Gamboa hoje podem fazer mais do que brincar. Podem sonhar com a perspectiva de não serem somente pescadores. Adentrar em uma universidade, ter oportunidades para construir a vida que desejam e não somente aquela que lhes foi imposta por nascerem onde nasceram.

A periferia quer ser ouvida, vista, quer falar e alcançar a população da cidade, a periferia quer viver e não mais sobreviver com os escassos recursos que lhes são dados como sobras. Miram no futuro, na seguridade de seus direitos à moradia, saneamento e à preservação de sua memória. Não querem que madrugadas como a de 1º de março ou ações como a obra de revitalização do Forte de São Pedro, na qual famílias serão desalojadas para a maquiagem de mais um ponto turístico se repitam. A comunidade da Gamboa luta pelo respeito à sua existência, pelo reconhecimento da sua importância na cidade e pela garantia de um futuro justo, onde suas necessidades sejam atendidas e amparadas.

Ana Caminha
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