REVISTA VEIGA MAIS
2016.1 - ANO 14 - EDIÇÃO 21
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MAIS PAZ, POR FAVOR
Em dias tão violentos, o que parece ser unânime é o desejo de todos por um pouco de sossego
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O I R U S Á M
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Paz para você, para mim, para todos Renata Bustamante
Pensar em paz é lembrar de nomes que foram - e ainda são - importantes para a humanidade, tais como Madre Teresa de Calcutá, Nelson Mandela, Malala Yousafzai, Martin Luther King Jr., Mahatma Gandhi. Os três primeiros foram premiados com o Nobel da Paz, os demais não - nem por isso são menos merecedores da lembrança. Segundo o dicionário, paz significa repouso, silêncio, sossego, tranquilidade da alma. Por um lado, definir é fácil. Por outro, alcançá-la é bem mais complicado. A boa notícia é que paz não está relacionada somente a pessoas mundialmente conhecidas. Paz é para qualquer um. É de Gandhi a frase: “Não existe um caminho para a paz. A paz é o caminho”. Os caminhos são muitos. Cada um deve achar o seu e segui-lo. Ou não. Hoje, parece que muitas pessoas optam pelo não. Uma pena. A vida é tão tumultuada por si só e acrescentar problemas a ela não faz o menor sentido. Não faz mesmo. Por sorte, bons exemplos estão por
aí ao seu bel prazer. São tantas as histórias sobre paz que dá até para se animar. Não se trata daquela paz quase utópica desejada por uma Miss Universo. São histórias reais sobre como é possível dar e receber paz em meio a um mundo tão violento. Paz é muito mais do que a não violência. Se não fosse, a esperança já estaria morta. Paz é para mulheres e homens; para pessoas de diversos gêneros; para crianças, jovens e velhos; para brancos e negros; para ricos e pobres; para todas as nacionalidades; para todas as religiões. Paz pode ser encontrada em casa, no trabalho, na igreja, em qualquer lugar. Paz pode vir da arte, da música, dos livros, do cinema. Paz pode ser alcançada depois de um grande trauma - guerra, acidente de trânsito, perda de um ente querido. Para cada pessoa uma forma de paz. A Revista Veiga Mais traz alguns exemplos que podem inspirar você. Mas lembre-se: só você pode achar o caminho certo para a sua paz! Boa leitura!
Paz nos museus
PÁG. 4
Transformar o pior da vida em recomeço
PÁG. 6
Paz na era digital
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Fãs do pop em paz
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Luz na avenida e trevas nos bastidores
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Livres do padrão de beleza
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Projeto de sonhos
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Caminhos musicais que levam à paz
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EXPEDIENTE Curso de Comunicação Social reconhecido pelo MEC em 07/07/99, parecer CES 694/99
Reportagens Alunos da disciplina Jornalismo de Revista
Coordenador de Jornalismo Prof.: Luís Carlos Bittencourt
Professora orientadora Maristela Fittipaldi
Agência UVA – Redação Rua Ibituruna, 108 Casa da Comunicação – 2º andar Tijuca – Rio de Janeiro – RJ Tel: (21) 2547-8800 / R. 319 e 416 E-mail: agencia@uva.br
Coordenadora de Pub. e Propaganda Prof.: Miriam Aguiar
Oficina de Propaganda criativo@uva.br
Proj. gráfico e diagramação Vinícius Fernandes
A Revista Veiga Mais é produto da disciplina Oficina de Jornalismo e consiste em um trabalho realizado em conjunto com os alunos em sala de aula e a Oficina de Propaganda. Edição: Mais paz, por favor – Nº 21 – Ano 14 – 2016.1
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Edição Clarissa Sobral, Diana Azeredo Leonardo Marques e Renata Bustamante Professora orientadora Érica Ribeiro Capa: Diogo Félix Tiragem - 1.000 exemplares Impressão - Folha Dirigida
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LUGARES PARA DESACELERAR
Paz nos museus
Em meio a quadros e esculturas, impera a calmaria
RENATA BUSTAMANTE
rFelippe
Naus
Há situações do dia a dia que causam bastante estresse: ficar preso no trânsito, não saber quantas horas vai levar até estar no conforto do lar, enfrentar uma enchente, não se sentir em segurança, demorar a achar uma vaga no estacionamento, levar bronca do chefe, o habitual corre-corre da vida moderna. Muitas pessoas focam no que estressa e poucas investem no que proporciona sossego. Ler um livro ao ar livre, relaxar ao receber uma massagem, passar algum tempo de qualidade com os filhos, jantar fora, ir ao cinema, dançar, ouvir música, estar com os amigos. A paz pode estar em qualquer lugar, a paz pode estar onde menos se espera – em um museu, por exemplo. É em um museu que Caroline Amendola, de 20 anos, estudante de Jornalismo da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), busca refúgio quando está com a cabeça cheia de preocupações. O destino costuma ser qualquer museu do Centro. O preferido é o Museu Nacional de Belas Artes. De tanto procurar sossego em centros culturais, a jovem achou também um rumo profissional. “Eu quero trabalhar na área da cultura”, ressalta. Quem também corre para um museu a fim de sanar qualquer inquietude é Raissa Souza, de 21 anos, estudante de História da Arte da UFRJ. Desde pequena, ela “respira” a arte e o sossego dos corredores de um centro cultural. Filha de pais museólogos, ela quer refletir sobre as filosofias e os principais críticos de arte, assim como se dedicar ao estudo
Plena tranquilidade em uma galeria do Museu Nacional de Belas Artes
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FELIPPE NAUS
No hall de entrada, o público já percebe que vai encontrar o que busca dos objetos artísticos e dos diferentes contextos sociais. Raissa gosta de saber sobre os pintores e os escultores, e imagina todo um contexto a partir disso. “Um artista não é apenas aquele que é criativo, mas também quem cria objetos capazes de atender às necessidades e divulgar seus pensamentos, assim como estimular outras pessoas a descobrir novas formas de fazer arte”, analisa. Um museu não se faz apenas com visitantes. Rochelle Pestana, de 40 anos, é museóloga e trabalhou por mais de cinco anos no Museu da Inconfidência, em Ouro Preto, Minas Gerais. Depois de um tempo, ela largou tudo e veio para o Rio de Janeiro ser chef de cozinha em um restaurante em Botafogo. Ela diz que não se arrepende, mas museus ainda fazem parte da vida dela. Tanto isso é verdade que, quando tem folga, ela vai a concertos oferecidos mensalmente. “Eu ainda quero e vou voltar a trabalhar num museu. Estar em um museu é uma grande satisfação. Vejo não só as exposições, mas também a oportunidade de entrar numa sala onde só se ouve o toque do piano. Isso não tem preço”, confessa a chef, em meio a um largo sorriso.
Estas mudanças pontuais na rotina puxada do dia a dia, de acordo com especialistas, são suficientes para contribuir para uma vida mais saudável. “O corpo agradece qualquer atitude que você faça fora da rotina dele. E a mente mais ainda. Você se sente dono do seu destino”, diz Artur Zular, consultor científico do Instituto de Qualidade de Vida (IQV) e diretor científico do Departamento de Psicossomática da Associação Paulista de Medicina. É o que comprova Pedro Cavaca, de 26 anos, recepcionista bilíngue. Amante de tudo o que envolve cultura e música, ele, que trabalha em um escritório no Centro do Rio de Janeiro, quase todo dia visita um museu na hora do almoço. De uma hora disponível, ele tira metade do tempo sempre que pode para ir em um lugar que tenha cultura. “Meu trabalho é bem estressante e, para não levar tantos problemas para casa, resolvo caminhar até um local e observar os artistas ou os quadros expostos. Pode parecer estranho, mas isso me acalma”. Difícil dizer onde está a sua paz, mas se para essas pessoas está em um museu, que mal há em tentar? Nenhum. Rochelle aproveita folga da rotina e visita um de seus museus preferidos
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CAPA
TRANSFORMAR O PIOR DA VIDA EM RECOMEÇO 6
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Mireille Muluila em ação na Caritas FOTO: DIOGO FÉLIX
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Conheça as histórias de pessoas que promovem paz a quem conheceu a guerra rRenata
Bustamante
Uma refugiada formada em Relações Internacionais, um assessor de informação, um editor de jornal de comunidade, um professor de Educação Física, um ex-traficante de drogas e um antropólogo do Ministério Público Federal. Muitas podem ser as diferenças entre essas pessoas. É verdade. Mas há algo em comum entre elas. Todas abrem mão de parte de seus dias - por vezes, das noites também -, abdicam do tempo livre com a família, da folga nos fins de semana, do conforto do lar, do que for preciso para ajudar quem
já viveu o pior da vida: violência, injustiças, perseguições, direitos humanos desrespeitados, perda de entes queridos, privação de liberdade. Mudam as experiências de cada uma, as classes sociais, os cargos que ocupam. As metas não: todas ajudam a dar paz aos que já viveram a guerra. Guerra é a palavra exata para descrever o que viveu Mireille Muluila, de 37 anos, assistente de campo da Cáritas Arquidiocesana do Rio de Janeiro. Refugiada da República Democrática do Congo e há um ano longe dos horrores que viu
de perto, ela ainda tem dificuldade para falar. Por causa do idioma e da dor. A guerra civil no Congo é causada por grupos armados em disputa pelos recursos do país – principalmente, o coltan, minério usado na produção de aparelhos eletrônicos. Oitenta por cento das reservas do mundo estão em território congolês. O resultado: casas invadidas, estupros como arma de guerra, famílias destruídas e mais de seis milhões de mortos. Mireille escapou. O Brasil e a Cáritas foram a porta para um futuro melhor. Retribuir a quem viveu algo parecido
Refugiadas não abandonam a vaidade enquanto buscam nova vida no Brasil FOTO: DIOGO FÉLIX
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é gratificante. “Eu gosta muito de ajudar as pessoas. Ficar fora da guerra é legal, mas mais melhor seria com a família. Eu estou bem, feliz, mas e a minha família e o meu país? Eu não sei o que será deles”, diz ela, ainda sem domínio do português. Eles não são apenas a família da Mireille. São milhões de pessoas. Inclusive os que conseguem fugir, mas se deparam com um futuro incerto e uma paz ainda distante. Estimase que 59,5 milhões de pessoas foram deslocadas por guerras no ano passado – desse total, cerca de 30%
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são refugiados. Ou seja, quase 20 milhões saíram do país onde viviam por causa de conflitos armados, questões de raça, religião, grupo social, opinião política ou violação generalizada de direitos humanos. “Vive-se hoje a pior crise migratória depois da Segunda Guerra Mundial”, afirma Luiz Fernando Godinho, oficial de Informação Pública do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR). No Brasil, as solicitações de refúgio crescem de forma assustadora: em 2010, foram 500; até setembro deste ano, 12.600. Hoje são 8.530 já regularizados, o que corresponde a irrisórios 0,05% do total de refugiados no mundo. Número incapaz de refletir os sentimentos dos que querem simplesmente viver e encontram um novo lar no Brasil. Diogo Félix, de 32 anos, assessor de informação da Cáritas, conhece muitos dramas e superações, como o da senegalesa Evelyne Sambou. Ela fugiu para não se casar com um chefe religioso e aprendeu português ao som das músicas do grupo Exaltasamba. Quem não conseguiu evitar esse tipo de laço matrimonial foi a africana R., cujo nome Diogo preferiu preservar. Nas palavras dele, R. sofreu de tudo: mutilação genital na infância, casamento forçado aos 13 anos, violência doméstica e perseguição religiosa e a LGBTs. Quando a namorada foi morta, ela decidiu deixar a África. Entrou em um navio clandestino, sem destino. Chegou ao Rio de Janeiro e hoje está bem. As duas estão. Por maiores que sejam os problemas, aqui eles se sentem mais seguros. “Paz é ter o mínimo de condições para planejar um futuro”, sentencia Diogo. Essa paz vale para todos. Ou deveria. Engana-se quem pensa que não há guerra no Brasil. Antes de receber uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP), o Complexo do Alemão era dominado pelo tráfico. Milhares de moradores viviam o terror imposto pelo poder paralelo e a negligência do Estado. Cansado dessa situação, Rene Silva decidiu agir aos 11 anos.
Eu não pensava em paz antes. Hoje, paz é estar na legalidade, fazer o que gosto e retribuir o bem que o Afroreggae fez por mim JOÃO PAULO GARCIA
No Afroreggae, João Paulo Garcia cuida da recolocação de ex-presidiários Hoje, aos 22, ele é editor-chefe do jornal “Voz da Comunidade”. Com a cobertura da ocupação do complexo em 2010, o jornal ganhou força. E o ideal do Rene também. “Eu não vou me acomodar, eu vou incomodar”. Quem também não se acomoda é o professor de Educação Física, Bruno Dark, de 26 anos. Ele trabalha no projeto Clube de Lutas no Alemão, que
tem o objetivo de formar cidadãos de bem. Se o futuro pertence às crianças, é preciso dar planos a elas. Com este pensamento, ele acredita em menos violência e mais liberdade. “Paz é o direito de ir e vir, independentemente de classe social, etnia, religião. É essa a paz com que sonho”. Quem também sonha é Junior Alves, de 26 anos, ex-traficante de GLEISON GOMES
Bruno Dark (à esquerda) oferece aulas de artes marciais no Alemão
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drogas. Ele ficou preso durante dois anos e hoje luta por um futuro longe do crime e perto da família. A esposa não o abandonou. Os filhos são a razão para querer mudar. Para ele, paz é viver dignamente com um trabalho, mas consegui-lo é difícil. “Penso em jogar tudo pro alto quando a situação aperta, mas penso nos meus filhos e me acalmo. Assim vou vivendo”. Não é fácil para ninguém, mas para egressos do sistema prisional é, de fato, mais complicado. Quem atesta é João Paulo Garcia, de 35 anos, coordenador da agência de empregos Segunda Chance, do Afroreggae. Ele foi traficante na Maré e diz que, sem a empresa, provavelmente ainda estaria no crime. Além dos egressos - de facções criminosas, como Comando Vermelho, Amigos dos Amigos, Terceiro Comando e Milícia –, hoje a agência atende outros interessados. Hoje já são cerca de 2.000 já empregados. “Eu não pensava em paz antes. Hoje, paz é estar na legalidade, fazer o que gosto e retribuir o bem que o Afroreggae fez por mim”.
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2016.1 - ANO 14 - EDIÇÃO 21 FOTOS DE ARQUIVO PESSOAL
A experiência como antropólogo do Ministério Público Federal deu a Ivan Farias (de óculos) uma urgência de luta pelas questões indígenas no país Retribuir ou fazer o bem é o objetivo maior dessas pessoas. Os motivos que levam cada uma a agir em prol dos outros são diferentes. Não importa. Segundo o psicólogo Thyago Henrique Vargas, o ser humano é formado pelo meio social em que está inserido e pelas experiências que coleciona ao longo da vida - tudo se relaciona também com o pensamento, as emoções e os comportamentos. Sempre que se ajuda alguém, a pessoa se sente bem e a probabilidade de repetir tal atitude aumenta. Isso serve para todos os que ajudam o próximo e não apenas para quem já recebeu o bem em algum momento – como João Paulo e Mireille. Ajudar é muito bonito e nobre, mas é preciso estar preparado para lidar com vidas
tão complexas. “Ter empatia e ser altruísta e solidário com os dramas alheios são as principais características compartilhadas por essas pessoas. Elas escolheram ajudar o próximo porque perceberam que esse trabalho é bastante libertador”. Libertador define bem o trabalho do Ivan Farias, de 50 anos. Ele é antropólogo do Ministério Público Federal e, há quase duas décadas, atua junto a grupos indígenas, quilombolas, ciganos, pescadores, ribeirinhos e outras comunidades. Depois de viver com os Yanomami em Roraima, tudo mudou. Foram os índios que fizeram dele um antropólogo e não o título acadêmico. A luta pelos direitos – e pela paz – dos índios é o que o move. “Não posso e
não conseguirei fugir da luta. Ainda há muito o que fazer. Sigo até o fim”. As revoltas internas provocadas pelo trabalho deram lugar à necessidade de ser solidário, de conscientizarse de que todos são iguais e de minimizar a dor das vítimas. Vencer a guerra entre índios e exploradores é utópico, mas resistir às derrotas com dignidade já é uma vitória. Vitória que não está ligada necessariamente a um estado de superioridade. A paz também não está. É possível ter paz em meio ao caos. E é possível ganhar, mesmo quando se perde algo. Ivan lembra de uma história marcante durante os anos de trabalho. Ele foi chamado pela organização Médicos Sem Fronteiras para ajudar na remoção de
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uma índia com malária que vivia em uma maloca na fronteira entre o Brasil e a Venezuela. Ele tentou convencê-la de que a única chance de sobreviver era se ela fosse levada a um hospital. Apesar de acreditar na boa intenção dele, a mulher não se convenceu a sair dali e nenhum membro da tribo autorizou que ele a levasse sem o consentimento dela. “Para ela, a morte não significava o fim de tudo como é para os homens brancos. Ela estava mais preocupada em morrer longe dos seus, que deixariam de enterrar a alma dela. Agradeceu minha presença e não mais respirou”. Ivan percebeu naquele momento que a paz é um valor social em construção. A paz dele, da índia e dos outros cujas histórias foram contadas aqui.
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Paz na era digital
rLucas
LEONARDO MARQUES
Freitas
“Leia esta matéria até o final ou não será abençoado. E não deixe de repassar aos amigos”. Já é comum receber correntes pelas redes sociais, não importa o porquê. Se o objetivo é espalhar a mensagem, a melhor rede é o WhatsApp. E foi justamente por isso que o técnico de informática Diego Dantas, de 30 anos, optou pelo aplicativo para divulgar o que ele batiza de projeto da paz, desde 2014. A ideia surgiu após ele se envolver em um acidente de carro e perceber que o outro motorista estava muito nervoso. “O cara estava revoltado e tentou me agredir. Eu pensei: 'Esse cara precisa de ajuda'”. Foi aí que o plano entrou em ação. Ao chegar em casa, ele começou a enviar mensagens positivas. São usadas passagens bíblicas, músicas do Bob Marley e frases do Dalai Lama. Para distribuir tantas mensagens é preciso disciplina. A primeira mensagem é compartilhada às seis horas da manhã para os cinquenta contatos que possui. Poucas pessoas respondem, mas para ele isso não é um sinal de descaso. O objetivo dele não é conversar, mas passar uma mensagem de paz. Porém, ele não é o único. O dia continua e de hora em hora mensagens são compartilhadas. Mas qual a eficiência desta ação? Para a psicóloga Adriana Pereira, ajuda pessoas estressadas. No entanto, ao espalhar mensagens de paz, o técnico está externando uma angústia própria. “Ao tentar espalhar paz, ele está fugindo da realidade porque deve ter algo que o incomoda
muito”. Ainda segundo a psicóloga, muitos que recebem esses conteúdos absorvem as mensagens, mas dificilmente refletem sobre o assunto, o que não quer dizer que não ajude. Para ela, estudos científicos mostram que tais mensagens podem ajudar o ser humano a vencer dificuldades. É o que acredita um dos expoentes da psicologia positiva, Charles Richard, integrante do movimento da psicologia que estuda a busca por paz e felicidade. Ele definiu a esperança em seus estudos como a “habilidade de gerar caminhos para atingir seus objetivos”. Seguidores de Charles acreditam que nutrir pensamentos bons ajuda no combate a doenças, principalmente a depressão. Apesar de todos os benefícios, algumas pessoas ainda não reagem bem a ações como a de Diego. É o caso do funcionário público Gustavo Barbosa, de 26 anos. Para ele, além de não funcionarem, essas mensagens irritam. E ele não é o único. Muitos não gostam de receber esse tipo de mensagem - na maioria das vezes, nem chegam a ler o que está escrito. “Fico irritado em receber esse tipo de mensagem no celular e nem leio. Não me traz paz nenhuma”, diz Gustavo. Quem discorda é a estudante Beatriz de Freitas, de 20 anos. Ela gosta de receber as mensagens e diz que ganhou o hábito de acompanhálas antes de sair de casa. “Ajuda no meu dia, me sinto mais suave”. Para ela, paz está ligada à fé. “Ouvir mensagens que mantém a fé ajuda a procurar ficar em paz”, diz a estudante.
O WhatsApp é uma das redes sociais mais usadas para enviar correntes Mas quanto custa isso tudo? Em tempos modernos, é impensável não visar o lucro. Até quem pratica boas ações tem que buscar uma maneira de ganhar dinheiro para sobreviver. Para Diego, manter as mensagens da paz ainda não é um negócio e ele utiliza as facilidades da internet móvel para continuar o projeto. “Não preciso de muito tempo para enviar as mensagens, pois posso compartilhar de qualquer lugar”, diz. Este fenômeno é retrato de uma sociedade angustiada, de acordo com a psicóloga Izabel Campos. "As pessoas buscam nas redes sociais uma positividade, e compartilhar mensagens como essas ajudam nessa construção positiva", destaca. A estudante Izabelli Oliveira, de 23 anos, discorda. “As pessoas compartilham para parecer que são boazinhas e só”, arrisca a jovem. De acordo com o historiador David Fernandez, as mensagens
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digitais são uma evolução das antigas, mas ainda utilizadas, placas espalhadas pelas grandes cidades. Segundo ele, a relação entre as pessoas está mudando, assim como as ações sociais que estes militantes da paz procuram. “Como as relações sociais estão migrando para a internet, é natural que aconteça o mesmo com este tipo de ação”, diz o estudioso. O foco de Diego realmente está na internet, no entanto, ele estuda a possibilidade de promover uma ação nas ruas. Segundo ele, a ideia é fazer um encontro com os militantes da paz em uma caminhada pelo Centro do Rio de Janeiro. A iniciativa é séria e serviria de comemoração pelo segundo ano do projeto. “Seria um sonho ver uma multidão lutando pela paz no mundo”, deseja. O certo é que, apesar dos problemas advindos da constante mudança do planeta, sempre vai haver pessoas lutando pela paz - e buscando por ela.
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Fãs do pop em paz
Amadurecimento é a solução para que a música sempre permaneça como um instrumento de união RODRIGO GAMBINO
Cantoras pop podem despertar os mais diversos sentimentos entre os fãs
rRodrigo
Gambino
Procura-se a paz no mundo da música. O respeito pelo gosto musical alheio está em falta e não é de hoje que os fãs de determinados artistas vivem em atrito por conta de seus gostos musicais. Com o passar do tempo, está cada vez mais difícil encontrar pessoas que consigam trocar ideias sobre suas preferências musicais de forma que a conversa e as críticas não sejam levadas para o lado pessoal. Um novo conceito ligado às fanbases no Brasil e no mundo fez com que os fãs seguissem por um caminho tortuoso. Devido à grande quantidade de pessoas atreladas às comunidades, o que era um simples fã-clube acabou se tornando um exército disposto a seguir os passos de seu ídolo e defendê-lo com unhas e dentes. A situação saiu do controle quando a mídia verificou que os atritos entre cantores dão audiência e piorou quando alguns integrantes desses clubes passaram a se achar melhores do que os outros, a ponto de humilhar e desmerecer quem gosta de artistas rivais ou, simplesmente, tem o gosto musical diferenciado. Mas entre tanta gente mal intencionada, eis que surgem aqueles que desaprovam as atitudes dos causadores de problemas e, de alguma forma, prezam pela paz e a coexistência no mundo da música. O eclético Guilherme Vieira, de 23 anos, já presenciou brigas entre fãs que se desenrolaram com críticas negativas e ofensas, e também afirma que não tolera o comportamento dessas pessoas. “Eu fico muito irritado com certas ofensas ao trabalho das cantoras, mas eu nunca me meti
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em confusões ou discussões online ou pessoalmente”. Apaixonado por pop internacional, ele praticamente possui a discografia completa de divas como Britney Spears, Madonna, Lady Gaga, Katy Perry e outras. Mas isso não o impede de ouvir outros gêneros, principalmente os nacionais. Ele também curte MPB, pop rock, funk, sertanejo universitário, forró e está sempre aberto a novos sons. “Eu amo música, e isso é bem maior do que ódio gratuito”. Colecionador de álbuns (físicos e digitais) e fotógrafo, Lukas Nunes, de 21 anos, se destaca pela quantidade de artistas e gêneros diferentes em sua coleção. “Na minha biblioteca musical você pode achar de Björk até trilha sonora de filmes da Disney. Tem rock, pop, eletrônico, experimental, witchouse, trap, hip hop, rap, funk, dance, folk, eletropop... Tem de tudo um pouco”, conta. Ele acredita que essas “guerrinhas” se desenrolam na internet por conta de charts (colocação das vendas de álbuns e singles em veículos de referência como a revista Billboard) e premiações como o Grammy, VMA, AMA e outras. Em determinado momento de sua vida, Lukas se viu forçado a participar de intrigas e discussões porque se sentiu coagido por seus colegas, que duvidaram de sua paixão por uma cantora em especial. “Se eu entrasse no meio, era porque eu era fã de verdade. Caso contrário, eu seria considerado um poser e diriam que não amava a tal cantora como os outros”, assume. Uma das guerras recorrentes é entre as fanbases dos Madge
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fans, seguidores da Madonna, e os Little Monsters, fãs de Lady Gaga carinhosamente apelidados pela própria. Tudo começou quando a rainha do pop fez diversas críticas negativas sobre Gaga, fez menções a ela de forma pejorativa e ainda acusou de plágio a música “Born This Way”, single que deu nome ao álbum lançado em 2011. Depois de anos acompanhando o desenrolar da guerra entre “Little Monsters VS. Madge fans”, Lukas e Guilherme ainda mantêm a compostura e se posicionam de forma neutra e pacífica. “O que eu mais admiro na Gaga e na Madonna é o fato de as duas serem precursoras de ideias e conceitos que renovaram a indústria musical. Madonna nos anos 80 quebrando barreiras na música pop, e nos anos 2000, Gaga quebrando mais barreiras que ainda existiam”, diz Lukas. Enquanto isso, Guilherme critica o desleixo e a falta de compromisso dos fãs com a música. “O que está faltando é essa gente prestar mais atenção na música em si e deixar de procurar confusão na internet a toda hora. Tem espaço pra todos na música e todo mundo pode fazer sucesso”, declara. São poucos que conseguem deixar de lado essa rivalidade. De acordo com o jornalista de música e diretor do programa “Minha Loja de Discos” do Canal BIS, Rodrigo Pinto, esse comportamento tem sido amplificado por conta das redes sociais. “Fãs brigaram em nome das qualidades de seus prediletos, no caso de Beatles e Rolling Stones, Oasis e Blur. Algumas vezes ecoando intrigas entre músicos, outras vezes somente insistindo no bate e volta das supostas qualidades de seus ídolos em detrimento do outro lado. Mas isso só serve ao próprio mundo do fã e, eventualmente, de maneira torta, ao aparato promocional do artista”, diz. Outro fato registrado em 2015 justifica o pensamento do jornalista de música. As cantoras Katy Perry e Taylor Swift tiveram um desentendimento que movimentou o mundo da música e os internautas. Taylor acusou Katy
Guilherme Vieira posa com a capa de um dos seus álbuns prediletos: “In The Zone” (2003), de Britney Spears de tentar sabotar a turnê do seu álbum “Red”, de 2012, por conta da saída repentina de três dançarinos do seu elenco para serem contratados na “Prismatic Tour”, turnê atual de Katy. Além disso, as duas já namoraram o conquistador John Mayer e algo pode ter acontecido entre suas conversas ao longo do tempo. Essas intrigas mexem com o comportamento do público, levando-o a participar delas e escolher um lado em uma batalha que não existe e que não merece atenção. Para o jornalista, crítico de música e apresentador dos canais Multishow e BIS, Guilherme Guedes, a questão é que o fã vê no ídolo uma série de símbolos, referências e atitudes que toma para si. “Admirar tanto um artista é, de certa forma, desejar ser, de alguma forma, mais parecido com ele. Outros artistas, ainda que semelhantes, representam outros valores, transmitem outras mensagens”, afirma.
Portanto, não importa qual seja a cantora ou a banda. Sempre haverá indivíduos que, na maioria das vezes, não sabem sequer o que é uma clave de sol e que irão gerar intrigas e comentários negativos, a fim de fazer com que todos admirem seus artistas prediletos e odeiem outros. Por conta disso, Guilherme Guedes acredita que, nessa hora, é preciso entender que a sociedade é imersa em dados, em consumismo e em números vertiginosos que transformam uma paixão musical em uma competição sem sentido e, principalmente, que tudo isso é fruto da imaturidade dos fãs. Até porque, a maioria dos “fandoms” são compostos por crianças e adolescentes. Logo, entender os fãs é uma tarefa nada fácil. O jornalista Rodrigo Pinto arrisca a ideia de que são ungidos por uma música eterna feita só para eles, mas não entende como essas fanbases se mantêm. “Música é uma coisa tão abrangente e íntima ao mesmo
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tempo, que não entendo fãs focados em um artista em especial, a ponto de fazerem parte de uma massa. Mas vejo isso acontecer, especialmente entre adolescentes”, diz. Em seu ponto de vista, o ideal seria que indivíduos gostassem de Led Zeppelin ao Nelson Cavaquinho e de Nação Zumbi ao Philip Glass, sem esse conceito fechado de ser fã. Ser eclético e ter maturidade: são nesses pontos que se encontra a paz no mundo da música. Só quem é maduro consegue ver e, consequentemente, entender que as figuras que estampam as capas de CDs e os pôsteres nas paredes dos quartos são imperfeitas como todo mundo. Portanto, é importante não deixar que essas intrigas entre artistas gerem conflitos entre os fãs e a repercussão que a mídia tanto quer. Fundamental é garantir que a música seja um instrumento de paz para os ouvidos, para a alma, para os indivíduos e, também, para a sociedade.
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Luz na avenida e trevas nos bastidores
MARCO ANTÔNIO CAVALCANTI / RIOTUR (09/02/2016)
A guerra das musas pelos holofotes no Carnaval rGuilherme
Alves
Carnaval não é apenas o glamour que se vê na televisão durante os desfiles das escolas de samba. Há muito por trás de todas as plumas e paetês. Há uma briga por espaço ferrenha, principalmente para as mulheres que ocupam “postos” de prestígio. Para elas, o que menos importa é como são chamadas: musas, rainhas ou destaques. O mais importante é brilhar. E ai de quem quiser – ou tentar - ofuscá-las. De uns anos para cá, isso virou quase um negócio. Aparecer na Marquês de Sapucaí é a chance de receber convites para posar nua, para fazer presenças VIP, para atuar em campanhas publicitárias, para participar de programas de televisão e para tantos outros caminhos midiáticos. Mas o que pega fogo mesmo são os bastidores desta feira das vaidades, em que a paz nem sempre prevalece. Quando a desarmonia é constante, acontece de tudo: puxadas de tapete, dramas dignos de novela mexicana, brigas e, em casos mais extremos, até agressões físicas. Um exemplo foi o concurso para Rei Momo e Rainha do Carnaval 2016, que gerou bafafá nas redes sociais. Tudo por conta de um evento anterior à escolha de quem ocuparia a realeza da folia – o sorteio da ordem das apresentações dos participantes. Clara Paixão - que
acabou eleita pela segunda vez Rainha do Carnaval - se recusou a sentar ao lado das demais concorrentes. Apesar da situação, ela diz que a prioridade é ser profissional e respeitar o que o posto representa. “Se somos amigas ou não, isso é indiferente. Costumo dizer que somos como uma família e, como em toda boa família, a gente tem que conviver bem”, ressalta. Fingir essa boa convivência é de praxe. Para o público pode estar tudo muito bem, mas para quem convive nesse meio as rivalidades são comuns. Quem lida no dia a dia do Carnaval confessa que nem sempre o clima é dos melhores. Maquiador há mais de 30 anos, Victor Waltz já presenciou situações curiosas. Segundo ele, a cadeira de maquiagem funciona como um confessionário ou como uma terapia. A menina senta lá e conta tudo o que vem à cabeça. “Já ouvi e vi de tudo. Em 2010, eu trabalhava na União da Ilha e duas meninas que vinham à frente da bateria - se detestavam. Era um 'auê' cada vez que elas estavam juntas, a ponto de uma usar um anel cheio de ponta só pra machucar a outra enquanto sambavam”, relata. As desavenças podem ser mais sutis em outros cargos das escolas de samba. Hoje trabalhando mais com a maquiagem de porta-bandeiras, Todo glamour e pompa esconde o que está por trás dos desfiles do Rio
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2016.1 - ANO 14 - EDIÇÃO 21 FOTOS DE MICHELE IASSANORI
Victor diz que a competição é um pouco menor. Mas só um pouco, ele deixa claro. Segundo ele, todas perguntam sobre os segredos e passos de dança que as concorrentes vão apresentar na Marquês de Sapucaí. Ele percebe que a competição é diferente, bem mais saudável. Há torcida entre as colegas, mas há também a preocupação de elas apresentarem o melhor que podem. “Como só faço a maquiagem delas em dias em que há necessidade de uma produção mais caprichada, eu só ouço e desejo que todas brilhem”, completa. Quem curte o ensaio do Salgueiro, sempre se depara com um batalhão de mulheres bonitas, que querem brilhar. Quem encabeça o time é a Rainha das Rainhas, Viviane Araújo. Além dela, as não menos belas oito musas que defendem com muito samba no pé a escola da Grande Tijuca. Mas juntar tantas mulheres pode ser um desafio. Tem gente que deve achar que os encontros dão sempre briga. No cargo de musa há seis anos, Monika Nascimento admite que rixas e picuinhas são comuns. Segundo ela, no Carnaval tudo fica maior porque é um mundo extremamente vaidoso, em que as pessoas querem aparecer a qualquer preço. Por outro lado, ela também ressalta que a harmonia impera na escola da Tijuca e que nem todas se preocupam apenas os holofotes. “Sou musa do Salgueiro e rainha da Acadêmicos da Rocinha porque eu gosto do Carnaval. Não caí de paraquedas no mundo do samba. Sou filha de sambistas, criada no morro da Mangueira, e sou apaixonada pelo que faço”, frisa. Quem também faz a linha paz e amor, pelo menos no samba, é a exrainha da Caprichosos de Pilares e da Mocidade Independente de Padre Miguel, Antônia Fontenelle. Há dez anos no Carnaval, a loira é musa da Grande Rio desde 2007. Ela acredita que tem lugar para todo mundo e que as grandes rainhas têm a consciência do importante papel que ocupam, tanto é que elas permanecem nas escolas por anos – como é o caso da Viviane Araújo no Salgueiro. “Eu
Como musa, Monika veste a camisa do Salgueiro com garra, alegria e disposição durante ensaios e desfiles... entendo que a gente está fazendo um espetáculo e, para isso, não só a bateria tem que estar bem. Mas tudo vai do objetivo de cada uma. Eu sempre entro em uma agremiação para somar. Eu não preciso do carnaval para aparecer”, afirma. A bem da verdade é que os anos passam e as beldades também. Por conta dos egos inflados e da vaidade exacerbada, os postos de rainha de bateria e de destaques de chão são cada vez mais comercializados. Por outro lado, há exemplos de escolas que valorizam as verdadeiras musas. Aquelas que são dedicadas e comprometidas com as escolas que defendem. Para estas, o espaço vai estar sempre garantido. Já imaginou Carnaval sem rainha, sem musa, sem destaque? Faz parte do charme e da graça da folia. Mesmo que os bastidores sejam tortuosos, melhor deixar em paz. ... sem se preocupar com as brigas nos bastidores do carnaval carioca
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Livres do padrão de beleza Modelos Plus Size em paz com os próprios corpos
rClarissa
Sobral
Com o passar do tempo, os padrões de beleza vêm sendo alterados. Em cada época, é fácil identificar uma mudança brusca para acompanhá-los. Os tipos físicos vêm sendo modificados de acordo com a “ditadura da beleza”, imposta pela sociedade. Dos corpos mais gordinhos aos mais magrinhos, das barrigas voluptuosas aos abdomens definidos, popularmente conhecidos como “barriga tanquinho”. Dos seios minúsculos, aos bustos fartos e siliconados. Existem pessoas que não medem esforços para se manter no “padrão”. Regram sua alimentação, frequentam academia e estão dispostas, a qualquer custo, a conseguir o corpo perfeito. Em meio a todo esse parâmetro e a essa não aceitação de seu próprio corpo, existem mulheres que deram um grito de liberdade e se passaram a se aceitar exatamente como são. Cansadas de serem praticamente obrigadas a se encaixar no padrão, as modelos Plus Size resolveram mostrar ao mundo sua beleza como ela é. Participam de concursos de
beleza e mostram para a sociedade que é possível se amar e viver em paz consigo mesmas, mesmo estando fora do padrão imposto pela sociedade. Um grande exemplo disso é a modelo Deborah Chagas, de 25 anos. Vencedora de vários concursos de beleza, ela acabou sendo mais conhecida ao ganhar em 2012 a categoria Miss Elegant Plus Size Carioca. A jovem afirma que nunca tentou ser magra, porque sempre foi gordinha, porém já chegou a perder peso em busca de melhor qualidade de vida. “Já tive uma fase em que fiquei bem seca, na adolescência, quando estava em fase de crescimento. Confesso que não me senti bonita, pois só tinha gengiva e testa”. Por não se sentir bem magra, a modelo buscou manter-se bem consigo, independentemente dos padrões, sofrendo preconceito por conta de sua escolha. A jovem revela começou a entender o que estava acontecendo na faculdade. “Sempre fui vaidosa e no início da faculdade eu ia toda maquiadinha e arrumadinha, mas não tinha muita noção do que
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era um make perfeito, embora me sentisse linda. Toda vez que entrava na sala de aula ouvia risadinhas. No início pensei que era paranoia, mas depois percebi que era para mim”. Esse tipo de comportamento e essas risadas foram constantes até mais ou menos o 4° período. A jovem, várias vezes, pensou em desistir, por estar em uma faculdade, com pessoas mais maduras, num curso de Serviço Social, que luta contra qualquer forma de opressão. “Ali eu vi que era abusivo. Por um momento, achei que o problema era eu, porém, com o tempo, percebi que o real problema era o preconceito das pessoas. Foi difícil, mas com ajuda da família consegui superar. Eu já havia me desacostumado a passar por isso. Na infância era constante, mas quando cresci tudo mudou e de repente acontecer novamente, dentro de uma instituição de ensino superior, foi horrível”. O preconceito existe, mesmo que seja nas entrelinhas. “A gente percebe pela forma natural com que as pessoas falam das pessoas gordas. Atrelam-nos à incapacidade, a doenças pré-existentes, à preguiça, à gula, entre outros defeitos”. Deborah resolveu deixar de lado o preconceito alheio depois que ingressou na carreira de modelo e miss. “Eu me aceitava, mas os concursos vieram como uma confirmação de que eu poderia ser o que eu quisesse”. Hoje ela luta contra o preconceito diariamente, não só por si mesma, mas pelas mulheres que sofrem com o padrão estético hegemônico. “Recebo mensagens diárias de pedidos de ajuda de mulheres que não se aceitam. Tem pessoas que morrem de depressão ou por tomar remédios para emagrecer e se submeter a dietas malucas para serem aceitos socialmente”. Por sentir-se inserida e encontrar pessoas com o mesmo objetivo que ela, a modelo resolveu entregar-se ainda mais aos trabalhos. “O mercado Plus Size trouxe autoestima para muitas mulheres acima do peso que tinham dificuldade para se vestir bem. A exposição das modelos nas redes sociais e na mídia, de certa forma,
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trouxe aquele velho ‘se ela pode, eu também’”. O mercado tende a evoluir muito, porque dentro desse segmento as mulheres muito gordas, por enquanto, não têm vez nos catálogos e nas campanhas. Alguma parcela ainda não se sente representada, mas houve um avanço. Para Deborah, estar exposta nesse mercado de trabalho foi importante para entender todo esse processo que o sistema capitalista causa. A modelo acredita que algumas disciplinas da faculdade também a ajudaram a esclarecer esse processo de entender o porquê de tanto preconceito. “Hoje eu me vejo uma mulher poderosa e cheia de potencialidades, capaz de ser o que eu quiser sem que o pensamento alheio interfira”. Outra guerreira e poderosa, que vive bem e feliz com suas curvas, é a também modelo Angélica Oliveira, de 18 anos, vencedora do concurso Miss Rio de Janeiro Plus Size, do ano de 2015. A jovem revela que nunca se sentiu incomodada com seu corpo. “Sempre me achei linda assim. Costumo dizer que combino comigo e que me amo do jeito que eu sou”. Mesmo convicta de quem era e amando-se acima de qualquer padrão, Angélica ficou receosa ao chegar no curso de modelo e ver que todas as outras meninas eram muito magras. “Pensei ‘já era o meu sonho de ser modelo”’. Porém, dentro do curso, seu professor a apresentou à moda Plus Size. “Ele me encaminhou para uma agência de modelos e eu comecei a fotografar muito”. Com a grande quantidade de trabalhos que estava fazendo, a modelo começou a se sentir cada vez mais confiante e resolveu participar de um concurso de moda. “Eu vi que a moda Plus Size estava crescendo e fui procurar para ver se existiam concursos para as 'gordinhas'. Me inscrevi no estadual e estou muito feliz por ter vencido e por ser referência para milhares de meninas”. Após vencer o concurso, Angélica recebeu a proposta de se tornar garota propaganda de uma loja de roupas Plus Size de Niterói. “Eu me sinto
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Deborah Chagas, Miss Elegant Plus Size Carioca 2012 FOTO: FILIPE MENEGOY
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completamente realizada e muito feliz por poder mostrar para as pessoas que eu não preciso ter o padrão de beleza que a sociedade impõe para ser bonita e me sentir bem comigo mesma”. Porém, como nada é fácil, a jovem revela que, no início, não tinha o apoio desejado para seguir no ramo da moda. “No começo, só a minha mãe me dava força”. Com o passar do tempo, a modelo foi crescendo profissionalmente e sua família começou a acreditar que ela realmente tinha futuro e começaram a apoiá-la. Quando o assunto é o futuro, Angélica prefere se previnir. “Viver de moda é complicado. No momento estou cursando Arquitetura e, assim que me formar, pretendo estudar Moda. Vou continuar fotografando, mas preciso ter uma segunda opção, não sei o dia de amanhã”.
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Mesmo com o crescimento da moda Plus Size, ainda existem meninas que fazem de tudo para se encaixar nos padrões impostos pela sociedade. De acordo com a psicóloga Gratielle Souza, de 27 anos, são várias as circunstâncias que fazem com que essas garotas não se aceitem. “O medo da rejeição, por exemplo, ou baixa autoestima. No caso de adolescentes, o medo de não conseguir se inserir em um determinado grupo devido ao preconceito é grande. O medo de sofre bullying também, entre outros”. Gratielle destaca que não há mais limites para as meninas serem aceitas na "ditadura da beleza". “Temos visto cada vez mais o aumento do índice de jovens com distúrbios psicológicos como a bulimia e a anorexia. E hoje temos ainda a vigorexia, em que a jovem frequenta a academia
compulsivamente para alcançar o 'corpo perfeito'. E isso não acontece só com as meninas, os rapazes também têm passado por isso”. Essa quebra de paradigma em que a mulher, para ser perfeita, tem que ser magra, está muito ligada à autoestima. “Meninas que sabem se ver lindas e felizes, mesmo não estando no padrão que a sociedade exige, acabam por se tornar exemplo para quem não sabe lidar com essa diferença. Eu acho isso muito legal”, diz a psicóloga. As diferenças entre uma menina que se aceita e se ama acima de qualquer padrão, e uma que não aceita seu corpo e tenta a qualquer custo se encaixar nos padrões impostos pela sociedade é grande. “Uma jovem que não consegue se aceitar está altamente vulnerável a desenvolver transtornos alimentares, sua autoestima está
sempre baixa e, por algumas vezes, acaba mesmo não se encaixando no grupo em que tanto quer por um preconceito que parte dela própria. Uma menina que se aceita como ela é, que não tem o corpo perfeito, e se vê sempre linda, tem mais qualidade de vida, e acaba sendo mais bem vista no grupo em que está inserida”. Mudar seu corpo e seus hábitos para se inserir em um determinado grupo ou padrão muitas vezes não é confortável para essas meninas. Porém, para a maioria delas, ser aceita pela sociedade é muito mais importante do que ser aceita por si mesmo. Ignorar tudo isso nem sempre é a maneira mais fácil, mas, para as meninas que optam por isso, viver bem consigo, com suas curvas e com sua vida é a melhor maneira de viver em paz. FILIPE MENEGOY
Autoestima não é problema para Angélica: “Sempre me achei linda assim. Costumo dizer que combino comigo e que me amo do jeito que eu sou”
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Projeto de sonhos REVISTA VEIGA MAIS
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Cufa promove ações de paz nas comunidades do Rio rCamila
DIVULGAÇÃO CUFA
Claros
Há muitas formas de promover a paz. Entre tantas maneiras, a inclusão social e a interação entre pessoas diferentes diminui a distância entre culturas, religiões, classes sociais, raças, culturas, maneiras de pensar, nacionalidades e tantas outras diferenças percebidas, o que, muitas vezes, torna-se empecilho para o convívio pacífico. Ultimamente, a realidade mostrada pelos veículos de comunicação do mundo está cada vez mais crítica no que diz respeito à paz. Por aqui não é diferente. A violência se instalou no Brasil de tal forma que nem em casa as pessoas têm mais segurança, e quando saem às ruas, precisam contar com a sorte. Pensando nisso, muitos projetos foram criados para ajudar no desenvolvimento dos jovens de comunidades carentes, que precisam fazer algo para fugir da triste realidade em que vivem. A Central Única das Favelas (Cufa) pretende mudar a vida desses jovens, que antes se viam sem perspectiva de vida. Os projetos oferecidos proporcionam um futuro, que pode ser trilhado com atividades relacionadas à formação profissional e à construção deles como pessoas. A organização trabalha com este propósito desde 1999 e se mantém com o apoio constante dos investidores e dos patrocinadores. Tal suporte possibilita acabar com a “inversão de valores”, trazendo qualidade e mudança de vida. Para isso, são oferecidas atividades, tais como basquete de rua, MMA, fotografia, futebol, dança, capoeira, informática, produção audiovisual, entre outras. O projeto também
Padre Miguel, no masculino, e Corte Oito, no feminino, foram os campeões de 2016 da Taça das Favelas promove a cultura hip hop por meio de shows, produções, concursos e festivais. Tudo estimulado por um de seus fundadores, o rapper MV Bill. Tanto estímulo e dedicação estão dando frutos. Vinicius Barbosa, de 18 anos, aluno de basquete de rua da Cufa, conta que sua vida mudou radicalmente depois de entrar no projeto. “Pude traçar novas metas para o meu futuro, terminei meus estudos e quem sabe agora consigo entrar numa universidade”. Quem também pôde traçar novas metas na vida foi Bruna Silva, de 20 anos. A estudante entrou na Cufa em 2014, depois que seu pai foi brutalmente assassinado
na comunidade da Serrinha, em Madureira. “Queria acabar com a tristeza que me invadia por causa da morte do meu pai. Por um tempo me via triste o dia inteiro e resolvi mudar essa realidade. Fiz muitas amizades e hoje sonho em ser uma fotógrafa de muito sucesso”. É também no bairro de Madureira que o sonho de tantos jovens começa a ser realizado - mais especificamente sob o Viaduto Negrão de Lima. As aulas são gratuitas e qualquer pessoa, independentemente da classe social ou da idade, pode participar. Entre as pessoas que ministram as aulas está Sérgio Loroza, ator e ex-integrante do grupo Monobloco, que ensina
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percussão. MV Bill é responsável pelas oficinas de rap. Outra atividade muito procurada é o futebol, paixão de nove entre dez meninos. A Cufa promove a Taça das Favelas, uma competição de futebol de campo, em que 90 seleções competem - 64 masculinas e 26 femininas. Todos os participantes são moradores de favelas do Rio. Os objetivos da Taça são promover a integração dessas comunidades através do esporte, descobrir potenciais talentos e, mais importante, contribuir efetivamente para o aumento da autoestima dos envolvidos. Graças à Cufa, sonhos são realizados e futuros são construídos. Ainda bem.
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Caminhos musicais que levam à paz rJuliana
O cantor Gilberto Gil no Circo Voador, em encontro no Rio de Janeiro FOTO: FERNANDA FRAZÃO / AGÊNCIA BRASIL (07/12/2015)
de Lima
“A Paz invadiu o meu coração. De repente me encheu de paz, como se o vento de um tufão, arrancasse meus pés do chão”. O trecho que habita a cabeça de muitas pessoas, até mesmo mais novas, é da canção “A Paz”, de Gilberto Gil e João Donato, criada durante uma manhã tranquila em 1986, quando a realidade dura que afligia muitos no mundo não foi capaz de fazer os dois músicos sucumbirem ao desânimo. É esse o poder da paz, e da música: a renovação constante de sentimentos. Por isso, a paz é como um oceano de sentimentos humanos, em que todos podem desaguar no mesmo lugar, ou seja, todos os caminhos levam à união, e trilhá-los é um comportamento que ultrapassa décadas ou correntes de pensamento. Essa necessidade de conciliação humana será para sempre atemporal. Ora como necessidade, ora como forma de protesto, ora pelo desejo de equilíbrio, falar de paz em forma de canção é alimentar a alma. A paz é um tema flexível por natureza, que se conecta com praticamente tudo. A maioria das pessoas já se questionou sobre desigualdades, injustiças ou a dor de um amor, de uma perda, ou só apreciou o sossego em sua plenitude. É inerente à vida de cada pessoa buscar
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pequenas realizações que trazem alívio e calmaria para a alma, como já dizia também o filósofo Epicuro. Dessa forma, se o caos presente na vida do homem moderno é um tipo de veneno, o antídoto é a tranquilidade. Isso também é capaz de explicar porque a paz parece utópica, mas se aproxima sempre quieta e sorrateira, como sua natureza, sobrepondo qualquer tipo de diferença que separe os povos. O caminho e a linguagem que os une é a música. A música é uma das maneiras mais poderosas de manter um indivíduo conectado a sentimentos mais puros e humanos. Não enxerga credo, raça, classe social ou gênero. De certo que mesmo que grandes conflitos mundiais tenham sempre existido e que cada país enfrente suas barbáries, a paz sempre é desejada na utopia diária. É desejo mútuo e eterno. Ainda que o ser humano fale de amor, retrate a violência ou sua vontade seja apenas esquecer problemas e festejar, no íntimo, busca se conectar com a paz, dentro de si mesmo, no ambiente onde vive, apesar das dificuldades que cercam a vida de todos do planeta. A canção “What A Wonderfull World”, de Bob Thiele e George Davis, consagrada pela voz de Louis Armstrong em 1967, representa essa alegria em estar vivo e em paz. Tornou-se um símbolo de tranquilidade e desejo por dias cada vez melhores, ultrapassou barreiras de estilos musicais, dando um salto do jazz ao ser regravada pelo cantor Joey
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2016.1 - ANO 14 - EDIÇÃO 21 ANA LÚCIA ARAÚJO / ROCK IN RIO (14/09/2013)
Ramone, dos Ramones, uma banda punk rock, durante os anos 90. O mesmo conceito positivista acontece com o outro clássico enraizado no imaginário coletivo. “Imagine", de John Lennon”, que não atingiu o topo da Billboard da época à toa, e até hoje, é cantada por diversos artistas, sendo tema também de novelas, filmes e séries. A canção propõe justamente a quebra de barreiras sociais e propõe que se imagine um mundo sem conflitos. O sentimento utópico mais uma vez presente, emociona quem a escuta. O desejo de paz aparece também como marcas da MPB. A faixa “Bandeira Branca”, de Dalva de Oliveira, apesar de ter sido a última canção da derradeira trajetória da artista, é um marco de sua contribuição musical. Se tornou marchinha de carnaval e praticamente vem à cabeça de qualquer um quando a primeira estrofe entoa “bandeira branca amor, não posso mais”. A música foi uma despedida da vida conturbada que levava Dalva e seu desejo por paz veio dois anos depois com seu falecimento. A busca pela calmaria interior é outro ponto importante dentro do meio musical. Como acontece nas canções, “Casa no Campo”, de Elis Regina, e “Sossego", de Tim Maia, cantar sobre paz nem sempre é reflexo de algum sentimento complexo ou uma bandeira levantada. As duas músicas falam sobre se desconectar um pouco da realidade, buscar o tal do sossego descrito por Tim, "dar um tempo”. Essa vertente musical descontraída e, ainda assim apaixonada, também é uma realidade da nova geração de artistas da MPB. Se algumas pessoas acreditam que a forma de cantar sobre o tema mudou, que os jovens estão desencontrados, já que não viveram as pressões da ditadura, a estudante de Artes Visuais da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Tatiana de Lima, de 18 anos, acredita que tudo é uma questão de perspectiva. "Nunca se deixou de falar paz e de se querêla, só se mudou um pouco a forma de passar a mensagem”, avalia a
estudante. Quando se trata de música internacional, gritos de protesto são recorrentes, principalmente no hip-hop americano, mas quando se fala em música brasileira, o estilo despretensioso e meio hippie, vindo de Lenine, Gal e Caetano, aparece com novas roupagens. Procura-se mais ainda transmitir todas as formas de amor e união social, se reconectar com o que é mais simples e tranquilo. A poesia de artistas revelação, como Céu, Cícero e Maria Gadú, é a mesma, e os pontos que buscam essa calmaria considerada por críticos como meio hippie são os pontos de encontro das duas gerações da MPB. Há ainda outro movimento que surge tranquilo, ao sabor das águas das mudanças musicais no Brasil, que bate nas rochas dos críticos musicais e cria seu espaço na internet. Esse movimento da nova geração da MPB, sejam os que produzem música ou os que ouvem, não está totalmente desconectado da antiga geração de luta. As pessoas de agora respiram o ar de tranquilidade semeado pelos que vieram antes, e por isso criam novas perspectivas sobre uma sociedade de amor e paz. Tais sementes foram plantadas e germinadas à base de luta por músicos como Chico Buarque, com a famosa “Cálice”, por exemplo, que se tornou um marco ao ser silenciada durante uma apresentação ao vivo, em São Paulo. O mesmo se diz para Elis Regina com “O Bêbado e a Equilibrista”, que se tornou o hino dos exilados, e foi considerada uma das cem maiores músicas brasileiras pela revista Rolling Stone. Os jovens de agora se sentem representados e também reconectados por esses artistas, o que só abre espaço para que os novos tirem inspirações e lutem por seu espaço. Os diversos protestos ocorridos no Brasil desde 2013 e o sentimento nacionalista que renasce com a nova geração é fruto do alicerce com a antiga geração, que serve como inspiração e relembra que é importante cantar e buscar a paz, e que, muitas vezes, quando se é calado, é importante defender direitos com
Capital Inicial durante apresentação na quinta edição do Rock in Rio unhas e dentes, seja como for. Foi um dos recados dados pela geração rock n' roll dos anos 80, nascida em Brasília e depois perpetuada no Brasil inteiro. Bandas como a antiga Aborto Elétrico - na qual surgiu Renato Russo -, depois Capital Inicial, Legião Urbana, Paralamas do Sucesso, Titãs, Ultraje a Rigor, aproveitaram do estilo pós-punk da época e a necessidade de reivindicar o espaço tirado pela ditadura e deram origem não só a um novo estilo e comportamento, como uma vertente dentro do próprio rock nacional. Agora, para ter paz, eles também iriam à guerra, e é o que sai da garganta de Renato com “Que País É Esse?!”, pelo Legião Urbana, que é ainda tão atual, por manter o mesmo desejo de paz em meio à corrupção e à violência no Brasil. Protesto é sempre uma das formas que a sociedade encontra de retomar algo que foi perdido, e a música é uma das principais formas de levantar esta bandeira. O Legião tocou a sociedade e o coração de muitos jovens brasileiros que disseram para o governo "Si vis pacem, para bellum”, do provérbio latino “Se quer paz, prepare-se para a guerra”.
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Com a mão no peito e o mesmo desejo, do outro lado do globo, um grupo de rapazes irlandeses entoava seus gritos de guerra por defesa ao seu povo. Era o U2, que não produzia músicas carregadas de cunho político, mas, como sua própria formação, era um convite à mudança. U2, para quem não sabe, é uma expressão partida de “You too”, que significa em tradução livre “você também”. Os irlandeses que se tornariam os mais famosos do mundo estavam chamando o planeta inteiro para uma revolução. Canções como “Miss Saravejo” contam suas histórias sobre intolerância, guerra e perdas. A mais emblemática de todas e que cunhou o sucesso da banda, “Sunday Bloody Sunday”, relembra as mortes de diversos civis que se manifestavam por seus direitos às tropas britânicas, levou a mensagem sobre a tragédia para todos os países e, por ironia, ficou no topo das paradas das rádios inglesas. Para muitas pessoas, quando se pensa em paz, se pensa também em protesto. E U2 é uma banda recorrente em suas memórias. Apesar de os músicos nunca terem deixado de produzir material do tipo, as
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U2 agradece o público após show em Glasgow, na Escócia, em 2015 canções funcionam como um marco histórico, pois retrataram algo que acontecia no exato momento em que foram expostas ao público. Por isso, a produtora de eventos e DJ, Pollyanna Assunção, de 32 anos, se questiona sobre o quanto a geração nascida nos anos 90/2000 é capaz de compreender acerca das vivências da época. “Eu sou de 83. Essa geração é fruto da ditadura militar e tudo o que eles viveram foi violência e repressão. Toda minha formação musical foi ouvindo músicas que pediam justiça e um mundo melhor”, dispara. Ela alcançou o fim da chamada era de ouro do rock brasileiro, em meados de 80, e vê um grande abismo entre as produções de rock atuais, quando se trata do tema de luta e paz. U2 e Legião fazem parte de sua história de vida e de suas memórias. “O sentimento patriótico vivenciado pelos novos jovens ainda dá suas engatinhadas devido à tranquilidade atual e confortável em que pensam se encontrar”, conta Pollyana. Entretanto, os jornais e revistas não mentem. Crises financeiras, disputas territoriais e desigualdade não morreram. Muito menos diminuíram o suficiente para se descansar em berço esplêndido. Uma das ferramentas que talvez consiga trazer mais discussões para o meio musical são as redes sociais e o grande número de portais que salpicam informações diariamente. Ainda que uma parte dos novos ouvintes de música e formadores
de opinião pareça confusa e outra tenha vontade de mudança, para Gabriel Von Borell, do “Tenho Mais Discos Que Amigos”, do UOL, é necessário também querer falar do tema o máximo possível. Amor e compreensão estão em falta e a música tem papel importante nesta reconstrução. Isso também se reflete nas canções. Portanto, se há a faca e o queijo na mão, o que precisa mudar é o hábito. Debater faz parte. "Quando se abre espaço para falar sobre paz e união, a gente abre caminho para debater a intolerância, seja ela qual for”, complementa Gabriel. É uma via de mão dupla. A música é impulsionada pelo comportamento e pelas escolhas. Assim nascem transformações positivas. Se as gerações e suas atitudes, em conjunto com a música, vão liderar novas transformações, não é possível deixar de falar das mobilizações ocorridas entre o fim da década de 80 e o início da década de 90. A música pop sempre foi conhecida por sua facilidade em tocar nas rádios e alcançar públicos massivos. Pensando nisso, artistas como Michael Jackson, Lionel Richie, Tina Turner e Cyndi Lauper fizeram história, em 1985, unindo mais de 45 artistas em uma produção de Quincy Jones chamada “We Are The World”, considerada por alguns uma faixa “brega”, mas que na época teve caráter revolucionário. Criada para angariar dinheiro para vítimas da violência e fome na África, a música arrecadou mais de
50 milhões de dólares - e alcançou o topo das paradas de sucesso da Billboard. Porém, nem só de grandes mobilizações financeiras vivem as músicas - elas tambem marcam época. A canção “Wind Of Change”, do Scorpions, de 1990, não poderia ter título melhor. O convite para caminhar como irmãos e esquecer os conflitos do passado é também uma música de transição de época. O grupo a compôs tendo em mente a queda do muro de Berlim. Todos desejam épocas melhores quando ciclos se fecham e as esperanças se renovam. Para o mundo do rap, foi uma época de grandes colheitas, e, para quem ama música, uma época de grandes canções, como “Gangsta Paradise”, do Coolio, na época parceiro do polêmico 2 Pac, que bate na porta dos privilégios da classe média americana. E bate para incomodar. O rap traz o mesmo questionamento do filme em que serviu como trilha sonora - Mentes Perigosas, com Michelle Pfeiffer. E pergunta: até quando a falta de possibilidades financeiras e educativas, somada ao sedutor mundo do crime, irá interromper a vida de tantos jovens e aumentar a violência, quando na verdade a sociedade é quem de fato cria os marginalizados? "O quanto os culpados são eu e você”, cantou Coolio, que ganhou diversos prêmios, entre eles Grammys, em 1994. O poder de questionamento caminha como um protetor da paz. A ausência de paz é o suficiente para se cantar sobre ela, ou até, rejeitá-
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la, caso simbolize terror e silêncio. "A minha alma tá armada e apontada para a cara do sossego. Às vezes eu falo com a vida, às vezes é ela quem diz, qual a paz eu não quero conservar para tentar ser feliz”, anuncia a música “Minha Alma”, do grupo O Rappa. Ela transmite o desejo de rejeição da paz quando ela surge de forma distorcida, como uma censura manipuladora, e que poucos conseguem enxergar. Assim como a banda, Gabriel O Pensador também dedicou músicas a rebater o favorecimento aos ricos, o silenciamento dos pobres e a perpetuação da criminalidade. A música “Cachimbo da Paz” reserva significado muito mais profundo e ácido do que o uso discriminado da maconha. O índio, personagem da música, passa por algumas situações de injustiça comuns a brasileiros que estampam os noticiários. O que a música faz é traçar esse paralelo de ingenuidade do índio, lembrando dos conflitos entre o homem urbano, que desrespeita a cultura e o meio em que qualquer pessoa que se difere dele vive. Se há espaço para conversar sobre paz, problematizar e refletir sobre o que essas letras oferecem é praticamente um dever. Músicas sobre paz não são necessariamente pedidos de ajuda, fundados em catástrofes e em guerras. São conexões sobre o quanto é possível fazer a partir de agora, quando as melodias tocarem cada um. Pare, ouça e reflita sobre como a paz quer - e pode - se comunicar com você.