VEIGA MAIS
Universidade Veiga de Almeida • Curso de Comunicação Social
1º Semestre de 2013 • Ano 11 • nº 16
Maravilha de cenário Rio de Janeiro, palco da mistura brasileira
SUMÁRIO
EDITORIAL
Cenário de história e beleza. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 Lucratividade do novo turismo do Rio. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
Rio e o envelhecimento saudável . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 6 Carioca é coisa de alma. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Comunhão da juventude carioca . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9 Rio: grande palco da fé cristã. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
Unidade de Polícia Pacificadora. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 Novo conceito de hospedagem chega à cidade e leva turistas às favelas cariocas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14 Favelas do Rio despertam curiosidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 15
Um Rio de transformações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 17 De Passos a Paes, o Rio das mudanças. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18
O Rio das Olimpíadas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 20 Eventos esportivos valorizam imóveis. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 22
O Rio como palco da arte, o tempo todo, em toda parte. . . . . 23 A arte que vem pela estrada “Rio-Bahia”. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
EXPEDIENTE EDIÇÃO, PROJETO GRÁFICO E DIAGRAMAÇÃO Nathália Lavins, Rafael Lima, Juliana Costa e Gabriel Sabóia Professor-orientador Érica Ribeiro
A Revista Veiga Mais é um produto da Oficina de Jornalismo, em um trabalho conjunto realizado com os estudantes em sala de aula e a AgênciaUVA. Curso de Comunicação Social reconhecido pelo MEC em 07/07/99, parecer CES 694/99 Coordenador Prof. Luís Carlos Bitterncourt Coordenador de publicidade Oswaldo Senna
REPORTAGENS Estudantes da disciplina de Jornalismo de Revista Professor-orientador Maristela Fittipaldi
Apoio Agência UVA • Redação Rua Ibituruna 108, Casa da Comunicação, 2º andar. Tijuca, Rio de Janeiro - RJ 20.271-020 Tel: 21 2547-8800 ramais 319 e 416 Site: www.agenciauva.com.br e-mail: agencia@uva.edu.br • Oficina de Propaganda: criativo@uva.edu.br
• Núcleo de Fotografia: nucleofotografiauva@gmail.com Tiragem: 1.000 Impressão: WalPrint
Outras edições estão disponíveis em http://www.issuu.com/agenciauva
SUPERAÇÃO CARIOCA O Rio de Janeiro está no topo do ranking das cidades mais badaladas desta década. A cidade que mais cresce, a cidade mais cara para se viver, a cidade que está sob os olhares do mundo inteiro devido a vários, e grandes, acontecimentos que se sucederão na chamada ‘Cidade Maravilhosa’. Copa das Confederações este ano, Copa do Mundo de 2014, Olimpíadas de 2016, Rock in Rio, Jornada Mundial da Juventude, shows de artistas consagrados mundialmente. O Rio está no roteiro de todos esses eventos. Por esse motivo, a Veiga + apresenta nesta edição os vários “palcos” que serão montados nessa grande metrópole. Esporte, música, lazer, cultura popular, todo o tipo de entretenimento que essa capital mundial, pelo menos nessa década, pode oferecer. Sem deixar de destacar suas mazelas e necessidades, que terão que ser corrigidas à medida que esses eventos acontecem. Também mostraremos o que o Rio de Janeiro vive neste momento e toda a transformação que já sofreu para se ajustar ao foco dos olhares de todo o mundo. Esta terra carioca está se superando para alcançar e suprir todas as expectativas que lhe estão sendo impostas tanto pelos cariocas quanto pelos brasileiros e por todos os que gostam de alegria pelo mundo inteiro. Venha conosco e conheça o que o Rio pode oferecer de melhor. Junte-se àqueles que estão torcendo e trabalhando para que essa cidade, a nossa cidade, supere todas essas expectativas. Rafael Lima
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Maravilha de Cenário
CENÁRIO DE HISTÓRIA E BELEZA
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Turismo é ponto forte da cidade que recebe visitantes e eventos sempre de braços abertos Nathália Lavinas O Rio de Janeiro continua lindo... Desde que foi fundado, em 1565, por Estácio de Sá, a beleza do lugar era muito apreciada. A cidade é um destino bastante desejado por turistas estrangeiros, mas também por brasileiros, sendo um dos dez destinos mais procurados nas férias. A cidade, que já sofreu diversas modificações urbanísticas desde a chegada da família real no século XIX e já foi capital da República, mesmo após a mudança da capital para Brasília (1960) continuou sendo um importante polo turístico, cultural e comercial, sendo um ponto de referência para as pessoas quando se fala em Brasil. As reformas e melhorias não pararam na segunda maior metrópole do país, ficando atrás de São Paulo. A cidade, maravilhosa por natureza, tem uma grande diversidade de produtos a serem oferecidos e destinos turísticos nos mais diferentes estilos em um mesmo lugar. É possível perceber muitos contrastes, seja na beleza natural, com florestas tropicais e praias, ou na arquitetura, na qual o novo e o antigo se misturam, com o estilo e os traços de construções antigas preservadas misturadas a grandes edifícios, que representam o traço moderno da cidade.
“O Rio está entre os pontos mais visitados do planeta, por ter um calendário festivo muito famoso” Camila Callado
Os cariocas também contribuem para a fama da cidade, sendo conhecidos como acolhedores, simpáticos, divertidos, bem humorados e sempre de bem com a vida. A beleza do lugar não contagia apenas quem chega, mas quem vive em um lugar tão belo também adora quando chamam a cidade de maravilhosa. Mesmo com problemas que o local enfrenta, como qualquer grande centro urbano brasileiro, o Rio continua sendo admirado, principalmente por seus moradores. “Essa cidade é maravilhosa porque os pontos turísticos tem a combinação perfeita da paisagem urbana com a natureza, e isso é feito de uma maneira especial”, opina o carioca Luis Fernandes de Oliveira.
Foto: Guilherme Kanno
Existem, na cidade, dois cartões postais conhecidos mundialmente; o Pão de Açúcar e a Estátua do Cristo Redentor, localizada no topo do Corcovado, lugares que oferecem uma vista privilegiada da cidade. O Cristo Redentor foi nomeado uma das sete maravilhas do mundo moderno em 2007, e está na lista dos 50 cartões postais incomparáveis, mais famosos do mundo. Mas, além do famoso ponto turístico, a cidade também foi premiada no dia 01 de janeiro de 2012 com uma titulação da Unesco: tornou-se a primeira cidade do mundo a receber o título de Patrimônio Mundial como paisagem Cultural Urbana. O Rio foi a primeira cidade a se candidatar, e sua candidatura foi apresentada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Localizada entre o mar e a montanha, a cidade é inigualável, e seus moradores têm um jeito único e peculiar. O fato de oferecer diversas atrações naturais e culturais, como as belas praias, museus e monumentos históricos, faz com que a cidade se torne tão atrativa a visitantes e moradores. A Capital Fluminense, conhecida mundialmente pelas praias e morros, é também um grande polo cultural por abrigar diversos museus, teatros e casas de espetáculos. “Temos a maior floresta urbana do mundo e o Rio está entre os pontos mais visitados do planeta, também por termos um calendário festivo muito famoso, com datas como Carnaval e o Reveillon de Copacabana”, explica a Técnica em turismo Camila Callado. A cidade vem sendo palco ainda de diversos eventos mundiais, sendo assim mais exposta em outros países. Recentemente, foi sede da Rio+20, a Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, na qual mais de 190 países se reuniram para discutir como o mundo poderá crescer economicamente, mas eliminar a pobreza e preservar o meio ambiente ao mesmo tempo. E o Rock in Rio, depois de tanto tempo longe de seu local de origem, sendo realizado em vários outros países, retornou para casa em 2011, realizando um dos maiores e mais conhecidos festivais de música do mundo. Esses dois grandes eventos ilustram como o Rio de Janeiro é palco eclético de turismo, seja nas férias a passeio, a trabalho, ou para abrigar grandes acontecimentos. E não para por aí. A cidade está sofrendo constantes mudanças, pois irá sediar a próxima Copa do Mundo de Futebol em 2014 e as Olimpíadas de 2016 e outros eventos que são atrelados a eles, tais como a Copa das Confederações e as Paraolimpíadas, por exemplo. Todos esses fatores contribuem para aquecer o setor turístico, tanto no período da realização dos grandes eventos, como também antes e depois, gerando a curiosidade
Jardim Botânico de conhecer o país que irá sedia-los. Um país receptivo, tropical, de beleza estonteante e que está sempre de braços abertos. Um exemplo de como o Rio de Janeiro é um grande palco cheio de contrastes é o bairro de Santa Tereza, que fica no coração da cidade e parece ter parado no tempo. O lugar conserva aspetos do Rio antigo e guarda uma história em cada esquina. O bairro atrai muitos artistas, que são contagiados por toda sua beleza. “Santa”, como é conhecida por muitos, parece um lugar a parte do resto da cidade, por ter características próprias, muitas lojinhas de produtos artesanais e centros culturais. O carioca Ulisses Barreto, 35 anos, é advogado, skatista e frequentador do bairro, e acredita que o que o torna tão especial é o fato de ser um dos pontos turísticos mais encantadores do Rio de Janeiro, proporcionando muita diversão e uma gastronomia fenomenal. No carnaval, a diversão é garantida com o Bloco das Carmelitas, marca registrada do bairro e sucesso garantido. Seja sozinho ou acompanhado, o lugar é sempre uma boa pedida. “Lá tenho amigos, boa comida e sempre tem um bom programa cultural”, conta Ulisses.
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Maravilha de Cenário
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Mesmo em plena selva urbana, há também ótimos lugares para sair da rotina de cidade grande e curtir um pouco do que a natureza oferece. O Parque Nacional da Tijuca, pedaço da Mata Atlântica no meio da cidade e um dos parques mais visitados do Brasil, é uma atração imperdível. Nele estão localizados, por exemplo, a Floresta da Tijuca e a Pedra Bonita. E há ainda o Jardim Botânico, que encanta com toda sua beleza natural, sendo um lugar muito visitado e admirado. Esse é outro pedacinho de verde dentro da metrópole. O Rio de Janeiro é mesmo um grande cenário, que serve de pano de fundo para muitas histórias, seja na vida real ou no cinema. Grandes produções norte-americanas já gravaram parte de seus filmes na bela cidade, como “Amanhecer”, “O incrível Huck”, “Os Mercenários” e “Velozes e furiosos 5”. Há ainda a animação “Rio”, que não foi feita no Brasil, mas foi produzida por um brasileiro e cuja história se passa na cidade maravilhosa – entre outras produções. Muitos cantores também já usaram a cidade em seus clipes, como Michel Jackson. Essas circunstâncias divulgam a bela cidade para o mundo e deixam muitas pessoas curiosas para conhecê-la. Um grande palco para o Brasil e para o mundo, com belos cenários, repletos de contrastes e de personagens interessantes. Mesmo com os problemas comuns às grades metrópoles, o Rio de Janeiro não perde seus encantos: continua oferecendo os mais belos lugares, continua sendo o lugar do futebol, da praia, do samba, do carnaval, do bom humor e das pessoas de bem com a vida, sempre com o jeitinho carioca. O grande palco do turismo brasileiro estará sempre preparado para acolher a todos com aquele abraço.
LUCRATIVIDADE DO NOVO TURISMO DO RIO Ana Stefana Vistos autorizados. Passagens compradas. Destino certo. O Sudeste do Brasil é a região que mais embarca e desembarca turistas de todo o mundo. O Rio, claro, é o estado preferido. Segundo um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, o lucro gerado por este setor cresceu acima do previsto entre os anos de 2003 e 2009. E as perspectivas são as melhores: este aumento será ainda maior nos próximos anos, devido à grande movimentação de visitantes não só para a Copa do Mundo de 2014 e para os Jogos Olímpicos de 2016, mas também para eventos que acontecem ainda este ano, como o Jornada Mundial da Juventude, a Copa das Confederações, o Rock in Rio e tantos outros que terão o Rio como palco privilegiado. Por conta desta efervescência, os residentes desta região agora apostam em lugares inusitados, antes vistos somente como pontos de tráfico e violência. Esta é a realidade vivida por inúmeras comunidades da cidade desde a pacificação, com a instalação das UPPs nas favelas do estado que sempre é lembrado por ser privilegiado pela exuberância de sua natureza. Além da credibilidade e da visibilidade positiva, as expectativas de mudanças continuam sendo favoráveis com implantação desse projeto idealizado pela Secretaria do Estadual de Segurança Pública do Rio de Janeiro que teve em 2008, como ponto de partida, a pacificação da favela Santa Marta, no bairro de Botafogo, Zona Sul carioca. Foto: Guilherme Kanno
E, mesmo com todos os prós e contras dessa iniciativa do Governo, as vielas anteriormente vestidas pela venda de drogas, pela exposição de armas e pelo refúgio das quadrilhas de bandidos agora são alguns dos roteiros mais procurados nas agências de viagens brasileiras. Em meio a tantas opções de visitações para os turistas, alguns deles têm escolhido este cenário que, por inúmeras vezes, foi visto somente pelos telejornais de forma negativa. Observar a realidade social com segurança passou a ser um dos pontos que favorecem a escolha pelo local escondido por trás de cartões postais rodeados de beleza e esplendor, como o Pão de Açúcar por exemplo. Exatamente visando tal crescimento, empresas privadas vêm criando programas de incentivo aos moradores para a criação de uma renda extra, com o objetivo da busca pela integração produtiva com o restante da cidade, já que entidades associativas locais nem sempre se preocupam com o desenvolvimento econômico. Exemplo disto é o Sebrae (Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas), que atua desde 1996 nas favelas da cidade do Rio de Janeiro e criou esse estímulo. Assim explica Carla Teixeira, analista da empresa: “O objetivo é fazer com que, por essa via do empreendedorismo, a favela se integre mais à cidade. Não só a favela como um gerador de mão de obra, mas como um gerador de produtos e serviços e soluções para o restante da cidade”. Ainda assim, para os que não tiveram esta oportunidade, a qualidade na atividade se expande por becos e vielas de todo o Rio de Janeiro. Ideias, projetos, planos e empreendimentos surgem, para gerar lucro com o aumento no fluxo dos que cansaram dos hotéis luxuosos em frente às praias cariocas.
A alegria de hospedar na Rocinha
Jardim Botânico
Independentemente de onde se invista, é preciso aprimorar o serviço na comunidade e recepcionar os visitantes da melhor forma. E, pensando neste benefício, nada mais simples do que fazer da sua própria morada uma hospedagem para os que buscam simplicidade na comunidade. Como é o caso da moradora da Rocinha Olga Matos, 50 anos, que aposta nesse ramo desde 2007 e fotografa com todos os hóspedes que passam em sua casa:“Tudo surgiu quando estávamos passando por uma dificuldade e achei que fosse uma boa ideia para ter um dinheiro a mais na minha casa. Nosso primeiro hóspede foi um amigo suíço da minha filha e tudo foi crescendo sem perceber. Na alta temporada, recebo umas dez pessoas e me sinto entre meus familiares”, comenta Olga.
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Foto: Ana Stefana
Alguns pontos turísticos Trem do Corcovado / Cristo Redentor • Rua Cosme Velho, 513. Rio de Janeiro. • Tel: 55 21 25581329
• http://www.corcovado.com.br/
• Horáio de funcionamnto: De segunda a domingo, das 8h às 19h, com saídas a cada meia hora.
Pão de Açucar
• Av. Pasteur, 520 - Urca. • Tel: 2546-8400
• http://www.bondinho.com.br • Bilheteria – 08:00 às 19:50 Feira do Rio Antigo
• Rua do Lavradio – Centro ,RJ
• Todo primeiro sábado do mês, das 10h às 18h. • Entrada Franca.
Floresta da Tijuca • http://www.parquedatijuca.com.br • Setor Floresta da Tijuca
Funcionamento: todos os dias, das 8h às 17h (até 18h no horário de verão)
• Setor Serra da Carioca
Funcionamento: todos os dias, das 8h às 17h Parque Lage
• Rua Jardim Botânico, 414 - Jardim Botânico • Telefone: (21)3257-1800
• Setor Pedra Bonita / Pedra da Gávea
Funcionamento: todos os dias das 8h às 17h (até 18h no horário de verão)
• Setor Serra da Covanca / Pretos Forros
Visitantes credenciados: todos os dias a partir das 6h (somente a pé)
• Setor Serra da Carioca
Funcionamento: todos os dias, das 8h às 17h (até 18h no horário de verão)
Centro Cultural Municipal Parque das Ruinas • Rua Murtinho Nobre, 169 - Santa Teresa • Telefone: 21 2252-1039
• Aberto de terça a domingo, das 8h às 20h Forte de Copacabana
• Praça Coronel Eugênio Franco, 1 - Posto 6 • Telefone: 21 2287-3781
• Exposições: de terça a domingo e feriados, das 10h às 18h.
• Área externa: de terça a domingo e feriados, das 10h às 20h.
Favela da Rocinha Situada entre os bairros de São Conrado e Gávea, a favela da Rocinha divide espaço com a alta sociedade, abriga cerca de 150 mil moradores, dobro do número se comparado ao ano passado, e recebe 3.500 visitantes por mês. Devido a sua dimensão, a comunidade é fragmentada em 17 sub-bairros, Um deles é o Vila Verde, onde mora a italiana Bárbara Olivi, 45 anos: “Acho que o Brasil tem, em comparação a outros países no mundo, uma energia incrível. Acho que é isso que chama de volta as pessoas que já visitaram o Brasil, mas sempre retornam. Eu viajei para cá em 84 e, desde aquele ano, voltei tantas vezes que resolvi ficar”. A paixão pela comunidade não para por aí. Preocupada com a educação das crianças que moram por lá, a italiana também é fundadora da Escola Saci Sabe Tudo, localizada na Travessa da Liberdade, dentro da comunidade. Com 80 alunos na sua instituição, que funciona em dois turnos, concluiu que todo o sucesso do seu trabalho é consequência do amor que se tem pela comunidade e por quem vive nela. Caridade que encantou Marco Rushi, nascido no mesma localidade que a diretora do projeto. Inicialmente, ele conta que parou na Rocinha por uma casualidade, porém, depois do encontro com os trabalhos comunitários da Bárbara Olivi, ele diz que se sente vivo, porque os moradores e crianças o ensinam como se habitar, mesmo com a má condição de vida, e ele já se considera encantado pela comunidade. Curiosamente, o cenário se repete com duas horas e meia de caminhada da Rocinha até a favela conhecida como Chapéu Mangueira. Lá, os moradores também visaram o
empreendedorismo na comunidade. Caso de Vitor Medina e Cristiane de Oliveira, que cresceram na favela e passaram a enxergar uma oportunidade de ganhar dinheiro com o turismo montando um hotel de pequeno porte: “Os melhores hotéis são nos melhores pontos. Ai a gente pensou: ‘Vamos fazer uma coisa diferente, vamos construir um hostel dentro da comunidade, para a gente não vender luxo nem beleza, vender uma experiência diferente para o turista’”. Com o investimento de 25 mil reais, para a construção do sobrado de três quartos, os microempresários hospedam seis pessoas em cada cômodo. Visando valorizar o que se tem de mais belo na comunidade, construíram uma varanda com uma vista privilegiada para o mar: “Quando o turista chega na laje, ele olha esse marzão, e fala: ‘Meu Deus! Estou no paraíso!’ Então, pra gente, é muito bom”, comenta Cristiane. A lucratividade também se aliou à sustentabilidade. A estrutura foi construída com boa parte reaproveitada. O telhado foi feito de caixa de leite, a manta no sofá usa restos de jeans, a parede é de garrafa pet e, na decoração, pedaços de revistas velhas. O ambiente se inspira em cenas do dia a dia da própria favela. Embora haja versatilidade e diversos meios nos investimentos neste setor, os empreendedores e moradores garantem que vale a pena se aplicar em fazer o melhor e, sobretudo, amar e respeitar os estrangeiros e os próprios turistas brasileiros que, quando vêm aqui, têm, ao menos por alguns dias, a oportunidade invejada de se sentirem cariocas.
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RIO E O ENVELHECIMENTO SAUDÁVEL
Oscar Vasconcelos dos Anjos Jr A população no mundo está ficando cada vez mais velha. E quem passeia pelo Rio de Janeiro tem certeza disso. Na última divulgação de dados coletados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) em setembro de 2012, o Rio de Janeiro aparece como a unidade da federação em que o grupo da terceira idade é mais expressivo em relação à população total – representam 14,9% dos residentes. Não por acaso, em 2011, o bairro de Copacabana foi decretado (literalmente) “Capital Turística do Idoso”. Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), por volta de 2025, pela primeira vez na história, haverá mais idosos do que crianças no planeta. É possível atribuir essa realidade aos avanços da medicina e às pesquisas, em diversas áreas, que vieram a criar mecanismos que permitem a manutenção da boa saúde física e mental. Esse crescimento, nunca visto antes, é um desafio que se impõe diariamente à sociedade. Para sorte de todos, tem sido boa a evolução teórica e prática sobre o tema. Depois de colocada luz sobre o assunto, nas diversas assembleias promovidas pela ONU desde 1982 - ou mesmo as atividades desenvolvidas na esfera nacional -, hoje o idoso não figura - e não se sente - como “uma carta fora do baralho”. Foram criadas leis muito claras e específicas para proteger e garantir os direitos da população mais velha, há um esforço permanente para manter sua independência e assegurar sua autonomia. O idoso permanece produtivo e se torna compreendido como parte integrante, ativa e positiva do meio em que vive e como pode ser diferenciada sua contribuição não só no desenvolvimento social quanto no econômico. No Rio, há iniciativas e políticas públicas que visam o bem estar e o envelhecimento saudável da população acima dos 60 anos. Existem alguns projetos espalhados pelos bairros, há muito que se fazer, mas o que existe nem sempre tem a divulgação adequada. Para surpresa de muita gente, o poder público realiza um trabalho que tem foco especificamente nesse assunto. Por meio da Secretaria de Envelhecimento Saudável e Qualidade de Vida (SESQV), existem diversas atividades gratuitas para o carioca idoso ou “envelhecente”. A Secretária Cristiane Brasil complementa: “Nosso objetivo maior parte do princípio constitucional da ‘dignidade da pessoa humana’. E, em linha com o Estatuto do Idoso, procuramos instituir – com uma equipe altamente preparada - políticas públicas capazes de constituir e estimular a manutenção de hábitos saudáveis da população idosa”. Projetos como a “Academia da Terceira Idade”, presente em mais de 80 praças ou espaços públicos, o “Qualivida”, que oferece aulas de ginástica ao ar livre em diversos bairros, e as Casas de Convivência, que são um espaço de
Foto: Murilu Dantas
Idosos do Projeto Qualivida se exercitam gratuitamente ao ar livre em praças da cidade interação para idosos independentes e oferecem oficinas e atividades multidisciplinares durante toda a semana em suas unidades. Embora o nome seja autoexplicativo, muita gente imagina que “Casas de Convivência” é apenas uma nova denominação aplicada a asilos públicos. Mas quem pensa dessa forma está errando por muito. Nessas Casas, idosos independentes com mais de 60 anos se socializam, praticam atividades multidisciplinares, descobrem ou despertam novas vocações e permanecem ativos, positivos e saudáveis. São verdadeiras áreas de lazer com supervisão e orientação de profissionais o tempo todo. As casas oferecem aulas de teatro, música, ginástica, dança, yoga, ginástica, pilates e muitas outras. Elas viabilizam oficinas que contribuam para a geração de renda e promovem um trabalho sociopedagógico junto aos idosos e às famílias, visando fortalecer seus vínculos. A procura por elas só aumenta e a satisfação que se observa em cada um dos usuários é evidente. Maria Luiza Borges, 73 anos, estava desenvolvendo um quadro de depressão. “Uma amiga, que já frequentava, me falou da Casa de Convivência Carmem Miranda e um dia me convenceu a acompanhá-la. Não saí mais. Virou uma extensão da minha casa. Ali descobri o teatro e minha vida começou a mudar para melhor”. Hoje, a SESQV administra seis Casas de Convivência para Idosos, localizadas nos bairros da Tijuca, Gávea,
Copacabana, Botafogo, Penha e São Conrado. O professor de música Jorge Silva dá sua visão em relação a seus alunos: “O trabalho é quase sempre iniciado do zero. Aqui eles entendem melhor o som, a voz, o próprio timbre dos instrumentos, e partimos desse ponto”. A consequência natural é o aumento considerável da autoestima, que, como se sabe, é fundamental para o equilíbrio interior, a força, e responsável pela energia necessária para enfrentar os desafios impostos pelo dia a dia. Por tudo isso, fica evidente que o maior desejo das Casas atuais é a ampliação do espaço físico. Não que sejam pequenos, mas a cada dia chega mais gente interessada em conhecer e frequentar as atividades. E os bairros que ainda não foram contemplados com esse projeto aguardam sua vez. Muito mais fáceis de encontrar em qualquer lugar da cidade, o Programa Qualivida e as Academias da Terceira Idade (ATI) surgem a partir do objetivo de proporcionar à população de terceira idade a manutenção do vigor e da autonomia físicos, o bem estar mental, a reintegração social e a melhora na qualidade de vida. Embora o fim de ambos seja muito parecido, o meio guarda diferenças. O Qualivida – que hoje conta com cerca de 15 mil usuários cadastrados funciona de acordo com a realidade de cada bairro da cidade do Rio de Janeiro, objetivando minimizar os efeitos naturais causados pelo envelhecimento. Para isso, são oferecidas aulas gratuitas de ginástica em 120 núcleos espalhados
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pela cidade. Um professor de Educação Física ministra, com apoio de um profissional de saúde, todas as manhãs, atividades recreativas, físicas e culturais. A aluna Neusa Cardim, 60 anos, frequenta as aulas na Praça Saens Pena há dois meses, três vezes por semana, e percebe uma melhoria na sua disposição diária desde que começou a praticar esses exercícios. “Eu passo o dia com muito mais energia, até mais bem humorada. Antes só de subir essa rua eu já cansava, agora vou numa boa”.
“Procuramos instituir políticas públicas capazes de constituir [...] hábitos saudáveis da população idosa” Cristiane Brasil
A ATI talvez seja o projeto mais aclamado e utilizado pelo público idoso, desde sua inauguração, em 2009. Os aparelhos que compõem as academias são especificamente desenvolvidos para o uso de pessoas idosas na prática de atividades físicas de musculação. São fáceis de identificar, sempre nas cores verde ou azul, em mais de 80 praças da cidade e com mais de 20 mil usuários cadastrados. Há, durante o dia, supervisão e orientação constantes de um professor de Educação Física e um técnico em Enfermagem. O supervisor de região Diego Cardozo é responsável por fiscalizar o andamento das atividades da equipe e as condições dos aparelhos utilizados. Ele chama a atenção para um grave problema: os cidadãos comuns que praticam alguma espécie de vandalismo contra os equipamentos. “Normalmente acontece à noite ou de madrugada. Quebram por quebrar e acabam prejudicando nossos alunos e causando prejuízo para a própria comunidade”. Mas, fora isso, os resultados são muito claros e positivos. Há a melhora na qualidade de vida por conta do ganho muscular e, consequentemente, a elevação da autoestima, gerada também pelo aumento da independência e da confiança. O trabalho conscientiza esta população sobre a importância da realização de treinamento de força e da pratica de atividade física em sua vida cotidiana. O fato de diversas cidades estarem copiando em suas praças o modelo desenvolvido no município do Rio de Janeiro serve para comprovar a eficácia do projeto. O paradigma cultural começa a mostrar claros sinais de mudança. A população passa, mesmo que lentamente, a compreender que o envelhecer não é uma punição, é um privilégio. Isso faz toda a diferença.
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CARIOCA É COISA DE ALMA Karilayn Areias “O carioca é aquele que deita na sombra na hora do almoço, que está quase sempre com ar de bom moço, que bate uma bola até com um caroço (...). É aquele que sai na escola de samba, mas na avenida ele é um bamba. O carioca é aquele que pelo Rio se inflama”. Parafraseando os versos da música “O carioca”, do grupo Molejo, uma dentre tantas canções que tentam definir o estilo de vida “carioquíssimo”, é possível constatar que o povo do Rio é considerado o “rei da alegria”. A verdade é que essa e outras características, como a boêmia e a sensualidade, evidenciam a alma de um povo que tem orgulho de nascer e morar na “cidade maravilhosa”, cartão postal do Brasil, capital dos caos, mas também da beleza. Como forma de se relacionar, as pessoas tem o hábito de criar uma imagem das outras, e com o carioca não é diferente. De acordo com a socióloga Katia Puente, em qualquer ambiente ou grupo social, as pessoas tendem a rotular as outras, pois essa é a maneira que a unidade social criou para se reconhecer. “Você identifica o outro e, ao mesmo
tempo, identifica a si mesmo por intermédio da análise do comportamento, do jeito de ser desse outro”, diz ela. O problema aparece quando o estereótipo é criado de forma negativa e, de “rei da alergia”, o carioca torna-se conhecido como “o rei da malandragem”. Quando um grupo é limitado a determinada característica, essa ação cria um preconceito em vez de uma valorização, prejudicando o acesso a recursos e benefícios. “É uma sequência: você rotula, ou seja, estereotipa aquele grupo a partir de uma marca criada para identificá-los e forma o preconceito”, declara a especialista. Ainda de acordo com a socióloga, quando este tipo de avaliação é estendida para culturas muito distintas, isso pode torna-se um agravante. “Ao compararmos o estereótipo de um japonês conhecido por ser mais centrado e trabalhador à marca do brasileiro focado no estilo carioca (visto como malandro), observamos melhor como se formam as características culturais e de rotulação de uma sociedade”, afirma a socióloga.
Lapa: coração do Rio
Foto: Guilherme Kanno
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Foto: Guilherme Kanno
O preconceito embutido neste tipo de relação social só se torna visível a partir do momento em que ele surge em situações cotidianas. A dançarina de salão Fabiana Santos sabe bem o que é isso. A moça, carioca da gema, se mudou para São Paulo em busca de novas oportunidades. Ela não foi considerada apta em uma seleção de emprego por causa de sua naturalidade. “O recrutador afirmou que eu não tinha o perfil procurado porque nasci no Rio de Janeiro e ainda completou que cariocas são preguiçosos”, lembra indignada.
“Aqui tudo é festa, todo mundo é bem humorado. Tenho orgulho de ser carioca, mesmo que de mentirinha. Eu adoro o jeitinho dessa gente” José da Silva
Vista aérea do Morro do Pão de Açúcar A revolta de Fabiana encontra argumento em um levantamento recente. Uma Pesquisa Mensal de Emprego, divulgada em 2006 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), derruba o mito de que o carioca não é um povo trabalhador. O estudo, que analisou as seis principais regiões metropolitanas, constatou que o Rio de Janeiro lidera o ranking de jornada média semanal de horas efetivamente trabalhadas em 2005, com 41,6 horas, contra 41,3 horas dos paulistas. Sempre haverá, porém, aqueles que se orgulham de serem conhecidos pela malandragem, no bom sentido. O analista comercial Leonardo Sardou, é um deles. Para ele, o carioca é “bonachão, esperto e malandro, no sentido de sempre pensar em tudo buscando não levar uma volta”. Apesar de não ser da gema, pois nasceu em São João de Meriti, estado do Rio de Janeiro, ele considerase um legítimo carioca. “O que define esse jeitinho de ser do povo da cidade maravilhosa é a simpatia e a disponibilidade de fazer amizade em qualquer esquina do Rio. Afinal, todo carioca gosta de samba, futebol e de fazer amor”, brinca ele. E ainda cutuca: “A criação desses estereótipos é inveja e falta de bom humor. Até porque, é bem mais difícil ficar engarrafado na Marginal Pinheiros do que na Niemeyer”, declara, aos risos, referindo-se à rixa com os paulistas.
Jaqueline Barbosa é outra carioca que diz ter muito orgulho da cidade onde nasceu. Passista da Portela desde os 10 anos, ela conhece bem o mundo do samba e a boêmia carioca. “Para mim, ser carioca é ser bamba. É estar mergulhado no mundo do samba!”, diz, com a voz embargada e o olhar emocionado, relembrando os 14 anos que desfila pela azul e branco. E se ser apaixonado por esta cidade é um requisito para ser considerado um autêntico carioca, José da Silva, vendedor ambulante que tem como local de trabalho o posto 9, em Ipanema, é de Salvador mas já
Malandragens à parte, o carioca compõe uma fórmula que fascina não só o Brasil, mas o mundo
adotou o Rio de Janeiro como sua cidade natal. “Aqui tudo é festa, todo mundo é bem-humorado. Tenho orgulho de ser carioca, mesmo que de mentirinha. Eu adoro o jeitinho dessa gente”, diz ele. O tal “jeitinho”, agora, também pode ser visto pelas redes. Em uma navegação rápida pela internet, é possível ver milhares de páginas que retratam o estilo da cidade maravilhosa e de seu povo. Uma delas é a página no Facebook chamada “Sim, eu sou carioca”, que usa o humor em frases, como “Sim, eu moro onde os outros passam férias” e “Sim, dá uma olhadinha para eu mergulhar?”, para expressar a forma de vida da população do Rio de Janeiro. O sucesso foi tanto que a página teve quase 10 mil adeptos em menos de 24 horas no ar. Outro exemplo que também utiliza o humor para reproduzir os comportamentos “carioquíssimos” é o curta nomeado de “Jeitinho carioca”, da produtora Makulelê e 2 Olhares, que ganhou sua terceira edição. As duas primeiras versões já foram vistas por mais de um milhão de pessoas. Ser carioca parece mesmo ser uma filosofia de vida. “Da gema” ou não, todos se rendem aos encantos das belezas naturais e do seu povo. Malandragens à parte, o carioca compõe uma fórmula que fascina não só o Brasil, mas o mundo.
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COMUNHÃO DA JUVENTUDE CARIOCA
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Cidade com maior diversidade regiliosa no Brasil recebe encontro mundial de católicos Lucas Portacio “Deus seja louvado”, “Sob a proteção de Deus”, “Que Deus te cubra de felicidade”. Estas expressões demonstram a fé de muitos brasileiros por uma única divindade, conhecida como o Criador do Universo. A primeira frase é encontrada nas cédulas do Real, a segunda é um trecho da Constituição Federal e ambas constituem símbolos de uma nação considerada laica: o Brasil. A última oração se refere a um verso da música “Cidade Maravilhosa”, que virou um hino não-oficial do município do Rio de Janeiro. Capital do estado que abriga a maior diversidade religiosa do Brasil, o Rio de Janeiro é uma cidade que se diferencia da nação com a maior população católica no mundo. De acordo com o CENSO 2010, apenas 51% dos cariocas são devotos da Igreja do Vaticano. No país, esta porcentagem cresce para 65%. Ainda na Cidade Maravilhosa, o número de evangélicos é bastante expressivo, chegando ao índice de 23%. Outro fato interessante é a marca alcançada pelos espíritas: cerca de 6% seguem esta religião. O dado anterior torna o Rio de Janeiro a cidade com mais espíritas em todo o Brasil, comprovando a pluralidade espiritual dos cariocas. Há décadas, o quadro era diferente. A cidade do Rio apontava para uma polarização do catolicismo. Segundo dados do IBGE, em torno de 70% da população carioca era católica em 1991. Reduzida em quase 20 pontos percentuais, a Igreja do Vaticano prepara um grande evento este ano na Cidade Maravilhosa para retomar seus fiéis. “Ó Cristo, Redentor da humanidade, Tua imagem de braços abertos no alto do Corcovado acolhe todos os povos”. O trecho da oração oficial da Jornada Mundial da Juventude representa como será este grande evento organizado pela Igreja Católica. Realizada entre 23 a 28 de julho, a JMJ Rio 2013 irá reunir jovens de vários países do mundo durante uma semana de intercâmbio cultural e religioso. Estimada para receber mais de 2 milhões de peregrinos, a Jornada Mundial da Juventude será um dos maiores eventos realizados no Rio de Janeiro. A Cidade Maravilhosa irá aumentar, durante a semana, cerca de um terço de sua população, já que o município abriga mais de 6 milhões de cariocas. Estes números demonstram a grandiosidade da JMJ para a cidade, tanto espiritual, quanto economica e cultural. Muitos dizem que este evento pode servir de teste para a Copa do Mundo e as Olímpiadas, porém os números da Jornada demonstram o contrário. Durante
Foto: Bárbara Albuquerque
JMJ - Madri 2011 a semana da JMJ, diversas obras de infraestrutura ainda não estarão concluídas, podendo dificultar a circulação dos peregrinos pela cidade. Embora existam obstáculos, Bárbara Albulquerque, coordenadora de voluntários na Paróquia Nossa Senhora Mãe da Divina Providência, acredita que os brasileiros conseguirão mostrar a sua fé para todo o mundo. “Espero que o povo lá fora possa ver que nosso país também tem sua voz na Igreja. Não é só aquela euforia de carnaval, praia e samba. E que nós possamos mostrar, não somente para outros países, mas também para o povo brasileiro, que o jovem católico também está na Igreja e faz questão de lutar pela sua doutrina. Mesmo com todas as dificuldades, devemos provar que somos o futuro da Igreja” comenta a jovem, que participou da última edição da Jornada, em Madri. Realizada pela primeira vez em Roma no ano de 1986, a Jornada Mundial da Juventude completará a 28ª edição no Rio de Janeiro. Anualmente, a Igreja celebra com o evento, mas somente no intervalo de dois a três anos que ocorrem os encontros mundiais, reunindo jovens de diversos países. Em 2011, a cidade de Madri recebeu 2 milhões de participantes na Missa de Encerramento, celebrada na Base Aérea de Quatro Ventos. Apesar de toda a mobilização dos católicos da Espanha, diversos protestos marcaram a Jornada na capital espanhola. Em plena crise econômica, uma minoria da população estava revoltada com
a possibilidade de o governo financiar um evento religioso. De acordo com Bárbara, outros grupos também criticavam a Igreja do Vaticano. A estudante de 19 anos relembra que houve protestos de gays e simpatizantes, porém os jovens católicos responderam de forma muito tranquila. Ao todo, foram doze encontros mundiais em onze cidades diferentes pelo mundo. Na primeira Jornada, o então Papa João Paulo II a celebrou com âmbito diocesano – entre católicos do Estado do Vaticano – no ano de 1986. De todas as Jornadas realizadas, a JMJ de Manila em 1995, conseguiu reunir o maior número de jovens até hoje. Cerca de quatro mihões de católicos estiveram presentes na capital das Filipinas. Este ano, os organizadores estimam em torno de 2,5 milhões de pessoas nos sete dias de celebração no Rio de Janeiro. Apesar de todos os esforços estarem voltados para o período entre 23 a 28 de julho, a JMJ não se limita apenas à semana do grande evento. Padre Arnaldo Rodrigues, diretor executivo da Preparação Pastoral, explica que o jovem deve se organizar desde já para a Jornada. “O objetivo do setor é oferecer para o jovem uma preparação extra. Por meio do portal Rio2013, ele irá encontrar um conteúdo espiritual, teológico e bíblico para sua formação. No canal, são fornecidos diversos conteúdos para o jovem, como orações, vida dos santos, meditações semanais sobre textos bíblicos
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e liturgia da missa, sempre voltados para a Jornada Mundial da Juventude. O intuito é que seja mais uma ferramenta para o jovem divulgar e rezar pela Jornada, se preparando e vivendo a Jornada desde já e não somente na semana da JMJ.” explica.
“ [...]O voluntário deve estar disponível para trabalhar em qualquer coisa. Desde receber no aeroporto até carregar o saco de lixo que às vezes temos que recolher” Padre Ramon Nascimento
Além da formação espiritual, os católicos também já se organizam para os momentos culturais. Desde 2011, diversos eventos musicais e artísticos divulgam a marca da JMJ pela Cidade Maravilhosa. Realizado pela Comunidade Shallom em setembro de 2012, o festival Halleluya atraiu mais de 20 mil pessoas, em dois dias, na Quinta da Boa Vista. Em preparação para a Jornada, a celebração contou com uma Santa Missa presidida por Dom Arani João Tempesta e várias atrações da música católica. “O Halleluya é muito contagiante, isso é apenas um pedacinho da emoção da Jornada. Porém, acho que é uma ótima forma de preparação para a JMJ. Essa mistura de pessoas, de naturalidades, de carismas, serve como aprendizagem entre cada um. Você conhece bastante gente, como diz em um dos temas do voluntariado: ‘Faça um milhão de amigos.’” – comenta a estudante de engenheria, Aline Alves. Realizado pelo Comitê Organizador Local (COL), um festival marcou os preparativos para a Jornada Mundial da Juventude. Entre os dias 27 a 29 de julho de 2012, o Preparai o Caminho reuniu milhares de jovens no Maracanãzinho. O evento trouxe um pouco da cultura católica de todo o Brasil para o Rio de Janeiro. Com diversas atrações oferecidas aos cariocas, a celebração foi o ponta-pé inicial para a JMJ Rio 2013. Em mais uma comemoração, diversos católicos festejaram em um clima de fé e diversão no Parque Madureira. Conhecido como DNJ, o Dia Nacional da Juventude ocorreu no dia 21 de outubro com a
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participação de várias bandas católicas, cantando em diversos ritmos musicais conhecidos pelos cariocas, como o samba e o carnaval. Na Santa Missa, o arcebispo da arquidiocese do Rio de Janeiro destacou a importância do voluntariado na Jornada. “Nesse clima de voluntariado no Dia Nacional da Juventude, que nos prepara para a Jornada, devemos fazer isso como um sinal de um tempo novo. O Senhor nos indica para se colocar a serviço, nos tornando missionários. Na Bíblía podemos encontrar a passagem citando que o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir”, disse na ocasião Dom Orani, um dos principais responsáveis pela Jornada no Rio de Janeiro. Outro momento marcante de preparação para a Jornada foi o lançamento do hino oficial da JMJ Rio 2013. Relizada em setembro de 2012, a festa foi celebrada na Paróquia Nossa Senhora da Conceição, em Santa Cruz. Milhares de jovens lotaram o pátio e os arredores da Igreja esperando ansiosamente um dos símbolos mais aguardados da Jornada. O paroquiano Luiz Eduardo explicou o sentimento de receber este evento e a importância do voluntariado. “É um feito grandioso para nossa paróquia. Nós comemoramos muito pelo nosso pároco, que sempre nos estimula a renovar o grupo de jovens na Igreja. Precisamos ajudar os peregrinos na Jornada com esse acolhimento típico dos cariocas. Todos aqui gostam de auxiliar as pessoas. Ser voluntário é essencial pois será tudo feito para Deus. É mais uma forma de estar com Cristo.” diz o estudante.
Oportunidade para o voluntariado
Para a Jornada ser construída, os organizadores citam o voluntariado como a principal forma de contribuição. Com o objetivo de trazer mais jovens para contribuir com a JMJ, o COL lançou uma campanha institucional para atingir, preferencialmente, os católicos diocesanos. O slogan definido como “O coração do mundo bate aqui” reflete a hospitalidade e a solidariedade recebidas pelos estrangeiros na Cidade Maravilhosa. Quem deseja ser voluntário deve acessar o portal rio2013.com e realizar o cadastro, fornecendo seus dados pessoais e sua disponibilidade para o evento. De acordo com o COL, a meta para jornada é de 60 mil pessoas inscritas em todo mundo. Desse total, 45 mil voluntários deverão ser diocesanos, ou seja, residentes da região metropolitana do Rio de Janeiro. Existem diversos modos de colaborar com a JMJ. Padre Ramon Nascimento cita como os interessados podem fornecer seu auxílio. “Primeiramente, o jovem contribui com seu dom. Se é um jornalista, ele irá trabalhar na área do jornalismo. Se for um médico, trabalhará na área da saúde. O voluntário deve estar disponível
para trabalhar em qualquer coisa. Desde receber no aeroporto até carregar o saco de lixo que às vezes temos que recolher.” explica o diretor executivo do setor de voluntariado. Os voluntários podem contribuir desde já para a Jornada Mundial da Juventude. Existem diversos jovens trabalhando voluntariamente para a preparação desta grande celebração. Toda segunda sexta-feira do mês, uma vigília é celebrada para ajudar na construção espiritual da JMJ. Normalmente, este momento de oração ocorre no Santuário de Adoração Perpétua, a Igreja de Sant’Anna. Localizada no coração do Rio de Janeiro, a igreja se situa próxima à Central do Brasil, local de fácil acesso para a maioria dos cariocas. Este fator contribui para jovens de todos os cantos do município participarem deste momento de adoração. No dia da Padroeira do Brasil, os católicos lotaram o santuário para renovar a sua fé, mesmo sob uma forte chuva e com um feriado prolongado. “Adorar torna a pessoa mais feliz, pois está na presença de Jesus. Depois da minha experiência com Deus, a presença em Jesus Cristo renova verdadeiramente a minha fé. E, nesse momento da Jornada Mundial, isso ganha um sentido a mais, pois nós intercederemos por jovens do mundo inteiro. Não é só minha união com o Senhor, e sim de todos os jovens.” declara Vitor Araújo, 21 anos, missionário da Comunidade Shalom. Um momento de reflexão importante na JMJ, como as vigílias, será a catequese. Tida como o coração do evento, esta ocasião será a oportunidade para o jovem se aprofundar no tema da Jornada: “Ide e fazei discípulos entre todas as nações”. Realizado em três dias, este aprofundamento ocorrerá para os peregrinos estrangeiros nas paróquias ou locais próximos a sua hospedagem. As catequeses serão realizadas em 400 locais de toda a região metropolitana do Rio de Janeiro. Os espaços deverão ter capacidade para abrigar mais de mil pessoas, entre peregrinos e voluntários da Jornada Mundial da Juventude. Para o jovem participar de outros eventos, estes momentos de aprofundamento ocorreram em horários matutinos. Um dos dirigentes da Preparação Pastoral explica como funcionará esta formação espiritual. “Nessa oportunidade, o jovem se reúne por grupo linguístico e pode aprofundar o tema com três bispos diferentes de sua própria língua. Serão realizadas nas manhãs, das 8h às 12h30, nos dias 24, 25 e 26 de julho deste ano. Primeiramente, haverá uma oração inicial com muita animação e, logo após, eles irão escutar a catequese dada pelo bispo. Depois disso, há o momento de testemunho, perguntas ao sacerdote sobre o tema e, por fim, a celebração da Santa Missa.” revela padre Leandro Lênin. Diversos destes peregrinos estrangeiros, que participarão das catequeses, serão hospedados em
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domicílios de voluntários cariocas. De acordo com os organizadores, a meta é de 1,5 milhão de vagas inscritas para a Jornada. Responsável pelo setor de hospedagem. A Irmã Graça Maria fala sobre o público que o comitê pretende atingir por intermédio de campanhas institucionais veiculadas nos meios de comunicação. “Nós trabalhamos no primeiro semestre para a comunidade católica, ou seja, a campanha foi toda voltada para o público interno. Agora começaremos a atingir a sociedade. Queremos mobilizar todo o povo carioca para abrir suas casas ao acolhimento. Nosso objetivo é envolver toda a população do Rio de Janeiro em todas as suas dimensões, independentemente de ser católico ou não.” conclui. Cada bairro ou região administrativa da cidade receberá peregrinos de um país determinado. Esta estratégia pretende facilitar a interação dos estrangeiros em uma nação, culturalmente, diferente da sua. Acreditando em Deus ou não, os cariocas serão fundamentais para a realização da Jornada Mundial da Juventude. Destaque em todos locais realizados, a JMJ deverá ser um evento de proporções inimagináveis na maior população católica do mundo e no Estado não tão laico na prática.
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RIO: GRANDE PALCO DA FÉ CRISTÃ Aldilene Mafra Marcha pra Jesus e Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Seja lá qual for a fé que se professe, um fato é inegável: movimentos religiosos estão mobilizando o país e tornando o Rio a capital mundial da fé. As várias denominações religiosas movimentam milhares de pessoas e são responsáveis pelo chamado “turismo religioso”, que cresce a cada dia por aqui. Um destes eventos é a Jornada Mundial da Juventude (JMJ). Direcionada para os adolescentes católicos, ela é consequência da consolidação dos movimentos em torno dos jovens, cada vez mais frequentes na Igreja católica no Brasil. Por meio de projetos de música, dança, teatro e outras iniciativas, esta parcela da sociedade, que antes, não recebia tanta atenção, vem sendo conquistada a cada dia. Se, no passado acreditava-se que o catolicismo era uma religião de integração maior com pessoas mais velhas, por estas terem presença assídua nas missas, hoje essa não é
Praça de São Pedro (Vaticano)
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mais a realidade nas paróquias, que vêm sendo tomadas por um contingente de jovens, cada vez mais espiritualizados. A última edição da JMJ foi realizada em 2011 em Madrid, na Espanha, e reuniu mais de dois milhões de pessoas. No encerramento, o Papa Bento XVI incumbiu o país do futebol e do samba, mais precisamente a cidade do Rio de Janeiro, a receber este acontecimento, que promete mostrar a cara da juventude cristã para o mundo. A jovem católica Elane Costa, 21 anos, integrante do grupo de dança Louvar-te, acredita que muito tem mudado ao longo do tempo. A jovem afirma que, a cada projeto, não somente o ministério da sua paróquia, mas também os de outras comunidades,vem trazendo uma responsabilidade e um compromisso, que antigamente não eram depositados neste contingente de pessoas. Ela e seus companheiros apoiam a mudança de pensamento por parte do catolicismo que, no decorrer do tempo, tem evoluído em relação a esta parcela cristã. “Temos consciência que fizemos parte dessa evolução como um todo”, garante Elane. O arcebispo da arquidiocese do Rio de Janeiro, Dom Orani João Tempesta, acredita que a missão da Igreja é anunciar a todos uma boa notícia e que a juventude é uma fase na vida das pessoas que define o presente e o futuro, momento em que serão estabelecidos valores que serão Foto: Kursad Keteci (stock.xchng)
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utilizados no decorrer de sua vida. ”Nossa obrigação é fazer com que esses jovens busquem um mundo mais justo e mais fraterno”, afirma. Ele revela que muitos problemas hoje acontecem justamente por terem sido passados, ao longo de gerações, valores contrários àquilo que pode promover a construção de um mundo melhor. “O trabalho com a juventude é o investimento no futuro da humanidade”, diz Dom Orani.
“O trabalho com a juventude é o [...] futuro da humanidade” Dom Orani Tempesta
O jornalista e escritor Cesar Romão explica que o marketing tem sido uma grande ferramenta utilizada por essas igrejas. “A visão desta população cristã vem crescendo graças à utilização do marketing aplicado de maneira agressiva por meio das emissoras de TV e Rádio”, conta o jornalista. Outro fator que leva o sucesso desses projetos é a busca das pessoas pela resolução de seus problemas. Romão acredita que a tendência é que os eventos possam encontrar cada vez mais seguidores. “Para cada dois que desistem, chega uma fila imensa de quem quer se iniciar nestes cultos religiosos. As pessoas estão em busca de alguém que as ajude
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a resolver seus conflitos internos e externos, direcionar para o “alto” é mais simples e rápido”, finaliza Cesar Romão.
História da Igreja Católica Mundial
A Igreja Católica tem mais de dois mil anos de história. No Brasil, ela se faz presente desde o descobrimento. Até o século XVIII, o estado controlava suas atividades na Colônia. Em 1980, com a Proclamação da República, a Igreja se separa do estado e garante a liberdade religiosa. A partir deste momento, grandes mudanças são perceptíveis e, no decorrer de seu desenvolvimento no país, ela tenta se adaptar às mudanças no mundo. Uma das principais conquistas foi a criação da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), em 1952, que, até hoje, coordena a ação da Igreja em terras tupiniquins. Na década de 70, problemas de ordem jurídica e direitos humanos levam a igreja a se mobilizar em busca de uma redemocratização, em parceria com instituições da sociedade civil. Desse processo, surge o movimento de renovação carismática, que procura inovar as formas tradicionais de doutrinação e renovar práticas dos ritos e da mística da Igreja, mas sem desviar-se da doutrina e permanecendo fiel a todos os preceitos católicos romanos. Existem atualmente mais de 100 milhões de membros, comumente denominados Católicos Carismáticos, espalhados pelo mundo. Letícia Valinha, 20 anos, catequista de crianças da paróquia Nossa Senhora de Bonsucesso, fala da importância desta prática nas igrejas. “Esse movimento
Bandeira da Jornada Mundial da Juventude
Foto: Alex Mazullo
devia estar presente em todas as igrejas católicas, não apenas em algumas. Afinal, essa é a cara da juventude, louvar a Deus por meio da arte”. Ela ainda afirma que, apesar de ser tradicional, é a que tem o maior número de peregrinos, por ser a mais antiga e ter uma doutrina mais sólida. O número de fieis, porém, vem caindo e uma consequência dessa queda é o crescimento de outras denominações, principalmente as evangélicas.
Queda no número de católicos
Os números do Censo confirmam o crescimento no contingente de evangélicos. De acordo com o IBGE, em 2010, eles chegavam a 22,2% da população. Em 2030, a expectativa é de que menos de 50% dos brasileiros sejam católicos. Em 2040, eles devem estar empatados com os protestantes. Boa parte das alterações se dá pela expansão das religiões, principalmente de origens pentecostal, representadas por Assembleia de Deus e Evangelho Quadrangular. As crenças pela Adventista, luterana e batista não tiveram um crescimento significativo. É a primeira vez que é registrada essa queda no Brasil. O menor percentual de católicos foi encontrado no Rio de Janeiro, com 45,8%. No estado do Piauí, a porcentagem é de 85,1% Em comparação com o número de evangélicos, em 2010, a maior concentração estava em Rondônia 33,8%), e a menor no Piauí (9,7%). A maior proporção de espíritas foi no Rio de Janeiro, com 4,0%, seguido de São Paulo (3,3%), Minas Gerais (2,1%) e Espírito Santo (1,0%). Além da diversidade das crenças, outro fator que explica a mudança nos números é o aumento de pessoas sem religião. Este fenômeno é denominado pela sociologia de desafeição religiosa. O percentual de ateus cresceu no Brasil. Dados do IBGE demarcam que os que professam o ateísmo ganharam mais expressão depois de ficarem durante décadas em uma escala bem reduzida, de 0,2 a 1,8%, antes da década de 80. As capitais onde se encontra o maior número de ateus são Boa Vista, em Roraima, com 21,1%, seguida por Recife e Rio de Janeiro, ambos com 13,3% da população afirmando que não creem na ideia de um Deus. A Igreja tenta reverter a situação. A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) tem estudado o fenômeno das mudanças religiosas no país. Algumas ações pastorais foram tomadas, como se aproximar dos fiéis, melhorar o atendimento nas paróquias, reforçar a catequese em busca da formação de cristãos que sejam discípulos e missionários e, principalmente, dar uma maior atenção aos jovens. Para Letícia Valinha, de 20 anos, católica praticante, a Igreja mantem as mesmas tradições da época do seu surgimento. “O fato de ser conservadora afasta muitas pessoas que não aceitam seus costumes”. A jovem acredita que uma solução para que o número de fiéis não continue caindo é dar voz à juventude. Ela diz que esse público tem conquistado cada vez mais espaço dentro do catolicismo, principalmente, pelo movimento de renovação carismática, no qual podem louvar a Deus de forma mais divertida.
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UNIDADE DE POLÍCIA PACIFICADORA
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Grandes eventos trouxeram para a cidade a paz que o povo tanto desejada Bruna Azevedo da Cruz Foto: Bruna Azevedo
Comunidade do Morro Santa Marta A primeira Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) instalada na cidade do Rio de Janeiro foi no dia 7 de Dezembro de 2011, no morro Santa Marta, em Botafogo. A iniciativa, inicialmente vista com desconfiança, aos poucos fez com que a população começasse a pensar que aquele era um novo recomeço para cidade. Recomeço esse que daria tanto para os moradores das comunidades quanto para os que são do “asfalto” uma segurança a mais. Liberdade ou sensação de liberdade para andar nas ruas à noite, por exemplo. As comunidades da Rocinha e Vidigal também receberam essa pacificação, em Setembro e Janeiro de 2012, respectivamente. Para tentar entender um pouco o lado de quem realmente viveu e vive essa nova situação, a revista Veiga+ decidiu aventurar-se e conhecer um pouco do movimento, do dia a dia dessas três comunidades, nas quais há pessoas com histórias maravilhosas, mas também há outras ainda com medo de “se abrir”. Localizada em São Conrado, a Rocinha suscita
no visitante, assim que se chega, um primeiro pensamento: será impossível subir todas essas ruas (ladeiras) a pé. Mas de carona em um moto táxi chegase rapidamente ao ponto mais movimentado da favela. Há comerciantes, moradores. Quase ninguém quer se comunicar. Passam e viram o rosto. Difícil abordá-los. Mas as poucas pessoas que aceitam falar afirmam: a partir da instalação das UPPs, a vida mudou, e para melhor. “Agora podemos andar com segurança pelas ruas, pois sabemos que não teremos mais guerra, mais troca de tiros entre bandidos e policiais, desfile de armas”, conta J.O, dono de uma loja de legumes e verduras na Rocinha. A relação dos policiais com as pessoas que moram em cada uma dessas comunidades também é algo que sofreu uma mudança notável. O oficial P.O, que também não quer ser identificado, afirma que do início da instalação da UPP no Santa Marta até agora, sua relação com os moradores melhorou. “As crianças
passam por mim, brincam. Às vezes damos carona a eles. Agora nos sentimos em casa”. Vale destacar a participação da comunidade junto à polícia. “Eles fazem denúncia contra o tráfico de drogas, se ouvem alguma briga, correm para nos avisar”. Porém, antes desta trégua, a realidade era outra. Para ele, a demora no bom convívio entre eles se deu pelo fato de que ainda existe criminalidade na favela. “As pessoas não davam credibilidade para a polícia, pois estavam acostumados com o poder do tráfico”, conta. Além da evolução no convívio entre as pessoas que vivem na favela, a qualidade de vida teve um progresso considerável. Com a chegada da pacificação, veio também a UPP Social. Um projeto que foi considerado a principal conquista das comunidades. Abrange serviços de limpeza e saneamento básico, além de oferecer aos jovens que já concluíram o Ensino Médio um curso que os auxilia a tentar concorrer a uma vaga em universidades espalhadas por todo o Rio de Janeiro. Todas essas mudanças se refletem para quem está de fora. Antigamente, para que algum visitante subisse os morros da Rocinha, Vidigal e Santa Marta, era necessária a autorização do tráfico. Hoje em dia, essa realidade é bem diferente. Moradores afirmam que, com a chegada das UPPs, a vinda de turistas aumentou consideravelmente. O Vidigal, por exemplo, tem até albergue para que eles permaneçam por mais tempo. “Agora eles podem chegar à vontade, tirar fotos, conversar com todo mundo. Sem nenhum receio”, conta M.L, moradora da comunidade Santa Marta. Visão de crescimento e perspectiva para o futuro. Vida tranquila, em paz. Sem guerra, sem tráfico de drogas. Sem medo. Esses são desejos de quem mora em uma favela. Vontade de ser alguém na vida, de melhorar. Não que isso signifique o abandono de seu lar, mas que ele ganhe o merecido reconhecimento. Que essas comunidades vejam uma luz no fim do túnel. Que essas unidades sejam o começo do recomeço. Ainda há muito que fazer, mas os moradores concordam: os primeiros passos que já foram dados. Que os próximos passos aconteçam também e que não seja necessário um grande acontecimento no país para que ocorram mudanças. A Copa de 2014 e as Olimpíadas de 2016 foram os reais motivos para a implantação destas unidades. Pois que, após o fim destes grandes eventos, a polícia ainda esteja de prontidão nas comunidades e que essa paz tão desejada por todos não volte a ficar só no papel.
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NOVO CONCEITO DE HOSPEDAGEM CHEGA À CIDADE E LEVA TURISTAS ÀS FAVELAS CARIOCAS Viviane Bassul Quem sobe as escadarias sinuosas de uma comunidade no Rio de Janeiro, desbravando ladeiras que parecem não ter fim, para avistar do alto o que a natureza proporciona e que, de certa forma, estava escondido pelos “donos do morro”, não tem do que se queixar e sequer imagina no que o amontoado de casas se tornou. O que antes, para muitos, era uma aventura construída com base na curiosidade, hoje é empreendimento para muitas famílias, que vêm apostando em um novo tipo de serviço para atrair visitantes: a hospedagem. E essa aventura já não é mais arriscada. Pelo menos não nas comunidades onde as UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora) passaram a tomar conta, a partir da instituição do programa de pacificação do governo do estado. Atualmente, no Rio de Janeiro, existem 28 comunidades sob regimento das UPPs. Uma delas é o morro Pavão-Pavãozinho/Cantagalo, na Zona Sul da cidade, no qual foi criada a Pousada Favela Cantagalo, com uma vista que não deixa a desejar em nada aos melhores hotéis da Zona Sul. Ligia Mattos, de 50 anos, dona do hostel, popularmente conhecido como albergue, conta sobre as primeiras tentativas de investir em um
projeto tão ousado, que, nas primeiras vezes, falharam, pela falta de segurança do local. Apenas em abril de 2011 o sucesso foi confirmado, devido à implantação de uma UPP na comunidade. O grande público da Pousada Favela Cantagalo é formado jovens vindos da Europa, que se deslumbram com a vista do local, situado entre as praias do Leblon e de Copacabana, e com a oportunidade de contato com uma cultura nova, uma língua diferente e um estilo de vida que eles nunca conheceriam se fossem para hotel de três ou quatro estrelas na orla da Zona Sul. “Quando tem hóspede, coloco mesas na varanda, de frente para a praia de Copacabana. A vista em nada deixa a desejar para um hotel fora daqui”, diz Lígia. Definitivamente, a favela virou “moda” e há cada vez menos diferenciação entre o morro e o asfalto. Empreendimentos como o de Lígia mostram que há como se viver bem dentro de uma comunidade e que o “povão” sabe sim fazer negócio. De olho nos eventos de 2014, em especial a Copa do Mundo, com os hotéis cheios de hóspedes e a cidade recheada de turistas, os hostels são uma saída barata e bastante divertida para quem quer visitar a cidade. Lígia espera lotação máxima
Comunidade no Rio de Janeiro
Foto: Guilherme Kanno
em seu hostel e conta que, dentro da comunidade, serão criados mais dois, o que só comprova o sucesso do projeto. “Aqui não tem mais espaço, mas, com certeza, outros hostels como esse serão construídos”, afirma. Como em todas as comunidades pacificadas, porém, ainda existem problemas. É um deles que assombra não só Lígia, mas todos os outros moradores: a questão do lixo no local. É notório o descaso do governo com as comunidades, uma triste realidade conhecida por poucos, apenas pelos moradores e frequentadores do local. A Comlurb não realiza a coleta com frequência na comunidade, e há acúmulo de lixo e mau cheiro. “Já perdi hóspedes que chegaram à comunidade e foram procurar outro lugar para ficar por causa da quantidade de lixo por aqui”, afirma Lígia, indignada com a situação do local. Mas, de acordo com a Federação Brasileira dos Albergues da Juventude (FBAJ), existem 95 hostels no país, com 5.500 leitos. Mas estes números podem variar, uma vez que alguns deles estão situados neste novo nicho das comunidades. Segundo informa a Riotur, empresa de Turismo do Município, vinculada à Secretaria de Turismo, ainda existem muitos hostels que ainda não estão credenciados na FBAJ. Para a Riotur, porém, não significa que eles sejam ilegais. Mas ainda são poucos hostels para um país que quer inovar em seu conceito de turismo e irá receber um grande número de turistas em poucos anos. Aqui no Brasil, a principal diferença entre os hostels e os hotéis são o público. A imagem do país para o mundo ainda não mudou por completo e muitos turistas ainda chegam no Brasil com a ideia de que é apenas carnaval, praia e belas mulheres, mas isso vem mudando com a criação deste novo conceito de hospedagem. Os turistas chegam e logo se interessam pela cultura, por aprender a falar português e fazer contato com as pessoas da comunidade. Com isso, ajudam na economia do local, já que muitos comem em restaurantes da favela e compram nas lojinhas do lugar. A estudante de Engenharia da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), Aline Ribeiro, conheceu seu atual namorado, o alemão Andreas Harr, no réveillon de Copacabana no ano de 2011/2012 e, neste ano, pretende levá-lo para uma temporada em algum hostel da cidade. “Acho que seria uma boa oportunidade para ele conhecer como realmente é o Rio de Janeiro. As comunidades não são tão ruins como se mostra lá fora. Vou mostrar a origem do funk que se escuta nas casas noturnas da Zona Sul, mostrar que a favela também é lugar de gente do bem”. Assim como Andreas, milhares de turistas devem aportar em terras cariocas. A Riotur confirma que são esperados para a Copa em 2014 cerca de 200 mil visitantes na cidade. A maioria deles, de acordo com o órgão, será de turistas “volantes”, que vão querer
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A favela virou “moda” e há cada vez menos diferenciação entre o morro e o asfalto conhecer outras sedes dos jogos, não tendo local fixo para se hospedar. O preço convidativo e a oportunidade de socialização entre os hóspedes dos hostels são o grande atrativo e conquistam até mesmo os brasileiros. Ana Raquel, de 24 anos, estudante de Geografia da Universidade Federal Fluminense (UFF), viaja pelo Brasil devido ao curso e confessa ser uma amante dos hostels. “É a opção mais barata para quem é estudante e não tem muito dinheiro para gastar. Além de tudo, é possível fazer bons amigos. Por todos os lugares em que passei, conheci alguém que me acrescentou em algo. E isso só fez a minhas viagens valerem mais a pena”. Para abrigar visitantes e moradores como Ana Raquel, a cidade do Rio de Janeiro conta atualmente com 28 mil quartos de hotéis e a meta da prefeitura é que este número aumente em mais 10 mil até 2014 e, com isso, seja possível trazer ainda mais turistas, mais dinheiro e mais visibilidade para cá. A favela virou mesmo negócio e o que antes era visto com olhos cheios de preconceito virou uma fonte rentável para os moradores. Alto Vidigal Guesthouse Rua Armando de Almeida Lima, 2 Arvrão Vidigal, Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 3322-3034 21 7956-2299 Reservas: bookings@altovidigal.com Favela Inn Hostel Rua Dr. Nelson 32 Favela Chapéu Mangueira Leme Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 7849-4748 21 3209-2870 Reservas: contact@favelainn.com
Pura Vida Hostel Rua Saint Roman, 20 - Cobacabana Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 2210-8885 21 7729-2832 ID: 76*133525 Reservas: reservas@puravidahostel.com.br
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FAVELAS DO RIO DESPERTAM CURIOSIDADE Foto: Guilherme Kanno
Comunidade no Rio de Janeiro Aline Gonçalves São 6 horas da manhã. O despertador toca e, num salto, Maria da Conceição, 62, levanta rapidamente da cama. Diferentemente dos outros dias, hoje ela acorda com um sorriso estampado no rosto, com o pressentimento de que o dia será especial. Faz o café e começa a arrumar a casa. Enfeita cada canto com as cores da bandeira da Inglaterra. Nem os cinco cachorros de Maria escapam. Ela vai atrás deles e, após dar banho em um por um, os arruma com roupas que fazem referência às cores do país inglês. Quando quase tudo aparenta estar arrumado, a dona de casa vai até o armário e pega um embrulho. Ao abri-lo, tira de dentro um tapete vermelho que ela logo faz questão de colocar na porta. Agora sim, tudo estava preparado. Maria havia visto pela TV que o príncipe Harry, filho da princesa Diana, iria visitar a comunidade do Complexo do Alemão e, mesmo desacreditando que pudesse chegar perto dele, ela preparou tudo, pois sua intenção era demonstrar o quanto ela gostava do país. Ao se deparar com a casa de Maria da Conceição, toda arrumada com as cores de seu país e com um tapete vermelho estendido, o príncipe resolve descumprir o roteiro de seu tour para conhecer a moradora da casa mais chamativa do lugar. Ela o recebe com um ar de alegria e ele aproveita
para se sentar. Eles até trocam algumas palavras com a ajuda de um intérprete. Após a recepção, tiram foto juntos e Harry segue seu caminho. Passagens de celebridades por favelas brasileiras, como a descrita acima, estão ocorrendo com cada vez mais frequência, desde que investimentos estão sendo feitos no país para mudar a ideia estereotipada de comunidades relacionadas a indivíduos marginalmente excluídos pela sociedade. E, a partir da implantação das UPPs na cidade maravilhosa, esse conceito pode ser transformado. O Rio de Janeiro já conta com 28 Unidades de Polícias Pacificadoras e irá ganhar mais quatro no primeiro semestre deste ano. A partir desse investimento nas comunidades, os moradores estão tendo a oportunidade de mostrar seus talentos e vêm despertando interesse nos indivíduos que vivem fora dessa realidade. Com isso, o espírito empreendedor tende a ser implantado, para que toda essa mudança tenha um saldo positivo também para os residentes das próprias favelas pacificadas. “Agora, a casa da dona Maria da Conceição fará parte do roteiro no tour pela comunidade e nunca mais ela precisará se sentir sozinha”, ressalta Mariluce Souza, presidente do Núcleo de Mulheres Brasileiras
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Foto: Rafael Lima
em Ação. , como para a dona de casa, o importante é que a visitem, ela não cobra e ainda oferece lanches gratuitamente. Mariluce conta que Maria receberá uma porcentagem do que será arrecadado cada vez que passarem por sua residência. Uma forma de garantir um retorno econômico, já que a moradora não costuma cobrar pelas visitas e ainda fornece alimento sem nenhum custo. Após resistência de alguns moradores à existência de visitas guiadas, a presidente do Núcleo de Mulheres conta que ela foi a mediadora entre os resistentes e a comunidade. Um dos argumentos utilizados por ela foi que, devido aos cursos profissionalizantes de que as mulheres participam, isso geraria renda para as famílias. Aumentando o número de visitas na comunidade, por consequência, o público alvo também aumentaria. A curiosidade dos cariocas e não cariocas, para o antropólogo Tomas Martin, surge a partir das UPPs, pois ambos interessados na diferença cultural. “Há uma demanda por experiência mais autêntica, uma busca pela compreensão da diversidade”, aposta ele. O antropólogo afirma que quase não há retorno financeiro para a própria comunidade, pois, como de costume, esse dinheiro se concentra na mão de poucos, geralmente os donos de agências de turismo. Mas os comerciantes estão otimistas quanto ao bom rendimento do tour na favela. São várias barracas, com cocos gelados, açaí, pastel e outros tipos de comidas, tudo para atender bem aos visitantes e turistas, juntamente com a possibilidade de aumentar a renda mensal. Maria Aparecida, que vende bolo e salgado no Alemão, diz que as vendas aumentaram a partir do investimento que agora as comunidades vêm obtendo, atraindo cada vez mais visitantes. O lugar, que antes era visto com temor, atualmente tem despertado curiosidade, seja em turistas ou nos próprios cariocas. A maioria dos visitantes e turistas aponta a mídia como o principal fator que os levou a querer conhecer a comunidade. Sim, a mídia, por meio de novelas e filmes gravados nas favelas, traz
incentivo para que as pessoas se sintam motivadas a visitar e a conhecer essa nova realidade. Mesmo sem um estudo mais detalhado explicando a fundo as reais causas da mudança, elas ocorreram e estão aí, perceptíveis a qualquer um que observe o antes e o depois da favela. A maioria dos moradores do Complexo do Alemão, por eexemplo, concorda que, após a pacificação, houve uma melhora significativa e que, atualmente, eles conseguem demonstrar que também possuem talentos. E, com a influência da mídia, as favelas ganham mais notoriedade e passam a ser um dos caminhos mais escolhidos pelos turistas estrangeiros e pelos próprios cariocas, que nunca antes pensaram em visitar alguma comunidade.
Investimentos estão sendo feitos no país para mudar a ideia estereotipada de comunidades O teleférico, que inicialmente foi criado como transporte para os moradores da região, é outra forma de atrair a atenção de turistas e visitantes de todos os lugares do Brasil e do mundo. O meio de transporte é integrado ao sistema ferroviário e possui seis estações: Bonsucesso/ TIM, Adeus, Baiana, Alemão/Kibon, Itararé/ Natura e Palmeiras. Cada cabine tem capacidade para oito passageiros e a passagem tem valor unitário de R$ 1,00. O trajeto completo dura cerca de 16 minutos. O funcionamento é de segunda a sexta-feira, das 6h às 21h, sábados, das 8h às 20h, e domingos e feriados, das 9h às 15h.
Cursos no Complexo do Alemão
Teleférioco do Complexo do Alemão
Jovens empreendedores do Alemão recebem capacitação em turismo, com meio de aulas de inglês e espanhol, para melhor poder atender aos turistas. Eles atuam como monitores na área, além de conhecerem noções básicas sobre turismo, atendimento aos visitantes e turismo em base comunitária, de acordo com o site Agência Brasil. A ação faz parte do Projeto Piloto de Capacitação e Desenvolvimento Sustentável nas Comunidades Pacificadas. O coordenador-geral do projeto, Marcos Pereira, explicou que a iniciativa surgiu após alguns estudos feitos, a partir dos quais se observou o aumento na demanda de turistas devido à criação dos teleféricos. “A população nacional e mmundial visita a comunidade. Não adianta promovermos o teleférico e o Complexo do Alemão. Nós temos que promover, e da mesma forma capacitar, para atender a esse fluxo de turistas”, diz.
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UM RIO DE TRANSFORMAÇÕES
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Desapropriações por conta de obras mudam o endereço de milhares de cariocas Fotos: Rodrigo Martins
Rodrigo Martins O dia está movimentado. Caravanas de pessoas e veículos desfilam, como em uma procissão, pela Avenida Carlos Pontes, em Jardim Sulacap. “É porque hoje é Dia de Finados. Geralmente não é assim, só quando há enterro”. A movimentação que ocorre na pacata via tem uma explicação: o local é conhecido por abrigar o Jardim da Saudade, um dos cemitérios mais visitados do Rio. Mas, ultimamente, outro assunto que não se relaciona com os velórios no vizinho famoso, tem sido muito comentado entre os moradores da região. Trate-se da Transolímpica, corredor expresso que irá atravessar o bairro e terá que desapropriar imóveis da região. “A prefeitura já promoveu algumas reuniões aqui, mas, até agora, não definiu o traçado que será estabelecido, só confirmou que algumas casas terão que sair. E a minha é uma delas”, conta a estudante de História Dominique Melo. Ao dizer isto, a jovem respira fundo e muda o semblante. Entristece-se ao tocar no assunto novamente. “Minha família foi uma das primeiras a se estabelecerem no bairro. Meus bisavós chegaram aqui em 1945 e, naquela época, o local era uma grande fazenda. Com a venda da propriedade, as primeiras casas foram construídas”. O pai de Dominique, José Mauro de Oliveira Melo, interrompe a fala da estudante e, com um ar mais otimista, mostra-se confiante em permanecer no local. “O projeto inicial já foi modificado muitas vezes. Diversas possibilidades foram expostas pelos moradores para mudar o trajeto, mas, até agora, ninguém da prefeitura apareceu aqui com uma proposta de avaliação da casa ou ofereceu outra moradia”. E completa: “Não vamos sair de mãos abanando”. Como em um direito de resposta, a filha interfere na fala e ressalta: “Mas se eles chegarem aqui amanhã e fizerem a proposta, nos darão apenas um mês para sair do nosso lar”. Dramas como o da família Melo, de Jardim Sulacap, não são os únicos. Para possibilitar as inúmeras obras que estão sendo feitas na cidade com o objetivo de melhorar os problemas no transporte, milhares de imóveis serão demolidos. As desapropriações acontecerão principalmente nas Zonas Oeste e Norte. Nestas regiões, três grandes projetos de vias expressas serão construídos para melhorar a mobilidade do trânsito no Rio. São eles Transcarioca, Transoeste e Transolímpica. O primeiro ligará o Aeroporto Internacional Tom Jobim, no Galeão, ao Terminal Alvorada, na Barra da Tijuca. O corredor terá 39 quilômetros de extensão, contará com 45 estações e
Passageiros aguardam o BRT Transoeste na Barra da Tijuca atravessará bairros como a Ilha do Governador, Penha, Vicente de Carvalho, Vaz Lobo, Madureira, Campinho, Praça Seca, Taquara, Curicica. Neste percurso, foram previstas incialmente 3.800 remoções, número que pode ser reduzido pela metade com as diversas alterações no projeto. Já no caso da construção da TransOlímpica, estão previstas mais de mil desapropriações. Cento e quatorze delas só em Jardim Sulacap. Entre elas, a da família Melo. No bairro vizinho, Magalhães Bastos, estima-se que 143 imóveis serão demolidos. Em Jacarepaguá, bairro que contará com maior trecho da via expressa, a previsão é de 152 edificações derrubadas na Taquara; 402 na Estrada do Outeiro Santo; 24 no Condomínio Bosque do Paradiso e 353 em Curicica. Essas mudanças serão para construir uma via de 26 quilômetros e na qual também circulará o BRT (Bus Rapid Transit), ligando o bairro de Deodoro à Barra da Tijuca. A intenção é encurtar o tempo de deslocamento dos atletas entre as instalações dos Jogos Olímpicos de 2016. Só que o chamado “progresso” não enxerga o sentimento das pessoas que escreveram parte das vidas em lares e estabelecimentos que estão prestes a ser derrubados. “É uma situação triste,
mas se o projeto for para o desenvolvimento e for de interesse da sociedade, o poder público tem o poder de desapropriar os imóveis”. Isto não significa, em tese, que os moradores atingidos irão ficar desamparados. Tanto o Governo do Estado quanto a Prefeitura devem prestar assistência às pessoas afetadas, como ressalta o advogado Thiago André. “Os órgãos responsáveis pela desapropriação devem avaliar criteriosamente, com peritos, as residências e os comércios, para estipular a indenização que será paga ao proprietário”. O problema é que este cálculo estimado não tem agradado os moradores afetados pela construção das obras nas vias expressas. Pelo contrário, este é um tema crítico neste processo de desapropriação. Nestes casos de divergência, a solução é o recebimento em juízo. “Todos aqueles que se sentirem prejudicados em relação ao valor a ser pago pelo poder público devem entrar na Justiça com uma ação judicial pleiteando revisão de valores”. Mas conflito de interesses entre a população e governo não são novidades no Rio, principalmente relacionados à infraestrutura. No início do Século XX, o prefeito Pereira Passos, seguindo o modelo de reforma urbana de Paris, promoveu uma série de intervenções
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“A Prefeitura já DE PASSOS A PAES, O RIO DAS MUDANÇAS promoveu algumas As transformações na cidade por conta dos megaeventos reuniões [...], só Rafael Alex confirmou que algumas São pouco mais de cem anos de diferença. Pode parecer por transformar a cidade em uma Paris tropical, chegou bastante, mas a verdade é que o jeito de fazer política no bem perto. O legado dele é inegável e as transições de casas terão que sair. E Rio de Janeiro mudou pouco. Continua a preocupação com uma capital normal para a cidade dos megaeventos é determinados setores em detrimento de outros. Não quer parte inerente ao processo. a minha é uma delas” dizer que seja necessariamente bom ou ruim, mas são Legado, aliás, é algo perigoso de se estimar. Afinal, Dominique Melo
na cidade. No Centro, muitos cortiços – principal tipo de moradia da população pobre na época – foram derrubados para dar início à revitalização. Nesse período, inúmeros moradores receberam ordens de despejo e seus lares foram postos abaixo para a construção de avenidas, praças e novos edifícios. Como a Lei da Desapropriação foi criada apenas no ano de 1962, no mandato de João Goulart, os cidadãos cariocas da época de Passos não tiveram outra opção a não ser ocupar os morros e a periferia da cidade. Cem anos depois das intervenções do governante que transformou a “Cidade da Morte” em “Cidade Maravilhosa”, outra obra “revolucionou” o cenário do Rio de Janeiro. A Linha Amarela, projeto do arquiteto grego Constantínos Apóstolos Doxiádis, a pedido do governador do extinto estado da Guanabara, Carlos Lacerda, ligou a Barra da Tijuca à Avenida Brasil, cortando, em seu trajeto, diversos bairros e desapropriando 2.200 famílias. Na época da construção, o então prefeito César Maia – o corredor foi inaugurado pelo sucessor Luís Paulo Conde – disse, em vídeo promocional, que a obra era um “vetor salvador do sistema rodoviário da cidade”. A declaração do político reforça a Lei 4.132, de 10 de setembro de 1962, que destaca em seu Artigo Primeiro: “A desapropriação por interesse social será decretada para promover a justa distribuição da propriedade ou condicionar o seu uso ao bem estar social”. Ao trazer este trecho da legislação, e voltando à realidade atual, muitas perguntas devem ser feitas. Será que no Rio de Janeiro de hoje há uma justa distribuição de propriedade? Será que todas essas obras que estão movimentando a cidade serão para o bem estar social? Há outras possibilidades, para que histórias de famílias como a Melo, de Jardim Sulacap, e a de milhares de outras sejam preservadas? Essas respostas só virão com o tempo, mas é preciso estar atento para que não haja excessos de nenhuma das partes envolvidas nas desapropriações. Porque truculência só gera mais truculência.
visíveis algumas semelhanças entre a administração da Olimpíada e a do prefeito que visava transformar a cidade em uma capital européia. À beira de grandes eventos que irão movimentar a cidade, é mais do que natural que haja mudanças nas características arquitetônicas da cidade. Adaptações, remodelações, construções são inevitáveis para cumprir uma série de exigências impostas pelos tempos, pela natureza metropolitana da cidade. A polêmica do elevado da Perimetral é um enfoque dentro de muitos possíveis, já que levanta tantas polêmicas quanto a derrubada dos cortiços, que ocorreu em 1904 e também virou matéria de discussões intermináveis dentro do comando carioca. São movimentos que se impõem em um espaço tão badalado, onde praticamente tudo ocorreu primeiro no país. À época, a capital, hoje, centro olímpico, cidade mais bonita do mundo. Pereira Passos, no início do século passado, chegou marcando terreno, tentando e conseguindo repaginar a Capital Fluminense. Na busca
política é sempre tema de contestação. Por exemplo, há quem seja a favor, há quem seja contra a derrubada do elevado da Perimetral. Fato é que, assim como os cortiços e o Morro do Castelo, ele também virá abaixo. Afinal, encontram-se avançadas as obras da via binária e do túnel da Saúde. A discussão está presente no tema do desaparecimento do elevado pela verba movimentada para a realização do processo. São valores que giram em torno de 1 bilhão de reais. Mas são poucos os favoráveis ao elevado. Quem poderia se manifestar contrariamente era o Instituto do Patrimônio Histórico Nacional (Iphan), mas, segundo consta nos arquivos de tombamento do instituto responsável por gerir o patrimônio público, o elevado não é tomado. A função primária do Iphan, criado na década de 30, era justamente proteger este patrimônio dos desmandos do poder. E até hoje tem esta atribuição. Foi talvez uma das mudanças mais importantes da história do Rio, no que tange a arquitetura e a manutenção dos monumentos
Canteiro de obras da Transcarioca em Curicica, Jacarepaguá
Fotos: Rodrigo Martins
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Maravilha de Cenário Fotos: Rodrigo Martins
Terminal Alvorada receberá fluxo das três novas vias expressas da cidade. A especialista do Instituto, Ana Lúcia de Sá, conta que a instituição é responsável por manter de pé algumas construções históricas. Mas ele só não basta. Afinal, movimentos políticos e de interesses pessoais são sempre superiores, ainda mais se tratando de um órgão governamental. “Nós gerenciamos algumas situações, mas temos pouco a fazer quando o governo está determinado”. Apesar da função do instituto ser bastante interessante na preservação da história, ações políticas que destroem as memórias sempre fizeram parte da vida da realidade carioca. A última polêmica gerenciada e perdida pelo Iphan foi a derrubada da marquise do Maracanã, que era tombada. Tombamentos, aliás, são temas de polêmicas na cidade há anos. Até a década de 70, existia no fim da Avenida Rio Branco, o Palácio Monroe, que tem uma das histórias mais interessantes da construção civil nacional. Ele foi criado para ser desmontável, sendo parte de uma competição do ramo de engenharia e arquitetura nos Estados Unidos, no início do século. Não só foi o vencedor, como cumpriu a exigência do regulamento. Foi montado na Capital Federal e passou a ser a sede do Senado. Durante o Estado Novo, de Getúlio Vargas, esteve fechado. Após a mudança da capital para Brasília, passou a ter sua existência contestada e, numa manobra política, que passou por cima, inclusive, do Iphan, foi demolido, sob o argumento de atrapalhar o trânsito local, além de prejudicar a vista ao monumento em homenagem aos Pracinhas da Segunda Guerra. Segundo Adriano Valério, historiador formado pela Universidade
Federal do Rio de Janeiro, o Palácio era alvo de brigas políticas e sua derrubada foi decisão totalmente política, já que o Metro Rio já tinha conseguido uma alternativa. “Os desmandos da época da ditadura deixaram marcas até os dias de hoje”. Todas as lembranças e remontagens históricas dão conta de que tais fatos nada mais são do que um movimento cíclico inerente à natureza já observada na vida carioca. “Discussões sobre o que cai e o que fica de pé sempre vão existir. O bom senso, entretanto, deve ser respeitado”, analisa o jovem historiador. Discussões públicas são bem vindas, não é interessante ir de encontro à vontade da maioria, mesmo que isso seja uma prática da política carioca e nacional. Sempre existiram espaços para mudança, sendo importante mensurar o real valor social que cada situação guarda. Observadas todas estas nuances, vale lembrar que nenhum estado brasileiro teve tantas mudanças e implementações na arquitetura como o Rio. O carioca e sua pegada vanguardista dão o tom aos brasileiros, motivam o avanço da nação, além de pequenas revoluções sociais. Desde os tempos de Dom Pedro II já se respeita essa vocação. Por Pereira Passos, a cidade ganhou brilho, ares de Europa. Na sequência histórica, passou de reprodução de Paris a uma remontagem norte americana, sempre sob influência política. A cidade, na figura do povo carioca, soube, ao longo dos anos e muitas modificações em suas estruturas físicas, agir para continuar bela e, mesmo com tantas mudanças comportamentais, tem sua identidade formada há anos.
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O bairro de São Cristóvão guarda uma destas identidades. Com status de ter sido um Bairro Imperial, até hoje reserva aos seus moradores algumas antiguidades importantes da época, que ajudam a remontar um pouco daqueles dias. O designer Thiago Beirão, reside no bairro desde seu nascimento e revela que sua casa já tem mais de 90 anos de existência. “Minha casa está bem conservada, apesar do tempo, mas tem algumas que, Deus do céu, estão em pé ninguém sabe como”, revela o jovem. Tijuca: palco dos megaeventos e algumas polêmicas Prova de que nem tudo é motivo para alegria no bairro, na Rua São Luiz Gonzaga, na altura da antiga fábrica de tecidos, a Hermes, acaba de ser demolida uma construção que, segundo o Corpo de Bombeiros, tem mais de cem anos. Após pegar fogo e matar uma idosa de 85 anos, a casa foi abandonada e seu fim veio por meio de máquinas da prefeitura, que estão ativamente pela área e no bairro vizinho a São Cristóvão. A Tijuca também apresenta aspectos interessantes em sua arquitetura e uma história relevante. Para os megaeventos que irão acontecer na cidade, ela será protagonista. Afinal, o velho Estádio do Maracanã “reside” no local. As obras que já estão em fase de conclusão chegam agora ao entorno. A Rua Mata Machado ganhou novas calçadas e a Avenida Maracanã perde a antiga rua que servia de passagem dos ônibus em frente ao estádio. A previsão é que sejam instaladas novas ciclovias que liguem o bairro ao Centro do Rio. Faz parte da natureza administrativa da cidade construir e por abaixo. Sempre se viveu com essas discussões. O embate da vez é a retirada do Museu do Índio. Para Flávia Fonte, moradora do bairro, é uma afronta tentarem remover construções antigas. “Deixam o prédio chegar nesse estado e agora vão derrubar. É uma profunda falta de responsabilidade com a história”, conta a inconformada jovem. A discussão sobre o entorno do estádio que sediará a final da Copa do Mundo de 2014 vai além. Estão ameaçados de demolição o Estádio de Atletismo Célio de Barros e o Parque Aquático Júlio Belamare. Para o advogado e atleta Diogo Rodrigues, quem quer ser potência olímpica não pode se dar ao luxo de retirar espaços para a prática do esporte. “É um tiro no pé”, afirma o jovem sobre a intenção do Governo do estado de retirar as antigas construções que fazem parte do parque esportivo. Com tantas histórias é possível determinar alguém com razão? A própria história não deixa clara a posição de alguns políticos e entusiastas que formaram este Rio que todos conhecem. Como exemplo, pode-se citar o Elevado Paulo de Frontin. Será que alguém perguntou a opinião dos moradores dos prédios vizinhos se era da vontade deles que se instalasse um viaduto que modificou para sempre a rotina do local? A evolução tem um preço e os cariocas estão sempre pagando por isso. Mas a cidade parece sempre se renovar a cada demolição.
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O RIO DAS OLIMPÍADAS
Juliana Frazão Há alguns anos, o Brasil vem chamando a atenção do mundo. Aos poucos, a nação foi ganhando espaço e visibilidade, até que grandes eventos de caráter esportivo encontraram seu palco aqui. Primeiro a Copa, depois as Olimpíadas. Esse é um fenômeno novo para os brasileiros e também para os estrangeiros. Como o país do Carnaval foi considerado capaz de sediar eventos que exigem segurança, estrutura física e tanto dinheiro? Trata-se de um reposicionamento de um novo Brasil. Reposicionamento esse esperado também na área esportiva em si, tendo em vista o desempenho dos atletas brasileiros nas últimas Olimpíadas de Londres. Sem dúvida, é um momento de crescimento para o país. Se tudo correrá às mil maravilhas, ninguém pode saber, mas é preciso ressaltar que, a despeito das críticas, o Brasil hoje é destaque. E, apesar da resistência da própria população, é possível mostrar que a eleição da “pátria amada”, representada por sua cidade mais famosa internacionalmente, para ser sede das Olimpíadas não foi à toa. Na verdade, foi bem intencional. Existe uma ânsia de mostrar que o brasileiro não perdeu sua essência, mas que as organizações política e econômica mudaram e para melhor. Os Jogos Olímpicos vieram como consequência desse desejo. A candidatura para receber as Olimpíadas foi fruto do desejo do Comitê Olímpico Brasileiro (COB) de deixar um legado de desenvolvimento para a Cidade
Maravilhosa. O primeiro passo foi entrar na disputa para garantir o Pan de 2007, que serviria como uma prova de que a nação seria capaz de receber o maior evento esportivo da Terra. Antes mesmo dos jogos na América, em 2004, porém, a proposta brasileira para receber as Olimpíadas já havia sido declinada. A cena se repetiu em 2012, quando a Inglaterra levou a melhor. Mas o time verde e amarelo não entregou o ouro e persistiu até o momento em que a sessão do Comitê Olímpico Internacional declarou a nossa “terra de Santa Cruz” como cenário dos jogos posteriores, em 2016. Por outro lado, para que o prefeito Eduardo Paes e o então presidente, Luís Inácio Lula da Silva, pudessem gritar o engasgado “É a nossa vez!”, R$ 90.049.434, 68 tiveram que ser gastos, no total, para a candidatura da cidade. Quanto aos gastos para a realização do evento propriamente dito, o COB revelou que R$ 5,6 bilhões serão necessários. O Comitê Organizador Rio 2016, criado para planejar os Jogos, anunciou que a meta é reunir capital a partir de iniciativas privadas. A instituição ainda afirma, em declarações oficiais publicadas em seus veículos digitais, que, se no fim das competições, algum lucro for gerado, os valores deverão ser divididos entre o COB (20% do valor), o COI (20%) e projetos visando a fomentação do esporte no país (60%). Toda essa movimentação, porém, só foi possível devido ao favorável momento histórico pelo qual o
Tiro com arco no Club Municipal
Foto: Lucas Portacio
Brasil está passando. A presença de uma mulher na presidência elevou a nação a um destaque no plano internacional, fortalecendo o papel político ativo do país. De acordo com a historiadora Adriana Trindade, coordenadora de projetos educacionais na Fundação Roberto Marinho, outra questão que pode ter sido decisiva foi o fato de a América Latina nunca ter sediado uma edição dos jogos. A professora só lamenta o fato de a cidade não ter condições estruturais ideais para receber tantas pessoas. “O problema não são os espaços físicos, mas o dia a dia, o trânsito e a falta de recursos humanos”. Em relação ao legado que os Jogos podem deixar, Adriana acredita que o efeito será mais simbólico e afetivo do que social. Apesar de empregos serem gerados, a maioria é de cargos temporários e, por essa razão, poucos aspectos, segundo ela, mudarão na vida do carioca. O que já existe é um orgulho coletivo da sociedade pela chance de sediar as Olimpíadas. Os cidadãos estão se sentindo ilustres e contam os dias para receber pessoas do mundo inteiro e torcer pelos desportistas brasileiros. “O povo está com uma autoestima valorizada, sem dúvida”. Quem também aguarda com alegria as Olimpíadas são as estrelas principais: os competidores. Confederações de todas as modalidades estão recebendo mais investimentos privados e federais para que treinadores e atletas tenham boas condições preparatórias. Não é o ideal, mas já é mais do que em qualquer época. Uma forma de arrecadação é a partir dos lucros de todas as loterias do país. De toda a quantia atingida por elas, 2% do valor é encaminhado para a área esportiva brasileira olímpica e paralímpica. O incentivo gera confiabilidade, mas também aumenta a responsabilidade de quem pretende disputar em alguma categoria durante o evento, de acordo com o coordenador de projetos e processos do COB, Ricardo Pantoja. Além de trabalhar no escritório, Ricardo também é atleta. Especialista em tiro com arco, ele comenta que, apesar da paixão, não pensa ainda em competir em 2016. Após ficar 11 anos sem praticar o esporte, pretende agora em recuperar o ritmo. “Eu estarei nas Olimpíadas, como coordenador ou como atleta. De qualquer forma, é uma pressão para mim e para todos os meus colegas, que estão vendo a confiança depositada em cada modalidade”. Em meio a tantas novidades, a própria população começa a reagir timidamente e a expor suas impressões. Rosa Maranhão, 46 anos, é dona de casa e mora no famoso prédio “Balança Mas Não Cai”, na Central, Rio de Janeiro. A paraense por registro e carioca de coração
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está na cidade há mais de 20 anos e espera ansiosamente pela chegada da festa olímpica. Para ela, grandes eventos trazem repercussões mundiais e, consequentemente, benefícios. “Haverá muitas mudanças na vida do carioca sim, mas espero que haja retorno do dinheiro investido e que ele vá para saúde, educação e segurança”. Mas há também quem diga que todo dinheiro gasto para a realização do evento terá sido em vão. Quem compartilha dessa opinião é o designer gráfico Eric Parrot, 29 anos. Para ele, “após as Olimpíadas e a Copa, Rio e Brasil ficarão cheios de elefantes brancos de estádios e afins, como aconteceu na África do Sul”. Apesar disso, o plano é que, depois dos Jogos, alguns espaços possam ser reaproveitados pelos cidadãos. Outros locais serão apenas erguidos para o evento e, então, vão ser desmontados. De acordo com o portal Transparência, do Governo Federal, as disputas acontecerão em quatro zonas: Copacabana, Maracanã, Deodoro e Barra. Serão 34 instalações espalhadas por essas áreas, algumas das quais construídas para o Pan Rio 2007. Várias partes do Rio de Janeiro já estão tomadas por andaimes, cimento e muitos operários, para que essas instalações saiam da planta. Para a construção da nova sede do COB, que ficará na Cidade Nova, cerca de trezentos homens foram convocados. Outra grande estrutura é o Parque Olímpico, na Barra da Tijuca. O trabalho consiste basicamente em reutilizar o espaço, que antes era ocupado pelo Autódromo Nelson Piquet. Mas, embora os serviços visem melhorias para os Jogos, moradores e pessoas que trabalham na região não estão satisfeitos com a situação. Raphaela Soares, 25 anos, é advogada e desempenha a função em um escritório no bairro. Segundo ela, todos os dias há engarrafamentos e não existe um esquema que comporte o fluxo intenso. “Eu agora só saio de casa depois das 10h e só deixo a Barra depois das 20h”.
Modalidades estão recebendo mais investimentos privados e federais para que treinadores e atletas tenham boas condições preparatórias
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Foto: Christophe Libert (stock.xchng)
Atletismo nas Olímpíadas de Londres Além da preocupação com os valores que foram e ainda serão gastos, há pessoas que temem que essas Olimpíadas sejam prejudicadas pela violência no Rio de Janeiro. Apesar da implantação das UPPs, há quem ache que a cidade não teria estrutura nem controle sobre todos os pontos de atividades. E o fracasso na segurança poderia significar o fim dos sonhos brasileiros de promover uma das melhores edições das competições. Para que isso não aconteça, o Subsecretário Extraordinário de Segurança para Grandes Eventos, Roberto Alzir, já anunciou a evolução das obras do Centro Integrado de Comando e Controle. O complexo está sendo construído próximo à Praça da Apoteose e será testado na Jornada Mundial da Juventude, evento que acontecerá em julho deste ano. É interessante também recordar que, na Conferência Internacional Rio+20, realizada em 2012, 72% dos integrantes de delegações e jornalistas estrangeiros classificaram a segurança na cidade como muito boa e boa, em pesquisa realizada pela Embratur. O evento também não registrou qualquer incidente grave. A Assessoria de Comunicação da Secretaria de Segurança do Rio de Janeiro ainda lembra que o órgão é responsável, nos Jogos Olímpicos, pelas ações de segurança nos trajetos, locais de hospedagens, eventos e pontos turísticos, além do restante da cidade, em coordenação com outras instituições federais e municipais. Todas essas forças têm implantado um conjunto de investimentos e ações no sentido de qualificar a prestação de serviços ao cidadão, proporcionando um ambiente seguro para a realização das Olimpíadas. De fato, problemas serão encontrados no longo caminho que conduz até 2016, mas, no geral, existe um clima de expectativa pela Tocha Olímpica e tudo que ela significa. As Olimpíadas serão uma oportunidade única de testemunhar momentos históricos que serão lembrados por décadas. Basta pensar no urso Misha chorando em Moscou, ou na suíça Gabrielle Andersen chegando por último e com dores, na maratona olímpica
de 84. Muitos fatores estão envolvidos, mas a pátria amada recebeu uma oportunidade dada apenas a países considerados capazes. O passado brasileiro pode não ser dos melhores, mas o futuro guarda um novo tempo para o país.
É ouro, é prata, é bronze
Na última edição das Olimpíadas em Londres, o Brasil superou seu histórico e terminou os jogos com 17 medalhas, sendo 3 de ouro, 5 de prata e 9 de bronze. O COB criou um plano estratégico para a motivação de atletas brasileiros em 2016. Desde a estrutura operacional até a escolha minuciosa de treinadores, tudo está sendo reorganizado para o melhor aproveitamento possível das equipes. Ricardo Pantoja revela que a meta é que o Brasil fique entre os 10 primeiros colocados no ranking.
Medalhas brasileiras em Londres Relembre as modalidades que trouxeram orgulho à nação.
• Ouro Ginástica artística masculina, judô feminino e vôlei feminino. • Prata Boxe masculino, futebol profissional, natação masculina, vôlei masculino, vôlei de praia masculino.
• Bronze Boxe feminino, judô masculino, judô feminino, natação masculina, pentatlo moderno feminino, vela masculino, vôlei de praia feminino.
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EVENTOS ESPORTIVOS VALORIZAM IMÓVEIS Bárbara Porto Coêlho Foto: Shana Reis
O novo Maracanã No campo do esporte, o Rio de Janeiro está mesmo com tudo. Não bastasse sediar a Copa do Mundo em 2014 e Olimpíadas em 2016, a cidade será ainda uma das sedes da Copa das Confederações, da qual participam as seleções vencedoras dos torneios mais importantes do mundo: Copa do Mundo, Nações Africanas, Copa Ouro, Copa América, Copa da Ásia, Eurocopa, Copa das Nações da Oceania e país anfitrião, perfazendo um total de oito países. Mas a profusão de eventos esportivos por aqui está provocando também um fenômeno imobiliário: os apartamentos, casas e lojas próximas ao estádio do Maracanã e aos espaços onde acontecerão jogos olímpicos estão supervalorizados. Para Silvana Pereira, moradora da Rua São Francisco Xavier, esta supervalorização dos imóveis favorece os proprietários: ”Por um lado isto é bom, mas na hora da compra é complicado. Moro aqui há mais de 25 anos e nunca vi meu apartamento tão valorizado. Bom para quem quer vender. Contamos também com uma segurança melhor, que ultimamente vem nos possibilitando o direito de ir e vir sem grandes preocupações, mas ainda
observamos um grande número de moradores de rua”, comenta Renato Borges, um dos consultores de imóvel da PDG, na Rua Mariz e Barros, afirma que a valorização dos imóveis está diretamente atrelada à estruturação da cidade. “O país, e o Rio, claro, terá ainda maior visibilidade, por intermédio de milhares de visitas e da publicidade de todos os gêneros. Em meio a estes indicativos, ainda apresentamos um país que sobrevive à crise mundial, o que gera maior segurança no que toca ao investimento no segmento imobiliário”, ressalta ele. O Brasil vivencia um cenário econômico que impulsiona a valorização dos imóveis. Durante anos, a participação de crédito imobiliário no país era tímida, o que reprimia as transações imobiliárias. Mas, em função de novas políticas no setor, brasileiros de classe menos favorecida estão realizando o sonho da casa própria. Outro fator relevante é o crescimento econômico do País, em termos gerais, que se reflete na diminuição da taxa de analfabetismo, na maior geração de empregos e no desenvolvimento em vários setores. Neste contexto surgem a Copa e as
Olimpíadas, formando este notório aquecimento no setor imobiliário. “Neste cenário, estima-se que não somente o Rio de Janeiro, mas muitas outras cidades disporão de imóveis com valores significativamente mais elevados, apesar de alguns freios, atuais, no gráfico de valorização”. No Rio, as obras do estádio mais famoso do país seguem a todo vapor. ”Estamos certos que daqui para frente nosso país, nosso Estado, será visto como nunca antes. Fomos agraciados por ter eventos tão importantes aqui. Trabalhar com o barulho e ver o quanto a obra está avançando me faz querer cada dia que passa trabalhar para ver o fim desta magnitude. Geralmente trabalhamos muito para o povo, querendo fornecer esportes, mas sem o Maracanã nada acontece. Ele pode estar fechado que mesmo assim é noticia. Queremos que o Estádio reabra o mais breve possível, os cariocas vão se surpreender como ele ficará”, afirma Rogério Alves Faria, que trabalha na Assessoria de imprensa de Esporte e Lazer do Maracanã. A Seleção Brasileira já tem amistoso marcado para 2 de junho deste ano. E não será um jogo comum: jogará contra a veterana Inglaterra. Apesar da confirmação do amistoso, não foi divulgado se o confronto entre brasileiros e ingleses marcará a primeira partida do novo Maracanã. É possível que o estádio receba outros jogos antes e, por isso, ainda não se sabe quais times se enfrentarão na reabertura. Esta seria uma ótima novidade, porém o governador Sérgio Cabral ainda não sabe se conseguirá entregar o estádio a tempo, afinal, a prioridade é da Fifa. As obras seriam entregues à Fifa até o dia 27 de Maio. “Este será um grande desafio, para dar tempo de começarmos as novas apresentações ao público do novo estádio que sediará os eventos mais importantes daqui para frente”, finaliza Rogério Faria.
”Por um lado isto é bom, mas na hora da compra é complicado. Moro aqui há mais de 25 anos e nunca vi meu apartamento tão valorizado. Bom para quem quer vender” Silvana Pereira
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O RIO COMO PALCO DA ARTE, O TEMPO TODO, EM TODA PARTE
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Multidões lotam exposições no Brasil e põem o país no circuito internacional da arte Francisco C. R. Souza As filas dão voltas e mais voltas. São horas em pé e muita disposição para esperar a vez. A cena, comum entre os fãs de música em busca do melhor lugar no show, tornou-se comum no universo das artes plásticas. Desde o início dos anos 2000, o Brasil tem recebido exposições de arte relevantes e populares. Da mesma forma que os aficionados por mega-shows de rock e pop, os adeptos de artes plásticas fazem fila e lotam museus e espaços de exposição nas principais capitais brasileiras. E o Rio vem se destacando neste cenário e se firmando como espaço privilegiado da arte. A oferta, a variedade e a qualidade das atrações ganharam consistência e têm transformado os hábitos de consumo cultural. Filas gigantescas marcaram as exibições da mostra Impressionismo: Paris e a modernidade, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB) tanto de São Paulo quanto do Rio de Janeiro. Os números são tão altos que projetam o Brasil entre
os maiores promotores de arte do mundo. A revista inglesa The Art Newspaper destacou, em abril de 2012, três exposições brasileiras realizadas no CCBB do Rio de Janeiro entre as 20 de maior média diária de público em 2011. Em primeiro lugar entre todas as exposições no planeta está O mundo mágico de Escher, com obras do pintor holandês M.C. Escher. Só no Rio de Janeiro, ela atraiu 573 mil espectadores. A mostra da japonesa Mariko Mori, Oneness, obteve o sétimo lugar, com um público de 538 mil. A exposição da artista performática americana Laurie Anderson arrebanhou 535 mil fãs. O Rio de Janeiro é comparável, pelo menos em audiência de arte, a Tóquio, Nova York, Shangai ou Paris. Entre os museus de arte mais visitados do mundo no ano passado, o primeiro lugar é do Louvre (8,8 milhões de visitantes). O CCBB do Rio (2,8 milhões) ocupa o 18º lugar, seguido pelos CCBBs de Brasília e São Paulo, com público de cerca de 1 milhão cada um.
Awilda - Enseada de Botafogo
Foto: Francisco Souza
Esse sucesso permite que os curadores e gestores de museus do Brasil preparem para 2013 mais uma temporada surpreendente. Entre as mostras previstas estão as do pintor britânico Lucian Freud (1922-2011) no Masp; a mostra Elles Pompidou, com obras de 75 artistas dos séculos XX e XXI, pertencentes ao Centre Pompidou de Paris, no CCBB Brasília; e Paisagem – Coleção Tate Gallery, com telas feitas entre os séculos XVIII e o XX, na Pinacoteca de São Paulo. O público brasileiro ganhou relevância, chegando a ser comparado ao europeu, e encontra-se no circuito mundial por possuir um enorme potencial de recepção de acervos importantes. Apesar do otimismo, muitos profissionais da área afirmam que ainda resta muito a realizar e a aprender para o Brasil consolidar a posição conquistada. Mas, ao que parece, não apenas os artistas, mas principalmente as grandes empresas estão dispostas a consolidar o Brasil nessa posição. Empresas como Petrobrás, Banco do Brasil, BNDES, Bradesco e ELETROBRÁS estão entre as principais patrocinadoras de feiras, mostras ou eventos com foco na arte. Alguns desses eventos vêm ganhando notoriedade. A ArtRio – Feira Internacional de Arte Moderna e Contemporânea é um desses exemplos. Evento que ocorreu entre os dias 12 e 16 de setembro de 2012, ocupou 7.500 metros quadrados, divididos entre quatro galpões do Píer Mauá, e contabilizou aproximadamente 54 mil visitantes. Estima-se que a feira totalizou 150 milhões em vendas, mas o número não foi divulgado. Segundo a organização, a medida foi tomada por conta das galerias internacionais, que não queriam revelar o quanto arrecadaram. O que se sabe ao certo é que os números só cresceram nesta segunda edição da feira. Se, na primeira edição, a ArtRio contou com 83 galerias, recebeu público de 46 mil pessoas e movimentou cerca de R$ 120 milhões, em 2012, os números foram maiores e mais arrojados, resultado que supera com folga as estimativas dos organizadores. Realizada pelos sócios Brenda Valansi, Elisangela Valadares, Alexandre Accioly, Luiz Calaino e com patrocínio do Bradesco, TIM e prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, a ArtRio puxou a semana de inaugurações nas galerias cariocas ao ar livre do projeto OiR – Outras ideias para o Rio -, que inaugurou fora das instalações das instituições seis grandes obras de arte pública de artistas internacionais. Uma dessas obras, que conquistou os cariocas, foi
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Museu de Arte do Rio a grande cabeça de “Awilda”, instalada na Enseada de Botafogo. A escultura do catalão Jaume Plensa ganhou destaque não apenas por seus 12 metros de altura, mas principalmente por sua disposição junto a um dos principais cenários turísticos do Rio, o Pão de Açúcar. Essa relação entre arte e paisagem forma um casamento mais que perfeito na cidade maravilhosa. Os cariocas, acostumados às belezas naturais, são receptivos a todos os tipos de obra de arte, seja ela urbana ou mais elitizada. Muros, portões, tampa de bueiros ou hidrantes viram telas para os artistas, mas todos buscam os grandes museus e galerias. O Rio vem mesmo investindo de forma pesada na cultura e na arte. Grandes obras vêm ganhando espaço, no intuito de modernizar as atuais galerias e oferecer novas instalações, além da construção de importantes novos museus. Projetos ambiciosos e arrojados já estão prontos, exemplo do Museu de Arte do Rio (MAR), ou em fase de construção, como a nova sede do MIS - Museu da Imagem e do Som. O Museu de Arte do Rio (MAR) pretende promover uma leitura transversal da história da cidade, seu tecido social, sua vida simbólica, seus conflitos, contradições, desafios e expectativas sociais. Suas exposições vão unir dimensões históricas e contemporâneas da arte por meio de mostras de longa e curta duração, de âmbito nacional e internacional. O museu surge também com a missão de inscrever a arte no ensino público, por meio da Escola do Olhar.
O MAR ocupa dois edifícios vizinhos que foram erguidos na Praça Mauá na primeira metade do século XX. O Palacete Dom João VI, tombado, em estilo eclético, e o prédio modernista que um dia abrigou o hospital da Polícia Civil. Seguindo o projeto dos arquitetos Thiago Bernardes, Paulo Jacobsen e Bernardo Jacobsen, o palacete será recheado com exposições, e o antigo hospital será ocupado com projetos pedagógicos da futura Escola do Olhar – que envolve alunos dos ensinos médio e fundamental da rede pública do Rio em pesquisas sobre arte. O projeto arquitetônico do MAR é do escritório carioca Bernardes + Jacobsen. O complexo do museu engloba 15 mil metros quadrados e inclui oito salas de exposições e cerca de quatro mil metros quadrados, divididos em quatro andares; a Escola do Olhar e
O Rio de Janeiro é comparável [...] a Tóquio, Nova York, Shangai ou Paris
áreas de apoio técnico e de recepção, além de serviços ao público. Os dois prédios que formam a instituição são unidos por meio de uma praça, uma passarela envidraçada e cobertura fluida, em forma de onda - o traço mais marcante da caligrafia dos arquitetos -, transformando-os em um conjunto harmônico. Já a nova sede do MIS - Museu da Imagem e do Som merece destaque no quesito inovação. O projeto, que teve suas obras iniciadas em janeiro de 2010, se inspira nos calçadões criados por Burle Marx e é assinado pelo escritório de arquitetura americano Diller Scofidio e Renfro, que promete o início de um novo ciclo para Copacabana e para o Estado do Rio com a chegada de um equipamento urbano de nível internacional, voltado para a cultura, a educação, o lazer e o turismo qualificado. O museu é um espaço de celebração da cultura carioca, que ajuda a formar a própria identidade brasileira. Este museu reunirá o que a cidade e seus moradores fazem e fizeram de melhor em música, cinema, teatro, dança, festa, arte, TV, fotografia, que encantam o Brasil e o mundo. Será um espaço para festejar a criatividade do Rio e de sua gente. Os brasileiros, amantes da arte ou não, de fato, têm muito a comemorar. O incentivo à cultura, por si só, já merece ser festejado. O Rio de Janeiro está em um momento de ascensão aos olhos do mundo e a visibilidade que a cidade maravilhosa conseguiu na última década apenas aponta para o que ainda pode ser alcançado. É apostar para ganhar.
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A ARTE QUE VEM PELA ESTRADA “RIO-BAHIA”
Maravilha de Cenário Foto: Guilherme Kanno
Guilherme Kanno “O Rio de Janeiro de Ogum/é filho da Bahia de Oxum/e Rio-Bahia é mais que duas terras/ ou uma estrada asfaltada/é poesia de Vinícius de Morais e Castro Alves/contracenando com a de Carlos Dummond, de Minas Gerais”. A poesia de Luiz Galvão, compositor dos Novos Baianos, grupo musical da década 70, desenha a fusão física e espiritual entre essas duas terras e ilustra a aproximação artística entre o Nordeste e o Sudeste. E pela estrada “Rio-Bahia” já passaram Gilberto Gil, Raul Seixas, Caetano Veloso, Maria Bethânia, Novos Baianos, Gal Costa, Alceu Valença, Zé Ramalho, Geraldo Azevedo, Tom Zé, Torquato Neto, Ferreira Gullar, João Cabral de Melo Neto, Jorge Amado, Glauber Rocha, João Gilberto, entre tantos outros nomes ilustres ou anônimos do Nordeste. Uma pesquisa divulgada em outubro de 2012 pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) mostra que 9,5 milhões de nordestinos migrantes são uma maioria representada por 53% de pessoas entre os 17,8 milhões de habitantes que residem em uma região diferente da que nasceram, sendo 66% no Sudeste. A trajetória da prosperidade do Sudeste e, como consequência, a transformação da região em um pólo de convergência atrativa para a população dos outros Estados brasileiros, principalmente do Nordeste, começa na época da colonização portuguesa. O Sudeste teve seu crescimento econômico com a chegada dos jesuítas portugueses em 1532, quando fundaram a vila São Vicente, para apoiar a produção de cana de açúcar. Com o começo das expedições dos Bandeirantes em 1602, que saiam de São Paulo à procura de riquezas pelo interior do Brasil. O crescimento econômico do Sudeste foi ainda mais intenso e facilitado quando os bandeirantes acharam mão de obra gratuita, escravizando os índios que encontravam. Em seguida, vem o ciclo do ouro e, com a decadência da cana de açúcar no Nordeste, a atenção da Coroa Portuguesa se voltou para o Sudeste. O clímax do ouro aconteceu entre 1750 e 1770, e isso fez com que o deslocamento do eixo econômico do país fosse permutado do litoral para o interior, ocasionando a transferência da capital do país de Salvador para o Rio de Janeiro. O crescimento da economia no Sudeste não foi complicado. Quando os portugueses chegaram, já estava tudo pronto: terra para o plantio, minas de ouro e índios para escravizar. Eles só tiveram o
Luiz Galvão trabalho de trazer mais negros, pois alguns índios se recusavam a ser escravizados e eram mortos. Em 1808, com a chegada da família real portuguesa no Rio de Janeiro, o crescimento econômico e social do Sudeste foi ainda mais intenso e, desde então, é a maior de todas as regiões do Brasil, empregando 70% do operariado brasileiro e consumindo 85% da energia total do país. Hoje, é o Estado que tem a mais elevada concentração de renda, pessoas e da mídia brasileira. No município do Rio de Janeiro, a população nordestina é tão grande que a cidade tem o Centro Luiz Gonzaga de Tradições Nordestinas, localizado no bairro de São Cristóvão, e conta com 700 barracas fixas que trazem culinária típica, artesanato, música, dança, cantores e poetas populares e literatura de cordel. A feira é frequentada por cerca de 60 mil visitantes no fim de semana, fica localizada na Rua Campo de São Cristóvão s/n, Pavilhão de São Cristóvão e cobra um taxa de R$ 3 de entrada.
A estrada midiática “Rio-Bahia”
“As coisas aconteciam no Rio, eu morava no interior da Bahia e era agrônomo. Eu cheguei em Salvador, mas passei pouco tempo, porque a necessidade de acontecer tinha que se realizar indo ao Rio. Não adiantava nada
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acontecer na Bahia, pois nós ficaríamos aqui.” Os dizeres de Luiz Galvão expressam o alento que todos os novos baianos da década 70 precisavam para conseguir um palco e um microfone sob o Corcovado, a benção do Redentor e os aplausos do júri popular carioca. Só assim era possível começar. A convergência midiática concentrada no território carioca é uma decorrência do início da criação da imprensa no Brasil. O Rio sai na frente com a chegada da família real portuguesa em 1808, que se instalou aqui nas terras da Guanabara, uma baia que foi confundida com a foz de um grande rio pela expedição exploradora portuguesa em Janeiro de 1502, a isso se devendo a origem do nome atual da cidade. O Rio de Janeiro torna-se o berço oficial da imprensa brasileira com a criação da Impressão Régia em 13 de maio de 1808, a qual deu origem ao primeiro jornal publicado em território nacional, a Gazeta do Rio de Janeiro fundada em 10 de setembro do mesmo ano. Mas esse não é e nem poderia ser o único fator para explicar a atual convergência midiática para o Rio, pois a Gazeta saiu de circulação com a Proclamação da Independência no país em 1822, data oficialmente comemorada no dia 7 de Setembro. Ter abrigado a casa da corte portuguesa e ter sido a capital do império também foram fatores iniciais que ajudaram a contribuir na prosperidade do Rio dos dias atuais, cidade que hoje é responsável pela crescente popularidade do país mundo afora, como mostra uma pesquisa do Serviço Mundial da BBC de Londres, segundo a qual o Rio ainda é a principal vitrine do Brasil. O estudo foi realizado em 27 países entre dezembro de 2010 e fevereiro de 2011, com 28.619 pessoas que opinaram sobre a influência de 16 nações e da União Europeia. E pela crescente popularidade do Brasil, o Rio de Janeiro é o estado brasileiro que mais contribui para a visão positiva das nações em relação ao país. “O Nordeste, por sua vez, devido a todo esse passado de exclusão midiática, de exclusão da produção de conteúdo, por falta de verbas e também de liberdade política, pois, por aqui, o coronelismo prolongou a ditadura em diversos aspectos, principalmente no setor cultural, fez com que os nordestinos desenvolvessem um complexo de inferioridade cultural. Os artistas precisam ser aplaudidos no Sudeste para, enfim, serem reconhecidos por aqui. E os artistas do Rio e SP aparecem como melhores, mais interessantes”, opina Mariella Santiago. Ela é cantora e compositora baiana, está gravando seu segundo disco “ELLA” e já cantou com Sting (The Police), Gilberto Gil, Carlinhos Brow e faz parcerias com Chico Cesar. Os baianos só começam a se vislumbrar quando Caetano Veloso, caminhando contra o vento, proclamou, em 1967, “Alegria Alegria”, e Gilberto
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Gil, ao lado dos Mutantes, anunciou, lá perto da Boca do Rio, o “Domingo no Parque”. O microfone foi da Bahia, porém o palco foi em São Paulo, no Festival da Música Popular Brasileira promovido pela Rede Record. “A Tropicália foi a redenção de uma Bahia que pertencia a outro século. A Bahia antiga de Caymmi, finalmente, conseguia visibilidade por intermédio de algo contemporâneo, algo nada folclórico. Antes disso, apenas Caymmi, que, como os outros compositores que faziam músicas para Carmem Miranda na era de Getúlio Vargas, era o único artista com visibilidade. Foi assim durante muitos e muitos anos. Os Tropicalistas, assim como os Novos Baianos, se foram daqui (Bahia)”, diz Mariella. “Todos que se mudaram para o Rio passaram por um processo de `carioqueamento`. Muitos cariocas quase sentem eles como locais”. Os dizeres da cantora são confirmados por Galvão: “Eu morei no Rio de Janeiro e, de uma certa forma, sou carioca, pois o Rio chegava em Juazeiro pelas rádios, mas as rádios de Salvador não chegavam. Então eu sou Vasco, não sou Bahia. O Rio de Janeiro tem uma influência muito grande na minha vida”. O cantor e compositor baiano Lucas Santtana é outro que acredita em novos tempos, na pluralidade dos meios de comunicação e na descentralização cultural. Ele teve seu disco “Sem Nostalgia (2009)” eleito pela revista Bravo! como um dos dez CDs fundamentais para entender a música brasileira da primeira década do século XXI, e suas músicas já tiveram interpretações da Marisa Monte, Céu e Arto Lindsay. “Eu acho que hoje em dia está muito melhor que nos anos 60, 70 e 80. Hoje, muitos artistas se projetam em suas cidades natais e só depois se deslocam para o Rio ou São Paulo para poder ampliar seu próprio mercado, o que acho normal e saudável. Alguns artistas nem precisam mais sair de sua cidade natal, caso de Ivete Sangalo e tantos outros baianos. E, recentemente, temos o caso da Gaby Amaranto. Praticamente todas as capitais hoje têm seus festivais de música. E sinceramente não vejo tanta diferença assim em tocar em Salvador ou no Rio. As condições são bem parecidas”.
“Mas acredito que a arte é poderosa, e que, como artista, me cabe encontrar a linguagem que possa comunicar para além desses obstáculos” Mariella Santiago
1° semestre de 2013 • Ano 11 • nº16 Foto: Débora Monteiro
Mariella Santiago
A informação hegemônica da mídia Mais crítica em relação a esta concentração de poder das empresas midiáticas do Sudeste é a cantora baiana Marcia Castro, que já conquistou o Braskem Cultura e Arte, o maior prêmio do cenário independente da música baiana, e acaba de lançar seu segundo CD, “Pés no Chão”, que apresenta composições de Tom Zé, Gilberto Gil, Gonzaguinha, Rita Lee, Otto e Luciano Salvador Bahia. “Acho que, pela lógica do mundo contemporâneo, a concentração da mídia se daria em algum lugar. É a lógica capitalista da concentração de muito na mão de poucos. E as proporções que isso toma no Brasil são imensas, onde quatro ou cinco grupos controlam a massa principal da comunicação do país. No Rio de Janeiro, você tem instalada uma das maiores corporações de comunicação do mundo, que é a Rede Globo. Toda concentração é perigosa, pois é excludente. Ao mesmo tempo, vemos hoje o avanço da mídia digital, que se pressupõe mais livre e que abre um campo de democratização da comunicação. Por exemplo, nós da cena musical contemporânea, nos comunicamos por essa via com o nosso público. E tem nos ajudado muito, inclusive a flertar com a grande mídia e conseguir mais espaços”. A hegemonia do poder informativo é herança da centralidade da imprensa e a crença popular mitológica se situa entre Deus e a Rede Globo. Ainda assim, é preciso encontrar um caminho entre
o labirinto capitalista e os interesses privados quando se quer chegar a um lugar. Mariella Santigo concorda: “Com a internet, a coisa deu uma mudada, mas a Globo ainda é o quarto poder no Brasil, e isso significa que a maior divulgação sempre sairá no G1, e a última palavra será a do Faustão, a do Sergio Groisman ou a do Jô Soares. A primeira barreira que um artista não carioca precisa vencer é a da estética. Digo estética visual mesmo, a estética musical até que é bem aceita, mas o sotaque, o jeito mais despachado (lento) e sem a malandragem urbanóide do carioca, sem aquela velocidade, não convence muito. A Bahia fica como cidade balneário no imaginário, nada pósmoderno se espera daqui, só canções praieiras e batuques carnavalescos, música de férias”. Agregadas a essas disparidades regionais, existem ainda outros estereótipos e preconceitos racistas, como acredita a cantora, que colocam o negro estritamente na condição de eterno produtor de samba e ritmos afins, música sem mensagem, sem poesia sofisticada. “Mas acredito que a arte é poderosa, e que, como artista, me cabe encontrar a linguagem que possa comunicar para além desses obstáculos criados pelos signos já desgastados da Bahia apenas folclórica, da axé music”. A arte tem mesmo o poder de atravessar fronteiras, reais ou imaginárias.
Museus Centro Cultural do Bando do Brasil • Rua Primeiro de Março, 66 - Centro 20010-000 / Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 3808-2020 | ccbbrio@bb.com.br • Funcionamento: de terça a domingo, das 9h às 21h. • Entrada Franca Fundação Museu da Imagem e do Som • Praça Luiz Souza Dantas (antiga Praça Rui Barbosa), 01, Praça XV, Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 2332-9068 Fax: 21 2332-9067 • Horário de Funcionamento: Segunda a SextaFeira das 11h às 17h • Entrada Franca
Museu de Arte Moderna – MAR • Praça Mauá, 5, Centro - CEP 20081-240 Rio de Janeiro - RJ Tel: 21 2203-1235 • Horário de funcionamento: de terça a domingo – 10h às 17h • Valor: Geral R$ 8,00 – Meia-entrada R$4