Consciência & Liberdade 30 (2018)

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A Influência da Liberdade Religiosa na Paz e na Segurança CONSCIÊNCIA E LIBERDADE

30 2018

CONSCIÊNCIA E

LIBERDADE 2018

A INFLUÊNCIA DA LIBERDADE RELIGIOSA NA PAZ E NA SEGURANÇA Desafios à Liberdade Religiosa, à Paz e à Segurança e a Necessidade de Coordenar os Atores do “Diálogo dos Cinco”

Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa


A INFLUÊNCIA DA LIBERDADE RELIGIOSA NA PAZ E NA SEGURANÇA



Dedicado… À memória do meu pai e da minha mãe, que sofreram na sua vida pela liberdade de consciência e pela liberdade de religião; o amor deles, a sua dedicação, o seu sacrifício e a sua sabedoria, abriram-me o “caminho” e a visão para a defesa do princípio da liberdade de consciência e de religião de todos os povos. ... E a todas as pessoas que amam a liberdade e a paz. Mote: É fácil acreditar que se é tolerante apenas pelo facto de que se é indiferente. Liviu Olteanu



Dr. Liviu Olteanu Coordenador

A INFLUÊNCIA DA LIBERDADE RELIGIOSA NA PAZ E NA SEGURANÇA

DESAFIOS À LIBERDADE RELIGIOSA, À PAZ E À SEGURANÇA E A NECESSIDADE DE COORDENAR OS ATORES DO “DIÁLOGO DOS CINCO”

Baseado na Cimeira Global das Nações Unidas em Genebra sobre “Religião, Paz e Segurança” e na Conferência Internacional de Madrid.


CONSCIÊNCIA E LIBERDADE Publicação Oficial da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa Nº 30 – Ano 2018 Nº de Contribuinte: 500 847 088 Proprietário e Editor: Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa Sede de Redação: Rua da Serra, 1, Sabugo – 2715-398 Almargem do Bispo Tel.: 219 626 207, info@aidlr.org.pt Edição em Português: Direção: António Amorim Edição: Paulo Sérgio Macedo Conselho de Redação: António Carvalho Artur Machado Maria Augusta Lopes Mário Brito Paulo Sérgio Macedo Rúben de Abreu Gabinete de Redação Rue Belliard 4-6/8º 1040 BRUXELAS Telefone: +32 (0) 250 29 842 Email: info@aidlr.org; liviu.olteanu@aidlr.org Editor: Dr. Liviu OLTEANU Editor Assistente: Mercedes FERNÁNDEZ Comité de Redação Harald MUELLER, Juiz, Doutor em Direito; Alemanha. Liviu OLTEANU, Secretário-Geral da AIDLR, Doutor em Direito; Suíça. Tiziano RIMOLDI, Deão de Faculdade, Doutor em Direito; Itália. Conselho de Especialistas Heiner BIELEFELDT, ex-Relator Especial das Nações Unidas sobre Liberdade Religiosa e Fé, Professor de Direitos Humanos na Universidade de Erlangen, Nuremberga, Alemanha – Jaime CONTRERAS, Vice-Reitor da Universidade de Alcalá de Henares, Espanha – Petru DUMITRIU, Inspetor das Nações Unidas, ex-Embaixador do Conselho Europeu


junto das Nações Unidas em Genebra, Suíça – W. Cole DURHAM, Diretor do Centro Internacional para os Estudos de Direito e Religião na Universidade Brigham Young, EUA – Silvio FERRARI, Professor de Direito e Religião na Universidade de Milão, Itália – Sofia LEMMETYINEN, Consultora independente na questão das religiões e crenças no contexto da política externa da UE, Bruxelas, Bélgica – Joaquin MANTECÓN, Professor na Universidade de Cantábria – Asher MAOZ, Professor e Deão na Faculdade de Direito do Centro Académico Shimon Peres, Rehovot, Israel – Maria José FALCÓN y TELLA, Professora na Universidade Complutense, Madrid, Espanha – Juan Antonio MARTÍNEZ MUÑOZ, Professor de Direito na Universidade Complutense, Madrid, Espanha – Javier MARTINEZ TORRON, Diretor do Departamento de Direito Eclesiástico na Universidade de Madrid, Espanha – Harald MUELLER, Juiz, Doutor em Direito, Hannover, Alemanha – Liviu OLTEANU, Secretário-Geral da AIDLR, Doutor em Direito – Harri Matias KUHALAMPI, Conselheiro MEP, Parlamento Europeu, Bruxelas – Rafael PALOMINO, Professor na Universidade Complutense, Madrid, Espanha – Tiziano RIMOLDI, Doutor em Direito, Itália – Ioan Gheorghe ROTARU, Doutor em Filosofia e Doutor em Teologia, Roménia – Jaime ROSSELL GRANADOS, Vice- Diretor no Ministério da Justiça em Espanha – Robert SEIPLE, ex-Embaixador-Geral para a Liberdade Religiosa Internacional no Departamento de Estado dos EUA, ex-Presidente do IRLA, EUA – Jose Miguel SERRANO RUIZ-CALDERON, Professor de Filosofia do Direito na Universidade Complutense de Madrid, Espanha – Rik TORFS, Reitor da Universidade Católica de Lovaina, Bélgica – Bruno VERTALLIER, PhD em Ministério Pastoral, ex-Presidente da AIDLR, Suíça. Oradores e Peritos/Colaboradores sobre Direitos Humanos e Liberdade Religiosa que participaram na Conferência Global sobre “Religião, Paz e Segurança” que teve lugar nas Nações Unidas em Genebra, em novembro de 2016: Adama DIENG, Sub-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e Responsabilidade de Proteção – Ibrahim SALAMA, Chefe, Secção dos Tratados de Direitos Humanos no Escritório do Alto Comissário para os Direitos Humanos, Genebra, Suíça – Jan FIGEL, Enviado Especial para a Liberdade Religiosa e Fé fora da UE, Bruxelas, Bélgica – Alexey KOSMEYAKOV, ex-Chefe do Departamento das Minorias Nacionais e Anti-discriminação, Conselho da Europa, Professor Visitante das Universidades de Moscovo – Ammo Aziza BAROUD DJIBERT, Embaixador do Chade na União Europeia em Bruxelas, no Benelux e no Reino Unido, ex-Líder Religioso e Membro do Parlamento do Chade – Abdulaziz ALMUZAINI, UNESCO, Genebra – Amsatou SOW EPSE SIBIDE, Professor de Direito, Universidade de Dakar – Asher MAOZ, Deão na Faculdade de Direito, Universidade Shimon Perez,


Israel – Azza KARAM, Conselheiro Sénior na área da Cultura, Fundo Populacional das Nações Unidas, Nova Iorque – Béla SZOMBATI, Diretor da Secção dos Direitos Humanos, Delegação da União Europeia junto das Nações Unidas, em Genebra – José-Luís BAZÁN, Conselheiro Legal em Migração, Asilo e Liberdade Religiosa na Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), baseada em Bruxelas – Rafael CATALÁ POLO, Ministro da Justiça de Espanha – Zoila COMBALÍA, Professor na Universidade de Zaragoza, Espanha – Antonio Eduard NISTOR, Presidente da Fundação Pro Vivere Dignum, Madrid, Espanha – Christian MOLKE, Diretor-Executivo da ADRA, Alemanha – Duleep Kamil De CHIKERA, Membro da Comissão de Igrejas para os Assuntos Internacionais, Conselho Mundial das Igrejas – Elisa-Maria NÚÑEZ SÁNCHEZ, Diretora do Vice-Chanceler da Universidade Católica de Valência, Espanha – Fernando Manuel SOARES LOJA, Vice-Presidente da Comissão Portuguesa de Liberdade Religiosa e Fé – Franz Ulrich NITSCHKE, Diretor do Setor de Valores Programa, Religião e Desenvolvimento – Fatos ARACI, vice-Secretária dos Registos, Adjunta da Secção de Registos do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos – Hajar AL-KADDO, FEMYSO, Europa – Harri Matias KUHALAMPI, Conselheiro do Membro do Parlamento Europeu Hannu Takula, Bruxelas – Belén ALFARO, Embaixadora-Geral para a Aliança das Civilizações e Diálogo Inter-Religioso, Ministério das Relações Exteriores do Reino de Espanha – Xeique Muhammad AL-YA- QUOBI, Erudito islâmico sírio e Líder Religioso – Indarjit LORD SINGH OF WIMBLEDON, Casa dos Lordes, Reino Unido – José Eduardo VERACRUZ JARDIM, Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, ex-Ministro da Justiça, Membro do Parlamento em Portugal – Jose Luis SÁNCHEZ GARCÍA, Vice-Reitor da Universidade Católica, Valencia – Kishan Fitzgerald MANOCHA, Conselheiro Sénior da Liberdade de Religião ou Crença, OSCE/ODIHR – Kyriaki TOPIDI, Professor Sénior/ Diretor-Associado do Centro de Direito Constitucional Comparativo & Religião, Faculdade de Direito, Universidade de Lucerna – Rabi Michael MELCHIOR, Presidente do Centro Mosaico para a Transformação do Conflito Religioso no Médio Oriente, Rabi Principal na Noruega, Rabi em Jerusalém, ex-Ministro no Governo de Israel – Rehmah Nakawooya KASULE, Fundador e Presidente da Agência Internacional para o Desenvolvimento do Empreendedorismo do Século, Uganda – Ricardo GARCÍA-GARCÍA, Professor da Universidade Autónoma de Madrid, ex-Diretor no Ministério da Justiça e Reitor-Geral e de Planificação Estratégica da Universidade Católica de Valência, Espanha – Susan Florence KERR, Gerente de Advocacia na Europa, Solidariedade Cristã em todo o mundo, Bruxelas – Tahir MAHMOOD, Distinto Jurista, Professor de Eminência e Presidente do Instituto de Estudos Legais Avançados, Universidade Amity, ex-Presidente da Comissão Nacional de Minorias, Índia – Thomas Paul SCHIRRMACHER, Diretor do Instituto Internacional para a Liberdade Religiosa, Bonn, Alemanha – Traian-Caius DRAGOMIR, ex-Embaixador da


Roménia em Paris – Diane ALA’I, Representante dos Bahá’is nas Nações Unidas – Alberto GUAITA, Presidente da ADLR, Espanha – Valeriu GHILETCHI, Membro do Parlamento da Moldávia e da Assembleia do Parlamento do Conselho da Europa. Comité Consultivo Roberto BADENAS – Jean Paul BARQUON – Herbert BODENMANN – Dora BOGNANDI – Valentin DĂNĂIAȚĂ – Davide ROMANO – Mário BRITO – Olga CALONGE – Jesus CALVO – Corrado COZZI – Viorel DIMA – Alberto GUAITA – Friedbert HARTMANN – Rafat KAMAL – Harri KUHALAMPI – Oscar LOPEZ – Paulo Sérgio MACEDO – Barna MAGYAROSI – Reto MAYER – Tsanko MITEV – Gheorghe MODORAN – Dragos MUSAT – Mikulas PAVLIK – Carlos PUYOL – John RĂCEALĂ – Miguel Angel ROIG – Norbert ZENS Preço por Volume e por Ano Países Europeus – 25€ | Países de outros Continentes – 30 € | Suíça – 30 CHF Consciência e Liberdade, ©Copyright Dr. Liviu Olteanu e “Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa” (AIDLR). Título: A Influência da Religião sobre a Paz e a Segurança. Desafios à Liberdade Religiosa, à Paz e à Segurança e a Necessidade de Coordenar os Atores do “Diálogo dos Cinco”. Baseado na Conferência Global das Nações Unidas sobre ”Religião, Paz e Segurança” . Outras Edições: Gewissen und Freiheit (Alemanha e Suíça) Conscience et Liberté (França) Conscienza e libertà (Itália) Consciencia y libertad (Espanha) Savjest i sloboda (Croácia e Sérvia) © Novembro 2018 – Consciência e Liberdade Tiragem: 750 exemplares Inscrição na E.R.C. nº 106 816 Depósito Legal: 286548/08 ISSN: 0874-2405 Execução Gráfica: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. Venda do Pinheiro

Distribuição gratuita. Política editorial: As opiniões emitidas nos ensaios, os artigos, os comentários, os documentos, as críticas aos livros e as informações são apenas da responsabilidade dos autores. Não representam necessariamente a opinião da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa de que esta Revista é o órgão oficial. Os artigos recebidos pelo Editor da Revista são submetidos à apreciação do Conselho de Redação.


ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL PARA A DEFESA DA LIBERDADE RELIGIOSA Uma Organização Não-Governamental com estatuto consultivo junto das Nações Unidas em Genebra, Nova Iorque e Viena, no Parlamento Europeu de Estrasburgo e Bruxelas, no Conselho Europeu de Estrasburgo e na Organização para a Segurança e para a Cooperação na Europa. SEDE ADMINISTRATIVA Schosshaldenstr. 17, CH 3006 Berna, Suiça Tel. +41 (0) 76 316 07 29 – Fax +41 (0) 31 359 15 66 Email: info@aidlr.org – liviu.olteanu@aidlr.org Website: www.aidlr.org Presidente: Mário BRITO Secretário-geral: Liviu OLTEANU, Doutor em Direito, Observador e Representante junto das Nações Unidas em Genebra, Nova Iorque e Viena, no Parlamento Europeu em Bruxelas e Estrasburgo, no Conselho Europeu em Estrasburgo e na OSCE. COMITÉ HONORÁRIO Presidente: Sr.ª Mary ROBINSON, ex-Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos e ex-Presidente da República da Irlanda. Membros Jean BAUBÉROT, Professor Universitário, Presidente Honorário da Escola Prática dos Altos Estudos na Sorbonne, França. Beverly Bert BEACH, ex-Secretário-Geral Emérito da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, Estados Unidos da América da América. François BELLANGER, Professor Universitário, Suíça. Heiner BIELEFELDT, ex-Relator Especial das Nações Unidas sobre Liberdade Religiosa e Fé, Professor de Direitos Humanos na Universidade de Erlangen Nuremberga, Alemanha. Reinder BRUINSMA, Escritor, Professor Universitário, Holanda. Titu CAZAN, Professor Universitário e Pastor, Estados Unidos da América da América. Jaime CONTRERAS, Professor Universitário, Espanha. Alberto DE LA HERA, ex-Diretor Geral dos Assuntos Religiosos, Ministro da Justiça, Espanha. Petru DUMITRIU, Inspetor das Nações Unidas, ex-Embaixador e Observador Permanente do Conselho Europeu junto das Nações Unidas em Genebra, Suíça.


Maria José FALCÓN y TELLA, Professora de Direito na Universidade Complutense de Madrid e ex-Diretora do Instituto dos Direitos Humanos, UCM, Espanha. W. Cole DURHAM Jr., Diretor do Centro Internacional para o Estudo de Direito e Religião na Faculdade de Direito J. Clark, Universidade Brigham Young, Estados Unidos da América da América. Silvio FERRARI, Professor Universitário, Universidade de Milão e Universidade Católica de Lovaina. Juan Antonio MARTINEZ MUÑOZ, Diretor do Departamento de Filosofia do Direito, Universidade Complutense de Madrid, Professor Universitário, Espanha. Alain GARAY, Advogado no Tribunal de Paris e Investigador na Universidade de Aix-Marseille, França. Alberto F. GUAITA, Presidente da AIDLR, Espanha. Peter HESS, ex-Secretário da Secção Suíça da AIDLR, Suíça. Jose ITURMENDI, Deão Honorário na Faculdade de Direito, Professor Universitário, Universidade Complutense de Madrid, Espanha. Francesco MARGIOTTA BROGLIO, Professor Universitário, Presidente da Comissão Italiana para a Liberdade Religiosa, Representante da Itália na UNESCO, Itália. Rafael PALOMINO, Professor Universitário, Espanha. Émile POULAT, Diretor de Pesquisa no CNRS, Professor Universitário, França. Javier MARTINEZ TORRON, Diretor do Departamento de Direito Eclesiástico, UCM, Espanha. Jacques ROBERT, Jurista Francês, Professor Universitário, ex-Membro do Conselho Constitucional, França. John ROCHE, Membro do Instituto, França. Jaime ROSSELL GRANADOS, Vice-Diretor no Ministério da Justiça, Espanha, e ex-Deão na Faculdade de Direito, Universidade da Extremadura, Espanha. Joaquin MANTECON, Professor Universitário, ex-Diretor de Assuntos Religiosos, Ministro da Justiça, Espanha. Asher MAOZ, Professor Universitário e Deão na Faculdade de Direito do Centro Académico Shimon Peres, Rehovot, Israel. Gabriel MAURER, ex-vice-Presidente da AIDLR, Berna, Suíça. Gianfranco ROSSI, ex-Secretário-Geral da AIDLR, Suíça. Robert SEIPLE, ex-Embaixador da Liberdade Religiosa Internacional no Departamento de Estado dos Estados Unidos da América da América. Jose Miguel Serrano RUIZ-CALDERON, Professor de Filosofia, Universidade Complutense, Espanha. Antoinette SPAAK, ex-Ministra de Estado Belga, ex-Membro do Parlamento Europeu.


Mohammed TALBI, Professor Emérito, Universidade de Túnis, Tunísia. Rik TORFS, Reitor da Universidade de Lovaina, Bélgica. Maurice VERFAILLIE, ex-Secretário-Geral da AIDLR, Suíça. Bruno VERTALLIER, ex-Presidente da AIDLR, Suíça. Victor ZGUNEA, Pastor, ex-Presidente da Conferência do Sul da Transilvânia, Roménia. EX-PresidenteS DA COMISSÃO Senhora Franklin ROOSEVELT, 1946 a 1962 Dr. Albert SCHWEITZER, 1962 a 1995 Paul Henry SPAAK, 1966 a 1972 René CASSIN, 1972 a 1976 Edgar FAURE, 1976 a 1988 Leopold Sédar SENGHOR, 1988 a 2001 ANTIGOS SECRETÁRIOS-GERAIS DA AIDLR Dr. Jean NUSSBAUM Dr. Pierre LANARES Dr. Gianfranco ROSSI Dr. Maurice VERFAILLE Senhor Karel NOWAK SECRETÁRIO-GERAL ATUAL Dr. Liviu OLTEANU


DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS Acreditamos que a Liberdade Religiosa é um direito dado por Deus, e defendemos que esta é melhor exercitada onde a separação entre a Igreja e o Estado é mantida. Acreditamos que a legislação e outros atos governamentais que unem a Igreja e o Estado são opostos aos melhores interesses de ambas as instituições e são potencialmente prejudiciais para os Direitos Humanos. Acreditamos que as autoridades públicas são divinamente ordenadas para apoiar e proteger os cidadãos no seu gozo dos direitos naturais, e para governar nos assuntos civis; nesta área as autoridades públicas garantem obediência respeitosa e apoio voluntário. Acreditamos no direito natural e inalienável de liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito deve incluir liberdade de ter ou de adotar a religião ou crença à sua escolha; de mudar de crença religiosa de acordo com a sua consciência; de manifestar a sua religião ou crença, seja individualmente ou em comunidade com outros e em público ou privado, em adoração, na prática e no ensino – sujeito apenas a respeitar os direitos equivalentes dos outros. Acreditamos que a Liberdade Religiosa também inclui a liberdade de estabelecer e de operar instituições de caridade, humanitárias ou educacionais apropriadas; de solicitar ou receber contribuições financeiras voluntárias; de observar dias de descanso e de celebrar festas de acordo com os preceitos da sua religião, e de manter a comunicação com aqueles que partilham as mesmas crenças, coletiva ou individualmente, em comunidades organizadas a nível nacional e internacional. Acreditamos que a Liberdade Religiosa e a eliminação da intolerância e da discriminação baseadas na religião ou nas crenças são essenciais para a promoção da compreensão e da paz entre os povos. Acreditamos que os cidadãos devem usar meios honrosos e legais para prevenir a redução da Liberdade Religiosa, a fim de que todos possam desfrutar do reconhecimento da sua liberdade de consciência. Acreditamos que a liberdade fundamental está sintetizada na Regra de Ouro, que ensina que cada ser humano deve fazer aos outros aquilo que gostaria que lhe fizessem a ele.


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CONTEÚDO

A Influência da Liberdade Religiosa na Paz e na Segurança Desafios à Liberdade Religiosa, à Paz e à Segurança e a Necessidade de Coordenar os Atores do “DIÁLOGO DOS CINCO” Baseado na Cimeira Global das Nações Unidas sobre “Religião, Paz e Segurança”.

Parte Preliminar 1. Editorial – Liviu OLTEANU ............................................................................. 19 2. Liviu OLTEANU – Antecedentes do quadro “Diálogo dos Cinco” ................ 23 3. Nota conceptual sobre a Cimeira Global “Religião, Paz e Segurança”............. 28 Capítulo 1

Lançamento dos Livros: “História da Liberdade e Respeito pelas Diferenças” & “Agentes e Embaixadores da Paz”. 1.1 Adama DIENG – Esta é uma mensagem para a paz...................................... 34 1.2 Bruno VERTALLIER – “A maior necessidade do mundo é a de homens que não se comprem nem se vendam, cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo.”............................................................................................................ 37 1.3 Harald MUELLER – Pessoas na História que experimentaram a Liberdade Religiosa ou a falta dela ............................................................................................... 40 1.4 Harri KUHALAMPI – Um sentimento pessoal de paz, esperança e liberdade está no centro da espiritualidade humana ................................................................. 43


Conteúdo

Capítulo 2

Um Apelo Urgente aos Decisores Políticos: Promover a Paz e Sociedades Inclusivas ao Promover a Liberdade Religiosa. 2.1 Adama DIENG – Todos os seres humanos – Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas ou Ateus – nasceram livres e iguais em direitos e dignidade ..... 48 2.2 Liviu OLTEANU – Na jornada para a paz, cada vida conta! ........................ 54 2.3 Heiner BIELEFELDT – Temos de superar as tendências de fragmentação 59 2.4 Belén ALFARO – Liberdade de religião e crença e liberdade de expressão são dois pilares das nossas sociedades .............................................................................. 61 2.5 Béla SZOMBATI – A União Europeia está determinada a promover a liberdade de religião e crença nas suas relações exteriores............................................... 66 2.6 Aziza BAROUD – Conclusões do Capítulo.................................................... 69 Capítulo 3

O Quadro do “Diálogo dos Cinco”; Crise Internacional, SDG’s, Religião, Sociedade, Paz e Segurança. 3.1 Adama DIENG Introdução ............................................................................... 72 3.2 Aziza BAROUD – Políticos e Diplomatas devem encontrar um lugar para a juventude dentro do “Diálogo dos Cinco” ................................................................. 73 3.3 Ibrahim SALAMA – O diálogo entre as religiões e os Direitos Humanos: “Andando em círculos”................................................................................................. 77 3.4 Jan FIGEL – As bases para o sucesso de qualquer política ou ações globais .....83 3.5 Alexey KOZHEMYAKOV – Conselho Europeu – Um convite a repensar a abordagem à diversidade cultural e religiosa ............................................................. 90 3.6 Kishan MANOCHA – Abraçando uma visão que honra a dignidade humana.94 Capítulo 4

Desafios à paz, à Segurança e aos Direitos Humanos, com um Foco no Direito à Liberdade Religiosa ou de Crença 4.1 Beatriz LONDOÑO SOTO – Introdução ...................................................100 4.2 Rafael CATALÁ POLO – Liberdade Religiosa, o melhor termómetro para medir a validade real de todas as liberdades e dos Direitos Humanos ................101

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Conteúdo

4.3 Alvaro ALBACETE – Religiões: traduzindo a mensagem da paz na prática 106 4.4 Asher MAOZ – Devemos promover a paz, a fraternidade e a dignidade humana não como um favor feito a outra religião, mas sim como um tributo à nossa 109 4.5 Tahir MAHMOOD – A nossa salvação está em focarmos a atenção para a exortação comum de todas as religiões ....................................................................113 4.6 Valeriu GHILEȚCHI – A intolerância e a discriminação afetam os grupos religiosos minoritários e maioritários ......................................................................116 Capítulo 5

Os Migrantes e a Crise de Refugiados: Desafios numa Perspetiva da Promoção da Paz, da Segurança e dos Direitos Humanos, com um Foco Particular na Liberdade Religosa. 5.1 Adama DIENG – Aqueles que têm responsabilidades de liderança devem tomar uma posição forte contra qualquer discurso que denigra as pessoas com base na sua identidade religiosa .............................................................................................124 5.2 Sow Sidibe – A Importância de envolver as mulheres como agentes de paz ...126 5.3 Christian MOLKE – Podemos realmente avançar para um lugar melhor, se todas as pessoas em todos os níveis se juntarem e conversarem ...........................129 5.4 José-Luís BAZÁN – Os Cristãos e os membros de todas as minorias que fogem devido à perseguição religiosa devem receber o estatuto de refugiados e ter total proteção ..............................................................................................................134 5.5 Antonio Eduard NISTOR – Para mudar a sociedade, temos de mudar as ideias ............................................................................................................................138 Capítulo 6

“Religião, Paz e Segurança” versus “Violência, Terrorismo e Guerra” 6.1 Katrina LANTOS SWETT – Desafios que afetam a comunidade internacional com consequências para a Liberdade Religiosa e para a liberdade de consciência .................................................................................................................................146 6.2 Nazila GHANEA – Violência, terrorismo, e Genocídio em nome da religião e riscos para os seguidores das minorias religiosas .................................................154


Conteúdo

6.3 Leonard HAMMER – Segurança nacional e o direito humano à Liberdade Religiosa ou de Crença ..............................................................................................158 6.4 Maria José FALCÓN Y TELLA – Resistência e guerra .............................166 6.5 Cyril RITCHIE – As Nações Unidas, organizações não-governamentais, direitos, liberdades e segurança ....................................................................................176 6.6 Jose Miguel SERRANO – Aqueles que manipulam a religião, bem como a moral, procuram justificar posições de poder .........................................................181 Capítulo 7

Direitos Humanos, Religião, Paz e Segurança versus Fundamentalismo, Extremismo, Terrorismo e Secularismo 7.1 Alberto DE LA HERA – A religião como fonte de conflito .......................186 7.2 Petru DUMITRIU – Lutar contra o terrorismo na mente dos homens ...191 7.3 Zoila COMBALIA – Fundamentalismo e secularismo versus religião e Direitos Humanos ..............................................................................................................197 7.4 Juan Antonio MARTÍNEZ MUÑOZ – Liberdade Religiosa, segurança e laicismo .......................................................................................................................202

Notícias sobre o Conteúdo do próximo livro: Diplomacia e Educação para a Liberdade Religiosa – Uma Prioridade para as Políticas Públicas ..........................212

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EDITORIAL 1. Coordenação e cooperação dos “Atores do Diálogo dos Cinco” como pré-requisito para a harmonia internacional Liviu Olteanu Em anos recentes, tem havido um aumento na discriminação, na perseguição religiosa e na limpeza étnica, na deslocação massiva de refugiados e na perpetração de crimes terríveis em várias situações ao redor do mundo, tanto com atores como o Estado, como com atores não sendo do Estado. Temos testemunhado, ao mesmo tempo, o espalhar do extremismo violento, o qual usa a Religião para justificar a violência brutal contra civis. Em paralelo, também vimos como estes fenómenos – que, em muitas situações, representam uma ameaça à paz e à segurança internacionais – podem ser facilmente manipulados para justificar limitações aos Direitos e às Liberdades fundamentais, incluindo os Direitos à Liberdade de Religião e Crença, e à Liberdade de expressão e opinião. Vivemos em tempos difíceis com insegurança e crise. Vejamos alguns exemplos. De acordo com António Guterres,1 “vemos como, em todo o mundo, a Religião está a ser manipulada para justificar a incitação à violência”, com um “aumento alarmante dos discursos de ódio tanto online como offline”; Adama Dieng2 salienta que há “o interesse próprio e a violência [que] puseram em risco a sobrevivência das gerações futuras”, e que a “religião é usada frequentemente pelos partidos ao promover divisões” e que o “espírito de intolerância que se alimenta do medo das pessoas pode eclipsar a razão humana e serve de combustível para os conflitos religiosos”; dando um exemplo concreto, Zeid Ra’ad Al Hussein3 descreve as operações no Norte do Estado de Rakhine, em Myanmar, como “um exemplo didático de limpeza étnica”, com uma “cruel operação de 1 Discurso do Secretário-Geral da ONU, António Guterres, apresentado em 14 de julho de 2017 na sede da ONU, no “lançamento do plano de ação para os líderes e atores religiosos...”. 2 Discurso do sub-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas, proferido em 23 novembro de 2016 em Genebra, na Conferência Global sobre Religião, Paz e Segurança. 3 Zeid Ra’ad Al Hussein, Alto-Comissário para os Direitos Humanos, notícia publicada 17/77, a 5 de dezembro de 2017.


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Liviu OLTEANU

segurança e generalizados, sistemáticos, chocantes e brutais ataques contra os Rohingya”, com “execuções sumárias, violação, violência sexual, tortura e mortes”; Rafael Catalá Polo4 observou corretamente que “a capacidade de praticar a Liberdade Religiosa está a piorar em todo o mundo” e que “onde a Liberdade Religiosa é infringida, todas as outras liberdades ficam ameaçadas”. O nosso mundo é caracterizado pelo “extremismo religioso violento”, um mundo onde alguns “Governos reprimem a Liberdade Religiosa ou falharam em protegê-la”,5 com “movimentos extremistas especialmente entre a juventude”,6 “um mundo turbulento, com guerra, terrorismo e outras formas de violência que afetam a proteção dos refugiados”;7 “o mau uso dos ensinos religiosos para promover o ódio, a violência e a profanação da dignidade humana”;8 e é um mundo onde “uma grande parte dos ataques contra a Liberdade Religiosa foi realizada não em nome da Religião, mas do secularismo”;9 também é, infelizmente, um mundo onde podemos ver como a “condição humana é prejudicada por uma certa falta de solidariedade”,10 e assim por diante. Neste contexto, “qual é a resposta a estes desafios”?11 Acredito que é muito importante que os intervenientes a nível internacional, regional e nacional, incluindo os Estados-Membros e a sociedade civil – em particular os líderes religiosos, os eruditos, os Meios de Comunicação, os advogados, as ONG’s – coordenem as suas respostas a estes fenómenos, para fomentar o respeito pelas liberdades fundamentais, para prevenir e responder às violações dos Direitos Humanos e do Direito Humanitário Internacional, as quais podem constituir crimes atrozes, e prevenir e combater o extremismo violento, com o objetivo de proteger as populações e de promover a paz e a segurança internacionais, bem como sociedades pacíficas e inclusivas. Se cada pessoa é um ator e conta, cada pessoa tem uma responsabilidade em nome da nossa paz e da nossa “aldeia” comuns, e eu acredito que cada pessoa 4 Apresentação de Rafael Catalá Polo, Ministro da Justiça em Espanha, na Conferência Internacional que teve lugar em Madrid, na Universidade Complutense. 5 Katrina Lantos Swett, Presidente da Fundação Lantos para os Direitos Humanos e a Justiça, e ex-Presidente da Comissão Americana sobre Liberdade Religiosa Internacional. 6 António Nistor, Presidente da Fundação Pro Vivere Dignum. 7 José-Luís Bazán, Conselheiro Legal sobre Migração, Asilo e Liberdade de Religião na Comissão das Conferências Episcopais da União Europeia (COMECE), com base em Bruxelas. 8 Asher Maoz, Deão da Faculdade de Direito do Centro Académico Peres, Israel. 9 Jose Miguel Serrano Ruiz Calderón, Professor de Direito na Universidade Complutense de Madrid. 10 Christian Molke é Diretor Executivo da ADRA-Alemanha, Coordenador de um projeto na Grécia a favor dos Yezidis. 11 Belén Alfaro, Embaixadora-Geral. Ministério das Relações Exteriores, Espanha.


Coordenação e cooperação dos “Atores do Diálogo dos Cinco” como pré-requisito para a harmonia internacional

tem o dever de contribuir positivamente para a paz, para a segurança e para um mundo melhor. Com isto em mente, criei o quadro “Diálogo dos Cinco” (veja-o descrito mais à frente) e (co) organizei com o Gabinete das Nações Unidas sobre a Prevenção do Genocídio, em Nova Iorque, uma Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança. O objetivo desta Cimeira era discutir como diferentes atores podem trabalhar juntos eficientemente para implementar estratégias que possam promover a paz e a segurança e partilhar as boas práticas; finalmente, a Cimeira visava estabelecer uma “Plataforma Internacional sobre Religião, Paz e Segurança”, como apoio para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em particular o Objetivo 16, sobre “promoção de sociedades pacíficas e inclusivas” e o Objetivo 17, sobre a “revitalização da parceria global” para o desenvolvimento sustentável. Desejo e espero que as conclusões dos dois volumes seguintes: “A Influência da Liberdade Religiosa sobre a Paz e a Segurança”. Desafios à Liberdade Religiosa, à Paz e à Segurança e a Necessidade de Coordenação dos Atores do “Diálogo dos Cinco” (2017), e “Diplomacia e Educação sobre a Liberdade Religiosa – Uma Prioridade para a Política Pública. Diplomacia Preventiva; Diplomacia e Educação sobre a Mudança de Mentalidades para a Liberdade Religiosa, SDG’s e Líderes Religiosos, Lições Aprendidas (2018)”, possam abrir novas janelas de compreensão sobre como podemos contribuir para resolver as tensões e crises mundiais, e para termos uma influência na nossa harmonia e coexistência pacífica internacionais. Os volumes mencionados anteriormente foram preparados com base na estrutura de apresentações importantes feitas por diplomatas, políticos, eruditos, líderes religiosos e representantes da sociedade civil de renome mundial, na “Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança” que teve lugar nas Nações Unidas em Genebra, em novembro de 2016, e na “Conferência Internacional de Madrid sobre Liberdade, Religião, Segurança: Termos Antagónicos?” que teve lugar na Universidade Complutense, em maio de 2016; também incluíram artigos, pesquisas, comunicados de Imprensa, planos e estratégias importantes que podem contribuir para a solução dos problemas da comunidade internacional. No presente volume, depois de algumas observações retiradas do livro recomendado sobre “Agentes e Embaixadores da Paz”, no início deste volume salientámos: Um chamado urgente para os Decisores Políticos: Promover sociedades pacíficas e inclusivas ao fomentar a Liberdade Religiosa; o quadro “Diálogo dos Cinco”, Crise Internacional, Religião, Sociedade, Paz e Segurança; Desafios à

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Liviu OLTEANU

Paz, à Segurança e aos Direitos Humanos, com foco no Direito à Liberdade de Religião e de Crença; Migrantes e a Crise dos Refugiados: Desafios a partir da perspetiva da promoção da paz, da segurança e dos Direitos Humanos com foco em particular na Liberdade de Religião; Religião, Paz e Segurança vs. Violência, Terrorismo e Guerra; Direitos Humanos, Religião, Paz e Segurança vs. Fundamentalismo, Extremismo, Terrorismo e Secularismo. Um novo volume será em breve publicado e irá continuar os temas debatidos em Madrid e Genebra: “Diplomacia e Educação sobre Liberdade Religiosa – Uma Prioridade para a Política Pública”, onde iremos focar-nos em particular nas soluções para a paz e para a segurança, tais como: O papel da diplomacia e da educação na promoção do respeito e da proteção da Liberdade de religião ou crença, e das minorias religiosas; A influência e as perspetivas dos líderes religiosos sobre paz e segurança; Espanha – Um exemplo especial de boas práticas em liberdade de religião ou crença; Complementaridade com os objetivos de desenvolvimento sustentável; Como podem as SDG’s apoiar o debate internacional sobre promoção da Liberdade Religiosa, na prevenção da discriminação, da violência e dos crimes atrozes. O Volume também incluirá outros documentos e é usado como referência em vários eventos que marcaram o septuagésimo aniversário da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (1946-2016), tais como o lançamento do “Prémio Internacional da Liberdade e Paz – Jean Nussbaum e Eleanor Roosevelt”, que reconhece os esforços feitos por indivíduos e organizações que tiveram, ou que estão a ter, um papel particular na promoção dos Direitos Humanos, sobretudo na área do direito à liberdade de religião ou crença, na prevenção de atrocidades criminosas e do extremismo violento fundamentado no abuso da religião, e por aí adiante. Termino, dizendo: Na questão dos Direitos Humanos e da Liberdade Religiosa, paz e segurança, nada de natureza política acontece por acaso. Cada pessoa, organização e Estado, tem uma responsabilidade; cada pessoa é importante e conta!


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2. Antecedentes do Quadro “Diálogo dos Cinco” Liviu Olteanu O “Quadro Diálogo dos Cinco” é uma plataforma multidisciplinar e multi-institucional que foi criada em 2013 pelo Dr. Liviu Olteanu, Secretário-Geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR). Depois de várias conferências internacionais, o “Diálogo dos Cinco” foi consolidado na Primeira Cimeira Global sobre “Religião, Paz, e Segurança”, que teve lugar no Palácio das Nações, em Genebra, em novembro de 2016.

DIPLOMATAS

SOCIEDADE CIVIL/ ONGD’S/ MEDIA

LÍDERES RELIGIOSOS

POLÍTICOS

ERUDITOS

Os Cinco Atores – Foto ©AIDLR

O projeto “Diálogo dos Cinco” reúne: 1) Diplomatas 2) Políticos 3) Eruditos 4) Líderes Religiosos 5) Representantes da Sociedade Civil (ONG’s/média/advogados) com o objetivo de desenvolver um espaço para a colaboração e coordenação com representantes de três níveis diferentes: a) Nacional


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b) Regional c) Internacional A nível nacional, os diplomatas e os políticos que representam alguns dos Ministérios mais importantes devem participar juntos: o Ministério dos Negócios Estrangeiros, o Ministério da Justiça, o Ministério da Educação e o Ministério da Cultura; os representantes destes Ministérios têm de trabalhar em conjunto com 4) Líderes religiosos, 3) Eruditos, e 5) Representantes da sociedade civil [organizações não-governamentais, Media, advogados]. A nível regional, é importante participar em cada debate sobre os assuntos propostos, tais como: Religião, liberdade de religião, discriminação, violência em nome da religião, perseguição, extremismo, terrorismo e Genocídio, que podem influenciar a paz e a segurança; as organizações regionais principais de Direitos Humanos que têm interesse e um importante conhecimento especializado nesta área: o Conselho da Europa, a União Europeia, a Organização para a Segurança e a Cooperação na Europa; e outras organizações regionais, tais como a Organização para a Cooperação Islâmica (OIC), a União Africana (UA), etc.. A nível internacional, as Nações Unidas devem ser referidas como o principal Ator/Árbitro e coordenador de todos os outros atores preocupados com as questões mundiais. Outras organizações internacionais também têm um papel importante aqui, algumas pertencendo às Nações Unidas, como, por exemplo, a UNESCO, e outras de outras zonas, tais como a Comissão Americana sobre a Liberdade Religiosa Internacional (USCIRF), e por aí adiante.

INTERNACIONAL REGIONAL

NACIONAL

Os três níveis de ação do Quadro “Diálogo dos Cinco” – Foto ©AIDLR


Antecedentes do Quadro “Diálogo dos Cinco”

O Quadro “Diálogo dos Cinco” é o resultado de antecedentes académicos e de pesquisas sobre Direito Internacional, sobre organizações internacionais, de estudos das religiões, de educação, de diplomacia, e do papel dos principais atores que podem trabalhar e cooperar em conjunto; também é o resultado de estudos de políticas sobre religiões, de diálogo intercultural e pluralismo, de diplomacia preventiva sobre liberdade de religião ou de crença, paz e segurança; e, claro está, de um olhar para a necessidade de saber, compreender e respeitar a diversidade e as diferenças na tradição religiosa e na perspetiva dos sentimentos religiosos. Há uma necessidade urgente de educação e treino de líderes religiosos no que diz respeito ao Diálogo Inter-Religioso, à tolerância e ao respeito pelas outras religiões e crenças; de formação de outros atores, dos decisores políticos (membros dos Parlamentos, Ministros, Oficiais), etc.; o objetivo do paradigma “Diálogo dos Cinco” é a coordenação de todos estes atores nos assuntos específicos dos nossos tempos. O “Diálogo dos Cinco” é também o resultado da participação em muitos debates, ateliers, seminários, conferências sobre o tema da “liberdade de religião ou de crença, paz e segurança” realizadas em organizações internacionais, regionais e nacionais, como as Nações Unidas, o Conselho dos Direitos Humanos, a Revista UN Universal, a Assembleia-Geral das Nações Unidas, o Conselho de Segurança; o ECOSOC; na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa; no Parlamento Europeu; no Serviço Europeu de Ação Externa; na Organização para a Segurança e Cooperação da Europa; nos parlamentos nacionais; na Cimeira Inter-Crenças dos G-20; nas plataformas e parcerias internacionais de Liberdade Religiosa; nos encontros religiosos organizados pelas religiões e igrejas; nos debates nas Universidades; e observando também a importância e o impacto dos Media e das organizações não-governamentais, etc.. Depois de ter sido criado o Quadro “Diálogo dos Cinco” a nível internacional sobre um novo paradigma de defesa dos Direitos Humanos em relação à “religião, paz e segurança”, a sua estrutura foi aplicada nos seguintes eventos internacionais: 1. Foi lançado na “Conferência Internacional sobre Direitos Humanos, Liberdade Religiosa e Minorias Religiosas”, que teve lugar na Faculdade de Direito, Universidade Complutense de Madrid, em janeiro de 2014, na presença do Dr. Heiner Bielefeldt1 e da Sr.ª Rita Izsák-NDiaye, Relatora Especial das Nações Unidas sobre questões de minorias e de outros ilustres representantes nacionais e regionais, Ministros, Embaixadores, estudiosos, líderes religiosos, Media e sociedade civil/ONG’s. 1 Comentários do Relator Especial das Nações Unidas sobre FoRB (Liberdade de Religião ou Crença), Heiner Bielefeldt, a respeito do Quadro “Diálogo dos Cinco” e da Conferência Internacional virão mais à frente.

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2. O tema desenvolvido nos eventos paralelos organizados pela Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) em junho de 2014, nas Nações Unidas em Genebra, durante a Sessão do Conselho dos Direitos Humanos foi: “Direitos Humanos em todo o mundo, Liberdade Religiosa e Minorias Religiosas”, um evento paralelo copatrocinado pelas missões na ONU do Canadá, de Espanha, da Noruega, do Uruguai e pelo Conselho Europeu. 3. A estrutura do “Quadro Diálogo dos Cinco” foi enfatizada na segunda “Conferência Internacional sobre Liberdade, Religião, Segurança – Termos antagónicos no contexto da insegurança internacional?” copatrocinado pelo Ministério da Justiça e pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha, com a participação de Sua Excelência o Sr. Rafael Catalá Polo, Ministro da Justiça, e de Sua Excelência a Embaixadora-Geral da Aliança das Civilizações, a Sr.ª Belen Alfaro, e muitos outros convidados ilustres; a Conferência teve lugar em Madrid, em maio de 2016. 4. Todos os passos anteriores do “Quadro Diálogo dos Cinco” foram consolidados na “Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança”, coorganizada pelo Dr. Liviu Olteanu, Secretário-Geral da AIDLR em Berna, Suíça, e Sua Excelência Sr. Adama Dieng, Vice Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral da ONU para a Prevenção do Genocídio, e do gabinete de Prevenção do Genocídio e Responsabilidade de Proteção, em Nova Iorque, e copatrocinado pela União Europeia, pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e com a cooperação de Espanha; pelo Conselho Mundial das Igrejas; e por outras organizações internacionais. Esta teve lugar no Palácio das Nações, em Genebra, entre os dias 23-25 de novembro de 2016. A Cimeira Global votou, no final das reuniões, uma Declaração com os passos a dar seguidamente no que diz respeito à “Plataforma Internacional sobre Religião, Paz e Segurança”. O Dr. Heiner Bielefeldt, o ex-Relator Especial anteriormente mencionado da Liberdade de Religião ou Crença de 2010 a 2016, sublinha a importância da “Conferência Internacional de Madrid” e do “Quadro Diálogo dos Cinco”:2 1. “Atribuo grande importância à planificação da Conferência de Madrid por ter tido uma atenção sistemática a ter presentes ‘Cinco’ atores diferentes, vindos de diferentes instituições, como também de vários níveis de Instituições de Direitos Humanos. 2. “Temos obrigações a diferentes níveis para com os Direitos Humanos: nacional, regional, internacional, e as crenças religiosas, e os Direitos Humanos desenvolvem-se em diferentes direções, podendo comprometer-se mutuamente. 2 A/HRC/25/NGO/121, p. 4.


Antecedentes do Quadro “Diálogo dos Cinco”

Temos a abordagem do Conselho da Europa, a abordagem da UE, várias abordagens nacionais, e a abordagem da ONU… Contudo, penso que, de facto, estas instituições diferentes algumas vezes são mundos à parte.” “Precisamos de coordenação: um propósito para evitar um enfraquecimento mútuo da autoridade das normas dos Direitos Humanos e, por essa razão, temos de nos conhecer melhor uns aos outros, para estarmos a par do que está a acontecer; assim, na minha perspetiva, desde que trabalho nas Nações Unidas, é muito importante ver o que acontece no Conselho da Europa, na UE, nos diferentes países…” 3. “A estrutura da Conferência de Madrid demonstrou como evitar danos, situações de risco ou a perda de autoridade porque uma instituição poderia ser lançada contra outras instituições; mas, claro está, também existe a oportunidade positiva de se aprender com os outos, esta é a tarefa da ‘fertilização’ cruzada. ” 4. “Realmente precisamos destes intercâmbios de maneira a sabermos, a partir das atividades uns dos outros, como nos apoiarmos mutuamente e como nos fortalecermos uns aos outros, em vez de possivelmente as minarmos sem sequer sabermos aquilo que estamos a fazer.” 5. “A Conferência de Madrid estabelece realmente um exemplo, e isto é algo que temos de fazer, é realmente algo que devemos copiar, porque é bom e é útil; de facto, deveríamos estabelecer que fosse feito numa base regular.” 6. “O projeto da AIDLR necessita de se desenvolver num quadro holístico consistente a vários níveis, com instituições e elementos de infraestrutura a encaixarem-se juntos.” A Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) (co) organizou a “Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança” em conjunto com o Gabinete da ONU para a Prevenção do Genocídio, em Nova Iorque, com base na estrutura do Quadro “Diálogo dos Cinco”. A “nota conceptual” sobre a preparação da “cimeira global” foi incluída no volume em conjunto com as palestras principais, os artigos e outros documentos.

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3. Nota Conceptual sobre a Cimeira Global “Religião, Paz e Segurança”, realizada nas Nações Unidas, em Genebra, de 23-25 de novembro de 2016

CIMEIRA GLOBAL sobre RELIGIÃO, PAZ E SEGURANÇA Promover Sociedades pacíficas e inclusivas ao fomentar a liberdade religiosa e prevenir o extremismo violento e os crimes atrozes Genebra, Palácio das Nações, Sala de Conferências XVII, 23-25 novembro de 2016

CO-ORGANIZADORES Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger & Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (IADRL/AIDLR) NOTA CONCEPTUAL Fundo Nos anos mais recentes temos visto um aumento na perpetração de crimes atrozes em várias situações em todo o mundo, praticados tanto por Estados como por grupos armados não-estatais. Ao mesmo tempo, temos assistido à propagação do extremismo violento, que usa erradamente a religião para justificar a violência brutal contra civis. Em paralelo, também temos visto como estes fenómenos – que, em muitas situações, representam ameaças à segurança e à paz internacionais – podem facilmente ser manipulados para justificar a limitação dos Direitos e das Liberdades fundamentais, incluindo os direitos à liberdade de religião e crença, e à liberdade de expressão e de opinião.


Nota Conceptual sobre a Cimeira Global “Religião, Paz e Segurança”

Nestes dias difíceis, é importante que os atores internacionais, regionais e nacionais, incluindo os Estados-Membros e a sociedade civil internacional e regional – em particular os líderes religiosos, os eruditos e os Meios de Comunicação – coordenem as suas respostas a estes fenómenos, de forma a fomentar o respeito pelas liberdades fundamenais, a prevenir e responder às violações dos Direitos Humanos e das leis humanitárias internacionais que possam constituir crimes atrozes, e a prevenir e combater o extremismo violento, com o objetivo de proteger as populações e de promover a paz e a segurança internacionais, bem como sociedades pacíficas e inclusivas. Para este objetivo, a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa e o Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger estão a convocar uma Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança. O objetivo da Cimeira Global é discutir como os diferentes atores podem trabalhar juntos eficazmente para implementar estratégias que fomentem a paz e a segurança e partilhar as boas práticas. A Cimeira Global procurará estabelecer uma plataforma internacional sobre “Religião, Paz e Segurança”, como apoio para os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em particular o Objetivo 16, sobre a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas, e o Objetivo 17, sobre a revitalização da parceria global para o desenvolvimento sustentável. A Cimeira Global é organizada como uma continuidade de eventos anteriormente organizados pela Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, incluindo a “Primeira conferência internacional sobre Liberdade Religiosa e minorias religiosas”, que teve lugar em Madrid, em janeiro de 2014; os eventos paralelos que ocorreram durante a 26ª Sessão do Conselho de Direitos Humanos, em junho de 2014, sobre “Direitos Humanos e Liberdade Religiosa a nível mundial”; e a conferência internacional sobre ”Liberdade, religião, segurança: termos antagónicos no contexto da insegurança internacional?”, que teve lugar em Madrid, em maio de 2016.1 Metodologia: Estados-Membros, organizações internacionais e regionais, e a sociedade civil têm um papel fundamental em fomentar a Liberdade Religiosa, em prevenir crimes atrozes e em promover sociedades pacíficas e inclusivas. Para evitar uma abordagem de silo, e aumentar a colaboração e coordenação entre estes atores, a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa introduziu o 1 Ver estes eventos em: www.aidlr.org

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Nota Conceptual sobre a Cimeira Global “Religião, Paz e Segurança”

“Quadro do Diálogo dos Cinco”, uma abordagem baseada na ligação das contribuições especiais de diplomatas, políticos, líderes religiosos, eruditos e ONG’s, e, da perspetiva dos Estados-Membros, das organizações regionais e internacionais. Foco O objetivo da Cimeira Global é discutir como estes diferentes atores podem trabalhar eficientemente em conjunto e complementar o trabalho uns dos outros. Além disso, a Cimeira proporcionará uma oportunidade para os participantes partilharem informação, experiências e boas práticas na promoção de sociedades pacíficas e inclusivas, na promoção do respeito pela Liberdade Religiosa e na promoção da resiliência face aos crimes atrozes e ao extremismo violento. Objetivo O principal objetivo da Cimeira Global é estabelecer uma plataforma internacional sobre “Religião, paz e segurança: promover sociedades pacíficas e inclusivas ao fomentar a Liberdade Religiosa e a prevenção do extremismo violento e os crimes atrozes”. A plataforma visa apoiar a Agenda de 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, em particular os Objetivos 16 e 17, que apelam à “Paz, à justiça e a instituições fortes”, e à “Revitalização da parceria para o desenvolvimento sustentável”. Estes objetivos são dedicados à promoção de sociedades inclusivas e pacíficas, ao desenvolvimento sustentável e à construção efetiva de instituições responsáveis a todos os níveis – global, regional, nacional e local, que respeitem o papel da lei e dos Direitos Humanos de todas as populações. Atingir estes objetivos requer uma parceria entre diferentes agentes importantes. Esta parceria precisa de ser construída sobre uma visão partilhada que coloca o respeito pelos princípios e valores fundamentais no seu centro. Resultados da Cimeira Os resultados da Cimeira serão escritos num relatório que reflete as discussões e as conclusões da Cimeira, e as suas recomendações para acompanhamento. A Cimeira também servirá para lançar o Prémio Internacional sobre Liberdade e Paz “Jean Nussbaum e Eleanor Roosevelt”. Este prémio irá reconhecer os esforços feitos por indivíduos ou organizações que tiveram um papel ou que estão a ter um papel particular em promover a Liberdade Religiosa, em prevenir a violência e os crimes atrozes, e em promover sociedades pacíficas e inclusivas.


Nota Conceptual sobre a Cimeira Global “Religião, Paz e Segurança”

Outros Na Cimeira, serão lançadas as publicações mais recentes da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, tiradas da coleção “Consciência e Liberdade”. Isto inclui “Uma História de Liberdade e o Respeito pela Diferença”, “Agentes e Embaixadores da Paz – Protegendo a Liberdade de Religião e a Liberdade de Expressão contra a Violência em Nome da Religião” e a especial edição de um jornal novo que marca o 70º aniversário da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (1946-2016): “Embaixadores da Liberdade, da Esperança e da Paz.”2 Questões importantes a que a Cimeira Global procurará responder: 1. Como melhorar a cooperação e a coordenação entre as três categorias de atores de maneira a melhor promover a Liberdade Religiosa, prevenir o extremismo violento e os crimes atrozes, e promover sociedades pacíficas e inclusivas? 2. Quais as melhores práticas ou as lições aprendidas que os participantes podem partilhar na Cimeira sobre promoção da Liberdade Religiosa, prevenção do extremismo violento e dos crimes atrozes, e promoção de sociedades pacíficas e inclusivas? 3. Violência e crimes atrozes justificados em nome da religião têm consequências para a Liberdade Religiosa e para a liberdade de expressão e podem implicar riscos especiais para as minorias religiosas. O que podem os atores estatais e não-estatais fazer para combater estes riscos? 4. Os crimes associados ao extremismo violento têm um impacto negativo na Paz, na segurança e no direito à vida. Que papel podem ter a educação e a diplomacia para melhor proteger as populações ao prevenir e combater o extremismo violento e ao prevenir os crimes atrozes cometidos em nome da religião? 5. Como podem os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável apoiar o debate internacional sobre a promoção da Liberdade Religiosa, a prevenção da discriminação, a perseguição, a violência, o terrorismo e os crimes atrozes?

2 Todas as publicações editadas por Liviu Olteanu.

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CAPÍTULO

1 Lançamento dos Livros: “História da Liberdade e Respeito pelas Diferenças” & “Agentes e Embaixadores da Paz” Palestras apresentadas na Conferência Internacional de Madrid: “Liberdade, Religião e Segurança”, que teve lugar em maio de 2016; e na Cimeira Global de Genebra sobre “Religião, Paz e Segurança” que teve lugar nas Nações Unidas, em novembro de 2016.


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1.1. Sua Excelência o Sr. Adama DIENG1

Esta é uma Mensagem para a Paz*

Sua Excelência, Sr. Adama Dieng, durante uma entrevista no Palácio das Nações em Genebra, novembro de 2017 – Foto ©AIDLR

Senti-me profundamente honrado por ser associado ao lançamento desta importante publicação “Agentes e Embaixadores da Paz”. Penso que este livro é publicado num tempo em que o mundo está a enfrentar muitas crises. Em 1945, a seguir aos trágicos acontecimentos que tiveram lugar na Europa, testemunhámos o Holocausto e dissemos que jamais voltaria a acontecer; e depois, em 1994, testemunhámos o Genocídio dos Tutsis no Ruanda, durante o qual os Hutus, que se opuseram ao Genocídio, se recusaram a seguir as ordens e também foram mortos. Em 1995, testemunhámos o Genocídio em Srebrenica e, neste preciso momento, infelizmente o nosso mundo está a testemunhar crimes atrozes de natureza tão terrível. Quando visitei o Iraque, no passado mês de novembro, fui até Dohukto para visitar um campo de refugiados e passei um dia em Lalish 1 Adama Dieng é o Vice-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio. *Conferência Internacional de Madrid, maio de 2016.


Esta é uma Mensagem para a Paz

com o líder espiritual da comunidade Yazidi, Baba Sheikh. Fiquei extremamente comovido com os testemunhos de tantas mulheres que foram raptadas e usadas como escravas sexuais pelo Daesh, o chamado Estado Islâmico. Amigos, vocês estão aqui a tentar ver como podemos continuar a avançar, para tornarmos o nosso mundo num lugar melhor e não posso deixar de citar Dag Hammarskjold, quando disse: “As Nações Unidas não foram criadas para levar a Humanidade até ao Céu, mas para salvar a Humanidade do inferno.” Por isso, precisamos realmente de nos questionarmos sobre onde estamos hoje. Gostaria simplesmente de dizer, depois de ter lido o conteúdo deste livro, Agentes e Embaixadores da Paz, e as numerosas recomendações e conclusões que o mesmo contém, que é nossa responsabilidade levá-los a todo o mundo para espalhar esta mensagem, porque esta é uma mensagem de paz, e é por isso que acredito que todos partilhamos o mesmo objetivo: trabalharmos para um mundo pacífico, no qual crimes como os que testemunhamos hoje na Síria, no Iraque e em muitas outras partes do mundo, cheguem ao fim. Temos a possibilidade, se decidirmos envolver-nos nós mesmos como Agentes e Embaixadores da Paz. Há dois dias estive com o Embaixador Alvaro Albacete, o representante de Espanha na KAICIID no Centro Rei Abdullah, e durante essa reunião ele lembrou-nos de que o papel da religião e o papel dos líderes religiosos, tanto a ajudar como a mitigar o incitamento à violência, necessita de ser investigado mais de perto. Ele afirmava que, em muitas partes do mundo, a religião é um poderoso fator motivador do povo. As instituições religiosas, os seus líderes e os atores-chave devem exercer tanta, se não mais, influência e autoridade do que os seus correspondentes seculares, e não posso deixar de concordar plenamente com essas palavras, porque, no final do dia, têm que perceber que a paz em si é um conceito religioso; as mensagens sobre a paz abundam – sendo praticamente universais na religião, e penso que não há uma única religião que não pregue a paz, que não pregue a não-violência, que não esteja a pregar o amor, mas, infelizmente, hoje já vimos pessoas a cometerem os piores crimes (o crime dos crimes) – estou a falar do Genocídio – e a cometerem esses horrores em nome de Deus, e isso é simplesmente inaceitável. É por isto que temos de continuar a unir as nossas mãos em todo o mundo para nos assegurarmos de que as coisas irão mudar. Infelizmente, por vezes, quando vemos a maneira como as questões estão a ser abordadas num dos mais importantes, senão o mais importante, órgãos das Nações Unidas – refiro-me ao Conselho de Segurança – podemos muitas

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Adama DIENG

vezes ficar um pouco frustrados. É por isso que, há três dias, emiti uma declaração sobre a situação na Síria, mais uma declaração na qual mostro que, no espaço de sete dias, sete lugares em que era suposto proteger-se a vida foram atacados pelas partes em conflito; quando vemos uma situação em que o último médico pediatra existente localmente foi morto, e, ainda assim, o Conselho de Segurança continua a falhar na proteção da população da Síria. Assim, como membros deste mundo e membros da Humanidade, têm de assumir a responsabilidade e tentar colocar o máximo de pressão possível. Isto é algo que a Espanha, hoje sentada no Conselho de Segurança, está a tentar fazer. No entanto, como sabem, algumas vezes, existe um órgão que não é muito democrático, como é o caso do Conselho de Segurança, onde estão cinco membros que têm o veto, e os quais, infelizmente, em certas circunstâncias falham, dando como motivo para que o veto seja inserido nesta importante questão das Nações Unidas, garantirem que a paz e a segurança sejam mantidas. Quando vemos milhares, ou mesmo centenas de milhares, de pessoas a serem mortas, e outras situações que são uma séria ameaça à paz e à segurança, e não somos capazes de abordar essas questões adequadamente, é aí que temos o direito de fazer pressão. Muito obrigado.


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1.2 Bruno VERTALLIER1

“A maior necessidade do mundo é de homens que não se comprem nem se vendam, cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo.” *

Dr. Bruno Vertallier – Foto ©AIDLR

Estou orgulhoso e vocês também o podem estar, devido ao vosso interesse na grande causa da Consciência e Liberdade. Isto irá ajudar a prevenir a atrocidade de todos os tipos e dar segurança a todos; esta é a minha convicção. Tenho a confiança de que serão ouvidos – de que estamos a ser ouvidos no concerto das Nações, porque, em todo o mundo, e em muitos círculos da sociedade, a voz da Consciência e Liberdade está a ser ouvida. Mulheres e homens estão a defender que se respeite o reconhecimento das diferenças de crença e das mundovisões. 1 Bruno Vertallier é Doutor em Teologia, ex-Presidente da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, e autor de inúmeros artigos no que diz respeito à religião, à ética, e à Liberdade Religiosa. Ele participa ativamente em muitas conferências internacionais sobre liderança e Liberdade Religiosa global. *Cimeira Global de Genebra, novembro de 2017.


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Bruno VERTALLIER

Fanatismo e terrorismo não têm lugar na sociedade moderna, ou ela transformar-se-á numa barbárie como infelizmente descobrimos nalguns lugares. Temos que educar sem cessar; utilizar cada oportunidade para gravar na mente dos políticos, dos historiadores, dos filósofos e educadores, o conceito da “consciência e liberdade” para toda a Humanidade. Deixem-me ler uma citação de uma autora que acreditava na educação e que trabalhou em favor da juventude. É uma senhora que usa a imagem de uma bússola. Ela escreveu: “A maior necessidade do mundo é a de homens – homens que não se comprem nem se vendam; homens que no íntimo da alma sejam verdadeiros e honestos; homens cuja consciência seja tão fiel ao dever como a bússola o é ao polo.” Acho que a imagem da bússola e do polo é boa. Precisamos de pessoas assim – fiéis, com uma consciência verdadeira. Tanto no passado como no presente, tivemos grandes líderes cujo envolvimento em favor do respeito da consciência e da liberdade teve muita influência, e promoveu o conceito de consciência e liberdade. Nos livros que vos vamos oferecer, irão ler pensamentos profundos e comentários de muitos autores, mas deixem-me recordar-vos aquele que foi o fundador da nossa Associação, o Dr. Jean Nussbaum, que conheci pessoalmente quando eu tinha 15 anos. Jean Nussbaum era um Médico Franco-Suíço que se ofereceu para servir na Sérvia durante a Primeira Guerra Mundial. Ali, casou com a sobrinha do Primeiro-Ministro da Sérvia. Era o início de uma longa carreira a servir as minorias no campo da consciência e liberdade. O Dr. Jean Nussbaum, embora bastante jovem, tinha profundas preocupações religiosas e começou a defender o princípio da consciência e liberdade. Durante a Segunda Guerra Mundial, estabeleceu-se em Paris e, durante este período, assumiu a defesa da Igreja Batista, que foi acusada pelo Comandante Reichl, do quartel-general de Paris, de ter estado envolvida em ações subversivas. Todas as igrejas Batistas tiveram de ser encerradas. Nussbaum assumiu a defessa da Igreja Batista e foi falar a Reichl. Quando o Comandante Reichl soube que Nussbaum não era Batista, perguntou-lhe por que estava a defender um grupo religioso ao qual não pertencia. Esta é a chave, a resposta de Nussbaum foi: “Eu não defendo Igrejas; eu defendo o princípio da Liberdade Religiosa para todas as pessoas”; e isto é o que nós defendemos na nossa Associação e nos livros que irão receber; isto é o que promovemos: a defesa da consciência e da liberdade como um princípio.


“A maior necessidade do mundo…”

De novo, gostaria de dizer que estou orgulhoso de ler todos os artigos de pessoas eminentes na sociedade que têm o talento de defender o princípio da consciência e liberdade. Ao escrever, ensinam as pessoas a respeitar e não dão espaço para que se envolvam em extremismo violento e em atrocidades devido à sua mundovisão. Agradeço a todos pelo vosso trabalho em favor de um mundo melhor e da dignidade humana. Milhões estão gratos pelo vosso apoio na defesa do princípio da consciência e liberdade, e por darem voz àqueles não a têm. Desejo-vos grande prazer e inspiração ao lerem estes livros: História da Liberdade e o Respeito pelas Diferenças e Agentes e Embaixadores da Paz. Muito obrigado.

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1.3 Harald MUELLER1

Pessoas na História que Experimentaram a Liberdade Religiosa ou a Falta Dela

Juiz Dr. Harald Mueller – Foto ©AIDLR

Gostaria de apresentar este volume de Consciência e Liberdade. O título é: História da Liberdade e Respeito pelas Diferenças. Tal como o título sugere, este volume tem duas partes. Na primeira parte, podemos olhar profundamente para a História e ler artigos sobre fundamentos filosóficos e religiosos. Encontram aí pensamentos de Moisés, Confúcio, Jesus, Maomé, Lutero e Gandhi, os quais contribuíram de diferentes formas para o desenvolvimento da Liberdade Religiosa. Assim, temos um material rico neste volume. Podemos ler mais e encontrar pessoas na História que fizeram a experiência da Liberdade Religiosa ou a ausência desta. Podemos ver a torre no Sul de França onde Marie Durant esteve detida durante 38 anos em condições miseráveis, no século XVIII, porque era Protestante. 1 Harald MUELLER é Juiz em Hannover e Membro do Conselho da filial alemã da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa. É o Diretor do Instituto de Liberdade Religiosa na Universidade de Friedensau, Alemanha.


Pessoas na História que Experimentaram a Liberdade Religiosa ou a Falta Dela

Ou podemos ver Roger Williams, que foi para a América do Norte por razões religiosas e que viveu a experiência da intolerância da parte dos Puritanos, seus correligionários. Foi para Rhode Island, a fim de construir um sistema em que a liberdade de religião fosse estabelecida para todos. Como sabem, isto teve um impacto importante no desenvolvimento constitucional dos Estados Unidos da América da América. Lemos sobre Lutero e João Huss, e aprendemos sobre uma parte da Roménia onde a Liberdade Religiosa era protegida pela lei já no século XVII. Ouvimos falar de tempos em que o relacionamento entre o Estado e as Igrejas foi estabelecido em países como a Itália, a Espanha e Portugal. Mas este rico material não é para nosso entretenimento científico, mas para aprendermos da História sobre a nossa situação atual. Vemos as mudanças no desenvolvimento histórico. Lembro-me de um congresso sobre Liberdade Religiosa em que estive há quatro anos na República Dominicana, e um dos temas foi: “Que perigos para a Liberdade Religiosa representa o secularismo?” Agora, uns anos mais tarde, a situação já mudou e estamos profundamente preocupados com o progresso do populismo. O populismo está a separar sociedades e, consequentemente, está a ameaçar a situação das minorias, incluindo as minorias religiosas. Por isso, é necessário observar as mudanças e os desenvolvimentos históricos e adaptar a nossa compreensão dos perigos para a Liberdade Religiosa e daquilo que podemos fazer a favor da proteção da Liberdade Religiosa à luz dos novos desenvolvimentos que estamos a viver neste momento. Este livro pode ajudar-nos a afinar a nossa visão. Gostaria de falar da segunda metade deste volume: História da Liberdade e o Respeito pelas Diferenças. Estamos a falar aqui num lugar seguro, no mesmo sentido a discutir sobre Liberdade Religiosa a alto nível, ou seja, de uma forma teórica, e tentamos manter este nível, mas a questão deveria ser: Como podemos usar num nível prático o que discutimos aqui? Como pode isto ser posto em prática? Quantos dos nossos resultados serão transferidos para uma aplicação prática? Será a sociedade capaz de lidar com a diversidade religiosa? Este termo tem sido utilizado frequentemente nos nossos dias e como está a sociedade capacitada para avançar com isto? É muito fácil confessarmos oralmente com a nossa boca uma etiqueta positiva. Posso recordar alguns exemplos de aconselhamento às pessoas que têm problemas com a Liberdade Religiosa, e, neste momento, tenho dois casos a aconte-

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Harald MUELLER

cerem com Adventistas que têm problemas para guardar o Sábado: uma pessoa tem de fazer um exame neste dia e a outra era uma professora que tinha de ir a um seminário que se realizava regularmente à sexta-feira à noite, sobrepondo-se ao início do Sábado. Esta senhora tentou falar com as pessoas responsáveis para perguntar se poderia deixar o evento um pouco mais cedo para guardar o Sábado, e a resposta foi: “Não, não é possível, nós temos os nossos princípios. Claro que implementamos os princípios de Liberdade Religiosa, mas, neste caso, você deve abrir uma exceção.” Esta é a experiência prática destas pessoas. Quando chego a casa nalguns dias, tenho de continuar a trabalhar nestes problemas. Não é tão fácil chegar a um nível prático. [Como é que tornamos os outros mais abertos] à Liberdade Religiosa? Gostaria de concluir com uma frase da introdução desta revista escrita pelo Dr. Liviu Olteanu: “O respeito pelas diferenças começa com a aceitação dos direitos, da dignidade e das opiniões dos outros, e por tratá-los como nós mesmos gostaríamos de ser tratados.” Muito obrigado.


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1.4 Harri KUHALAMPI1

Um Sentimento Pessoal de Paz, Esperança e Liberdade está no Centro da Espiritualidade Humana

Dr. Harri Kuhalampi – Foto ©AIDLR

Excelências, senhoras e senhores, os nossos Direitos Humanos universais, que incluem a Liberdade Religiosa, constituem o fundamento e a pré-condição para a nossa experiência pessoal de paz, esperança e liberdade. Estes conceitos só são importantes, se nós mesmos tivermos um conhecimento individual interior do que eles significam. Paz, esperança e liberdade são alguns dos elementos essenciais que dão significado à nossa vida e que nos fortalecem em face dos seus desafios. 1 Harri Kuhalampi é Conselheiro do Membro do Parlamento Europeu Hannu Takula em Bruxelas. Ele juntou-se ao Escritório do MEP Hannu Takkula no Parlamento Europeu como Assistente Parlamentar em 2011. Tem um Doutoramento em Teologia e tem um interesse especial em assuntos relacionados com a liberdade de religião ou crença. A sua carreira inclui mais de 20 anos de experiência pastoral na Finlândia, Suécia e no Paquistão, bem como anos a dar aconselhamento e formação como provedor independente de serviços. A sua experiência internacional e o seu conhecimento com várias comunidades religiosas dão-lhe a perspetiva prática necessária para compreender tanto os desafios como as possibilidades ligadas à Liberdade Religiosa. Participou em várias conferências internacionais que trataram da liberdade de religião ou crença, e publicou artigos sobre o tema.


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Harri KUHALAMPI

Que significado tem a paz no mundo, se há tumulto e confusão dentro de nós? A liberdade na sociedade não é realmente importante, se nós estivermos cativos do medo, da vergonha ou da culpa, e o otimismo geral só pode ser visto como esperança e encorajamento, se as nossas próprias perspetivas do futuro forem positivas e existirem opções suficientes entre as quais se possa escolher. Portanto, um sentimento pessoal de paz, esperança e liberdade está no centro da espiritualidade humana. Estas qualidades também estão envolvidas no verdadeiro significado de todas as religiões. Embora as estruturas exteriores dos sistemas religiosos sejam importantes de muitas maneiras para as comunidades

Livro lançado no Palácio das Nações de Genebra, nov. 2017 – Da Esquerda: Dr. Harri Kuhalampi, Dr. Bruno Vertallier, Sr. Mário Brito, e Juiz Dr. Harald Muller – Foto ©AIDLR

e para todos os seres humanos, os valores/princípios de qualquer religião podem ser encontrados nos benefícios interiores que ela oferece às pessoas individualmente. Para obtermos paz interior – paz num sentido existencial –, tendemos a voltar-nos para algo maior do que nós mesmos. Uma forma familiar de religião oferece-nos habitualmente essa experiência. Geralmente entende-se que apenas aos indivíduos são concedidos Direitos Humanos e liberdades fundamentais, incluindo a liberdade de religião ou crença. Consequentemente, os direitos universais não pertencem a comunidades religiosas ou a grupos de fé. Aqui reside um problema. Na maioria das vezes, é só partilhando com uma comunidade que


Um Sentimento Pessoal de Paz, Esperança e Liberdade está no Centro da Espiritualidade Humana

essas crenças religiosas, esses valores e essas experiências individuais podem dar a uma pessoa a experiência completa da paz ou da esperança. Se desejarmos verdadeiramente confirmar a Liberdade Religiosa como um direito humano concedido aos indivíduos, devemos compreender que isto inclui necessariamente estender este direito também às comunidades de fé. Percebida individualmente, a religião ou a crença sem uma comunidade relevante que tenha as mesmas ideias é realmente rara, se é que existe. O indivíduo deve ser o centro da atenção, porque é o indivíduo que é o centro da atenção da paz e da liberdade, da esperança e da segurança. No entanto, o diálogo sobre Liberdade Religiosa precisa de penetrar em todos os níveis da vida humana e de incluir todos os parceiros afetados. O livro Agentes e Embaixadores da Paz demonstra adequadamente a natureza multifacetada da Liberdade Religiosa. Os artigos testemunham do facto de que a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa tem adotado uma abordagem ampla da questão. Este escopo abrangente é muito apropriado e louvável. Este livro é a celebração do facto de que todos os pontos de vista, bem como todos os argumentos são necessários para se ter um quadro completo deste assunto complexo. Uma leitura do livro promove a consciência dos enormes desafios para a liberdade de religião ou crença que ainda estão presentes no nosso tempo. A preocupação com o aumento do ódio e da intolerância, mesmo em muitas sociedades ocidentais tradicionalmente de mente-aberta, compele-nos a continuar os nossos esforços conjuntos para falar alto a favor da liberdade, da paz e da esperança. Ações determinadas são agora necessárias para confirmar que os Direitos Humanos fundamentais, incluindo a liberdade de religião ou crença, ainda são valores absolutos que devem ser mantidos. Antes que uma ação justificável possa ter lugar, deverão existir ideias claras e uma extensa compreensão das questões. Os artigos em Agentes e Embaixadores da Paz proporcionam-nos esse conhecimento. Ao mesmo tempo, reconhecemos que ainda há muita coisa a ser feita para assegurar a todas as pessoas uma total liberdade, para garantir paz através das comunidades de fé ou dos sistemas de crença, que elas mesmas acharem relevantes. Para essa finalidade, este livro é também uma inspiração. Muito obrigado.

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CAPĂ?TULO

2 Um Apelo Urgente aos Decisores PolĂ­ticos: Promover a Paz e Sociedades Inclusivas ao Promover a Liberdade Religiosa.


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2.1. Sua Excelência, o Sr. Adama DIENG1

Todos os Seres Humanos – Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas ou Ateus – Nasceram Livres e Iguais em Direitos e Dignidade

Sua Excelência, o Sr. Adama Dieng – Foto ©AIDLR

Obrigado, queridos amigos, distintos convidados, senhoras e senhores. Gostaria de começar por agradecer à Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) por preparar esta Cimeira Global. O meu agradecimento especial vai para o Dr. Liviu Olteanu, que teve a visão de organizar esta conferência internacional sobre um tema que não só é muito oportuno, mas que é também um tema que diz respeito a todos nós: Religião, Paz e Segurança. A paz e a justiça são os fundamentos sobre os quais todas as sociedades devem ser construídas, se quisermos alcançar um desenvolvimento sustentável, respeito pelos Direitos Humanos e a soberania do direito; sustentabilidade é a nossa palavra-passe para o futuro. Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que foram adotados pela Assembleia Geral em setembro de 2015 sublinham a importância desses objetivos. 1 Adama Dieng é o Vice-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio.


Todos os Seres Humanos – Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas ou Ateus – Nasceram Livres e Iguais em Direitos e Dignidade

Sob o Objetivo 16 dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável propostos pelas Nações Unidas, todos os Estados-Membros se comprometeram a: “Promover sociedades pacíficas inclusivas para um desenvolvimento sustentável, providenciar a todos o acesso à justiça, e desenvolver instituições eficazes, respeitáveis e inclusivas a todos os níveis.” Isto significa que nenhum desenvolvimento é possível e sustentável sem abordar questões relacionadas com a agenda das Nações Unidas para a paz e a segurança. No entanto, apesar dos princípios nobres que inspiraram o nosso trabalho, paz e segurança, desenvolvimento sustentável e respeito pelos Direitos Humanos continuam a faltar e ainda são um sonho em demasiadas partes do mundo. Vivemos num mundo onde o interesse pessoal e a violência colocaram em risco a sobrevivência das gerações futuras e também, nalgumas regiões, da nossa própria geração. Desde a Segunda Guerra Mundial que não testemunhávamos tanta violência a uma escala global: a República Centro-Africana, o Iraque, a Líbia, o Sul do Sudão, a Síria, o Sudão, o Iémen, só para mencionar algumas das piores situações; pessoas estão a morrer cada dia em conflitos violentos que nunca deveriam ter começado. Mas estas situações não são a nossa única preocupação. Estamos cada vez mais a testemunhar em países e regiões que um dia já foram consideradas pacíficas, incluindo a Europa e os Estados Unidos da América da América, um aumento nos crimes de ódio e na violência alimentado pela intolerância, pelo racismo e pela xenofobia. Sentimos que, embora todos tenhamos esquecido as lições aprendidas no século passado, já não podemos continuar neste caminho. Lamentavelmente, meus queridos amigos, a religião tem um papel ativo em muitos dos conflitos ativos ou latentes que estamos a testemunhar atualmente e é mal utilizada para justificar a crueldade selvagem e as atrocidades. De facto, a religião é frequentemente usada (eu diria, manipulada) por partes com interesses investidos que procuram obter ganhos ao fomentarem as divisões entre pessoas de crenças diferentes, e que algumas vezes até encorajam, incitam e cometem crimes atrozes. O espírito de intolerância que se alimenta dos medos das pessoas pode eclipsar a razão humana e alimenta os conflitos religiosos. É uma situação triste quando os mesmíssimos valores que dão conteúdo às nossas maiores instituições e que orientam as nossas mais nobres aspirações humanas são usados para justificar a inflição de sofrimento, dor e horror. Todos os seres humanos, sejam quais forem as suas crenças ou as suas opiniões, sejam Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas, Pagãos ou Ateus, nasceram livres e iguais em dignidade e direitos. Este é um princípio fundamental da Declaração Universal dos Direitos Humanos.

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Adama DIENG

Segundo a Lei Internacional dos Direitos Humanos, os Estados têm obrigação de trabalhar para satisfazer os direitos das suas populações seja a nível económico, social, civil ou cultural. Onde os Direitos Humanos são protegidos e a autoridade da lei é respeitada, as pessoas não enfrentam a discriminação ou a exclusão com base na sua identidade, incluindo a sua identidade religiosa. É muito mais provável que coexistam pacificamente, e esta coexistência pacífica estabelece o terreno para o desenvolvimento social e económico e para a prosperidade. Os Estados que demonstram valorizar a diversidade e o desenvolvimento, Estados que promovem os benefícios de ter uma sociedade pluralista, têm mais probabilidades de se tornarem estáveis e fortes; e desafio quem quer que seja a discordar dessa afirmação. Este princípio do respeito pela diversidade, respeito pelas diferenças entre as pessoas, incluindo as suas crenças, é fundamental para o desenvolvimento de sociedades estáveis e pacíficas, sociedades que podem suportar períodos de tensão e stresse, e essas sociedades são mais resilientes ao conflito e aos crimes atrozes. Deixem-me enfatizar que garantir o respeito pelos direitos de todas as pessoas sem discriminação ou distinção implica a proteção ativa daqueles que estão mais em risco e cujas vozes podem não ser ouvidas. Em muitas sociedades, este grupo inclui as comunidades religiosas minoritárias. Um ponto de partida para essa proteção é consagrar a proteção dos Direitos Humanos nas leis domésticas, incluindo o direito à liberdade de religião e à crença, e o direito de praticar a religião da sua escolha. Mas, embora o Estado tenha a responsabilidade primária de proteger a sua população e de promover os Direitos Humanos, cada um de nós também tem uma responsabilidade. Antes, estava a mencionar ao ilustre Embaixador do Senegal o papel tido pelo Capitão Mbaye Diagne durante o Genocídio dos Tutsis no Ruanda: apesar das instruções vindas do Iraque, Diagne decidiu passar por toda a Kigali e, graças a esse sacrifício, foi capaz de salvar pelo menos 700 Tutsis de serem assassinados. Portanto, isso mostra que a responsabilidade de proteger, embora sendo a principal responsabilidade do Estado, é a responsabilidade de cada um de nós. Mas deixem-me dizer que, embora acredite firmemente que nós, como indivíduos e coletivamente, podemos ajudar a construir uma cultura de não-violência através de uma clara compreensão da nossa humanidade comum e dos nossos objetivos partilhados, no fim todos queremos ter uma vida decente, uma família e uma comunidade partilhada. Não nos esqueçamos de que somos um mundo, somos uma Humanidade, podemos trabalhar para alcançar os nossos objetivos sozinhos, mas unidos somos mais fortes e, por esta razão, acredito


Todos os Seres Humanos – Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas ou Ateus – Nasceram Livres e Iguais em Direitos e Dignidade

que esta Cimeira pode dar um exemplo, ao enviar a mensagem de que a religião pode ter um papel central na promoção da paz, da segurança e dos Direitos Humanos, e que diferentes atores podem e devem trabalhar juntos para evitar o que eu chamo “os confrontos da ignorância”. Na realidade, costumava dizer que Huffington, quando se refere aos confrontos de civilizações, parece agora ser contraditado, porque ele referia-se ao fim da História, mas penso que, segundo a minha antiga colega, Jennifer Welsh, que acaba de publicar um livro intitulado De Volta à História, estamos a enfrentar esse retorno à História, e a minha crença é de que nós necessitamos de evitar os confrontos de ignorância. Precisamos de nos assegurar de que nos respeitamos uns aos outros, de que nos conhecemos melhor uns aos outros. Meus queridos amigos, o meu Gabinete – o Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e Responsabilidade de Proteger – fez uma pesquisa extensiva aos fatores que levam ao aumento do risco de violência, e sabemos que, nas sociedades que são frágeis devido à instabilidade política ou outras formas de instabilidade, um dos gatilhos-chave para a violência que pode conduzir aos crimes atrozes é o que chamamos “discurso de ódio”: o tipo de mensagens no discurso público ou na Media que encorajam ou incitam as pessoas a cometer violência contra comunidades específicas. Este tipo de discurso é um precursor frequente da violência que visa comunidades, baseada na sua identidade religiosa ou étnica. Nas Nações Unidas, temos falado repetidamente contra esse incitamento, que é proibido pela Lei Internacional. Qualquer defesa de ódio nacional, racial ou religioso, que constitua incitamento ou discriminação, hostilidade ou violência, é proibida, mas estamos a ver este tipo de discurso incitador perigoso em países tão diferentes como o Burundi, a República Centro-Africana, o Myanmar, o Iraque, bem como em países aparentemente pacíficos, incluindo a região Europeia e os Estados Unidos da América da América. Infelizmente, os oradores são muitas vezes líderes religiosos. Ao mesmo tempo, também temos muitos exemplos de líderes religiosos corajosos que têm falado contra a intolerância, combatendo e rejeitando o discurso de ódio baseado em identidade e a incitação, incluindo na Síria, na Nigéria, na Ucrânia e nos Estados Unidos da América da América. Devemos fazer mais para apoiar aqueles que não falam. Devemos envolver mais líderes religiosos para que as suas vozes sejam ouvidas. Devemos também fazer mais para nos envolvermos com líderes religiosos não pertencentes às religiões principais, especialmente em situações em que as sociedades estão

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Adama DIENG

divididas ao longo de linhas de identidade e as tensões são elevadas. A minha convicção sobre a importância da influência dos líderes religiosos na prevenção do incitamento à violência, a qual poderia levar a crimes atrozes, levou-me a envolver-me mais diretamente com essas personalidades eminentes. Em abril de 2015, o meu Gabinete convocou um Fórum de líderes religiosos em Fez, Marrocos, em colaboração com o Centro do Rei Abdullah para o Diálogo Inter-Religioso e Intercultural (KAICIID), com a Delegação Interministerial Marroquina de Direitos Humanos (DIDH) e com a Rabi Mohammadia dos Oulémas. O resultado deste Fórum, que reuniu líderes religiosos de todo o

Sala XVII – Palácio das Nações, Genebra – Foto ©AIDLR

mundo, foi a Declaração de Princípios para que os líderes religiosos seguissem um plano que estabeleceu opções para as ações que eles podiam tomar em situações onde existe um risco de violência que possa levar a crimes atrozes. E no seguimento do primeiro Fórum, nas reuniões regionais nos cinco Continentes, líderes religiosos de diferentes crenças e tendências trabalharam em conjunto para desenvolver planos de ação para contextos específicos para a prevenção do incitamento, incluindo em situações onde a violência está eminente ou é contínua. A última reunião regional deste tipo, tendo como foco a Ásia-


Todos os Seres Humanos – Muçulmanos, Hindus, Cristãos, Judeus, Budistas ou Ateus – Nasceram Livres e Iguais em Direitos e Dignidade

-Pacífico, irá ter lugar entre 6 e 7 de dezembro de 2016 em Bangkok, Tailândia. Depois disso, iremos lançar o Plano Global de Ação, conhecido como o “Plano de Ação Fez”2 e apelo ao apoio para a sua implementação. Irmãos e irmãs na Humanidade, promover a paz e a segurança e prevenir a violência e os crimes atrozes é uma responsabilidade que recai sobre todos nós, e não apenas sobre um dos atores, Estado-Membro, organização regional e sub-regional, organizações internacionais, sociedade civil, líderes religiosos e atores, bem como sobre todos os indivíduos. Deixem-me lembrar-vos novamente: todos temos um papel a desempenhar, e cada um de nós, e todos nós, podemos fazer a diferença; e não tenho dúvida alguma de que a religião pode contribuir para promover a paz e a segurança, os Direitos Humanos e o desenvolvimento. Não existe uma única religião que não celebre a santidade da vida e é por isso que, durante o nosso evento paralelo de setembro, à margem da Assembleia Geral, só pude concordar com o Papa Francisco I quando ele disse que aqueles que estão a cometer crimes atrozes em nome de Deus não o fazem em nome de Deus, mas sim em nome de Satanás; também faço referência às palavras santas do Profeta do Islão, Muhammad Sallallahu Alaihi wa Sallam, quando ele disse: “Sempre que se salva uma vida humana, é como se se salvasse toda a Humanidade.” Se realmente nos preocupamos com a dignidade e a vida humanas, se realmente estamos decididos a não deixar ninguém para trás, e a cumprir a promessa de nunca mais, precisamos de unir as nossas mãos. A nossa credibilidade está em jogo aqui. Agradeço a vossa muito amável atenção.

2 www.webtv.un.org “Fez Plan of Action”, 14 de julho de 2017.

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2.2 Liviu OLTEANU1

Na Viagem para a Paz, Cada Vida Conta!

Dr. Liviu Olteanu – Foto ©AIDLR

Em primeiro lugar, gostaria de expressar o meu profundo apreço e gratidão às Nações Unidas, especialmente ao ilustre Adama Dieng, o sub-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral para a Prevenção do Genocídio e Responsabilidade de Proteção, por ser o coorganizador da Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança com a AIDLR. Agradeço ao Embaixador Béla Szombaty, em nome da União Europeia, e ao Dr. Jan Figel, Enviado Especial da UE para a Liberdade de Religião ou Crença; também agradeço à Embaixadora 1. Liviu Olteanu é o Secretário-Geral da AIDLR e Doutor em Direito summa cum laude sobre “Origens e Horizonte para a Luta da Liberdade Religiosa – A Diplomacia das Nações Unidas em Ação para Proteção da Liberdade de Religião”; especializou-se em Direitos Humanos, em Educação, em Teologia, em Diplomacia, em Assuntos Públicos e Liberdade Religiosa, em Política, em Políticas e Organizações Internacionais; participa regularmente em conferências internacionais, como por exemplo, o G7 “Segurança e Discurso de Ódio”, que teve lugar em Roma, em setembro de 2017, na “Cimeira Intercrenças” do G20 desde 2014; nas Nações Unidas, aquando do lançamento do “Plano de Ação para os Líderes Religiosos e os Atores para Prevenção do Genocídio”, que teve lugar na Sede das Nações Unidas, em julho de 2017; na OSCE em Varsóvia e Viena, etc.; também criou o “Quadro de Diálogo dos Cinco” e coorganizou a Cimeira Global das Nações Unidas sobre “Religião, Paz e Segurança”, com o Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio, copatrocinada pela União Europeia; pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e Cooperação de Espanha, pelo Conselho Mundial das Igrejas, pela Fundação Pro Vivere Dignum, etc...


Na Viagem para a Paz, Cada Vida Conta!

Belén Alfaro – da Aliança das Civilizações no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha, por terem aceitado patrocinar a Cimeira Global. Agradecimentos especiais aos colaboradores: Maurer Imobiliare, Fundação Pro Vivere Dignum, ao Conselho Mundial das Igrejas, à ADRA-Alemanha, ao IIRF, e a muitos outros amigos, tais como Antonio Nistor e colegas, que nos ajudaram e contribuíram para a organização desta Cimeira histórica. Excelências, Senhoras e Senhores, permitam-me salientar, no início desta Cimeira, as duas ideias principais sobre as quais nos iremos focar e debater durante os próximos três dias: 1. Na questão dos Direitos Humanos, da paz, da segurança e da Liberdade Religiosa, nada de natureza política acontece por acidente. 2. A paz é uma caminhada, um processo sem fim. Neste tempo, em que – segundo Zeid Ra’ad Al Hussein, o Alto- Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos – o mundo enfrenta um número cada vez maior de crises simultâneas, acreditamos fortemente que este trabalho de cooperação entre os atores internacionais, regionais e nacionais de Direitos Humanos é claramente necessário, para que todos nós possamos gerar mais impacto. A AIDLR, a Associação que tenho a honra de representar, condena firmemente toda a violência e terrorismo, toda a discriminação e toda a perseguição de Cristãos, Judeus, Muçulmanos, Budistas, Hindus, Ateus, etc., não importando onde ocorra a tragédia; há uns anos começou nos EUA, e depois em Madrid, em Londres, no Bali, na Austrália, e agora, mais recentemente, no Iraque, na Síria, no Quénia, no Paquistão, em Paris, em Baga, na Nigéria – onde dois mil Cristãos foram mortos – e também na Dinamarca e na Líbia. Cada pessoa é única e cada vida conta! Gostaria de acreditar que todos nós desejaríamos que não houvesse mais violência, nem terrorismo e Genocídio no nosso mundo. Cada pessoa é única; cada vida conta e deve ser protegida. Estamos preocupados com a maneira como a intolerância, a discriminação e a violência em nome da religião alcançou proporções inimagináveis e sem precedentes no século XXI. Anos recentes viram um aumento na perpretação de crimes atrozes em situações em todo o mundo, tanto por Estados como grupos armados não-estatais. Ao mesmo tempo, temos testemunhado a propagação do extremismo violento, que usa a religião para justificar a violência brutal contra civis. Em paralelo, também temos visto como estes fenómenos – que, em muitas situações, representam uma ameaça à paz e à segurança internacionais – podem ser

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Liviu OLTEANU

facilmente manipulados para justificar limitações dos direitos e das liberdades fundamentais, incluindo os Direitos à Liberdade de Religião e Crença, e à liberdade de expressão de opinião. Nestes tempos difíceis, é importante que os atores internacionais, regionais e nacionais, incluindo os Estados-Membros, a sociedade civil e as organizações internacionais, nacionais e regionais – em particular os líderes religiosos, os eruditos e a Media – coordenem as suas respostas a estes fenómenos de maneira a promover o respeito pelas liberdades fundamentais, prevenir e responder às violações dos Direitos Humanos e das leis humanitárias internacionais que possam constituir crimes atrozes, e evitar e combater o extremismo violento, com o objetivo de proteger as populações e de promover a paz e a segurança internacionais, bem como sociedades pacíficas e inclusivas. Acreditamos que o respeito pela dignidade de cada pessoa, a proteção dos direitos fundamentais, da lei internacional e da Liberdade Religiosa de acordo com a consciência de cada um, ou o direito de cada pessoa a exprimir-se livremente e sem medo, deveriam representar para a comunidade internacional (Nações Unidas, União Europeia, Conselho da Europa, OSCE, OIC, etc.), não apenas uma prioridade, mas uma urgência; o respeito pela vida e pela dignidade de cada pessoa requer uma vigilância comum e empatia para com todos aqueles que estão a sofrer: crianças, raparigas, mulheres, jovens e adultos, não importam a cultura, a cor, a religião ou a crença, a educação, etc.. Amamos a diversidade e a cultura do respeito, e temos de fazer tudo para promover o diálogo intercultural e inter-religioso. A AIDLR é a favor da Resolução 2170 do Conselho de Segurança das NU (UNSC) (2014) sobre: “Reafirmar que o terrorismo constitui uma das mais graves ameaças à paz e à segurança internacionais”, “salientando que o terrorismo só pode ser derrotado com uma abordagem compreensiva e sustentável envolvendo a participação ativa e a colaboração de todos os Estados, e de todas as organizações internacionais e regionais”. Há uma série de valores universais na Declaração Universal dos Direitos Humanos que goza de aceitação internacional: Justiça, solidariedade, liberdade e tolerância. Mas existe uma diferença entre os valores das crenças que temos e os valores que realmente vivemos. Para este objetivo, a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa e o Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger estão a convocar esta Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança. O objetivo dessa Cimeira Global é debater como diferentes atores podem trabalhar em conjunto para implementar estratégias que promovam a paz e partilhar boas práticas. A Cimeira Global espera alcançar o


Na Viagem para a Paz, Cada Vida Conta!

objetivo de estabelecer uma plataforma internacional sobre “Religião, Paz e Segurança” em apoio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, em particular o Objetivo 16, sobre a “promoção de sociedades pacíficas e inclusivas”, e o Objetivo 17, sobre a revitalização de uma “parceria global” para um desenvolvimento sustentável. Em resumo, aqui ficam algumas propostas para alcançar uma compreensão autêntica, liberdade e paz: 1. Salientar o multiculturalismo e o respeito pelas diferenças, pelas minorias religiosas e a defesa da justiça, da democracia e da lei. A defesa da justiça é um desafio nos nossos dias. Uma das grandes dificuldades reside em reconciliar a identidade cultural e o respeito pelas diferenças numa sociedade onde crenças e culturas coexistem. O multiculturalismo requer o ensino sobre COMO viver com as diferenças. Tudo aquilo de que as pessoas necessitam para desenvolver uma compreensão mais profunda dos conceitos religiosos e filosóficos das outras culturas. A AIDLR insiste numa educação intercultural. É necessário estabelecer a comunicação e a interação entre todas estas culturas sem apagar a identidade específica de cada uma delas. 2. Esforços para alcançar objetivos comuns, evitando os princípios confusos. A base da pedagogia da paz, do respeito e da não-violência, está numa educação em esperança e no aumento da liberdade. Os Direitos Humanos foram degradados para beneficiar princípios confusos, interpretados de acordo com ideologias individualistas e arbitrárias. 3. Dignidade, factos diferenciados e direitos fundamentais. Serem pessoas é o que dá aos seres humanos uma dignidade peculiar, segundo a qual não podem ser trocados por um preço. As pessoas diferem umas das outras: pela comunidade política à qual aceitam pertencer, pela sua filiação religiosa, pelo seu contexto cultural, e por inúmeras dimensões, que, no seu conjunto, formam um ser pessoal completo. 4. Medidas de comunicação e interação entre as religiões e as culturas. É fácil acreditar que se é tolerante, apenas pelo facto de se ser diferente. Se não conhecemos as ideias, as emoções e as esperanças dos outros, não podemos conhecê-los ou respeitá-los. A boa notícia é que os seres humanos podem apreciar o facto de existirem juntos na sua igualdade e nas suas diferenças, e enriquecer-se mutuamente com essas mesmas diferenças. A UNESCO sublinhou numa das suas declarações: Se quisermos paz, temos de nos lembrar de que as comunidades de fé têm a responsabilidade de promover comportamentos caracterizados pela sabedoria, pela compaixão, pela

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Liviu OLTEANU

arte da partilha, pela caridade, pela solidariedade e pelo amor; de inspirar cada um e todos para o objetivo de escolhermos o caminho da liberdade e da responsabilidade. As religiões devem ser uma fonte de energia criativa. Precisamos de assumir, na nossa maneira de pensar, que as religiões não têm de se identificar com nenhum poder político, social e económico, a fim de poderem ser livres para trabalhar a favor da justiça e da paz. Precisamos de promover a paz ao nos opormos às tendências de indivíduos, de comunidades e de religiões que pensam, ou que até ensinam, que são inerentemente superiores às outras. Temos necessidade de incentivar o diálogo e a harmonia entre as religiões e dentro de cada religião. Enraizados na nossa fé distinta, queremos contruir uma cultura de paz baseada na não-violência, na tolerância, no diálogo, na compreensão mútua e na justiça… Vamos apelar às várias religiões e tradições culturais para unirem forças e colaborarem connosco em espalhar a mensagem de paz. A AIDLR aprecia o apoio constante e contínuo da União Europeia a favor da Liberdade de Religião ou de Crença, e apoia fortemente as iniciativas do Gabinete de Prevenção do Genocídio e da Responsabilidade de Proteger neste sentido. A AIDLR insta a comunidade internacional, os Estados-Membros, os países Islâmicos, todas as delegações das Nações Unidas, as ONG’s internacionais a condenarem fortemente o discurso de ódio e o ódio religioso e o assédio, a violência, a intolerância, todos os tipos de discriminação religiosa, de perseguição, de terrorismo, de Genocídio e de assassinato de Cristãos, de Judeus, de Muçulmanos, e de outras crenças e minorias religiosas. A AIDLR salienta a necessidade de empatia internacional em face das crises dos outros, não importa onde aconteçam. Infelizmente, as audiências também tendem a olhar mais profundamente para as crises internas. A AIDLR pressiona a comunidade internacional a agir imediata e decisivamente através de uma resposta coordenada. Queremos, no fim destes três dias de debate, lançar uma Declaração Comum sobre “a Plataforma Internacional sobre Religião, Paz e Segurança”, proposta pela AIDLR e pelo Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio, que possa abrir um novo horizonte a favor da paz global e da segurança e com o apoio de todos os atores. Vamos trabalhar em conjunto com os Estados e os não-Estados, os atores do “Diálogo dos Cinco”, a favor dos Direitos Humanos, da democracia, da justiça e da paz.


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2.3 Heiner BIELEFELDT1

Temos que Superar as Tendências de Fragmentação (vídeoconferência)

H.E. Heiner Bielefeld – Foto ©AIDLR

Senhoras e Senhores, penso que esta Conferência Internacional é muito importante e deixem-me reconhecer, em particular, o trabalho feito pelo meu amigo Liviu Olteanu, Secretário-Geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa. Aquilo que Liviu Olteanu partilhou é a compreensão de que temos de superar as tendências de fragmentação; de que temos de trabalhar em conjunto – organizações da sociedade civil, representantes do Estado, corpos das Nações Unidas, mas também as entidades regionais, como o Conselho da Europa, a União Europeia, e entidades internacionais; isso é muito importante, em particular, dadas as tendências de fragmentação que temos observado com grande preocupação. 1 O Dr. Heiner Bielefeldt é o ex-Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade de Religião ou Crença; presentemente, é Professor Universitário e Catedrático de Direitos Humanos e de Política de Direitos, na Universidade de Erlangen-Nürnberg.


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Heiner BIELEFELD

Precisamos de colaboração em todas as áreas e a todos os níveis, e aqui sinto que é extremamente importante sublinhar o que a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa tem produzido, e em particular o seu Secretário-Geral Liviu Olteanu, o qual tem sido extremamente ativo em juntar atores nos campos da Liberdade Religiosa ou da Crença para trabalharem a níveis muito diferentes: o Conselho da Europa, a OSCE, a União Europeia e os vários mecanismos das Nações Unidas que trabalham neste campo. Penso que a Cimeira que estão a ter hoje é mais uma oportunidade para ver como os efeitos sinergéticos podem ser produzidos e para explorar mais sinergias existentes nesse campo, não as vendo, por um lado, como um desperdício; mas acho que é ainda mais perigoso não estar ciente de quem está a trabalhar neste campo. Isso também pode levar a uma maior fragmentação, resultando possivelmente num enfraquecimento mútuo daquilo que todos fazemos. A fragmentação também pode ser um convite para os Estados fazerem aquilo a que alguns têm chamado “fórum shopping”, isto é, para recorrerem a normas e padrões e instituições, que se adaptam melhor ao que eles têm em mente, mas isso seria um problema porque poderia conduzir a uma fragmentação das normas dos Direitos Humanos; e isso é o que nós estabelecemos nesse campo e o fórum dos Direitos Humanos só pode tornar-se efetivo quando unirmos as nossas forças. Muito obrigado.


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2.4 Sua Excelência, a Embaixadora Belén ALFARO1

Liberdade Religiosa e Crença, e Liberdade de Expressão, São Dois Pilares das nossas Sociedades

Sua Excelência a Embaixadora Belén Alfaro, Palácio das Nações de Genebra, nov. 2017 – Foto ©AIDLR

Quero agradecer ao Sr. Adama Dieng e ao Secretário-Geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, o Sr. Liviu Olteanu, por convocarem este encontro e pela sua iniciativa de realizarem esta Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança, assuntos muito importantes nos nossos dias, e por reunirem esta diversificada comunidade de especialistas dos Governos e da sociedade civil. Aquilo de que vou falar resume-se em cinco assuntos, cinco pontos: 1. “Quais são os desafios à nossa frente, qual é a situação?” 2. “Qual é a resposta para esses desafios? “ 3. “Setores Prioritários.” 4. “Atores Prioritários.” 5. Farei referência a algumas iniciativas que a Espanha está a apoiar no campo internacional. 1 Desde 2011, Sua Excelência Belén Alfaro é Embaixadora-Geral nas Nações Unidas para a Aliança das Civilizações e para o Diálogo Inter-Religioso no Ministério dos Negócios Estrangeiros de Espanha.


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Belén ALFARO

1. Os desafios à nossa frente – a situação atual. A globalização trouxe uma quantidade de efeitos positivos, mas também trouxe tensões devidas às diferenças culturais e religiosas. Um entre cada três conflitos tem uma causa ou uma raiz cultural ou religiosa. Estamos a testemunhar um aumento preocupante de ataques à liberdade de religião e um aumento no sectarismo, na intolerância, no extremismo violento e nos crimes atrozes. A liberdade de religião é uma prioridade principal, como está expresso na implementação da Resolução 16/13 do Conselho dos Direitos Humanos sobre liberdade de religião e crença, e da Resolução 16/18 do Conselho dos Direitos Humanos sobre o combate à intolerância e à discriminação baseadas na religião e na crença. A liberdade de religião e crença, e a liberdade de expressão são dois pilares das nossas sociedades. No que diz respeito ao extremismo violento, estamos a testemunhar uma vaga com o DAESH, com o Boko Haram, com o Al-Shabaab, e com outros grupos, mas o extremismo violento e o terrorismo não podem ser identificados com nenhuma religião, nenhuma nacionalidade, nem civilização ou grupo étnico. Não é um choque de civilizações; é um confronto entre civilização e barbárie. Este fenómeno não pode ser confundido com o Islão, porque a maioria das vítimas dos grupos extremistas são Muçulmanos pacíficos. 2. Qual é a resposta para esta situação? A resposta é mais diálogo intercultural e mais Diálogo Inter-Religioso. Precisamos de mais diálogo intercultural. A Espanha é um copatrocinador da Aliança das Civilizações das Nações Unidas, uma iniciativa que foi apresentada pela Espanha na Assembleia Geral das Nações Unidas e que, depois, se tornou num programa das Nações Unidas. Somos também membros fundadores da KAICIID, juntamente com a Arábia Saudita e a Áustria, e a promoção do diálogo intercultural e inter-religioso é uma prioridade na nossa política externa, e, agora, que somos membros não permanentes do Conselho de Segurança das Nações Unidas, temos apoiado a diplomacia preventiva no diálogo intercultural e inter-religioso, como ferramentas para a diplomacia preventiva e para a prevenção e a resolução de conflitos. O diálogo intercultural é uma dimensão do desenvolvimento. Temos uma agenda para o desenvolvimento sustentável, e é uma prioridade incluir o diálogo intercultural nas estratégias de desenvolvimento. No que diz respeito ao Diálogo Inter-Religioso, a religião é vista por alguns como a origem das tensões. Esta perceção esconde as causas reais do conflito, que são políticas ou sociais, mas


Liberdade Religiosa e Crença, e Liberdade de Expressão, São Dois Pilares das Nossas Sociedades

não religiosas. A religião pode contribuir para a solução. A religião pode ser um construtor de paz e um pacificador. Mas, para esta resposta e para um aumento do diálogo intercultural e inter-religioso, precisamos de uma abordagem multifacetada e é necessário aumentar os programas governamentais e das sociedades civis em certos setores prioritários e com alguns atores prioritários. 3. Setores Prioritários. Vou mencionar três: Educação, internet e Media. No que diz respeito à educação, precisamos de mais educação intercultural e inter-religiosa; precisamos de partilhar programas que se centrem em valores e desafios comuns, na educação para a paz e na resolução de conflitos. Os programas de resolução de conflitos são necessários nas escolas e nas Universidades: educação em valores e educação em Direitos Humanos. Na educação secular, bem como na educação religiosa, precisamos desta educação de partilha de valores e de respeito por todas as culturas e religiões. Em segundo lugar, o ciberespaço é um desafio do futuro. Vivemos numa sociedade de redes; temos de usar as mesmas ferramentas que usam os extremistas. O DAESH dissemina mais de 90 000 tweets diariamente, por isso é muito importante estarmos presentes nos meios sociais, no Google, no Twitter, no Facebook, etc.. Em todas estas ferramentas, as vozes da paz têm de ser mais altas do que as vozes de ódio e necessitamos de programas nesta área. Em terceiro lugar, os Media: É essencial que a Media sejam utilizados como um canal de diálogo e para a promoção de imagens positivas de outras culturas e religiões. 4. Quem são os atores prioritários? Os líderes religiosos e as organizações baseadas na crença têm um papel muito importante no processo de construção da paz. Têm uma influência enorme nas suas comunidades: os líderes locais são apoiados pelas suas comunidades, os líderes tribais, os líderes políticos locais. Eles têm um papel muito importante a desempenhar, e também é muito importante destacar o papel positivo que podem ter nesta área. Os atores secundários são pessoas jovens: os jovens de hoje serão os líderes de amanhã. A juventude representa o grupo mais vulnerável e, por esse motivo, é o alvo dos grupos extremistas. Precisamos de mais programas para os jovens; atividades com eles fora das escolas, bem como desportos, artes, e um aumento de programas para eles. Os terceiros atores são as mulheres, que são muito importantes e que têm sido subestimadas no passado. Elas podem

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Belén ALFARO

desempenhar um papel crucial contra o extremismo violento, ao participarem na prevenção e na resolução dos conflitos. 5. Algumas propostas que a Espanha apresentou na Aliança das Civilizações das Nações Unidas. Temos algumas propostas que estão a ser implementadas e pensamos que é muito importante trabalhar nesta direção. São: a criação de um Comité para a tolerância e as mensagens positivas na internet. É importante que o setor público trabalhe juntamente com o setor privado, para usar as mesmas técnicas que o setor privado usa, bem como técnicas de publicidade para propagar as vozes da tolerância contra as vozes de ódio. Também estamos a trabalhar com a Aliança das Civilizações das Nações Unidas para termos uma estratégia de comunicações que inclua acordos com líderes e formadores de opinião, com figuras e setores públicos que estão mais próximos dos jovens, tais como os desportos e as artes. Em Espanha, também estamos a trabalhar nesta direção a nível nacional. A terceira área de propostas é a da diplomacia preventiva e da resolução de conflitos. Propusemos a inclusão de peritos em assuntos interculturais e inter-religiosos na equipa de mediadores das Nações Unidas, para darem assistência às missões políticas das Nações Unidas e aos mediadores, porque é importante conhecer a extensão de sensibilidades quando se faz mediação nos conflitos. Também fizemos a proposta de incluir especialistas em assuntos interculturais e inter-religiosos nas operações de manutenção da paz das Nações Unidas, e de incluir o Diálogo Inter-Religioso na agenda da Comissão das Nações Unidas para a Construção da Paz, porque, nas situações pós-conflito, é muito importante para apoiar medidas para a reconciliação das diferentes comunidades por meio do Diálogo Inter-Religioso. Também estamos a apoiar, e pensamos que isto é urgente, a promoção da criação de plataformas para líderes religiosos para a paz nas áreas de conflito, onde mais são necessárias, tais como a Síria, o Iraque, Israel e a Palestina. A este respeito, a Espanha recebeu, em Alicante, um encontro de líderes religiosos vindos de Israel e da Palestina: Judeus, Muçulmanos e Cristãos, a favor da paz; para desenvolver o papel dos líderes religiosos na construção da paz e o seu contributo para a tolerância e para a coexistência pacífica. No que diz respeito às mulheres, estamos a trabalhar no seu papel para a prevenção e para a resolução de conflitos. Durante a nossa Presidência do Conselho de Segurança, no ano passado, foi aprovada a Resolução 2442, que reforça


Liberdade Religiosa e Crença, e Liberdade de Expressão, São Dois Pilares das Nossas Sociedades

o papel das mulheres como agentes de paz, para melhorar os seus papéis em processos de paz, em negociações de paz e na implementação de acordos de paz, o que é de importância particular. Após a implementação desta resolução foi criado um grupo de pontos focais que começou a realizar reuniões com países específicos. Houve uma reunião no Mali, onde analisaram como é que as mulheres poderiam apoiar a paz na situação do Mali; o papel das mulheres nesta área; na resolução e na prevenção de conflitos. Finalmente, a última área em que estamos a trabalhar com as Nações Unidas é no estabelecimento de um guia de boas práticas para a educação e para a diversidade na integração social. No que diz respeito à aprendizagem para as crianças, aprender os seus estudos ou aulas de cor não é o mais eficiente para elas, por isso é importante fazer um estudo das melhores práticas que têm tido mais sucesso em diferentes países e Continentes, para que elas sejam conhecidas por outros e possam assim ser implementadas. Para concluir, destaco a responsabilidade não apenas dos Estados, dos Governos, das organizações internacionais, dos Governos locais, mas também da sociedade civil, das academias, dos líderes religiosos, das organizações de mulheres e das organizações de jovens; e é responsabilidade de todos nós lutarmos contra o extremismo violento, contra os crimes atrozes e pelo aumento do nível de educação nesta área. Esta Cimeira é um misto de representantes de diferentes áreas e eu espero ansiosamente pelos resultados. Muito obrigado.

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2.5 Sua Excelência Sr. Béla SZOMBATI1

A União Europeia Está Determinada a Promover a Liberdade de Religião e Crença nas suas Relações Exteriores

Sua Excelência, o Sr. Béla Szombati, Embaixador – Foto ©AIDLR

Gostaria de começar por exprimir o meu prazer em fazer parte da Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança. Os meus agradecimentos ao Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio e a Responsabilidade de Proteger, e à Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, coorganizadores deste evento, por me darem a oportunidade de falar sobre os esforços da União Europeia focados na proteção e na promoção da liberdade de religião e crença. Estes esforços, e a importância que lhes atribuímos, são sublinhados pela presença e participação, em dois dos vossos painéis, do Enviado Especial da UE, o Sr. Jan Figel. Deixem-me sublinhar aqui que o direito humano univer1 Sua Excelência, o Sr. Béla Szombati é, desde outubro de 2014, Ministro Conselheiro, Vice-Chefe da Delegação da União Europeia em Genebra. É um diplomata de carreira que tem servido como Embaixador em Washington, Londres e Paris, representando a Hungria.


A União Europeia Está Determinada a Promover a Liberdade de Religião e Crença nas suas Relações Exteriores

sal à liberdade de pensamento, de consciência e de religião, protegido por uma quantidade de convenções internacionais, incluindo a Convenção Internacional dos Direitos Civis e Políticos, consagrado na carta dos direitos fundamentais da União Europeia, é uma alta prioridade da política de Direitos Humanos da UE. A União Europeia defende e promove a posição principal de que a liberdade de religião ou crença é um direito fundamental a que todos têm direito, em qualquer lugar. A UE não se associa ela mesma com nenhuma religião ou crença específicas, todas devem ser tratadas de maneira indiscriminada, em qualquer lugar. A União Europeia está decidida a promover uma abordagem dos Direitos Humanos baseada, entre outros, no princípio da igual promoção e proteção de todos os Direitos Humanos, incluindo a liberdade de religião e crença e a liberdade de expressão em todos os seus aspetos. As ações neste campo devem estar firmemente ancoradas no enquadramento dos Direitos Humanos. Mas a legislação sozinha não é suficiente. Acreditamos que é precisa uma abordagem completa, incluindo medidas preventivas: diálogo, educação, promoção da tolerância e pluralismo. O direito fundamental do todo o ser humano à liberdade de religião e crença, consagrado em documentos da ONU, e que levou à adoção de diretrizes da UE sobre a questão há três anos, continua a ser desafiado em muitas partes do mundo, com a violência e a discriminação a aumentarem contra pessoas pertencentes a minorias religiosas. Neste contexto, a implementação das diretrizes da UE continua a ser a nossa principal prioridade. A UE reafirmou o seu compromisso com a liberdade de religião e crença no seu plano de ação sobre Direitos Humanos e democracia para os anos 2015-2019, e comprometeu-se a defender estas liberdades no Conselho dos Direitos Humanos. Dirigimos uma Resolução sobre Liberdade de Religião e Crença, enfatizando que os Estados devem exercer a devida diligência para prevenir, investigar e punir os atos de violência contra as pessoas que pertencem a minorias religiosas, e promovendo a compreensão das culturas minoritárias através do sistema de educação. Isto significa também envolver-se no campo do diálogo intercultural e inter-fés e promover estes a partir da perspetiva dos Direitos Humanos. Os nossos apelos e esforços por compreensão, tolerância e respeito também têm o objetivo de não permitir que a religião ou a crença sejam usadas como ferramentas para justificar a violência, mas antes para promover a paz e a segurança, e quando apelamos à tolerância, estamos a apelar a todas as partes interessadas, em especial aos Estados, para que realizem ações concretas, a fim de promover a tolerância e de lutar contra a intolerância dentro das nossas sociedades.

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Béla SZOMBATI

Gostaria de concluir reafirmando que a UE está determinada a promover a liberdade de religião e crença nas suas relações exteriores, através de canais tanto bilaterais como multilaterais, incluindo desempenhando um papel ativo no Quadro da ONU, aqui em Genebra e em Nova Iorque, e apoiando o trabalho excelente e essencial já realizado tanto pelo anterior como pelo atual Relator Especial sobre Liberdade de Religião e Crença. Estou ansioso para ouvir os ilustres palestrantes de hoje discutirem os desafios à paz, à segurança e aos Direitos Humanos, com foco na liberdade de religião e crença, e com um interesse particular nos seus pensamentos e ideias sobre as melhores práticas e lições aprendidas. Espero que os participantes neste debate, sejam eles diplomatas, eruditos, estudantes, profissionais dos Media ou representantes da sociedade civil, sensibilizem para a necessidade de literacia sobre as religiões e sobre Liberdade Religiosa na ação internacional e para encontrar formas de contribuir para o avanço da liberdade de religião e crença. Muito obrigado pela vossa atenção.


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2.6 Sua Excelência, a Embaixadora Ammo Aziza BAROUD1

Conclusões do Capítulo Cinco oradores iminentes partilharam connosco a sua visão de um mundo em que a religião poderia promover a paz e a segurança. Todos os palestrantes concordaram com o facto de que estamos a viver num mundo dominado pela violência, pelos conflitos, pelos crimes, pela xenofobia, e, agora, cada vez mais, pela intolerância religiosa. Porque “todos os seres humanos nasceram livres e iguais”, de acordo como o Artigo 1 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Estados têm a obrigação de implementar o respeito pela identidade religiosa e pelas diversidades. Como agentes de mudança, devemos enviar a mensagem de que a religião pode produzir paz e contribuir para um mundo de liberdade. Assim, o nosso objetivo seria quebrar as barreiras da ignorância mútua e promover o respeito pela diversidade. Em muitas sociedades, as questões dos Direitos Humanos são muito mais uma questão de legislação, mas a responsabilidade de proteger é individual. Precisamos de nos envolver mais nos factos e nas ações. Devemos ter em conta que nada veio por acaso, tem sido uma longa caminhada, um trabalho importante foi feito desde a Declaração Universal dos Direitos Humanos; a voz levantada pela Sr.ª Eleanor Roosevelt marcou um passo importante: cada pessoa individual pode, de forma pessoal e única, contribuir, ao unir-se a milhões de outras pessoas anónimas, para promover a paz e a liberdade através dos valores religiosos. Para assim fazer, necessitamos de criar um melhor conhecimento uns dos outros, para uma melhor coordenação e para unir os nossos esforços, a fim de criar espaços para a discussão e para a partilha de experiências. Não importa se somos crentes ou não, não importa se pertencemos a uma ou a outra religião, temos de nos conectar para garantir a nossa liberdade e o nosso direito à livre expressão, à religião livre e à crença livre. Os Estados e os Acordos Internacionais devem garantir esta liberdade. A ligação “Estado/ Religião” deve contribuir para criar o espaço para esta liberdade. Estas observações transportam-nos para uma consciência sobre os desafios que estamos a levantar, sobre as respostas que poderíamos desenvolver, sobre as prioridades 1 Sua Excelência, a Sr.ª Ammo Aziza BAROUD participou na Cimeira Global em Genebra, em 2017, como Relatora do Painel descrito neste capítulo.


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Ammo Aziza BAROUD

que devemos definir e sobre as atividades que devemos implementar, de acordo com as nossas realidades: locais, sociais, políticas. Desta perspetiva, diferentes instrumentos e capacidades poderiam ser considerados, sendo os mais importantes o diálogo intercultural, a promoção da paz através da educação sobre a diversidade, o respeito de uns para com os outros, o reconhecimento de cada um e o ensino dos nossos valores seculares. Os atores poderiam ser líderes religiosos, políticos, deputados, Media, líderes das comunidades regionais, internacionais e locais, e as ONG’s. Uma ferramenta importante a ser considerada é a internet, o mundo cibernético, que pode contribuir para a sensibilização para o diálogo. Juntamente com o diálogo e a educação, deveria haver a implementação de legislação e de resoluções que promovam a justiça, a qual pode ir além da proteção, uma justiça que pode condenar os autores dos crimes. Para concluir, a nossa responsabilidade, juntos como grupo, individualmente ou como um Estado, deve ser agora e hoje levantarmo-nos claramente e lutar contra a violência e contra o extremismo.


CAPÍTULO

3 O Quadro do “Diálogo dos Cinco”; Crise Internacional, SDG’s, Religião, Sociedade, Paz e Segurança


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3.1 Sua Excelência, o Sr. Adama Dieng

Introdução (Sua Excelência, o Sr. Adama Dieng agiu como moderador do painel descrito neste capítulo.) Este painel está relacionado com o “Quadro do Diálogo dos Cinco”, no que diz respeito à cooperação e à coordenação. Como podem saber a partir da Nota do Conceito da Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança, a principal razão por detrás desta Cimeira Global era tentar realmente ver como podemos, através dos nossos respetivos organismos, apoiar os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas, e demos ênfase aos Objetivos 16 e 17 para a promoção de sociedades pacíficas e inclusivas. À volta desta mesa, temos um grupo de especialistas eminentes que nos orientará através do que eu espero que seja um debate frutífero. O que se pretende é alcançar uma espécie de quadro “Diálogo dos Cinco”, envolvendo diplomatas, políticos, líderes religiosos, estudiosos e ONG’s, e que, com estes “cinco”, desde uma perspetiva nacional, regional e internacional, possamos ver como melhor coordenar e cooperar, tendo em vista alcançar os Objetivos 16 e 17. Há algumas questões importantes, começando com “Como melhorar a cooperação entre as três categorias de atores para melhor promover a Liberdade Religiosa?”. E quanto ao extremismo violento, que papel podem ter a educação e a diplomacia? Convido a Sra. Baroud a tomar a palavra.


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3.2 Sua Excelência, a Embaixadora Ammo Aziza BAROUD

Políticos e Diplomatas Devem Encontrar um Lugar para a Juventude dentro do Quadro “Diálogo dos Cinco”

Sua Excelência, a Embaixadora Ammo Aziza Baroud é a Representante Permanente do Chade na UE, UK e BENELUX – Foto©AIDLR

Gostaria de especificar que estou no Parlamento1 do meu país, mas que também pertenço a Associações ONG e também tenho estado formalmente no executivo, no Chade, em África. De facto, em África, a religião em si mesma, como crença pessoal ou como crença comunitária, nunca foi uma ameaça real, mas, muito frequentemente, infelizmente, torna-se no pretexto para justificar a violência e outros crimes. Em África, as próprias populações acomodam-se a viver em conjunto e a partilhar as realidades, que, em geral, são lutar pela saúde, pelo tempo adequado, por comida e por educação. Durante os últimos 5 a 10 anos, a situação na região do Sahel, na região do Lago Chade com AQIM2 1 Aziza Baroud esteve na Cimeira Global como Membro do Parlamento do Chade. Depois de ter regressado ao seu país, o Presidente do Chade nomeou Sua Excelência Aziza Baroud Embaixadora do Chade, e Sua Excelência é hoje a Embaixadora do seu país na União Europeia em Bruxelas, no Benelux e no Reino Unido. 2 Al-Qaeda no Magreb Islâmico.


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Ammo Aziza BAROUD

e Boko Haram – apenas estas duas entre outras organizações – precisa que se encontre uma forma de tratar das causas e de encontrar respostas para as consequências da luta contra os ataques. Existem muitos países, como o meu, o Chade, onde, como indicador, eu poderia dizer-vos que apenas temos 800 médicos no total para 12 milhões de habitantes. Esta é uma das razões por que temos de trabalhar e de coordenar juntos. Cada indivíduo que possa fazer algo ou trazer uma ideia não deveria hesitar. E, por esse motivo, gostaria de pedir aos organizadores para rever a definição de diálogo tal como está declarada: ao colocarem em conjunto dentro do Quadro “Diálogo dos Cinco” políticos e diplomatas, e encontrando lugar para a juventude, porque hoje, não podemos trabalhar estes assuntos sem colocarmos a juventude na vanguarda. Isto é algo que eu gostaria de tentar acrescentar, porque talvez não o tenhamos enfatizado o suficiente. Gostaria de partilhar convosco um exemplo no qual trabalhei, no campo da cooperação e da coordenação a nível nacional. No Chade, o diálogo religioso, o viver em conjunto tendo religiões diferentes, as comunidades religiosas, as implicações da religião no Parlamento, e qualquer grande decisão são importantes. Temos os líderes religiosos, mas também os líderes tradicionais, que são uma parte muito importante da população; e quando discutimos questões muito importantes, como tomar decisões sobre assuntos sociais, de saúde e de educação, eles estão envolvidos e são convidados para o Parlamento para nos darem as suas ideias e as suas contribuições. Nos nossos países, os problemas nem sempre são especificamente religiosos, mas temos problemas com a coabitação e com a partilha da terra entre aqueles que estão envolvidos na agricultura e aqueles que guardam gado. Há problemas com a partilha da terra e com o evitar da violência; a situação poderia levar algumas pessoas a considerarem os protagonistas como grupos não-Muçulmanos e grupos Muçulmanos; o problema existe, mas não é religioso. A nível regional, posso partilhar a experiência da Comissão do G5 do Sahel e da Bacia do Lago Chade. Estes dois grupos estão a reunir todos os países que enfrentam a guerra imposta pelo Boko Haram e pelo AQIM. Esta guerra é contra os fundamentalistas e as seitas. Eles também têm de enfrentar juntos a questão dos refugiados e das pessoas deslocadas entre todos esses países, juntamente com as consequências. Temos também que compreender e que responder às verdadeiras causas desta violência, que não são religiosas, mas que usam a religião como argumento entre as populações díspares e analfabetas. Infelizmente, e inutilmente, os Media nestas regiões não são muito ativos, mas a internet mostrou que há oito meses, por


Políticos e Diplomatas Devem Encontrar um Lugar para a Juventude dentro do Quadro “Diálogo dos Cinco”

exemplo, aconteceu que um grupo na República Centro-Africana matou e queimou pessoas e deu-as aos cães para comer. Isso aconteceu, e isto é apenas para dizer que algumas vezes há circunstâncias difíceis. Assim, o trabalho dos líderes tradicionais e dos líderes religiosos é ensinar, sensibilizar, informar, falar com as pessoas e pô-las a falar juntas; isto é muito importante, mesmo fundamental. Sim, precisamos de nos coordenar, precisamos de cooperar, precisamos de unir as nossas capacidades e os nossos recursos, mesmo que sejam pobres ou por menores que sejam. A nível internacional, gostaria de partilhar convosco a minha experiência no Painel Internacional de Deputados para a Liberdade de Religião e de Crença, que também estou a representar aqui. Há três anos, um grupo de Deputados de todo o mundo decidiu reunir as suas capacidades e os seus recursos para defender a liberdade de religião e de crença sob a orientação de uma Comissão dirigida por quatro pessoas vindas do Canadá, do Reino Unido, do Brasil e da Noruega, com a presidência da Baronesa Elizabeth Berridge da Casa Britânica dos Lordes. Cinquenta países estiveram representados o ano passado em Nova Iorque, e assinámos o que chamamos a “Resolução de Nova Iorque” para a Liberdade Religiosa e a Crença baseada no Artigo 18 da Resolução dos Direitos Humanos da Nações Unidas. Gostaria apenas de ler dois dos objetivos desta Resolução de Nova Iorque: 1. Aumentar o número de instituições governamentais e internacionais que respondem à crescente crise de perseguição de crentes e de não-crentes e incentivar o empenho no aumento dos recursos para garantir um maior respeito por esta liberdade fundamental. 2. Construir juntos laços fortes entre os membros do Parlamento e as organizações da sociedade civil, os líderes religiosos e os membros da academia, a fim de encontrarmos formas com mais impacto para avançar globalmente na Liberdade Religiosa ou na crença. Por esta razão, não agimos como apenas um grupo, mas cada membro desta organização cria uma rede de trabalho no seu próprio país, e trabalhamos juntos a nível internacional e também a nível regional. Criámos um grupo para a África; criámos um grupo para a América Latina, e em setembro deste ano, fomos convidados, pelo partido político da CDU, a ir à Alemanha, e a Sr.ª Merkel juntou-se a nós, para encorajar o nosso movimento e para nos dizer que esta é uma das respostas que podemos desenvolver hoje para enfrentarmos estas questões.

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Ammo Aziza BAROUD

Vou concluir, dizendo que, para nós, estarmos juntos hoje como diferentes atores internacionais, é um passo muito importante para criar esta cooperação e criar esta coordenação, porque nós precisamos de todos os indivíduos. Precisamos de todos nós, sejam quais forem as nossas crenças, não importa. Mas aquilo que podemos reunir e abordar em todas estas questões é o aspeto mais fundamental. Muito obrigada pela vossa atenção.


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3.3 Sua Excelência, o Dr. Ibrahim SALAMA1

O Diálogo entre as Religiões e os Direitos Humanos: “Andando em Círculos”

Sua Excelência, o Dr. Ibrahim Salama – Foto ©AIDLR

É um grande prazer falar, nesta iniciativa muito oportuna, particularmente sobre o diálogo relativo aos Direitos Humanos e religião. Permitam-me começar por dizer que concordo plenamente com a oradora anterior sobre as suas reservas em relação à utilização da palavra “tolerância” e acrescentaria duas outras palavras que vêm da esfera religiosa e que me deixam um pouco irritado, sendo uma pessoa dos Direitos Humanos: compaixão e moderação. É raro discordar desta terminologia, mas discordo dela quando se trata de um debate sobre Direitos Humanos. Penso que o facto de esta terminologia estar a invadir o discurso dos Direitos Humanos é o resultado da nossa confusão entre as dimensões normativas e espirituais de todas as religiões. Todas as religiões têm uma abordagem, baseada nos direitos mínimos, da relação entre aqueles que pertencem à fé e Deus, que ordena justiça e elevação 1 Embaixador Dr. Ibrahim Salama, Diretor da Divisão de Tratados dos Direitos Humanos, Gabinete do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. De 2003 a 2007, foi o Presidente do Grupo de Trabalho das Nações Unidas para o Direito ao Desenvolvimento e foi Membro da sub-Comissão das Nações Unidas para a Promoção e Proteção dos Direitos Humanos. É autor de muitas publicações e estudos sobre várias questões dos Direitos Humanos.


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Ibrahim SALAMA

espiritual. Fazer o que não se é obrigado a fazer, mas que continuamos a desejar fazer, penso que isso é compaixão, isso é tolerância, isso é algo que vem de cima e que está acima, mas não é o que é devido segundo o discurso religioso, e certamente não é o que é devido segundo o discurso dos Direitos Humanos. Este é apenas um exemplo ilustrativo da complexidade e da singularidade da esfera religiosa – é tão diversificada e tão complexa que penso que isso explica porque o diálogo em torno das ligações entre as religiões e os Direitos Humanos está a andar em círculos, isto para não adicionar o aspeto político da questão, a nível regional, a nível nacional e a nível internacional. Desde tempos imemoriais, a religião sempre tem estado misturada com a política. A recente história da Europa é uma demonstração da separação entre as duas disciplinas; podemos fingir que a separação funciona, mas não funciona; a vida é a vida e as pessoas têm afiliações. O conflito entre a necessidade de clarificar a relação entre a religião e os Direitos Humanos, e entre as complexidades e a política da matéria é, provavelmente, a minha explicação pessoal para a razão pela qual estamos a andar em círculos. No entanto, mesmo andar em círculos às vezes pode ser benéfico. Porque começamos a reconhecer as encruzilhadas, e reconhecemos as encostas escorregadias, e começamos a antecipar os fracassos. Graças a muitos esforços a nível da sociedade civil e, predominantemente, devido a um número recente de abordagens estruturadas que vou mencionar, iremos provavelmente ver mais claramente o que precisa de ser feito, e esta será a lista de perguntas que tenho a intenção de submeter. Em primeiro lugar, penso que, quando falamos sobre religião e Direitos Humanos e quando falamos sobre diálogo, precisamos de ter em mente a diferente natureza dos atores. Claro está que, dentro dos Estados e dentro da sociedade, conhecemos quem são todos os atores, mas, na esfera religiosa, há uma distinção importante e complexa (pelo menos do meu ponto de vista) entre as autoridades religiosas que estão afiliadas, pelo menos de uma forma ou de outra, com os Estados ou que tratam com eles, ou que atuam como parte do aparato estatal, e as organizações baseadas na fé, a sociedade civil e os atores privados e independentes na esfera da religião. A relação entre elas é muito complexa; pergunto-me se será uma questão de termos um só e mesmo diálogo entre esses atores ou se deve ser um caminho paralelo até um ponto de maturação das ideias em ambos os lados, por meio da qual uma síntese ou um resumo dessas ideias poderiam ocorrer. Gostaria de dizer que uma das abordagens mais metódicas e uma das mais estruturadas e persistentes e claras para tentar definir as questões fundamentais é:


O Diálogo entre as Religiões e os Direitos Humanos: “Andando em Círculos”

1. Os líderes religiosos têm alguma responsabilidade na área dos Direitos Humanos, ou essas duas vias não têm nada a ver uma com a outra? 2. Quais são essas responsabilidades? Penso que a série de diálogos dos líderes religiosos que o Gabinete do Adama realizou com sucesso até agora nos levou à resposta unânime de que sim, eles têm responsabilidades. 3. E partes emergentes de respostas para a questão ainda mais complexa de quais são essas responsabilidades. Mas fica uma outra questão depois de estas responsabilidades serem definidas: 4. Quem deve o quê a quem? Como abordá-los? Que tipo de mecanismo de execução pode haver? E aqui vem novamente uma questão para a qual não tenho uma resposta, por isso continuo a lutar com ela: 5. Qual é a ligação entre as autoridades religiosas que implementam a lógica estatal – com o positivo e o negativo no termo “lógica de Estado” – e as organizações baseadas na fé: pessoas que atuam por conta própria como independentes, vozes conscientes que têm fé e sistemas de crenças e que pensam que há uma ligação mútua entre isto e os Direitos Humanos? Há muito tempo, eu e os meus colegas dos Direitos Humanos temos estado a tentar trabalhar numa lista de três coisas: os fundamentos normativos, as boas práticas e as instituições que se preocupam com a questão. E quanto mais a necessidade social aumenta, mais o cenário se complica; pode ser uma boa coisa, se a pessoa conseguir ligar os pontos nos lugares certos. Então, alguns dos pontos são os seguintes: primeiro, penso que a definição da narrativa das responsabilidades dos líderes religiosos em oposição às responsabilidades ou aos deveres dos Estados, na área da religião, ainda não foi identificada. Existem tentativas emergentes e são todas extremamente úteis, mas há um conjunto de normas dispersas, leis suaves que temos na jurisprudência, e as ações dos mecanismos dos Direitos Humanos, nomeadamente, o Relator Especial sobre a Liberdade Religiosa, o Relator Especial sobre a liberdade de expressão e os órgãos de tratados pertinentes, os comentários gerais e as observações finais que tocam na questão da religião. Foi isto que nos levou, na Comissão, há mais de seis ou sete anos, a tentarmos reunir estes peritos independentes, a fim de tentarem não abordar líderes religiosos como tais, mas a demarcação entre a liberdade de expressão e o incitamento ao ódio, incluindo por motivos religiosos. E este é um bom exemplo, e espero que possamos tentar retirar alguns paralelos e algumas analogias entre

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a metodologia que nos levou ao programa de ação de Rabat e as questões que queremos abordar aqui, as responsabilidades dos líderes religiosos, quem são, como podem essas responsabilidades ser postas em prática, quem pode monitorizá-las e como. Como disse, temos pedaços emergentes de respostas e uma das principais ideias é ver se a metodologia e a fórmula de Rabat poderiam ser repetidas. A fórmula de Rabat consistiu em envolver os Governos no debate, ouvir as suas opiniões, tê-los presentes nos debates, mas deixar que esses debates fossem conduzidos por vozes independentes como meio de evitar a política e as legítimas diferenças intergovernamentais legítimas nas suas posições e interpretações. Então foram os peritos independentes que redigiram Rabat. Então, desde Rabat, penso novamente que este é um dos raros exemplos de uma abordagem cumulativa para construir sobre passos dados antes, surgiu a iniciativa de Adama: uma série de eventos visionários que considero ‘Rabat mais’ ou ‘Rabat ampliado’ sobre os líderes religiosos; focar as especificidades de cada região levou a vários conjuntos bastante interessantes de sugestões e de práticas que são redigidos em formatos diferentes, dependendo dos participantes em cada evento. Uma das possibilidades é que se coloque a colheita de tudo isto num formato sintetizado, e que, em seguida, todas as agências importantes das Nações Unidas se reúnam e tentem fazer, sobre a questão das religiões, o que os especialistas independentes têm feito sobre a questão do incitamento ao ódio. Certamente Rabat também pode ser um componente substantivo do resultado de qualquer síntese das responsabilidades dos líderes religiosos, porque (e não estou seguro em termos de percentagens) calculo que a maioria das violações dos Direitos Humanos emana de uma interpretação incorreta da religião (esta é a minha proposta pessoal) e está relacionada com o discurso e com o incitamento. Mas não se limita a isso – temos também outros capítulos, como os direitos das mulheres, os direitos económicos, o direito à privacidade, o direito à vida, o direito à integridade física. Portanto, uma análise comparativa dos conjuntos de obrigações e o correspondente lado normativo da religião seria refrescantemente surpreendente (e novamente estou a mencionar percentagens sem a devida verificação): cerca de 90-95% do aspeto normativo de todos os sistemas baseados na fé são perfeitamente compatíveis com os Direitos Humanos. Assim, a ideia não é discutir sobre os 5% restantes, mas usar os 95% de maneira que a religião, em vez de continuar a ser um problema, se torne também numa solução. Então será possível aceitar facilmente a diferença; afinal, é uma questão de Direitos Humanos e, penso, uma questão de Liberdade Religiosa ser capaz


O Diálogo entre as Religiões e os Direitos Humanos: “Andando em Círculos”

de discordar de quaisquer interpretações teológicas, estar numa zona de tensão em que é tolerada, porque está dentro da divergência positiva do uso. Penso que este exercício de reunir a colheita dos vossos ateliers é extremamente promissor e penso que precisa de ser complementado com algo que ainda não foi feito, e que é tentar reunir a lei branda existente que diz respeito às religiões e às responsabilidades dos líderes religiosos. E aqui tenho que dizer que os mecanismos independentes são mais rápidos na identificação das aplicações dessas responsabilidades sem as conceber num quadro teórico, o que poderia ser, no final, uma coisa boa. Vamos aprender com a prática. Um certo número de pessoas da Comissão dos Direitos da Criança e da Comissão para a Prevenção da Discriminação contra as Mulheres dirige-se diretamente a vários líderes religiosos. Por isso, se juntarmos, na prática, todos estes conjuntos de normas, se lhes acrescentarmos os comentários gerais e as iniciativas da sociedade civil, penso que ficaremos positivamente surpreendidos pelo facto de que temos aquilo que é preciso a partir desses padrões. Só precisa de ser colocado em conjunto e, em seguida, submetido a uma discussão e esta regra preparatória requer tanto as Nações Unidas como a sociedade civil; é claro que os Estados são muito importantes, mas não é um exercício de estabelecimento de normas; não acrescenta novas obrigações. Só é preciso uma pesquisa nas nossas normas já existentes e também as lições aprendidas da sociedade civil. Há também uma abordagem esporádica entre a resolução 16/18 e uma série de outras iniciativas, porque nesta resolução há um relatório anual que é apresentado e que requer a apresentação e a coleta de boas práticas. Assim, uma série de resoluções poderia, conjuntamente, fornecer a matéria-prima para um roteiro para o futuro da questão de definir e melhorar as responsabilidades dos líderes religiosos. Então contamos com o seu trabalho [Adama Dieng], e estamos felizes por colaborar da maneira que considere mais adequada; e muito obrigado pelos seus contínuos esforços e por esta oportunidade. Moderador: Muito obrigado, Ibrahim, por nos lembrar da importância do Plano de Ação de Rabat. Na realidade, quando Navy Pillay era a Alta-Comissária para os Direitos Humanos, lançámos o plano aqui nesta mesma sala e foi, claro – como você disse – o trabalho que tinha sido feito por vários especialistas com a contribuição do meu Gabinete. Desde o primeiro dia após a sua adoção, decidimos também identificar pelo menos uma área na qual falou durante a sua

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Ibrahim SALAMA

apresentação, quando se referiu ao discurso de ódio, ao incitamento à violência: desenvolvemos um documento de política que é, naturalmente, para ser usado pelos Estados-Membros, pelos proprietários dos Media, pelos líderes religiosos, etc.. Só para dizer que concordo plenamente consigo em que precisamos, talvez nesta fase, de avançar um passo. É evidente que, na altura, muito poucos peritos jurídicos manifestaram preocupação com o Plano de Ação de Rabat, mas é claramente sobre a liberdade de expressão, etc.. Mas acredito que isso pertence ao passado e terei que olhar para a frente, onde os ODSs 16 e 17 são definitivamente as duas metas que, coisa rara, reúnem as questões que nos preocupam: paz, Direitos Humanos, mesmo a soberania da lei, embora, como se sabe, a noção de soberania da lei não tenha sido incorporada, mas esteja no fim aqui. Assim, uma vez mais, muito obrigado pela sua contribuição.


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3.4 Sua Excelência, o Sr. Jan FIGEL1

As Bases para o Sucesso de Qualquer Política ou Ações Globais

Sua Excelência, o Sr. Jan Figel – Foto ©AIDLR

Estou realmente feliz e sinto-me honrado por estar aqui. Gostaria, em primeiro lugar, de felicitar os organizadores desta Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança, porque este é um ideal importante e devemos trabalhar com esses ideais como objetivo, para trazermos a realidade para mais perto de nós. Embora exista sempre uma lacuna, penso que o mundo pode ser um lugar me1 Sua Excelência, o Sr. Jan Figel, ex-Comissário Europeu, desde maio de 2016, foi nomeado pela Comissão Europeia como o primeiro Enviado Especial para a promoção da Liberdade Religiosa ou de Crença (FoRB) fora da União Europeia. O Mandato representa uma nova tarefa a assumir nesta área sensível, principalmente através da cooperação internacional e do desenvolvimento da política de ajuda da UE. O Doutor Figel sublinha frequentemente que a Liberdade de religião ou crença é um valor essencial para a dignidade humana em qualquer lugar, para a paz e para a justiça no mundo. O seu papel é trabalhar de perto com outras instituições da União Europeia (EEAS, Conselho, Parlamento) e com os Estados-Membros, especialmente nos países mais críticos. Ele nomeou várias regiões como sendo a sua prioridade: o Médio Oriente, em especial a Síria e o Iraque, a África do Norte e Central, o Sudeste e o Sul da Ásia. O Mandato inclui relatórios do Enviado Especial no âmbito do diálogo regular da UE com as Igrejas e com as comunidades religiosas baseado no Art.º 17 do Tratado de Lisboa.


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lhor, e que o século XXI poderá ser uma época melhor do que o século anterior. Depende da nossa atividade, do nosso diálogo, do nosso envolvimento. Há 70 anos, em 1946, foi fundada a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR); desde então, a Associação fala sobre a nobre missão e espero que este “Jubileu” signifique encorajamento e renovação no empenho em fazer mais pela Liberdade Religiosa, porque esta liberdade é um teste decisivo para todos os outros Direitos Humanos. Se não houver respeito pela Liberdade Religiosa, pela liberdade de consciência, e pela liberdade de pensamento, todas as outras liberdades cívicas ou políticas ficam na mesma situação ou opressão. A base para o sucesso de qualquer política ou ações no mundo complexo e global de hoje é uma combinação de trabalho duro, de trabalho de equipa e de trabalho em rede. Começa com trabalho árduo de iniciativa pessoal – não é egoísta, é uma responsabilidade pela minha liberdade, é ter a preocupação de que a liberdade dure e o ajudar os outros a tê-la; e o trabalho-chave significa que juntos somos mais do que compostos matemáticos, a soma de indivíduos que trabalham em equipas e em redes significa globalmente o potencial para a mudança. Espero que isto possa ser lembrado: trabalho duro, trabalho de equipa, e trabalho em rede também a favor da Liberdade Religiosa ou de Crença no mundo de hoje, porque a maioria da população mundial sofre de um défice desta liberdade; especialmente em situações de Genocídio – ataques de extermínio. Como já afirmou o Rabi Michael Melchior, também gostaria de falar sobre estes ‘Cinco’ pontos (no Quadro do “Diálogo dos Cinco” da AIDLR), sobre aquilo que fazemos. Não o que devemos fazer, porque falamos muito sobre isso, mas sim sobre aquilo que fazemos. Então o que fazemos em Diplomacia? A União Europeia é uma comunidade organizada que tem os seus problemas, mas também as suas conquistas. Nos últimos anos muitas coisas têm acontecido para conseguirmos algum sucesso na área da liberdade de religião ou crença. Por exemplo, 28 países concordaram (o que não foi fácil) sobre regras comuns ou orientações para a Liberdade Religiosa ou de Crença. E usamos isto na nossa política externa da Europa, na nossa diplomacia europeia e também nas políticas individuais e bilaterais. Também participamos com países que têm a mesma ideologia, no Grupo de Contacto que começou a trabalhar em 2015, iniciado pelo Canadá, que se reúne de tempos


As Bases para o Sucesso de Qualquer Política ou Ações Globais

a tempos para estabelecer posições comuns e uma agenda sobre determinados assuntos, como, por exemplo, fornecer assistência às minorias religiosas ou étnicas no Médio Oriente, nos territórios dominados pelo assim chamado Estado Islâmico, ISIS. Apoiamos as posições comuns dos países da União Europeia nas organizações internacionais ou regionais, seja nas Nações Unidas, ou na OSCE ou no Conselho da Europa; é uma contribuição importante para a unidade e para a diversidade, e para a eficácia do nosso trabalho. Eu estou a trabalhar com o Relator Especial das Nações Unidas para a Liberdade Religiosa ou de Crença, com o anterior e com o atual, na área da Liberdade Religiosa; com o Embaixador-Geral dos EUA, e com vários Embaixadores de Estados-Membros que tratam deste assunto; também com o Conselheiro Sénior, o Sr. Manocha da OSCE. A União Europeia dedicou, para o quadro financeiro deste sétimo quinquénio, 1,4 mil milhões de euros para um assim chamado instrumento europeu sobre democracia e Direitos Humanos, que é um instrumento importante para dar motivação, mobilização e apoio financeiro real nos assuntos mais queridos e mais preocupantes para tantas pessoas; assuntos tais como a democracia, as liberdades fundamentais, e os Direitos Humanos em geral. O segundo são os políticos. A União Europeia tem a posição de Enviado Especial para a promoção da Liberdade Religiosa ou de Crença fora da União. Isto não é uma dicotomia, mas significa que a minha missão é externa, e internamente temos acordos constitucionais em Estados-Membros, mais um tratado que inclui o Artigo 17 sobre o respeito para com as comunidades religiosas, as Igrejas, e também uma oferta de diálogo regular, aberto e transparente de maneira a cooperarmos e existirmos juntos numa comunidade. A minha nomeação e a minha posição aqui estiveram ligadas com a situação no Médio Oriente, porque, quando o Parlamento Europeu, em fevereiro, adotou uma posição resoluta e muito forte sobre estas atrocidades em massa e estes assassinatos sistemáticos, foi pedido à UE que estabelecesse um representante para a Liberdade Religiosa no mundo. Foi a primeira vez que essa posição foi requerida, pedida e estabelecida, portanto, é um começo. Não está no fim da sua missão, mas está a ser pioneiro no espaço que é complexo, sensível, mas muito importante para o nosso futuro comum. Em muitos Estados-Membros existem posições semelhantes em instituições políticas ou nos serviços externos. No Parlamento Europeu temos um embrião institucional recentemente estabelecido chamado: Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Liberdade Religiosa ou de Crença e Tolerância Religiosa.

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Assim, é um corpo institucionalizado com um secretariado, pela primeira vez desde 2014, que lida regularmente com a Liberdade Religiosa, fazendo relatórios anuais sobre estes assuntos, e promovendo também a posição da União e do Parlamento, especialmente sobre estas questões. Como mencionou a Sr.ª Aziza Baroud, desde as reuniões de Oslo, Nova Iorque e Berlim, em agosto de 2014, existe uma Plataforma Interparlamentar que trabalha em conjunto no mundo para a promoção destes assuntos. É uma abordagem muito inovadora e é muito importante para mostrar que nos preocupamos com estes valores universais, e devemos continuar a fazer mais agora, dado que estamos mais bem organizados. O terceiro são os eruditos e académicos. Estou realmente muito feliz por ver que há tantos académicos, eruditos e cientistas, porque é importante multiplicar o conhecimento, aprender juntos, e educar aqueles que virão a ter posições de responsabilidade para que se lembrem e se preocupem mais e melhor. Estive presente no momento da fundação (talvez possa dizer que fui um pai fundador), a lançar o Erasmus Mundus, em 2004, quando era Comissário da União Europeia para a Educação, a Cultura, a Juventude e a Sociedade Cívica. É um dos melhores programas globais baseado na cooperação de Universidades, de consórcios transfronteiriços nos novos cursos de estudos interdisciplinares, inovadores e previamente não existentes, portanto, há um convite para utilizar esses instrumentos na nossa cooperação para pormos a religião no centro. Gostaria de encorajar aqueles que estão a trabalhar nas academias e nas Universidades a definirem cursos interdisciplinares e os espaços de cooperação em Religião e Direito, em Religião e Sociedade, em Religião e Economia, porque existem muitas ligações. E se elas forem estudadas e desenvolvidas de forma séria, poderemos ver frutos positivos. Porque a liberdade de tudo e a Liberdade Religiosa também convidam-nos a uma responsabilidade para com a sociedade, para com o desenvolvimento, para com a sustentabilidade e para com a Humanidade. Quero apenas sublinhar, e contribuir para este apelo, dizendo que as instituições de ensino superior e os eruditos europeus estão a trabalhar nesta nova rede. Em Bolonha, foi realizado o lançamento da Academia Europeia da Religião. Mais de 500 entidades inscreveram-se da Europa, do Médio Oriente, do Norte de África, dos cinco Continentes, para trabalharem em conjunto nos assuntos relacionados com a religião. E estou feliz por os eruditos estarem a reunir-se, porque precisamos de transmitir muito mais conhecimento e compromisso para um século melhor, a partir de agora.


As Bases para o Sucesso de Qualquer Política ou Ações Globais

O quarto são os atores religiosos: quando falo de Liberdade Religiosa, em especial com líderes, penso sempre no outro lado da mesma moeda – compromisso religioso, responsabilidade religiosa, porque sem isso não avançaremos mais. Muitos líderes religiosos no mundo de hoje têm mais autoridade, e têm até mais estabilidade nas suas posições, do que muitos políticos. Quando eles falam, as pessoas ouvem. Quando eles se preocupam, nós vemos os frutos, ou vice-versa. Por essa razão, penso que os atores religiosos devem usar o poder da sua autoridade, da confiança de que desfrutam, dos seus exemplos e da sua inspiração para o bem comum. Estes não são termos vazios: “comum”, “bem”. Este deve ser o objetivo de qualquer política pública, e, repito, mais líderes religiosos têm mais impacto nas políticas públicas do que os políticos. Necessitamos desses exemplos que vejo nas reuniões com os políticos mundiais: A Mensagem de Amã, para os líderes e os países Islâmicos, por exemplo, para o diálogo entre o Islão e o Cristianismo; ou a Declaração de Marraquexe, que foi muito refrescante em 2016 e uma contribuição muito importante durante o tempo de surgimento de ansiedades, de desconfiança, de tentação e, claro está, de extremismo, mesmo de fanatismo. A União Europeia entregou em maio o mais alto prémio, o Prémio Carlos Magno, ao Papa Francisco, pelo seu exemplo, pela sua credibilidade e pela sua contribuição para a cooperação europeia. Isto é muito oportuno e importante, porque ele vem da América Latina e, durante uma crise interna da UE, mostrou como se avança com esperança e solidariedade real e funcional. Penso que, da parte dos atores religiosos e dos políticos, precisamos de mais reconciliação baseada na fé, porque isto pode ser a base para um século diferente, para uma tendência diferente, não só no Médio Oriente. E gosto da mensagem sobre “paz religiosa”: utilizamos o termo “guerra religiosa”, então porque não fazer mais pela, e esperar mais “paz religiosa”? E o quinto é a sociedade civil. Os Meios de Comunicação têm mais poder em muitos países, especialmente em países institucionalmente mais fracos, do que as instituições democráticas, e é por isso que falamos de “mediocracia”. Mas, frequentemente, vemos que as boas notícias não existem – e nós precisamos de boas notícias. As pessoas precisam de encorajamento; as pessoas precisam de promover a sua esperança de um futuro melhor. Estou pronto a fazer, e faço muitas ações concretas de apoio em conjunto com grandes organizações não-governamentais. Sem muitas delas estaríamos perdidos em regiões e lugares críticos – e estas são: Solidariedade Mundial Cristã, Ajuda à Igreja em Necessidade, Cavaleiros de Colombo, Brot für die Welt e

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muitas, muitas outras. Felicito-as e convido-as a fazerem ainda mais juntamente com a União Europeia, agora que estamos dispostos a fazer mais também. Devem envolver-se todos os níveis, claro, nacional, regional e internacional, como dizemos no contexto deste Painel. Precisamos de uma política coerente e consistente. Uma que não seja dicotómica nem dupla face, ‘Nemo dat quod non habet’ – só podemos dar aquilo que temos. Isto significa que, se formos credíveis cá dentro, podemos ser credíveis lá fora; se nos preocuparmos com a Liberdade Religiosa cá dentro, também nos preocupamos lá fora. Não o contrário: não há ensino sem prática nem pregação sem agir de forma responsável. Portanto, apelo a que todos os países tenham posições mais consistentes, incluindo os países das Nações Unidas. Por exemplo, alguns parlamentos têm adotado resoluções sobre situações de Genocídio no Médio Oriente, sob o domínio do ISIS: foram o Conselho Europeu, o Parlamento Europeu, o Congresso Americano, a Câmara dos Representantes da Austrália, a Câmara Baixa Britânica. Mas não foram os governantes, foram apenas os executivos, nas suas posições aqui, seja na Assembleia Geral ou na Câmara Baixa: precisamos de políticas consistentes e orientadas para os resultados. Gostaria de concluir, dizendo que, frequentemente, vemos (e também assumo responsabilidade por isso) que somos tardios na justiça e fracos a punir o Genocídio. Este é um termo utilizado pela primeira vez no século passado e definido agora na Convenção de Prevenção e Punição do Genocídio. Se somos fracos e tardios na punição do Genocídio, isso significa que não estamos maduros na prevenção. Portanto, acredito que devemos fazer mais para acabar com o século de Genocídio, desde 1915/16 na Arménia até agora, nos anos 2020, sob o ISIS. E as Nações Unidas devem fazer mais pela justiça e pela paz. Muito obrigado. Moderador: Muito obrigado, Enviado Especial Sr. Figel. Não posso senão concordar plenamente com as suas últimas palavras que podem ser resumidas como responsabilização. E, no final de contas, punir os perpetradores dos horrendos crimes de Genocídio já é uma forma de prevenção. É por isso que, no contexto do Iraque, temos estado a trabalhar com o Governo iraquiano para chamar a sua atenção para a importância de abordar a questão da responsabilização, não apenas para os crimes cometidos pelo Daesh, mas também pelos cometidos pelas suas próprias forças de segurança – a Peshmerga – não só contra os Yazidi, como também contra todas as minorias que têm sido vítimas. Mas, o mais importante, também para responder às queixas dessas minorias.


As Bases para o Sucesso de Qualquer Política ou Ações Globais

Por isso, mais uma vez, muito obrigado – tal como disse eloquentemente no seu artigo: “Quando há indiferença, a ignorância e o medo tornam-se aliados do mal. Mas quando continuamente cortamos as raízes da indiferença, da ignorância e do medo, uma cultura de dignidade humana para todos e em todos os lugares pode crescer e dar frutos positivos no nosso século.” E penso que esse é realmente um dos objetivos que esta Cimeira está a tentar alcançar e assegurar que fazemos mais pela paz religiosa. É agora meu privilégio convidar o meu amigo, Professor Alexey, para começar a sua apresentação.

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3.5 Alexey KOZHEMYAKOV1

Conselho Europeu – Um Convite a Repensar a Abordagem à Diversidade Cultural e Religiosa

Prof. Alexey Kozhemyakov – Foto ©AIDLR

Obrigado, Sr. Presidente. Também gostaria de começar por agradecer aos organizadores por me terem convidado. Durante muitos anos fui o Diretor do Departamento que lidava em particular com as Minorias Nacionais, Línguas e Antidiscriminação. Mas, ao chegar à idade de 65 anos, reformei-me e estou agora a ensinar estes assuntos nas Universidades, em particular em Moscovo. O Conselho Europeu construiu definitivamente um mecanismo especial sem precedentes, para a proteção, implementação e promoção dos Direitos Humanos, relativamente às minorias nacionais, às suas línguas e antidiscriminação, incluindo o respeito da Liberdade Religiosa. Existem especificamente três mecanismos de monitorização no Conselho Europeu que gostaria de partilhar convosco. Em certa medida, a experiência do Conselho Europeu vai mais longe do que o nível regional. Algumas convenções estão abertas para serem assinadas por Estados não1 Ph. D/Dr. de Sc. (Direito), Dr. Kozhemyakov é o ex-Diretor do Departamento para as Minorias Nacionais e Antidiscriminação, Professor convidado nas Universidades de Moscovo.


Conselho Europeu – Um Convite a Repensar a Abordagem à Diversidade Cultural e Religiosa

-membros e há precedentes quando existem países particularmente interessados em qualquer convenção do Conselho da Europa: é possível contactá-los por meio de um procedimento especial no seio do Conselho de Ministros. Existem três mecanismos monitorizados que têm uma orientação específica no que diz respeito ao assunto que agora estamos a debater, a Liberdade Religiosa. São eles: A Comissão Consultiva da Convenção Geral para a Proteção das Minorias Nacionais, adotada em 1994; a Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI), adotada em 1993; a Comissão de Peritos da Carta Europeia para as Línguas Regionais ou Minoritárias, adotada em 1992. Todas elas, num grau diferente, dependendo dos seus propósitos estatutários, estão direta e indiretamente a contribuir para a liberdade de consciência, a Liberdade Religiosa e, de forma mais geral, para a diversidade cultural na grande Europa. A data de estabelecimento destes três corpos no início da década de 1990 ocorreu logo após a recriação do mapa político do Sudeste da Europa, e com a pressão dos novos desafios provenientes desta área. Ao mesmo tempo, o seu estabelecimento coincidiu com mudanças mais gerais nas sociedades das chamadas velha e nova Europas. O nacionalismo tradicional dos Estados foi mudando gradualmente da homogeneidade nacional étnica e religiosa, deixando mais espaço para as novas culturas e identidades que traziam uma nova diversidade às sociedades europeias. Assim, a criação destes novos corpos no Conselho da Europa refletiu as novas realidades que ocorreram no último meio século. Começarei pela Convenção Geral para a Proteção das Minorias Nacionais, que é um dos grandes instrumentos do Conselho Europeu – esta Convenção é agora ratificada por 41 Estados. Muitos artigos desta Convenção, nomeadamente os artigos 5º, 6º, 7º, 17º mencionam explicitamente a religião como um elemento essencial do bem-estar das minorias, tendo um impacto na sua identidade, na sua liberdade, na manifestação da sua cultura, no seu desenvolvimento e na não-discriminação das minorias. A Convenção Geral está associada a um forte mecanismo de monitorização assegurado pela chamada Comissão Consultiva, que é composta por peritos independentes, incluindo visitas ao país e opiniões específicas do mesmo. O que é importante mencionar aqui é que o diálogo direto entre a Comissão Consultiva e os representantes da sociedade civil e das minorias é prosseguido durante estas visitas e no seu seguimento. A ECRI, Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância, tem a missão de combater o racismo, a discriminação racial (incluindo o antissemitismo), e a intolerância de todos os tipos. Com base na disposição da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos, é um organismo não convencional, e as catividades da

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Alexey KOZHEMYAKOV

sua missão entram no quadro mais geral dos Direitos Humanos internacionais. É composta também por membros independentes de todos os países e faz a revisão das políticas, da legislação e de outras medidas dos Estados-Membros, incluindo a sua aplicação, implementação e eficácia. A ECRI também propôs conselhos práticos e concretos sobre como enfrentar o problema do racismo e da intolerância em qualquer país. Deve ser mencionado, novamente, que as questões relacionadas com a Liberdade Religiosa são, de alguma forma, transversais a toda a atividade desta Comissão, uma vez que os fundamentos da religião são governados hoje pelo conceito do racismo moderno. Por último, vou mencionar a Comissão de Peritos da Carta Europeia para as Línguas Regionais ou Minoritárias. Poderiam questionar-se sobre a sua relação com religião, mas há um ponto muito sensível (é claro que é, em menor medida, lidar com a proteção dos direitos da minoria, mas, mais em geral, lidar com as línguas, não com a proteção dos seres humanos que estão a usar essas línguas). Este ponto sensível da Convenção e o seu impacto indireto na situação das minorias tradicionais ou religiosas que falam línguas tradicionais ou minoritárias, que são diferentes da língua oficial, especialmente o uso dessas línguas durante serviços religiosos ou na publicação de literatura relacionada, não devem ser subestimados. Estas convenções abarcam uma grande área geográfica, como podem ver pelos 47 Estados-Membros do Conselho da Europa, e estes corpos estão a agir certamente cada um à sua própria maneira, mas têm, não obstante, algumas características similares e importantes que devem ser mencionadas. Primeiro, são independentes: geridos por um corpo independente de peritos representando os países; em segundo lugar, este quadro dos Direitos Humanos internacionais é coberto por estes três organismos, os quais estão a considerar uma ação positiva visando a prevenção e os remédios eficazes, e não uma simples declaração como o principal objetivo da sua atividade. A próxima característica importante é este mecanismo de monitorização independente para cada um dos três corpos, o qual coloca o trabalho desses corpos no contexto da análise regular crítica e permanente da atualidade. Por último, mas não menos importante, a transparência é assegurada ao público em geral, assim como os resultados do trabalho dos três corpos, incluindo o diálogo direto e periódico entre as Comissões de monitorização e os representantes das minorias nacionais – no caso do Quadro da Convenção – e com a sociedade civil como um todo. O Conselho Europeu, desde o seu início, em 1949, enfrentou os problemas e as questões do aumento da imigração e da globalização, os quais tinham fornecido o estímulo à sociedade Europeia para repensar a sua abordagem da diver-


Conselho Europeu – Um Convite a Repensar a Abordagem à Diversidade Cultural e Religiosa

sidade cultural, étnica, linguística e religiosa. Um grande diálogo intercultural, também lançado pelo Conselho Europeu, tem encontrado o seu lugar em cada vez mais convenções, recomendações e declarações internacionais e, desde 2005, após a terceira Cimeira dos Chefes de Estado e de Governo do Conselho Europeu em Varsóvia, a Cimeira confirmou formalmente a missão da organização como sendo incentivar sistematicamente o diálogo intercultural. Há um fórum específico no Conselho Europeu na sequência deste apelo dos Chefes de Estado, que foi chamado “Troca de Ideias sobre a Dimensão Religiosa do Diálogo Intercultural”, estabelecido em 2007. Em maio de 2008, o Livro Branco sobre o diálogo intercultural, Vivendo Juntos como Iguais em Dignidade, realçou a contribuição tanto dos grupos religiosos como dos seculares para o património cultural europeu e é hoje amplamente reconhecido como um documento de referência sobre a gestão da diversidade. Muito recentemente, no início de novembro de 2017, teve lugar em Estrasburgo a 9ª edição desta troca numa dimensão religiosa do diálogo intercultural. Nessa altura, foi intitulada: “O papel da educação na prevenção da radicalização que conduz ao terrorismo e ao extremismo violento”, um tema que está próximo do programa desta conferência. Os meus temas foram: “Educação para a cidadania democrática no contexto da diversidade cultural e religiosa” e “Fortalecer as mulheres e o papel da família na luta contra a radicalização e o extremismo violento”, que teve um eco no discurso de Madame Sidibe esta manhã, sobre o papel das mulheres. Esta troca é feita com delegados que são os representantes principais de comunidades religiosas como Cristãos, Budistas, Judeus e Muçulmanos. O papel da educação na prevenção da radicalização que conduz ao terrorismo e ao extremismo violento é salientado num plano de ação relativamente recente, na luta contra o extremismo violento e a radicalização que leva ao terrorismo, adotado pelo Conselho de Ministros do Conselho Europeu em maio de 2015. Ao mesmo tempo, em maio do ano passado, foi adotada uma resolução específica da Assembleia Parlamentar, uma resolução denominada: “Liberdade Religiosa e Viver Juntos numa Sociedade Democrática”, que atualizou definitivamente a posição do Conselho Europeu em relação à nova ameaça ao modelo político, social e institucional da Europa. Podemos ver que todos estes assim chamados novos desafios estão, pelo menos em certa medida, ligados a estes três domínios que acabo de vos apresentar: minorias, línguas, discriminação, e, em cada caso, à dimensão religiosa destas atividades. Fico grato pela vossa atenção.

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3.6 Kishan MANOCHA1

Abraçando uma Visão que Honra a Dignidade Humana

Dr. Kishan Manocha – Foto ©AIDLR

Muito obrigado. Os meus sinceros agradecimentos pelos comentários já partilhados pelos meus colegas durante a manhã nesta sessão, e espero que aquilo que vou dizer sirva para construir sobre esses comentários a partir da perspetiva da Organização de Segurança e Cooperação na Europa e, em particular, do Gabinete para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos, para o qual trabalho. O primeiro assunto sobre o qual gostaria de falar brevemente é a OSCE, a maior organização mundial de segurança regional que está envolvida na Liberdade Religiosa ou de Crença há 41 anos, desde a sua criação como uma Conferência sobre Segurança e Cooperação na Europa. A Liberdade de Religião ou Crença é um dos princípios originais dos Acordos de Helsínquia. Desde então, os Estados participantes elaboraram um conjunto muito detalhado de 1 O Dr. Kishan Manocha tem uma larga experiência em questões de Liberdade Religiosa e Direitos das Minorias nas regiões do Médio Oriente, da África e do Sul da Ásia, como Advogado, Investigador, Formador e Consultor junto de numerosas organizações não-governamentais e internacionais. Atualmente, é o Conselheiro Sénior sobre Liberdade Religiosa ou de Crença na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa / Gabinete para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos, em Varsóvia.


Abraçando uma Visão que Honra a Dignidade Humana

compromissos, que fornece, se quiserem, o quadro legal normativo dentro do qual e perseguem o ideal da segurança no seu sentido mais amplo; assim, a ligação entre a Liberdade de Religião ou Crença e a segurança tem sido central para o funcionamento da OSCE desde o início. De facto, poder-se-ia dizer que foi elevada ao nível de princípio num momento em que era apenas periférica no discurso sobre segurança. Introdução e Visão Precisamos de abraçar uma visão que vá além de combater o extremismo violento, uma visão do bem comum que honre a dignidade humana, e que promova o florescimento de todos e para a qual todos têm o direito e a responsabilidade de contribuir. Papel da Liberdade Religiosa ou de Crença (LRC) A Liberdade Religiosa ou de Crença, juntamente com outros Direitos Humanos, tem um papel-chave a desempenhar na capacitação de todos os indivíduos e comunidades para participarem neste processo. A LRC afirma a nossa capacidade inerente e o nosso desejo de descobrirmos a verdade por nós mesmos e de vivermos uma vida com significado construída à volta do que encontrámos. Reconhece o desejo humano instintivo de expressão e de comunicar, de socializar e de se associar com base nas nossas diversas compreensões pessoais e conceções da vida. Também abre a possibilidade de construir, criar e edificar um mundo melhor em conjunto com outros, de suscitar uma consciência profunda da relação recíproca entre o desenvolvimento humano e o avanço da sociedade. Pode discutir-se se a verdadeira riqueza de uma nação pode ser encontrada nos recursos humanos de um país e na sua capacidade de construir, de inventar, de se superar e de se exprimir a si mesmos livremente. Os países que acarinham e que libertam plenamente esse potencial, que investem na diversidade das suas sociedades, vão prosperar, independentemente da sua riqueza material. A Liberdade Religiosa ou de Crença é, então, um meio, para desbloquear o potencial transformador das pessoas, para ver os seres humanos como um vasto reservatório de capacidades para o progresso da sociedade; como protagonistas iguais no desenvolvimento da sociedade para todos. Criar e apoiar uma cultura de liberdade de religião ou de crença A necessidade vital deste tempo é criar e apoiar uma cultura política, legal e social, em que a Liberdade Religiosa ou de Crença seja respeitada e protegida.

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Kishan MANOCHA

A incorporação da Liberdade Religiosa ou de Crença na sociedade exige a mobilização de todos os atores-chave – autoridades estatais e municipais, comunidades religiosas e de fé, organizações da sociedade civil, instituições académicas e escolas, os Meios de Comunicação, – como parte de uma abordagem integrada ao trabalho. Em anos recentes, o Gabinete da OSCE para as Instituições Democráticas e os Direitos Humanos, na prossecução do seu mandato para ajudar os Estados participantes da OSCE a implementarem a dimensão humana dos seus compromissos na área da Liberdade Religiosa ou de Crença, tem vindo a aprender sobre como construir parcerias colaborativas e de confiança em torno da necessidade de salvaguardar a Liberdade Religiosa ou de Crença para todos, entre uma série de atores. Os espaços são exigidos em todos os níveis da sociedade, mas particularmente nas bases, para a discussão da LRC. É necessário construir um entendimento comum tanto dos aspetos positivos como dos negativos desta liberdade e das abordagens para a promovermos. A este respeito, gostaria de fazer as seguintes afirmações: 1. Os Estados são os principais responsáveis em relação à Liberdade Religiosa ou de Crença, portanto não se trata de deslocar o foco dos deveres dos Estados para a responsabilidade de outros atores da sociedade, como as comunidades religiosas ou de crença. 2. Este não é um Diálogo Inter-Religioso. Por muito importante que seja para a construção de confiança e de entendimento mútuos, o diálogo não é um substituto do trabalho que os Estados têm de fazer para respeitarem, protegerem e facilitarem o direito à LRC para todos os que vivem na sua jurisdição. 3. A promoção efetiva da Liberdade Religiosa ou de Crença para todos só é possível, se tivermos em conta diferentes contextos culturais. Portanto, é necessário contextualizar a sua aplicação, fazer esforços para ouvir atentamente as vozes locais, em especial as comunidades religiosas ou de fé e as organizações da sociedade civil, que detêm importantes conhecimentos locais e que são suscetíveis de ser atores-chave na promoção ou em minar a LRC para todos nas suas sociedades. Na verdade, esta mudança em grande escala numa cultura depende da participação ativa das comunidades religiosas e dos seus líderes, que são vistos como os guardiões dos valores e das normas culturais. Portanto, é vital envolvê-los no discurso sobre os Direitos Humanos universais e a LRC, respeitando, ao mesmo tempo, os seus próprios compromissos e o direito às suas visões do mundo. 4. Temos de ter cuidado para não relativizarmos as normas internacionais nem diluirmos o cumprimento dos compromissos. Os esforços para promover


Abraçando uma Visão que Honra a Dignidade Humana

a liberdade de religião ou de crença para todos só podem ser concretizados em ambientes que encarnam valores universais. É preciso haver um compromisso por parte de todos os atores para com a LRC e para com outros Direitos Humanos. Agora não é um momento sensato para nos afastarmos das normas e dos valores universais. 5. Há necessidade de uma abordagem inclusiva e imparcial ao trabalho com os Estados e com os atores não-estatais. Isto tem de ser genuíno e exige respeito pelo pluralismo emergente ou evidente, incluindo a diversidade intrarreligiosa. Além disso, vozes dissidentes e adeptos de interpretações conservadoras e tradicionais, bem como críticos liberais dentro das comunidades religiosas, têm direitos que merecem ser respeitados. 6. As normas internacionais e regionais sobre Liberdade Religiosa ou de Crença precisam de ser digeridas de maneira a fazerem sentido e as pessoas precisam de as tornar suas. A consulta é uma forma importante de tentar incutir valores nos bairros e nas sociedades, e devemos aprender qual a melhor forma de facilitar e de apoiar este processo. Algumas questões-chave que devem ser abordadas no contexto da LRC: A situação atual, e as crescentes pluralidade e diversidade religiosas e de crenças nas nossas sociedades obrigam-nos a desenvolver uma compreensão mais robusta do nosso bem-estar individual e coletivo, e, neste contexto, a pensar mais profundamente sobre uma série de questões importantes, tais como: 1) A categoria da religião, e a capacidade de distingui-la do extremismo violento e da ideologia política. 2) Como o direito individual à LRC pode dar origem ao avanço da sociedade, que, por sua vez, implica uma reconsideração da nossa compreensão da relação entre a pessoa individual e o coletivo. 3) Como pode a Liberdade Religiosa ou de Crença ser exercida num espírito de fraternidade, segundo as palavras do artigo 1º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e como podemos encontrar a coragem e a dignidade para a dar aos outros? 4) Convida-nos a pensar mais sobre a Liberdade Religiosa ou de Crença como um meio que pode desbloquear outras liberdades; sobre como podemos construir sinergias entre as opiniões e expressões que parecem ser fundamentalmente opostas a ela nas nossas visões estreitas e tendo em conta as agendas da igualdade e da não-discriminação. 5) Também nos desafia a deliberarmos sobre o conceito de justiça e como ele é compreendido e aplicado à liberdade de religião ou de crença.

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Porquê a justiça? Porque a justiça nos liga à nossa capacidade de raciocínio; uma faculdade indispensável ao exercício da LRC, e nos impele a trabalharmos para o benefício da Humanidade. Ela também orienta os Governos a providenciarem um quadro constitucional aberto, no qual a LRC pode ser garantida para todos com base na igualdade e na não-discriminação. Ela requer a participação universal na construção de sociedades abertas, pluralistas, prósperas e justas. A nível individual, a justiça tem implicações profundas nos modos de pensar e de expressão e nas nossas relações com os outros e na forma como os tratamos. A nível coletivo, há uma preocupação com a justiça, considerada uma bússola essencial na tomada de decisões, pois é indiscutivelmente o único meio pelo qual as diversas vozes e perspetivas podem ser equitativa e devidamente consideradas. Outras questões incluem: o que é um ambiente propício para o indivíduo exercer a sua responsabilidade de investigar independentemente da realidade e buscar o seu significado? Como criar condições para esse ambiente capacitante? Que tipo de sistemas educacionais pode nutrir a faculdade da razão, da opinião e da expressão, e de um profundo e duradouro sentido de justiça?


CAPÍTULO

4 Desafios à Paz, à Segurança e aos Direitos Humanos, com um Foco no Direito à Liberdade Religiosa ou de Crença


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4.1 Sua Excelência, a Embaixadora Beatriz Londoño Soto1

Introdução (Sua Excelência, a Embaixadora Beatriz Londoño Soto atuou como moderadora na Cimeira Global de Genebra.) Temos enormes desafios de credibilidade, de confiança e mesmo quando acreditamos que já não há esperança, precisamos de repensar o nosso papel nestas áreas, e é por isso que os jovens nos questionam cada vez mais. E precisamos de questionar se o sistema multicultural pode trabalhar de maneira útil para harmonizar as pessoas e para promover o respeito pelos Direitos Humanos para todos os habitantes deste Planeta. É por isso que penso que é muito importante aprender com todos vocês nesta Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança. Quero agradecer aos organizadores desta Cimeira, Adama Dieng, Vice-Secretário-Geral, Conselheiro Especial do Secretário-Geral das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio, e ao Dr. Liviu Olteanu, Secretário-Geral da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, representante nas Nações Unidas em Genebra. A religião pode ser uma ponte para o diálogo ou pode também quebrar o mesmo, mas podemos usá-la como um meio de melhorar a relação entre as pessoas e as comunidades. Algumas pessoas veem-na como um tema divisivo, mas hoje vamos ver como a religião e a prática da fé podem realmente ajudar-nos a revisitar e a ver como cada um de nós, de uma forma institucional, como país ou como região, pode contribuir para a melhoria dos Direitos Humanos e da situação dos seres humanos.

1 Sua Excelência, a Sr.ª Beatriz Londoño Soto é Embaixadora Extraordinária e Plenipotenciária, Representante Permanente da Colômbia nas Nações Unidas e noutras organizações internacionais em Genebra.


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4.2 Sua Excelência, o Sr. Rafael CATALÁ POLO1

Liberdade Religiosa, o Melhor Termómetro para Medir a Validade Real de Todas as Liberdades e dos Direitos Humanos2

Sr. Rafael Catalá Polo, Ministro da Justiça de Espanha – Foto ©AIDLR

É um prazer participar com todos vós nesta Conferência Internacional sobre “Liberdade, Religião e Segurança”, acompanhado por peritos internacionais e pessoas tão importantes como Eugenio Nasarre, Alberto de la Hera, com os quais já partilhei tanto experiências profissionais como proximidade política e intelectual. Gostaria de agradecer aos dois organizadores e às Entidades aqui reunidas por esta oportunidade, a qual, além disso, já foi dedicada a um assunto 1 Sua Excelência, o Sr. Rafael Catalá Polo é Ministro da Justiça de Espanha desde setembro de 2014. 2 Esta apresentação de Sua Excelência, o Ministro da Justiça, Sr. Rafael Catalá Polo, foi apresentada na Conferência Internacional “Liberdade, Religião e Segurança”, que teve lugar na Universidade Complutense de Madrid, em maio de 2016.


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de particular relevância dentro do quadro dos valores e dos princípios sobre os quais a nossa coexistência está fundamentada. Em primeiro lugar, a minha gratidão vai para o Instituto de Direitos Humanos da Faculdade de Direito desta Universidade Complutense, que tem uma tradição muito longa nesta área, porque é evidente que a perspetiva dos Direitos Humanos deve estar sempre presente quando abordamos qualquer um dos aspetos do mundo do Direito que temos de pôr em prática na nossa vida. O ideal de manutenção da paz que deu origem à Organização das Nações Unidas só poderia vir a tornar-se numa realidade, se os direitos proclamados por essa declaração fossem respeitados e aplicados tão completamente quanto possível. Portanto, o conceito de paz está intrinsecamente ligado ao dos Direitos Humanos. Esta abordagem inegavelmente exigente requer, sem dúvida, um aprofundamento constante no sentido e no âmbito de cada um dos Direitos Humanos e da nossa liberdade; e a essa tarefa o Instituto de Direitos Humanos desta Faculdade está incansavelmente dedicado, sendo fiel a um empreendimento desenvolvido ao longo de muitos anos. Portanto, encorajo-vos a perseverar neste caminho. Graças à iniciativa de um visionário, como o Dr. Jean Nussbaum, a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa / Association Internationale pour la Défense de la Liberté Religieuse (AIDLR) veio à existência, a cujos representantes – o Presidente, Sr. Mário Brito, e o Secretário-Geral, Dr. Liviu Olteanu – quero agradecer e expressar o meu mais profundo apreço pela sua permanente colaboração na organização desta Conferência Internacional e pelo trabalho que realizam diariamente. Não acredito que o momento da constituição da Associação (AIDLR) tenha sido um acaso, ao ocorrer há 70 anos (em 1946), com o impulso e o incentivo que recebeu da grande promotora dos Direitos Humanos, Eleanor Roosevelt, a primeira Presidente do Comité Honorário da AIDLR. Pouco antes, o mundo tinha sofrido alguns dos mais cruéis ataques à dignidade humana, motivados pelo desejo de domínio mostrado pelos regimes totalitários; isto resultou nalgumas das guerras mais cruéis da História. Portanto, uma espécie de restabelecimento dos direitos e do respeito pelas liberdades dos cidadãos era muito necessária naquela época. Acredito que o Dr. Nussbaum estava certo e tinha uma grande visão, quando disse: “Onde existe Liberdade Religiosa existirá também coexistência pacífica; todas as liberdades serão respeitadas; as autoridades públicas irão ter em conta a dignidade de cada pessoa e as suas ações serão sempre sujeitas ao elevado critério do respeito pelas liberdades.”


Liberdade Religiosa, o Melhor Termómetro para Medir a Validade Real de Todas as Liberdades e dos Direitos Humanos

Consequentemente, a Liberdade Religiosa torna-se no melhor termómetro para medir a validade real de todas as liberdades e de todos os Direitos Humanos. Penso que podemos dizer, sem medo de nos contradizermos, que defender a Liberdade Religiosa é defender todas as liberdades, e, ao contrário, onde a Liberdade Religiosa é desrespeitada, todas as outras liberdades estão ameaçadas. É por isso que acredito que todos os debates realizados no contexto desta conferência só podem ser focados através do prisma do valor supremo da Liberdade Religiosa; e, para avançarmos ao longo deste caminho, devemos ser capazes de encontrar os meios mais eficazes para que a Liberdade Religiosa surja, se torne funcional dentro das nossas sociedades, e se torne num elemento cardeal da nossa coexistência. Deve, portanto, ser um tema altamente valorizado por todas as sociedades, por crentes e não-crentes, e pelos seguidores de qualquer religião: porque, como a Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa (AIDLR) defende acertadamente, o direito de não professar qualquer religião ou mesmo o desejo de mudar de crenças também pertencem à esfera da Liberdade Religiosa. Para que este conceito aberto e dinâmico de Liberdade Religiosa seja instalado nas nossas sociedades, dois elementos fundamentais e complementares são necessários, na minha opinião. O primeiro é aceitar, mesmo pelo não-crente, a dimensão religiosa como decorrente da dignidade humana e, portanto, valiosa em si mesma. Como disse Alexis de Tocqueville: “Não há religião que não coloque o objeto dos propósitos do Homem acima dos bens terrestres e que não eleve naturalmente a sua alma para as regiões superiores às dos sentidos.” O segundo elemento, complementar ao anterior, é aceitar o pluralismo como um valor constitutivo das nossas sociedades atuais que se caracterizam, entre muitos outros fatores, por serem sociedades abertas. O valor do pluralismo é extraordinariamente complexo e a história da Humanidade mostra-nos as dificuldades que existem para que se torne efetivamente parte integrante da vida social. Uma boa parte dos conflitos ocorridos ao longo dos séculos, e que foram mencionados acima, teve a sua origem provavelmente na rejeição do pluralismo. Esta rejeição tem sido o berçário de todas as manifestações de intolerância que culminam com o pretexto de, por exemplo, expulsar as minorias, de as marginalizar, de as subjugar ou mesmo de as eliminar. Mas o nosso mundo, um mundo em que já não é possível estabelecer barreiras, o nosso mundo é impensável sem

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o reconhecimento do pluralismo como um verdadeiro fator coesivo na nossa coexistência, e não há pluralismo verdadeiro sem a aceitação do pluralismo religioso, que não deve ser um obstáculo para a aceitação, dentro de um Estado, do princípio do secularismo respeitoso como uma ajuda para a Liberdade Religiosa em que todos os cidadãos são, evidentemente, iguais em direitos e obrigações. Penso que é essencial intensificar todas as estratégias que nos podem levar a reforçar o valor do pluralismo nas nossas sociedades, e esta tarefa tem de ser iniciada, e deve basear-se nos sistemas de educação, tal como já foi abordado nesta conferência. Será que temos de renunciar ao desejo de que as nossas escolas sejam um reflexo e um viveiro do pluralismo da nossa própria sociedade, bem como do pluralismo religioso? Não deveriam elas ser o reino onde a tolerância e o apreço face àqueles que professam diferentes crenças são um dos elementos da educação dos cidadãos? Todos sabemos que a Liberdade Religiosa está a sofrer um aumento de ameaças muito graves. Todos os Observadores existentes concordam que a capacidade de exercer a Liberdade Religiosa está a piorar em todo o mundo. As violações têm âmbitos muito diferentes, mas todos descrevem uma imagem muito preocupante. Também acredito que é tão dececionante como é inaceitável pensar que a Liberdade Religiosa poderia dar um passo para trás no nosso mundo de hoje. A verdadeira realidade é que a Liberdade Religiosa é vítima dos fenómenos de intolerância, de fanatismo e mesmo de violência realizada em nome da religião ou até invocando o próprio Deus. O terrorismo, praticado, alimentado ou meramente justificado em nome de uma religião, causa o maior dano à Liberdade Religiosa e à normalização do pluralismo nas nossas sociedades. Portanto, a responsabilidade e o empenho das comunidades religiosas e dos seus líderes são imensos neste campo. Vemos com satisfação que estão a aumentar as iniciativas de líderes religiosos que reivindicam o papel das religiões como verdadeiros instrumentos de paz. Penso que essa ação é extremamente valiosa, porque são precisamente as autoridades religiosas que têm de colaborar para erradicar a ideia – que pode, infelizmente, enraizar-se na sociedade – de uma certa ligação entre a religião e a violência. Todas as sociedades têm o direito e o dever de se defenderem do fenómeno da violência terrorista, e os Estados e a comunidade internacional têm o dever de promover a segurança e a paz com todas as suas capacidades, com todos os meios à sua disposição. Segurança e liberdade, como têm vindo a apresentar estes dias, são conceitos complementares e, portanto, as democracias pluralistas também se esforçam por implementar esta complementaridade entre a segu-


Liberdade Religiosa, o Melhor Termómetro para Medir a Validade Real de Todas as Liberdades e dos Direitos Humanos

rança e a liberdade no sistema jurídico. O importante é que todos aqueles que defendem a Liberdade Religiosa tenham um discurso claro, um discurso que possamos transmitir efetivamente às nossas sociedades. A sociedade está sujeita às mensagens insidiosas e às demagogias transmitidas pelos inimigos da liberdade. Seria um erro pensar que medidas eficazes, realizadas pela maquinaria governamental para proteger a segurança dos cidadãos contra as manifestações de violência fanática, são suficientes. Agora, mais do que nunca, há necessidade de uma intensa colaboração entre os líderes políticos e os líderes religiosos, quer dizer, entre aqueles que exercem a liderança social e religiosa, os quais são capazes de travar uma verdadeira luta cultural que promove a tolerância, o pluralismo e, finalmente, que promove os valores em que a Declaração dos Direitos Humanos é baseada. Penso que este tema central, “Liberdade, Religião e Segurança”, deve ser uma prioridade política assumida por todos os Governos, através de uma ação pública e colaborativa com membros da sociedade e com líderes religiosos e sociais. Esta é uma das razões que confere uma importância especial ao trabalho, às reflexões e aos debates que têm sido desenvolvidos durante as diferentes sessões desta Conferência Internacional, e é precisamente aqui, na minha opinião, que deve ser encontrado o principal valor desta conferência. Portanto, como disse no início, as minhas sinceras felicitações e a minha gratidão para com os organizadores, os promotores e todos os participantes; e as minhas sinceras felicitações a esta Faculdade de Direito pertencente à Universidade Complutense, por manter vivo o espírito daquilo que nos torna verdadeiramente livres e donos do nosso destino: a defesa da lei, a defesa da tolerância, da pluralidade e da justiça.

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4.3 Sua Excelência, o Embaixador Alvaro ALBACETE1

Religiões: Traduzindo a Mensagem da Paz na Prática

Sua Excelência, o Embaixador Alvaro Albacete – Foto ©AIDLR

Gostaria de enquadrar a minha apresentação dentro do papel que as religiões (e falo no plural) podem ter na construção da paz, para evitar conflitos e na resolução de conflitos e na reconciliação. Falo no plural porque penso que o papel das religiões é muito mais eficaz do que o de uma só religião, no sentido de que temos visto que, neste momento da História, não é suficiente ser uma única religião a denunciar a manipulação das suas crenças por aqueles que tentam utilizá-la para justificar a violência, mas que são necessárias outras religiões a trabalharem em conjunto com ela, ou para falarem juntas, e para influenciarem as suas comunidades de maneira a traduzirem essa mensagem de paz e não acusarem outras religiões de utilizarem a violência de forma injustificada. É um desafio partilhado e, portanto, a solução só pode ser uma solução partilhada. 1 O Embaixador Alvaro Albacete serviu no KAICIID como Conselheiro Especial do Secretário-Geral da Diplomacia Pública. Desde então, tem sido o líder do desenvolvimento e da implementação do uso do KAICIID para o Diálogo Inter-Religioso e para a paz, em particular na República Centro-Africana e na Nigéria. Anteriormente, o Embaixador Albacete foi Embaixador-Geral encarregado do Diálogo Inter-Religioso e intercultural no Ministério Espanhol dos Negócios Estrangeiros.


Religiões: Traduzindo a Mensagem da Paz na Prática

Uma solução unilateral, mesmo que uma religião específica não aceite os líderes, já não é suficiente. É por isso que a cooperação inter-denominacional é tão importante. É exatamente isto o que estamos a tentar fazer no Centro para o Diálogo Intercultural e Inter-Religioso: estamos a tentar promover este Diálogo Inter-Religioso e a cooperação entre diferentes religiões – é importante alcançarmos os objetivos da paz; é importante para que possamos trabalhar em conjunto com o Gabinete das Nações Unidas para a Prevenção do Genocídio. Trabalhámos, em primeiro lugar, em Fez, Marrocos, na preparação de uma Declaração que já foi mencionada na primeira apresentação de hoje; e também nos reunimos noutros lugares em África, no Médio Oriente, no Norte de África. Nos próximos dias também [estaremos em] Banguecoque, Tailândia, cobrindo o continente asiático. Em todas estas conferências regionais tivemos como objetivo comum dar importância aos líderes religiosos. Este é um objetivo-chave desta Cimeira que temos organizado em conjunto com o Gabinete para a Prevenção do Genocídio; estas plataformas permitem às religiões trabalharem em conjunto, pois esta é a única maneira de poderem trabalhar juntos para evitar a violência extremista. A ideia de ter estes fóruns é muito baseada na plataforma para o Centro de Diálogo Inter-Religioso e Intercultural. Esta organização faz mais do que organizar seminários, mesmo que estes sejam importantes, como o que estamos a ter neste momento, mas a ideia desta organização tem uma perspetiva a médio e longo prazos que é muito necessária, porque as questões a que nos estamos a referir requerem um período de compromisso a médio e a longo prazos de entre cinco a sete anos. Estamos a trabalhar juntos em comunidades em países onde temos situações de conflito que estão relacionados de alguma forma com a religião. Estamos a falar com um elemento religioso, não por causa da religião. Penso que todos nós aqui podemos concordar que há uma manipulação da religião, mas se queremos ser eficazes na implementação desta iniciativa, não é suficiente ter uma Declaração; temos realmente que realizar essas práticas no local e elas precisam de um compromisso a médio/longo prazos. Esta plataforma ou organização que represento tem um aspeto inclusivo. Se as decisões tomadas não estiverem a levar em consideração os diferentes grupos na sociedade, pretendo incluir não só os vários líderes religiosos, e até mesmo os diferentes líderes dentro de uma qualquer religião particular, mas também a sociedade civil. Temos visto em muitas ocasiões nas nossas reuniões que as mulheres não estão plenamente representadas, por isso precisamos de trabalhar em conjun-

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Alvaro ALBACETE

to com Organizações Não-Governamentais que nos permitam ter as mulheres representadas nas nossas reuniões e ver que essa é uma representação eficaz e relevante. A mesma coisa acontece com os jovens; assim, vamos além desses líderes religiosos e das comunidades religiosas, e procuramos jovens e também grupos de mulheres. Gostaria de apresentar um outro aspeto desta plataforma ou organização que consideramos muito importante: a ligação entre esta plataforma e a plataforma da Liberdade Religiosa em diferentes países. Há plataformas que podem conectar-se com a sociedade e que têm conexões importantes que podem afetar o que acontece na sociedade. Elas também têm uma influência, não só sobre os líderes religiosos, mas também sobre os líderes políticos e sobre os líderes da sociedade. Mas o contacto entre os líderes religiosos e os líderes civis é muito importante. O último ponto que gostaria de levantar é a propriedade. O Centro de Diálogo Inter-Religioso e Intercultural é apenas um facilitador para o diálogo. Os próprios líderes têm de possuir aquilo que precisam de fazer. Muito obrigado.


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4.4 Asher Maoz 1

Devemos Promover a Paz, a Fraternidade e a Dignidade Humana Não como um Favor Feito a Outra Religião, mas Sim como um Tributo à nossa

Prof. Asher Maoz, durante a sua intervenção na Cimeira Global de Genebra – Foto ©AIDLR

Estamos a lidar com uma realidade trágica. Visões de Paz, de Fraternidade e de Dignidade Humana são comuns à maioria das religiões, no entanto foi e é a fonte de algumas das piores atrocidades da história humana. Então, o que deu errado? A tolerância religiosa parece problemática. Se sabe que tem a verdade, por que razão deve tolerar ensinos contrários? Porque deveria apoiar a liberdade para praticar uma religião que sabe que é falsa? Bem, a resposta para a segun1 O Professor Asher Maoz é o Reitor Fundador da Faculdade de Direito do Centro Académico Peres. Esteve durante muitos anos na Faculdade de Direito na Universidade de Telavive, onde lecionou Direito Constitucional, Estado e Religião, Liberdade de Expressão, Direito Familiar e Direito Sucessório. O Professor Maoz tem os graus de LLB e LLM, ambos Summa Cum Laude (Universidade Hebraica), M. Comp. L. (Universidade de Chicago), JSD (Universidade de Telavive) e Doutor Honoris Causa (Universidade Ovidius, Roménia).


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da questão é bastante simples – VOCÊ NÃO SABE! A religião é baseada na crença e não no conhecimento. Se pudesse ser provado cientificamente que uma religião é verdadeira, enquanto todas as outras são falsas, então certamente toda a Humanidade iria seguir aquela que fosse a verdadeira, mas isso seria o fim da religião. Se a religião for baseada na crença, como é, então a sua crença não é superior às outras. Se partilhamos esta noção, então devemos respeitar as crenças dos outros, assim como desejamos que respeitem a nossa. Sobre este terreno seria mais fácil abordar o primeiro dilema. Se somos fiéis à nossa própria religião, então isso deve certamente levar-nos à conclusão de que, de facto, devemos promover a paz, a fraternidade e a dignidade humana, não como um favor feito a outras religiões, mas sim como um tributo à nossa. Deixem-me salientar mais um ponto. Aqueles que são menos versados nas suas religiões tendem a ser mais extremos, como se quisessem compensar a falta de conhecimento ou mesmo a falta de religiosidade. Compete, portanto, aos líderes religiosos explorar as ideologias nobres da sua religião e conter os Zelotes. Os líderes religiosos genuínos devem abolir o uso indevido de ensinos religiosos para aumentar o ódio, a violência e a profanação da dignidade humana. Acrescento outro ponto. Todos temos medo daquilo que não conhecemos. Por isso, é crucial que conheçamos a religião uns dos outros. Os líderes religiosos devem reunir-se e elaborar uma compreensão e políticas comuns para um futuro mais brilhante. Isto é o que faz com que reuniões como a nossa sejam tão importantes. Permitam-me resumir a atitude judaica para com as outras religiões, que eu sugeriria como um modelo que poderiam querer adotar: ao povo judeu foi ordenado alegrar-se na Festa dos Tabernáculos, mas não na Páscoa, e a razão para isso foi:” Porque os Egípcios morreram” afogados no Mar Vermelho quando estavam a perseguir os filhos de Israel para os conduzir de novo à escravidão no Egito. Pela mesma razão, a oração completa de regozijo, o Halel, não é recitada na Páscoa, exceto no primeiro dia, “porque não te alegrarás com a queda do teu inimigo e o teu coração não ficará feliz com o seu fracasso”. Durante os sete dias da Festa dos Tabernáculos, setenta touros eram sacrificados no Templo “pelas setenta nações”. Neste contexto, o Talmude diz: “Ai dos adoradores de ídolos que sofreram uma perda, mas que não sabem o que perderam. Quando o templo estava de pé – o altar podia expiar para eles; e agora – quem vai expiar por eles?” Este episódio é típico da atitude judaica para com os não-Judeus. Corresponde ao mandamento de orar pela riqueza da nação onde vivem os Judeus.


Devemos Promover a Paz, a Fraternidade e a Dignidade Humana Não como um Favor Feito a Outra Religião, mas Sim como um Tributo à nossa

Corresponde ao mandamento para tratar um estranho que habita com o povo judeu com amor e com todos os direitos iguais aos direitos do cidadão judeu, sendo a razão para isso: “porque vocês foram estrangeiros na terra do Egito.” A declaração mais precisa sobre a atitude judaica foi proclamada pelo profeta Miqueias: “Todas as nações podem andar em nome dos seus deuses; nós andaremos em nome do Senhor, nosso Deus, para sempre.” Não se trata apenas de uma questão de tolerância. Tolera-se algo que é inferior. A tolerância exprime arrogância. Em vez disso, o Judaísmo respeita as outras religiões. Na Teologia Judaica, o Senhor parece manter um caráter duplo: É o Deus de Israel e, no entanto, é, ao mesmo tempo, o Deus do Universo. Consequentemente, existem dois conjuntos de regras – um para os Judeus; o outro – para o resto do mundo. Ambos foram dados por um mesmo Deus. O Rabi Joseph Albo, um importante filósofo religioso da Idade Média, admitiu mesmo a existência de “duas Toras (Tora significa os ensinos centrais do Judaísmo) ao mesmo tempo, para Nações diferentes”. Há uma coisa que o Judaísmo exige às outras religiões – que respeitem os Sete Mandamentos dados a Noé. Estes mandamentos foram dados por Deus na Aliança do Arco-Íris depois do Dilúvio. A aliança foi feita “entre Deus e cada criatura viva de toda a carne existente sobre a terra”, enfatizando a promessa de Deus de que: “Nem toda a carne será mais cortada pelas águas de uma inundação; nem haverá mais uma inundação para destruir a terra.” Os Sete Mandamentos dados a Noé são princípios de caráter moral básico, descritos por alguns filósofos como regras de lei natural. Um Gentio que guarde os Sete Mandamentos dados a Noé é visto como um Justo entre as Nações, e tem a sua parte no Mundo Vindouro. O Rabi Shlomo Goern, primeiro capelão do exército israelita, refere-se ao mandamento bíblico “amarás o teu próximo como a ti mesmo” e conclui: “O princípio refere-se à fraternidade universal, e a fraternidade não se aplica apenas entre o povo judeu, mas ao amor pela Humanidade em geral, ‘pois o homem foi feito à imagem de Deus’.” A este respeito, vale a pena mencionar um comentário judaico tradicional sobre o motivo por que Deus criou um único homem, ao contrário de uma comunidade de pessoas: “Portanto, cada um deve dizer: ‘o mundo foi criado só para mim’.” Esta ideia é aplicada na prática, no aviso administrado pelos tribunais religiosos judaicos a testemunhas em casos criminais. O Tribunal deve advertir as testemunhas a não apresentarem evidências especulativas nem baseadas no ouvi dizer: O Homem foi criado sozinho para

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ensinar que quem destruir uma vida humana é considerado pelas Escrituras como tendo destruído todo o Universo, e se um homem salvar uma única alma, as Escrituras olham para ele como tendo salvado todo o mundo. Outra razão interessante que é dada para a criação de um único indivíduo é “que ninguém possa ser ouvido a dizer ao outro: ‘o meu pai foi maior do que o teu’.” Isto lembra-nos de uma outra afirmação da Bíblia: “Não temos todos um só pai? Não foi um só Deus que nos criou?” O Professor Boaz Cohen combina este versículo com a filosofia de Fílon Judaeus [Fílon de Alexandria] e afirma: “Quanto à República da Humanidade, o Judaísmo ensina que todos os cidadãos têm um pai e que um Deus os criou a todos.” Voltando à profecia de Miqueias, é-nos dito que, no final dos dias, todos as nações irão até à Montanha do Senhor e será dada uma Tora para toda a Humanidade. Nesses dias, todas as Nações “converterão as suas espadas em enxadas, e as suas lanças em foices: uma nação não levantará espada contra outra nação, nem aprenderão mais a guerra”.


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4.5 Tahir Mahmood1

A Nossa Salvação Está em Focarmos a Atenção para a Exortação Comum de Todas as Religiões

Prof. Tahir Mahmood – Foto ©AIDLR

Todos os Estados têm de adotar o princípio da não-discriminação com base na religião ou na crença e de promover a tolerância religiosa. Hoje, temos no Globo todos os tipos de Estados – religiosos, quase religiosos e antirreligiosos, por um lado; e seculares, semisseculares e pseudo-seculares, por outro – e os parâmetros da Liberdade Religiosa das pessoas são decididos por cada Estado de acordo com a sua própria filosofia constitucional e, de vez em quando, pelas políticas dos partidos governantes. A ideia de uma religião estatal reconhecida por lei, ou uma que é privilegiada na prática, está fora de sintonia com o tempo. No entanto, as três religiões 1 O Professor Dr. Tahir Mahmood é um Professor veterano de Direito, na Índia. Depois de passar quase três décadas na Faculdade de Direito da Universidade de Deli, e de ter servido, por fim, como seu Reitor, mudou-se para a Universidade Amity onde é designado como “Ilustre Presidente Jurista, Professor Eminente e Presidente, Instituto de Estudos Jurídicos Avançados”. As suas principais áreas de interesse são as relações entre a Religião e o Estado, Direito Islâmico e outros Direitos de Família, sobre os quais tem escrito muitos livros.


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Tahir Mahmood

Abraâmicas desfrutam dessa posição em várias partes do mundo, em detrimento das pessoas que professam outras tradições espirituais. O Cristianismo, como o Judaísmo e o Islão, nasceu no Médio Oriente, mas é visto, em todo o mundo ocidental, como uma religião local e como a única natural. Na Ásia Ocidental, o Islão é a fé dominante em todos os lugares, exceto no Israel Judaico – e no Sul da Ásia, o Islão e o Budismo têm um estatuto oficial, respetivamente em quatro e em dois, de um total de oito Estados, enquanto nos outros dois Estados, professadamente seculares, o Hinduísmo está num elevado pedestal sócio-legal. Parece existir uma crença firme em todo o lado de que o reconhecimento e o patrocínio do Estado não significam negar Liberdade Religiosa e direitos civis aos cidadãos pertencentes a outras tradições espirituais, mas, tristemente, a crença não é refletida nas realidades no terreno. O Direito Internacional define uma minoria religiosa como “um grupo numericamente inferior ao resto da população de um estado numa posição não-dominante”, mas, na prática, a inferioridade numérica torna-se em inferioridade social e a não-dominância conduz à hegemonia do grupo dominante em qualquer lugar da Terra. Tanto a maioria como as minorias desejam Liberdade Religiosa sem restrições – sendo que as suas dimensões dependem de como estas leem, ou leem mal, os seus textos religiosos. É assim que são gerados os conflitos religiosos originando agitação social e afetando a paz e a segurança. A nossa salvação está em focarmos toda a atenção na exortação comum de todas as religiões de que piedade e santidade não significam executar ritos e rituais, mas sim promover o amor mútuo, a compaixão e a simpatia para com os outros seres humanos. A era da Jihad e das Cruzadas já passou – neste século XXI, o Homem não se pode comportar em relação à religião como fez, infelizmente, nos tempos medievais. Nesta era moderna, a Liberdade Religiosa só pode ser reconhecida como um direito humano apenas na medida em que possa proteger o humanismo e não pode ter permissão para destruir a paz e a segurança. Todas as religiões devem ser vistas como património comum da Humanidade, mas nenhuma pode ser autorizada a desempenhar um papel destrutivo. A tentativa de encontrar nos escritos uns dos outros coisas que podem parecer-nos intragáveis não nos levará a lado nenhum, a não ser ao ódio mútuo. Há muitas coisas em todas as crenças que podem aproximar-nos e tornar-nos mais sábios, permitindo-nos levar a Humanidade a uma coexistência mais pacífica e humana. O Islão, a segunda maior religião na Terra, caiu em descrédito devido a elementos equivocados dentro do seu redil que extrapolam


A Nossa Salvação Está em Focarmos a Atenção para a Exortação Comum de Todas as Religiões

uma folha espiritual imaginária para todas as suas excentricidades e para os seus pontos fracos. Deceções e enganos inerentes às suas atividades nefastas levam à crença, entre os outros, de que o Islão realmente é o que esses elementos fazem crer que ele é, e aí começa a sua demonização. Neste cenário preocupante educar tanto os de dentro como os de fora sobre os genuínos ensinos Islâmicos é uma necessidade premente no momento, colocando uma pesada responsabilidade sobre os ombros dos eruditos Islâmicos. Na atmosfera atual de ódio e de raiva inter-religiosos, o respeito pelos Direitos Humanos foi uma trágica vítima. Normas do Direito Internacional a este respeito estão a ser deitadas dia-após-dia no caixote do lixo da História. Quaisquer preocupações que existiam com os seres humanos inocentes que enfrentam situações desumanas em várias partes do mundo – seja da parte de governantes despóticos ou provenientes das maiorias indisciplinadas com domínio local – desapareceram. Isto é uma catástrofe que afeta o mundo dos humanos como um todo. Os Humanistas têm que estar profundamente preocupados com isto e não podem permanecer apenas como espectadores silenciosos. Uma retórica política poderosa não pode fazer com que se concretize o desejo de que o ódio e a violência religiosos fiquem longe. Os Governos do mundo e as forças do mercado internacional têm de pôr fim à sua seletividade arbitrária em incentivar ou desencorajar a violência. Têm que promover, com uniformidade e consistência, uma forma não-violenta de viver e uma habitação livre de terror em todas as partes do Globo. A guerra de palavras não pode resolver o problema – na verdade, cria mais problemas ao provocar uma categoria ou um tipo de terroristas uns contra os outros. Nas palavras de um distinto erudito americano, Edward S. Herman, “O terrorismo imperial produz inevitavelmente respostas terroristas de retaliação.” Soluções eficazes para o problema do abuso da religião têm que ser cuidadosamente elaboradas e eficazmente implementadas. Para alcançarmos os objetivos de paz, segurança e liberdade das fricções religiosas, precisamos de uma parceria dos elementos que têm o pensamento correto entre todos os titulares. A responsabilidade mais pesada é a matéria que está sobre os ombros de eruditos imparciais. As religiões não podem ser afastadas ou eliminadas, porque assim o desejamos, mas certamente devem ser humanizadas e desmamadas dos hábitos canibalísticos. Nas palavras de um grande juiz: “O código de governação do pluralismo religioso no mundo deve ser um comité de denominações, não um jardim zoológico de crenças selvagens.”

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4.6 Valeriu Ghilețchi1

A Intolerância e a Discriminação Afetam os Grupos Religiosos Minoritários e Maioritários

Sr. Valeriu Ghiletchi – Foto ©AIDLR

A Liberdade Religiosa é um direito fundamental e um dos fundamentos da sociedade democrática e pluralista. A intolerância e a discriminação com base na religião ou na crença afetam os grupos religiosos minoritários na Europa, assim como as pessoas que pertencem aos grupos religiosos maioritários. No entanto, os atos de hostilidade, de violência e de vandalismo tendo como alvo os Cristãos e os seus lugares de culto são insuficientemente tidos em consideração e condenados. Os Estados-Membros do Conselho da Europa devem ser convidados a promover uma cultura de vivência em união. A liberdade de expressão deve ser protegida, bem como o exercício pacífico da liberdade de reunião. 1 Valeriu Guiletchi é Membro do Parlamento da Moldávia e da Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, nas Comissões sobre a Eleição de Juízes para o Tribunal Europeu de Direitos Humanos, Igualdade e Não-Discriminação.


A Intolerância e a Discriminação Afetam os Grupos Religiosos Minoritários e Maioritários

Deve-se recorrer ao princípio da acomodação razoável, a fim de respeitar as crenças religiosas das pessoas, em particular no lugar de trabalho e na área da educação. Ao fazê-lo, os Estados deveriam assegurar-se de que os direitos dos outros são igualmente protegidos. A intolerância e a discriminação por motivos religiosos ou de crença afetam os grupos de minorias religiosas na Europa, mas também pessoas pertencentes a grupos de maioria religiosa. Numerosos atos de hostilidade, violência e vandalismo têm sido registados nos últimos anos contra os Cristãos e os seus locais de culto, mas estes atos são muitas vezes ignorados pelas autoridades nacionais. A expressão da fé é, por vezes, indevidamente limitada pela legislação e pelas políticas nacionais que não permitem a acomodação de crenças e práticas religiosas. A acomodação razoável das crenças e práticas religiosas constitui um meio pragmático de garantir o gozo efetivo e pleno da Liberdade Religiosa. Quando é aplicada num espírito de tolerância, a acomodação razoável permite que todos os grupos religiosos vivam em harmonia, no respeito e na aceitação da sua diversidade. A Assembleia Parlamentar do Conselho Europeu recordou, em diversas ocasiões, a necessidade de promover a coexistência pacífica de comunidades religiosas nos Estados-Membros, nomeadamente na Resolução 1846 (2011), sobre o combate a todas as formas de discriminação baseadas em religião, na Recomendação 1962 (2011), sobre a dimensão religiosa do diálogo intercultural, e na Resolução 1928 (2013), sobre a salvaguarda dos Direitos Humanos em relação à religião e à crença, e sobre a proteção das comunidades religiosas da violência. A liberdade de pensamento, de consciência e de religião é protegida pelo artigo 9 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (ETS nº 5) e é considerada como um dos fundamentos de uma sociedade democrática e pluralista. As limitações ao exercício da Liberdade Religiosa devem ser restringidas às que estão prescritas pela lei e consideradas necessárias numa sociedade democrática. A liberdade de pensamento, consciência e religião é um direito fundamental, consagrado não só no Artigo 9 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos (ETS nº 5) e no Artigo 18 da Declaração Universal de Direitos Humanos, mas também em muitos instrumentos nacionais, internacionais e europeus. É um direito fundamental da maior importância. O direito de ter crenças religiosas, de as mudar ou de as abandonar livremente, de as promover e de as expressar abertamente, e de esperar que o Estado proteja os indivíduos enquanto exercem os seus direitos, está entre os direitos civis mais fundamentais. Casos

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de discriminação com base na religião e na crença que afetam grupos religiosos minoritários na Europa são acertadamente condenados e são seguidos de perto pelas instituições internacionais, incluindo o Conselho Europeu, a União Europeia e a Organização para a Cooperação e a Segurança na Europa (OSCE), uma vez que essa discriminação constitui uma ameaça aos fundamentos de uma sociedade democrática e pluralista. Da mesma forma, atos de intolerância, de discriminação ou mesmo de violência são, por vezes, cometidos contra pessoas pertencentes a um grupo religioso maioritário. Qualquer apelo à, ou ato de, intolerância, discriminação e violência deve preocupar-nos, independentemente do grupo religioso que é alvo. Por conseguinte, é evidente que atos de intolerância e de discriminação dirigidos contra os Cristãos, sejam eles membros de um grupo religioso maioritário ou minoritário, atacam os valores centrais do Conselho Europeu. A Liberdade Religiosa é considerada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos como um dos alicerces de uma sociedade democrática e pluralista. O direito à Liberdade Religiosa engloba a liberdade de consciência e a liberdade para manifestar a sua religião ou as suas crenças em adoração, no ensino, na prática e na observância, e está intimamente ligado a outros direitos fundamentais, como a liberdade de reunião, a liberdade de expressão e a liberdade de escolha da educação. O direito à liberdade de consciência é protegido pelo Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos; pelo artigo 18 do Convénio Internacional sobre Direitos Políticos e Civis; pelo Artigo 9 da Convenção Europeia sobre os Direitos Humanos e pelo artigo 10 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia. A liberdade de expressão está protegida pelo artigo 19 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo artigo 11 da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e pelo artigo 10 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. Contudo, os Cristãos, nalguns Estados-Membros, são molestados ao promoverem e defenderem publicamente valores religiosos, incluindo o casamento tradicional. Além disso, alguns Cristãos foram investigados, suspensos e demitidos do trabalho por usarem símbolos religiosos no local de trabalho, nas escolas ou no espaço público, em violação do seu direito de manifestar a sua religião em público. Em anos recentes, houve uma série de casos relatados nos Meios de Comunicação e nos tribunais, em que Cristãos foram presos e até encarcerados por causa da expressão da sua visão religiosa sobre uma série de assuntos. Por exemplo, vários bispos da Igreja Católica foram acusados ou foram objeto


A Intolerância e a Discriminação Afetam os Grupos Religiosos Minoritários e Maioritários

de uma investigação criminal por alegadas violações do discurso de ódio nas homilias ou noutras expressões de valores doutrinários cristãos. Muitos outros pregadores cristãos também foram presos por pregarem publicamente nas ruas. Parece que a base para muitos destes processos judiciais são leis vagas ou mal definidas sobre o chamado “discurso de ódio”, que permitem que agentes da lei excessivamente zelosos reprimam o debate público. A liberdade de reunião é garantida pelo Artigo 20 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, pelo Artigo 21 do Convénio Internacional sobre Direitos Políticos e Civis, e pelo Artigo 11 da Convenção Europeia sobre Direitos Humanos. No entanto, alguns eventos cristãos, reuniões de oração ou serviços são interrompidos por ataques de grupos, porque não concordam com vários pontos defendidos por estes grupos. Os métodos incluem insultos verbais, incitamento à violência, danos materiais e mesmo ataques físicos. Tais incidentes têm tido lugar na Áustria, na Bélgica, na Alemanha, em Itália, na Holanda e em Espanha. As Orientações sobre a Liberdade de Reunião Pacífica preparadas pela Comissão de Veneza e pelo Painel sobre a Liberdade de Reunião do Gabinete da OSCE para as Instituições Democráticas e Direitos Humanos recordam que a proteção da liberdade de reunião é crucial para criar uma sociedade tolerante e pluralista em que grupos com diferentes crenças, práticas ou políticas podem existir pacificamente juntos. No que se refere às contramanifestações, as Orientações dizem que “o direito de contramanifestar não vai ao ponto de inibir o direito dos outros de se manifestarem”. Na verdade, os manifestantes devem respeitar o direito dos outros a manifestarem também. Deve enfatizar-se o dever do Estado de proteger e de facilitar cada evento onde as contramanifestações são organizadas ou ocorrem, e o Estado deve disponibilizar recursos de policiamento adequados para facilitar, na medida do possível, essas reuniões simultâneas relacionadas, mantendo uma distância “visível e audível” uma da outra. Embora isto esteja longe de preocupar os Cristãos, a hostilidade nos países europeus para com os edifícios e as propriedades religiosos revela-se em inúmeros casos de vandalismo, de destruição de propriedade e de exibições difamatórias, incluindo a destruição ou difamação de símbolos cristãos, a demolição de lugares de culto e a profanação de cemitérios ou túmulos de valor patrimonial histórico e cultural. Esses incidentes dirigidos contra os Cristãos são, muitas vezes, negligenciados pelas autoridades públicas. Em reação ao aumento de atos de vandalismo e de profanação em muitos Estados-Membros do Conselho da Europa, em 2010, o ex-Comissário do Conselho da Europa para os Direitos Humanos, Thomas Hammarberg, qualificou

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estes atos como crimes de ódio e salientou que eram “problemas urgentes de Direitos Humanos”. A Comissão Europeia contra o Racismo e a Intolerância (ECRI) também reportou ataques contra lugares e propriedades religiosos, em particular na Bósnia e Herzegovina, na Polónia, na “ex-República Jugoslava da Macedónia” e na Turquia. A ECRI expressou a sua preocupação face a relatos de que, nalguns casos, esses incidentes tendiam a ser minimizados pelas autoridades e salientou a necessidade de resolver esses problemas sem vacilar, condenando os ataques racistas, sempre que estes acontecem, e realizando investigações adequadas em cada caso. Concordo totalmente em que os crimes de ódio contra grupos religiosos devem ser publicamente condenados e que as autoridades devem garantir que os autores são identificados e processados. Nalguns países da Europa, existem limitações ao direito dos pais de optarem por tirar o seu filho de aulas específicas ou de um curso inteiro que os pais consideram contrário às suas crenças religiosas, morais e éticas, como, por exemplo, determinadas formas de classes sobre educação sexual. Este era o caso em Espanha, até 2012, quando o Governo decidiu finalmente descontinuar as aulas obrigatórias de “Educação para a cidadania”, às quais quase 55 0000 pais objetaram conscientemente, porque incluíam abordagens à sexualidade e ao aborto que eram inaceitáveis para eles. Tinham apelado para o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos para pedirem “que o Estado espanhol respeitasse a neutralidade ideológica no sistema educativo, a fim de prevenir futuras violações de Direitos”. “As escolas precisam de recuperar a tranquilidade, o consenso e o respeito pela liberdade de todos, a fim de realizarem a sua missão.” Na Resolução 1904 (2012) sobre o direito à liberdade de escolha na educação na Europa, a Assembleia lembrou que o direito à liberdade de escolha na educação está intimamente ligado à liberdade de consciência. Este direito é consagrado no Artigo 2º do Protocolo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos (ETS nº 9), que prevê que: “A nenhuma pessoa será negado o direito à educação. No exercício de quaisquer funções que este assume em relação à educação e ao ensino, o Estado respeitará o direito dos pais de assegurarem essa educação e esse ensino em conformidade com as suas próprias convicções filosóficas e religiosas.” A Organização para a Segurança e para a Cooperação na Europa, incluindo o seu Gabinete para as Instituições Democráticas e de Direitos Humanos (ODIHR), tem chamado a atenção para o problema da intolerância e da discriminação contra os Cristãos. A Assembleia Parlamentar da OSCE recomendou, na sua Resolução para o combate à Intolerância e à Discriminação contra os


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Cristãos, na área da OSCE, adotada em Belgrado, em julho de 2011, que “fosse iniciado um debate público sobre a intolerância e a discriminação contra os Cristãos e que o direito dos Cristãos a participarem plenamente na vida pública fosse assegurado” (parágrafo 12); que a “legislação nos Estados participantes, incluindo a lei laboral, a lei sobre a igualdade, as leis sobre a liberdade de expressão e de reunião, e as leis relacionadas com as comunidades religiosas e o direito de objeção de consciência, seja avaliada” tendo em conta a discriminação e a intolerância contra os Cristãos (parágrafo 13); e “incentivar os Meios de Comunicação a não disseminarem preconceitos contra os Cristãos e a combaterem os estereótipos negativos” (parágrafo 15). Observando que “as crescentes tensões que envolvem a religião, a cosmovisão e a ideologia se tornaram num enorme problema global”, um grupo internacional de eruditos e de ativistas de renome lançou a Carta Global da Consciência, em junho de 2012. A Carta Global da Consciência é uma declaração que reafirma e apoia o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (na liberdade de pensamento, de consciência e de religião). Foi preparada ao longo de três anos por pessoas de muitas crenças e por não-crentes, incluindo mais de 50 eruditos, políticos de muitas convicções e várias ONG’s, todos envolvidos numa parceria em favor da “liberdade de pensamento, de consciência e de religião” para todos. Os artigos, valores e princípios da Carta, e a promoção destes, já foram fundamentais na abertura de espaços para a compreensão, a discussão e a prevenção de ataques sobre a liberdade de pensamento, de consciência e de religião ou crença na Europa para todos, incluindo os Cristãos. Está a preparar o caminho para estabelecer diretrizes para resolver as questões que envolvem a religião na esfera pública. Tem como objetivo construir uma praça pública civil e cosmopolita, que seria hospitaleira para as cosmovisões das pessoas e para a forma como elas se manifestam em público. Nesta praça pública civil, as pessoas e as comunidades estariam conscientes da paz social, da ordem pública e dos direitos dos outros, à medida que manifestassem as suas convicções sozinhas ou em comunidade com os outros. A liberdade de consciência seria reconhecida por todos como um direito fundamental, o gozo da qual só deve ser limitado como uma exceção, sob condições restritivas prescritas em instrumentos internacionais, tais como o Convénio Internacional sobre Direitos Civis e Políticos. A Liberdade Religiosa é um direito fundamental protegido por Tratados e instrumentos internacionais. No entanto, em anos recentes, a hostilidade

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para com a religião na Europa pode ser vista em numerosos atos de violência e de vandalismo, assim como em limitações à expressão da fé. Este fenómeno diz respeito aos Grupos Religiosos Minoritários e também aos Grupos Religiosos Maioritários. Ele nega a contribuição da religião nas nossas sociedades e mina a natureza democrática e pluralista dos nossos Estados. Embora uma resposta legal continue a ser importante, a legislação é apenas parte de uma caixa de ferramentas maior para responder ao desafio da intolerância e da discriminação contra os Cristãos. Qualquer legislação relacionada deve ser complementada por iniciativas provenientes de vários setores da sociedade voltadas para uma pluralidade de políticas, de práticas e de medidas que nutram a consciência social, a tolerância e a compreensão, a mudança e a discussão pública. Isto é com vista a criar e a fortalecer uma cultura de paz, de tolerância e de respeito mútuo entre os indivíduos, as entidades públicas e os membros judiciais, bem como com as organizações provedoras de Meios de Comunicação e com os líderes religiosos/comunitários mais eticamente conscientes e socialmente responsáveis. O uso da acomodação razoável no contexto de crenças religiosas garantiria que a proteção concedida à Liberdade Religiosa pela lei internacional dos Direitos Humanos é efetivamente implementada nos Estados-Membros do Conselho Europeu, e que o direito à prática de uma religião não é uma palavra vazia. O pragmatismo deve prevalecer a este respeito. A acomodação das crenças religiosas deve ser considerada pelos Estados-Membros do Conselho Europeu num espírito de tolerância, dentro das fronteiras definidas pela lei e de acordo com uma abordagem caso a caso. Estou convicto de que a aplicação do conceito de acomodação razoável às crenças religiosas nos Estados-Membros do Conselho Europeu permitiria a todos os grupos religiosos viverem em harmonia, e no respeito e na aceitação da sua diversidade.


CAPÍTULO

5 Os Migrantes e a Crise de Refugiados: Desafios numa Perspetiva da Promoção da Paz, da Segurança e dos Direitos Humanos, com um Foco Particular na Liberdade Religiosa.


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5.1. Sua Excelência, o Sr. Adama DIENG

Aqueles que Têm Responsabilidades de Liderança Devem Tomar uma Posição Forte contra Qualquer Discurso Público que Denigra as Pessoas com Base na sua Identidade Religiosa

Sua Excelência, o Sr. Adama Dieng – Foto ©AIDLR

O tratamento que os refugiados e migrantes recebem, tanto durante a sua viagem, como depois à sua chegada ao país de destino, é um dos problemas. São extremamente vulneráveis aos traficantes humanos durante a sua viagem e, nalguns casos, dependem deles para a sua passagem e são frequentemente submetidos a abusos dos Direitos Humanos e a atos criminosos no caminho. Aqueles que fazem a passagem para um suposto lugar de segurança são muitas vezes recebidos com suspeita e hostilidade. Como vimos em vários países da Europa e nos Estados Unidos da América da América, há uma crescente resistência vocal a receber mais refugiados. Os refugiados estão a ser associados ao medo do terrorismo e são percebidos como ameaçadores – particularmente aqueles que chegam de países de maioria Muçulmana. Temos visto agora como esta


Aqueles que Têm Responsabilidades de Liderança Devem Tomar uma Posição Forte contra Qualquer Discurso Público que Denigra as Pessoas com Base na sua Identidade Religiosa

questão teve um impacto sobre os processos democráticos no ano passado, com figuras políticas que manipulam os medos das pessoas para ganharem votos. Estou particularmente preocupado com a ascensão do populismo, especialmente em todo o mundo ocidental, mas também noutros lugares, e precisamos de ter certeza de que esta tendência não irá destruir ainda mais as nossas estruturas. Penso que este tipo de comportamento pode criar um ambiente hostil, que irá espalhar a xenofobia e incitar à violência contra membros desta população vulnerável. Já todos viram certamente algum comportamento inaceitável após o primeiro dia da eleição de Donald Trump nos Estados Unidos da América da América. O que também vimos foi um aumento dos crimes de ódio, tanto no Reino Unido (pós-Brexit) e, como já mencionei, nos Estados Unidos da América da América, após as eleições. E isto tem de parar. Todos aqueles que têm responsabilidades de liderança, incluindo os líderes políticos, comunitários e religiosos, devem tomar uma posição forte contra qualquer discurso público que denigra as pessoas com base na sua identidade, incluindo a sua identidade religiosa, ou qualquer defesa do ódio racial ou religioso que constitua um incitamento à discriminação, à hostilidade ou à violência. Caros amigos, permitam-me que diga simplesmente que, enquanto estamos a falar, há ainda muitas pessoas a tentarem atravessar o Mar Mediterrâneo, e fiquei muito satisfeito por, ontem, a Procuradora do Tribunal Penal Internacional, a nossa irmã Fatou Bensouda, me ter informado de que vai examinar o tráfico de migrantes vindos da Líbia para ver se há evidências de crimes guerra. Como sabem, uma das áreas que ela pretende analisar é a questão do migrante e o facto de vermos centenas de milhares desses migrantes a serem traficados através da Líbia para a Europa. Cerca de 1400 pessoas foram salvas numa dúzia de operações separadas. Portanto, este é um problema sério que precisa de ser analisado, e é por isso que, em setembro passado (2016), organizámos uma reunião em Nova Iorque com o Conselho Mundial das Igrejas e com outros parceiros para olharmos para esta questão do tráfico de seres humanos, e é minha intenção, nas próximas semanas, iniciar um projeto muito importante para enfrentarmos este problema. Porque sabemos, definitivamente, quem são aqueles que fazem parte desta cadeia de tráfico humano. Podemos identificar os vários elementos, mas precisamos de ir até aos mandatários desses crimes graves. Não podemos permitir que os órgãos dos jovens sejam cortados enquanto tentam atravessar o Mar Mediterrâneo, para serem vendidos. E hoje, o tráfico de seres humanos, eu sugeriria, está simplesmente entre os crimes mais graves que temos de enfrentar.

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5.2 Amsatou Sow Sidibe1

A Importância de Envolver as Mulheres como Agentes de Paz

Prof. Amsatou Sow Sidibe – Foto ©AIDLR

Gostaria de basear o meu discurso à volta da relação que existe entre a crise dos migrantes e dos refugiados, e a religião, especificamente a Liberdade Religiosa. Afirmar que a crise de refugiados e migrantes tem realmente posto à prova a segurança, os Direitos Humanos e a paz, como se fosse um alicerce importante, mas não absoluto, da questão de religião. Temos observado que os ataques terroristas “em nome de Deus”, bem como os numerosos crimes cometidos pelos migrantes e refugiados (temos dados fiáveis da Alemanha): são 200 000 crimes e ofensas cometidos pelos migrantes em 2015, e 92 000 por refugiados em 2014. Este fenómeno de violência dos migrantes e refugiados criou uma exacerbada “Islamofobia”. Mas é uma “Islamofobia” que se traduz em “atos de violência perpetrados contra migrantes e refugiados”. 1. A Dra. Sow Sidibe é Professora de Direito, Cofundadora da Promoção Africana de Mulheres Trabalhadoras e Diretora do Instituto para os Direitos Humanos e a Paz, Universidade de Dakar. É Doutora em Direito, Professora-Associada de Ciências Políticas e Jurídicas, aluna excecional, ex-Ministra, Conselheira do Presidente da República e Encarregada dos Direitos Humanos e da Paz; Membro do Movimento Mundial de Mulheres Muçulmanas. Presidente da Rede Africana das Mulheres Trabalhadoras (Rafet). Em 2005, foi nomeada entre as 1000 Mulheres da Paz para o Prémio Nobel da Paz.


A Importância de Envolver as Mulheres como Agentes de Paz

Temos mais números: por exemplo, na Alemanha, o Ministro do Interior sugere um aumento dos crimes violentos de 427% contra os migrantes e refugiados em 2016, e ainda em 2016: 654 ataques contra refugiados, 449 contra centros de receção, 45 incêndios provocados e cinco ataques incendiários. Realmente, são muitos. Como uma demonstração de “Islamofobia”, temos visto mães que não queriam ter refugiados Muçulmanos nos seus bairros. Há até mesmo políticos que transmitem a ideia de que os terroristas do Estado Islâmico podem infiltrar-se entre os refugiados com o objetivo de cometerem ataques na Europa. Notámos também que esta Islamofobia pode resultar na incapacidade de acesso ao alojamento para estes migrantes e refugiados, especialmente quando têm um primeiro nome que tem uma conotação estrangeira (árabe, africana) e um patronímico que é de origem semelhante. Gostaria de pedir desculpa aos nossos amigos suíços aqui presentes, por contar uma ilustração: parece que a polícia aqui aproveita o tempo de oração na sexta-feira para multar os proprietários de veículos estacionados nas imediações das mesquitas. Aparentemente, não é feito por crueldade, mas é preocupante. É talvez esta Islamofobia que está a servir de justificação e de desculpa para a religião estar a ser usada por certos refugiados e migrantes e Muçulmanos, que se estão a converter ao Cristianismo, para evitarem esta violência que é cometida contra eles. Estes crimes não afetam apenas os Muçulmanos, mas também afetam as minorias cristãs. Por exemplo, no centro da Alemanha há 40 000 Cristãos refugiados que foram atacados ou insultados durante o último mês. A questão que nos colocamos é porque existe tanto ódio para com a religião? Sem dúvida, é por causa da ignorância; é por causa da intolerância; é por causa de uma má interpretação da religião. A intolerância e a radicalização ocorrem porque vemos diferenças, mas não temos consciência da realidade dos outros. Não podemos impor a nossa fé – uma pessoa deve ser livre para exercer a sua fé e não deve ser condenada por isso. Portanto, a religião, desde que seja bem interpretada, pode dar-nos ordem e harmonia na sociedade, respeito pelas organizações e deve dar-nos segurança e paz. Quando falamos de Islão, “salaam” significa paz. Temos dois Mandamentos que incluem amor e paz, de maneira que podemos encontrar esses valores de caráter em todas as religiões hoje. Quando falamos em toda a sociedade, fazemos a ligação entre os valores humanísticos e a religião: fidelidade, solidariedade, igualdade, amor, honestidade, humildade, paciência, misericórdia, moderação e perdão. Estes são valores comuns, que são positivos e que

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Amsatou Sow Sidibe

ajudam à Liberdade Religiosa. Geralmente, estes valores inspiram toda a legislação internacional. Devemos proclamar a Liberdade Religiosa e a Declaração dos Direitos Humanos, os direitos civis, a Declaração de Intolerância, a Discriminação por causa da religião e tudo o mais. Tomando como base o que seriam as boas práticas, colocar em prática os valores religiosos, e criar as melhores condições para os refugiados e os migrantes religiosos. O Profeta tinha deixado Meca para ir para Medina, por causa da perseguição religiosa. Mas o Profeta tinha estabelecido um sistema único de proteção, onde cada família local devia receber uma família de imigrantes ou de refugiados e deviam partilhar os seus alimentos e dar abrigo e proteção a essa família. Isso teria ajudado a ideia de boas-vindas na sociedade. Essas parcerias, que nos sustentariam espiritualmente e que seriam uma boa prática para seguirmos hoje, são uma ideia utópica. Então, devemos ser muito sensíveis hoje às necessidades e às práticas religiosas dos refugiados. Devemos considerar com muito cuidado a falta de alimentos, a falta de boas condições; devemos construir edifícios religiosos, como igrejas e mesquitas, e devemos criar espaços temporários para que pratiquem a sua religião. Por exemplo, no Senegal, uma situação que considero positiva, envolve o diálogo entre Cristãos e Muçulmanos. Educam para a tolerância para eliminarem as diferenças entre eles e esta é, na nossa opinião, também uma boa prática. Mas gostaria de acrescentar que, se seguirmos estas práticas que estamos a pôr em prática no Senegal, por exemplo, precisamos de institucionalizar os leigos, o secularismo. A maneira como compreendemos a liberdade de consciência e a filiação não-religiosa do Governo. Esta é uma solução ideal para os problemas da existência de minorias religiosas que temos nos Estados modernos, porque o Governo secular pode dar-nos o direito de sermos diferentes, e não sermos negligenciados ao mesmo tempo. Temos de ter tolerância e esta é a questão essencial; e acreditamos que esta é uma boa prática. Queremos insistir na importância de envolver as mulheres neste processo como agentes de paz. As mulheres são bem compreendidas como agentes de paz e de Liberdade Religiosa. Por exemplo, no Senegal, as autoridades religiosas são bem respeitadas pela população, pelo que têm um papel importante a desempenhar no caso dos migrantes e dos refugiados, a fim de assegurar a promoção da Liberdade Religiosa.


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5.3 Christian Molke1

Podemos Realmente Avançar para um Lugar Melhor, se Todas as Pessoas em Todos os Níveis se Juntarem e Conversarem

Christian Molke – Foto ©AIDLR

Excelências, distintos convidados, queridos colegas, senhoras e senhores, estou grato por esta oportunidade que me é dada hoje e pelo convite para falar em nome de um grupo marginalizado, que é uma comunidade que tem sofrido ameaças tremendas e Genocídio. Deixem-me primeiro introduzir aquilo que a minha organização – ADRA-Alemanha – está a fazer no setor humanitário. Só quero dar-vos a conhecer algumas coisas sobre o quadro em que estamos a trabalhar presentemente. Será 1 Christian Molke é o Diretor-Executivo da Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência (ADRA), Alemanha, Coordenador de um projeto na Grécia em favor dos Yazidis e Diretor de várias instituições, como a Associação de Beneficência, Jardins-de-Infância e Lares de Idosos. Desde 2012, tem sido o Diretor-Executivo da ADRA-Alemanha, uma ONG alemã que trabalha na área do desenvolvimento e da resposta a desastres. A ADRA-Alemanha é uma entidade independente dentro de uma rede de 140 sedes nacionais da ADRA em todo o mundo, organizada com base em modelos de parceria, financiada por doações privadas, fundações, pelo Governo alemão, pela Comissão Europeia e pela ONU.


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Christian Molke

útil para compreender as abordagens e poderá enfatizar potenciais soluções que veremos mais tarde. A ADRA é uma rede independente de ONG’s estabelecida em cerca de 140 países com aproximadamente 6000 funcionários a trabalharem a tempo inteiro nesta rede. A ADRA-Alemanha está a trabalhar com parceiros em todo o mundo em busca da implementação de recursos nas áreas do desenvolvimento e do alívio e combate à pobreza. Por isso, as populações mais vulneráveis em países que estão a lutar contra as catástrofes e as crises são as áreas onde estamos a trabalhar. O Ministro Federal dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Frank-Walter Steinmeier, declara geralmente: “Entretanto, estamos a viver numa crise permanente.” A crise global de refugiados empurrou os atores humanitários para uma nova fase de resposta. Provoca grandes dificuldades às vítimas destas circunstâncias e força os atores humanitários a procurarem novos modelos, novas metodologias e recursos adicionais para serem capazes de lhe responder. A ADRA considera-se como uma organização baseada na fé cristã ou baseada em valores. Pessoalmente, gosto mais do termo “baseada em valores”, porque é uma terminologia mais inclusiva; é um termo que pode ser facilmente adotado também por pessoas seculares. Ajuda a não excluir ninguém que trabalhe no campo da ajuda humanitária em termos de cooperação de forma coerente. Esse valor é uma alta prioridade para nós dentro da rede da ADRA. Em geral: A nossa metodologia de trabalho está de acordo com normas comuns, como a “abordagem aos Direitos Humanos”, “uma abordagem abrangente”, “um Consenso Europeu de Ajuda Humanitária” ou a “Esfera-Padrão”. Praticando isto, estamos a trabalhar em favor das pessoas mais vulneráveis em Estados fracassados, também chamados “países menos desenvolvidos” (PMD) e em zonas de guerra na África e na região da MENA. Temos de reconhecer: estas crises são todas complexas. Agravam o que – infelizmente e cada vez mais – observamos nestes dias: refugiados que estão a bater à porta da Europa. A migração de pessoas deslocadas mudou definitivamente o nosso quadro e o nosso foco em relação ao campo de trabalho, que, geralmente, estava no Sul global. Ela desafiou-nos a mudar o nosso foco para programas domésticos, que tratam e trabalham com refugiados nos nossos países de origem aqui na Europa. Cidadãos de vários países europeus começaram com iniciativas em termos de dar as boas-vindas e de integrar os refugiados que chegavam às costas da Europa. A ADRA, sendo uma organização social civil, decidiu entrar em ação ao longo de toda a rota dos refugiados vindos do Médio Oriente e de África. Mais


Podemos Realmente Avançar para um Lugar Melhor, se Todas as Pessoas em Todos os Níveis se Juntarem e Conversarem

recentemente, estamos a realizar o assim chamado: “Serviço de Gestão de Sites” (SMS) num campo de refugiados na parte norte da Grécia, perto de Katerini. A segurança é assegurada pelos militares gregos. No complexo deste campo de refugiados, somos parceiros com várias outras organizações, como, por exemplo: IsraAid e Islamic-Relief, em coordenação com o UNHCR e com o Governo grego, sendo financiados por doações privadas e pelo Governo alemão. Mais de 1200 Yazidi, sendo metade deles crianças com menos de 15 anos, estão ali acomodados. Não tenho palavras para vos descrever realmente as más circunstâncias que estas pessoas têm de enfrentar. Estão a viver em tendas e – acreditem ou não – até ontem, os atores humanitários responsáveis não tinham sido capazes de encontrar lugares apropriados e casas sólidas que estivessem prontas para a época de inverno. Esta é, claramente, uma situação muito má. Imaginem 600 crianças a viverem num espaço minúsculo nas pequenas tendas fornecidas pelo UNHCR. O ensino não foi possível durante mais do que oito meses. Em conjunto com outras ONG’s, tentámos fazer o nosso melhor no terreno, lidando com estas pessoas simpáticas e pacíficas que receberam esperança e dignidade através da sua religião, como repetidamente nos disseram. A primeira e mais importante abordagem para nós foi ouvir estas pessoas. Ouvir o que realmente querem, e aquilo de que realmente precisam. Hoje, não tenho palavras para vos falar sobre o sofrimento por que estas pessoas passaram. Palavras como “Genocídio” e “assassinatos brutais” não são suficientes, nem de perto, para descrever o sofrimento destes Yazidi. Estando cientes desta realidade, o que se pode analisar? Que conclusão poderá ser significativa? Qual é uma boa sugestão neste caso? Por favor, tenham em mente que não estamos aqui a falar de Estados falidos; estamos a falar agora da Europa, que é, como nos disse o Vice-Secretário-Geral das Nações Unidas, o Sr. Dieng, no seu discurso de abertura de hoje, “como um paraíso, como uma Ilha no meio de uma tempestade”. Os cientistas políticos estão a falar de um “espaço que encolhe” para as organizações da sociedade civil. Penso que concordam com o facto de que as Igrejas, as comunidades religiosas e as religiões pertencem à área da sociedade civil. “O espaço que encolhe” acontece, na sociedade civil, quando os atores dessa sociedade não podem contribuir mais para a comunidade, de acordo com os seus respetivos mandatos ou convicções. As coisas não funcionam bem! A resposta adequada à crise dos refugiados está a diminuir – mesmo na Europa; mesmo em países que consideramos como sendo ricos! Isto é o fenómeno recorrente; isto é um fardo e um sofrimento.

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Christian Molke

Especificamente: Estamos a lutar na Europa contra um tipo de burocracia que nunca esperei encontrar. A Humanidade é prejudicada por uma certa falta de solidariedade, apesar de todos os valores da União Europeia, apesar das leis sobre Direitos Humanos, e apesar da poderosa política de asilo que está escrita no papel. Temos todos os atores e todos os decisores no terreno, os quais estão, em geral, disponíveis para servir as vítimas e alterar algumas coisas para melhor. Mas, surpreendentemente, não estamos a ter uma resposta eficaz. Não estamos a lidar com uma falta de leis; não estamos a observar uma falta de envolvimento de indivíduos; não estamos a observar uma falta de políticas; mas observamos, sim, uma falta de coerência nas políticas e nas práticas. Isto significa que temos, em teoria, um quadro político suficiente, ferramentas e métodos apropriados, mas uma falta de aplicação de maneira coerente e cooperativa, que ultrapasse os interesses individuais para benefício das pessoas que sofrem. Alguns poderão chamar-lhe humanidade, nós chamamos-lhe a graça da caridade! Hoje, não quero culpar ninguém. Em vez disso, quero incentivar as pessoas disponíveis e de boa vontade, onde quer que estejam. Este grupo de pessoas composto por atores estatais ou por atores da sociedade civil deve, desesperadamente, procurar uma coligação daqueles que estão disponíveis. Pessoas que reconheçam as circunstâncias e as necessidades, reunindo todos os atores, incluindo os decisores de todos os níveis políticos no seio da Europa. Assim, a minha conclusão, ou as lições aprendidas, seria esta: ponham de lado a vossa mentalidade de silo. Esta é a minha convicção. Eu estou confiante de que podemos realmente avançar para algo melhor, se nos juntarmos todos, sentando-nos à mesa para um diálogo aberto. Estou convencido de que é possível ter boas soluções para estabilizar eficazmente a crise e mitigar as más circunstâncias em benefício do ser humano que está sob ameaça. A cooperação de todos os atores, os atores estatais, o setor privado, as organizações da sociedade civil e os representantes das comunidades religiosas, deveriam juntar-se e tirar as suas atitudes e os seus valores do papel, transformando-os em ações de uma maneira complementar. Precisamos de modelos encorajadores de melhores práticas – também na Europa – para realmente enfrentarmos esta nova crise complexa com que estamos a lidar. Precisamos de modelos de melhores práticas para incentivar as pessoas a copiá-los. Deixem a vossa mentalidade de silo e tentem ser responsáveis nesse sentido.


Podemos Realmente Avançar para um Lugar Melhor, se Todas as Pessoas em Todos os Níveis se Juntarem e Conversarem

Pensem além do vosso próprio horizonte. Nenhum ator tem conhecimentos abrangentes que cubram todas as necessidades. Encorajo-vos, caros ilustres participantes, a procurarem parcerias, buscando modelos de sucesso, seja no papel de vigias dos decisores políticos, ou no papel de ator estatal, ou no papel de líder de comunidades religiosas. Precisamos desesperadamente que estes bons exemplos se multipliquem. Permitam-me que mencione uma última observação no contexto do nosso tema principal da Cimeira. Parceiros religiosos e crenças religiosas são muitas vezes utilizados abusivamente para suscitar conflitos, que são, obviamente, causados pela desigualdade económica e pelo clima de injustiça. Precisamos claramente de analisar as causas que estão na raiz deste fenómeno e devemos estar interessados nas interdependências, para sermos capazes de evitar o uso abusivo da religião. É necessária uma investigação científica e teológica abrangente sobre esta questão! A religião é um veículo perigoso para concretizar conflitos que têm origem noutras razões. Da minha perspetiva, isto é um crime contra as pessoas mais vulneráveis que querem ser fiéis à sua religião. Abusar da religião neste sentido é uma desobediência a Deus, o Criador – é um pecado. Caros ilustres participantes da Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança, já é tempo, kairos,2 de nos tornarmos condutores para um futuro melhor. Este pode ser o papel mais importante dos líderes religiosos; serem construtores de pontes; influenciarem a comunidade, como catalisadores, que impulsionam o diálogo e o progresso. Não diminuam o vosso interesse e a vossa solicitude por outras comunidades religiosas diferentes. A religião está firmemente inserida em sociedades coloridas e diversas. Somos diferentes, mas, ao mesmo tempo, somos apenas um corpo. Portanto, devemos ser fiéis ao nosso mandato pessoal. Podemos manter-nos separados e autoconfiantes no que diz respeito às nossas próprias crenças e aos nossos próprios mandatos, mas, ao mesmo tempo, devemos praticar e ensinar uma atitude de pertença a uma Humanidade. Muito obrigado pela vossa atenção.

2. Kairos é uma palavra grega antiga que significa o momento certo, crítico ou oportuno.

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5.4 José-Luís Bazán1

Os Cristãos e os Membros de Todas as Minorias Que Fogem Devido à Perseguição Religiosa Devem Receber o Estatuto de Refugiados e Ter Total Proteção

Dr. José-Luís Bazán – Foto ©AIDLR

Deixem-me começar primeiro com uma descrição bastante pessimista baseada no atual estado global da paz no nosso mundo turbulento, o qual experimentou uma deterioração histórica geral nos últimos 10 anos a nível da paz, como foi demonstrado pelo Relatório de Avaliação da Paz Global, em 2016. Esta deterioração “é amplamente impulsionada pelos conflitos cada vez mais intensos nas regiões menores. O terrorismo também está ao nível mais alto de sem1 O Dr. José-Luís Bazán é um erudito com uma forte perícia internacional e uma vasta experiência prática, uma vez que tem estado ligado à proteção internacional dos direitos fundamentais, focada na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. A sua pesquisa e as suas publicações recentes incidem sobre: os desafios da crise de asilo e da migração (Direitos Humanos, solidariedade e dimensões de segurança); a proteção das minorias religiosas e a acusação de crimes internacionais; as novas tendências de tráfico de seres humanos (em particular, a exploração reprodutiva); a reinterpretação sobre o direito à Liberdade Religiosa, e a doutrina do “discurso de ódio” na jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos. Desde 2010, é também Conselheiro legal sobre migração, asilo e Liberdade Religiosa na Comissão da Conferência Episcopal da União Europeia (COMECE), sediada em Bruxelas.


Os Cristãos e os Membros de Todas as Minorias Que Fogem Devido à Perseguição Religiosa Devem Receber o Estatuto de Refugiados e Ter Total Proteção

pre – as mortes em combate nos conflitos estão no seu ponto mais alto de há 25 anos para cá e o número de refugiados nestes lugares está num nível não visto em 60 anos”. É certo que a guerra, o terrorismo e outras formas de violência são motivos dramáticos que levam à justificada procura de refúgio e de proteção noutros lugares. A falta de perspetivas sociais e económicas empurra as pessoas a deixarem para trás as suas terras e os seus meios económicos, e, compreensivelmente, a procurarem uma vida melhor. Tanto a procura de proteção contra a perseguição como a procura de melhores perspetivas sociais e económicas são Direitos Humanos bem reconhecidos internacionalmente, como está escrito no Artigo 13.2 e no Artigo 14 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, e podem ser exercidas sob determinadas condições, tais como, por exemplo, o cumprimento de procedimentos legais para obter o estatuto regular, o respeito pela legislação em vigor no país e o seu ethos cultural e social ou a exigência ou esforços proporcionais e razoáveis por parte dos migrantes para se integrarem na sociedade. No entanto, devemos lembrar-nos de que o primeiro direito fundamental de qualquer pessoa neste contexto é o direito de não migrar. Ou seja, o ato efetivo ou a escolha de permanecer na sua terra natal, porque a situação é suficientemente segura, bem como social, económica e politicamente viável para permitir uma vida pessoal e familiar dignas. Criar esse contexto é, em primeiro lugar, a responsabilidade do Estado em causa, com a ajuda e a assistência, claro está, da comunidade internacional, quando necessário, num quadro de relações justas entre as pessoas, os Estados, as nações e com um respeito total pela lei internacional. Neste sentido, os alvos melhores e mais fortes podem coordenar o desenvolvimento não ideológico e as políticas de cooperação podem melhorar a situação e evitar a fuga maciça de cérebros em casos particulares. As Igrejas e as comunidades religiosas têm um papel indispensável no desenvolvimento, em particular ao providenciarem serviços de saúde, de educação e sociais, e isso deve ser devidamente reconhecido. Mas quando os Estados são fracos ou não estão dispostos a cumprir as suas responsabilidades, ou até mesmo se tornam opressores dos seus próprios cidadãos ou de outros países, podemos concluir que esta procura por uma vida mais segura, mais humana e digna é simplesmente uma resposta racional. Nestes casos, a comunidade internacional e os seus Estados-Membros também devem dar uma resposta adequada a esta realidade. Protegendo os refugiados genuínos e respondendo especificamente às necessidades das sociedades e daqueles que procuram melhores condições sociais. A este respeito, a comunidade internacional deve fazer um apelo específico aos Estados que ainda não ratificaram a Convenção de Genebra, de 1951.

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José-Luís Bazán

Senhoras e senhores, neste momento, gostaria de referir a situação das minorias religiosas e, em particular, o destino dos Cristãos no Médio Oriente. Os Cristãos no Médio Oriente não são estrangeiros, mas nativos que vivem na sua pátria bimilenária. O Presidente da Caritas-Líbano, o Padre Karam, é claro ao expressar essa situação. Cito: “Os Cristãos não são convidados no Médio Oriente”. No entanto, se há um século, 20% da população do Médio Oriente eram Cristãos, agora são 4% e em decréscimo. Estão debaixo de uma ameaça existencial, em particular na Síria e no Iraque. Durante os últimos anos, uma querela incontestável, uma perseguição tem tido lugar e as vítimas, incluindo Cristãos, Yazidi e outros, estão a sofrer atrocidades que, nalguns casos, podem chegar ao ponto do Genocídio. Foi reconhecido pelo Parlamento Europeu, pelos Deputados do Conselho da Europa e também por alguns partidos nacionais. A comunidade internacional, na minha opinião, deveria fazer mais para processar estes crimes internacionais, incluindo a recolha sistemática de evidências, e para prevenir futuros casos com o envolvimento do sistema das Nações Unidas, em particular do seu Conselho de Segurança. Os Cristãos e os membros de todas as minorias que fogem devido à perseguição religiosa devem receber o estatuto de refugiados e também proteção total no país de receção, evitando o assédio e as pressões no lugar de refúgio e nos centros de detenção e de receção. No entanto, isso não exclui o dever do Estado de origem e da comunidade internacional para garantir o direito daqueles que fugiram a voltarem ao seu país de origem e às suas casas. Também implica a obrigação de proteger os seus pertences, a reconstrução das suas casas e dos seus templos e de criar um mecanismo de compensação a favor daqueles que sofreram perdas, especialmente as minorias que foram devastadas por atos de saque, vandalismo e destruição. E, não menos importante, deve fazer-se a acusação dos criminosos, tornando-os responsáveis pelas suas atrocidades criminosas. Para isso, o Estado em causa – as autoridades estatais – deve colocar em vigor a legislação adequada nos tribunais com a assistência da comunidade internacional. A este respeito, gostaria de referir a lista pormenorizada de valiosas propostas do Plano de Ação de Paris, adotado em setembro de 2015, para proteger as minorias no Médio Oriente. No entanto, uma das expressões mais frequentes que alguém pode ouvir dos Cristãos iraquianos, quando se referem ao seu possível regresso às suas casas (e isso poderia ser estendido a outras minorias e cenários), é “falta de confiança nos seus vizinhos”. Deixem-me dar-vos apenas um exemplo: um refugiado cristão em Amã testemunhou como alguns dos seus antigos amigos acolheram o ISIS em Mossul, oferecendo aos


Os Cristãos e os Membros de Todas as Minorias Que Fogem Devido à Perseguição Religiosa Devem Receber o Estatuto de Refugiados e Ter Total Proteção

combatentes pequenas barras de chocolate. Ele perguntou, de forma retórica, “como posso continuar a confiar nos meus próprios vizinhos?”. Senhoras e senhores, temos de dar uma resposta a esta preocupação legítima. Reconstruir as cidades destruídas, e mesmo investir no desenvolvimento de estruturas políticas e sociais é necessário, mas não é suficiente. Precisamos de reconstruir a confiança social entre cidadãos de origens diferentes. A este respeito, a iniciativa do Padre Dominicano, Amir Jaje, que criou uma Universidade aberta em Bagdad, para “reconstruir o coração dos Iraquianos, tanto Cristãos como Muçulmanos”, é certamente encorajadora. Necessitamos de quadros legais que permitam que qualquer cidadão, de qualquer país da região, tenha direitos civis iguais, incluindo o pleno respeito do direito à liberdade da religião que abraça, entre outros, o direito à liberdade de consciência e o direito de se converter. E não só. A liberdade de culto permitiria que os membros de minorias religiosas se sentissem mais respeitados e mais incluídos como parte das suas respetivas nações. Por último, porque precisamos que os Cristãos e os membros de todas as minorias religiosas permaneçam no Médio Oriente? É apenas uma questão de interesse arqueológico ou folclórico? No meu entendimento, a presença de Cristãos e de membros de todas as minorias religiosas no Médio Oriente impede melhor a radicalização das sociedades, pois proporciona um terreno mais sólido para o desenvolvimento social, político e cultural, evitando a desconexão desses países da comunidade internacional em geral. O desaparecimento de Cristãos e de membros das religiões minoritárias em grandes partes da região é um desastre cultural. É uma ameaça à Liberdade Religiosa e à diversidade. Uma perda para o progresso económico e mesmo um desafio geopolítico. Representam uma esperança para o futuro das suas respetivas nações – um fator indispensável para os tornar democraticamente viáveis. A mensagem de paz e de harmonia social que inclui as minorias religiosas não é ingénua – um contributo inútil para o bem-estar de todos os cidadãos que vivem no Médio Oriente –, mas a única solução possível e sustentável para os conflitos intermináveis que os seus nativos têm testemunhado por tanto tempo. Muito obrigado pela vossa amável atenção.

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5.5 Antonio Eduard Nistor1

Para Mudar a Sociedade, Temos de Mudar as Ideias

Antonio Eduard Nistor – Foto ©AIDLR

Muito obrigado, Sua Excelência, Embaixadora Alfaro. Obrigado por me darem a oportunidade de partilhar a nossa experiência e as nossas ideias sobre a nossa Fundação, Pro Vivere Dignum. O ponto inicial das nossas atividades como Fundação foi há mais de nove anos, em 2007, precisamente no fim da Guerra Civil no Uganda. Foi uma Guerra Civil que, talvez muitos saibam, foi causada pelo extremismo religioso. O Exército da Resistência do Senhor, dirigido por Joseph Kony, como a maioria provavelmente sabe, estava a tentar instituir uma teocracia naquele país. Desde então, a nossa preocupação tem sido sempre “edu1 O Professor Antonio Eduard NISTOR, EUA, é um Filósofo, Teólogo e autor de artigos e pesquisas académicas; é cofundador e Presidente da Fundação "Pro Vivere Dignum". É especialista na defesa dos Direitos Humanos, do bem-estar social e em programas educacionais internacionais; é um excelente organizador de projetos humanitários e de seminários, que se centram especialmente na “formação de formadores” como, por exemplo, membros do Governo, líderes religiosos e representantes da sociedade civil; esteve envolvido em muitos projetos educacionais desenvolvidos em grandes áreas do Uganda; hoje, é um perito e Conselheiro em organizar eventos internacionais, contribuindo como Conselheiro Especial do Secretário-Geral da AIDLR sobre as relações de comunicação na Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança realizada nas Nações Unidas em Genebra.


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car, educar, educar”, ou termos de lidar com esses tipos de extremismo e com as suas causas, as suas raízes. Tomei nota do que o Sr. Molke disse sobre lidar com a raiz ou com as causas destes fenómenos e temos que evitar o abuso de religião. Porque a religião é usada para dividir as pessoas, como disseram, e provavelmente com base na ideia “dividir para reinar”: usamos tudo o que pudermos, e a religião é uma boa ferramenta para se usar para dividir as pessoas e governar sobre elas. É por isso, penso, que a religião se tornou numa ideia ou num conceito que, aqui na Europa, como cidadãos no século XXI, deixámos de lado. Pensamos que a religião é algo que está ultrapassado na Europa. Não temos que pensar em religião, porque a religião é uma coisa do passado. Deus está morto – é um conceito que deixámos para trás no passado. Mas podemos ver que isso não é verdade, tanto na Europa como fora dela; mas na Europa é mais óbvio. É por isso que a minha proposta ou a minha preocupação era como lidar com o vazio que foi criado por se eliminar ou evacuar a religião dos espaços públicos, dos discursos e dos debates. Na verdade, o Sr. Molke disse que os cientistas e os teólogos têm que começar um ressurgimento; têm de juntar as suas ideias e debater e ver o que pode ser feito. Porque, para mudar a sociedade, temos de mudar as ideias e a forma como pensamos na sociedade. Gostaria de enfatizar várias ideias, a primeira é sobre religião. Independentemente do que possamos querer fazer, a religião como um conceito, como um fenómeno, provavelmente não vai desaparecer. Pode tomar formas diferentes, mas continuará a existir. Porquê? Porque tem a ver com questões e preocupações essenciais, fundamentais e transcendentes dos seres humanos. Todos já se perguntaram: “De onde viemos? Para onde vamos?” E, especialmente, e isto é muito importante: “A que valores podemos agarrar-nos?” A falta de valores tem sido a consequência de se deixar a religião fora do debate público. Os teólogos e os líderes religiosos não conseguiram reformular as suas respostas à luz das descobertas recentes e do pensamento moderno, e este é o fracasso da religião e dos teólogos. Lembro-me de uma declaração que dizia algo como: a teologia tem a pretensão ou vangloria-se de ter as respostas certas. Em contraste, a filosofia vangloria-se de fazer as perguntas certas. Os educadores retiraram das escolas qualquer debate sobre este assunto. Os Meios de Comunicação mantiveram deliberadamente o público afastado deste debate sensível. Os filósofos não foram capazes de articular uma axiologia motivadora (uma filosofia dos valores). Os políticos têm ignorado ou mesmo combatido os factos, contentando-se apenas em servir aos cidadãos o seu pão diário e

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o circo. No entanto, as questões permanecem para todos: “Porque existe vida no Universo?” “Para onde vamos?” e, mais uma vez, a mais imediata de todas, “Há alguns valores que valha a pena defender na nossa sociedade?” Todas estas são questões transcendentes que não podemos simplesmente descartar, mesmo que tenhamos tentado ignorá-las. Então, quais são as alternativas à abordagem atual? Gostaria de propor dois métodos ou conceitos importantes de que nós, como pensadores humanos ou seres humanos (Homo sapiens), necessitamos. O primeiro é a necessidade de ser desafiado. Não é apenas ignorar ou tolerar como uma forma de pensar, mas desafiar as nossas ideias. Não afrontar ou confrontar, mas desafiar para a mudança. Da mesma forma que o sistema muscular, se não receber estímulos do cérebro, vai ficar raquítico e sofrer de atrofia. Se os líderes e os formadores da sociedade agirem como se não houvesse mais nada a dizer sobre estas questões, como se não houvesse horizontes novos para explorar, as pessoas irão abraçar outros tipos de desafios que, pelo contrário, podem revelar-se nocivos. Estou a referir-me, em especial, aos grupos extremistas dentro da Europa, e não apenas aos extremistas islâmicos, os quais, provavelmente, formam a crise mais aguda no momento, mas estamos a ver movimentos extremistas em todos os países ocidentais, especialmente entre os jovens. E gostaria de sugerir que isto acontece porque têm falta de qualquer tipo de desafio aos seus valores e à sua maneira de pensar. Não podemos continuar a ignorar esta questão: temos de desafiar as pessoas através da educação; temos de manter um diálogo contínuo nestas questões e não apenas enterrá-las. A segunda alternativa é a necessidade de um quadro de referência ou de algumas âncoras ou alguns valores para as nossas sociedades e para a nossa mente. Embora estejamos de acordo, penso, sobre a relatividade do conhecimento nos dias de hoje, podemos concordar que o conhecimento, a epistemologia, é relativo hoje em dia; não temos absolutos, nem pensamentos absolutos ou valores absolutos como no passado. Temos de aceitar que ninguém pode viver sem um conjunto de axiomas, princípios e critérios, pelo menos até à sua próxima fase de compreensão. Aprendemos que os indivíduos têm fases, as culturas têm fases e as civilizações têm também fases na sua evolução. Depois de os conceitos religiosos tradicionais se tornarem obsoletos, ou ruírem, como na Europa moderna, nada ocupou o seu lugar. Um enorme vazio foi deixado em vez deles. As pessoas precisam de novos axiomas, os quais consigam agarrar-se em cada fase no seu desenvolvimento individual e social. Também precisam de cultivar


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princípios saudáveis de pensamento e de ação. Se não as ajudarmos a encontrar os valores corretos, elas poderão encontrar e abraçar os mais radicais desses valores. Se acham isto difícil de compreender, convido-vos a pensar em quantos rapazes e raparigas jovens estão enfeitiçados pelos movimentos extremistas na Europa Ocidental, nos Estados Unidos da América e por todo o mundo. Estão à procura de algo fixo e firme para abraçarem e para se agarrarem. Agora, como já foi falado por aqueles que estão aqui, não temos dúvida de que a relação entre o conflito e a religião existe – é uma realidade. Podemos fazer algo a esse respeito? Terroristas e extremistas podem encontrar lugar em quase todas as religiões, mas culpamos uma religião específica. Isto é por causa de “tal e tal” religião. Mudamos a forma como agimos ou reagimos mudando a forma como pensamos. Agora tenho uma pergunta para os países fora da Europa – os países em vias de desenvolvimento. A emancipação das crenças numa sociedade tem consequências em todas as dimensões dessa sociedade. A maneira como as pessoas gastam dinheiro; como votam; como fazem política; como trabalham; como falam, etc.. Estarão os vossos líderes políticos prontos para assumirem todas essas mudanças que vêm como consequência da emancipação do pensamento das pessoas? Estarão prontos para desistir de uma parte importante do seu controlo total? Estão as corporações nacionais dispostas a partilhar os seus lucros de forma equitativa com uma nação livre e emancipada? Estão os líderes de todos os cantos felizes em acolher uma era de esclarecimento? Porque a Europa teve uma era de iluminação, enquanto muitos fora da Europa não tiveram. Devem estar prontos para fazer isso, se quiserem evitar esta situação. Agora, falando também para os nossos líderes europeus, não teremos paz e segurança, se mantivermos as pessoas na ignorância e permitirmos que estas sejam marginalizadas e isoladas em guetos. As crises mais recentes que enfrentámos na Europa mostraram-nos que temos de mudar a nossa abordagem. Na verdade, temos interpretado mal as ideias de multiculturalismo e de tolerância até agora. Temos encarado isso de forma passiva, e penso que isso tem sido um problema. Adotámos a prática do “laissez faire”, que é mais confortável a curto prazo, mas perigosa a longo prazo. É assim que vou entrar no terceiro e último ponto da minha exposição: Penso que a nossa política futura precisa de implementar pelo menos dois princípios. O primeiro incide sobre as sociedades recetoras ou anfitriãs destes refugiados. Têm de criar o quadro legal e fazer fortes esforços para educarem os seus cidadãos para um pensamento mais integrado e para uma ati-

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tude pró-ativa, bem como para eliminar ou minimizar os riscos de exclusão. Gostaria de citar a Espanha, como um exemplo de integração nalguns aspetos: com poucas exceções, os visitantes vão descobrir que é difícil encontrar uma área exclusiva ou bairro, por exemplo em Madrid, a capital. Na mesma rua, ou até no mesmo condomínio, o viajante irá frequentemente encontrar uma mistura de Espanhóis e de pessoas de todo o mundo, independentemente da sua cor, raça, etnia ou religião. Muitas delas casam-se e têm filhos; e os seus filhos vão todos juntos para a mesma escola. Isto é, na minha opinião, um exemplo de integração das pessoas, não de marginalização ou de colocação das pessoas em guetos numa área específica da sua cidade, vila, aldeia ou país. O segundo princípio visa os grupos que chegam ou as minorias. Nós, como cidadãos europeus, acreditamos no nosso legado cultural: estamos orgulhosos das nossas realizações históricas em termos de liberdade, igualdade, equidade e segurança, para citar apenas algumas. Criámos uma prosperidade aqui na Europa e um estilo de vida que atrai as pessoas de outras culturas, por isso não devemos apenas defender estes valores, mas promovê-los ativamente dentro e fora das fronteiras dos nossos países. E eu diria isso não só para a Europa, mas também para os países Islâmicos: precisamos de líderes com opiniões moderadas para partilhar ideias melhores e ajudar as pessoas a emanciparem-se das suas ideias atuais. Eu disse que um dos nossos principais objetivos nos últimos dez anos na Fundação ‘Pro Vivere Dignum’ tem sido educar. E, juntamente com os nossos programas internacionais de desenvolvimento, temos coisas a fazer materialmente, assim como a ADRA e outras ONG’s estão a fazer; precisamos de intervir no terreno para fazer coisas em favor das pessoas. Mas também colocamos uma ênfase especial na formação de líderes e de formadores, desafiando as suas ideias e propondo novos e diferentes paradigmas. Esta é a maneira melhor e mais rápida de divulgar informações para o maior número de beneficiários: treinar os líderes, treinar os formadores. Como disse um dos líderes no Uganda, num seminário que realizámos no país: “Mais do que da vossa ajuda financeira, percebemos que precisamos da vossa mentalidade, e da vossa maneira de pensar.” Incorporar voluntários, de forma semelhante à ADRA, tem sido uma oportunidade bem-sucedida de trocar ideias e de partilhar valores. Nesta missão tivemos o privilégio especial de contar com o Dr. Liviu Olteanu como um dos formadores; agora ele está a passar a mesma filosofia para a atual Cimeira Global e para os participantes presentes. Estamos aqui a aprender juntos e, por sua vez, a assumir a responsabilidade de formar outros.


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Um dos maiores líderes religiosos de todos os tempos disse: “Não pensem que vim trazer paz à terra [isto é um paradoxo]; eu não vim para trazer paz, mas uma espada.” O crescimento vem através do, e por causa do, desafio. Sabemos hoje que Ele estava a falar sobre a espada do Espírito, o mesmo Espírito que fez da civilização europeia o que é hoje. É o espírito da liberdade que não somos chamados a desfrutar de uma forma egoísta para nós mesmos, mas somos chamados a libertar outros também. Somos chamados a sair e a sermos a mudança. Obrigado.

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CAPÍTULO

6 “Religião, Paz e Segurança” versus “Violência, Terrorismo e Guerra”


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6.1 Katrina LANTOS SWETT1

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Srª. Katrina Lantos Swett – Foto ©AIDLR

Penso que todos podemos concordar que uma das ameaças à segurança mais prementes que o mundo enfrenta hoje é aquela que se relaciona com o extremismo religioso violento e, portanto, gostaria de focar as minhas observações sobre a maneira como a Liberdade Religiosa pode ser um poderoso antídoto para este grave desafio à segurança. 1 A Drª. Katrina Lantos Swett serve como Presidente da Fundação Lantos para os Direitos Humanos e a Justiça, estabelecida em 2008, para continuar o legado do seu pai, o falecido congressista Tom Lantos. Sob a sua liderança, a Fundação Lantos tornou-se rapidamente numa distinta e respeitada voz sobre as preocupações-chave dos Direitos Humanos. Ela também é uma Educadora americana e a ex-Presidente da Comissão dos EUA sobre Liberdade Religiosa Internacional de 2012 a 2015. 2 Texto extraído do assunto apresentado por Katrina Lantos Swett (por videoconferência) na Conferência Internacional "Liberdade, Religião e Segurança: Termos Antagónicos no Contexto da Segurança Internacional?", organizada pela AIDLR e pela Faculdade de Direito & Instituto de Direitos Humanos, Universidade Complutense de Madrid, Madrid, 12 e 13 de maio de 2016.


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Darei início às minhas observações descrevendo a ameaça crescente que este extremismo representa, tanto para a Liberdade Religiosa como para a segurança e a tranquilidade do mundo. Depois, vou resumir o que considero serem as respostas lamentavelmente inadequadas ou mesmo fracassadas para este extremismo, dadas pelas nações e pelas elites governamentais em grande parte do mundo. E, finalmente, espero mostrar como a Liberdade Religiosa, embora seja ela mesma uma vítima do extremismo religioso violento, pode também ser uma ferramenta valiosa na luta contra esse radicalismo. Como toda a gente, tenho visto com sentimento de choque e de repulsa, de horror e de ultraje, o surgimento do extremismo religioso violento na forma de organizações como o ISIS no Iraque e na Síria. Vi os mesmos relatórios que vocês viram: mulheres e meninas sequestradas e escravizadas, homens e rapazes decapitados ou crucificados, famílias expulsas das suas casas enfrentando a fome e a morte, e comunidades de vida e de fé, com dois mil anos, desenraizadas e ameaçadas de extinção. E vi que nenhum grupo religioso ficou livre dos seus ataques nas áreas que foram conquistadas. Na verdade, o ISIS tem desencadeado ondas de terror sobre os Yazidi e os Cristãos, os Xiitas e os Sunitas Muçulmanos, bem como outros que se atrevem a opor-se às suas ideias. Sabemos que o terror inspirado pelo ISIS não permaneceu apenas no Médio Oriente, mas chegou ao coração da Europa. Além disso, sabemos que o ISIS não está sozinho na perpetração deste tipo de violência, muito frequentemente em nome da religião. Na Birmânia, os Rohingya Muçulmanos continuam a sofrer ataques de extremistas que atuam em nome do Budismo. Na Nigéria, o Boko Haram continua a atacar tanto Cristãos como Muçulmanos que ousam contrariar a sua interpretação radical do Islão. De assassínios em massa nas igrejas e nas mesquitas, a raptos em massa de crianças das escolas, o Boko Haram abriu um largo caminho de terror através de uma vasta faixa desse país. No Paquistão, o qual visitei em trabalho, em nome dos Estados Unidos da América, os extremistas lançaram repetidamente ataques devastadores. Talvez não haja um testemunho mais visível da magnitude dessas predações do que os milhões de pessoas que foram forçados a fugir das suas casas. No Iraque, quase três milhões de pessoas estão agora deslocadas internamente como resultado da ofensiva do ISIS. Quase sete milhões de habitantes da Síria antes da guerra civil sofreram um destino semelhante e mais de 3,9 milhões são refugiados em Estados vizinhos e, nós sabemos, vocês sabem, melhor do que ninguém, que a Europa foi abalada até ao seu âmago pelo influxo caótico de

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refugiados desesperados em busca de segurança e de uma vida melhor longe dos seus países encharcados de sangue. É evidente que a ascensão não contrariada desses extremismos tem desencadeado crises humanitárias de proporções absolutamente horríveis e desafios políticos e crises estão a seguir no seu encalço. Assim, a questão que se levanta é óbvia: como reagiram as nações ao extremismo religioso violento? Nalguns países, os próprios Governos encarnam este extremismo. Por outras palavras, o extremismo religioso é parte da sua ideologia governativa. Assim, na Arábia Saudita, por exemplo, o reino amordaça as Igrejas e qualquer expressão pública que contradiga a sua própria interpretação do Islão Sunita, ao mesmo tempo que aplica punições bárbaras aos transgressores, tal como vimos no açoitamento brutal e na prisão de Raif Badawi. Há décadas que a Arábia Saudita exporta as suas interpretações religiosas extremistas através de literatura enviada para grande parte do mundo. E no Irão, as minorias religiosas, como os Bahá’ís, os Cristãos e os Sunitas Muçulmanos, bem como os dissidentes Xiitas, foram submetidos a prisão, a tortura, a encarceramento e até mesmo à morte. Enquanto a Arábia Saudita e o Irão encarnam o extremismo religioso, noutros países os Governos permitem ou, pelo menos, toleram esse extremismo… Por exemplo, no Paquistão, o Governo impõe vigorosamente a lei da blasfémia, com quase 40 Paquistaneses no corredor da morte ou a cumprirem sentenças de prisão perpétua por violarem esta lei mal concebida e mal definida, e essa é uma estatística sem igual em qualquer outro lugar do mundo. Estes prisioneiros de consciência incluem pessoas como Asia Bibi, uma Cristã trabalhadora rural, cuja sentença de morte foi apoiada várias vezes nos tribunais paquistaneses. O peso desta lei da blasfémia cai desproporcionalmente nas comunidades religiosas minoritárias, como os Cristãos, os Hindus e os Ahmadis, a qual, por sua vez, incentiva os extremistas religiosos para que ataquem essas minorias e, enquanto o Governo impõe as leis da blasfémia zelosamente, carece de qualquer tipo de zelo correspondente para trazer diante da justiça os responsáveis por esses ataques extremistas. Enquanto alguns Governos encorajam o extremismo religioso violento e outros o permitem ou toleram, há ainda outros Governos que procuram gerir esse extremismo através da concessão ou retenção de favores aos grupos religiosos sectários, com base no facto de apoiarem ou não as políticas do Governo. Há décadas que a família Assad governa em série, e seguiu esta abordagem, tratando os Sírios como membros de grupos religiosos que disputam o seu fa-


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vor, em vez de como cidadãos individuais que possuem direitos iguais diante da lei. Quando um grande número de Sírios foi para as ruas em 2011 a exigir os seus direitos como cidadãos, o regime de Assad disparou sobre eles, enquanto viravam os grupos sectários uns contra os outros. Como temos visto, a guerra civil que se seguiu abriu a porta para horrores inimagináveis, perpetrados pelo ISIS e por outros extremistas violentos. Em vez de serem meios de ativação, de tolerarem ou de gerirem o extremismo religioso, outros Governos respondem treinando os seus pontos vista em religiões inteiras ou, pelo menos, numa massa crítica dos seus aderentes. Por exemplo, a China e a Rússia aparentemente decidiram que a maneira de lutar contra o extremismo de alguns Muçulmanos é reprimindo todos ou a maioria dos Muçulmanos. A China seguiu esta abordagem com a sua comunidade Muçulmana mais fraca, enquanto a Rússia agiu do mesmo modo, mas com os Muçulmanos da região a norte do Cáucaso; infelizmente, nas nossas próprias sociedades ocidentais tivemos dificuldade em lidar com o extremismo religioso e o motivo-chave para isto é claro: durante décadas, as burocracias da nossa política externa parecem ter esquecido o seguinte facto crítico – para a grande maioria das pessoas ao redor do mundo, a religião é importante. De acordo com uma pesquisa recente, um total de 84% da população mundial identifica-se com um grupo religioso específico, e, para muitas dessas pessoas, a religião não é apenas uma entre várias afiliações, é uma afiliação importante. Do culto à oração, dos nascimentos aos funerais, dos casamentos aos dias santos, das esmolas à ação de graças. A religião continua a ser uma poderosa fonte de identidade, de significado e de propósito para milhares de milhões dos nossos companheiros seres humanos, no entanto, durante gerações, este simples facto conseguiu, de alguma forma, eludir, confundir ou surpreender os especialistas em política externa em todo o Ocidente. Vez após vez, estes especialistas agem como o cervo proverbial em frente dos faróis, ao confrontarem alguns dos grandes eventos do nosso tempo, muitos dos quais foram claramente motivados pela religião. Lembrem-se do choque e da descrença que se seguiu à queda do Xá do Irão, em 1978, e à sua substituição pelo regime radical de Jomeini, apesar dos numerosos indicadores de que o movimento Jomeini estava em ascensão. Lembrem-se do espanto das elites da política externa uma década mais tarde, durante a surpreendentemente rápida sucessão de eventos que conduziram à queda da ex-União Soviética. Eles simplesmente não podiam acreditar que a oposição do Papa João Paulo II à tirania Soviética iria impulsionar movimentos de libertação baseados na religião

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em todo o império soviético, ajudando a destruir o seu reinado ditatorial. E, é claro, a realidade brutal por trás do 11 de setembro confundiu os especialistas, quando 19 sequestradores mataram 3000 Americanos e se mataram a eles mesmos, sem outra razão a não ser a crença de que, de alguma forma, estavam a agradar a Deus. O veredicto é claro, vez após vez, ao longo da maior parte da nossa vida: as elites ocidentais simplesmente perderam o barco no que respeita à religião. Muitas vezes negaram, minimizaram ou, às vezes, até mesmo demonizaram o papel de toda e qualquer religião na sua influência sobre a vida das pessoas e, ao fazê-lo, francamente não compreenderam o que devia ser óbvio para todos. Não podemos fazer política externa com o resto do mundo, se não fizermos ideia do, ou se menosprezarmos o, papel das religiões no mundo; não podemos ter uma estratégia bem-sucedida contra os nossos inimigos, se não fizermos ideia das, ou se menosprezarmos as, suas motivações religiosas. E, como resultado, as elites ocidentais, juntamente com os líderes e os Governos de outras partes do mundo, não conseguiram desenvolver uma estratégia coerente ou consistente contra o extremismo religioso violento. Então, como vamos enfrentar o extremismo religioso violento? Fazemo-lo através de ideias e de crenças que não são nem violentas nem extremistas. Como é que combatemos as expressões de fé que desonram alguns povos? Encorajamos aqueles que honram todos os povos, mas só há uma maneira de fazer com que isto aconteça: devemos defender destemidamente o direito humano fundamental e universal da Liberdade Religiosa. Temos de defender energicamente o princípio de que todas as pessoas têm o direito de pensar como quiserem, de acreditar ou de não acreditar segundo os ditames da sua consciência e de praticar as suas crenças aberta e pacificamente, sem medo ou intimidação. Temos de defender firmemente a noção de que a maneira de derrotar más ideias religiosas não é com a ausência de ideias religiosas, mas com ideias tanto religiosas como não-religiosas que se lhes oponham. Operar num mercado de ideias livre e vibrante. Estudos após estudos mostram como é a ausência deste mercado, a ausência de Liberdade Religiosa que está relacionada com extremismo religioso violento e com outros males, e que é a presença de Liberdade Religiosa que está relacionada com mais estabilidade, mais segurança e mais harmonia. Em dezembro de 2012, o Instituto para a Economia e a Paz, uma organização sediada na Austrália, publicou a classificação dos países com base no número de ataques terroristas entre 2002 e 2011. Seis das nações no topo da classificação em termos de terrorismo – Iraque, Paquistão, Afeganistão, Índia, Nigéria e Rússia – encontram-se entre as nações


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que a Comissão Americana sobre Liberdade Religiosa Internacional tem sinalizado como graves violadores da Liberdade Religiosa. Porque existe uma relação entre a falta de Liberdade Religiosa e a presença do extremismo religioso violento? Com base no que já disse, há pelo menos três respostas possíveis para esta questão: Em primeiro lugar, como vimos, quando os Governos impõem leis, tais como os códigos de blasfémia, que sufocam a Liberdade Religiosa, encorajam os extremistas a cometer violência contra os transgressores detetados. Nós testemunhámos claramente este padrão no Paquistão. Em segundo lugar, quando os Governos reprimem a Liberdade Religiosa ou não a protegem, empurram algumas pessoas para os braços dos grupos e dos movimentos religiosos radicais. No caso da China e da Rússia, a repressão de Muçulmanos em nome da luta contra os pontos de vista extremistas de alguns produziu o extremismo violento noutros. E, finalmente, os Governos que reprimem a Liberdade Religiosa fora das suas fronteiras em nome da luta contra os extremistas também fortalecem involuntariamente os extremistas, ao enfraquecerem a sua concorrência moderada, mas talvez menos resiliente. Por exemplo, durante as décadas de Governo do Presidente Mubarak, o Egito acabou por fortalecer os Salafistas, enfraquecendo a sua oposição mais liberal. É um dado adquirido que incorporar a Liberdade Religiosa nesta sociedade não é uma tarefa fácil. É realmente um trabalho duro. É um trabalho que, em muitos lugares, vai levar anos e, talvez, décadas. É um trabalho que vai exigir a substituição do domínio do Homem pelo domínio da lei. Mas, para aqueles que dizem que não pode ser feito ou que nem sequer deve ser tentado, a minha pergunta é esta: Qual é a alternativa? Confiamos em homens fortes que vão manter o radicalismo sob controlo? Digam isso aos Cristãos e aos Yazidi que confiaram em que Saddam Hussein ou Bashar Assad sempre estariam ali com o controlo total. Vamos limitar-nos a enterrar as nossas cabeças na areia e a esperar que o extremismo não chegue ao nosso próprio país? Digam isso aos parentes dos que morreram nos ataques do 11 de setembro na América, ou às vítimas do Charlie Hebdo, ou dos últimos ataques em Paris, ou dos mais recentes ataques sangrentos em Bruxelas. Não se enganem, a menos que seja combatido pela Liberdade Religiosa, o vírus do extremismo religioso continuará a atravessar os Oceanos e os Continentes. Quando os Cristãos no Egito, ou os Yazidi no Paquistão, são presos por blasfémia ou atacados por extremistas por supostamente violarem essas leis, e nós ficamos em silêncio, não devemos ficar surpreendidos quando os

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ataques começam noutros lugares do mundo, incluindo nas ruas de Paris ou de Nova Iorque, ou, como vimos recentemente, com o assassinato de um homem Muçulmano na Grã-Bretanha. Quando os Cristãos Coptas são decapitados pelo ISIS no Norte de África, as pessoas correm risco de sucumbirem ao mesmo destino noutros lugares. Claramente, o que se passa no mundo diz-nos respeito, e é por isso que estamos aqui hoje; é por isso que estou aqui a falar convosco. Defender a Liberdade Religiosa não é apenas um imperativo moral, mas uma necessidade prática para qualquer país que procura proteger a sua segurança e a dos seus cidadãos – e isso inclui a América e todas as nações da Europa. Dito de forma simples, a Liberdade Religiosa merece um assento permanente na mesa das políticas externas dos nossos países, e a boa-nova é que estamos agora a ver um esforço sem precedentes para construir coligações globais para promover esta liberdade. A União Europeia emitiu fortes diretrizes para os seus diplomatas sobre a promoção da Liberdade Religiosa ou de Crença. No Reino Unido, o Ministro dos Negócios Estrangeiros e o Parlamento têm aguçado o seu foco com pessoas como a Baronesa Berridge, que trabalha incansavelmente sobre esta questão, e os Austríacos, os Holandeses, os Italianos, o Noruegueses e os Alemães também se concentraram especificamente na Liberdade Religiosa em anos recentes. Em novembro de 2014, servi na Comissão Americana sobre Liberdade Religiosa Internacional, e, trabalhando em conjunto com os Deputados do Brasil, do Canadá, da Noruega, da Turquia e do Reino Unido, ajudámos a lançar a plataforma Interparlamentar para a Liberdade Religiosa ou de Crença, no Centro Nobel da Paz, em Oslo, na Noruega. Mais de 30 membros de Parlamentos assinaram a Carta para a Liberdade Religiosa ou de Crença, comprometendo-se a promover a Liberdade Religiosa para todos, e esta iniciativa continuou a crescer aos trancos e barrancos, até cerca de 200 membros parlamentares em todo o mundo. Então, para resumir, tal como as violações de Liberdade Religiosa são um problema global, estamos, felizmente, a ver os contornos inconfundíveis de uma resposta global. Mas, enquanto trabalhamos para uma resposta mais global aos desafios globais enfrentados pela Liberdade Religiosa, nunca devemos perder de vista o facto de que, quando esta Liberdade Religiosa, ou de consciência ou de crença é atacada, são as pessoas reais que sofrem, e devemos sempre manter essas almas corajosas no topo do nosso coração e da nossa mente. Gostaria de encerrar as minhas observações hoje com uma história que penso que ilustra lindamente


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a profunda conexão entre a Liberdade Religiosa e todos os outros preciosos Direitos Humanos que tanto estimamos. John Wycliff, o filósofo, teólogo, reformador e pregador inglês, empreendeu a tradução da Bíblia do latim vulgar para o vernáculo comum no final do ano 1300, e fez isso em face de enorme oposição e até mesmo da perseguição das autoridades eclesiásticas do seu tempo. Apesar de tudo, persistiu nesta missão e, quando o seu trabalho estava concluído, escreveu as seguintes palavras na primeira folha da primeira Bíblia: “A tradução está completa, e deve tornar possível o Governo das pessoas, pelas pessoas e para as pessoas.” Agora não podemos saber com precisão o que ele quis dizer quando escreveu essas palavras, mas acredito que estava a iluminar para todos nós a profunda perceção de que, quando os homens e as mulheres são livres para perseguir e para compreender a verdade por si mesmos, tornam-se capazes de construir sociedades que honram as reivindicações da consciência, as liberdades e os direitos fundamentais de todas as pessoas. Muito obrigada.

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6.2 Nazila GHANEA1

Violência, Terrorismo, Genocídio em Nome da Religião e Riscos para os Seguidores das Minorias Religiosas Muito obrigada. É uma honra estar aqui. Foi-nos pedido que falássemos sobre a questão da violência, do terrorismo e do Genocídio em nome da religião, e depreendo disto que a comunidade internacional há muito que reconheceu o mal que tem sido causado em nome da religião. É por essa razão, pelo mal que tem sido provocado em nome da religião a nível internacional, que demorou 21 anos para que as Nações Unidas redigissem uma Declaração sobre a Intolerância ReligioDrª. Nazila Ghanea – Foto ©Nazila Ghanea sa. É por esta razão, pelo mal que veio em nome da religião, que essa Declaração é muito curta e também é dada muita atenção no preâmbulo da Declaração de 1981 à intolerância religiosa, ao colonialismo, ao Genocídio e a outras violações dos Direitos Humanos que foram vividos em nome da religião ou de uma crença. Mas também devemos dar atenção ao “em nome da religião e da crença” e ao que queremos dizer com o título desta sessão. A nível dos Direitos Humanos internacionais, raramente estreitamos o âmbito da definição, mas é muito importante lembrarmos quem está a falar em nome da religião: São grupos nacionalistas? São grupos terroristas? São grupos 1 A Drª Nazila Ghanea é Professora-Associada na Universidade de Oxford na área da Lei Internacional dos Direitos Humanos. Atua como Diretora-Associada do Centro de Direitos Humanos de Oxford e é uma Camarada da Kellogg College (BA Keele, MA Leeds, PhD Keele, MA Oxon). Serve como membro do Painel de Peritos da OSCE para a Liberdade Religiosa ou de Crença e do Conselho de Depositários do Independent Think Tank, no Grupo de Direitos Universais. A Srª Ghanea atuou como Consultora/ Especialista em Direitos Humanos para vários Governos, na ONU, na UNESCO, na OSCE, na Commonwealth, no Conselho da Europa e na UE.


Violência, Terrorismo, Genocídio em Nome da Religião e Riscos para os Seguidores das Minorias Religiosas

que provocam Genocídios? São os Estados ou são extremistas de direita? E isto vai dar-nos uma indicação das atrocidades, das violações que dali podem sair. Assim, independentemente da definição e independentemente de quem está a abusar do nome da religião, o nosso foco nesta sessão é olharmos para os riscos que daí vêm para os seguidores das diferentes religiões ou crenças, e, em especial, para as minorias religiosas. A partir disto, vou focar-me apenas nas medidas para a prevenção do extremismo violento. Na prevenção do extremismo violento, damos frequentemente atenção às infrações contra o direito de manifestar a sua religião ou crença, mas um papel importante que não devemos esquecer é o papel que a própria religião ou crença tem na prevenção. Há muitos investimentos positivos que são requeridos de uma conformidade total com a Liberdade Religiosa ou de Crença, e uma total conformidade com a Liberdade Religiosa ou de Crença pode agir como um excelente baluarte contra o extremismo violento. Existem muitos benefícios sociais que vêm de um total cumprimento do Artigo 18 do Convénio Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, porque, ao assim fazermos, iremos assegurar a liberdade para também podermos adotar a religião ou crença da escolha de cada um, e a liberdade para, individualmente, ou em comunidade com outros, poder manifestar, em público ou em privado, essa religião ou crença, na observância do culto, na prática e no ensino, no sentido mais amplo possível. Então, já que estamos em Madrid, na Conferência Internacional sobre “Liberdade, Religião e Segurança: Termos Antagónicos?”, é importante recordar que a ligação crucial entre a Liberdade Religiosa ou de Crença e a inoculação contra a intolerância foi desenvolvida nesta cidade, em Madrid, em 2001, na Conferência Consultiva Internacional sobre Educação Escolar em relação com a Liberdade Religiosa ou de Crença, Tolerância e Não-Discriminação. Curiosamente, esta teve lugar apenas seis semanas mais ou menos após o 11 de setembro, e foi uma conferência realizada pelo então Relator Especial das Nações Unidas sobre a Liberdade Religiosa ou de Crença. O documento final de Madrid fala sobre a necessidade urgente de promover, através da educação, a proteção e o respeito pela Liberdade Religiosa ou de Crença. Porque diz isso? A fim de desenvolver um pluralismo respeitoso e erradicar os preconceitos. Afinal de contas, é através da educação que as tendências precoces no sentido de usar a violência, decorrentes de bengalas de exclusividade ou de finalidade na religião, podem ser desafiadas. O documento final de Madrid também insiste em que a geração jovem, e penso que esta é uma linguagem única que não encontramos em nenhuma outra norma internacional,

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diz que a geração jovem deve ser protegida contra todas as formas de discriminação e de intolerância com base na sua religião ou crença. Assim, é uma medida preventiva inicial sobre o facto de a geração jovem não dever receber uma lavagem cerebral de modo a fazer uma ligação entre a intolerância e a discriminação contra os outros, baseando-se na sua religião ou crença. Todos reconhecemos a intolerância sofrida devido à discriminação com base na religião ou na crença da vítima, mas, aqui estamos também a reconhecer que há discriminação e violência que são realizadas em nome de religião ou crença baseadas ou enraizadas nos princípios religiosos do agressor em vez da vítima. Agora, há diversos mecanismos que a comunidade internacional preparou com o fim de impedir o extremismo violento e a ligação deste com a religião ou a crença. Um deles é a Resolução 16/18 do Conselho de Direitos Humanos, onde existe um Plano de Ação no parágrafo 5; o mesmo menciona, por exemplo, o importante papel dos projetos colaborativos, tais como aqueles realizados nos campos da saúde, dos conflitos, da prevenção, do emprego, dos Meios de Comunicação, da educação, da formação de membros do Governo e o encorajamento de debates de ideias abertos, construtivos e respeitosos. Também se mencionam as necessidades cruciais para uma participação significativa na não-discriminação e a necessidade de fazer um esforço forte para contrariar a criação de quaisquer perfis religiosos. Uma outra lei suave instrumental a nível internacional é o Plano de Ação de Rabat e vou passar às propostas concretas. O Plano de Ação de Rabat é do ano de 2012 e resultou de ateliers especializados em muitas regiões do mundo; este fala sobre a importância do respeito pela liberdade de expressão na abordagem ao incitamento ao ódio, na promoção da democracia e da segurança. Então isto tudo é parte do mesmo pacote; não se promove a liberdade de expressão sem promover a segurança; não se promove a segurança reprimindo a democracia ou a liberdade de expressão, e o Plano de Ação também reconhece o papel dos líderes políticos e religiosos; que estes têm um papel crucial a desempenhar ao falarem com firmeza e prontamente contra qualquer incitamento. O Plano de Ação de Rabat também diz que quaisquer restrições que tenhamos devem basear-se na legalidade, na proporcionalidade e na necessidade. Deixem-me terminar com algumas soluções possíveis nesta área, e quero salientar cinco: Em primeiro lugar, penso que devemos sempre recordar o quadro crítico do estado de direito e dos Direitos Humanos universais.


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Em segundo lugar, devemos lembrar-nos das pedras de toque da não-discriminação e de que não há hierarquias de “direito” aos direitos. Como o Comentário-Geral 22 sobre o artigo 18 do ICCPR nos lembra, não deve haver privilégios para as religiões tradicionais ou familiares, ou mesmo para as religiões de Estado, em nenhum país. Não há apenas três religiões, não existem apenas listas de religiões reconhecidas que não têm direito à Liberdade Religiosa ou de Crença; todos, sejam religiosos ou não-religiosos ou indecisos, devem ter direitos iguais e gozar da Liberdade Religiosa ou de Crença. A Liberdade Religiosa ou de Crença defende este direito e exige a criação de um ambiente onde cada ser humano, e todos, veja garantida a possibilidade contínua de seguir a sua própria consciência e de poder manifestar esse direito, juntamente com outros. Certamente é importante relembrar o papel da educação para contrariar os preconceitos e proteger as crianças de sofrerem lavagens cerebrais que as levem a ligar a intolerância com a sua religião ou crença, como as atas finais de Madrid ressaltaram tão bem. Em quarto lugar, há um papel crucial para os líderes políticos, religiosos ou das crenças, ou para os seus representantes, ao falarem com firmeza e prontamente contra o incitamento contra os outros, não só dos seus próprios crentes, mas também contra outros, e, em quinto lugar, precisamos de permitir que as minorias religiosas possam desfrutar de plenos direitos e liberdades para serem ouvidas e estarem envolvidas em decisões que lhes dizem respeito. Muito obrigada.

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Segurança Nacional e o Direito Humano à Liberdade Religiosa ou de Crença Introdução Com a emergência pós-guerra fria da religião como uma força social aparentemente radical em todo o mundo, os Estados têm estado inclinados a confiar na segurança nacional como fundamento para limitar os Direitos Humanos à Liberdade Religiosa.2 O pressuposto para um Estado invocar a segurança nacional como uma limitação do direito baseia-se na alegação de que as forças religiosas radicalizam a população, de tal forma que os grupos religiosos precisam de ser anulados ou restringidos como fundamento para manter a ordem e proteger o público em geral. Os Estados são especialmente sensíveis quando confrontados com grupos terroristas, dada a sua alegação de que os grupos terroristas dependem de ideias religiosas radicais para excitarem os seus seguidores, levando-os a cometer atos terroristas.3 Um exemplo recente de tal ação estatal é a Lei Chinesa de Segurança Nacional de 2015,4 que inclui disposições para restringir a prática religiosa 1 O Dr. Leonard Hammer é um perito em Direito Internacional e Direitos Humanos internacionais. Faz palestras na Universidade Hebraica de Jerusalém e na Universidade do Arizona, onde foi Professor convidado de estudos sobre o Israel moderno no centro David e Andrea Stein. Realizou uma investigação conjunta sobre os aspetos jurídicos, sociais e políticos dos lugares sagrados, juntamente com o Professor Marshal Breger da Faculdade de Direito Colombo, Universidade Católica da América. É Professor-Adjunto na Faculdade Rothberg da Universidade Hebraica, serve como Diretor Académico do Shurat HaDin, e trabalha como perito internacional para o Instituto da Sociedade Aberta. A investigação de Hammer incide sobre o Direito Internacional e os Direitos Humanos. Recebeu mais de uma dúzia de bolsas de investigação e é amplamente publicado. 2 É verdade. Este não é um fenómeno novo. Veja Robert Bosco, Protegendo o Sagrado: Religião, Segurança Nacional, e o Estado Ocidental, U. de Michigan P., EUA, 2014 (doravante: Bosco), onde o autor salienta em 19, que "Desde a ascensão e consolidação do estado moderno inicial na esteira da Reforma, o poder político tem procurado influenciar o desenvolvimento e a trajetória da religião em nome da segurança, da obediência e da ordem”. 3 Num artigo com ideias bastante avançadas, Charles Hermann já observava, na década de 1970, a necessidade de alargar o significado de segurança nacional, dado o surgimento de forças externas, tais como grupos terroristas. Charles Hermann, “Are the Dimension and Implications of National Security Changing?” 3 Mershon Center Quarterly Report 5 (1977) republicado em http://www.voxprofessor. org/cfh/hermann-pubs/Hermann-Defin- ing%20National%20Security.pdf. 4 Chun Han Wong, “China Adopts Sweeping National-Security law”, 1 de julho de 2015, Wall Street Journal Online, disponível em: http://www.wsj.com/articles/china-adopts-sweeping-national-securitylaw-1435757589.


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ou espiritual, a “manter a ordem normal das atividades religiosas” e banir “organizações de culto ilegais” que ameacem a segurança nacional.5 Um desenvolvimento interessante ao abordar as questões de terror e segurança nacional tem sido uma Resolução única do Conselho de Segurança das Nações Unidas que impôs fortes obrigações aos Estados para enfrentarem a questão do terrorismo. A Resolução 13736 requeria que os Estados-Membros das Nações Unidas implementassem mudanças nas suas leis domésticas como uma via para limitar e suprimir as organizações terroristas. Assim, a Resolução requeria que os Estados criminalizassem o terror nas leis domésticas e bloqueassem o seu financiamento,7 bem como o acesso às armas (entre outras coisas). A Resolução 1373 do Conselho de Segurança foi mais longe do que as habituais resoluções do Capítulo VII, ao ordenar que os Estados alterassem as suas leis domésticas para estarem de acordo com os esforços do Conselho de Segurança, e o mais significativo foi que os Estados responderam quase universalmente a este chamado para implementar estas mudanças.8 Depois de dar contas das obrigações dos Estados, no que diz respeito aos Tratados internacionais e regionais dos Direitos Humanos para defender a Liberdade Religiosa ou de Crença, devemos perguntar-nos se os Estados ainda mantêm a capacidade de limitar o direito humano à Liberdade Religiosa com base em ligações inerentes ao terror e em questões de segurança nacional. Isso não quer dizer que os Estados não devem enfrentar as organizações terroristas e os perigos que o terrorismo representa para a segurança do Estado e do público;9 mas o amplo âmbito da segurança nacional muitas vezes serve como um 5 Os Defensores chineses dos Direitos Humanos, China's Draft National Security Law: More License To Abuse Human Rights, 21 de maio de 2015, disponível em: https://chrdnet.com/2015/05/chrb-chinas-draft-national-security-law-more-license-to-abuse-human-rights-515-212015/. 6 S.C. Res. 1373, Sept. 28, 2001, U.N. Doc. S/RES/1373. 7 Curiosamente, o bloqueio do financiamento do terrorismo tem suscitado problemas a muitos Estados e a muitas entidades regionais, principalmente por motivos de que os direitos de propriedade tinham sido violados. Veja, por exemplo, o caso do Tribunal de Justiça da União Europeia, Yusuf & Al Barakaat Int' l Foun. v. Council and Comm'n., 2005 E.C.R. T-306/01 (21 de setembro de 2005), disponível em http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/ LexUriServ.do?uri=O-J:C:2005:281:0017:0018:EN:PDF. 8 Ver Kim Scheppele, “The International Standardization of National Security Law”, 4 Journal of National Security Law and Policy 437 (2010) salientando em 443 a dificuldade que os Estados tiveram ao lidarem com o terrorismo nas suas leis, pois o termo não tinha sido definido pelo Conselho de Segurança devido às várias implicações e influências políticas. 9 Ao contrário, enfrentar a organização terrorista e impedir as suas atividades é obviamente importante e necessário. Ver, por ex., o Relatório do Conselho Europeu, Segurança Nacional e Jurisprudência Europeia, da Divisão de Investigação do Tribunal de DHCE, 2013, disponível em: https://www.coe.int/t/ dghl/standardsetting/dataprotection/TPD_doc-uments/Jurisprudence%20CEDH_En%20(final).pdf (notando em 4 que, embora o termo segurança nacional, como limitação na ECHR, tivesse sido deixado

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cheque em branco para os Estados limitarem os Direitos Humanos, e especialmente quando pensamos na Liberdade Religiosa ou de Crença. Podem os Estados restringir os Direitos Humanos de grupos religiosos, se os seus membros estiverem associados com ações de terror, tendo como base que eles são uma ameaça para a segurança nacional do Estado? Mais ainda, a própria razão para limitar a religião por causa da segurança nacional levanta a questão sobre a suposta relação entre o desejo de diminuir a violência no Estado e as forças religiosas como fundamento para fomentar essa violência. Será que os Estados realmente alcançarão os seus objetivos desejados de manter a segurança nacional ao tentarem reinar sobre potenciais elementos radicais que se supõe que emanam dessas forças religiosas? Ou será que os seus esforços vão levar a respostas e ações ainda mais radicais? Que tipo de abordagens usadas por um Estado para defender a segurança nacional pode ser mais eficaz, quando esse Estado é confrontado com um grupo religioso radical, sem cortar muita da desejada proteção subjacente do direito humano à liberdade de religião? Limitações do Direito Humano à Liberdade Religiosa ou de Crença De acordo com os Tratados dos Direitos Humanos que são a base do direito humano à Liberdade Religiosa, como o Convénio Internacional sobre os Direitos Políticos e Civis (doravante: ICCPR), e como a Convenção Europeia para os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (doravante: ECHR), não há base alguma para limitar a Liberdade Religiosa por causa da segurança nacional. Embora um Estado possa impor adequadamente algumas restrições a uma religião ou crença com base nestes Tratados, os fundamentos delineados para essas limitações são bastante focados e devem ser aplicados de forma estreita. Usando o artigo 18 do ICCPR como exemplo, as únicas limitações que podem ser impostas à Liberdade Religiosa ou de Crença de alguém são as relacionadas com a segurança pública, a ordem pública, a saúde ou com a moral públicas, ou com os direitos e as liberdades fundamentais de outros.10 Essas limitações aplicam-se apenas às manifestações de uma crença religiosa, ou seja, quando o indivíduo deseja agir exteriormente com base numa crença religiosa (por oposição a nutrir interiormente uma crença, onde não são permitidas limitações).11 indefinido para dar aos Estados alguma margem de manobra e flexibilidade, a segurança nacional claramente inclui a proteção contra o terrorismo e os esforços para suprimir o apoio ao terrorismo). 10 Artigo 18(3) do ICCPR. 11 O livro de Karen Murphy Os Regimes de Segurança do Estado e o Direito à Liberdade Religiosa ou


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Assim, embora a Comissão dos Direitos Humanos, no Comentário-Geral nº 22, ao artigo 18 (doravante: Comentário-Geral 22), exorte os Estados a interpretarem, de forma lata, o significado de religião ou de crença,12 as limitações declaradas ao direito devem ser interpretadas de forma estreita. Por exemplo, pode-se tentar ler, no caso da limitação devido à segurança pública, o fundamento para incluir também os interesses da segurança nacional. Garantir a segurança pública global incluiria a prevenção de um ataque terrorista, de modo que a segurança nacional pudesse ser lida como estando dentro do âmbito da segurança pública.13 Notem, porém, que o Comentário-Geral 22 da Comissão dos Direitos Humanos afirmou especificamente que as limitações devem ter uma interpretação estrita e que “as restrições não são permitidas por motivos não especificados, mesmo que fossem permitidas como restrições a outros direitos protegidos pelo Convénio, tais como a segurança nacional”.14 Assim, a segurança pública deve ser interpretada de um modo bastante restrito e que não inclui necessariamente a segurança nacional. Outra via para, possivelmente, depender da segurança nacional como uma limitação à Liberdade Religiosa ou de Crença, segundo o Tratado, pode ser por motivos de ordem pública. O Estado deseja assegurar a ordem pública, e um meio de o fazer é defendendo e protegendo a segurança nacional da população em geral. Mas, mais uma vez, a limitação da ordem pública é estreitamente compreendida como referindo-se à prevenção de distúrbios públicos concretos e à desordem,15 em vez de tentar meter a segurança nacional na área da ordem pública.16 de Crença: Mudanças na Europa desde 2001, Routledge, Reino Unido, 2010 (doravante: Murphy) em 41. Murphy observa que parte do problema em proteger o direito humano à Liberdade Religiosa ou de Crença está na distinção feita entre a esfera pública e a privada, que impede o desenvolvimento de uma doutrina da Liberdade Religiosa coerente ou consistente. Murphy afirma que, se esta distinção entre privado-público for removida, o direito em si mesmo seria mais fácil de proteger nos Tribunais, ao examinarem como uma limitação tem realmente impacto na crença religiosa de uma pessoa (em vez de deixar para a margem de apreciação como fundamento para a atuação). 12 O Comentário-Geral número 22 da Comissão dos Direitos Humanos, disponível em: https://www1. umn.edu/ Humanrts/gencomm/hrcom22.htm (doravante: Comentário-Geral 22), no parágrafo 2, cf. o ECHR, onde um movimento para uma compreensão mais estreita da religião ou da crença foi adotado como meio de evitar que o direito se torne demasiado impraticável ou sem sentido. Ver Carolyn Evans, Freedom of Religion Under the European Convention on Human Rights, Oxford U. P., 2001, p. 66. 13 Murphy, p. 32. 14 . Comentário-Geral 22, no parágrafo 8. 15 Cole Durham, The Status of and Threats to Internacional Law on Freedom of Religion or Belief, em Allen Hertzke, ed., The Future of Religious Freedom: Global Challenge, Oxford U.P., UK, 2015 (doravante: Durham), p. 19. 16 Id. Durham infere depois uma interpretação mais restritiva do termo ordem pública, especificamente porque a limitação da ordem pública na terminologia francesa, ordre public, refere-se a um significado

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A limitação da ordem pública, então, aplica-se quando há instâncias tangíveis de distúrbios públicos, e não como se estivesse implícita num contexto de segurança nacional, em que o Estado se sente forçado a agir para evitar perturbações futuras. Embora as limitações se relacionem com aspetos que envolvem o Estado a proteger a população em geral, parece que as limitações à Liberdade Religiosa ou de Crença estão focadas em instâncias específicas de ordem ou de segurança que requereriam a limitação de uma religião ou crença. Ou seja, não é suposto os Estados incorporarem novas bases de limitações que não estejam enumeradas no próprio direito, e é suposto os Estados serem cautelosos na sua aplicação das limitações, de modo a não limitar indevidamente as proteções da Liberdade Religiosa. Note-se também que, no contexto da ECHR, parte da razão para não incluir a segurança nacional como uma limitação ao direito humano à Liberdade Religiosa ou de Crença é a necessidade subjacente de assegurar o pluralismo religioso num Estado democrático.17 Além disso, há um forte desejo na ECHR de não deixar que seja o Estado a ditar aos indivíduos quais devem ser as suas crenças fundamentais, nem permitir que o Estado molde essas crenças de qualquer forma.18 Assim, ao interpretar as limitações ao direito humano à Liberdade Religiosa ou de Crença de forma estreita, o Tribunal da ECHR, no caso Nolan e K v. Rússia, considerou que a Rússia não podia negar a entrada de um estrangeiro que era membro da Igreja da Unificação. A negação envolvia a supressão de uma crença religiosa especificamente, porque o fundamento da segurança nacional invocado pela Rússia se centrava exclusivamente na atividade religiosa do membro da Igreja da Unificação, de tal modo que não havia nenhum fundamento para limitar o direito humano à Liberdade Religiosa com base nesse argumento. Um resultado semelhante seguiu-se em Perry v. Latvia,19 em que foi negada, a um ministro evangélico Protestante dos Estados Unidos da América, a renovação do seu visto de residência para pregar e servir na sua congregação da Letónia com o argumento de que ele estava afiliado numa organização totalitária ou terrorista. O Tribunal da ECHR considerou que havia uma interferência com a capacidade do requerente de exercer a sua crença religiosa sob o Artigo 9 mais estreito e literal do termo, em vez da compreensão mais lata que é geralmente concedida ao termo francês, como se incorporasse as políticas públicas gerais da Comunidade. 17 2512/04 Nolan e K v. Rússia, decidido a 12 fevereiro de 2009. 18 Id.. 19 30273/03 Perry v. Latvia, decidido a 8 novembro de 2007.


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do ECHR. Além disso, a limitação imposta pelo Estado ao seu direito humano à liberdade de religião não tinha sido devidamente prescrita pela lei.20 Ligação mal feita entre a religião e a segurança nacional A corrida dos Estados para tentarem reprimir a religião porque tem sido ligada a elementos radicais que defendem a violência e a agitação social parece deslocada. Naturalmente, como qualquer outro movimento social ou grupo, cuja coesão é mantida por uma ideologia ou por um sistema de crenças, haverá sempre potencial para os elementos radicais. Além disso, historicamente, a religião tem desempenhado um papel ao servir como fundamento para derramamento de sangue e de conflitos generalizados. No entanto, estudos recentes têm indicado que as organizações religiosas podem realmente desempenhar um papel construtivo na limitação do conflito e na promoção da construção da paz.21 Em vez de assumir um jogo de resultado a zero entre a Liberdade Religiosa e a segurança, reprimir a religião realmente cria maior insegurança no Estado, e, inversamente, dar apoio à Liberdade Religiosa apoia a estabilidade social e a segurança do Estado a longo prazo.22 Assim, a supressão da religião pelos Estados aumenta a tensão social, ao mesmo tempo que radicaliza o grupo-alvo, levando-o a alcançar potenciais adeptos e mártires,23 conduzindo a um ciclo de violência religiosa crescente e permanente.24 Em contrapartida, permitir a Liberdade Religiosa e o pluralismo “com princípios” promove maior estabilidade e lealdade ao Estado.25 A questão torna-se ainda mais subtil quando se considera a tentativa de tornar segura a religião dentro dos Estados ocidentais (onde os atores religiosos são diretamente enfrentados pelo Estado como um meio para assegurar a segurança nacional).26 Nos Estados que defendem um quadro secular (como, por 20 Compare 20704/92 Kalac v. Turkey, decidido em 1 de julho de 1997, em que o Tribunal da ECHR confirmou a proibição de atividades religiosas quando realizadas por um soldado em serviço. 21 Ver, por exemplo, Jeffrey Haynes, Religion and International Security: Religious Transnational Actors and Soft Power, Routledge Press, UK, 2016, no capítulo 4: “Religion and International Security”, onde o autor apresenta estudos de casos de Moçambique, Nigéria e Cambodja, para demonstrar o impacto positivo dos atores religiosos na resolução de conflitos. 22 Chris Seiple e Dennis Hoover, “Religious Freedom and Global Security”, em Allen Hertzke, ed., The Future of Religious Freedom: Global Challenge, Oxford U.P., UK, 2015 (doravante: Seiple e Hoover), p. 2. 23 Seiple e Hoover, pp. 8-10. 24 Ver, p. ex. Roger Finke e Jamie Harris, Wars and Rumors of Wars: Explaining Religiously Motivated Violence, Conferência sobre Religião, Política, Sociedade e Estado, Centro Argov, Universidade Bar Ilan, Israel, janeiro de 2009. 25 Seiple e Hoover, p. 12. 26 Bosco supra, p. 15.

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exemplo, os Estados Unidos da América e a maioria das nações europeias), a tentativa de, discursivamente, “reformular” a religião (como a tentativa da Administração Bush após o 11 de setembro, para distinguir entre a religião “real” do Islão por oposição às ideologias radicais que estavam a emergir a partir do Islão)27 foi mais eficiente do que as tentativas de atacar os atores religiosos em operações militares ou de impor restrições severas aos grupos religiosos. Em vez disso, ter como objetivo alcançar as comunidades Muçulmanas e cultivar relacionamentos com os representantes Muçulmanos provou ser mais eficaz.28 Com efeito, o que se demonstra é uma complexa interação entre o Estado e a sociedade em matéria de religião, de modo que uma política mais sólida tenha em conta as complexidades da relação entre a segurança e a Liberdade Religiosa, e não tente inibir automaticamente as liberdades religiosas de um grupo específico (alvo).29 Na verdade, o Estado não é a única figura central na interação entre segurança e Liberdade Religiosa, pois há outros membros sociais externos ao Estado que desempenham um papel crucial e que devem ser responsabilizados, juntamente com a importância de reconhecerem a igualdade religiosa (porque a igualdade pode aperfeiçoar melhor as limitações percebidas que estão a ser impostas).30 Além disso, uma ligação estratégica entre os interesses dos Direitos Humanos e os interesses da segurança, nas medidas de política externa, poderia, sem dúvida, aumentar a segurança através do fortalecimento dos Direitos Humanos (em vez de depender apenas de um equilíbrio entre os dois).31 Dada a correlação entre os abusos dos Direitos Humanos (geralmente com base na segurança nacional) e a propensão para a agressividade por parte dos Estados envolvidos em violações dos Direitos Humanos, parece uma atitude sábia os Estados criarem ligações mais fortes entre os Direitos Humanos e a segurança (onde as proteções dos Direitos Humanos são realmente intensificadas) como fundamento para o alívio a longo prazo de posições agressivas pelos Estados.32 Conclusão Evidentemente, o terror é um assunto importante para os Estados quando se trata de responsabilidade pela segurança nacional. A questão é se subjugar grupos 27 Bosco, p. 30. 28 Bosco, p. 43. 29 Murphy, p. 206. 30 Id.. 31 Murphy, p. 207. 32 Ver, em geral, William Burke-White, “Human Rights and National Security: The Strategic Correlation”, 17, Harvard Human Rights Journal, 249 (2004).


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terroristas, limitando a Liberdade Religiosa de grupos religiosos específicos, é um resultado justo e eficaz para os Estados que pensam na sua segurança nacional. O direito humano à Liberdade Religiosa ou de Crença não dá a um Estado a possibilidade de limitar esse direito por razões de segurança nacional. A possível conexão entre a religião e a segurança, ou os grupos religiosos e os grupos de terror, é muito mais complexa, de tal forma que a reação automática para unir os dois como fatores causais inerentes é deslocada. Pelo contrário, o Estado faria bem em considerar os fatores sociais influentes envolventes que fazem parte da proteção da Liberdade Religiosa dentro do Estado, em empregar medidas estatais para envolver grupos religiosos-alvo, e em tentar vários meios para defender a igualdade religiosa além-fronteiras. Como sugerem estudos recentes, parece que a combinação da Liberdade Religiosa com a segurança, em vez de se seguir uma abordagem antagónica ou de equilíbrio, não só serviria melhor os interesses da segurança do Estado, mas também iria providenciar um direito humano mais forte à Liberdade Religiosa ou de Crença.

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6.4 Maria José FALCÓN Y TELLA1

Resistência e Guerra 1. Considerações gerais apenas sobre a guerra: Uma pergunta pode ser feita a propósito de uma possível justificação para a guerra. Não há necessidade de argumentar longamente contra a guerra, dado que todos estão cientes da grande miséria e destruição que esta causa. Mais interessante é a questão dos possíveis percursos e das razões que fazem da guerra algo de desculpável. O restante desta secção é dedicado a analisar essas razões.2 Vale a pena primeiro diferenciar entre a “lei de guerra” (ius in bello) – ou seja, a coletânea de normas legais que regulam a conduta dos conflitos, para garantir que os mesmos estejam em conformidade com a lei – e “o direito à guerra” (ius ad bellum), como o poder de declarar e de se envolver em guerra. Uma justificação para a guerra deve referir ambos os aspetos. No entanto, o aspeto prevalecente seria o segundo, que é saber se é legítimo começar uma guerra. As origens da “lei da guerra” estendem-se muito para trás no tempo. Os povos antigos já tinham instituições tais como alianças e tréguas. Mas, durante muito tempo, a guerra foi regulada principalmente pelo hábito, embora alguma legislação primitiva contemplasse certas normas relativamente à mesma. A ideia central era a discriminação contra os estrangeiros, os “bárbaros”, como em Roma. Os Romanos também não desconheciam as leis de honra na guerra. Mas foi preciso esperar até à Revolução Francesa, e até à generalização das práticas de intervenção na guerra, para se encontrar a primeira tentativa em papel de regulamentação da guerra, por meio de Convenções internacionais. Este movimento para codificar as regras da guerra foi consolidado depois das duas Grandes Guerras Mundiais. Aqui é suficiente citar as convenções de Genebra e de Haia sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra, a proteção da população civil, a salvaguarda dos bens culturais em caso de guerra, e assim por diante. 1 Maria José FALCÓN Y TELLA é Professora de Filosofia Legal, ex-Diretora do Instituto dos Direitos Humanos, Universidade Complutense de Madrid, Espanha. 2 Cf. Maria José Falcón y Tella, “Guerra, Moral e Direito: Sobre a Justificação da Guerra”, na Revista Cooperación Internacional (International Cooperation), 7, 2001, pp. 15-23. Id., “Considerações sobre a Guerra”, em Vários Autores, Questões de Direito Internacional e Política, editado pelo Prof. Pedro Francisco Gago Guerrero, Serviço de Publicações, Faculdade de Direito, Universidade Complutense de Madrid, 2007, pp. 29-45. Id., “As Gerações de Direitos e a Guerra”, em Anuário de Direitos Humanos. Nueva Época, 4, 2003, pp. 35-55.


Resistência e Guerra

Examinar se os Estados têm um “direito subjetivo” para declarar guerra é mais interessante. A era moderna, como na escola espanhola dos séculos XVI e XVII (com Francisco de Vitória), tenta justificar a guerra através da sua ligação com o Ius gentium ou ius inter gentes das pessoas entre si ou da comunidade global. Outro elemento a ter em mente quando se estuda uma possível justificação para a guerra é o facto de que a coerção é um elemento essencial nas regras de direito. Um elemento constitutivo da lei é o cumprimento voluntário ou, na sua ausência, em substituição a imposição de uma sanção. Mas como é isso possível em direito internacional, que carece de força vinculativa em relação aos seus súbditos, os Estados, que mantêm a sua soberania, e em relação aos quais pouco mais do que recomendações podem ser feitas? Como não há nenhuma autoridade internacional e não há instituições internacionais semelhantes às das ordens internas – embora hoje tenhamos o Tribunal Penal Internacional – não parece muito rebuscado, tendo esgotado a via diplomática, reconhecer um direito (embora só possa ser em legítima defesa) para salvaguardar os direitos violados. O pacifismo descomprometido é um pouco irrealista, bonito em teoria, mas impossível na prática. Os humanos são seres em que há malícia, dando origem muitas vezes a conflitos, injustiças e violações dos Direitos Humanos. A mesma coisa ocorre com as populações, onde frequentemente os mais poderosos e mais ricos subjugam os mais pobres e mais vulneráveis. Este é o caso, ao ponto de uma instituição tão defensora de paz como a Igreja não ver incompatibilidade, em princípio, entre a função de soldado e a profissão da fé cristã. Trata-se de outra coisa, se a guerra é então injusta na forma e nos métodos de prática. Mas, como último recurso, pelo menos haveria o direito de se defender contra potenciais agressões – uma guerra defensiva, não ofensiva. Podemos pensar na situação da Guerra Fria à escala global, mantida durante anos entre o bloco ocidental, liderado pelos EUA, e os países de Leste, liderados pela URSS. A ordem internacional permite que os Estados façam, “olhando para o exterior”, aquilo que, “olhando para o interior”, devem forçosamente proibir aos seus nacionais. Uma questão diferente da legitimação da guerra defensiva, aceite no Direito internacional, é hoje colocada em relação à justificação de uma guerra “preventiva” por parte de determinados Estados, travada em antecipação a possíveis conflitos e abusos terroristas. O parecer da comunidade internacional está dividido neste ponto. Tendo chegado a este ponto, deve-se afirmar que guerra justificada não é o mesmo que guerra justa, entendida no seu sentido estrito, como uma demonstração histórica de guerra. A primeira seria o género dentro do qual esta última

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é encontrada como uma espécie. Nem toda a guerra é justificável ou mesmo a que é justificada pertence à categoria de guerra justa. A doutrina da guerra justa é proposta por uma série de pensadores e de doutrinas que desenvolveram as premissas e as reivindicações para ela. Passando um breve olhar retrospetivo, a guerra justa foi compreendida historicamente como uma doutrina que emanava dos clássicos – Aristóteles, Cícero; que continuou na Idade Média – Santo Agostinho, São Tomás de Aquino; e que daí passou para a era moderna, basicamente para a Escola espanhola dos séculos XVI e XVII – Vitoria, Suárez, Molina. As normas tradicionalmente utilizadas na doutrina da “guerra justa” são as seguintes: (1) a causa deve ser justa; (2) a guerra deve ser o último recurso; (3) a guerra deve ser declarada por uma autoridade pública competente; (4) deve haver uma esperança razoável de vitória; (5) a intenção do Governo que se envolve na guerra não deve ser fundamentada no ódio, na crueldade ou no desejo de vingança; (6) deve haver proporcionalidade entre o bem procurado e as consequências negativas que irão surgir; (7) a guerra deve ser devidamente travada, através dos meios apropriados. Tanto para a guerra justa como no caso mais amplo de guerra justificada, somos confrontados com figuras contrárias à justiça em abstrato, que defende absolutamente a paz e se opõe a qualquer forma de violência, mas mais perto da equidade, como justiça no caso específico, a qual, numa situação internacional específica, pode tornar aconselhável o uso da força. Seria necessário estudar a situação específica em pormenor para ver se tal justificação existiu.3 Há uma distinção clássica entre “auctoritas” e “potestas”. No primeiro, alguém tem autoridade sobre o plano de valores, enquanto, no segundo, o poder é encontrado no plano empírico. Ao afirmar que um pensador de renome 3. Cf. Maria José Falcón y Tella, A Desobediência Civil, Prefácio de Fernando Garrido Falla, Madrid, Marcial Pons, 2000, pp. 110-116. Revisto: pelo prof. Guido Saraceni, na Revista Internacional de Filosofia do Direito, 3, julho-setembro 2001, pp. 424-426; pela prof. Paula López Zamora, na Revista de Estudos Políticos, 111, pp. 312-315; pela prof. Beatriz Castro Toledo, na Revista da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid, 94, 1999-2000, pp. 243-266; pelo prof. Oscar Mª Prieto García, no Anuário de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid, 2001, pp. 1026-1035; pelo prof. Juan Antonio Martinez Muñoz, em Vinte e Um. Revista de Pensamento e Cultura, 53, primavera 2002, pp. 146-148; pelo prof. Pedro Rivas, em Anais da Cátedra Francisco Suárez, 34, 2000:“De Novo sobre a Desobediência Civil”, pp. 447-450. Id., Validade Legal e Desobediência Civil, Índia, Instituto Indiano de Direito Comparativo, 2000. Id., A Desobediência Civil Face à Filosofia do Direito, Prefácio de Alfred Fernández, Genebra, Edições Diversidades, 2004. Id., Civil Disobedience. Tradução inglesa de Peter Muckley, Prefácio de Martti Koskenniemi, Leiden-Boston, Martinus Nijhoff Publishers, 2004. Id., O Cidadão perante a Lei, Buenos Aires-Madrid, Editorial Cidade Argentina-Universidade Complutense de Madrid, 1ª. ed., 2004. 2ª. ed., 2006. Revisto em ABC. Blanco y Negro Cultural, 27-11- 2004, p. 17. Id., A History of Civil Disobedience, Genebra, Edições Diversidades, 2004.


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ou um vencedor do Prémio Nobel tem grande autoridade moral sobre a opinião pública em relação a uma questão particular, sobre a qual tem experiência, com um histórico científico ou moral credenciado, estamos a aludir à obediência voluntária e a uma adesão incondicional à opinião de tal pensador ou perito, derivada de conceitos como prestígio e respeitabilidade. É à autoridade moral que todos devemos aspirar. Em contrapartida, ao contemplarmos um ditador que subjugou uma população sob um regime tirânico, os fundamentos da obediência não se encontram no amor e no respeito do povo, na autoridade moral do ditador, mas sim no medo que o ditador inspira de que a força pode ser usada contra eles. Por necessidade e com risco para a sua vida, os sujeitos – mais do que cidadãos – submetem-se às ordens do ditador. Aqui, a adesão não surge, no início, da vontade da parte que obedece, mas, como última etapa, antes de executar ou de agir segundo a ordem. Este é o fenómeno do poder. Juntamente com os dois conceitos anteriores, a autoridade (com conotações morais) e o poder (mais compulsivo), encontramos, entre os dois, a noção de influência. Ao afirmarmos que um Ministro ou o Reitor de uma Faculdade tem influência, independentemente de terem ou não, também, autoridade devido a prestígio pessoal ou por outra razão, dizemos que têm a capacidade de “ter impacto” sobre a vontade dos outros, alcançando assim a obediência. Neste caso, os sujeitos atuam como eles desejam, mas não autonomamente, porque estão convencidos, e não porque são de facto obrigados pela força a agir dessa maneira; mas, em última análise, porque, num momento intermédio entre a formação autónoma da vontade e a sua execução factual, uma força exterior à sua vontade inicial a “influenciou” e a moveu numa direção diferente. Estes três conceitos – autoridade, poder e influência – podem ajudar-nos a tentar propor uma solução, o que, embora seja reconhecidamente utópico, permite que o problema do direito à paz seja conduzido por meio de uma tentativa de converter a força bruta em autoridade legítima. Como Talleyrand disse, supostamente, a Napoleão: “A única coisa que não pode fazer com uma baioneta é sentar-se nela.” A coerção deve resultar em reconhecimento, se alguém deseja alcançar a obediência a médio e longo prazos.4 4 Maria José Fariñas Dulce, El Problema de la Validez Jurídica. Prefácio de Gregório Peces Barba, Madrid, Civitas, 1991, pp. 108-121. José Maria Rodríguez Paniagua, “La Validez del Derecho desde un Punto de Vista Jurídico, Sociopsicológico y Filosófico”, em Sociologia y Psicologia Jurídicas, 2, 1975, pp. 49-61, esp. p. 54 e seguintes. Maria José Falcón y Tella: Concepto y Fundamento de la Validez del Derecho. Prefácio de François Ost, Madrid, Civitas, 1994, pp. 259-293. Existe uma tradução para português, de Stefani

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Na guerra, como em muitas outras situações da vida real, os mais fortes não precisam de usar os métodos mais duros para gozarem da capacidade de convencer. Neste ponto, pensamos no papel das superpotências globais, que dirigem as regras do jogo da guerra a nível mundial, e que seguram os fios da vida de tantos seres humanos comuns, para quem um reconhecimento da primeira e segunda gerações dos Direitos Humanos não serve para nada, se a guerra atinge a sua vida e os priva do mais básico dos direitos: o direito à própria existência. Trata-se, portanto, de um apelo aos “senhores da guerra” para perceberem que, apesar das ameaças do terrorismo internacional e da necessidade de segurança internacional, os direitos básicos, como o direito à liberdade de informação ou o direito a ter informação precisa, não devem ser violados, por mais que uma “hipotética potencial ameaça futura” possa espreitar. Talvez, no confronto entre o Leste e o Oeste, subjacente ao problema do terrorismo e da cruzada contra ele, que está hoje em curso, devam ser lembrados5 os pensamentos do autor alemão Jürgen Habermas sobre o diálogo, o consenso e a comunicação como meios de ajudar o poder a alcançar a autoridade e, por sua vez, a paz, em vez de procurar uma solução através da rota de conceder vitórias já vencidas, a liberdade dos direitos de primeira geração. Caso contrário, enfrentaremos uma situação de involução, em vez de evolução, na luta pelos Direitos Humanos. A geração dos direitos não pode deitar fora vitórias tão duramente conquistadas e tão significativas como aquelas que deram origem às declarações clássicas – a Francesa e a Norte-Americana – sobre os Direitos Civis e Políticos. A lei é uma vitória que deve ser reconquistada, uma luta constante a manter contra os perigos que podem surgir. Mas a luta não é um fim em si, mas sim um meio para servir um fim maior: a paz. Borba de Rose Trunfo – Conceito e Fundamento da Validade do Direito, Brasil, Livraria do Advogado, 1ª. ed., 1998. 2ª. ed., 2000 – e para inglês, de Peter Muckley – The Validity of Law: Concept and Foundation, Brasil, Livraria do Advogado, 2000. 5 Cf. Jürgen Habermas, “Moralität und Sittlichkeit. Treffen Hegels Einwände gegen Kant auch auf die Diskursethik zu?”, in Moralität und Sittlichkeit. 1986, ed. W. Kulmann, Frankfurt, Suhrkamp, pp. 16-37. Id., Problemas de Legitimación en el Capitalismo Tardío, Buenos Aires, ed. Amorrortu, 1975. Id., “Problemas de Legitimación en el Estado Moderno”, em La Reconstrucción del Materialismo Histórico, Madrid, Taurus, 1981. Juan Antonio García Amado, “Justicia, Democracia y Validez del Derecho en Jürgen Habermas”, em Sistema, 1992, pp. 107 e ss. Robert Alexy, A Theory of Legal Argumentation. The Theory of Rational Discourse as Theory of Legal Justification, Oxford, Clarendon Press, 1989, pp. 131-138: “Habermas Consensus Theory of Truth”. Id., “On Necessary Relations between Law and Morality”, em Ratio Juris, 2, 1989, pp. 167-183. José Manuel Aroso Linhares, “Habermas y la argumentación jurídica”, em Revista de la Facultad de Derecho de la Universidad Complutense de Madrid, 79, 1991, 1992, pp. 27-55. André Berten, “Légalité et Légitimité. A Propos de J. Habermas”, em Revue Interdisciplinaire d’Études Juridiques, 4, 1980, p. 129. Innerariy, “La Teoría Discursiva de la Legitimidad de Jürgen Habermas”, em Persona y Derecho, Navarra, 14, 1986, pp. 233 e ss.


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Muitas vezes, a solução mais adequada para um erro não é outro erro na direção oposta. Como Gandhi propôs e tornou realidade na Índia, uma solução pacífica para o conflito é muitas vezes possível e, mais importante, é eficaz. Medidas como o boicote, a não-cooperação e a greve, defendidas e empregadas por Mahatma, levaram à retirada do Império Britânico – um dos grandes impérios coloniais da época – da Índia. Isto não significa que se pode sempre vencer através do bem, mas, pelo menos, não se pode descartar que, num grande número de situações da vida real, o caminho da paz para a resolução de hostilidades seria uma estratégia adequada. Podemos analisar uma metáfora: um carro que viaja a alta velocidade e que tem um acidente e sai da estrada. Se, numa primeira hipótese, atinge outro carro que viaja na direção oposta, o impacto será grande, sendo o resultado exponencial das forças opostas de ambos os veículos. Mas se, numa segunda hipótese, considerarmos que o carro colide com uma parede, o impacto para os passageiros será menor, já que as forças opostas não se multiplicam e a força numa direção, contra a parede, oferecerá menos resistência. Finalmente, podemos ir mais longe e imaginar uma terceira possibilidade, na qual, na realidade, o veículo atinge algo que não lhe oferece resistência, como um varal de roupa junto da faixa de paragem de emergência. Nesta última situação, o impacto da colisão seria mínimo, o carro perderia velocidade e força sem ter obstáculos no seu caminho. Algo semelhante ao exemplo anterior pode ser observado frequentemente na vida quotidiana, tanto nas experiências individuais de qualquer pessoa, como a nível internacional, nas relações entre Estados, como a Palestina-Israel. Se cada golpe dado por uma parte é respondido com um contragolpe equivalente da outra, o ódio vai enraizar-se e a resolução dos conflitos irá tornar-se muito difícil, se não impossível. Os ensinos bíblicos do Sermão da Montanha devem ser lembrados neste momento, recomendando o “dar a outra face”, quando confrontados com uma afronta, exortando-nos a oferecer também o nosso casaco, depois de nos terem pedido a nossa camisa, e se forçados a andar uma milha, apelando a que andemos duas. É o tema da não-resistência em face do mal, presente nas doutrinas pacifistas de todas as épocas e de todos os lugares. Não estamos a falar de uma solução mágica e infalível, que nos permita dar um fim automático a todos os conflitos. Estamos, antes, a oferecer uma utopia, uma visão ou um sonho de algumas mentes que, historicamente, já demonstraram a viabilidade desta alternativa. Podemos considerar os casos de Sócrates,6 de Jesus Cristo, ou de Martin Luther King Jr., que passaram para a posteridade como 6 Cf. José Iturmendi Morales, “Proceso y Muerte de Sócrates. Un Sabio ante la Justicia de su Tiempo”, en

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fornecendo um exemplo de aceitação de uma punição injusta, de amor fraternal, ou de não-discriminação. Isso não significa que o poder estabelecido deve ser sempre obedecido. Às vezes, é necessário, como com Thoreau na América do Norte, elevarmos a nossa voz em protesto contra uma lei injusta. Na verdade, muitas vezes é mais fácil seguir a tendência e manter os ditames da opinião maioritária do que enfrentar o sistema e tentar melhorá-lo. Fromm advertiu contra os riscos do “medo da liberdade” e que, para desobedecer, devemos estar preparados para perder a segurança oferecida pela proteção da sociedade. É o tema da desobediência civil, como uma alternativa “paralegal”, que nos permite, sem romper completamente laços com o sistema, no entanto, criticar certas leis injustas que podem estar a obstruir os canais democráticos e a impor decretos injustos da maioria sobre minorias específicas, que, precisamente devido à sua condição de minorias, nunca serão ouvidas – mesmo nos sistemas democráticos. Por outras palavras, a guerra deve ser o último recurso, depois de as vias pacíficas para a resolução de conflitos, como a desobediência civil, a resistência não-violenta, a manifestação e a diplomacia se esgotarem. Além disso, a guerra tem o seu “guia do utilizador”, tal como qualquer produto humano. Simplificando, nem tudo funciona. Há formas e regras de guerra, certas coisas que devem ser evitadas em todas as circunstâncias, sem se procurar uma desculpa no refrão de que “estamos em guerra”. Estas formas e regras naturalmente mudaram e evoluíram ao longo do tempo. As mesmas máximas não se aplicam hoje, quando os avanços tecnológicos a todos os níveis têm implicado situações impensáveis noutros tempos, como a Idade Média. Mas temos que ter cuidado. Deve ser novamente advertido que nem tudo funciona, que não podemos substituir os requisitos tradicionais desenvolvidos pelo Direito Internacional clássico ao longo dos séculos, como as únicas situações em que uma guerra seria considerada justa e, portanto, legítima, por muito que o ritmo dos tempos e as novas exigências de segurança internacional pareçam conduzir-nos noutras direções. É necessário perguntar novamente: quem governa o governante? Nenhum país, por muito que seja uma superpotência a nível militar, económico ou político, pode fazer-nos esquecer a existência de princípios tais como o respeito pelos Direitos Humanos e pelas liberdades políticas e civis, os quais, todos, sem exceção, devem respeitar. Grees abogados, grees procesos que hicieron historia, Pamplona, Aranzadi, 1997, pp. 155-159.


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2. A Guerra no Iraque foi uma guerra justa? Vamos agora analisar se os requisitos tradicionais que devem ser observados de maneira a descrever uma guerra como justa foram satisfeitos, num caso que, como na guerra do Vietname, mas mais recentemente, despertou a opinião pública numa série de debates e de protestos relativos à intervenção militar: a guerra no Iraque, após os ataques às Torres Gémeas que marcaram uma nova era na matéria. Esses requisitos são: 1. Deve existir uma causa justa. Neste aspeto, a “causa” não deve ser confundida com o motivo, “a razão”; nem deve a causa oficial ser confundida com as verdadeiras causas, tais como os interesses económicos ou estratégicos. As causas nem sempre são inteiramente claras, ou não estão abertas à opinião pública devido à manipulação que os Meios de Comunicação podem exercer. No caso do Iraque, parece que por detrás do pretexto – salvaguardar a segurança internacional – estavam subjacentes causas económicas e motivos estratégicos que dirigiram a ação. 2. A guerra deve ser o último recurso. No que respeita a este segundo aspeto, deve salientar-se que as vias diplomáticas para procurar uma resolução pacífica do conflito devem ser esgotadas. No caso do Iraque, é muito possível que a via diplomática não tenha sido esgotada. 3. A guerra deve ser declarada por uma autoridade pública competente. Isto é, o já mencionado anteriormente, ius ad bellum. Neste ponto, há guerras, como a do Vietname, em que o Congresso dos EUA não incluiu nenhuma causa formal na sua declaração de guerra, um requisito “deixado de lado”, porque “esperar” não era desejável, realizando uma ação militar que “unilateralmente fez avançar” os eventos. No caso do Iraque, a intervenção também ocorreu sem esperar pela decisão do Congresso, com certas forças a insistirem num começo que, mais tarde, foi fortemente questionado. 4. A intenção do Governo ao declarar guerra não deve ser fundamentada no ódio, na crueldade ou no desejo de vingança. Aqui, embora deva ser reconhecido que a situação no país atacado, no que diz respeito à pobreza e ao respeito pelos Direitos Humanos, pode ser descrita como calamitosa, não é menos certo que os episódios que precipitaram e que pressionaram a intervenção armada estavam na primeira linha da mente de toda a população, e não estavam totalmente isentos do desejo de vingança. Na mente de muitos Americanos, as mortes causadas pelos ataques terroristas do 11 de setembro permaneciam muito presentes.

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5. Deve haver uma esperança razoável de vitória. Mais uma vez, a realidade frustra as previsões de como certas guerras se irão desenrolar: ofensivas rápidas, dada a supremacia militar das forças atacantes. Mas é claro que o número de mortos, em ambos os lados, muitas vezes atinge proporções difíceis de imaginar, e não só durante o conflito, mas principalmente no seu fim, aquando da gestão da paz e da reconstrução do país. Portanto, não é certo que a esperança da vitória seja, a posteriori, tão razoável como pode parecer à primeira vista. Este foi o caso no Iraque. 6. O bem procurado não deve ser desproporcionado aos danos colaterais. As declarações do ponto 5 são igualmente aplicáveis aqui. É verdade que as intervenções militares podem, por vezes, ser justificadas, porque o país atacado estava a viver sob uma tirania e o Governo abusava de uma enorme população civil, mas a nova situação será muito melhor para esses habitantes? A guerra foi o melhor dos remédios? Poderiam outras abordagens ter sido tentadas? Qual foi o resultado? Estas são questões que devem ser ponderadas antes de embarcar numa guerra, e o Iraque é um bom exemplo disto. 7. Os meios utilizados durante a guerra devem ser apropriados. Isto alude ao ius in bello. Em relação a este ponto, é necessário destacar que a tendência atual é tentar guerras cirúrgicas, mas além dos danos inevitáveis em qualquer conflito armado – a morte não intencional de mulheres, crianças, e de um grande número de não-combatentes – que devem, pelo menos até certo ponto, ser considerados inevitáveis, o que poderia e deveria ser evitado, em qualquer caso, são as violações dos Direitos Humanos, que são uma afronta para a consciência de um mundo civilizado. Também dignos de serem denunciados são certos atos que, apesar de serem contrários aos “usos de guerra”, são utilizados como um meio de colocar pressão sobre o inimigo, em violação das disposições das Convenções de Genebra sobre o tratamento dos prisioneiros de guerra. Para dar exemplos do Iraque, a este respeito, o princípio de não fotografar os prisioneiros de guerra foi violado quando surgiram em canais principais norte-americanos imagens de prisioneiros de guerra feitos reféns, bem como imagens muito gráficas de tortura supostamente infligida pelo exército americano sobre a população local capturada. 3. Evolução do Conceito de Guerra Justa depois dos Ataques Terroristas do 11 de Setembro Assim como uma ação errada, como o assassinato, pode ser justificada, a nível pessoal quando cometida em legítima defesa, também o Direito Clássico


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Internacional justifica a guerra “defensiva”, por exemplo, como quando um terceiro Estado invade o território de outro. O Direito Internacional Moderno é confrontado com os problemas do terrorismo internacional, especialmente no centro da tempestade, após os notórios acontecimentos do 11 de setembro que deitaram por terra – figurativa e literalmente – um dos grandes símbolos do poder norte-americano, as Torres Gémeas. O seu grande desafio consiste em avaliar a legitimidade de uma guerra “preventiva”, não classicamente defensiva, quando confrontados com potenciais episódios deste tipo. Este debate é a questão ardente que sustenta intervenções tão controversas como a guerra no Iraque. Outra mudança vivida no conceito clássico de guerra aconteceu após a queda do Muro de Berlim e o fim da divisão bipolar do mundo em blocos liderados pelos EUA e pela ex-URSS; consistiu no movimento de uma “paz armada”, que, através da proliferação do armamento nuclear, tornou verdadeiro o ditado “se queres a paz, prepara-te para a guerra”; para a situação oposta de “guerra pacifista”, em que, por exemplo, a ajuda humanitária não é subsequente ao conflito, como ocorreu no Plano Marshall e em outras ocasiões, mas anterior e em simultâneo com este. Além disso – sendo esta a terceira diferença em comparação com a forma como a guerra era compreendida – houve um movimento da ameaça de “guerra atómica total”, que não distinguia entre os alvos civis e os alvos militares, para as guerras planeadas como conflitos curtos, com danos colaterais mínimos. Isto é possível, até certo ponto, graças ao avanço da maquinaria e da tecnologia de guerra, às quais são dedicadas partes substanciais dos orçamentos das superpotências. Como uma quarta diferença existe também uma figura nova, o “escudo humano”, contra a figura clássica do refém. Estes são membros do Estado em guerra, ou de um terceiro Estado, ou do Estado invasor, que são usados de forma involuntária – embora os escudos voluntários também possam existir – para impedir e obstruir, com os seus próprios corpos, a possibilidade de um ataque inimigo.

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6.5 Cyril Ritchie1

As Nações Unidas, Organizações Não-Governamentais, Direitos, Liberdades e Segurança

Cyril Ritchie, Presidente da CoNGO desde 2011 – Foto: ©CoNGO Website

O Quadro Geral Por que é a ONU de tão especial relevância para o mundo da Organizações Não-Governamentais (ONG’s) e das Organizações da Sociedade Civil (CSO’s). Aqui estão algumas considerações. 1 Cyril RITCHIE é atualmente Presidente da CoNGO (Conferência das Organizações Não-Governamentais). É Presidente da CoNGO há três anos, tendo ao longo dos 40 anos anteriores servido cinco períodos separados como Secretário e Vice-Presidente da CoNGO e do seu Conselho. Desde 1998 é Vice-Presidente da União de Associações Internacionais (com sede em Bruxelas). É o editor do Anuário das Organizações Internacionais, e do calendário internacional da Conferência. Atualmente, é Presidente do Conselho de Especialistas em Direito das ONG’s. É Presidente da Federação de ONG’s Internacionais em Genebra (FIIG), e está na Comissão de direção da campanha mundial Ubuntu para a Reforma Aprofundada das Instituições Internacionais, sediada em Barcelona. Serviu 14 anos como Diretor-Executivo do Conselho Internacional de Agências Voluntárias (ICVA), e foi Presidente da Conferência Mundial da Sociedade Civil (WOCSOC), (Montreal 1999). É Presidente do Environment Liaison Centre International, sediado em Nairobi. Desde 2008, Ritchie é o Presidente do Conselho de Consultores do Conselho do Mundo Futuro, com sede em Hamburgo. Desde 1979, Ritchie é titular da Ordem Mundial do Sorriso. Ele está baseado em Genebra, Suíça.


As Nações Unidas, Organizações Não-Governamentais, Direitos, Liberdades e Segurança

Milhares de ONG’s/CSO’s têm uma relação de trabalho consultiva, operacional ou outra com uma ou mais partes do sistema das Nações Unidas em todo o mundo. Estas são ONG’s/CSO’s internacionais/ regionais/nacionais de todos os tamanhos, e espalhadas por todos os Continentes. É manifesto que o Sistema das Nações Unidas (todas as 50 ou mais agências, secretariados, programas, departamentos, comissões, fóruns...) devia ser a localização privilegiada para um debate e para a tomada de decisões intergovernamentais inteligentes, baseados no conhecimento, racionais e orientados para o futuro, para responder às, e onde for possível, resolver as, questões e as necessidades complexas do nosso Planeta cada vez mais interligado. O contributo competente e responsável das ONG’s/CSO’s para o debate intergovernamental e para a tomada de decisões é um fator importante para melhorar a resposta competente e responsável do Governo. A força e a relevância das ONG’s/CSO’s derivam da sua extraordinária diversidade. Elas são “soldados da linha da frente” tanto na defesa como na cooperação básica com o sistema das Nações Unidas. As ONG’s/CSO’s cobrem inúmeras preocupações: desenvolvimento sustentável, migração, pessoa indígena, envelhecimento, estatuto das mulheres, trabalho decente, liberdade de opinião e de crença, proteção social, desarmamento e paz, liberdade de associação e de reunião, promoção da democracia, Direitos Humanos, financiamento para o desenvolvimento, saúde mental, família, drogas estupefacientes, voluntariado e outros. Muitas ONG’s/CSO’s estão atualmente profundamente empenhadas em promover os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da ONU e a Agenda de Desenvolvimento para 2030, gerando conhecimento alargado de, e acesso a, todos os níveis de implementação deste processo complexo, desafiante e unificador. Na sociedade, as ONG’s/CSO’s dão voz aos, e defendem os, cidadãos e os seus interesses. As ONG’s e as CSO’s são, afinal de contas, nada mais, nada menos, do que agrupamentos de cidadãos que se organizaram para promover uma boa causa (erradicação da pobreza, acesso à justiça, alargamento da sociedade de informação, saúde para todos, segurança ambiental, ajuda humanitária, etc.), ou para combater algo de mau na sociedade (tráfico de seres humanos, a poluição dos Oceanos, crianças-soldados, violência contra as mulheres, a proliferação nuclear, etc.). Trabalham com e através de Conferências, Cimeiras, órgãos e instrumentos legais das Nações Unidas. O “poder” moral e ético das ONG’s/CSO’s não conhece limites, portanto, devemos estar seriamente preocupados com o crescente número de exemplos em todo o mundo da ação regressiva do Governo para limitar, restringir, lan-

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çar uma calúnia sobre, ou mesmo dissolver ou “banir” ONG’s/CSO’s legais. As ONG’s/CSO’s têm um papel essencial na sociedade como atores responsáveis a favor da democracia, dos Direitos Humanos e da jurisprudência. É urgente que as ONG’s/CSO’s, nomeadamente as que são baseadas na fé e na ética, atuem de forma concertada e solidária para resistirem a, e denunciarem estes crescentes restrições e obstáculos governamentais, porque não só são largamente contraditórios com os compromissos desses mesmos Governos assumidos nas Declarações e nos Convénios das Nações Unidas, como eles inibem também os cidadãos e as suas associações de exercerem os seus direitos fundamentais e de contribuírem para a construção de uma sociedade mais justa. O assédio e as limitações governamentais às ONG’s/CSO’s não contribuem para a harmonia e para a segurança nacionais, prejudicam-nas. Como elementos-chave da democracia participativa, as ONG’s/CSO’s são complementares das instituições da democracia representativa. As próprias ONG’s/CSO’s são representantes das causas a longo prazo que promovem, e não precisam da autorização ou da condescendência de Governos transitórios. O Sistema das Nações Unidas tem sido, e pode ser ainda mais, uma força positiva na conexão, no fortalecimento e no dimensionamento das redes locais e regionais da sociedade civil, no contexto do apoio e da ação internacional; na conexão de diversas comunidades: Universidades, fundações, grupos baseados na fé, associações, institutos, centros de pesquisa, federações, alianças, organismos científicos e técnicos, e, naturalmente, organizações de base e outras organizações ativistas; ao abordar/aproveitar/incentivar as ONG’s/CSO’s a promoverem a imaginação e a inovação no confronto dos problemas mundiais, adaptando progressivamente as modalidades e práticas tanto da sociedade civil COMO das Nações Unidas; ao facilitar campanhas de apoio das ONG’s/ CSO’s em torno de questões globais que são, ou que devem ser, tratadas por estruturas intergovernamentais, como, por exemplo: desarmamento, população, desenvolvimento social, meio ambiente, envelhecimento, justiça social, estabelecimentos humanos, o poder das mulheres, direitos sexuais e reprodutivos, o bem-estar das gerações futuras, e muitos mais... Todos estes assuntos apelam a um desenvolvimento de sinergias entre as Nações Unidas e as ONG’s/CSO’s, com base em ideais e valores partilhados. Política/mecanismos de apoio específicos NU-ONG’s As relações entre o Sistema das Nações Unidas e as muitas ONG’s/CSO’s são muito variadas. No núcleo está o Estatuto Consultivo concedido pela


As Nações Unidas, Organizações Não-Governamentais, Direitos, Liberdades e Segurança

NU.ECOSOC de acordo com uma delegação da Carta das NU. Mais de 4000 ONG’s têm hoje este estatuto, indo desde os maiores movimentos e federações internacionais até uma miríade de ONG’s regionais e nacionais. Algumas têm nomes familiares, outras são desconhecidas fora da sua cidade ou província; algumas movimentam grandes somas financeiras em programas de desenvolvimento ou humanitários, a maioria luta pela viabilidade financeira. Muitas têm a fé ou a ética como base. Todas têm um apoio real ou potencial e/ou uma contribuição programática a dar às questões tratadas pelas Nações Unidas, nomeadamente através do ECOSOC e dos seus Conselhos e Comissões, porque recebem a sua força e competência dos seus membros internacionais/regionais/ locais que trabalham no terreno, conhecem as necessidades e as tribulações dos cidadãos, e constroem sobre o conhecimento e as perspetivas das populações. Como ilustração, as entidades das NU, como o Alto-Comissário das Nações Unidas para os Refugiados, a UNICEF, o Programa Alimentar Mundial, o Alto-Comissário das NU para os Direitos Humanos, ou as Mulheres das NU, não poderiam concretizar adequadamente o seu apoio, a sua proteção ou as suas responsabilidades operacionais sem o profundo e duradouro envolvimento de uma vasta gama de ONG’s/CSO’s. Algumas fornecem às NU informação e análise; algumas operam campos de acolhimento, clínicas, escolas, centros de distribuição, serviços jurídicos, unidades de interpretação; outras estão na linha da frente para a proteção das minorias, dos desfavorecidos, dos defensores dos Direitos Humanos, das comunidades e dos ativistas perseguidos. Tudo somado, o seu papel e a sua presença são insubstituíveis, quando se trata de alcançar o cidadão comum na sua comunidade ou aldeia. A um nível diferente, muitas Cimeiras ou eventos equivalentes de alto nível das NU incorporam – ao longo dos seus processos preparatórios, frequentemente longos, e no próprio evento – uma série de ONG’s/CSO’s com competências políticas, técnicas ou científicas específicas sobre o assunto do evento, para alargar os limites do conhecimento dos representantes governamentais que estão a preparar e a tomar as decisões finais. Apenas para citar o ano de 2016, esses Eventos incluíram a Sessão Especial da Assembleia-Geral das NU sobre o problema mundial da droga, a Cimeira Mundial sobre a Sociedade da Informação (fórum WSIS), a Cimeira Mundial Humanitária das Nações Unidas, a Assembleia das Nações Unidas sobre o Ambiente, a 14ª sessão da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), HABITAT III, e a 22ª Conferência de Partes (COP 22) da Convenção Estrutural das Nações Unidas sobre as Alterações Climáticas.

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Num registo diferente, no final de 2015 as Nações Unidas adotaram a Agenda de Desenvolvimento para 2030, focada na concretização de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (SDG’s). Os SDG’s proporcionam uma oportunidade incomparável para intensa cooperação política e prática entre o Sistema das Nações Unidas e as ONG’s e CSO’s em todo o mundo. Nesta vasta área, a interação tem vindo a crescer em alcance e em profundidade desde a primeira Conferência das Nações Unidas sobre o Ambiente Humano (1972), passando pela Conferência das Nações Unidas sobre Ambiente e Desenvolvimento (1992) para chegar à Conferência das Nações Unidas sobre Sustentabilidade e Desenvolvimento (2012). A progressão das políticas, mesmo a evolução da terminologia refletida nos títulos da Conferência, é fruto da contínua interação entre os responsáveis das NU e a sociedade civil. O resultado final, os SDG’s refletem o constante e persistente apoio da sociedade civil para que o desenvolvimento seja compreendido como sendo muito mais do que um conceito económico, seja um conceito que incorpore princípios dos Direitos Humanos, inclusão, boa governação, justiça social, e o mantra agora aceite: “não deixe ninguém para trás.” Estamos agora no primeiro ano de avanço para implementar os SDG’s e esta será uma prioridade para os próximos 15 anos. Como o então Presidente da Assembleia-Geral das Nações Unidas declarou: “Os Governos não podem fazer isto sozinhos: precisamos da sociedade civil.” Através da cooperação pensada e estruturada em mecanismos fundamentais das NU, tais como o Fórum Político de Alto Nível, os SDG’s constituem uma plataforma a longo prazo para promover uma saudável elaboração de políticas por parte das Nações Unidas com o pleno envolvimento das competentes e relevantes ONG’s/CSO’s. É assim que conseguiremos resultados duradouros, não só para produzirmos “o mundo que queremos”, mas “o mundo de que precisamos”.


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6.6 Jose Miguel SERRANO1

Aqueles que Manipulam a Religião, Bem como a Moral, Procuram Justificar Posições de Poder

Dr. Jose Miguel Serrano Ruiz-Calderón – Foto ©AIDLR

Na Cimeira das Nações Unidas, na presença dos representantes governamentais, devemos insistir em que as ameaças à segurança em nome da religião e a violação da liberdade da prática religiosa precisamente com pretextos religiosos reais ou supostos têm como seus principais agentes Estados que são membros das NU e que deveriam ser constrangidos pelas resoluções do Conselho de Segurança e de outras organizações. Que um ataque terrorista a um comboio que custa alguns milhares de euros seja realizado por uma “organização radical” é credível. Pelo contrário, manter práticas de Genocídio em territórios durante anos de combate intenso com armamento pesado não o é. Ninguém, a não ser os Estados, pode sustentar esses 1 O Dr. Jose Miguel Serrano RUIZ-CALDERON é especialista internacional em Direitos Humanos e biótica, e é Professor de Direito na Faculdade de Direito, Departamento de Filosofia do Direito e Professor/Investigador no Instituto de Direitos Humanos, da Universidade Complutense de Madrid, Espanha; é membro do Conselho de Peritos da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, Berna, Suíça.


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conflitos. Muitas vezes eles espalham-se por causa do desaparecimento de um Estado como resultado das manobras de um segundo participante, como no caso da Líbia. Apesar de usarem violência sectária, as razões subjacentes são estratégicas – um Estado contra outro – económicas – por exemplo, a passagem do petróleo – ou o autorretrato como protetor – “Protetor dos crentes” – de uma certa minoria ou da maioria, num Estado que procura um objetivo puramente político. Neste sentido, seria irónico, senão hipócrita, que aqueles que não fazem o seu trabalho de manter a paz entre os Estados, de proteger os deslocados, de impor sanções à interferência armada em países terceiros, devam dedicar-se, com a desculpa de alcançar paz ou segurança, a monitorizar o conteúdo de sermões ou até mesmo os fundamentos dogmáticos das religiões, ou devam procurar transferir para os líderes religiosos as responsabilidades que não lhes correspondem. Na verdade, em geral, e, sem dúvida, com muitas exceções, os líderes religiosos usam uma linguagem menos hipócrita do que os Estados que, por exemplo, permitem o financiamento dos grupos terroristas que lhes convêm, ao mesmo tempo que condenam o terrorismo. Neste sentido, não é de admirar que alguns possam descrever o terrorismo como a “violência de outro”. Perspetivando as coisas, devemos lembrar, por outro lado, que uma grande parte dos ataques contra a Liberdade Religiosa foi realizada não em nome da religião, mas do secularismo. Toda a Europa de Leste, grande parte da Ásia e, que se diga, uma parte da Europa Ocidental têm visto a aplicação de práticas contra o livre exercício da religião. De acordo com certas posições seculares, deve ser recordado, a própria religião organizada é fanática e deve ser evitada. Senti-me ultrajado ontem2 quando ouvi dizer que, para alguém, a Liberdade Religiosa excluía a possibilidade de viver a religião comunitariamente. Neste sentido, temos de insistir em que a Liberdade Religiosa não pode consistir numa prática adaptada ao comportamento politicamente correto, num sistema de controlo externo que impeça a livre expressão e a prática, geralmente imposto por aqueles que não compreendem o valor da transcendência para uma grande parte da Humanidade. Seguir esse caminho levaria a uma leitura ideológica do problema e das suas soluções. Isso aumentaria a distância entre as linhas partidárias e o que muitas pessoas sentem e vivem. Além disso, exacerbaria um problema que não tratámos, mas que está subjacente a toda a violência em nome da religião. Na verdade, na nossa experiência, os apelos dos líderes religiosos para protestar contra 2 Referência ao primeiro dia da Cimeira Global, a 23 de novembro de 2016.


Aqueles que Manipulam a Religião, Bem como a Moral, Procuram Justificar Posições de Poder

certas mentalidades (e esses apelos são muito frequentemente atendidos) tropeçam no problema de que uma grande parte do radicalismo vem do facto de que os líderes denominacionais perderam autoridade dentro do seu credo, precisamente assim que são percebidos como meros agentes de um inimigo imaginário ou real. Só uma análise exata, realista, feita pelos próprios membros denominacionais poderá conduzir à recuperação da autoridade moral. O meu último ponto diz respeito a um curso de ação que deve ser adotado por todos os que, como nós, rejeitam o uso de convicções religiosas como um meio de promover a violência, normalmente a fim de alcançar situações de poder. Aqueles de nós que estão convencidos de que, na maioria das vezes, aqueles que manipulam a religião, bem como a moralidade, procuram justificar posições de poder, devem aperceber-se – se me permitem usar esta abordagem Nietzschiana – da “genealogia” dessa manipulação. Devemos dedicar os nossos melhores esforços a revelar esta manipulação em cada exemplo concreto, fazendo circular nomes, apresentando processos, denunciando distorções de textos ou de tradições e expondo as vantagens pessoais que os violentos recebem. Obviamente, este trabalho pode ser realizado por qualquer pessoa inteligente, mas é mais eficaz, tem êxito em captar melhor as nuances, se for realizado a partir do interior de cada confissão. Um Cristão, um Muçulmano ou um Judeu envolvidos neste trabalho dentro das suas próprias confissões podem, eficaz e credivelmente, identificar manipulações. Naturalmente, não podemos esquecer que essa pessoa vai enfrentar críticas, incompreensão e vai mesmo colocar a sua própria sobrevivência em risco. É um trabalho duro, inteligente e arriscado. E para que chegue a dar fruto, essa pessoa deve ter o prestígio de um testemunho de verdadeira religiosidade, não o rótulo de “domador” de religiões.

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CAPÍTULO

7 Direitos Humanos, Religião, Paz e Segurança versus Fundamentalismo, Extremismo, Terrorismo e Secularismo (Artigos e palestras principais apresentados na Conferência Internacional de Madrid)


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7.1 Alberto DE LA HERA1

A Religião como Fonte de Conflito Sou historiador, por isso irei fazer uma breve referência histórica à religião como fonte de conflito. Irei voltar atrás, ao Império Romano, nada menos, uma época tradicionalmente equacionada com muita perseguição aos Cristãos, as quais duraram séculos. Estes não foram perseguidos por uma causa única. Foram-no por quatro motivos: a causa ocasional, a causa social, a causa política e a causa religiosa. A primeira perseguição, a de Nero, e as perseguições semelhantes às de Nero, foram perseguições meramente ocasionais. Havia problemas, e a atenção pública tinha de ser distraída; assim, ocasionalmente, em tais caProf. Dr. Alberto de la Hera – Foto©AIDLR sos, o meio escolhido para entreter as pessoas consistia em perseguir um pequeno grupo de indivíduos sobre os quais quase não se sabia nada. Poucas pessoas tinham lido os Evangelhos, a sua doutrina era desconhecida, ninguém sabia quem era o Deus deles, e os seus dogmas não podiam ser identificados. Como é que Nero poderia saber tudo isso? Ele não tinha, de todo, esse conhecimento, e o mesmo aplica-se aos imitadores de Nero. Tudo o que sabiam era que os Cristãos eram um grupo estranho, sobre o qual se espalhavam rumores; por exemplo, eram considerados antropófagos, pois eram conhecidos por consumirem o corpo e o sangue de um homem nas suas cerimónias. Era tudo casual, puramente ocasional. Em várias ocasiões, o modelo neroniano consistia em distrair a opinião pública com perceções concretas que, nalguns casos, afetavam os Cristãos e, noutros, outros grupos sociais, religiosos ou raciais. 1 O Professor Doutor Alberto de la Hera, com 80 anos, tem uma extensa biografia: Reitor da Faculdade de Geografia e História da Universidade Complutense de Madrid (1975-77); Vice-Reitor de Ordenação Académica (1977-79); Diretor-Geral do Teatro e Espetáculos de Espanha (1979-80); ex-Diretor-Geral de Cooperação Jurídica, Ministério da Justiça (1996-2004) e Vice-Presidente da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA).


A Religião como Fonte de Conflito

O segundo modelo é o modelo social, modelo de Trajano: o governador da Bitínia escreve a Trajano a dizer que há muitos Cristãos na sua província e pede-lhe instruções sobre o que fazer. O Imperador diz-lhe: se não causam agitação social, é deixá-los em paz. Se causam agitação social, evita esses problemas, mete-os na cadeia, obriga-os de qualquer maneira a manterem-se calmos; impede-os de criarem um problema social. O Cristianismo como um problema social é repreensível. Trajano está a dizer que não se preocupa com o Cristianismo como um problema religioso. Na verdade, este é o modelo social: se o Cristianismo causar perturbação social, deve ser reprimido; se não originar agitação social, os seus motivos religiosos são irrelevantes. Os exemplos acima mencionados são os dois modelos históricos que não devem ser imitados. O terceiro modelo é o modelo político: Diocleciano. Diocleciano percebe que o grande Império que governa não pode ser controlado com medidas políticas, militares e económicas igualmente aplicáveis aos territórios distantes, com raças, línguas, religiões e culturas díspares. É por isso que ele cimenta toda a política imperial sobre um elemento: o prestígio do Imperador. Eles estão perfeitamente conscientes de que o Imperador não é um Deus, mas a divinização do Imperador é a divinização do poder político. Diocleciano decide divinizar o poder político para manter todo o Império unido em torno de uma política ditatorialmente estabelecida a partir do centro. Nesse caso, a única confissão religiosa que se opõe à divinização do poder político é precisamente o Cristianismo. Chegámos ao ano 300. Assim, no limiar do século IV, a única oposição religiosa é o Cristianismo, e é precisamente nesse momento que surge a perseguição política pensada. A sua lógica era: não me importo se os Cristãos acreditam na Trindade ou na virgindade de Maria; isso é irrelevante. Mas opõem-se à divinização do poder político, portanto, devem ser reprimidos por razões políticas. O Imperador não está determinado a reprimir os crentes humildes; ele está atrás dos líderes, dos ministros, dos arquivos, das bibliotecas, das igrejas. Ele vai atrás daqueles que representam um perigo para o conceito de unidade política do Império. Este é um modelo de perseguição por razões políticas. O quarto modelo é o de Teodósio: perseguição por motivos religiosos. Teodósio estabeleceu a unidade cristã no Império e ordena a perseguição dos pagãos. Até então, os pagãos tinham sido a religião maioritária, mas desde Constantino eles deixaram de o ser. No ano de 380 d.C., Teodósio estabelece

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a perseguição dos não-crentes por razões religiosas. Agora, a religião cristã é a religião oficial, e aqueles que não são Cristãos devem ser perseguidos. Estes dois modelos, o modelo político (perseguir qualquer religião – o Cristianismo, no caso de Diocleciano – porque se opõe à unidade política do poder) e o modelo religioso de Teodósio (perseguir uma religião porque é um impedimento para a prevalência religiosa de outro credo) chegaram ao nosso tempo na forma de perseguição política e religiosa. Gostaria de suavizar o que vou dizer em seguida, mas não vou fazê-lo, porque não tenho tempo. Se quiser dizer a um homem que é um tolo e tiver vinte minutos, vou suavizar a notícia; se não tiver tempo, digo-lhe diretamente: “Você é um tolo.” O modelo político envolve a perseguição das religiões porque o Estado tenta substituir-se a Deus. Deixem-me explicar. Justiça é o conceito que preside à vida do Homem. Uma lei tem que ser justa. Se uma lei determina que algo é obrigatório, mas essa coisa é injusta, essa lei é injusta. Mas, quem determina o conceito de justiça? Quem estabelece o conceito do bem e do mal? Há séculos que isso foi determinado pela Divindade. A Divindade disse: Isto é bom, e isto é maldade. Curiosamente, a maioria das religiões coincide (porque, em última análise, há apenas um Deus) no conceito de bom e mau, de justiça e injustiça, mas os Estados totalitários não querem que a Divindade seja a fonte de justiça. Quem é, então, a fonte de justiça? O indivíduo? Seria o caos. Alguém pensa que isto ou aquilo é bom, eu acho que é mau e um terceiro pensa que é medíocre; então, criamos o caos. Com a democracia, uma vez em cada quatro anos as coisas são justas ou injustas. Agora o aborto é legal, agora só sob estas circunstâncias; agora, sob circunstância nenhuma; agora é legal de novo; agora as mulheres podem abortar; agora não podem... O conceito de justiça é relativizado, e o Estado entra em jogo dizendo: eu dito o conceito de justiça. Justo é qualquer coisa que o Estado diz que é justo, e injusto é qualquer coisa que o Estado diz que é injusto. O bem e o mal são definidos pelo poder político. Este é o nosso tempo. Diocleciano está muito vivo: o poder totalitário tenta determinar o conceito de justiça; a lei é um dogma. Uma parte importante das perseguições religiosas deve-se ao facto de que o Estado assume o direito de determinar o que é justo e o que é injusto, o bom e o mau, o ético e o antiético, o moral e o imoral. No momento em que o Estado assume esse poder, Diocleciano está vivo: a política é uma razão para a perseguição religiosa. Estamos a presenciar hoje dois tipos de perseguição religiosa. Uma gira em torno de um motivo político. No fundo, os Estados totalitários e outros que se


A Religião como Fonte de Conflito

proclamam democráticos estão igualmente empenhados em determinar a diferença entre o bem e o mal por si mesmos. Uma vez que as religiões têm um conceito do bem e do mal que deriva da Divindade e não do Estado, o conceito de religião torna-se inconveniente, para dizer o mínimo, e, no máximo, é incompatível com o próprio conceito de Estado. Agora, vamos a Teodósio e à perseguição religiosa. Teodósio está vivo e bem, e o seu nome é Islão. Hoje, o Islão é a única religião mundial que persegue os outros por motivos religiosos, apenas por não pertencerem a essa fé. Há entre nós uma vontade de coexistir, mas isso não é algo novo. Eu era o Diretor de Assuntos Religiosos do Ministério da Justiça de Espanha há vinte anos, e, naquele tempo, todas as confissões religiosas em Espanha – Judeus, Cristãos, Muçulmanos, Budistas e assim por diante – estavam a tentar entender-se uns aos outros e a manter conversações inter-religiosas. Como vice-Secretário do IRLA, tenho mantido conversações em todo o mundo sobre tudo o que pode ser falado, porque os líderes religiosos estão dispostos a falar uns com os outros, mas um setor do Islão, traindo o próprio Islão (porque a doutrina deles não é a verdadeira doutrina do Islão), está a criar terror religioso em todo o mundo, está a criar uma perseguição exterminadora de religiões envolvendo a invasão de mesquitas, sinagogas, igrejas, Consulados, de tudo o que for preciso em cada caso. Há no mundo, neste momento, uma perseguição das religiões por uma única religião. Teodósio está vivo. O modelo de Estado totalitário e o modelo de Islão autotraidor mantêm vivo o conceito de religião como uma fonte de conflito. Uma religião que procura manter conversações, coexistir e compreender as outras, ou uma religião que procura determinar o conceito de justiça em nome de Deus é um inconveniente para uma religião totalitária ou para um Estado totalitário. Estou a usar os termos religião totalitária e Estado totalitário com plena consciência de que são a mesma coisa. Em cada totalitarismo, seja religioso, político ou ideológico, a religião torna-se numa fonte de conflito. A religião requer liberdade, tolerância, compreensão, diálogo. Onde é que a religião não é possível? Onde não exista liberdade, tolerância, compreensão ou diálogo, ou seja, com Diocleciano e Teodósio, num Estado totalitário e numa religião discriminatória. Se não tivéssemos uma religião exclusivista, ou se não tivéssemos um Estado totalitário no mundo, as religiões coexistiriam pacificamente, porque todas anseiam pela paz. Teodósio está presente há séculos. As Inquisições Espanhola, Católica, Luterana e Romana, juntamente com Henrique VIII e outros, levaram ao pos-

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te de tortura qualquer um que considerassem necessário. No poste morreram Católicos, Protestantes, Judeus e Muçulmanos. Teodósio está vivo. Os Estados totalitários estão vivos. Estas duas formas persistiram até ao nosso tempo. O grande empenho desta Cimeira, bem como de todas as Cimeiras e de todos nós, é contribuir para o desaparecimento dos Estados totalitários e das religiões discriminatórias. Vamos todos falar sobre liberdade, tolerância, compreensão e paz. Muito obrigado.


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7.2 Sua Excelência, o Sr. Petru DUMITRIU1

Lutar contra o Terrorismo na Mente dos Homens

Dr. Petru Dumitriu – Foto ©AIDLR

Na Mente de Cervantes. Vocês já sabem. É assim que começa a constituição da UNESCO: “Uma vez que as guerras começam na mente dos homens, é na mente dos homens que as defesas da paz devem ser construídas.” Na verdade, isto tudo já é conhecido e inspirador, mas vale a pena repetir. Tendemos a esquecer quando estamos a ponderar o equilíbrio entre os meios oferecidos pela diplomacia e aqueles que implicam a mera repressão. Muito a crédito da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa, deli1 Sua Excelência, o Dr. Petru Dumitriu é membro da Unidade de Inspeção Conjunta do Sistema das Nações Unidas desde 1 de janeiro de 2016. Anteriormente, foi Embaixador e Observador permanente do Conselho da Europa na sede das Nações Unidas e noutras organizações internacionais em Genebra (2011-2014). Representante da Roménia no Conselho Executivo da UNESCO (2010-2011) e Coordenador nacional da Aliança das Civilizações das Nações Unidas (2008-2011), Diretor-Geral para Assuntos Multilaterais e Diretor-Geral para Assuntos Globais no Ministério dos Negócios Estrangeiros (2006-2010).


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near e desenvolver um quadro holístico para a prevenção da violência e do terrorismo cometidos em nome da religião parece ser o conceito-chave procurado por esta Conferência na mente dos participantes. Quando fui convidado para participar, tinha consciência de que estamos num país com uma história especial a propósito da coexistência ou do conflito entre religiões, em várias formas. Foi essa memória histórica particular que levou a Espanha, a quem mais tarde se juntou a Turquia, a propor a Aliança de Civilizações das Nações Unidas, uma iniciativa destinada a trabalhar para um mundo mais pacífico, ao aumentar o respeito mútuo entre os povos de diferentes identidades culturais e religiosas, e ao destacar a vontade da maior parte do mundo de rejeitar o extremismo e de respeitar a diversidade. No entanto, não esperava, embora celebremos este ano 400 anos desde que Miguel Cervantes se juntou às luzes eternas de uma espiritualidade universal imperecível, encontrar um eco do espírito desta Conferência especial na sua obra extraordinária, Don Quixote de la Mancha. Foi, portanto, com grande alegria que descobri, antes de vir para Madrid, que homens eminentes, conhecedores de Literatura e de Ciências neste país, acreditam que Cervantes foi inspirado por quatro grandes religiões: Catolicismo, Islamismo, Judaísmo e Protestantismo. Diligente escritor e investigador espanhol, Juan Antonio Monroy, curiosamente, nascido em Marrocos de mãe espanhola e de pai francês, testemunha essa conclusão fascinante.2 Ele faz-nos saber que alguns exegetas confirmam que “a fé provada por Cervantes na sua vida e nas suas obras revela a sua fidelidade inabalável na doutrina da Igreja Católica”. Outros escritores dão garantias de que “El Quijote es la mejor introducción al Corán y al Islam que se haya escrito nunca en Castellano”, o que significa que Don Quixote é a melhor introdução ao Corão e ao Islão alguma vez escrita em espanhol. Outro escritor refere-se a uma versão de Don Quixote escrita em hebraico por um judeu romeno, Nachman Frankel, para quem “Don Quijote era un caballero del linaje de David”, ou um cavaleiro judeu descendente do rei David. Finalmente, um ex-Professor desta mesma Universidade Complutense de Madrid, José Luis Abellán, no seu livro El Erasmismo Español, é citado como tendo dito “si España no hubiera pasado por el erasmismo, no nos habría dado El Quijote”, sugerindo que, sem a influência de Erasmo, a obra-prima de Cervantes, Don Quixote, que alguns chamam a Bíblia Espanhola, não teria existido. 2 Juan Antonio Monroy, A Fé de Cervantes e as Quatro Religiões, Protestante Digital, 28 de setembro de 2013.


Lutar contra o Terrorismo na Mente dos Homens

Não teríamos meios de nos certificarmos de que estas afirmações generosas são verdadeiras, a não ser lendo novamente, com novos óculos, o Dom Quixote de la Mancha. No entanto, antes de qualquer prova adicional, não é maravilhoso descobrir que um escritor, seja ele tão genial como ele é, e o seu livro imortal, seja ele uma ficção literária como é, sejam creditados com um poder tão imenso de fundirem num único perfil as essências da espiritualidade de quatro grandes religiões? Não é notavelmente simbólico que o humanismo fundamental dos escritos de Cervantes vá além da teologia e da prática de quatro religiões diferentes e em que todas são reconhecidas como dizendo a verdade? Se estes intérpretes de Dom Quixote estão certos ou não, no sentido estritamente científico, não é muito importante. O que é importante é que estas olhadelas para dentro da essência do ser humano nos permitem ter a esperança de que existe um Deus dentro de todos nós, seja qual for a nossa própria representação d’Ele. Na mente dos diplomatas mundiais. No entanto, a ação holística necessária não deve limitar-se às formas utilizadas por Dom Quixote. A Assembleia-Geral das Nações Unidas adotou, em setembro de 2015, após intensas negociações entre 193 Estados-Membros, com o valioso apoio de organizações da sociedade civil e de academias, os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável para 2030, uma nova agenda transformadora a nível global.3 A Agenda para 2030 representa um novo compromisso político que fala muito sobre “uma grande jornada coletiva” e sobre um mundo onde “ninguém será deixado para trás”. Não soa isso também a um pouco poético, num mundo de violência irracional, caótica e brutal, onde as pessoas são mortas sistemática, cruel, indiscriminada e impiedosamente? Jovens matam-se, e a muitos outros inocentes ao seu redor, em escolas, em cafés, em parques, em estações de comboios e em praças, em nome da mais antiga forma de espiritualidade: a religião. Entretanto, a Agenda das Nações Unidas diz-nos que os chefes dos Estados e os Governos de todos os países do mundo reconheceram que “a dignidade do ser humanos é fundamental”. Até que ponto esta é apenas uma nova utopia, formalmente endossada por políticos de todo o mundo, ou se será mesmo uma abordagem realista, integra3 Assembleia-Geral das Nações Unidas, Resolução 70/1. Transformando o nosso mundo: a agenda para 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, 25 de setembro de 2015.

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tiva e abrangente, centrada nos cinco “p” (pessoas, Planeta, prosperidade, passo e parceria), veremos. Não é ambição desta breve apresentação fazer previsões. Como diplomata, só posso ser otimista. De facto, as Nações Unidas são chamadas a enfrentar, com os seus próprios meios e à sua própria maneira holística, que inclui 17 Objetivos globais, muitos males do mundo contemporâneo, incluindo o terrorismo e outras formas de violência, inspiradas pela pobreza, pela injustiça social ou pela discriminação. Terrorismo: O Parágrafo 14 da Declaração diz que: “... os conflitos em aumento, o extremismo violento, o terrorismo e as crises humanitárias relacionadas, e o deslocamento forçado de pessoas ameaçam reverter grande parte do progresso de desenvolvimento feito em décadas recentes”. O Objetivo 16.a refere-se à necessidade de “reforçar as instituições nacionais relevantes, nomeadamente através da cooperação internacional, para aumentar as capacidades a todos os níveis, em especial nos países em vias de desenvolvimento, para evitar a violência e combater o terrorismo e o crime”. Religião: O Parágrafo 19 da Declaração enfatiza “as responsabilidades de todos os Estados [...] de proteger, de proteger e promover os Direitos Humanos e as liberdades fundamentais para todos, sem distinção de qualquer espécie quanto à raça, à cor, ao sexo, à língua, à religião, à opinião, à política ou outra, origem nacional ou social, propriedade, nascimento, incapacidade ou outro estatuto”. O Objetivo 10 inclui, entre outros, “... capacitar e promover a inclusão social, económica e política de todos, independentemente da idade, do sexo, da incapacidade, da raça, da etnia, da origem, da religião ou do estatuto económico ou outro.” Violência: A Declaração prevê “um mundo livre do medo e da violência”, enquanto o Parágrafo 35 menciona os “Fatores que dão origem à violência, à insegurança e à injustiça, como a desigualdade, a corrupção, a má governação e o fluxo ilícito de armas e financeiro...”. Em relação ao que esta Conferência quer, um catalisador para uma abordagem holística é o Objetivo 4: “... educação para... promoção de uma cultura de paz e de não-violência...” Visto da perspetiva das NU é óbvio que as organizações religiosas estão entre o que a Agenda chama “instituições relevantes”. Embora as referências específicas ao terrorismo e à violência, inspirados pelos novos falsos profetas de


Lutar contra o Terrorismo na Mente dos Homens

algumas religiões, estejam a faltar, há bastantes pré-requisitos e pontos a esboçarem um papel para as organizações religiosas: a. Os objetivos são integrados e indivisíveis. b. A nova Agenda é centrada nas pessoas e vem com um conjunto de objetivos universais e centrados em pessoas. c. Os principais pilares das Nações Unidas devem ser integrados: paz e segurança, desenvolvimento e Direitos Humanos. d. Destina-se a fomentar a compreensão intercultural, a tolerância, o respeito mútuo e a cidadania ética global e a responsabilidade global. e. Parceria global: envolvimento global intensivo em apoio à implementação, reunindo Governos, sociedade civil, setor privado, Sistema das Nações Unidas e outros atores. E, acima de tudo, tendo como objetivo evitar a intolerância, o extremismo e a violência, temos o Objetivo nº 4, que talvez seja o mais importante de todos: educação. Na mente dos terroristas. O terrorismo em nome da religião é um crime monstruoso. A forma atual de terrorismo atingiu graus sem precedentes de irracionalidade e de crueldade. O terrorismo praticado por extremistas religiosos não afeta apenas a vida de pessoas inocentes, o funcionamento pacífico das sociedades, a jurisprudência e o desenvolvimento normal da juventude, afeta a reputação das religiões e distorce as suas mensagens. Aprendemos a entender que a religião faz parte de um aparato cultural e emocional, decorrente de antigos e profundos desejos universais de segurança psicológica. Ora, o novo tipo de terrorismo que temos de enfrentar agora está a provocar insegurança a todos os níveis: individual, nos grupos, nas comunidades, nas sociedades e no mundo como um todo. Integrar a ação contra o terrorismo, usando uma abordagem holística, através de uma mistura de decisões nas áreas política, económica e social, em particular na educação e na cultura, ou, nas palavras das Nações Unidas, uma abordagem integrada, deve ter em conta a interligação entre os seus três pilares: paz e segurança, desenvolvimento e Direitos Humanos. As instituições religiosas legítimas não devem permitir o uso e abuso político da fé que cultivam na política e na luta pelo poder. Elas têm a responsabilidade de proteger a livre escolha e a liberdade das várias formas de espiritualidade religiosa. Esta responsabilidade não deve ser deixada inteiramente apenas ao cuidado das autoridades, da sua justiça e dos seus elementos de repressão do crime.

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Petru DUMITRIU

A expressão “terrorismo religioso” emergiu como uma noção de terrorismo político fortemente complementada ou inspirada pela religião. É enganosa, embora ajude a fazer a distinção entre o terrorismo infligido alegadamente por falsas motivações religiosas, por um lado, e o terrorismo relacionado com causas políticas, do outro lado. A associação da religião com o terrorismo não é inerente; é uma construção política e artificial. Testemunhamos nos círculos académicos como este, e mesmo às vezes nos Media, debates altamente significativos sobre a interpretação ilegítima e desonesta dos textos religiosos. No entanto, a exegese intelectual não é suficiente. Deve ser acompanhada por uma tal interpretação da fé que possa ir para a mente e para o coração dos crentes, em particular das pessoas com um nível mais baixo de educação, entre as quais o fanatismo irracional está a fazer prosélitos. A crença e a fé são enfraquecidas, não fortalecidas, pelo engano e pela manipulação. O fanatismo religioso submete os indivíduos ou os grupos a versões distorcidas dos factos religiosos e de episódios históricos como a “teoria da guerra justa”, a teologia da libertação, as Inquisições e as Cruzadas. É dever dos dirigentes e das instituições religiosos legítimos corrigirem essas distorções, e enfatizarem a motivação humanística de todas as principais religiões monoteístas.4 O “terrorismo religioso” consiste em atos que aterrorizam, acompanhados por uma motivação, justificação, organização, ou visão religiosa sobre o mundo. Se aterrorizar a sociedade é o principal objetivo dos terroristas, então devemos perceber que estamos a ajudá-los a atingir esse objetivo ao multiplicarmos, ampliarmos e hiperbolizarmos cada ataque nos Meios de Comunicação e na política, quando, provavelmente, mais discrição e eficácia seriam uma maneira mais sábia de agir. Isto não significa que os Governos devam ignorar a necessidade de informação da sociedade. No entanto, as exacerbações dos Meios de Comunicação parecem dar mais satisfação aos terroristas que se escondem no escuro, do que às sociedades em geral, que esperam resultados em vez de imagens, que levam horror e medo para dentro das nossas casas.

4 Elijah Onyango Standslause Odhiambo, “Fundamentalismo Religioso e Terrorismo”, Jornal Global da Paz e dos Conflitos, junho 2014, vol. 2, nº 1.


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7.3 Zoila COMBALIA1

Fundamentalismo e Secularismo versus Religião e Direitos Humanos

Prof. Zoila Combalia – Foto ©AIDLR

Muito obrigada e felicitações aos organizadores desta soberba Conferência Internacional, em particular ao Dr. Liviu Olteanu. Obrigada por me convidarem a participar neste fórum com oradores tão ilustres. Quando li o título do painel, “Fundamentalismo e Secularismo versus Religião, Família e Direitos Humanos”, a primeira coisa em que pensei foi que, de facto, embora secularismo e fundamentalismo possam parecer termos antagónicos, não o são. Há um secularismo fundamentalista que também leva à radicalização da religião, ou que a incita. Vou desenvolver alguns aspetos desta ideia. Penso que é óbvio que um tipo bastante agressivo de secularismo está a desenvolver-se nal1 A Drª. Zoila COMBALIA é Professora de Direito Eclesiástico na Universidade de Saragoça (Faculdade de Direito). Ela é PhD em Direito e em Direito Canónico, Membro da Comissão Consultiva. Desde 2016, é membro da Comissão de Peritos para a Liberdade Religiosa ou de Crença (OSCE-ODIHR), membro fundador e Diretora do Laboratório de Liberdade de Crenças e Gestão da Diversidade (LICREGDI) da Universidade de Saragoça.


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guns setores da sociedade espanhola e das principais sociedades europeias, bem como na opinião pública, que pretende não perseguir a religião, mas confiná-la à esfera privada. Obviamente, a religião é a consciência onde ninguém pode entrar. A lei não pode entrar nela, nem os políticos. De acordo com esta visão, a casa é o lugar para a religião, exceto para a apresentação de ideias mais abertas, que podem exigir um templo, mas com pouca visibilidade. Templos confinados à periferia da cidade, e mesquitas sem minaretes... Esta corrente de opinião, que defende uma religião tipo bolha, uma religião que não vai contaminar a sociedade, é apoiada por um certo posicionamento intelectual que considera a presença religiosa como um inimigo da coexistência pacífica e um inimigo da tolerância. Deixem-me citar uma passagem do jornal El País de há alguns anos. O seu autor foi Mário Vargas Llosa, o vencedor em 2010 do Prémio Nobel da Literatura, e expressa essa ideia muito bem. Estou a citá-la porque acho que é ilustrativa. Vargas Llosa escreveu que “o caráter secular do Estado enquadra a religião e a vida espiritual dos cidadãos na sua própria esfera, a (esfera) privada. Por definição, cada religião, cada crença, é intolerante, visto que proclama uma verdade que não pode coexistir pacificamente com outras que a negam”. Baseando-me nesta abordagem, pensei que o secularismo tivesse deixado de ser um princípio instrumental – um princípio que garante o serviço dos “Direitos e Liberdades” dos cidadãos – para se tornar num princípio estrela, não ao serviço desses Direitos e Liberdades, mas ao qual os subordinamos. Talvez um exemplo paradigmático possa ser a lei francesa de 2004, que proibia os símbolos religiosos e que impedia que os alunos levassem símbolos religiosos para a escola. Neste caso, a neutralidade da escola deixa de ser um espaço que garante um lugar onde todos possam desenvolver a sua liberdade, um espaço de liberdade igual para todos, mas passa a ser um que, pelo contrário, devido ao secularismo, limita e restringe a liberdade. Penso que forçar o isolamento da religião envolve o perigo de se traduzir numa radicalização da religião, ao passo que, se, pelo contrário, arbitrarmos a sua inserção no sistema, o risco, a meu ver, é diminuído; embora, depois de ouvir o professor Juan Antonio Martínez Muñoz, já não saiba se esta inserção da religião no espaço público é possível ou não, mas confio que a inserção ou a normalização seja possível. Um exemplo recente é do “Boletín Oficial del Estado” espanhol (Gazeta Oficial do Estado) que, em 18 de março de 2016, regulamentava o currículo do tema “Religião Islâmica” na ESO (Educação Secundária Obrigatória) e no Bacharelato. A sua publicação não fez nada mais do que desenvolver o que foi planeado


Fundamentalismo e Secularismo versus Religião e Direitos Humanos

no acordo com a Comissão Islâmica de Espanha desde 1992, mas causou um grande rebuliço na opinião pública espanhola, nos programas de chat de Rádio, etc.; e teve impacto na comunicação social. Um desses Meios de Comunicação noticiou o seguinte: O manual, elaborado pela Comissão Islâmica de Espanha e autorizado pelo Ministro da Educação, visa agitar o fervor religioso e promover a doutrinação Islâmica entre os jovens Muçulmanos em Espanha. No final, as novas diretrizes podem eventualmente chegar a um objetivo indesejado: servir como uma porta de entrada para o Islamismo radical para dezenas de milhares de jovens Muçulmanos em Espanha. Em face destas notícias, levantei-me imediatamente e fui ler o “Boletín Oficial del Estado” para descobrir que conteúdos tão perigosos poderiam ser esses. Vou mencionar apenas algumas das questões: “Tolerância, Direitos e Liberdades”, “Respeito e coexistência na diversidade”, “Educação para igualdade efetiva de género e igualdade de oportunidades para ambos os sexos”, “Uso da linguagem”, “Fazer pressão sobre o terrorismo”, “Consciência, predição e deteção das diferentes fases do terrorismo visíveis no exterior da pessoa, e no interior do indivíduo”, “Voluntariado, aceitação da crítica e prevenção expressiva como critério de avaliação”, “Salientar, conhecer, analisar e avaliar a radicalização real violenta, avaliando os seus efeitos muito graves na sociedade”, “Direitos Humanos: Análise e síntese dos Direitos Humanos, tanto na Declaração do Cairo e na Declaração Universal, bem com a ideia honrosa, valores e atitudes do homem e da mulher em ambas as declarações”. Quando li isso, pensei: O que é que há de tão perigoso neste programa que irá levar milhares de jovens espanhóis Muçulmanos à radicalização? O ensino destes conteúdos representa um perigo e uma ameaça à coexistência? Acredito que o facto de a religião, neste caso o Islão, mas podemos aplicar isto a qualquer religião, ser ensinada na escola, com manuais, com currículos publicados, com uma equipa de ensino com a formação exigida, incluída num centro de ensino como parte do sistema e como membros dele, isso faz com que as crianças, os alunos, percebam este ensino como algo de acordo com a sociedade em que vivem, ao passo que, se, pelo contrário, o Islão, por exemplo, for ensinado apenas aos Muçulmanos, camuflado numa garagem na periferia da cidade, ensinado talvez por um Imã que fala apenas árabe e que, além disso, transmite conteúdos que não têm ligação com outras coisas que a criança recebe, acho que o risco de radicalização aumenta. Este exemplo de educação e do ensino de religião pode ser traduzido para os locais de culto reconhecidos dentro da cidade. Neste mesmo ano, na minha Universidade, uma Universidade pública (a Universidade de Saragoça), no primeiro dia de aulas, um Professor expulsou uma aluna da sala de aulas por esta usar o seu hijab. Para piorar as coisas, isso aconte-

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ceu na Faculdade de Ciências da Educação. Obviamente, o Professor foi forçado a readmitir a aluna, mas o facto é que isso aconteceu. A sua defesa era que esta Universidade era pública. Então, vamos voltar para a questão do espaço público. Acredito que, para que todos sejam cidadãos iguais, é imperativo que ninguém seja obrigado a renunciar à sua identidade religiosa ou a mantê-la oculta e que, respeitando, naturalmente, a ordem pública e os direitos de terceiros, essas identidades podem estar presentes na sociedade, e isso requer um esforço de adaptação, particularmente nos atuais contextos europeus, que são cada vez mais populares, bem como adaptações legais. A lei deve adaptar-se a, e atender a, essa diversidade. E há um assunto que fica dificilmente resolvido, muito interessante na área da Liberdade Religiosa, ao qual vou aqui meramente fazer alusão. É a questão da chamada discriminação indireta. A discriminação indireta é aquela que segue a aplicação de políticas aparentemente neutras, aplicadas igualmente a todos, mas que acarretam efeitos desproporcionalmente negativos para algumas pessoas. Um exemplo são os feriados públicos, que coincidem normalmente com a tradição cultural e festiva religiosa da maioria da população. Por outras palavras, em Espanha e noutros países europeus, feriados são realmente a Páscoa e o Natal, o dia semanal de descanso do trabalho é o domingo, etc.. Isto cria uma situação em que, embora os seguidores da religião principal e as pessoas sem religião não tenham problemas em conciliar as suas obrigações laborais com o seu respeito pelos festivais religiosos, as minorias religiosas podem ter. Este seria um exemplo claro de uma política que cria uma discriminação indireta. No entanto, foi para mim satisfatório e surpreendente ver a decisão do Supremo Tribunal de Justiça Espanhol, há alguns meses, afirmando o direito de uma mulher Adventista do Sétimo Dia de não ser entrevistada no sábado para um emprego como funcionária pública. Nesse caso, as entrevistas competitivas relevantes visavam obter uma nomeação para o corpo de Professores. Achei satisfatório, porque nem sempre se encontra nos tribunais, pelo menos em Espanha, esta sensibilidade de acomodar a diversidade. Há, a este respeito, um relatório muito interessante do Relator Especial das NU, Heiner Bielefeldt, em que ele fala de discriminação indireta. Refere-se expressamente às relações no trabalho, mas isso pode ser transferido para outras situações. Ali, ele propõe o conceito de um ajuste razoável. Este é um conceito que foi aplicado na Convenção das Nações Unidas sobre os direitos das pessoas com deficiência, em 2006. Ele sugere que o mesmo conceito de ajuste razoável, de fazer as adaptações necessárias, desde que não envolvam uma carga despro-


Fundamentalismo e Secularismo versus Religião e Direitos Humanos

porcional, também seja aplicado ao domínio da discriminação em matéria de religião e Liberdade Religiosa. A diversidade não implica a unificação. Além disso, a uniformidade é discriminatória. Isto é especialmente evidente, como tenho vindo a dizer, nas questões religiosas. Concordo com a importância de elevar a consciência da sociedade, dos agentes jurídicos, dos juízes, dos magistrados, dos educadores, dos professores e das autoridades públicas quanto a valer a pena fazer esse esforço de adaptação, e penso que a Liberdade Religiosa o merece. Tendo tudo em conta, acredito que o desafio para a Europa é, por um lado, insistir nessa noção inclusiva de secularismo, um secularismo que não pode passar sem a realidade da religião na vida social, e, por outro, poder também defender os direitos e as liberdades num contexto de diversidade. Vencer o medo que a diversidade gera algumas vezes na Europa, como, por exemplo, quando um Muçulmano deve ser o Presidente da Câmara de uma das principais cidades europeias causa perplexidade nalguns setores, e, de alguma forma, tentar combater esse aumento alarmante, que está a acontecer em toda a Europa, de novos partidos políticos que, como a extrema direita alemã, constituem plataformas politicamente legítimas em que a xenofobia ou o ódio são defendidos e que incitam ao ódio por motivos de religião. Termino reiterando as minhas felicitações aos organizadores desta Conferência Internacional pelo seu empenho na defesa da primeira das liberdades; primeira não apenas cronologicamente, e porque abriu um trilho para outras liberdades, mas também a primeira porque está também especialmente ligada com a dignidade do ser humano.

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7.4 Juan Antonio MARTÍNEZ MUÑOZ1

Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

Prof. Juan Antonio Martínez Muñoz – Foto ©AIDLR

Introdução Em primeiro lugar, quero agradecer ao Dr. Liviu Olteanu por ter organizado esta Conferência Internacional2 e por me ter estendido o convite para participar nela, bem como por publicar a minha contribuição. Agradeço também os seus esforços para defender a Liberdade Religiosa num mundo onde esta está seriamente ameaçada. É comum os Estados violarem os direitos e a liberdade dos seres humanos em nome da segurança e da ordem pública; esta é uma queixa 1 O Prof. Dr. Juan Antonio Martínez Muñoz é advogado na Associação de Advogados de Madrid há 15 anos em Madrid. Ele é presentemente o Diretor do Departamento de Filosofia de Moral e Direito Político da Universidade Complutense de Madrid. Publicou “The Ontophenomenology of Law in the Work of Sergio Cotta” (1993), “Legal Knowledge” (2005), “Law Abuse?” (1998), “Direitos Humanos (História Filosófica)” (2013) e mais de 40 artigos de Filosofia do Direito. 2 A Conferência Internacional, intitulada ‘‘Liberdade, Religião e Segurança – Termos Antagónicos? ‘Segurança através da Educação na Prevenção da Violência, do Terrorismo e do Genocídio em Nome da Religião e a Proteção contra Eles’”, que teve lugar na Faculdade de Direito da Universidade Complutense de Madrid, a 12 e 13 de maio de 2016. O tema foi apresentado num painel intitulado “Fundamentalismo e Secularismo vs. Religião, Família e Direitos Humanos”.


Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

frequente, uma que é latente atrás daquelas que são consideradas como violações principais dos Direitos Humanos. Providenciar segurança tem sido a principal justificação dos Estados nos últimos séculos, e a “tarefa” foi protegida por uma série de clichês ideológicos, como o “interesse nacional”, que deixaram para trás um enorme rasto de mortes. Não há dúvida de que a segurança é importante; na verdade, a maioria dos desacordos entre advogados é redirecionada para ela, a ponto de que algo é considerado inquestionável quando o seu proponente consegue argumentar que fornece maior segurança do que as outras opções e, por conseguinte, todas as outras reivindicações que implicam a incerteza jurídica (que é, de facto, política) são rejeitadas. Esta prevalência da segurança é intensificada em contexto de ação revolucionária e, especialmente, no terrorismo. Abordagem O ponto essencial é que a ideia da lei envolvida no problema da segurança tem uma natureza paradoxal, porque o Estado, que, em virtude da sua soberania, monopoliza a autoridade legal para oferecer a segurança legal, viola a lei e a liberdade legal em nome da segurança política, da qual depende a lei estatal. Este caráter paradoxal não contribui para a redução da violência indiscriminada. O Estado é uma forma de organização política e, portanto, segue uma lógica política. A maioria dos Estados, por outro lado, em particular aqueles que surgiram na Europa como resultado da Reforma, tem origens religiosas e uma memória histórica religiosa. Isto explica porque, mesmo num ambiente culturalmente degradado como o presente, alguma importância é associada à Liberdade Religiosa no mundo ocidental. Talvez deva ser salientado que este reconhecimento era mais intenso quando os textos básicos de Direitos Humanos foram elaborados do que agora no presente, quando há uma manifesta hostilidade e agressividade crescentes em relação à religiosidade. Ultimamente, de facto, a impressão que se espalhou é a de que um dos principais fatores desestabilizadores da segurança pública é a religião, porque está ligada ao terrorismo, e especialmente ao mundo islâmico. Esta ligação é particularmente estranha. A religião é acusada de várias formas de violência, incluindo o terrorismo, e isso apesar do facto de que o terrorismo nasceu com a, e é característico da, revolução. Nasceu com o Terror Francês contra a religião. Sabe-se que no seu discurso de 5 de fevereiro de 1794, Robespierre definiu o Governo revolucionário como estando baseado nos pila-

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res gémeos da virtude e do terror,3 e o terrorismo é uma expressão da ação social da ideologia política revolucionária que não só incentiva a ação violenta, mas também justifica o uso do terror, mesmo que apenas pelos “patriotas”. Quadro referencial O filósofo canadiano Charles Taylor defende a tese de que “é absolutamente impossível livrarmo-nos de quadros de referência”.4 É evidente que eles são necessários para entendermos o significado dos textos e das ações humanas. O quadro referencial deste vínculo acusatório da religião, especialmente o monoteísmo, com a violência é extraordinariamente estranho e paradoxal, e creio que pode ser esclarecido colocando a imputação no quadro referencial em que ocorre. A este respeito, é significativo que a religiosidade ocidental se liga com a ideia de verdade, que também aparece em textos profanos, como o Rei Édipo, cuja importância reside, de acordo com Foucault (um niilista que, em parte, segue Nietzsche e que participou ativamente no Maio Francês de ‘68), em que, começando com esse trabalho de Sófocles, o Ocidente será dominado pelo grande mito de que a verdade nunca pertence ao poder político, que o poder político é cego, que o verdadeiro conhecimento é o que se possui quando se está em contacto com os deuses ou quando nos lembramos das coisas [...]. Um mito que Nietzsche começou a demolir mostrando nos textos [...] que, por trás de toda a sabedoria ou conhecimento, o que está em jogo é uma luta pelo poder.5 Aquilo a que o niilista chama mito é o núcleo central da cultura religiosa ocidental, e foi tão generalizado que integrou a consciência comum sobre justiça entre as nações ocidentais, e estava tão profundamente enraizado que é chocante que tenha sido possível implementar o mundo social atual baseado na suposição oposta. Isto é devido ao facto de que o mundo da cultura tradicional, de natureza eminentemente religiosa, estava baseado no cumprimento histórico de uma série de realizações humanas, materializadas na Arte, no pensamento, na Ciência, nas cidades e na Economia, com base em formas de excelência humana, que tinha uma dimensão social e jurídica. Com o desmembramento da Europa, derivado do estabelecimento de Estados políticos, a diversidade original das culturas nacionais foi traduzida para os Estados territoriais e teve um enorme impacto religioso. “Lembremo-nos de que as duas manobras cruciais de Hobbes para 3 HAMPSON, N.: From Regeneration to Terror, p. 89. 4 TAYLOR, CH.: Fountain of Me, p. 43. 5 FOUCAULT, M.: A Verdade e as Formas Jurídicas, p. 61.


Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

domesticar a Igreja foram fazer com que os indivíduos aderissem ao soberano em vez de um ao outro, e negar o caráter internacional da Igreja.”6 É evidente que, desta forma, a idolatria do Estado e a religião civil ou política são introduzidas, porque a religião, tal como a linguagem, a Economia, a História, etc., está inserida num quadro predominantemente político. O próprio pensamento filosófico, sob a influência do Estado, é transformado em ideologia. O quadro referencial da política (que deve ser distinguido da boa governação) tornou-se predominante na vida social moderna. Uma caracterização rápida do mesmo é a de que é essencialmente combativo, porque se centra no controlo do poder político e é dominado pela luta para aceder a esse poder. Nessa luta, o conflito social é aproveitado e até provocado. Nessa luta, gera-se a ideologia, que se centra numa série de noções, como o interesse público, a esfera pública, a autodeterminação, etc.. Também dá origem às chamadas liberdades políticas, que os seus defensores tentam explicar como conquistas históricas da liberdade política. Elas afetam especialmente a Liberdade Religiosa, e é a isso que podemos chamar secularismo. Isto é uma transformação da liberdade pessoal em liberdade política, algo inerente ao pacto social. Secularismo Neste contexto, temos de ver o secularismo como a delimitação e a adaptação da religiosidade ao quadro político. O principal fator neste quadro é considerá-la uma liberdade pública, não pessoal. Esta consideração é basicamente para o benefício do poder, que o reconhece porque, sendo neutro, deixa algum espaço para a superstição. Mas isso condiciona negativamente a sua presença no espaço público. Grupos genuinamente religiosos (o caso daqueles que se organizam para participar na vida política é outra coisa) aparecem como inimigos do interesse geral, considerado o proprietário exclusivo do espaço público. As expressões usadas frequentemente contra eles, tais como fundamentalistas, homofóbicos ou fascistas (que obviamente não podem ser formuladas em forma jurídica) testemunham disso. Desta forma, a religiosidade é socialmente atacada, mais intensamente quanto mais original ou genuína for, sem ter o apoio legal adequado. Os elementos do espaço público “podem ser considerados”, segundo Louis Althusser, como um “aparato ideológico do Estado”, fundamental para manter o controlo social. Produziu o desenvolvimento das primeiras Universidades do Estado [...]. A Universidade de Paris e a Universidade de Turim, por exemplo, nasceram como Universidades estatais, rompendo com o modelo mais antigo 6 CAVANAUGH, W.T.: Imaginación teo-política, p. 96.

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da Universidade livre medieval. Nas Universidades estatais, os Professores são funcionários do Estado e, consequentemente, mantêm laços de lealdade especial com o Estado [...]. Uma Universidade estatal, na verdade, pode ser um instrumento de propaganda [...]. Se alguém quer evitar um exemplo banal como o jornal soviético Pravda (verdade), basta mencionar as televisões italianas, tanto as privadas como as que são membros do chamado serviço público, que não são facilmente distinguíveis umas das outras.7 Vemos claramente que o espaço público afeta não só o Governo, mas também as instituições educacionais, culturais, económicas e linguísticas... e, claro, as religiosas. Do ponto de vista histórico, a ideia atual de Liberdade Religiosa, como é bem conhecida, tem uma origem política. É fortemente condicionada pelo conflito político que atingiu a Europa e cuja consequência foi uma divisão radical, relacionada com uma acentuação de religiosidade, porque “segundo Lutero, o Homem não deve ser compreendido principalmente como sendo um animal rationale, mas como um homo religiosus”.8 Naturalmente, havia outras alegações “religiosas” em conflito. O surgimento das religiões civis e da política artificial pode ser visto exemplificado pela estátua que Horatio Greenough esculpiu para o Capitólio. Ela expressa uma apoteose delirante do chefe (pró-independência) da Marinha Continental e do primeiro Presidente dos Estados Unidos da América, George Washington, a qual simboliza Zeus, uma imagem que foi recentemente imitada como simbolizando o diabo – que foi considerada legalmente como uma expressão de Liberdade Religiosa, cujo caráter político é inquestionável. Que a Liberdade Religiosa, como é comummente entendida, é uma liberdade política é evidente, na medida em que é topicamente considerada como a primeira das liberdades “públicas”. Para fins práticos, isto significa que as práticas religiosas são mediadas pelo poder político, fomentadas ou atenuadas de acordo com as suas necessidades e definidas de acordo com o poder soberano. Esse poder não precisa de ser violentamente implementado para monopolizar a vida social. Em muitos países ocidentais e, nos Estados Unidos da América em particular, com a validade inquestionável dessa liberdade, impõem-se, sob multas pesadas, a obrigação de fornecer programas de educação sexual caros, contrariamente à convicção religiosa das escolas, das famílias e das pessoas; de fornecer serviços patrocinados por uma empresa em simulações de casamento homossexual, quando não são uma necessidade básica, e para os quais a objeção de consciência ou o facto de que pode haver outras empresas que podem 7 MATTEI, U., Bienes Comunes, pp. 80-81. 8 TAYLOR, CH.: Fuentes del Yo, p. 273.


Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

fazê-lo – sendo este país o paradigma da livre iniciativa – não valem de nada; contratar funcionários que se opõem aos objetivos da empresa e não poder demiti-los quando a sua inclinação ideológica vital é contrária ao que essas empresas promovem – como, por exemplo, no que diz respeito à proteção da vida. Da mesma forma, as famílias Católicas e as agências de adoção são forçadas a entregar crianças a casais do mesmo sexo, etc.. Em suma, a Liberdade Religiosa é subordinada ao agressivo igualitarismo ideológico, combativo e destrutivo do pessoal, do qual o Governo – não importa quão poderoso possa ser em termos de armas nucleares – não é nada mais do que uma simples pantomima do coletivo beneficiário. De facto, nos Estados Unidos da América, o país da democracia nativa, a forma da família não pode ser estabelecida democraticamente ou por um referendo da maioria. Na medida em que os determinantes morais e salvíficos (autenticamente religiosos) são dispensados, “a questão de quem cada homem pode ser” deixa de ser colocada, e “só pode ser resolvida pelo objeto do seu desejo e não, como pensavam os Estoicos, pela supressão do próprio impulso de desejar: ‘cada um é, como é o seu amor’ (Homilias da Primeira Epístola de João, II, 14)”.9 Isto envolve uma transformação da personalidade que foi convincentemente apontada por Voegelin. Ele diz que a [u]nião num Estado com um soberano pode manifestar-se de forma legal, mas é, primeiro e mais importante, uma transformação psicológica das pessoas unidas. [...] As partes contratantes não criam um Governo que os represente [...]. Pelo ato do contrato, deixam de ser pessoas que se regem a si mesmas, e fundem os seus impulsos de poder numa nova pessoa, o Estado. O portador dessa nova pessoa, o seu representante, é o soberano [...]. A criação dessa pessoa do Estado, Hobbes insiste, é por “concordância mais do que por consentimento”, como sugere a linguagem do contrato. As pessoas humanas individuais deixam de existir e fundem-se na pessoa que o soberano representa”.10 Isto mostra-nos o impacto aterrorizante da transformação do “pessoal” em político. Mas esta metamorfose implica, em primeiro lugar, uma transformação religiosa: a que está implícita na noção de pessoa, sem a qual não só ela não teria aparecido, como não teria significado. Kantorowicz descreve o surgimento da ideia sobre a qual o seu livro magistral se desenrola: “Um dia, encontrei na minha caixa de correio a versão impressa de uma publicação periódica litúrgica de uma Abadia Beneditina nos Estados Unidos da América, que trazia a apresen9 ARENDT, H.: El Concepto de Amor en San Agustín, p. 36. 10 VOEGELIN, E.: La Nueva Ciencia de la Política, p. 217-219.

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tação oficial feita pelo editor: A Ordem de São Bento, Corp. [...], a venerável comunidade fundada por São Bento no Monte Cassino, no mesmo ano em que Justiniano aboliu a Academia Platónica em Atenas [...]. De facto, as comunidades monásticas eram empresas nos Estados Unidos da América, o que também era o caso das dioceses da Igreja Católica, e, por exemplo, o Arcebispo de São Francisco poderia aparecer na linguagem jurídica como uma ‘empresa de uma pessoa’.”11 Nesse exemplo, e em todo o livro, ele destaca até que ponto as instituições religiosas estão prisioneiras do quadro legal mercantilista e, analogamente, podemos entender que elas são afetadas pelo quadro político. Uma consequência da subordinação da religião aos interesses políticos dos Estados então emergentes foi a sua politização, igual àquela do Direito, da língua, da Arte, da História, etc.. A principal razão que é usada para politizar é a segurança; naturalmente, que se trata da segurança do Estado. A ideia de que a segurança é preferível à liberdade é antiga e generalizada. Não é evidente que a liberdade seja insegura ou que a segurança do Estado seja eficaz, mas os Estados modernos têm feito prevalecer a segurança sobre a liberdade original, subordinando-a à liberdade civil (tal é o caso de Hobbes ou o pacto social de Rousseau), à liberdade do espaço público, do espaço social politizado. Disto deriva não tanto a garantia de uma segurança justa ou de uma ordem justa, mas a estrutura do poder estatal, cujo alcance podemos ver exemplificado por Orwell em 1984. Faz-se prevalecer a segurança sobre a liberdade original subordinando-a a uma liberdade civil (política). No pacto social de Hobbes, os direitos naturais (originais) são cedidos incondicionalmente ao soberano que os devolve, com a sua lei, como direitos políticos. Isto afeta não só a lei, mas também a religiosidade e, como vimos, a personalidade. A politização da religião – a sua inserção no espaço público, secular e neutro – tem uma consequência perversa. Ela é inserida num processo contínuo de luta pelo poder político em que é aproveitada da mesma forma que era na origem da modernidade. É forçada a optar por um dos lados em conflito. Quando o objetivo principal é lutar para alcançar o poder, instável como este é, cada fator utilizável é interferido; aqueles que não cooperam tornam-se inimigos; a tranquilidade da ordem que requer autenticidade não é respeitada. Quando o genuinamente religioso é destruído, o espaço da liberdade pessoal e a própria pessoa são destruídos. Pode-se pensar que o quadro político foi ultrapassado com a proclamação da Liberdade Religiosa como um direito humano (no artigo 18 da Declaração de 1948) independente do Estado. 11 KANTOROWICZ, E.H.: Los dos Cuerpos del Rey, p. 31.


Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

Mas a Declaração dos Direitos Humanos pode ser interpretada de forma ambivalente e, também, num sentido político; e, neste caso, infelizmente o mais frequente, não poderíamos considerá-la universalizável; entre outras razões, porque não há nenhuma visão partilhada dos Direitos Humanos. Isto foi salientado pelo chefe índio da tribo Creek, Wilton Littlechild, quando falou ao Conselho das Nações Unidas para os Direitos Humanos, por ocasião do 60º aniversário da Declaração Universal: “Em 1948, os Povos Indígenas não foram incluídos na Declaração Universal. Não foi tomado em conta que tínhamos os mesmos direitos que todos os outros. Na verdade, nem sequer fomos considerados seres humanos ou povos [...]. As Populações Indígenas simplesmente não beneficiaram dos direitos e das liberdades estabelecidas na Declaração Universal.” Da mesma forma, a versão oficial, instrumental, secular, pública e ideológica da religiosidade foi imposta sobre a religiosidade nativa genuína ou original. Religiosidade Original Em face da liberdade pública, na qual a preocupação de ter um lugar no espaço público – em submeter o numinoso à razão pública (“dentro dos limites da razão pura” de acordo com Kant) – prevalece, é importante destacar, o religioso como uma realização humana, especificamente em termos de realização pessoal, isto é, aquele que confirma que o ser humano é uma pessoa. Deve salientar-se que as realizações associadas à religiosidade estão entre as principais realizações da Humanidade, na medida em que têm uma forte tendência para o essencial, muitas vezes denunciada como antidemocrática. Na medida em que certas experiências humanas relacionadas com a beleza, com o bem ou com a transcendência, não são socialmente aceites como óbvias e, portanto, não têm o reconhecimento adequado, elas banalizam a liberdade humana; a avaliação da felicidade desempenha um papel semelhante. Estas são as experiências que têm um caráter existencial, cuja interpelação é salientada, dado que envolvem decisivamente o ser humano na primeira pessoa. Segundo Kierkegaard, “a filosofia ensina que o imediato deve ser suprimido, o que é verdade; mas o que deixa de ser verdade é que o pecado, bem como a fé, possam ser, sem pré-requisitos, o imediato”.12 A natureza existencial da religiosidade é dramaticamente evidente no aviso de Jaspers: “Se a religião fosse abandonada e esquecida, a própria filosofia também cessaria; surgiriam um desespero irracional ignorante de si mesmo e um modo de vida focado no momento, o niilismo apareceria e, juntamente com ele, 12 KIERKEGAARD, S.: Temor y Temblor, p. 165.

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a superstição caótica. A longo prazo, a própria consciência também ruiria. As questões humanas fundamentais – o que é o Homem, o que ele pode ser, e que fim o espera – não iriam mais incomodar-nos e deixariam de ser seriamente colocadas. Disfarçadas com roupas novas, elas receberiam factualmente respostas incompreensíveis para o humano existente.”13 É óbvio que nem mesmo a filosofia, com a sua longa tradição, pode justificar a excelência da experiência religiosa, nem a da beleza; assim, essa excelência pode ser considerada uma realização que não é viável de ser medida racionalmente ou submetida à vara de medição da indiferença ou do igualitarismo político. Podemos vê-la exemplificada na figura literária do Cavaleiro da fé, com o qual Kierkegaard recorda, em Fear and Trembling, a figura religiosa de Abraão e nos desafia dramaticamente com relação à verdadeira religiosidade, mas também sobre o seu papel na vida social, uma vez que “o herói trágico não entra em qualquer relação privada com o divino, mas o ético é o divino”.14 Que a Liberdade Religiosa (política) não deva considerar a centralidade do ponto de vista dos principais teólogos, mas apenas a dos atuais pareceres de uma opinião pública fortemente politizada, seria equivalente a dar primazia a uma liberdade artística ignorante das obras dos artistas principais – a quem poderiam até caluniar – e consistente, na prática, apenas no último. A questão, então, reside em responder à pergunta: Que papel tem o original – não só o indígena, mas também o religioso – no espaço público? Poderíamos dizer que as experiências existenciais humanas, ao exigirem uma materialização social, necessitam, no mínimo, do reconhecimento dos mesmos direitos para os Povos Indígenas, muitos dos quais possuem uma componente religiosa distinta. Recapitulação Breve Pelo que vimos, sumariamente, só podemos entender a Liberdade Religiosa como uma área onde a autêntica liberdade é possível com todas as suas exigências. Obviamente, esta área não deve afetar a vida daqueles que a rejeitam, mas estes também devem evitar interferir através da politização ou da ideologização previamente referidas e que podem aceitar a forma de um simples consenso, uma vez que “o objetivo é o consenso, afirma Neuhaus, em consequência, essa religião tem de ter acesso à esfera pública com argumentos que são de natureza pública”,15 não genuinamente culturais. 13 JASPERS, K.: Lo Trágico, pp. 42 e 43. 14 KIERKEGAARD, S.: Temor y Temblor, p. 118. 15 CAVANAUGH, W.T.: Imaginación teo-política, p. 69.


Liberdade Religiosa, Segurança e Laicismo

Na medida em que uma cultura, especialmente uma religiosa, envolve a partilha de bens comuns que não são partilhados por outros grupos, esta exige uma institucionalização adequada, coerente com a definição dos bens relevantes e que proporciona um ambiente estrangeiro à interferência política, entre os quais existem os derivados de uma interpretação política (o que normalmente ocorre num contexto emancipatório ou igualitário) dos Direitos Humanos. De alguma forma, os próprios estatutos comunitários podem e devem ter em conta que, “se a questão da criação e da utilização de bens materiais é tratada em termos de ‘política económica’, a única reação responsável parece ser o recurso à pressão e, em face disto, pode-se considerar que ‘[a] resposta significativa poderia ser a criação de espaços em que seriam feitas contas alternativas sobre bens materiais, e em que diferentes formas de economia seriam tornadas possíveis’”,16 o que só pode ser ligado a uma responsabilidade comunitária. Juntamente com esta responsabilidade comunitária está a institucionalização para haver validade social, para desfrutar dos bens partilhados, associada com a exigência de regras de coexistência para evitar conflitos e para resolvê-los quando, inevitável e infelizmente, eles ocorrem. Por outro lado, seria incompreensível conceder direitos às minorias e aos grupos indígenas e não reconhecer o caráter original das religiões que foram historicamente estabelecidas há mais tempo.

16 CAVANAUGH, W.T.: Imaginación teo-política, pp. 101 e 102.

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Notícias sobre o conteúdo do próximo livro:

Diplomacia & Educação para a Liberdade Religiosa, uma Prioridade para as Políticas Públicas PAPEL DA DIPLOMACIA PREVENTIVA E DA EDUCAÇÃO NA MUDANÇA DE MENTALIDADES E NA PROMOÇÃO DOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL Capítulo 1 DIPLOMACIA E EDUCAÇÃO SOBRE PAZ E DEFESA DA Liberdade Religiosa E DA LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA, PROTEGENDO AS MINORIAS RELIGIOSAS 1. Arcebispo Ivan JURKOVIC, Embaixador da Santa Sé – Introdução 2. Kiriaki TOPIDI – Uma Nova Prioridade para a Política Pública e um “Facto Cultural” com Poder Emocional e Político 3. Jan FIGEL – Combatendo os Três Aliados do Mal: Indiferença, Ignorância e Medo 4. Liviu OLTEANU – Diplomacia e Educação sobre Religião, as Ferramentas mais Fortes para a Paz e a Segurança que Não São Praticadas o Suficiente 5. Belén ALFARO – Responsabilidade dos Governos e das Organizações Internacionais na Educação para a Tolerância, e a Educação Intercultural e Inter-religiosa 6. Abdulaziz AL-MUZAINI – Em Tempos de Turbulência na Governação Global, a Importância da Diplomacia Internacional Necessita de ser Reafirmada 7. Traian CAIUS DRAGOMIR – A Diplomacia é Provavelmente o Melhor Método de Comunicação.


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Capítulo 2 O PAPEL DA EDUCAÇÃO E A PROTEÇÃO CONTRA A VIOLÊNCIA EM NOME DA RELIGIÃO AO PROMOVER A PAZ, O RESPEITO E A SEGURANÇA 1. Javier MARTÍNEZ TORRÓN – A Responsabilidade do Estado em Educar a Sociedade em Certos Valores, o Respeito pelas Pessoas e a Criação de um Quadro Legal 2. Harry KUHALAMPI – O Papel da Educação na Prevenção e na Proteção contra a Violência, o Terrorismo e o Genocídio em nome da Religião 3. Antonio LÓPEZ POSTIGO – Conhecer Deus através do Meu Relacionamento com o Meu Próximo 4. Jose Miguel ITURMENDI RUBIA – Educação: Fonte da Liberdade de Consciência e da Dignidade Humana 5. Masaaki SAWANO – Liberdade Religiosa, Discurso de Ódio e Como Promover a Segurança 6. Laurentiu FILEMON – Educação e o seu Papel dentro da Estratégia de Construção da Resiliência 7. Kishan MANOCHA – Reflexões sobre a Liberdade Religiosa ou de Crença (FoRB) Capítulo 3 SITUAÇÃO ATUAL DOS ASSUNTOS: MUDANDO AS MENTALIDADES E LIÇÕES APRENDIDAS NA PROMOÇÃO DA Liberdade Religiosa ou de Crença 1. Eduardo VERA JARDIM – Não há Paz entre as Nações Sem Paz entre as Religiões, e não há Paz entre as Religiões Sem Diálogo entre as Religiões 2. Fatos ARACI – Aqueles que Desistem da Liberdade Essencial para Comprar um Pouco de Segurança Temporária não Merecem nem Liberdade nem Segurança 3. Susan KERR – Podemos Fazer a Diferença Quando Trabalhamos Juntos para Todos 4. Hajar Al-KADDO – Vamos Começar a Pensar mais nas Pessoas e Menos na “Minha Religião” 5. Rehmah KASULE – A Paz Não Tem Religião, Raça, Tribo, Género ou Idade porque a Injustiça para com Uma Pessoa é injustiça em Qualquer lugar, e Paz numa Comunidade é Paz em Todo o Lugar


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6. Fernando SOARES LOJA – Interpretações Incorretas das Crenças Religiosas Conduzem Muitas Vezes à Intolerância Religiosa Capítulo 4 REINO DE ESPANHA – UM ESTUDO SOBRE A GESTÃO DA DIVERSIDADE RELIGIOSA 1. Ricardo GARCÍA GARCÍA – Paz, Segurança e Estratégias de Coexistência desde o Desenvolvimento dos Direitos Fundamentais da Liberdade Religiosa – O Caso de Espanha 2. Elisa María NUÑEZ SÁNCHEZ – Gestão Pública da Diversidade Cultural e Religiosa em Valência Capítulo 5 INFLUÊNCIA DOS LÍDERES RELIGIOSOS, LIÇÕES APRENDIDAS E PERSPETIVAS AO FOMENTAR A CONVIVÊNCIA, A PAZ E A SEGURANÇA SOCIAIS 1. Bispo Duleep DeCHICKERA – O Objetivo da Liberdade Religiosa ou de Crença É Estabelecer um Mundo Seguro, Justo e Integrado, no Qual Todos os Seres Humanos Viverão com Dignidade e Harmonia 2. Bispo José Luis SÁNCHEZ – Mudanças Sociais e Liberdade Religiosa 3. Xeique Muhammad AL-YAQUOBI – Qualquer Decisão ou Ensino Religioso que Contradiga a Misericórdia, a Sabedoria, a Proteção e a Preservação da Vida Não Pertence ao Islão 4. Rabi Michael MELCHIOR – Há um Mundo ao Nosso Redor que Está a Mudar e com o Qual de Alguma Forma Não Estamos a Relacionar-nos! 5. Pastor Alberto GUAITA – Em Maior ou Menor Grau, a Discriminação com Nomes Diferentes Ainda Existe 6. Robert F. ORTON – Onde Existe Liberdade Religiosa Existe Maior Estabilidade 7. Lord SINGH OF WIMBLEDON – Os Líderes Religiosos e Políticos Devem Parar de Brincar com os Preconceitos e com as Atitudes Culturalmente Condicionadas dos Seus Rebanhos 8. Diane ALA’I – A Busca Independente da Verdade: um Meio de Integração da Religião, da Liberdade e da Segurança 9. Jesús CALVO – O Grande Desafio de Hoje é Ter uma Abordagem de Respeito para com a Maioria e a Minoria


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Capítulo 6 COMPLEMENTARIDADE NOS OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (SDG’s): COMO OS SDG’s PODEM APOIAR O DEBATE INTERNACIONAL SOBRE A PROMOÇÃO DA LIBERDADE RELGIOSA, A PREVENÇÃO DA DISCRIMINÇÃO, DA VIOLÊNCIA E DOS CRIMES ATROZES 1. Azza KARAM – O Papel que a Religião e os Atores Religiosos Podem Desempenhar Precisa de Ser Reavaliado 2. Edla PUOSKARI – A Promoção Inclusiva da Paz e do Desenvolvimento Leva-nos a Resultados mais Sustentáveis 3. Bispo Thomas SCHIRMACHER – Sempre que uma Nação Discrimina uma Minoria Religiosa Não o Faz para o Bem do Seu Próprio País 4. Ulrich NITSCHKE – O Novo Desafio para os Governos e para os Programas Intergovernamentais É Olharem para uma Cooperação mais Profissional e Reforçada Capítulo 7 1. Declaração da Cimeira Global de Genebra sobre “Religião, Paz e Segurança” 2. Observações Finais da Cimeira Global sobre Religião, Paz e Segurança Capítulo 8 DOCUMENTOS E PROPOSTAS DOS ATORES QUE PODEM TER UM IMPACTO POSITIVO NA PAZ E NA SEGURANÇA 1. António GUTERRES – Discurso apresentado pelo Secretário-Geral das Nações Unidas no Lançamento do Plano de Ação, Nova Iorque, a 14 de julho de 2017 2. Adama DIENG – Documento de Nova Iorque sobre o “ Plano de Ação para os Líderes Religiosos e os Atores a fim de Prevenir o Incitamento à Violência que Conduz aos Crimes Atrozes” 3. Liviu OLTEANU – Modernidade e Prevenção ao Incitamento Começam com Reconhecer os Direitos Humanos, a Dignidade e as Perspetivas de Cada Um 4. Adama DIENG – Observações Finais sobre o “Plano de Ação para os Líderes Religiosos e os Atores”, Nova Iorque, a 14 de julho de 2017


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5. Ibrahim SALAMA – A Declaração de Beirute sobre a “Fé por Direito”, Gabinete do Alto-Comissário para os Direitos Humanos (ACNUDH), Genebra Capítulo 9 Os Prémios Internacionais: LIBERDADE e PAZ – “Dr. Jean NUSSBAUM & Eleanor ROOSEVELT”


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