LIBERDADE E 2022
LIBERDADE RELIGIOSA: UM COMPROMISSO PERMANENTE COM A HUMANIDADE
Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa
LIBERDADE RELIGIOSA: UM COMPROMISSO PERMANENTE COM A HUMANIDADE
Berna, Suíça
CONSCIÊNCIA E LIBERDADE
Publicação Oficial da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa
Nº 34 – Ano 2022
Nº de Contribuinte: 500 847 088
Proprietário e Editor: Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa
Sede da Redação: Rua da Serra, 1, Sabugo – 2715-398 Almargem do Bispo Tel.: 219 626 207, info@aidlr.org.pt
EDIÇÃO EM PORTUGUÊS:
Direção: José Manuel LAGOA
Edição: Ezequiel DUARTE
Conselho de Redação: Artur MACHADO Júlio Carlos SANTOS Lara VARANDAS Mário BRITO Paulo Sérgio MACEDO
ESCRITÓRIO EDITORIAL
Rue Royale, 15 1000 – Bruxelas, Bélgica. Telefone: +32 (0) 250 29 842 E-mail: info@aidlr.org Editor-chefe: Paulo MACEDO
Assistente editorial: Mercedes FERNÁNDEZ
COMISSÃO EDITORIAL
Mário BRITO, Presidente AIDLR; Paulo MACEDO, Secretário-Geral AIDLR; Barna MAGYAROSI, Vice-Presidente AIDLR; Ezequiel DUARTE, AIDLR Portugal; Oliver FICHTBERGER, AIDLR Áustria; Miguel Angel ROIG, AIDLR Espanha; Rubén GUZMÁN PÉREZ, AIDLR Espanha; Stephan SIGG, AIDLR Suíça; Tsanko MITEV, AIDLR Bulgária; Harald MUELLER, AIDLR Alemanha; Dragos MUSAT, AIDLR Roménia; Mikulas PAVLIK, AIDLR R. Checa e Eslováquia; Olivier RIGAUD, AIDLR Suíça; David ROMANO, AIDLR Itália; Pedro TORRES, AIDLR França.
CONSELHO DE PERITOS
Alexis Artaud de LA FERRIÉRE, professor, Royal Holloway College, Universidade de Londres, UK, Ricardo GARCÍA GARCÍA, professor na Faculdade de Direito da Universidade Autónoma de Madrid, Madrid, Espanha, Susana MACHADO, Universidade de Coimbra, Portugal, Rosa María MARTÍNEZ DE CODES, professora na Universidade Complutense, Madrid, Espanha, Juan Antonio MARTINEZ MUÑOZ, professor na Universidade Complutense, Madrid, Espanha, Javier MARTINEZ TORRÓN, Diretor do Departamento de Direito Eclesiástico da Universidade Complutense de Madrid, Espanha, Harald MUELLER, Juiz, Doutor em Direito, Hannover, Alemanha, Rafael PALOMINO, professor da Universidade Complutense, Madrid, Espanha, Tiziano RIMOLDI, Doutor em Direito, Itália, Jaime ROSSELL GRANADOS, Diretor-Geral adjunto dos Assuntos Religiosos, Ministério da Justiça, Espanha, Dr. Fernando SOARES LOJA, Vice-Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Portugal
Outras Edições: Conscience et Liberté (versão francesa) Gewissen und Freiheit (versão alemã)
Fotos de: Capa: Pictrider/Shutterstock.com
PREÇO POR VOLUME E POR ANO
Países Europeus – 10€ | Países de outros continentes – 15€ | Suíça – 10CHF Distribuição gratuita em Portugal.
Título: LIBERDADE RELIGIOSA: UM COMPROMISSO PERMANENTE COM A HUMANIDADE
© Dezembro 2022 – Consciência e Liberdade
Tradução para Português: Manuel Ferro Diagramação, edição e revisão de texto em português: Corpo Redatorial da Publicadora SerVir, S.A.
Tiragem: 750 exemplares Inscrição na E.R.C. nº 106 816 Depósito Legal: 286548/08 ISSN: 0874 – 2405
Execução Gráfica: Cafilesa – Soluções Gráficas, Lda. Venda do Pinheiro
Distribuição gratuita. Política editorial: As opiniões emitidas nos ensaios, os artigos, os comentários, os documentos, as críticas aos livros e as informações são apenas da responsabilidade dos autores. Não representam necessariamente a opinião da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa de que esta Revista é o órgão oficial. Os artigos recebidos pelo Editor da Revista são submetidos à apreciação do Conselho de Redação.
ASSOCIAÇÃO INTERNACIONAL
PARA A DEFESA DA LIBERDADE RELIGIOSA
Uma Organização Não-Governamental com um estatuto consultivo nas Nações Unidas em Genebra, Nova Iorque e Viena; no Parlamento Europeu em Estrasburgo e Bruxelas; no Conselho da Europa em Estrasburgo; e na Organização para a Segurança e Cooperação na Europa.
SEDE ADMINISTRATIVA
Schosshaldenstr. 17, CH 3006 Berna, Suíça Tel. +41 (0) 31 359 15 15 – Fax +41 (0) 31 359 15 66 E-mail: info@aidlr.org Site: http://www.aidlr.org
PRESIDENTE: Mário BRITO
SECRETÁRIO-GERAL: Paulo MACEDO
PRESIDENTE DA COMISSÃO HONORÁRIA
S. E. Dr. Adama DIENG, Conselheiro Especial do Procurador do Tribunal Penal Internacional, Ex-Subsecretário-Geral das Nações Unidas, Conselheiro Especial do Secretário-Geral para a Prevenção do Genocídio, Nações Unidas.
VICE-PRESIDENTE DA COMISSÃO HONORÁRIA
Asher MAOZ, professor universitário e deão fundador da Faculdade de Direito do Centro Académico Shimon Peres, Rehovot, Israel
MEMBROS DA COMISSÃO HONORÁRIA
Jean BAUBÉROT, professor universitário, presidente honorário da École Practique des Hautes Études da Sorbonne, França Beverly Bert BEACH, ex-secretário-geral emérito da Associação Internacional de Liberdade Religiosa, Estados Unidos da América
Heiner BIELEFELDT, ex-Relator Especial da ONU sobre Liberdade de Religião e Crença, professor de Direitos Humanos na Universidade de Erlangen Nuremberga, Alemanha
Reinder BRUINSMA, escritor, professor universitário, Holanda
Jaime CONTRERAS, professor universitário, Espanha
Alberto DE LA HERA, ex-Diretor-Geral de Assuntos Religiosos, Ministério da Justiça, Espanha
Ganoune DIOP, Secretário-Geral da Associação Internacional de Liberdade Religiosa, (IRLA)
Petru DUMITRIU, antigo Inspetor da ONU, antigo embaixador e Observador Permanente do Conselho da Europa nas Nações Unidas em Genebra, Suíça W. Cole DURHAM Jr, Diretor do Centro Internacional de Direito e Religião da Faculdade de Direito J. Clark, Universidade Brigham Young, Estados Unidos da América Silvio FERRARI, professor universitário, Universidade de Milão e Universidade Católica de Lovaina.
Alain GARAY, advogado do Tribunal de Paris e pesquisador da Universidade de AixMarselha, França
John GRAZ, Diretor do Centro Internacional de Relações Públicas e Liberdade Religiosa, Alberto F. GUAITA, Vice-Presidente da ADLR, Espanha Embaixador Mussie HAILU, Diretor Regional para a África e Representante da Iniciativa das Religiões Unidas URI nas Nações Unidas e na União Africana, ECA e Gabinete da ONU na África e em Genebra
José ITURMENDI, professor universitário, Deão Honorário da Faculdade de Direito, Universidade Complutense Madrid, Espanha
Jónatas MACHADO, professor, Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Portugal
Francesco MARGIOTTA BROGLIO, professor universitário, Presidente da Comissão Italiana para a Liberdade Religiosa, Representante da Itália na UNESCO, Itália Rosa María MARTÍNEZ DE CODES, Professora universitária (UCM), VicePresidente da Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA)
Jacques ROBERT, jurista francês, professor universitário, ex-membro do Conselho Constitucional, França
Jaime ROSSELL GRANADOS, ex-Diretor-Adjunto do Ministério da Justiça, Espanha, Deão da Faculdade de Direito da Universidade da Extremadura, Espanha Joaquín Mantecón SANCHO, professor universitário, ex-diretor de Assuntos Religiosos, Ministério da Justiça, Espanha
Robert SEIPLE, ex-embaixador para a Liberdade Religiosa Internacional, Departamento de Estado, Estados Unidos da América
José Miguel SERRANO RUIZ-CALDERÓN, Professor de Jurisprudência, Universidade Complutense de Madrid
Rik TORFS, Reitor da Universidade de Lovaina, Bélgica
José Eduardo VERA JARDIM, Presidente da Comissão da Liberdade Religiosa Portuguesa
Maurice VERFAILLIE, ex-secretário-geral da AIDLR, Suíça
Bruno VERTALLIER, ex-presidente da AIDLR, Suíça
ANTIGOS PRESIDENTES DA COMISSÃO
Eleanor ROOSEVELT, 1946 a 1962
Albert SCHWEITZER, 1962 a 1995
Paul Henry SPAAK, 1966 a 1972
René CASSIN, 1972 a 1976
Edgar FAURE, 1976 a 1988
Leopold Sédar SENGHOR, 1988 a 2001
Mary ROBINSON, 2002 a 2018
ANTIGOS SECRETÁRIOS-GERAIS DA AIDLR
Dr. Jean NUSSBAUM
Dr. Pierre LANARES
Dr. Gianfranco ROSSI
Dr. Maurice VERFAILLE
Sr. Karel NOWAK
Dr. Liviu OLTEANU
ATUAL SECRETÁRIO-GERAL – Sr. Paulo MACEDO
DECLARAÇÃO DE PRINCÍPIOS
Acreditamos que a Liberdade Religiosa é um direito dado por Deus, e defendemos que esta é melhor exercida quando é mantida a separação entre a Igreja e o Estado.
Acreditamos que a legislação e outros atos governamentais que unem a Igreja e o Estado são opostos aos melhores interesses de ambas as instituições, e são potencialmente prejudiciais para os Direitos Humanos.
Acreditamos que as autoridades públicas são divinamente ordenadas para apoiar e proteger os cidadãos no gozo dos seus direitos naturais, bem como para governar nos assuntos civis; nesta área, as autoridades públicas garantem uma obediência respeitosa e um apoio disponível.
Acreditamos no direito natural e inalienável da liberdade de pensamento, de consciência e de religião; este direito deverá incluir a liberdade de ter ou de adotar a religião ou a crença da sua escolha; de mudar de crença religiosa de acordo com a sua consciência; de manifestar a sua religião ou crença, seja individualmente ou em comunidade com outros e tanto publicamente como em privado, na adoração, na observância e no ensino – sujeitos apenas a respeitar os direitos equivalentes dos outros.
Acreditamos que a Liberdade Religiosa também inclui a liberdade de estabelecer e de gerir instituições apropriadas de caridade, humanitárias ou educacionais; de solicitar ou de receber contribuições financeiras voluntárias; de observar os dias de descanso e de celebrar as festas de acordo com os preceitos da sua religião; e de manter comunicação com aqueles que partilham das mesmas crenças, individual ou coletivamente, em comunidades organizadas a nível nacional e internacional.
Acreditamos que a Liberdade Religiosa e a eliminação da intolerância e da discriminação baseadas na religião ou na crença são essenciais para a promoção da compreensão e da paz entre os povos.
Acreditamos que os cidadãos devem utilizar meios legais e honrosos para prevenir a redução da Liberdade Religiosa, a fim de que todos possam apreciar o reconhecimento da sua liberdade de consciência.
Acreditamos que a liberdade fundamental é epitomizada na Regra de Ouro, que ensina que todos os seres humanos devem fazer aos outros aquilo que gostariam que os outros lhes fizessem.
CONTEÚDO
LIBERDADE RELIGIOSA: UM COMPROMISSO PERMANENTE COM A HUMANIDADE
PREFÁCIO – Passando a Tocha – Mário Brito .................................................. 10
EDITORIAL – Comprometidos com a Liberdade Religiosa – Paulo Macedo .... 13
ENTREVISTA – O Confronto entre Direitos Fundamentais É uma Questão Complexa – José Eduardo Vera Jardim ......................................................... 19
ARTIGO DE FUNDO – A Separação da Igreja e do Estado e o Desafio do Separatismo Religioso – Alexis Artaud de La Ferrière .............................. 31
TEMA
Liberdade Religiosa: Um Presente Multifacetado para a Humanidade – Ganoune Diop .................................................................................. 41 O Princípio da Cooperação como Instrumento de Gestão da Religião em Espanha – Jaime Rossell Granados ............................................... 53
Liberdade de Consciência e Liberdade Religiosa no Direito Público Francês – Pedro Torres ........................................................................ 63 China: Esperanças Frustradas – John Graz ............................................. 69
FOCO
Corona – Uma Ameaça para a Liberdade Religiosa? Como a Pandemia Afetou a Prática Religiosa na Alemanha – Harald Mueller ................. 77
Liberdade Religiosa e Covid-19 em Portugal. O Impacto Causado pelas Restrições da COVID-19 no Exercício da Liberdade Religiosa em Portugal durante o Primeiro Período de Confinamento – Jorge Botelho Moniz ........................................................................ 85 Religiões e Objeção de Consciência às Vacinas durante a Pandemia de COVID-19 – Maria Luisa Lo Giacco ........................... 95
Respondendo às Pandemias: Aprendizagem entre Pares com o Kit de Ferramentas #Faith4Rights – Ibrahim Salama & Michael Wiener .. 123
DOCUMENTOS
Estratégias da União Europeia ............................................................. 135
Orientações da União Europeia sobre a Promoção e a Proteção da Liberdade de Religião e de Crença ........................................................ 135
Resoluções do Parlamento Europeu ................................................. 136 Recomendações do Parlamento Europeu ........................................... 137
Comissão Europeia: Diálogo da Comissão Europeia com Igrejas, Associações ou Comunidades Religiosas e Organizações Filosóficas e Não Confessionais ........................................................... 138
Nações Unidas: Relatórios do Conselho de Direitos Humanos ....... 140 Resoluções do Conselho de Direitos Humanos .............................. 143 Relatórios de Instituições Políticas e Civis .......................................... 145
PREFÁCIO
Mário Brito Passando a Tocha
dez anos de intenso e dedicado serviço como Secretário-Geral da AIDLR, o Dr. Liviu Olteanu aposentou-se. Durante o seu mandato, trabalhou incansavelmente para fortalecer e fomentar a ideia visionária do Dr. Jean Nussbaum de criar uma base importante e consistente para apoiar e promover a liberdade religiosa. Passaram-se mais de 75 anos, e os pressupostos do fundador da AIDLR revelaram-se exatos e uma necessidade primordial no mundo de hoje. Entre as iniciativas e atividades organizadas pelo Dr. Olteanu durante a última década, mencionaremos algumas mais relevantes. Em 2013, o Dr. Liviu Olteanu criou e propôs a “Estrutura Diálogo a Cinco©”, uma plataforma-modelo multidisciplinar e multi-institucional que consiste num espaço de coordenação e de colaboração entre diplomatas, políticos, académicos, sociedade/canais sociais e líderes religiosos/organizações baseadas na fé, aos níveis nacional, internacional e global. Esta proposta de estrutura institucional colaborativa proporcionou um padrão inovador para o relacionamento entre atores nacionais e internacionais na busca de paz, segurança e compreensão, com foco nos direitos humanos e na liberdade religiosa. Este modelo foi aplicado aos vários eventos de alto nível realizados pela AIDLR durante os mandatos do Dr. Olteanu. Destacamos aqui as três conferências internacionais em Madrid, e as duas cimeiras globais sobre “Religião, Paz e Segurança”, esta última realizada no Palais des Nations, em Genebra, em 2016 e 2019, em coorganização com Sua Excelência Sr. Adama Dieng, Subsecretário-Geral e Conselheiro Especial do Secretário-Geral da ONU sobre Prevenção do Genocídio, na época, e atual Presidente da Comissão de Honra da AIDLR.
Após
O Dr. Olteanu também representou a AIDLR nas Nações Unidas, na União Europeia, no Conselho da Europa e a OSCE, bem como na manutenção do contacto com as autoridades civis e eclesiásticas, valorizando e promovendo os princípios da liberdade de religião, de culto e de consciência através da criação de plataformas de influência e de debate, da organização de eventos paralelos e da participação como orador em fóruns frequentes.
A Revista Consciência e Liberdade também esteve sob a responsabilidade do Dr. Olteanu como editor, merecendo uma referência especial pelos seus esforços para estudar e revelar a história da Associação e dos seus principais atores, e a publicação de edições temáticas e documentais com base nos principais eventos da AIDLR.
Em nome da AIDLR, gostaríamos de transmitir ao Dr. Olteanu a nossa gratidão e o nosso alto apreço pela sua contribuição para a causa da liberdade religiosa durante o tempo em que serviu como Secretário-Geral, e desejar-lhe uma reforma feliz, e ainda ativa, defendendo as causas que tem abraçado no seu trabalho e também na sua vida pessoal.
Depois de uma pesquisa minuciosa, e sempre tendo em conta a razão de ser da AIDLR, o Sr. Paulo Macedo foi indicado para substituir o Dr. Liviu Olteanu.
O Sr. Macedo atua como Secretário-Geral na Secção da AIDLR em Portugal desde 2012, e está envolvido na defesa da liberdade religiosa desde 2006. As suas principais áreas de especialização estão relacionadas com a liberdade de consciência, de culto e de religião, com as relações Estado-Igreja e com o diálogo inter-religioso e intercultural para promover a paz e garantir a liberdade e a igualdade no acesso e na vivência dos direitos humanos. Estamos confiantes de que ele vai continuar a desenvolver o trabalho de parceria com instituições e especialistas na liberdade religiosa.
De acordo com a sua Constituição, a AIDLR tem por finalidade “defender, promover e difundir os princípios das liberdades fundamentais da liberdade de religião, de consciência, de crença e de pen-
samento, da liberdade de culto e da liberdade de expressão para todas as pessoas, e para proteger, de todas as formas legítimas não proibidas por lei, o direito de todas as pessoas a acreditar ou a não acreditar, de mudar de convicções ou de religião, para adorar de acordo com escolhas pessoais ou de não praticar nenhuma religião, e de falar de religião, individual ou coletivamente, em público ou privado, de praticar ou de cumprir ritos religiosos, cooperando com todos os atores para apoiar o respeito pela paz, pelos direitos humanos e pela diversidade, para lutar contra a intolerância religiosa, o assédio e a discriminação, a violência e o abuso de poder, a perseguição e o extremismo em todas as formas que afetam crentes e não crentes”.
É para isso que nós, como Associação Internacional, contamos com o seu apoio e nos colocamos ao seu serviço no nosso objetivo comum de trabalharmos por um mundo mais livre, mais seguro, mais pacífico e mais justo.
EDITORIAL
“O objetivo da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa é disseminar, por todo o mundo, os princípios desta Liberdade fundamental, e proteger, de todos os modos legítimos, o direito de todos os homens a adorarem como escolherem ou a não praticarem religião nenhuma. A nossa Associação não representa nenhuma Igreja nem Partido político em particular. Assumiu a tarefa de reunir todas as forças espirituais para combater a intolerância e o fanatismo em todas as suas formas. Todos os homens, seja qual for a sua origem, cor da pele, nacionalidade ou religião são convidados a unir-se a esta cruzada contra o sectarismo, se tiverem amor pela Liberdade. O trabalho à nossa frente é imenso, mas não irá certamente além das nossas forças e meios, se todos trabalharem, com coragem.”
Comprometidos
com a Liberdade Religiosa
Consciência e Liberdade é a publicação oficial da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa – AIDLR. Como tal, tem a função fundamental de expressar a perspetiva geral desta organização sobre os temas mais relevantes, sobre o estado presente e as tendências para o futuro da liberdade religiosa. Para o fazer corretamente, honrando a história e os objetivos desta instituição, esta revista nunca perdeu, nem pode perder de vista os seus principais pontos de orientação: A infatigá -
vel defesa da liberdade religiosa, e, dentro dela, a primazia da liberdade de consciência, como o mais intimamente valioso baluarte de todos os seres humanos; a promoção da separação entre a política e a religião, entre o Estado e as confissões religiosas, como prevenção da discriminação entre pessoas e como um veículo para a equidade entre cidadãos e entre comunidades; a crença de que paz verdadeira e duradoura e compreensão entre as pessoas e os povos só existirão através do respeito pela dignidade, pela individualidade e pelo valor de cada pessoa, sempre com a liberdade de ter ou de não ter, de praticar ou de não praticar, de aderir a, de mudar ou de abandonar a fé.
É na permanente tentativa de sermos fiéis a estes princípios mencionados que nos referimos, com vénia, ao texto destacado, escrito por Jean Nussbaum. A AIDLR realiza a sua ação através do seu estatuto como NGO acreditada junto da Organização das Nações Unidas, da União Europeia e do Conselho da Europa; através da sua organização de, e participação em conferências, congressos, cimeiras e reuniões bilaterais, no seu diálogo com instituições, governos, universidades, comunidades religiosas e sociedade civil; através das suas intervenções diretas em defesa daqueles que veem os seus direitos à liberdade religiosa postos em risco, e assim sofrem perseguição e discriminação, perdem a sua vida, segurança e bens, são forçados a deixar o seu país e a sua comunidade –tudo por causa da sua fé. Mas, com toda a probabilidade, nenhuma ação da AIDLR terá mais efeito, no tipo e no tempo, do que a publicação de Consciência e Liberdade, cópias da qual são distribuídas nos países onde as secções da Associação estão presentes, sendo os seus assinantes bibliotecas, universidades e academias, órgãos de soberania, estudantes e outras partes interessadas. Todas estão unidas pelo princípio da liberdade religiosa e pelo único interesse de a defender, de a promover e de a melhorar.
É com este sentimento de responsabilidade, estimado assinante e estimado leitor, que a edição de 2022 de Consciência e Liberdade chega às suas mãos.
O título geral desta edição é: “Liberdade Religiosa: um compromisso permanente com a Humanidade.” Através dela, desejamos lembrar
que os direitos de liberdade de consciência, de religião e de culto, que constituem a liberdade religiosa, são imanentes e inalienáveis da condição de dignidade de cada ser humano. Para afirmar isto, procurámos um conjunto de tópicos para informação e reflexão, que nos levam numa viagem através das tendências atuais nas questões da liberdade religiosa, numa lógica que será repetida em cada edição futura.
Na rubrica Entrevista damos as boas-vindas ao Presidente da Comissão Portuguesa da Liberdade Religiosa, Vera Jardim, que nos apresenta o quadro legal português em relação à Religião e à liberdade religiosa, que ele considera estar “entre os mais liberais e abertos da Europa”. Também fala acerca do estado da liberdade religiosa na Europa e no mundo, focando-se nas suas principais preocupações para o futuro.
Alexis de la Ferrière é o autor que escolhemos para o Artigo de Fundo, com uma notável distinção entre o conceito de separação entre Estado e Igreja e o desafio do separatismo religioso. Separação é um princípio que, como ideia, é muito antigo, mas que também é urgentemente moderno quanto à necessidade de ser recuperado e defendido. Hoje, por um lado, estão a aparecer, com base na religião, várias formas de dispersão de comunidades dentro da comunidade geral, e, por outro lado, sente-se um condicionamento, feito pelo Estado, da pertença das minorias religiosas à comunidade, situação que merece uma profunda e séria reflexão, proporcionada pelo autor.
A parte central desta edição é dedicada a vários Temas, desde a base teórica do valor da liberdade religiosa para a dignidade humana, até ao modelo espanhol baseado no princípio da cooperação, à nova tendência do secularismo francês e à situação das Igrejas cristãs na China. Nesta secção destacamos o texto de Ganoune Diop, que defende a liberdade religiosa como um dom feito à Humanidade e um imperativo para todos os seres humanos. O autor conclui com um sentido e incisivo apelo: “Pessoas de muitas fés e tradições filosóficas diferentes podem unir-se para promover essa liberdade fulcral e incontroversa, para uma coexistência pacífica, para sarar as relações humanas e para a saúde social através da dignidade da diferença.” Também destacamos a profunda apresentação feita Jaime
Rossell sobre o contributo do modelo de cooperação para a gestão aberta e eficaz do quadro legal espanhol em relação à Liberdade Religiosa, cujo fim ele identifica desta maneira: “Tem a ver com desenvolver um modelo de governação na gestão do fenómeno religioso, no qual os parceiros sociais podem realmente tomar parte nas decisões que os afetam.”
Sem surpresa, numa altura em que as grandes ameaças relativas à doença estão a ser globalmente vencidas, o impacto das medidas restritivas causadas pela luta contra a COVID-19 também merece reflexão. No bloco intitulado Foco, um conjunto selecionado de autores relembra como as medidas de contingência na Alemanha e em Portugal afetaram a experiência religiosa. Maria Luísa Lo Giacco, de Itália, apresenta uma perspetiva legal ampla sobre a possibilidade do direito à objeção de consciência à vacinação contra a COVID-19, com fundamentação religiosa. Finalmente, Ibrahim Salama e Michael Wiener, funcionários das Nações Unidas, escrevem acerca da relevância do kit de ferramentas Faith4Rights (Fé para Direitos), numa abordagem colaborativa, através da troca de informação e de experiência entre pares, dos atores religiosos em relação às ações contra a COVID-19.
No final desta revista, o leitor encontrará um conjunto de Documentos produzidos por instituições internacionais durante o ano de 2021 sobre liberdade religiosa. Com o foco nas Nações Unidas e na União Europeia, Consciência e Liberdade reuniu e organizou para si alguns dos mais relevantes instrumentos de análise e reflexão sobre o estado e as tendências do fenómeno religioso e da liberdade religiosa, chamando a atenção, em particular, para um breve e assertivo resumo do Relatório do Relator Especial do Conselho de Direitos Humanos da ONU sobre Liberdade de religião ou de crença, S.E. Dr. Ahmeed Shaheed, produzido por Tor Tjeransen. Todos os links podem ser consultados diretamente no nosso site: www.aidlr.org/.
Estas são as razões que lhe damos para dedicar o seu tempo e a sua atenção à edição deste ano da sua revista. Infelizmente, quando observamos a realidade política, económica, social e, portanto, religiosa, detetamos uma série de ameaças reais e de tendências perigosas para os
direitos fundamentais em geral, e para o direito da liberdade religiosa, em particular. Encontram-se nas dificuldades vividas pelas populações em situação de conflito, que vêm somada à luta pela sobrevivência, segurança e bem-estar, a preocupação de viver a sua fé, adorando em privado e em comunidade. Também estão presentes na vida de todos aqueles que vivem sob a pressão de regimes ditatoriais, seja em nome da religião ou contra a religião, e que são obrigados a esconder a sua fé, se não a migrar e buscar lugares onde possam levantar a testa à liberdade. São, ainda, detetados no quotidiano de muitos, mesmo em países considerados avançados em relação aos direitos de liberdade religiosa, nos pequenos ou grandes desafios de se oporem conscientemente a ações que possam afetar a sensibilidade religiosa, nas menores ou maiores impossibilidades de observarem um dia de descanso religioso, de realizarem uma cerimónia ou, simplesmente, de vestirem uma roupa ou um ornamento que simbolize e demonstre publicamente a fé.
Ainda há – e, obviamente, sempre haverá – muito a debater, muito para refletir. Mas é inegável que há um corpo crescente de personalidades, de organizações não governamentais, de instituições transnacionais e internacionais, que trabalham com visibilidade cada vez maior para tornar a liberdade religiosa numa realidade na vida de cada vez mais pessoas. Enquanto isso, em fidelidade aos princípios que listámos neste texto, há esperança. Consciência e Liberdade continuará a ser o nosso contributo para que ela permaneça, cresça, se realize.
Paulo Macedo Secretário-Geral AIDLR 2022ENTREVISTA
“O Confronto entre Direitos Fundamentais É uma Questão Complexa”
Entrevista realizada pelo Sr. Paulo Macedo, Secretário-Geral da AIDLR a Sua Excelência, Dr. José Eduardo Vera Jardim, Presidente da Comissão de Liberdade Religiosa, Portugal. Antigo Ministro da Justiça e Membro do Parlamento responsável pela proposta e aprovação da Lei Portuguesa de Liberdade Religiosa de 2001.
P: A Lei da Liberdade Religiosa portuguesa completou recentemente 20 Anos. Como avalia esta Lei, a sua aplicação, e como a compara com os diversos quadros legais da Europa Ocidental?
R: Começo por agradecer a oportunidade que me é dada de prestar este testemunho sobre a relevância da Lei da Liberdade Religiosa, que comemorou, no ano de 2021, vinte anos de vigência. Sendo o impulsionador político da Lei, sou, de certo modo, suspeito de engrandecer algo em que tive essa intervenção.
Após a mudança de regime operada em 25 de abril de 1974, e, sobretudo, a partir da Constituição de 1976, a liberdade religiosa como direito fundamental, foi consagrada de forma muito substancial. Aí se referem as liberdades de consciência, de religião e de culto, tendo-se garantido igualmente o direito à não discriminação com base na opção religiosa, o princípio da separação entre o Estado e as Igrejas ou comunidades religiosas, bem como a liberdade de ensino das respetivas crenças, incluindo por meios de comunicação social e a objeção de consciência, a ser regulada por Lei. Posteriormente, em legislação separada, foram reguladas algumas matérias, tais como educação religiosa, acesso das comunidades religiosas a meios de comunicação públicos, assistência espiritual em meios fechados.
Mas continuava em vigor a Concordata com a Santa Sé de 1940 e faltava uma lei geral que, por um lado, aprofundasse os direitos individuais e, por outro lado, estabelecesse um regime jurídico de igual dignidade às confissões minoritárias, mau grado um ambiente geral de respeito mútuo entre as diversas comunidades existentes no país.
Foi isso que tentou fazer, e, a meu ver, atingindo esses objetivos, a Lei da Liberdade Religiosa de 2001.
Não receio afirmar que a Lei Portuguesa se situa entre as mais liberais e abertas da Europa, de todos os sistemas que conheço (e não são todos, naturalmente) e cria um dos quadros jurídicos mais completos e abrangentes, sobretudo em comparação com os regimes do direito das religiões de países de igual matriz sociológica e cultural, Espanha, Itália, Bélgica, para dar alguns exemplos.
P: O senhor participou na geração, construção e aplicação desta Lei numa diversidade de papéis. Convido-o a, de uma forma resumida, partilhar este processo, iniciado em 1996.
R: A iniciativa de uma Comissão que apresentasse uma Proposta de uma Lei assim e desse um impulso decisivo ao princípio geral da igualdade entre todas as crenças religiosas iniciou-se em 1996. Foram feitas várias audições, bastante participadas que terminaram em 1998 e deram origem a uma Proposta de Lei que deu entrada no Parlamento. Infelizmente, o agendamento da discussão e a votação dessa Proposta não foram feitos a tempo.
Terminadas as minhas funções como Ministro da Justiça, regressei ao Parlamento e aí apresentei o Projeto em 2000, com o apoio do meu grupo parlamentar. A Lei foi aprovada por ampla maioria, abrindo caminho a um regime que tem provado constituir uma alavanca decisiva para uma cultura de diálogo e respeito mútuo que se traduz num clima de sã convivência entre as diversas comunidades mais enraizadas no nosso país.
P: Considera que, dentro dos diversos tipos de separação, estaremos a transitar de um modelo de separação estrita, passando
por um modelo de acomodação, para um modelo de cooperação entre o Estado e as Religiões?
R: Em Portugal vigora desde há muito um regime de separação. Mas a Lei consagrou igualmente um princípio de cooperação entre a Igreja e as comunidades religiosas e o Estado.
Essa conjugação tem permitido uma compreensão mútua concretizada em várias situações, sendo o exemplo mais recente a reação das comunidades religiosas, às medidas excecionais, tomadas a propósito da pandemia com o encerrar por tempo prolongado dos locais de culto ou mesmo com a sua abertura limitada, com a ativa compreensão e iniciativa das próprias comunidades religiosas.
O atual Presidente da República, para além da atenção que dedica à realidade da religião, teve a iniciativa de tomar parte numa cerimónia com um amplo leque de comunidades, numa oração coletiva no próprio dia em que, pelas duas vezes, foi eleito e tomou posse do cargo.
Também o antigo Presidente Jorge Sampaio, (Presidente que promulga a Lei da Liberdade Religiosa), primeiro Presidente da organização da “Aliança de Civilizações”, dedicava uma especial atenção ao fenómeno religioso nas suas múltiplas facetas.
Pouco tempo após a aprovação da Lei, iniciaram-se as conversações com a Santa Sé para a revisão da Concordata dos anos quarenta, o que veio a dar lugar à Concordata de 2004.
A simples comparação entre os dois textos, da Lei da Liberdade Religiosa e da nova Concordata, permite concluir facilmente, o caminho feito para uma igualdade de regimes, salvaguardando, naturalmente o papel histórico e a presença social da Igreja Católica no tecido social português, em que mais de setenta por cento dos cidadãos se declaram como católicos.
P: Como avalia o contexto religioso atual em Portugal?
R: Em décadas recentes, a paisagem religiosa em Portugal tem-se alterado, como em muitos outros países europeus, sobretudo, mas não unicamente, com o fenómeno da imigração. Embora mais ligado às antigas colónias africanas, o fluxo migratório tem conduzido ao aparecimento de novas formas de religiosidade (hinduísmo, budismo, islão) não
sendo também de olvidar a presença de novos movimentos religiosos, sobretudo com origem no Brasil, com feições diversas (movimento afro, neopentecostalismo, etc.), mas com algumas presenças no país, estando muitas dessas inscritas no registo das entidades religiosas ou mesmo com estatuto de comunidades radicadas, o que lhes dá acesso a um estatuto diverso e a direitos acrescidos.
P: E pensa ser necessário algum ajuste ou alguma revisão na Lei?
R: A Lei, apesar dos mais de vinte anos da Proposta inicial, tem-se mantido apta a responder a estas mutações no tecido social e na geografia religiosa.
A meu ver, seria apenas necessário, para além do reforço de meios da Comissão da Liberdade Religiosa, com dificuldades para o desempenho de algumas funções, dada a sua debilidade organizativa, criar mecanismos legais, há muito sugeridos ao governo para uma supervisão adequada, designadamente das comunidades que, registadas, não resistiram à passagem do tempo e deixaram praticamente de existir, e devem, assim, considerar-se como sem atividade ou mesmo solicitar nos termos legais a declaração da sua dissolução.
P: Na prática, e para os leitores que possam não estar familiarizados com um órgão deste tipo, quais são o estatuto, as atribuições e as funções práticas da Comissão de Liberdade Religiosa?
R: A Comissão da Liberdade Religiosa tem, como órgão de consulta do Governo e do Parlamento, um conjunto amplo de competências desde a emissão de pareceres em matéria de inscrição ou radicação de comunidades religiosas, projetos de acordos entre o Estado e comunidades religiosas, sobre a composição da Comissão do tempo de antena das várias confissões e bem assim estudar a evolução do fenómeno religioso em Portugal e elaborar estudos e pareceres, sob sua iniciativa ou a pedido do Governo ou do Parlamento.
Tem uma composição que permite uma representação ampla das comunidades religiosas existentes em Portugal, quer como representação em sentido próprio, quer com peritos em matérias religiosas.
O Sr. Paulo Macedo, Secretário-Geral da AIDLR, à esquerda, e o Dr. José Eduardo Vera Jardim, à direita.
O Presidente é designado pelo Conselho de Ministros e os restantes membros designados pela Igreja Católica (dois membros) e os restantes oito membros pelas religiões radicadas no país, quer como seus representantes, quer como peritos em matéria religiosa.
A Comissão da Liberdade Religiosa tem procurado, para além do desempenho destas funções, manter um relacionamento constante com o diversificado universo religioso, tomando parte, quando convidada, nas mais diversas manifestações e eventos, sobretudo pela presença e participação do Presidente e Vice-Presidente, mas também de outros dos seus membros.
Embora a Comissão da Liberdade Religiosa não tenha poderes para atuar diretamente em casos de violação dos princípios de liberdade religiosa, tem procurado, junto dos respetivos órgãos do Estado, acompanhar e resolver problemas dessa índole, na maior parte dos casos com êxito.
O seu relacionamento com o Alto Comissariado para as Migrações tem sido frutuoso, tendo as duas entidades conseguido junto da Assembleia da República a celebração do Dia da Liberdade Religiosa e
do Diálogo inter-religioso celebrado no dia 22 de junho de cada ano, data da publicação da Lei da Liberdade Religiosa, com um evento organizado pelos dois organismos.
P: O senhor é um ator político de referência em relação à liberdade religiosa em Portugal, como Ministro, Deputado, e agora Presidente da Comissão. Qual pensa ser a relevância da visão do ator político em relação à defesa e promoção dos direitos humanos?
R: Todo o setor político tem de a usar como bússola para a sua ação e postura, relativamente à defesa, sem transigências, dos direitos humanos. Sempre procurei seguir este caminho na minha vida e responsabilidades públicas, tendo, de facto, presidido vários anos à representação parlamentar portuguesa na Assembleia Parlamentar do Conselho da Europa, instituição criada a seguir à Segunda Guerra Mundial, e que tem precisamente como função a proteção dos direitos fundamentais e do Estado de Direito, agrupando a quase totalidade dos países europeus. Fui Vice-Presidente dessa organização e procurei sempre, juntamente com os meus colegas do Parlamento Português, ter um papel ativo na defesa e no aperfeiçoamento dos direitos fundamentais.
P: E, para além dessa, que outras influências são as mais fortes na construção e aplicação dos quadros legais favoráveis nessa área?
R: Penso que outras influências deviam vir, sobretudo, das exigências cívicas dos cidadãos e da atuação dos órgãos do Estado, com especial relevo para os Tribunais, desde logo o Tribunal Constitucional, mas também a generalidade desses órgãos de soberania e do Provedor de Justiça na análise, acompanhamento e decisões sobre as queixas dos cidadãos e, em geral, de todas as instituições que lidam e procuram aperfeiçoar o exercício pleno da cidadania, que sempre passa pela defesa dos direitos constitucionalmente garantidos. A educação para a cidadania, quer no sistema escolar, quer na comunicação social, deve dedicar especial atenção à consciência dos direitos fundamentais e da sua aplicação na prática.
P: Quais são as suas maiores preocupações, no contexto global, em relação aos perigos para a liberdade de consciência, culto e religião? E na realidade europeia, onde vive a maioria dos nossos leitores?
R: Sem dúvida a perseguição religiosa em muitas regiões do globo, perseguição institucional pelo Estado ou perseguição de religiões e comunidades por outras religiões continua a ser uma realidade. Infelizmente é um fenómeno que não tem diminuído; bem pelo contrário tem-se agudizado, levantando sérios problemas ao pleno exercício da liberdade religiosa, nos seus múltiplos aspetos.
Mesmo na Europa temos vivido, como é conhecido, atentados motivados por choques entre religiões.
Outro aspeto preocupante é o conflito existente entre a liberdade de expressar a opinião baseada na crença religiosa e o princípio da defesa das minorias ou a adoção pelo Estado de posições conflituantes com princípios religiosos (aborto, eutanásia).
P: Falemos das questões relacionadas com o discurso religioso. Tenho-o ouvido insistir na necessidade de proteger a liberdade de expressão e de partilha religiosa. Que sinais sente que a possam condicionar?
R: O Estado democrático expressa-se e consagra a vontade das maiorias que decidem livremente nos Parlamentos ou nos Tribunais e de acordo com os princípios da vontade política de cada povo.
Essa situação, inerente à organização democrática, não deve impedir a manifestação de desacordo baseado nas convicções ou crenças religiosas, desde que se mantenham respeitadoras das leis do país e não ofendam0aà dignidade de outros cidadãos.
Este equilíbrio nem sempre é fácil, e isso tem criado, e continuará a criar, problemas de difícil coexistência. Tem havido, nos últimos tempos, um agudizar destas situações, mesmo na Europa, e nada faz prever, infelizmente, que esses problemas não continuem a piorar.
Muitas destas situações têm chegado aos Tribunais, quer nacionais, quer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos, no Conselho da Europa.
P: E como se articula a fundamental proteção dessa liberdade com a necessidade de encontrar meios de contenção do discurso de ódio e do incentivo ao entendimento para a manutenção de um ambiente social livre e favorável à liberdade religiosa?
R: O confronto ente direitos fundamentais é das questões mais complexas de resolver.
Só a tolerância, o respeito pelo outro ou outros, a contenção e a compreensão dos limites dos direitos face aos direitos conflituantes poderão ajudar a encontrar soluções equilibradas.
O discurso de ódio dirigido a certos grupos, baseado em muitas convicções religiosas ou seculares, não é admissível. Mas a expressão das opiniões ou posições de cada um deve ser protegida dentro desse limite. Nem sempre será fácil a decisão de quem julga.
A coexistência numa sociedade marcada pelo pluralismo religioso, como é o caso nas atuais sociedades europeias, continuará a suscitar problemas. Cabe também às diversas opções religiosas terem um discurso didático em matéria tão sensível. E aos Estados, e, em especial, aos Tribunais, julgarem, com equilíbrio e justa ponderação, as diversas posições, respeitando o direito à livre expressão, salvaguardando a dignidade de todos e respeitando o princípio da tolerância.
P: Que papel tem o diálogo entre as comunidades religiosas nesse contexto? Em Portugal, por exemplo, esse diálogo tem uma iniciativa e coordenação neutra, do Estado...
R: O diálogo inter-religioso e o respeito mútuo pelas crenças de cada indivíduo são fundamentais numa sociedade democrática. Temos, entre nós, quer por iniciativa das próprias religiões, quer por ação do Estado, conseguido manter o diálogo baseado nesse respeito mútuo. Para criar esse ambiente, é fundamental o conhecimento do outro, da sua forma de estar no mundo, da raiz das suas convicções. Os líderes religiosos têm, neste particular, um papel decisivo. E somos, certamente, um bom exemplo nessa matéria, apesar da crescente multiplicidade de formas de religiosidade em Portugal. As autarquias, sobretudo aquelas em que está mais presente a diversidade, têm uma tarefa relevante nesta área.
Estou confiante em que irão interiorizando cada vez mais o problema e as soluções.
Não somos, nem nenhuma sociedade contemporânea é, exceção à complexidade crescente das nossas sociedades, e aos problemas que essa situação cria. A coexistência de mundivivências religiosas, étnicas e culturais cria novas exigências às lideranças políticas e religiosas.
Apesar dessas dificuldades, estou otimista quanto à possibilidade de continuar a manter essa coexistência pacífica. Sem hostilidade e mutuamente respeitosa.
P: Quando nos referimos aos temas de liberdade religiosa, sente-se uma tensão, mesmo que inconsciente, entre universalismo, aqueles que pensam que os direitos e as liberdades são imanentes e devem ser aplicados a todos os seres humanos, e relativismo cultural, que os analisam e apreciam em função da cultura e do costume. E, para além destas posições, nos últimos tempos, tem-se sentido o recrudescer de um certo etnocentrismo: direitos e liberdades para nós e os nossos, e não para os outros. De onde vem, o que é, a quem se aplica, como se materializa, afinal, este extraordinário valor da liberdade religiosa?
R: Vivemos num mundo em que os valores do individualismo prevalecem sobre o sentido do coletivo, que caracteriza o mundo religioso.
A religião vive-se em comunidade; a coexistência religiosa é eminentemente coletiva, independentemente da relação de cada indivíduo com a ou as entidades divinas.
O etnocentrismo é um subproduto do individualismo, todas as declarações e pactos sobre direitos humanos refletem a existência dos direitos individuais, mas também de direitos a exercer coletivamente, designadamente em matéria de liberdade religiosa.
As declarações, pactos e convenções têm uma característica comum – são de aplicação universal, dentro da geografia a que se aplicam.
A primeira grande declaração de direitos da era moderna tem por título “Declaração Universal dos Direitos do Homem”, assinada em 1948. Trata-se de um conjunto de direitos universalmente aplicáveis,
independentemente da cultura, religião ou do sistema político de cada povo. Portanto, os Estados não podem limitar ou abolir este Universo, necessário ao desenvolvimento humano e a um são relacionamento entre as diversas formas de vida, convicções e cultura de cada povo ou de parte dele.
A realidade anda, por vezes, muito longe deste ideal. Porventura cada vez mais afastada.
Em regiões do globo cada vez mais secularizadas, a atenção à liberdade religiosa, quer individual quer coletiva, tende a ser secundarizada, face a outros direitos e valores.
A preocupação com a realização do ser humano é cada vez menos associada à religião, e cada vez mais à afirmação da felicidade do ser humano na sua vida na Terra, deixando de lado a visão de uma “outra vida” não visível.
P: Que pergunta ficou por fazer nesta entrevista que gostaria que lhe tivesse feito?
R: A questão que porventura falta é se tudo está bem, completo e perfeito em matéria de liberdade religiosa em Portugal.
P: Posso pedir que lhe responda?
R: A resposta seria que há um longo caminho a percorrer. E que não é fácil, porque a liberdade religiosa não é, nas nossas sociedades, vista com a prioridade com que devia ser sempre vista. A visão da religião nas sociedades europeias, e Portugal não é exceção, é que a religião é um ato individual de adesão a uma crença que se pratica num templo. O espaço público tem sido fortemente limitado, quando se trata de demonstrar e de vivenciar a dimensão religiosa.
Há um respeito pelas “pessoas religiosas”; mas as “pessoas religiosas” rezam num templo. E, desde que essa atividade seja permitida, tudo está bem… E essa não é a forma de olhar para o fenómeno religioso e para as suas práticas. Mas espero que essa longa viagem continue, ultrapassando essa visão limitadora.
Entrevista ao Dr. José Eduardo Vera Jardim
P: O Sr. Presidente, para grande honra desta Associação, recebeu o Prémio de Excelência Jean Nussbaum – Eleanor Roosevelt, em 2016. Convido-o a deixar uma mensagem para os nossos Leitores.
R: Nestes tempos tão difíceis em que vivemos, espero que todos mantenham a esperança num mundo melhor, com mais dignidade, liberdade e tolerância.
Que esta bússola possa guiar todos os que, independentemente das suas convicções, têm a paz e o respeito pelos direitos dos outros como valores orientadores da sua existência terrena.
ARTIGO DE FUNDO
Dr. Alexis Artaud de La FerrièreA Separação da Igreja e do Estado e o Desafio do Separatismo Religioso
A noção do separatismo religioso versus a noção do princípio de separação da Igreja e do Estado.
Em fevereiro de 2020, o Presidente francês Emmanuel Macron proferiu um discurso no qual identificou a separação da Igreja e do Estado como estando ameaçada pelo separatismo, ou seja, este fenómeno que temos vindo a observar há décadas, que é um desejo de deixar a República, de deixar de respeitar as suas regras, um movimento de retirada que, devido às crenças e à pertença, visa abandonar o campo republicano.1
Na sua condenação desse separatismo, o Presidente Macron resumiu a sua posição da seguinte forma: “Na República, nunca devemos aceitar que as leis da religião possam ser superiores às leis da República. É tão simples como isso.”2 Este discurso estabeleceu a agenda do governo francês para a posterior aprovação da lei de consolidação do respeito pelos princípios da República (originalmente intitulada, lei contra o separatismo) em agosto de 2021. Embora haja muito a dizer sobre essa lei, neste artigo o meu objetivo será relativamente restrito: Gostaria de examinar o que significa a noção de separatismo no contexto das relações Igreja-Estado e, em particular, gostaria de articular uma distinção mais clara entre a separação da Igreja e do Estado e a ideia de separatismo religioso. A minha esperança é que a minha análise destes dois pontos fundamente o debate sobre o separatismo religioso, que está a animar cada vez mais as tensões políticas em França e noutros países do mundo, de uma forma que reforce a importância crucial do princípio da separação da Igreja e do Estado.
Separação vs. Ordem Social Estabelecida
Quando pensamos na separação institucional entre Igreja e Estado, temos tendência a opor-nos a este princípio com regimes de ordem social estabelecida ou de reconhecimento (que vão desde teocracias a concordatas). De acordo com esta distinção, a separação é muitas vezes descrita com referência à imagem de Jefferson de um muro ou à descrição de Locke de um limite fixo e imóvel. De um lado deste muro, a autoridade eclesiástica limita-se às questões relativas às crenças e práticas religiosas particulares dos seus membros voluntariamente autoidentificados. Do outro lado deste muro, a soberania do Estado toma conta das questões civis relativas à conduta de todas as pessoas coletivas dentro do seu território, independentemente da sua filiação religiosa. Cada instituição reconhece a autonomia da outra dentro dos seus respetivos limites de autoridade. Em contraste, os regimes de ordem social estabelecida ou de reconhecimento caracterizam-se pela ausência desse limite e de autonomia mútua: A Igreja e o Estado penetram um no outro de tal forma que o Estado cede uma parte da sua soberania à Igreja em matéria de governação civil e/ou a Igreja cede uma parte da sua autonomia ao Estado em matérias internas às crenças e práticas dos seus membros. Na prática, claro, uma distinção tão rigorosa e bem definida entre separação e ordem social estabelecida não resiste ao escrutínio. Regimes com Igrejas estabelecidas (como o Reino Unido) podem apresentar muitas características de autonomia que associamos à separação; e regimes com separação formal podem afastar-se deste princípio de várias formas (por exemplo, em França, as Igrejas mantêm capelanias em instituições públicas3 e o Estado concede financiamento público às escolas religiosas que se diz estarem “sob contrato”4 com o Estado). Ao escrever sobre Letter on Toleration, de Locke, Michael Walzer argumenta que Locke é demasiado radical ao descrever a Igreja como “uma coisa absolutamente separada e distinta da comunidade”, porque essa visão se centra demasiado na consciência individual e não na compreensão das Igrejas e das práticas religiosas.5 Parte do problema é que as instituições que vigoram paralelamente numa sociedade comum (ou comunidade) influenciar-se-ão necessariamente umas às outras, mesmo que estejam formalmente separadas. Numa edição anterior de Consciência e Liberdade, Cole Durham discute
esta questão com especial referência à autonomia: “Com o conceito de esfera de autonomia, temos de admitir que não pode ser dada uma resposta satisfatória em relação ao que é de César e ao que é de Deus através de uma lista das funções distintas das instituições da Igreja e do Estado. A Igreja e o Estado têm interesses coincidentes e a religião ver-se-ia marginalizada se tivesse apenas um campo de ação sobre temas ignorados pelo Estado.”6 Embora, em teoria, o princípio da separação possa aparecer tão claro como uma linha limite num mapa cadastral, as suas implicações práticas são muito mais complexas. Na prática, a separação não pode existir quando a Igreja é dominada pelo Estado (ou o Estado pela Igreja). No entanto, como observam Walzer e Durham, é também o caso de que não pode existir uma separação de tal modo que possa haver uma parede impermeável entre a Igreja e o Estado. Mesmo quando formalmente separados, coexistindo numa sociedade comum, a Igreja e o Estado penetram nas esferas um do outro regularmente e de inúmeras maneiras. Assim, embora haja um apelo intuitivo óbvio à compreensão da separação entre Igreja e Estado, em oposição aos regimes de ordem social estabelecida ou de reconhecimento, essa abordagem não reflete adequadamente a forma como o princípio da separação é aplicado na prática. Isto não quer dizer que a distinção entre separação e estabelecimento seja vaga, mas que esta distinção é imperfeita; além disso, concentrar-se nesta distinção pode levar a impasses na compreensão do fundamento substantivo do princípio da separação e nas tentativas de determinar se um dado regime sustenta ou não genuinamente esse princípio. Uma maneira de ir além deste problema, é considerar a separação da Igreja e do Estado não em termos de como difere dos regimes de ordem social religiosa estabelecida, mas em termos de como difere dos movimentos de separatismo religioso.
Separatismo Religioso
O separatismo religioso pode assumir pelo menos três formas distintas. Primeiro, pode descrever um movimento cessacionista em que um grupo religioso aspira separar-se do Estado e formar a sua própria comunidade política centrada nas crenças, práticas e identidade religiosas desse grupo. O separatismo cessacionista está associado a uma forma de
reivindicação territorial, como no caso da divisão da Índia em 1947 e da subsequente criação do Paquistão e do Bangladesh. Segundo, há aquilo a que poderíamos chamar separatismo renunciativo. Isto descreve indivíduos e grupos que também decidem separar-se do seu Estado através da emigração para outro território onde consideram que as autoridades públicas estão mais alinhadas com as suas crenças religiosas. Podemos pensar aqui nas migrações anabatistas para territórios eslavos e americanos no início do período moderno. Mais recentemente (e mais de forma mais controversa), o separatismo renunciativo pode também descrever os europeus muçulmanos que emigraram para se juntarem ao Daesh no Iraque e na Síria entre 2014 e 2019.
A terceira forma é o que poderíamos chamar de separatismo quietista, que se caracteriza por um projeto deliberado em nome de um grupo religioso para formar uma comunidade ou rede de compromisso religioso rigoroso que vai contra as normas sociais dominantes na sociedade em que vivem. Nalguns casos, os aderentes do separatismo quietista envolver-se-ão também em práticas contrárias às leis civis do seu Estado, mas, ao contrário dos cessacionistas, não contestam explicitamente a soberania do Estado, mas praticam uma forma radical de autonomia em termos que definem de forma autónoma em relação ao Estado. Esta forma de separatismo assemelha-se muito à versão que alguns estudiosos têm do fundamentalismo cristão nos Estados Unidos da América como uma “doutrina de separação”,7 concebida para “preservar ‘os fundamentos’ da crença cristã contra o liberalismo teológico e a cultura contemporânea”.8 No entanto, o separatismo quietista não é específico de nenhuma tradição religiosa, pode assumir muitas formas, desde comunidades ascéticas cristãs nas Igrejas Católica e Ortodoxa até comunidades contraculturais da “Nova Era”, passando por concentrações urbanas de grupos rigoristas, tais como judeus hassídicos ou muçulmanos salafitas. Na prática, claro, alguns destes estão mais empenhados no objetivo quietista do separatismo interno como autonomia de grupo, enquanto outros alimentam esperanças de afetar a mudança política em matéria civil, mesmo quando vivem separadamente da sociedade dominante. Em função do perfil destes grupos e do contexto político ambiental, os Estados estarão mais ou menos inclinados a tolerar as suas exigências unilaterais de
separatismo interno. A Terceira República Francesa expulsou numerosas congregações católicas em 1880 e 1901 (apesar da sua Concordata com a Santa Sé) porque as considerava uma ameaça à sua soberania, enquanto a Quinta República atual (que já não está vinculada pela Concordata) tolera a sua presença, e até as apoia através de subsídios indiretos,9 em parte porque já não considera o catolicismo como uma força política viável capaz de minar a ordem republicana.
Separatismo vs. Separação
Devemos considerar o separatismo religioso como uma expressão do princípio da separação entre Igreja e Estado, tal como é entendido na tradição liberal? De um modo geral, eu diria que as três formas de separatismo aqui delineadas são distintas da separação, tanto nas premissas como nos objetivos. A forma como a autonomia é enquadrada, o âmbito que lhe é atribuído, e o papel que é reservado ao Estado é substancialmente diferente no separatismo religioso em comparação com o princípio da separação. Contudo, estas distinções são mais óbvias nalgumas formas de separatismo do que noutras. Além disso, a maneira como cada uma destas formas de separatismo difere do princípio da separação é instrutiva quanto ao que é realmente o princípio substantivo da separação e o que ele deve garantir àqueles que a ele aderem.
As duas primeiras formas de separatismo religioso visam dissolver os laços políticos institucionais entre um determinado grupo religioso e o seu Estado de residência original. Neste sentido, são devidamente consideradas filosofias distintas do princípio da separação entre Igreja e Estado, porque este último (apesar do seu nome) está, sobretudo, preocupado em estabelecer um contrato sobre como manter e regular uma relação entre as comunidades religiosas e o Estado, no seio de uma sociedade comum: é uma separação dentro dos limites da soberania do Estado, não uma separação da soberania do Estado. No caso do separatismo cessacionista, somos confrontados com um fenómeno que não só é distinto, mas que contraria o princípio da separação da Igreja e do Estado: os separatistas cessacionistas ultrapassam os limites da autoridade eclesiástica porque a sua agenda não pode ser conciliada com nenhuma forma contratual de autonomia interna da sua própria comunidade religiosa no seio de uma
sociedade pluralista; os seus esforços são dirigidos para a contestação da soberania do Estado em matéria civil e para a ameaça à integridade territorial do Estado. O separatismo renunciativo, por outro lado, não está necessariamente em contradição com o princípio da separação, mas é algo completamente diferente; não deve ser considerado uma expressão do princípio da separação. Um indivíduo ou um grupo pode optar por exercer o seu direito de deixar o seu próprio país10 por razões relacionadas com a sua religião, mas, ao fazê-lo, estará a cortar os laços que o ligam à sua comunidade política original. Embora isto possa não se destinar necessariamente a prejudicar a soberania ou integridade do seu Estado (como no caso do separatismo cessacionista), através da migração, colocam-se para além dos limites de um acordo contratual com o Estado. Por outras palavras, os separatistas renunciativos não procuram uma esfera de autonomia dentro do espaço soberano do Estado, mas sim uma autonomia a partir e fora da soberania do Estado, renunciando à sua lealdade política original e celebrando um contrato com outro Estado soberano.
No caso da terceira forma (quietista) de separatismo religioso, a diferença em relação ao princípio da separação é mais subtil. De facto, muitos defensores liberais da separação, que condenariam o separatismo cessacionista e expressariam reservas sobre o separatismo renunciativo, tenderiam a ver o separatismo quietista como simplesmente o exercício legítimo da autonomia do grupo religioso. Afinal de contas, se uma comunidade escolhe viver em relativo isolamento da sociedade para praticar uma forma de rigor religioso, em que é que isso perturba a ordem pública ou prejudica a soberania do Estado? O critério relevante diferenciador, neste caso, é precisamente se a forma de vida dessa comunidade perturba, de facto, a ordem pública ou prejudica a soberania do Estado. O quietismo, em si mesmo, é perfeitamente compatível com o princípio da separação, mas, quando o quietismo é praticado de tal forma que os seus seguidores estão completamente desligados dos laços e obrigações civis que os ligam aos seus compatriotas, então o Estado pode ter motivos legítimos para reduzir o âmbito de autonomia desse grupo. Se pensarmos no princípio da separação apenas nos termos do limite fixo e imóvel de Locke entre duas esferas distintas de autonomia,
então estamos obrigados a considerar que a Igreja e o Estado são participantes iguais no mapeamento e construção deste limite. Mas pode não ser esse o caso. Como escreve Walzer:
“O Estado [....] tem sempre uma influência especial, pois é o agente da separação e o defensor, por assim dizer, do mapa social. Não é tanto um guarda-noturno, que protege os indivíduos da coerção e da agressão física, mas sim o construtor e guardião dos muros, protegendo igrejas, universidades, famílias, etc., de interferências tirânicas. Os membros destas instituições também se protegem o melhor que podem, evidentemente, mas, o seu último recurso quando são ameaçados, é um apelo ao Estado. Isto é assim, mesmo quando a ameaça vem do próprio Estado: Depois apelam de um grupo de funcionários ou de um ramo do governo para outro, ou apelam para o grupo de cidadãos contra o governo como um todo.”11
Esta situação não é um desequilíbrio arbitrário na distribuição do poder entre a Igreja e o Estado. Resulta da própria natureza do Estado exigida a uma sociedade democrática, onde o Estado não é excluído da sociedade e exerce o seu poder sobre o povo, mas sim onde o Estado é a manifestação da vontade geral expressa através de leis que se aplicam igualmente a todos os cidadãos.12 Nesta perspetiva, as pessoas religiosas fazem, elas próprias, parte do Estado, e a autonomia do seu grupo não as isenta (nem lhes nega!) dessa adesão cívica. Pelo contrário, a preservação da sua autonomia baseia-se na sua adesão contínua ao Estado, que reconhece e garante a sua autonomia. Por outras palavras, é apenas através do Estado que os membros de um grupo religioso têm acesso a uma autonomia genuína sem dominar outros, porque é no Estado que eles atuam como cocriadores da vontade geral, em pé de igualdade com os seus compatriotas que não partilham as suas crenças religiosas.
É aqui que vemos como o separatismo quietista difere do princípio da separação e, em última análise, o prejudica. Se um grupo formar uma comunidade com um rigoroso compromisso religioso que não só vai contra as normas sociais dominantes na sociedade em que vivem, como também prejudica as leis do Estado em que vivem, então esse grupo
coloca-se fora da vontade geral, que é o reconhecimento e a garantia da sua própria autonomia. Como podem apelar ao respeito e proteção do Estado se eles próprios não respeitam e protegem as leis acordadas através das instituições do governo cívico? Como escreve Johan D. van der Vyver: “A liberdade de religião ou crença não protege os seus depositários contra a acusação por conduta criminosa ou contra o controlo administrativo no interesse geral. A fraude fiscal, a extorsão e a publicidade enganosa não devem escapar ao poder da espada simplesmente porque essa conduta criminosa emana de, ou é legitimada, pelos seus perpetradores sob o pretexto da religião”.13 Sem irem ao ponto de dizer que exigem imunidade para este tipo de crimes, alguns separatistas quietistas argumentarão, no entanto, que se contentam em providenciar a sua própria proteção e subsidência independentemente do Estado; e, de facto, as comunidades religiosas organizam e financiam as suas próprias redes privadas de segurança e de solidariedade. Mas, neste caso, já estão no caminho do cessacionismo. Nada impede uma comunidade (religiosa ou não) de organizar serviços suplementares aos prestados pelo Estado; mas estes não podem ter precedência sobre, ou substituir os mandatados pela vontade geral. A separação da Igreja e do Estado estabelece uma esfera de autonomia para os grupos religiosos, mas essas esferas de autonomia não podem ser estabelecidas independentemente do Estado (ou seja, estabelecidas como independentes da vontade geral). O quietismo torna-se separatismo quando define unilateralmente a sua esfera de autonomia. Nesses casos, o Estado está justificado ao tentar trazer esses grupos de volta para o contrato social.
O Risco do Separatismo ao Restringir a Autonomia Dito isto, também é possível que o Estado expulse grupos religiosos do contrato social; isso acontece quando o Estado não expressa verdadeiramente a vontade geral, mas é instrumentalizado por uma fação a fim de impor a sua vontade à sociedade no seu conjunto ou a grupos particulares. Rousseau, na sua teoria de Estado, tinha previsto esta falha política e alguns estudiosos recentes identificaram essa falha com o crescimento do Estado social moderno, que, na sua opinião, resulta na codificação jurídica de normas sociais particulares que colocam um fardo
indevido sobre os grupos religiosos.14 De facto, à medida que as normas sociais dominantes se afastam cada vez mais das normas religiosas nas sociedades secularizadas e que a exigência popular aumenta para que estas mudanças estejam expressas na lei de forma mais plena, pode tornar-se mais difícil para os grupos religiosos perseguirem uma forma de autonomia que não entre em conflito com o separatismo. Os testes legais de proporcionalidade ou necessidade, que se baseiam num discernimento socialmente contextualizado, podem tender a restringir o âmbito da liberdade religiosa à luz destas mudanças sociais. Para melhor apreciarmos este ponto, podemos voltar ao discurso do Presidente Macron citado na introdução deste artigo. Ilustrando a sua ideia de separatismo religioso, Macron cita quatro cenários que considera que ultrapassam o âmbito da autonomia legítima que os grupos religiosos deveriam esperar:
“Na República, não é aceitável recusar apertar a mão a uma mulher por esta ser mulher. Na República, não podemos aceitar que alguém se recuse a ser tratado ou educado por alguém por ser mulher. Na República, não é aceitável que seja negada educação a alguém por razões de religião ou crença. Na República, não podemos exigir certificados de virgindade para casarmos.”15
Em 2020, quando o Presidente Macron proferiu este discurso, estes atos não se enquadravam na rubrica do separatismo religioso conforme aqui defini o conceito. Uma pessoa envolvida num destes cenários teria certamente estado fora da norma social dominante, mas, ao fazê-lo, não teria perturbado a ordem pública nem prejudicado a soberania do Estado. No entanto, a intenção do Presidente francês (e o efeito da sua lei de 2021) era reduzir o âmbito da autonomia religiosa, para que estes cenários constituíssem atos de separatismo.
Conclusão
O meu objetivo neste breve artigo era clarificar a noção de separatismo religioso e distinguir esta noção do princípio de separação entre Igreja e Estado. Ao fazê-lo, espero também ter demonstrado que um exame crítico do separatismo religioso pode complementar a nossa atual compreensão do princípio da separação. O que distingue estes dois
conceitos é 1) que o princípio da separação deve ser praticado dentro da sociedade e não é um pretexto para se separar da comunidade; 2) que o princípio da separação exige que o Estado estabeleça os limites e os termos da separação; 3) que a autonomia sob o princípio da separação não isenta as pessoas religiosas da sua filiação cívica no Estado. Por último, observei que as autoridades públicas correm o risco de criar novas formas de separatismo religioso quando restringem a autonomia religiosa através da codificação das normas sociais em lei. Este último ponto não se destina a condenar toda a legislação socialmente inovadora. Não concordo com aqueles que defendem o princípio da separação como um motivo para suprimir o Estado Social. Dito isto, as suas advertências devem ser tidas em conta se quisermos proteger o princípio da separação entre Igreja e Estado e prevenir a proliferação de movimentos separatistas religiosos.
Alexis Artaud de La Ferrière é Professor de Sociologia no Departamento de Direito e Criminologia, Royal Holloway and Bedford College, Universidade de Londres. É especialista na sociologia e história contemporânea da religião, com foco particular no Catolicismo, nas relações Igreja-Estado, e nas questões da liberdade religiosa.
As fontes referidas neste artigo podem ser encontradas na página 147.
TEMA
Dr. Ganoune Diop Liberdade Religiosa: Um Presente Multifacetado para a Humanidade
Tornar a liberdade religiosa num direito imperativo para todos.
Hámais na liberdade religiosa do que aparenta. Embora a crença na liberdade religiosa seja tão antiga como a própria religião, foi somente nos últimos 250 anos que os Estados-nação e a comunidade internacional expressaram mais claramente os seus compromissos com a preservação dessa liberdade humana fundamental. “A experiência americana”, escrita como garantias constitucionais em 1789-1791, claramente articulava um entendimento fundamental dessa liberdade ao separar formalmente Igreja e Estado, e ao proibir as legislaturas de fazerem qualquer “lei que tenha a ver com o estabelecimento de uma religião, ou que proíba o livre exercício da mesma”. Outras constituições em breve refletiram entendimentos semelhantes, mas o consenso sobre a liberdade religiosa levou mais tempo para se desenvolver na comunidade internacional.
Uma organização catalisadora no desenvolvimento desse consenso internacional tem sido a Associação Internacional de Liberdade Religiosa (IRLA), que tem uma história e uma experiência fascinantes, que datam da sua fundação em 1893. O contexto que levou à criação desta associação de liberdade religiosa foi a legislação proposta no Senado dos Estados Unidos da América que teria violado diretamente as garantias constitucionais da Primeira Emenda.
Em 1888, os líderes Adventistas opuseram-se a dois projetos de lei apresentados no Senado dos Estados Unidos da América pelo senador Henry W. Blair, de New Hampshire. O primeiro projeto de lei previa a
promoção do domingo, entendido como o Dia do Senhor, dia de descanso, cuja observância o projeto de lei deveria impor como exigência nacional. O segundo projeto de lei propunha uma emenda constitucional exigindo que a escola pública do país ensinasse os ‘princípios da religião cristã’.
Um dos líderes entre os pioneiros Adventistas do Sétimo Dia, Alonzo T. Jones, futuro editor da Adventist Review, chegou mesmo a falar ao Congresso para impedir a lei dominical e a proposta de fazer da América uma nação cristã. Era, como ele claramente descreveu, uma questão de liberdade religiosa.
Um ano depois, em 1889, os Adventistas do Sétimo Dia criaram uma associação para promover a liberdade religiosa. Chamava-se “A Associação Nacional de Liberdade Religiosa”. Este movimento foi ampliado em 1893, quando a associação se expandiu para se tornar na Associação Internacional de Liberdade Religiosa. Envolver atores políticos e religiosos no início da existência da Igreja Adventista do Sétimo Dia tornou-se numa escolha deliberada. Alguns diriam que fazer isso era uma necessidade para que a Igreja Adventista do Sétimo Dia fosse credível e relevante no espaço público. A promoção da liberdade religiosa deveria beneficiar todos. Os Adventistas do Sétimo Dia entendem a liberdade religiosa como um direito humano universal que não pode ser restrito a um grupo com exclusão de outros.
Hoje, a disciplina de envolver a comunidade internacional, incluindo instituições globais e nacionais, para promover a posição fundamental e crucial da liberdade religiosa continua a ser vital.
O que torna essa liberdade tão atraente?
Um Crescente Consenso Internacional por Causa de Eventos Trágicos Eventos geopolíticos globais importantes alteraram a História do nosso mundo de maneira significativa. Duas guerras mundiais no século XX levaram a família humana a reavaliar a sua bússola moral. A enorme perda de vidas humanas desafiou as tradições acumuladas de séculos: 16 milhões de mortes durante a Primeira Guerra Mundial e 60 milhões de mortes durante a Segunda Guerra Mundial.
Liberdade Religiosa: Um Presente
Multifacetado para a Humanidade
Questões críticas que não podiam continuar a ser ignoradas estavam diretamente na visão moral da comunidade internacional. Qual é o valor da vida humana? Porquê tantas mortes sem sentido?
Qual é a medida da dignidade humana? Como poderiam vidas ser privilegiadas ou abusadas por causa da valorização baseada em construções hierárquicas raciais, étnicas, culturais, políticas ou mesmo religiosas?
Existem princípios – princípios morais – que podem servir como barómetro ou pontos de referência nas relações humanas, nos compromissos dos Estados e nas normas internacionais?
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pelas Nações Unidas em 1948, foi concebida para desempenhar esse papel –uma bússola orientadora sobre o que realmente importa quando se trata de proteger a vida humana, os direitos humanos e as responsabilidades humanas. Crucial entre esses direitos, aquele que, de facto, sustenta todos os direitos, está a liberdade de religião ou crença. O artigo 18 da DUDH afirma:
“Todos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, e a liberdade, sozinho ou em comunidade com outros, e em público ou privado, de manifestar a sua religião ou crença no ensino, na prática, no culto e na observância.”
Os pactos internacionais e as constituições nacionais fazem uma distinção útil quando se trata de liberdade de religião e de crença. Quando se trata de liberdade religiosa, deve ser feita uma distinção útil, porque expectativas claras conduzem à estabilidade.
Há dois aspetos da liberdade religiosa:
– O foro interno está ligado ao direito absoluto de crer segundo os ditames da consciência própria. Não deve haver qualquer coerção em relação a este aspeto da liberdade. É ficar livre de ser forçado a acreditar ou não acreditar. Este aspeto da liberdade religiosa é absoluto.
– O foro externo é a expressão externa da fé pessoal no espaço público. Este aspeto da liberdade religiosa pode estar sujeito a restrições.
O Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos, Artigo 18 (3), especifica o seguinte:
“A liberdade de manifestar a religião ou crença pessoal só pode star sujeita às limitações que forem prescritas por lei e sejam necessárias para proteger a segurança, a ordem, a saúde ou a moral públicas, ou os direitos e liberdades fundamentais de terceiros.” [PIDCP Art. 18 (3)].
No contexto atual da pandemia de Covid, portanto, é uma questão de saúde e segurança pública limitar a liberdade de reunião, por exemplo. Simplesmente faz sentido impedir a propagação do vírus e, assim, salvar vidas.
O que se segue é uma tentativa de explorar as dimensões multifacetadas da liberdade de religião ou crença, nos níveis pessoal, interpessoal, social, nacional e internacional.
Reconhecimento Internacional e Formulação da Liberdade Religiosa
A liberdade de religião ou crença é explicitamente reconhecida no direito internacional através da Carta das Nações Unidas; do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos; dos Acordos de Helsínquia; da Declaração sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com Base na Religião ou Crença; da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais; da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos; e nas políticas de trabalho de muitas outras instituições.
As duas declarações mais famosas sobre a liberdade religiosa são encontradas no Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e no Artigo 18 do Pacto Internacional sobre Direitos Civis e Políticos.
Fundamentalmente, a liberdade religiosa, ou a liberdade de religião ou crença, segundo a nomenclatura jurídica internacional, é uma ferramenta indispensável e incontroversa para desenvolver a consciência no delineamento dos parâmetros do que significa ser humano e ter um
sentimento humanitário. Ao considerar a liberdade de religião ou crença de perspetivas legais, políticas, sociais e culturais, a nossa tese fundamental não mutável e inegociável é que a liberdade religiosa fala não apenas à humanidade de cada pessoa, mas também à sacralidade dos seres humanos. Esse pressuposto é o pilar fundamental da liberdade religiosa a partir de uma perspetiva baseada na fé. Essa é a raiz espiritual da liberdade religiosa.
A característica da experiência humana que determina o lugar desse valor infinito de cada pessoa é a consciência humana. Arraigada nas nossas consciência e sensibilidade humanas está a necessidade de liberdade e de autodeterminação para todo o ser humano capaz de racionalidade madura.
Definindo os Nossos Termos
A liberdade religiosa é, em primeiro lugar, uma liberdade. Faz parte de um conjunto de liberdades inter-relacionadas, interdependentes e indivisíveis. É também uma liberdade composta que é inseparável e central para todas as outras liberdades fundamentais.
“A lógica é o facto de que a liberdade religiosa é uma liberdade composta, ou seja, há outras liberdades vinculadas a ela. Permitir a liberdade de religião implica permitir a liberdade de expressão, a liberdade de reunião e a liberdade de consciência. Se um regime aceita a liberdade religiosa, um efeito multiplicador desenvolve-se naturalmente e pressiona o regime para mais reformas. Assim sendo, essa liberdade religiosa limita o governo (afinal, é uma ‘liberdade’) ao proteger a sociedade do Estado. O pluralismo social pode desenvolver-se, porque as minorias religiosas são protegidas” (Hitchen, conforme citado por Carter 2017).
A liberdade religiosa pode ser definida como o direito de professar, praticar e propagar as próprias crenças sem coerção, intimidação ou manipulação. A liberdade de religião ou crença inclui o direito de usar símbolos e exibi-los no espaço público. É também o direito de possuir ou de ter bens dedicados a assuntos religiosos ou filosóficos. Consequentemente, a liberdade de religião ou crença é o direito de construir instituições como expressões das convicções pessoais pro-
fundamente arraigadas. A liberdade religiosa inclui o direito de construir espaços sagrados projetados para promover as próprias convicções, mundovisão e valores. É também o direito de realizar ritos e rituais para mostrar as suas crenças.
Também é o direito de celebrar e/ou de separar tempos sagrados para expressar fidelidade exclusiva a Deus: por exemplo, um dia em que tudo está submetido à soberania de Deus: o nosso tempo, reflexões e atividades, ou descanso, como no Judaísmo ou na tradição de fé Adventista do Sétimo Dia.
Esta liberdade implica as seguintes realidades:
1. Um princípio político. No nível mais básico, a liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença é um princípio político que sustenta outros princípios políticos, como o consentimento dos governados, governo limitado, estado de direito, democracia e governo representativo;
2. Uma disposição legal em direito internacional, consagrada na DUDH, União Europeia, agências da União Africana, OEA, ASEAN, outras instituições internacionais e constituições nacionais;
3. Uma liberdade composta. Pressupõe liberdade de pensamento, de consciência, de crença, de convicção, de expressão, de reunião e de associação.
4. Um direito humano. O aspeto dos direitos é frequentemente enfatizado, mas há mais. O aspeto humano não deve ser negligenciado por razões antropológicas, teológicas, filosóficas e existenciais.
5. Um sinal da nossa humanidade, não só pela nossa racionalidade, mas também pelo nosso sentido de responsabilidades morais e éticas. Além disso, a posição central da liberdade religiosa baseada na liberdade de consciência permite que ela forneça uma base normativa para o que significa ser um ser humano. Tem dimensões individuais e corporativas, como coexistência e cooperação pacíficas.
6. Um símbolo da nossa interconexão, por causa do que temos em comum, não apenas a perceção, mas também a consciência humana.
7. Um selo de sacralidade. Nas religiões monoteístas, os seres humanos são sagrados, templos do divino, criados à imagem de Deus;
ou representantes do divino; ou ligados ao divino, como estipulado nas religiões asiáticas.
8. Um apelo à solidariedade, tolerância e respeito, baseado na sacralidade de cada ser humano.
9. Um imperativo moral. A liberdade de religião ou crença e de consciência é um obstáculo contra o autoritarismo ou o totalitarismo. É contra o atropelo da dignidade humana, contra a redução dos seres humanos a objetos que podem ser dominados, domesticados ou subjugados.
10. Uma expressão do valor imensurável de cada ser humano. A liberdade de religião ou crença é um sinal que mostra a necessidade de proteger os seres humanos de serem instrumentalizados, usados, abusados e desumanizados. Os seres humanos têm valor infinito.
Ampliando o Âmbito
A liberdade de religião ou crença é, portanto, um sinal da nossa humanidade, e um símbolo da interconexão da família humana. É intrinsecamente um apelo à solidariedade humana. Esta liberdade, baseada na inviolabilidade da consciência humana, é também um antídoto contra o atropelo da dignidade humana e contra os abusos de dominância, dominações e domínios.
Como tal, pretende-se fomentar a tolerância na dignidade da diferença sem a necessidade de uniformidade na crença. Promover a liberdade religiosa é equipar as pessoas com a base para o respeito de cada ser humano. A liberdade religiosa deve fomentar a responsabilidade baseada no imperativo da solidariedade humana. Posiciona-nos para vermos os outros com uma disposição benevolente, para abraçarmos o seu valor infinito, misterioso, inquantificável e imensurável.
O que Nos Diz a Fé
De uma perspetiva baseada na fé, a liberdade de religião ou crença é entendida principalmente como um atributo divino. Só um ser totalmente autónomo e dependente de nada fora de si mesmo pode reivindicar liberdade absoluta. No entanto, a ideia de criação à imagem
de Deus, refletida na linguagem do Livro de Génesis, deixa espaço para refletirmos atributos divinos comunicáveis, como a liberdade.
Do ponto de vista da fé, a liberdade religiosa é mais bem compreendida como parte da imagem de Deus. Está profundamente ligada à questão do livre-arbítrio. A justificação da importância do livre-arbítrio e da liberdade de escolha é o facto de que não pode haver aliança genuína sem a liberdade para escolher entrar num relacionamento. O amor não pode ser imposto. Deus dá-nos uma escolha. Não fomos criados como robôs, máquinas programadas que farão automaticamente as coisas esperadas em determinadas circunstâncias.
Hoje, no nosso mundo, há uma consciência crescente da necessidade de um espaço onde se possa chegar a um consenso sobre a importância de todos os seres humanos. Cresce a consciência da preciosidade da vida humana, do mistério da vida humana, da incontestável consideração da dignidade humana de cada pessoa. Essa consciência é – obviamente – ferozmente contestada pelas ideologias supremacistas, mas ainda faz parte do ethos mundial.
Ainda assim, “existe uma necessidade urgente de maior clareza conceptual sobre a liberdade de religião ou crença, não apenas para defender esse direito contra ataques hostis de fora, mas também para fortalecer o consenso sobre o significado da liberdade de religião ou crença dentro da própria comunidade de direitos humanos” (Heiner Bielefeldt (2013, 35)).
Esta necessidade de consenso é obviamente verdadeira e relevante para as comunidades religiosas, bem como para parte da sociedade civil. A importância única da consciência humana, o espaço sagrado interior que caracteriza cada ser humano, ligando a nossa própria existência e as nossas relações com os outros a princípios e valores éticos e morais, carece claramente de uma afirmação maior e mais pública. Sem essa afirmação e proteção, as pessoas ficam vulneráveis a serem instrumentalizadas e rebaixadas a objetos usados e abusados.
A liberdade de religião ou crença funciona como um sinal e um lembrete sempre presente da necessidade de nos relacionarmos com todas as pessoas com respeito e circunspeção cortês diante do mistério de
cada pessoa. Esse misterioso mundo interior é rico em beleza e tesouros escondidos, mas também exibe traumas e feridas que dificultam a vida de muitos.
Todas as histórias humanas são complexas. Ninguém deve funcionar como promotor, júri e juiz num “tribunal” extralegal, distribuindo sentenças contra outros porque são diferentes ou porque não se encaixam no nosso sistema de referências e preferências. A aceitação do direito de outras pessoas existirem na dignidade da diferença requer uma pausa em cada pessoa, um abandono da autonomeada indecência de julgar os outros sem conhecer a sua história. Requer ouvi-los nos seus próprios termos. A liberdade religiosa, quando acreditada e adotada como parte do estilo de vida de alguém, é parte de uma disposição benevolente para com todas as pessoas que encontramos. Torna-se parte integrante de um estilo de vida caracterizado por uma atitude humilde diante do mistério do outro. Cada ser humano que encontramos está numa conexão misteriosa única com o Criador. Esta relação é sagrada e íntima. Pode estar em vários estágios de realização, mas não deixa de ser irredutível a qualquer categorização. Portanto, nunca deve ser profanada por intrusões disruptivas de qualquer pessoa. Este espaço sagrado único, que é a consciência, é insubstituível e irreproduzível. Não deve ser violado. Julgar, criticar, colocar as pessoas em caixas, catalogá-las e desrespeitar a santidade da sua vida é um abuso inaceitável, quer esses atos ocorram em teatros globais, nacionais, comunitários ou pessoais. Todos os seres humanos são sagrados: crianças, jovens, adultos, idosos e membros de todas as raças, etnias e religiões.
E se Abraçarmos a Liberdade Religiosa?
A liberdade religiosa ou a liberdade de religião ou crença tem sido difícil de abraçar por causa das implicações que ela exige para a forma como vivemos e nos relacionamos com os outros. Mas se essa liberdade fosse adotada, não haveria genocídios, nem conquistas, nem subjugação de pessoas, nem dominação e domesticação de outras pessoas, nem tráfico de seres humanos e escravidão, contemporânea ou antiga. Não haveria anexações territoriais privando grupos de pessoas e indivíduos do seu espaço de vida e recursos.
Os Estados não usariam leis anti blasfémia e leis anti conversões para repreender, reprimir, perseguir, prender e assassinar vozes dissidentes. A dignidade da diferença seria celebrada, se ninguém fosse prejudicado, ferido, humilhado e ostracizado por acreditar de forma diferente. Por outro lado, o direito de ser diferente não seria usado para forçar as sociedades a legitimar escolhas pessoais não condizentes com as crenças de outras pessoas. A liberdade de crença nunca deve ser usada para impor uma crença aos outros.
Na esfera religiosa, as religiões do mundo usariam o poder do testemunho e da persuasão pacífica para partilhar as suas convicções. Não haveria coerção, conversões forçadas ou intimidação para não se converter. Os cristãos exaltariam Cristo em vez de conversões forçadas e de domínio militar para subjugar as populações indígenas. A missão, ao contrário de alguma da sua dolorosa história, seria apenas um mandato para testemunhar do Príncipe da Paz e do Seu chamado para a reconciliação com Deus e uns com os outros.
Visão da Bíblia
Uma dimensão incontestável da liberdade religiosa é revelada no quinto capítulo do livro de Gálatas. O apóstolo Paulo argumenta que toda a fé cristã se baseia na ideia de liberdade. Ele escreveu: “Estai, pois, firmes na liberdade com que Cristo nos libertou, e não torneis a meter-vos debaixo do jugo da servidão.” Ele repete esta premissa nos vs. 13 e 14:
“Porque vós, irmãos, fostes chamados à liberdade. Não useis, então, da liberdade para dar ocasião à carne, mas servi-vos uns aos outros pelo amor. Porque toda a lei se cumpre numa só palavra, nesta: Amarás ao teu próximo, como a ti mesmo.”
Nesse contexto, o apóstolo Paulo culmina o seu argumento com uma apresentação do “fruto do Espírito”. O objetivo final da liberdade, da liberdade religiosa e de outras liberdades também, é o amor. Mais especificamente, e de forma abrangente, o objetivo da liberdade é o fruto do Espírito Santo: “amor, gozo, paz, longanimidade, benignidade, bondade, fé, mansidão e temperança” (Gálatas 5:22 e 23).
Se essas coisas forem acreditadas; se esta árvore amadurecer; se esse fruto aparecer, veremos claramente que temos responsabilidades individuais, interpessoais, sociais, políticas, económicas e espirituais, que devemos agir para as cumprirmos. A fé não requer nada menos de nós. Pessoas de muitas e diferentes crenças e tradições filosóficas podem unir-se para promover essa liberdade fundamental e incontestável, para uma coexistência pacífica, para a restauração das relações humanas e para a saúde da sociedade através da dignidade da diferença.
Ganoune Diop, Secretário-Geral da Associação Internacional de Liberdade Religiosa e Diretor de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da sede mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia. Também atua como Secretário da Conferência dos Secretários das Comunhões Cristãs Mundiais.
TEMA
Dr. Jaime Rossell GranadosO Princípio da Cooperação como Instrumento de Gestão da Religião em Espanha
Introdução
Quandonos referimos ao direito à liberdade religiosa – a primeira das liberdades, nas palavras de Jemolo –, não há dúvida de que estamos a referir-nos a um direito inerente à natureza humana, um direito que deve ser qualificado como fundamental e que sempre foi reconhecido ao lado do direito à liberdade de pensamento e de consciência. No entanto, essas liberdades nunca teriam um efeito prático se não fossem reconhecidas pelos sistemas jurídicos.
E o facto é que, embora os pensamentos, crenças ou religião das pessoas sejam direitos que pertencem à esfera íntima dos indivíduos, desde o momento em que são associados a atividades externas, o Estado deve garanti-los e protegê-los. Neste contexto, a Espanha é um dos países que tentou conceder aos indivíduos e confissões religiosas um marco legal dentro do qual possam desenvolver e exercer o seu direito à liberdade religiosa, construindo um sistema de direito eclesiástico em que o direito de todos os indivíduos à liberdade religiosa é reconhecido, independentemente da crença que professem, e dentro do qual todas as denominações gozam de status semelhante no sistema jurídico interno.
Com o advento da democracia e a promulgação da Constituição em 1978, houve uma mudança na forma como o Estado entendia o fenómeno religioso, o que trouxe consigo o reconhecimento de uma série de direitos fundamentais, entre eles o direito à liberdade religiosa. Um direito fundamental, público e subjetivo, como salientou o Tribunal Constitucional num dos primeiros acórdãos que proferiu, de propriedade individual e coletiva, que, por sua vez, se divide noutros. A liberdade
religiosa não é apenas poder rezar ou adorar, mas também o direito de celebrar casamentos ou ritos fúnebres de acordo com as crenças, celebrar feriados, ter educação religiosa nas escolas, ter assistência religiosa em hospitais, prisões e forças armadas, etc..
O artigo 16 da Constituição garante a liberdade de ideologia, religião e culto para indivíduos e grupos, sujeita apenas à manutenção da ordem pública. Afirma que ninguém pode ser obrigado a declarar as suas crenças e, por último, estabelece, como modelo, um Estado não confessional, em que as crenças religiosas da sociedade serão levadas em conta, e onde serão mantidas relações de cooperação com a Igreja Católica e com outras denominações religiosas.
Além disso, são deduzidos da Constituição quatro princípios que devem orientar as relações entre o Estado e as Igrejas: o princípio da liberdade religiosa, que deve ser entendido como uma atitude adotada pelo Estado em relação ao fenómeno religioso; o princípio da neutralidade e não-denominacionalidade, que sublinha a imparcialidade do Estado em relação às diferentes opções religiosas e implica que professar uma religião não é uma liberdade ou direito que o Estado possa exercer; o princípio da igualdade e não discriminação por motivos religiosos, tanto para indivíduos como para grupos; e, por último, o princípio da cooperação, que é o que dá sentido ao nosso sistema de relações Estado-Igreja.
O princípio da cooperação é instrumental e está alicerçado no facto de que as autoridades públicas devem não apenas garantir um espaço de imunidade livre e repressão de condutas que violem ou interfiram no exercício de direitos fundamentais, mas também devem assumir a tarefa de promover esses direitos.
Assim, as crenças religiosas passam a ser objeto de atenção específica e privilegiada do Estado, embora a cooperação com as denominações deva ser assegurada de forma a proteger a liberdade e a igualdade tanto dos grupos religiosos como dos não crentes. O Estado, para ser fiel a este princípio, não pode considerar a religião como uma simples questão de consciência que pertence à esfera íntima e privada do indivíduo, mas sim valorizá-la positivamente, facilitando e promovendo as condições que permitam exercer este direito. Por isso, deve buscar um entendimento
com as denominações religiosas para regular aquelas expressões do fenómeno religioso com importância jurídica no direito estatal.
Para cumprir este mandato, desde a promulgação da Constituição, estabeleceu-se em Espanha um modelo de gestão da diversidade religiosa, que foi definido como um ‘modelo de secularismo positivo’ pelo nosso Tribunal Constitucional em vários acórdãos. Um modelo que, afastando-se das orientações denominacionais e seculares, consagrou a liberdade como a pedra angular do sistema.
A assinatura, em janeiro de 1979, de quatro acordos com a Igreja Católica estabelecendo um novo marco legal para as relações com o Estado, tornou necessário preparar um modelo de relacionamento com as demais confissões religiosas estabelecidas no nosso país que estivesse em consonância com a princípios constitucionais citados.
Por esse motivo, a Lei Orgânica de Liberdade Religiosa (LOLR) foi promulgada em 1980, sendo uma ferramenta fundamental para viabilizar este modelo. A meu ver, a intenção do legislador era regular o fenómeno religioso naqueles aspetos que não tinham sido contemplados na altura pelo constituinte, mas também definir como aplicar o princípio constitucional da cooperação, seja oferecendo a possibilidade de legislar unilateralmente ou por meio de acordos, como já acontecia com a Igreja Católica. Para que isso seja possível, os seus artigos estabelecem e regulamentam as diferentes manifestações do direito à liberdade religiosa que ela reconhece para indivíduos e comunidades, e que giram em torno do conteúdo individual e coletivo desse direito e da função promotora do Estado; os limites do seu exercício e a sua proteção jurisdicional; o estatuto jurídico de que gozarão as entidades religiosas; a possibilidade de assinatura de acordos de cooperação; e a criação de uma Comissão Consultiva sobre Liberdade Religiosa.
Ao longo dos seus mais de quarenta anos de existência, a lei foi criticada por ser muito curta, com apenas oito artigos. Mas, contra essa crítica, tenho de argumentar que é precisamente aí que reside o seu valor. A sua brevidade dotou-a de uma flexibilidade que lhe permitiu adaptar-se progressivamente a uma realidade social multirreligiosa, na altura praticamente inexistente no nosso país, criando uma série de ferramentas
para que o Estado coopere eficazmente com as confissões religiosas, conforme previsto no n.º 3 do artigo 16.º da nossa Constituição: a criação de um Registo de Entidades Religiosas, que reconhece a sua personalidade jurídica civil (reformado pelo RD 594/2015, de 3 de julho), a Comissão Consultiva para a Liberdade Religiosa (reformada pelo RD 932/2013, de 29 de novembro) e a possibilidade de celebração de acordos de cooperação entre as confissões religiosas e o Estado. Com o benefício da retrospetiva que nos foi dada pelo tempo decorrido desde a sua promulgação, devemos destacar que a LOLR foi pioneira entre vários países ao nosso redor; tornou-se num modelo de gestão das relações entre o Estado e as confissões religiosas nos países que aderiram à UE após a queda do Muro de Berlim; e antecipou algumas das abordagens propostas pela União Europeia para administrar a religião.
A Cooperação do Estado com as Confissões Religiosas como Instrumento de Gestão da Religião
Como assinalámos, o Estado, de acordo com o mandato constitucional do artigo 16 3.º, e em observância do princípio da igualdade e da não discriminação, tomou como exemplo o modelo de relações estabelecido com a Igreja Católica em 1979. Estes acordos foram extremamente importantes, não só pelo que significaram para as relações entre o Estado e a Igreja Católica, mas também porque a existência desses acordos determinou a extensão desse modelo pacífico a outras confissões religiosas que tinham sido registadas e que se tornaram notoriamente arraigadas.
A Conferência Episcopal Espanhola também desempenhou um papel extremamente importante no desenvolvimento e implementação dos Acordos de 1979 entre o Estado e a Igreja Católica, uma vez que o texto dos Acordos de 1979 exigia um maior desenvolvimento legislativo e estava previsto que a sua interpretação fosse feita por ambos os signatários. Neste contexto, e desde 1981, têm vindo a funcionar várias Comissões Mistas Estado-Igreja, com diferentes composições e funções, mas sempre com o objetivo de promover a harmonização dos critérios de interpretação dos Acordos de 1979 e de resolver todas as questões surgidas durante este período.
O Princípio da Cooperação como Instrumento de Gestão da Religião em Espanha
No caso de outras confissões religiosas, o Estado decidiu estabelecer relações de cooperação por meio de dois canais distintos e, nalguns casos, complementares. Por um lado, pela técnica da legislação unilateral, mas também – e esta foi a grande novidade do nosso sistema jurídico eclesiástico –, pela assinatura de acordos. Essa possibilidade, como já mencionado, estava prevista no artigo 7.1 da LOLR e estabelecia, como requisitos, que a denominação religiosa estivesse inscrita no Registo de Entidades Religiosas e que, considerando a sua abrangência e número de fiéis, estivesse ‘visivelmente enraizada’.
Em 1992, foram assinados acordos entre o Estado espanhol e a Federação de Entidades Religiosas Evangélicas de Espanha, a Federação das Comunidades Judaicas de Espanha e a Comissão Islâmica de Espanha, criando um quadro específico de direitos para denominações em que os direitos já usufruídos pela Igreja Católica como consequência dos acordos de 1979 foram inevitavelmente considerados como uma referência.
Nesse contexto, o texto dos três acordos oferece a possibilidade de obtenção de benefícios fiscais; de prestação de assistência religiosa nas Forças Armadas, Hospitais e Prisões; a possibilidade de o ensino religioso ser ensinado nas escolas; a alimentação e o abate de animais de acordo com certos ritos religiosos; a eficácia civil dos casamentos celebrados de forma religiosa; sepultamento de acordo com certos ritos religiosos ou o estabelecimento de feriados religiosos no calendário laboral. Mas, como no caso da Igreja Católica, tudo isso está sujeito a desenvolvimento legislativo posterior, que, nalguns casos, já existia, e, noutros, foi desenvolvido ou ainda está pendente.
Apesar das dificuldades iniciais no desenvolvimento do texto dos acordos, o progresso obtido desde a assinatura dos acordos tem sido mais do que notável. Atualmente, do ponto de vista da legislação estatal, o casamento celebrado de forma religiosa é reconhecido como tendo eficácia civil; os ministros religiosos foram integrados no sistema geral de segurança social e receberam um estatuto semelhante ao de empregados; é reconhecida a assistência religiosa nas Forças Armadas e prisões, embora não haja compromisso financeiro do Estado para custeá-la; é reconhecido o direito de acesso aos meios de comunicação públicos; são
reconhecidos os mesmos benefícios e isenções fiscais de que goza a Igreja Católica, embora ainda tenha de ser estabelecido um sistema de financiamento direto; e, na esfera laboral, estão a ser envidados esforços para que os acordos coletivos de trabalho reconheçam os feriados religiosos, o descanso semanal e tenham em conta a natureza específica da celebração de feriados como o Ramadão, em aplicação do disposto na Diretiva Europeia 2000/78 sobre a não discriminação por motivos religiosos, procurando conciliar os interesses dos trabalhadores muçulmanos e os direitos dos empregadores, aplicando o princípio da adaptação razoável.
Além disso, a necessidade de desenvolvimento legislativo de determinadas matérias, aliada à especificidade do nosso sistema de organização política, tem exigido que o sistema de acordos funcione a vários níveis. Assim, as Comunidades Autónomas, nas matérias em que são competentes, podem legislar, mas também têm a possibilidade de celebrar acordos com estes grupos religiosos. De facto, nos últimos anos foram celebrados vários acordos por algumas comunidades com confissões religiosas que já tinham celebrado acordos a nível nacional sobre a conservação do património histórico e artístico, o ensino religioso nas escolas e a assistência religiosa. Mesmo conselhos locais e outras agências dependentes do Estado estabeleceram acordos sobre assuntos da sua competência.
E, embora possa parecer que o nosso sistema estabelece um modelo em que apenas denominações com convénios podem obter benefícios, o legislador queria que denominações que apenas sejam reconhecidas como ‘visivelmente arraigadas’ também usufruam de determinados benefícios. Nesse contexto, a promulgação, em 2015, da Lei de Jurisdição Voluntária reformulou o Código Civil, permitindo que os casamentos religiosos celebrados segundo o rito dessas denominações sejam registados no Registo Civil e tenham eficácia civil.
Mas ainda há uma última ferramenta, criada pelo Ministério da Justiça em 2004, e que agora está sob a alçada do Ministério da Presidência, Relações com o Parlamento e Memória Democrática – a Fundação Pluralismo e Coexistência. Essa Fundação pública reforça a ideia da participação das minorias nos processos de participação política e social e, portanto, na gestão do fenómeno religioso.
Nesse contexto, a Fundação tem como objetivo promover a liberdade religiosa por meio da cooperação com denominações minoritárias, especialmente aquelas que estão visivelmente arraigadas, e ser um espaço de pesquisa, debate e implementação de políticas públicas de liberdade religiosa. Tudo isso está voltado para a normalização da diversidade religiosa e a criação de um quadro adequado de convivência. Nesta perspetiva, os objetivos do trabalho da Fundação são os seguintes:
a) Em relação às minorias religiosas: Favorecer a visibilidade e a participação das denominações minoritárias nos processos de construção social; fomentar o diálogo entre as denominações minoritárias e as instituições, para que as pessoas que a elas pertencem possam exercer plenamente a sua liberdade religiosa; e promover atividades que favoreçam o conhecimento, o diálogo e a aproximação entre as denominações e entre as denominações e a sociedade.
b) Em relação à sociedade: Incentivar a formação de uma opinião pública informada, respeitadora da liberdade religiosa, do pluralismo e dos processos de melhoria da coexistência.
c) Em relação às administrações públicas: Fomentar o reconhecimento social e institucional das entidades religiosas pertencentes a confissões minoritárias; e promover a atenção à diversidade religiosa nas diferentes áreas da gestão pública.
Conclusões
É bastante claro que ainda há muito a fazer, mas também é verdade que, em muito pouco tempo, a sociedade espanhola se dotou de um quadro jurídico no qual indivíduos e grupos podem exercer livremente o seu direito à liberdade religiosa. O projeto desse sistema, baseado no princípio constitucional da cooperação, não foi original, mas foi uma revolução num país que vinha de um modelo de denominação estatal. Através deste modelo de ‘secularismo positivo’, o Estado não só tem procurado gerir a religião de forma a cumprir o disposto no artigo 16.º da Constituição, como tem dado um papel preponderante aos grupos religiosos como interlocutores da sociedade civil a que pertencem. Não só para gerir e responder às necessidades dos crentes, mas também para
criar um espaço seguro de coexistência dentro da comunidade multirreligiosa que a nossa sociedade se tornou.
O reconhecimento da personalidade jurídica das confissões religiosas inscritas no Registo de Entidades Religiosas não só lhes confere direitos, mas também possibilita a sua participação nos processos políticos e sociais para que a sua contribuição seja útil para, entre outras coisas, combater a marginalização e a exclusão desses grupos vis-à-vis a religião dominante ou prevenir ataques contra eles, através da adoção de medidas legislativas.
A Comissão Consultiva de Liberdade Religiosa tornou-se num espaço no qual o diálogo inter-religioso é institucionalizado e promovido, pelo menos entre as denominações que se tornaram ‘visivelmente arraigadas’ no nosso país, permitindo que a Administração, em diálogo com elas, gerencie a diversidade religiosa no nosso país de forma mais eficaz. Essa ideia já tinha sido defendida no Fórum sobre Questões das Minorias de 2013, que observou que “os Estados devem considerar a criação ou facilitar o estabelecimento de instituições nacionais e regionais destinadas a promover o diálogo entre as religiões, bem como projetos que promovam uma cultura de compreensão e um espírito de aceitação”. A criação de instituições formais e informais, a nível nacional e local, e de plataformas de diálogo onde representantes de grupos religiosos possam reunir-se regularmente para discutir questões de interesse comum deve ser encorajada e promovida a nível comunitário.
Através deste tipo de iniciativas, “deve ser aproveitado o potencial dos líderes religiosos e políticos para contribuir para a construção de sociedades tolerantes e inclusivas e para iniciar e apoiar esses esforços e atividades”, mas também devemos ter em mente o papel que os jovens e as mulheres podem ter. Como já salientei noutras ocasiões, “este tipo de participação das minorias torna-se numa condição essencial para garantir uma identidade coletiva, o sentido de pertença a uma comunidade, a coesão social e, em última análise, a segurança”. Graças ao quadro legal que foi criado, os indivíduos podem crescer como crentes tanto na esfera privada como na pública, enquanto os poderes públicos, ao exercerem a sua função promotora, permitem que o exercício do direito
O Princípio da Cooperação como Instrumento de Gestão da Religião em Espanha
à liberdade religiosa se torne real e efetivo dentro dos limites da ordem pública. Consequentemente, a filiação religiosa do indivíduo é colocada em segundo plano, e o termo “cidadania” assume o centro das atenções. É este termo, cidadania, quer dizer, o sentido de pertença a uma comunidade política, que vai reconhecer os direitos fundamentais do indivíduo e permitir-lhe exercê-los livremente.
Mas, para que isso seja possível, é necessário empenhar os diferentes parceiros sociais envolvidos de forma a dar legitimidade ao processo. Não se trata de dar protagonismo nesse processo a cada crente ou grupo religioso que acredita ter o direito de estar nessa posição, mas sim de coordenar mecanismos e sistemas de representação que permitam que a grande maioria deles seja representada ou, pelo menos, seja ouvida. Trata-se de construir um modelo de governação na gestão do fenómeno religioso no qual os parceiros sociais possam participar verdadeiramente das decisões que os afetam. Para tal, consideramos fundamental o diálogo e a cooperação entre o Estado e as confissões religiosas.
Jaime Rossell Granados, Professor de Direito e Religião, foi Diretor-Geral Adjunto de Relações com as Denominações Religiosas no Ministério da Justiça (outubro 2015-julho 2018). Especializou-se no estudo do exercício e desenvolvimento da Liberdade Religiosa na Europa, nas relações Igreja-Estado, no fenómeno da migração religiosa em Espanha e nas consequências jurídicas da interculturalidade.
As fontes mencionadas neste artigo podem ser encontradas nas páginas 148-150.
TEMA
Pedro Torres
Liberdade de Consciência e Liberdade Religiosa no Direito Público Francês
Jean-Marc Sauvé, vice-presidente do Conselho de Estado, no estudo coletivo realizado por ocasião do 15º aniversário do Supremo Tribunal Administrativo da Lituânia, expressou-se bem quando falou da Constituição Francesa.
O primeiro artigo da Magna Carta da Quinta República Francesa, promulgada em 4 de outubro de 1958, começa com a seguinte afirmação: “A França será uma República indivisível, laica, democrática e social. Deve assegurar a igualdade de todos os cidadãos perante a lei, sem distinção de origem, raça ou religião. Deve respeitar todas as crenças.”1
No frontispício da atual Constituição francesa, o artigo 1º afirma, após a sua unidade, o caráter laico da República Francesa, usando o termo “laïque” (leigo ou secular) em francês. Essas disposições afirmam tanto um princípio de liberdade religiosa, a igualdade para os cidadãos, como um princípio de neutralidade e imparcialidade das pessoas públicas em relação a todas as religiões.
Essa neutralidade deveria ser a base, mas, na prática, existem diferentes tendências para a neutralidade passiva ou laicidade tradicional, e a laicidade militante, também denominada “néo-laïcité”, que promove a neutralidade do governo ao impor alguns princípios que, nalguns casos, podem entrar em conflito com crenças religiosas, como a proibição de usar símbolos religiosos em espaços públicos.
Um Exemplo de Consequências Não Ponderadas
Há um exemplo de consequências não ponderadas que poderia mostrar nas entrelinhas que ter uma ideia oculta por detrás de uma legis-
lação secular que regule práticas religiosas de um ponto de vista secular, restringindo as liberdades religiosas, poderia prejudicar os outros ao pensar apenas num grupo.
O contexto começa com a proibição de usar trajes ostensivos ou roupas que demonstrem pertença a uma religião em qualquer espaço público, que foi aprovada na lei francesa, mais exatamente na lei n° 2004-228, de 15 de março de 2004, enquadrando, em aplicação do princípio da laicidade, o uso de sinais ou vestimentas de filiação religiosa em escolas públicas, faculdades e escolas secundárias. O primeiro artigo diz: “Um artigo L. 141-5-1 é inserido no Código de Educação após o artigo L. 141-5 e diz o seguinte: ‘Art. L. 141-5-1. – Nas escolas públicas, faculdades e escolas secundárias, é proibido o uso de cartazes ou roupas pelos quais os alunos manifestem ostensivamente a sua afiliação religiosa.’”
Esta lei foi posteriormente ampliada com a interdição do niqab, com a lei n° 2010-1192, de 11 de outubro de 2010, onde se lê no artigo 1: “Ninguém pode, no espaço público, usar roupas destinadas a esconder o rosto.” Isso estendeu-se às meninas da escola, bem como às assistentes femininas das atividades extraescolares.
É verdade que esta lei também especifica que os locais ou espaços públicos religiosos são a exceção da lei: “A proibição de esconder o rosto no espaço público não pode, sem violar excessivamente o artigo 10 da Declaração de 1789, restringir o exercício da liberdade religiosa em locais de culto abertos ao público.”2 Mas, dado que o uso da expressão “violar excessivamente” está incluído, a subjetividade está presente, e uma interpretação de diferentes casos pode ser necessária. Pode-se concluir que, nesta redação, se admite, em certo grau, que o artigo 10 da Declaração de 1789 seja infringido em diferentes graus, dependendo da situação, e que, dependendo do “grau”, poderia ser “aceitável”. A questão é, quando é “demais” e quando não é, portanto, justificável. Nenhum “grau” deve ser aceitável.
O dano colateral e a consequência vieram depois. Tornou-se mais visível depois de esta notícia ter sido publicada no Le Figaro: “Freira católica rejeitada num lar de idosos por usar véu e hábito.”3 Tornou-se mais difícil, depois desse tipo de notícia, pensar que o verdadeiro princípio por detrás de todas essas ações legais é exclusivamente a neutralidade do
Liberdade de Consciência e Liberdade Religiosa no Direito Público Francês
Estado, e não o medo da presença crescente de uma religião estrangeira, até então minoritária.
Se um princípio está bem estabelecido, entender a diferença entre proselitismo e práticas religiosas que respondem à liberdade de viver e praticar a fé (segundo o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH), por exemplo, cobrir-se (seja por um kippa, ou um hijab, ou um véu de freira católica) responde à necessidade pessoal, e é uma demonstração pessoal de respeito a Deus, em vez de um esforço de proselitismo.
Assim, a incompreensão do que está por detrás do comportamento religioso sugere que uma lei possa facilmente afetar outros grupos religiosos não considerados (ou visados) no momento da redação dessa lei, se os legisladores tiveram em mente (intencionalmente ou não) um único grupo religioso.
Uma Discussão nos Bastidores
Mas, por detrás dessas solenes proclamações da Constituição francesa, artigo 1, estão também os vestígios de uma discussão, às vezes acirrada, entre os partidários de uma religião de Estado e os defensores de uma República livre de qualquer matiz religioso, os chamados concordatários (concordataires)4 e os separatistas.5
A noção de secularismo pode parecer ambígua, cada um tendo sempre a tendência, neste campo, de identificar a sua própria visão subjetiva da laicidade no absoluto6 como uma firme oposição à Igreja Católica no início do século XX, e hoje também pode ser diluída ou ampliada na oposição ao extremismo religioso ligado ao terrorismo.
A base ou fundamentos para esta separação entre Estado e Religião encontra-se muito antes, na lei de 9 de dezembro de 1905, também denominada “Lei da liberdade”.7 Essa lei foi a definição legal e o regulamento para preservar qualquer atividade religiosa fora do governo e da neutralidade do Estado.
Essa lei baseia-se também no artigo 10º da “Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789” (Déclaration des droits de
l’homme et du citoyen de 1789), que diz: “Ninguém será incomodado devido às suas opiniões, mesmo religiosas, desde que a sua manifestação não perturbe a ordem pública estabelecida pela Lei.”
A Constituição Francesa de 1958 baseia-se numa lei de 1905, baseada noutro texto de 1789, para a articulação de uma definição de laicidade, mas nem sempre em plena sintonia com o artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH).
Mais tarde, na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 10 de dezembro de 1948, o artigo 18 vai ainda mais longe: “Todos têm direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença, e a liberdade, sozinho ou em comunidade com outros e em público ou privado, de manifestar a sua religião ou crença no ensino, na prática, no culto e na observância.”
A neutralidade do Estado implica que todos possam praticar a religião da sua escolha. Se há um espaço que inibe a religião e qualquer prática que não esteja relacionada com o proselitismo, então uma pessoa vê-se impedida de viver plenamente o artigo 18 da DUDH, e como pode ser concluído na redação “violar excessivamente”, como visto antes.
O laicismo francês nasceu para proteger a liberdade religiosa e para preservar a neutralidade do Estado, mas o secularismo e os medos empurraram as linhas a tal ponto que o laicismo poderia ser percebido como uma restrição de qualquer expressão religiosa de qualquer tipo, além do que o Estado autoriza, tentando proibir os indivíduos de se expressarem em espaços públicos, expressão essa que faz parte dos direitos fundamentais (artigo 18 da DUDH). Não está claro onde a linha de neutralidade começou a derreter, cedendo às restrições religiosas e desigualdades em certas áreas impostas pelas leis.
Outro Exemplo: Os Observadores do Sábado Acho que essa neutralidade objetiva, que deveria dar lugar à Igualdade (Égalité) preconizada pela República de França, nem sempre permite que todos exerçam não apenas as suas liberdades na sua plenitude, mas também os seus direitos, quando estes entram em conflito com as suas convicções e princípios religiosos, como, no caso dos Adventistas
e Judeus, a observância do dia de repouso no Sábado. Os princípios da equidade e da igualdade não são a mesma coisa.
Uma das principais “práticas” ou “observâncias religiosas” para Adventistas e Judeus é a guarda do dia de repouso no Sábado. O guardador do Sábado tem a opção de seguir a sua consciência, mas, às vezes, isso significa não gozar de certos direitos, ou mesmo sofrer consequências administrativas em relação a, ou em comparação com, outros cidadãos. Noutros países, quando o governo ou as instituições públicas se deparam com determinadas situações relacionadas com essa questão, o governo busca uma solução que concilie o princípio da igualdade de oportunidades, o respeito à consciência e à religião e a prática da “observância” ou culto, bem como a neutralidade do Estado.
Esta neutralidade não é necessariamente a imposição de uma opção única, como acontece frequentemente em França, mas pode também incluir alguma flexibilidade, adotando soluções para cada caso, como garantindo o direito de acesso de um aluno a um exame, mas de uma forma que não implica uma vantagem sobre outros candidatos. Várias fórmulas podem ser encontradas, como o caso de Espanha, onde o Supremo Tribunal apoiou o direito de uma mulher Adventista do Sétimo Dia de não fazer um exame no Sábado.8 Mas é preciso estar disposto a compreender a conceção liberal do princípio do laicismo para aplicar este princípio em França, e pedir às administrações públicas que forneçam soluções adaptadas a cada caso, preservando a equidade e a igualdade e respeitando a Liberdade Religiosa de cada indivíduo.
A realidade do paradigma religioso hoje não corresponde à do início do século XX, compreendendo uma paisagem mais ampla e mais variada.
A rigidez e a intransigência na defesa de determinados espaços públicos, inclusive os educativos, contra uma forma de proselitismo, disfarçado ou não, pode ser confundida com uma limitação dos direitos do indivíduo de exercer a sua liberdade de culto, incluindo a observância do dia do culto religioso.
Quando se rejeita qualquer tolerância ou esforço para encontrar uma solução conciliadora, com fundamento na “igualdade”, enquanto o
caso é uma legítima objeção religiosa fruto do que deveria ser o exercício de um direito como a Liberdade Religiosa, essa recusa em tolerar uma diferença legítima torna-se numa intransigência que deixa a igualdade muito para trás, e logo que a igualdade se desfoca, é difícil encontrar a liberdade preconizada, e é difícil ser considerado pelo outro como parte de uma fraternidade (Liberté, Égalité et Fraternité ).
Estou convencido de que, em muitos casos, com a desculpa de tratar todos os cidadãos igualmente em nome da laicidade, a conveniência administrativa prevalece de modo a evitar esforços extraordinários para adaptar as circunstâncias ou soluções a todos os tipos de cidadãos, respeitando a pluralidade religiosa com as suas múltiplas manifestações.
Trata-se mais de uma questão de vontade administrativa e, portanto, política, do que de modificar um princípio como a laicidade, que, em si mesmo, foi bem concebido desde o início.
Pedro Torres, Secretário-Executivo, AIDLR França. Especialista em comunicações e redes sociais, esteve envolvido com a AIDLR, em Espanha, de 2011 a 2016 e, em França, desde 2018.
As referências deste artigo podem ser encontradas nas páginas 150 e 151.
TEMA
Dr. John GrazChina: Esperanças Frustradas
A República Popular da China pode gabar-se de ter conseguido uma extraordinária reviravolta no país.
Aminha primeira viagem à China foi de 29 de maio a 8 de junho de 1998. Levou-me de Xangai a Wuxi, depois a Nanking e, finalmente, a Pequim. Em cada uma dessas cidades, visitámos membros da Igreja Adventista do Sétimo Dia, juntamente com autoridades religiosas e civis. Aprendi a não dizer “Igreja Adventista na China” porque, oficialmente, ela não existia. Os Adventistas fazem parte do Conselho Cristão Chinês (CCC), fundado em 1980, e que inclui todas as igrejas protestantes reconhecidas. Tornou-se membro do Conselho Ecuménico das Igrejas em 1991.1 O CCC é responsável por treinar pastores em 13 seminários, fornecer instrução teológica, publicar Bíblias e literatura cristã e realizar intercâmbios entre igrejas na China e no exterior.
A organização que eu conhecia era o Movimento Patriótico das Três Autonomias2 (TSPM), um órgão de ligação entre o protestantismo oficial e o governo.3 Os princípios do Movimento Patriótico das Três Autonomias são: autogestão, autofinanciamento e autopropagação. Esses princípios referem-se ao chamado “método Nevius” do missionário John Livingstone Nevius (1829-1893), adotado por Henry Venn e Rufus Anderson na época da Sociedade Missionária de Igrejas de 1841 a 1873. O objetivo missionário era fazer com que as igrejas na China deixassem de ser dependentes de organizações cristãs externas.
Este princípio foi elaborado para a China na conferência de Xangai, em 1892. Em 1954, a nova República Popular da China adotou-o com a intenção de controlar as igrejas, dando-lhes uma dimensão
patriótica, anti-imperialista, anticapitalista,4 e isolando-as das suas igrejas irmãs estrangeiras.
No entanto, se nos referirmos ao artigo 36 da Constituição, a liberdade religiosa é oficialmente aceite: “Os cidadãos da República Popular da China gozam de liberdade religiosa. Nenhum órgão do Estado, nenhum grupo social, nenhum indivíduo pode forçar um cidadão a casar ou a não praticar uma religião, nem adotar uma atitude discriminatória em relação a um cidadão crente ou incrédulo.” A frase seguinte é importante: “O Estado protege as práticas religiosas normais.” Assim, qualquer prática que o Estado secular considere anormal seria condenada.
Estas incluem qualquer ataque à ordem pública, à saúde, à educação estatal e, sobretudo, grupos e assuntos religiosos que não estão sujeitos a qualquer dominação estrangeira.5 Em teoria, portanto, a religião tem o direito de existir na China, como noutros lugares na maioria dos países com regime comunista. Existem cinco religiões reconhecidas: budismo, catolicismo, taoísmo, islamismo e protestantismo, todas sujeitas ao controlo do Estado e do Ministério de Assuntos Religiosos do governo. Nesse contexto, os Adventistas, que observam o Sábado como dia de descanso, gozam de tratamento especial:6 podiam reunir-se aos Sábados nas igrejas protestantes. Com todos os ramos do protestantismo unificados, já não era necessário aumentar o número de edifícios de igreja.
A minha primeira visita à China foi o meu contacto inicial com essa realidade. Naquele momento frutífero, e nos anos que se seguiram, a condição da liberdade religiosa parecia estar a melhorar. Os relatórios que recebíamos, os testemunhos e os contactos regulares que tínhamos com as autoridades apontavam nesse sentido. A visita de dois presidentes da Conferência Geral em 2009 e 2011 apenas confirmou essa impressão.
O presidente da Conferência Geral Adventista, Jan Paulsen, disse, durante uma saudação pública: “... tanta coisa mudou na China nas últimas duas décadas, e embora a liberdade – maior liberdade – seja difícil de medir, estou muito grato por tanta coisa ter mudado nesta nação.”
Dois anos depois, a visita do presidente da CG Ted N. Wilson, acompanhado pelos mais altos líderes da Igreja Adventista, confirmou o fortalecimento do nosso relacionamento oficial. Wilson teve a oportuni-
dade de se encontrar com vários milhares de membros, dos quais três mil estavam em Xangai. Um progresso significativo parecia ter sido feito.7 O número de membros foi estimado em 400 000, a grande maioria dos quais eram mulheres.8 Várias igrejas recém-construídas, com capacidade para milhares, ousavam exibir o logotipo da Igreja Adventista.
Desde 2013, no entanto, com a ascensão de XI Jinping ao poder, as coisas mudaram.
Retorno
à Perseguição
Levei algum tempo para perceber isso. Tinha tido boas impressões durante a minha última viagem a Pequim de 11 a 13 de dezembro de 2012. Fui convidado, juntamente com vários académicos americanos e europeus, para um simpósio sobre ajuda humanitária a organizações religiosas.
Tive o privilégio de presidir uma sessão plenária e uma reunião perante muitos alunos. O evento foi excecional. Um responsável saudou com entusiasmo a chegada de uma nova primavera chinesa no campo da cooperação com organizações religiosas de ajuda. Tudo sugeria que os crentes poderiam fornecer ajuda humanitária aos cidadãos chineses mais pobres, como acontecia em muitos países.9 Obviamente, havia regras a seguir. Mas essa abertura apenas confirmou as impressões das minhas viagens anteriores e a presença de relativa liberdade.
Alguns dias depois, soube que uma declaração do PCC (Partido Comunista Chinês) advertia contra a intrusão de religiões na academia. Essa reação marcou um retorno à política de mente fechada baseada na ideologia marxista ateísta.
As Razões para Esta Mudança
A República Popular da China pode gabar-se de ter conseguido uma extraordinária reviravolta no país. Tenho lembranças de uma China extremamente pobre com alto índice de corrupção das classes dominantes; uma imagem de crianças pequenas a morrerem de fome na beira da estrada vem à mente. Em pouco mais de cinquenta anos, o país saiu da pobreza e tornou-se na segunda superpotência mundial. Devemos sempre ter isso em mente se quisermos entender a China hoje.
Napoleão, que tinha erguido a França após a revolução, entendeu bem isso: “Quando a China acordar, o mundo vai tremer. A China era um gigante adormecido.” O gigante despertou, e temos que lidar com ele.10 Mas, porquê perseguir as religiões? Por que não vinculá-las à nação, garantindo-lhes as mesmas liberdades que têm nos Estados Unidos da América, no Brasil, na Europa, na África... Porquê recair nos erros da União Soviética?
Com a ascensão do presidente XI Jinping em 2013, iniciou-se um novo período de regressão das liberdades, levando ao fecho prepotente de locais de culto, à remoção de cruzes expostas nas igrejas e ao interrogatório e prisão de líderes religiosos.11 O presidente chamou os membros do PCC à ordem.
Em 2018, o PCC estabeleceu um plano de cinco anos para a sinicização das religiões. O objetivo é promover um cristianismo chinês com as cores do marxismo. O plano inclui a retradução de algumas passagens da Bíblia e anotações para estar mais de acordo com o ideal socialista. Aqueles que se opõem a isso são condenados.12
Por exemplo, na província de Zhejiang, entre 2015 e 2016, as autoridades removeram cruzes de cerca de 1700 igrejas e substituíram-nas por bandeiras chinesas. Retratos de Jesus foram proibidos em casas nas províncias de Jiangxi e Henan, e citações bíblicas foram removidas das portas de casas habitadas por cristãos. Em 2019, testemunhas relataram que os 10 Mandamentos tinham sido removidos de quase todas as igrejas oficiais e substituídos por citações do presidente. O governo controla o conteúdo dos sermões, os estudantes universitários não podem frequentar as igrejas e as Bíblias já não podem ser vendidas na Internet.13
A igreja evangélica de Jindengtai, localizada em Linfen, na província de Shanxi, no sudoeste de Pequim, contava com 50 000 fiéis.14 Foi demolida em 9 de janeiro de 2021, porque não tinha alvará de construção.
Em 22 de setembro de 2018, o governo chinês e o Vaticano assinaram um acordo provisório sobre a ordenação de bispos: um tema de alta tensão. Este acordo deveria acabar com a divisão do Catolicismo entre a Associação Patriótica Católica Chinesa, administrada pelo governo, e a igreja clandestina leal a Roma. O acordo (mas o texto não foi divulgado) criaria a Igreja Católica Chinesa Unida. O governo continua-
ria a nomear os bispos e o Papa teria direito de veto.15 Este memorando foi renovado em outubro de 2020.
A perseguição aos uigures, minoria étnica muçulmana concentrada na região autónoma uigur do Noroeste de Xinjiang,16 também merece destaque. De uma população de cerca de 11 milhões, 1,8 milhões estão detidos em centros de reabilitação. Pequim culpa ativistas uigures por uma série de ataques em Xinjiang, Pequim e diferentes partes da China, já em 2013.17
A Perseguição aos Membros do Falun Gong Também É Mencionada
Em fevereiro de 2021, a administração estatal da China emitiu um conjunto de regulamentos sobre assuntos religiosos, chamados “Medidas para a Administração de Pessoal Religioso”. Eles contêm 52 artigos aplicáveis ao clero, segundo os quais as religiões oficiais devem ser leais ao PCC.18 Os líderes devem abster-se de atividades religiosas ilegais e de extremismo. Também devem pôr em prática os princípios socialistas para manter a segurança, a estabilidade social e a unidade nacional.
As medidas entraram em vigor no dia 1º de maio de 2021 e colocaram de novo na mesa o acordo alcançado com o Vaticano em setembro de 2018 e renovado em 2020, sobre a nomeação de bispos. Essas nomeações serão feitas sob a orientação do PCC.
O Artigo 3 pede aos líderes religiosos que apoiem a liderança do PCC, não o critiquem, não coloquem em risco a segurança nacional e não sejam dominados por forças estrangeiras (Artigo 12).
Essa política de sinicizar a religião visa tornar os líderes religiosos apçoiantes do PCC marxista e ateu.19
As Razões da Perseguição
Na minha opinião, há três razões para o ressurgimento da perseguição: ideologia, crescimento numérico de crentes e terrorismo.
1. Ideologia
O estado chinês não é secular. É ateu, comprometido com a promoção e a defesa do ateísmo. Qualquer outra crença é vista como uma ameaça à sua existência.
O PCC, como a maioria dos partidos comunistas no poder, está inclinado a tolerar apenas uma religião limitada à vida privada, sem qualquer visibilidade pública. Isso é por medo de perder o controlo das massas. A queda da União Soviética e o papel do Vaticano e da Igreja Católica foram uma grande lição para o PCC – um aviso, um ponto de referência – e é surpreendente, porque, no campo económico, os líderes chineses estão confortáveis com o marxismo duro e puro, que a URSS nunca soube fazer, e que é a base do seu sucesso.
2. O Crescimento do Número de Crentes
Apesar das perseguições, que atingiram o pico durante a Revolução Cultural, e que, desde então, reapareceram, o número de crentes continuou a aumentar. Os números oficiais do governo para 2018 reconhecem 144 000 locais de culto registados, incluindo 33 500 templos budistas, 9000 templos taoistas, 35 000 mesquitas, 6000 igrejas católicas e 60 000 igrejas protestantes.20
De acordo com a Open Doors Association, havia 97,2 milhões de cristãos em 2019, em comparação com 4 milhões antes de 1949. Naquela época, os católicos eram os mais numerosos: 3 milhões de membros em comparação com 1 milhão de protestantes (700 000).21 Segundo várias fontes, o número de evangélicos está agora próximo de 100 milhões.22
Qualquer sinal de aumento de crentes soa como um fracasso para o PCC e para a sua ideologia e estratégia marxistas. Envolver sistematicamente crentes que se recusam a fazer parte de órgãos oficiais, inimigos da nação e agentes de potências estrangeiras é um cenário bem conhecido em todos os regimes totalitários. Os cristãos que conheci na China têm orgulho de serem chineses e não estão à disposição de missões estrangeiras. Às vezes, é verdade, esmagados pelo zelo e pela parcela de liberdade que as autoridades regionais lhes deram outrora, construíram grandes igrejas sem esperar pelas licenças exigidas. No entanto, deve ter-se em mente que a burocracia arrasta os pedidos por muito tempo, exige intermináveis listas de documentos e subornos menos gloriosos. Mas o dinamismo dos cristãos não é contra o Estado. O que estão a pedir é mais liberdade para viver a sua fé, não para derrubar o governo ou estabelecer
um regime cristão. Se as autoridades deste grande país pudessem entender isso, beneficiariam muito.
3. Terrorismo
Esta é a acusação dirigida à minoria muçulmana e, em particular, aos 10 a 12 milhões de uigures. É fácil para um regime obcecado por unidade e segurança equiparar uma população inteira a uma minoria de terroristas. A questão é complicada quando se trata de um grupo étnico, que vive num território específico, que fala uma língua diferente e que quer maior autonomia ou mesmo independência. Também é verdade que as suspeitas quanto ao islamismo político não se baseiam na imaginação. Houve uma onda de ataques atribuídos a islâmicos e separatistas. É compreensível que as autoridades chinesas, vendo o que está a acontecer no mundo, optem pela firmeza diante do terrorismo, mas equiparar crentes com terrorismo é outra questão.
A queda da União Soviética é um exemplo para a China. Mas o que deve fazer pensar as autoridades é que a terrível perseguição aos crentes na URSS, que levou à destruição de igrejas e a milhões de mortes, não conseguiu destruir a fé. A perseguição inflige golpes terríveis, mas não pode eliminar do coração de cada ser humano essa necessidade de acreditar, de esperar por um futuro melhor, de acreditar numa vida, após a morte, de paz, justiça e liberdade. A grande potência chinesa no caminho para o domínio mundial deve lembrar-se disso.
John Graz, Diretor do Centro Internacional de Relações Públicas e Liberdade Religiosa no campus Adventista de Collonges-sous-Salève, em França, foi Presidente da Associação Internacional para a Defesa da Liberdade Religiosa e Diretor do Departamento de Relações Públicas e Liberdade Religiosa da Sede Mundial da Igreja Adventista do Sétimo Dia.
As referências deste artigo podem encontrar-se nas páginas 151 e 152.
Juiz Dr. Harald Mueller Corona Uma Ameaça para a Liberdade Religiosa?
COMO A PANDEMIA AFETOU A PRÁTICA RELIGIOSA NA ALEMANHA.
Há um ponto de interrogação por detrás do título do evento de hoje.1 “Corona – uma ameaça para a liberdade religiosa?” Gostaria de abordar o tema de forma questionadora e não dar uma resposta precipitada.
O que aconteceu, em termos de intervenção do Estado, e de facto na Alemanha, que se opõe diretamente à prática da religião, ou que a toca o mínimo possível? Não é uma pergunta geral de “Eu tenho que me vacinar?” – ou: “As medidas de coronavírus devem ser finalmente revogadas?” Em primeiro lugar, gostaria de abordar medidas que carregam uma componente religiosa desde o início.
Restrição de Serviços Religiosos e de Contactos num Contexto de Igreja
A restrição dos cultos e contactos na igreja no contexto da igreja interferiu drasticamente na vida da igreja na fase inicial da pandemia de coronavírus na primavera de 2020. A maioria das diretivas dos estados federais relativas ao coronavírus proibia estritamente a realização de atividades religiosas na igreja.2 No entanto, a Renânia do Norte-Vestfália seguiu um caminho diferente na altura. Ali, a Portaria de Proteção contra o Corona afirmava: “Assembleias para a prática da religião não se realizam; igrejas, associações islâmicas e associações judaicas emitiram declarações correspondentes.”3 Isso pretendia levar em consideração a importância especial da liberdade religiosa pelas próprias igrejas, que decidiram, em consulta com o governo do Estado, não realizar nenhum serviço religioso.
Foi mencionado nos média que os requisitos para os serviços são coordenados com “as igrejas”. Isso, obviamente, refere-se às grandes igrejas nacionais, ou seja, às igrejas EKD (evangélicas) e à Igreja Católica Romana. O facto de os estados federais terem levado em consideração as preocupações das igrejas livres, ao redigirem as suas diretivas de proteção contra o coronavírus, provavelmente foi apenas uma exceção. No entanto, as igrejas livres foram fortemente afetadas desde o início. Em contraste com as grandes igrejas, costumam ter edifícios pequenos e, ao mesmo tempo, um número relativamente grande de crentes que frequentam regularmente os seus serviços religiosos.
Após um certo período de choque, as restrições aos serviços religiosos foram contestadas nos tribunais em várias ocasiões. Em termos de calendário, as férias da Páscoa que se avizinhavam tiveram um papel importante na primavera de 2020, tornando o cancelamento das celebrações religiosas particularmente doloroso. A liberdade de religião e, portanto, a liberdade de viver a sua fé e de se reunir para serviços religiosos, é protegida na Alemanha pelo artigo 4.º 1. e 2. da Lei Fundamental.4 O texto não prevê a sua restrição por lei – ao contrário de alguns outros direitos fundamentais.5 No entanto, isso não significa que o direito fundamental à liberdade de religião se aplique sem restrições. Encontra os seus limites em direitos fundamentais conflitantes de terceiros, bem como em interesses legais de ordem constitucional.6 Por exemplo, a proibição de um culto de Páscoa em 2020 foi confirmada pelo tribunal administrativo. O raciocínio era de que a proteção de direitos fundamentais de terceiros de importância primordial, nomeadamente a sua saúde, que era o propósito da regulamentação – que era limitada no tempo – justificava a restrição da liberdade de crença após exame sumário e não era desproporcionada.7 Por outro lado, no caso de encerramento de mesquitas durante o mês de jejum do Ramadão, o Tribunal Constitucional Federal não considerou uma proibição geral dos serviços religiosos sem a possibilidade de permitir exceções em casos individuais, desde que as condições fossem constitucionais.8 Embora, inicialmente, a cláusula geral da Secção 28 da Lei Federal de Proteção contra Infeções devesse ser suficiente como autorização para decisões administrativas tomadas pelas autoridades (federais) (“... a auto-
ridade competente deve tomar as medidas de proteção necessárias...”), foi reconhecido na política que essa base vaga não atendeu realmente aos requisitos constitucionais quanto às pesadas invasões à liberdade em questão. A Secção 28 da Lei Federal de Proteção contra Infeções, que foi criada em novembro de 2020 e se aplica quando o Bundestag (Parlamento) determina uma situação epidémica de importância nacional, contém, portanto, um catálogo de medidas nas quais as restrições são enumeradas. Aliás, este regulamento só permite a proibição de reuniões religiosas e ideológicas nos casos em que uma contenção eficaz da propagação da doença por coronavírus-2019 estaria, de outra forma, significativamente ameaçada, mesmo quando todas as outras medidas de proteção tomadas até agora são consideradas. O teste especial de proporcionalidade, ordenado a esse respeito em relação a eventos religiosos e ideológicos, tem em consideração o alto valor da liberdade religiosa. Quando a Conferência Federal-Länder, em agosto de 2021, tratou de permitir o regulamento 3-G (em alemão: geimpft, genesen, getestet), ou seja, o acesso público a áreas internas apenas para pessoas vacinadas, recuperadas ou testadas, pensou-se originalmente que prescreveria isso também para os serviços religiosos.
No entanto, isso não foi feito na decisão de 10.8.2021.9 Os eventos religiosos não foram mencionados e, consequentemente, também foram excluídos das obrigações 3-G. As atualizações das portarias estatais seguiram essa decisão. Nalgumas portarias, modelos 2-G opcionais (ou seja, apenas pessoas vacinadas ou recuperadas tinham acesso) também foram viabilizados para igrejas, com a consequência de que se aplicam então requisitos de higiene mais baixos.10 Mas, devido ao desenvolvimento catastrófico dos números da infeção desde novembro de 2021, surgiu uma nova situação, especialmente porque a declaração da emergência epidémica não foi prolongada pelos políticos. Isso criou o problema de que a base legal anterior para medidas urgentes deixou de existir e teve de ser substituída por novas regras incorporadas na Lei Federal de Proteção contra Infeções. Com a decisão federal-estatal de 18.11.2021,11 foi acordada a extensão nacional da regra 2-G para eventos. Entretanto, os decretos federais foram adaptados. No entanto, os serviços religiosos não são proibidos em lugar nenhum – ao contrário do início da pande-
mia. Mas a Renânia-Palatinado, a Turíngia e a Saxónia, agora tornam a regra 3-G obrigatória para serviços religiosos.12 A questão de saber se é apropriado tornar a regra 3-G obrigatória para serviços religiosos não é fácil de responder.13 Deve ter-se em conta que, para muitos crentes, a participação num serviço religioso é um processo de cuidado espiritual básico que não pode ser simplesmente omitido à vontade. Isso não é entendido por alguns, especialmente aqueles que raramente ou nunca frequentam os serviços religiosos. Do ponto de vista da liberdade religiosa, é, assim, importante que o limite para frequentar os serviços religiosos seja mantido o mais baixo possível, o que argumenta contra uma regra 3-G imposta pelo Estado. Por outro lado, sob a impressão dos números vertiginosos da infeção, as exigências de mais proteção, mesmo durante eventos religiosos, não podem ser ignoradas. Nalguns casos, a possibilidade de autoteste sob supervisão é oferecida antes do início do serviço, para que o obstáculo de ter que visitar um centro de testes seja removido. No entanto, seria problemático para o Estado impor uma regra 2-G vinculativa para serviços religiosos, porque isso excluiria aqueles que não são vacinados por vários motivos. Por enquanto, deixariam de poder participar de um serviço, independentemente da eficácia do conceito de higiene. Tal medida provavelmente representaria uma invasão desproporcional à liberdade religiosa e, portanto, deveria ser rejeitada. A situação é diferente se os eventos religiosos são oferecidos além do serviço principal e se faz uso da regra 2-G para isso de forma voluntária, por decisão da congregação da igreja local. Isso pode fazer sentido em relação aos membros da congregação que há muito tempo não vêm aos eventos abertos a todos, por medo de infeção.
Invasão da Liberdade Religiosa Pessoal por Meio de Medidas Compulsórias
Agora ainda precisamos de analisar se a imposição de medidas governamentais que não têm objetivo religioso e que se aplicam a todos pode infringir a liberdade religiosa de alguns. É improvável que regras de distância, bem como máscaras e testes obrigatórios sejam considerados aqui como algo que restringe a liberdade de crença e de consciência, devido à baixa intensidade de interferência. Mas, qual é a situação no caso
da vacinação obrigatória? Embora, na Alemanha, a vacinação obrigatória tenha sido rejeitada por todos os partidos durante um tempo relativamente longo, isso agora está a mudar depois que o número de infeções aumentou drasticamente e a taxa de vacinação é insuficiente. Há cada vez mais apelos à vacinação obrigatória – inicialmente para certas instituições com pessoas vulneráveis, mas além disso, também para vacinação obrigatória geral.
Isso constituiria, sem dúvida, uma forte violação da integridade física, que é protegida pelo artigo 2º da Lei Fundamental. Considerações especiais de proporcionalidade teriam de justificar essa medida. A questão é se também se pode invocar a liberdade religiosa garantida no artigo 4.º da Lei Fundamental para escapar à vacinação obrigatória. Até agora, este caso não surgiu na Alemanha, porque não há exigência legal de vacinação contra a COVID-19. Em princípio, porém, deve dizer-se que o artigo 4.º da Lei Fundamental só seria tematicamente afetado se a usurpação em questão fosse dirigida contra uma condenação protegida pelo artigo 4.º da Lei Fundamental. Isso inclui crenças pessoais que podem ser atribuídas plausivelmente a uma religião. Por exemplo, nas decisões do “lenço” perante o Tribunal Constitucional Federal,14 o alcance da proteção do artigo 4.º GG foi afirmado para as portadoras do véu em questão, mesmo que também haja opiniões no Islão que não considerem o véu como vinculativo. Foi suficiente que as próprias queixosas afirmassem a obrigação do véu e que essa posição pudesse ser apoiada por pontos de vista dentro do Islão. No entanto, ideias especiais de indivíduos que não podem ser associadas a nenhum grupo religioso existente não são protegidas pelo Artigo 4 da Lei Fundamental. Não se pode, portanto, incluir a própria rejeição pessoal de medidas estatais sob o pretexto de religião no âmbito da proteção da Lei Fundamental. Na questão da vacinação contra a COVID, é preciso diferenciar. Muitos oponentes da vacinação provavelmente serão guiados nas suas posições pelo medo dos efeitos secundários. Essa motivação dificilmente pode ser atribuída à prática religiosa. Uma atitude geralmente desconfiada em relação à ação do Estado também não é uma posição de consciência protegida pelo artigo 4 da Lei Fundamental. A situação é diferente quando o argumento é teológico. Aqueles que interpretam a revelação bíblica de tal forma que a receção de uma vacina está associada a fenómenos do reino do mal agora não estão
completamente sozinhos. A proteção do artigo 4º da Lei Fundamental já se aplica aqui? No campo católico, as preocupações foram expressas na medida em que linhagens celulares de embriões abortados são utilizadas para o desenvolvimento de vacinas, mesmo que não estejam presentes na própria vacina.15 No entanto, esta posição não corresponde à opinião da maioria católica e também não à linha do Papa. Não obstante, provavelmente será preciso atribuir essa posição à esfera de proteção do artigo 4.º GG. Contudo, o facto de o alcance da proteção ser afetado não significa que o direito fundamental já tenha sido violado. Como já foi mencionado, há limites à liberdade religiosa inerentes aos direitos fundamentais, que, neste caso, devem ser vistos na saúde dos outros e no funcionamento do sistema público de saúde. Esses interesses legais seriam ponderados pelos tribunais contra a usurpação da liberdade religiosa pessoal no caso de vacinação obrigatória. Ainda não é previsível como essas disputas legais seriam decididas na Alemanha e qual a posição que teria precedência.
O que vai desempenhar um papel é até que ponto a vacinação obrigatória interfere na prática religiosa do indivíduo em relação ao perigo que surgiria para outros, se a vacinação obrigatória não fosse aplicada. Aqui, as condições do quadro também devem ser levadas em consideração, especialmente a taxa de vacinação já alcançada e a importância associada da vacinação obrigatória para o futuro curso da pandemia.
No caso de iniciativas que se opõem às medidas globais de vacinação por motivos religiosos, e as veem como uma forte ameaça para os crentes,16 a sua origem deve ser considerada para entendê-las. Se vêm dos EUA, são moldadas pelas circunstâncias constitucionais de lá. Nos EUA, a intervenção do Estado em assuntos religiosos é proibida pela constituição. A vacinação obrigatória, que já foi parcialmente introduzida lá, encontra forte ceticismo, principalmente dos Protestantes brancos, que, muitas vezes, pensam em termos estritamente individualistas e resistem às diretrizes estatais para as suas decisões pessoais. Nos EUA, os instrumentos de isenção religiosa e acomodação razoável existem há muito tempo na legislação laboral. Os trabalhadores que têm problemas com discriminação religiosa no local de trabalho (por exemplo, por causa de códigos de vestuário ou dias de descanso) devem mostrar que a sua atitude é baseada numa
Uma Ameaça para a Liberdade Religiosa?
crença séria. O empregador é, então, obrigado a oferecer uma solução alternativa, desde que isso não lhe cause dificuldades indevidas.17 Entretanto, esse mecanismo também foi estabelecido na questão das vacinações obrigatórias.18 Em conexão com a campanha de vacinação do Estado, são oferecidos formulários na Internet onde se pode informar se deseja solicitar uma isenção religiosa.19 No entanto, isso deve ser justificado de forma mais pormenorizada. Algumas comunidades religiosas já prepararam declarações teológicas padrão sobre isso,20 que os seus membros usam.
É, portanto, algo completamente normal fazer uso delas, mesmo que nem sempre seja bem-sucedido. Esse procedimento não existe na Alemanha, e não deve ser esperado no caso de vacinação obrigatória. Neste país, as isenções baseadas na religião muitas vezes só podem ser alcançadas em disputas árduas para os afetados, como estou bem ciente devido ao meu trabalho voluntário de consultoria no âmbito da Deutsche Vereinigung für Religionsfreiheit21 (Associação Alemã para a Liberdade Religiosa).
Divisões Internas da Igreja como um Perigo para a Liberdade Religiosa
Das principais igrejas, o Papa Francisco manifestou-se claramente a favor da vacinação, como um ato de amor “por si mesmo, pela sua família e amigos e por todos os povos”.22 A vacinação é obrigatória para os funcionários do Vaticano. O Papa não expressou reservas sobre certas vacinas. Em setembro de 2021, o então presidente do Conselho EKD (Evangélico) Bedford-Strohm pediu que os adultos fossem vacinados, em particular por causa da possível COVID-19 grave em crianças que ainda não eram vacinadas na época. Bedford-Strohm opunha-se à vacinação obrigatória. Em vez de excluir os relutantes e indecisos, eles devem ser tratados com respeito. Deve evitar-se que se sintam encurralados e desenvolvam uma desconfiança fundamental face ao Estado. Tampouco devem ser levados para os braços de radicais de direita e teóricos da conspiração.23
A Conferência Geral da Igreja Adventista do Sétimo Dia, nos EUA, em comunicado de 18.12.2020,24 mostrou-se aberta à vacinação e manifestou a esperança de que isso possa acabar com a pandemia. Ao mesmo tempo, deixou claro que respeita a decisão individual dos seus membros. Não é
uma questão dogmática. Manteve esta posição em 25.10.2021.25 Apesar destas declarações do nível de liderança das igrejas, um certo número de membros não será alcançado quando se trata da questão “vacinar ou não vacinar?” Sob a impressão da situação pior da infeção, o campo dos opositores à vacinação diminuiu, entretanto. Na Alemanha, como no resto da Europa, isso também se deve às regulamentações mais rígidas impostas pelo Estado, que tornam muito difícil, e, nalguns casos, impossível, a participação de pessoas não vacinadas na sociedade. No entanto, algumas pessoas vão continuar a decidir contra a vacinação e, no caso da vacinação obrigatória, vão posicionar-se contra ela. Como lidar com essa divisão dentro das igrejas, que afeta também a sociedade como um todo?
A coerção e a exclusão seriam o caminho errado aqui. O desafio é suportar esse estado de coisas sem causar uma rutura nas comunidades. É necessário o desarmamento verbal e a renúncia às “tentativas de conversão”. A experiência mostra que a compreensão mútua é dificultada porque factos e contextos científicos são percebidos e interpretados de forma diferente. Portanto, as discussões, muitas vezes, carecem de um ponto de partida comum, de modo que não é possível chegar a um resultado que seja sustentado por um acordo. Nem sempre é possível evitar desacordos, pois as decisões administrativas também devem ser tomadas, por exemplo, sobre regras de acesso e conceitos de higiene.
Resta dizer que, apesar das diferenças existentes, a vontade de conversar deve ser mantida aberta. Não há lugar aqui para dogmatismo e humorismo. Devemos trabalhar para que os perigos decorrentes da incapacidade de lidar com as pessoas de maneira humana não se tornem mais poderosos do que as restrições à vida da Igreja decorrentes das medidas ordenadas pelo Estado.
Harald Mueller, professor-adjunto em questões de liberdade religiosa e Diretor do Instituto de Liberdade Religiosa na Universidade de Friedensau. Trabalha como juiz em Hannover.
As fontes referidas neste artigo podem ser encontradas nas páginas 152-155.
Dr. Jorge Botelho Moniz Liberdade Religiosa e Covid-19 em Portugal
O IMPACTO CAUSADO PELAS RESTRIÇÕES DA COVID-19 NO EXERCÍCIO DA LIBERDADE RELIGIOSA EM PORTUGAL DURANTE O PRIMEIRO PERÍODO DE CONFINAMENTO. Introdução
Oestado de emergência sanitária causado pela pandemia da COVID-19, emitido pela maioria dos países europeus, levou a uma rápida e abrupta contração das esferas da vida pública para o espaço limitado do lar, determinando um novo modo de vida para os indivíduos. O confinamento gerou uma situação sem precedentes, principalmente no que diz respeito às liberdades civis e direitos fundamentais. A liberdade religiosa numa dimensão comunitária foi particularmente restringida durante esse período, a fim de limitar a propagação do vírus. Em tempos normais, a religião, o direito e o Estado coexistem numa teia de relações complexas. As crises, contudo, tendem a acentuar as tensões e os conflitos. Um fenómeno como a COVID-19, a primeira pandemia global a afetar a era secular ocidental pós-cristã, gerou um cenário inigualável no que respeita à restrição da liberdade religiosa em toda a Europa. A forma como os sistemas legais responderam à emergência causada pela pandemia, desde a interrupção total das práticas de culto públicas até formas mais flexíveis de acolhimento da religião, tem captado a atenção dos cientistas sociais, particularmente na Europa (Moniz, 2021a, pp. 9 e 10).
O objetivo deste documento é examinar o impacto causado pelas restrições da COVID-19 no exercício da liberdade religiosa em Portugal
durante o primeiro período de confinamento (de março a maio de 2020), o “período em que a limitação (proibição) da liberdade de culto foi mais intensa” (Raimundo, Adragão, Leão & Ramalho, 2020, p. 19). Há cinco razões por detrás de tal escolha: i) sociais e religiosas: num contexto europeu, Portugal é um caso claro de imobilidade religiosa e de predominância da irreligião como a principal alternativa ao Catolicismo, apesar de ii) passar por vários efeitos de fenómenos de secularização ao longo da sua era moderna (Moniz, 2021b); iii) tipologia das relações Estadoreligião: Portugal está próximo dos conceitos de tolerâncias conjuntas e distância de princípios; iv) relativamente às restrições para combater a pandemia, as medidas relativas a eventos religiosos foram consideradas “rigorosas” quando comparadas com as de outros países europeus (The Conversation, 2020); e v) o facto de ainda não haver investigação sobre este fenómeno no país, nomeadamente nos domínios da sociologia e da ciência política.
À luz dos quadros teóricos da era secular (Taylor, 2007) e também das culturas seculares (Wohlrab-Sahr & Burchardt, 2012), é possível perceber a forma como a crise pandémica aumentou os desafios legais, políticos, sociais e culturais, dando lugar a uma maior tensão entre direitos concorrentes. Estes exacerbaram a tensão entre as políticas públicas neutras em matéria de religião, e as reivindicações de acomodação religiosa. Dada a restrição das atividades no âmbito das esferas públicas, nomeadamente as celebrações religiosas, Portugal representa um laboratório útil de um ponto de vista epistemológico, a fim de descobrir como a liberdade religiosa e, por extensão, os valores religiosos são geridos pelo Estado nesta era secular.
1. Sobre a Liberdade Religiosa em Portugal durante o Período Democrático
A morte de António de Oliveira Salazar em 1970 e a ascensão ao poder de Marcelo Caetano deram lugar a um novo enquadramento para a lei da liberdade religiosa em Portugal. De facto, quando a Lei n.º 4/71 foi promulgada, foi a primeira vez que uma lei reconheceu confissões não católicas (Miranda, 1993, pp. 78 e 79). Na Base II, a lei afirma que o Estado
Religiosa e Covid-19 em Portugal
não professa qualquer religião e que as suas relações com as confissões religiosas estão sujeitas a um regime de separação. Acrescenta ainda que as confissões religiosas têm direito a igual tratamento, embora ressalvando as diferenças entre os diferentes níveis de representação entre a população. Com a queda do Estado Novo (regime ditatorial português) em 1974, os primeiros tempos da democracia no país e a Constituição da República Portuguesa (CRP em português), datada de 1976, vieram estabelecer a liberdade religiosa sem diferenciar as confissões religiosas e sem quaisquer limitações específicas. Introduziu-se assim uma fase mais avançada, em comparação com os regimes anteriores, concedendo neutralidade em relação à religião e uma relação preferencial com a Igreja Católica. Neste sistema, o regime de separação é essencialmente uma garantia de liberdade e igualdade (Miranda, 1986, p. 123).
A transição democrática e a CRP foram as portas de entrada para um novo Portugal. No entanto, de um ponto de vista formal, as relações com a Igreja Católica permaneceram idênticas. Os diplomas legais promulgados na década de 1940, foram apenas ligeiramente alterados por um protocolo adicional em 1975 e permaneceram em vigor até ao século XXI. A Lei da Liberdade Religiosa (LLR) de 2001 foi a força motriz por detrás da Concordata entre o Estado e a Igreja Católica, estabelecida em 2004. Com efeito, o sistema Estado-religiões implementado pela Constituição assumiu neutralidade, igualdade de tratamento e uma separação entre o Estado e as confissões religiosas (Artigo 41).
Por conseguinte, a liberdade religiosa surgiu a par da liberdade de consciência, apesar das diferenças entre elas. A liberdade de exercer a própria religião, individualmente ou em grupo, em público ou em privado, na escola, nos cultos ou em ritos, foi então estabelecida em conformidade com o Artigo 18 da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O n.º 2 do Artigo 41, relativo aos direitos e obrigações ou deveres civis, independentemente das convicções e práticas religiosas, entrou em vigor; tal como o n.º 3, relativo à proteção da confidencialidade da escolha religiosa individual; e o n.º 6, relativo à objeção de consciência devida a crenças ou convicções. O n.º 1 do Artigo 4 da LLR reafirma a natureza neutra do Estado relativamente à religião, mas também se refere à cooperação com
as igrejas e comunidades locais portuguesas (Artigo 5), à aplicação de um princípio da tolerância, salvaguardando assim as liberdades em cada crença (Artigo 7), bem como à proteção dos direitos individuais e públicos em relação à liberdade religiosa (Artigo 8 e seguintes).
Apesar das vicissitudes históricas do atual modelo de separação Estado-religião, Portugal tem hoje um quadro legal geral de liberdade religiosa. Contudo, e tal como outras constituições, a CRP inclui uma cláusula de exceção destinada a alterar a ordem jurídica constitucional durante um período de crise. No entanto, no n.º 6 do Artigo 19, a CRP declara efetivamente, a propósito da suspensão do exercício dos direitos, que um estado de sítio ou emergência não pode, em caso algum, afetar a liberdade de consciência ou de religião. A nível sub-constitucional, a LLR reforça este princípio, tal como evocado no n.º 5 do Artigo 6. Como vários constitucionalistas podem atestar, a liberdade religiosa está no cerne dos direitos pessoais e não pode ser sacrificada, mesmo durante um estado de sítio (Medeiros & Miranda, 2010, p. 893; Raimundo, Adragão, Leão & Ramalho 2020, p. 6). A jurisprudência também reforça esta ideia, ao afirmar que a liberdade religiosa também não é suscetível de suspensão mesmo em estado de sítio ou de emergência, uma vez que existe um limite substantivo à respetiva revisão constitucional.
Contudo, como Raimundo, Adragão, Leão e Ramalho (2020, p. 7) esclarecem, esta interpretação pode levar a “dúvidas”, uma vez que a CRP (N.º 1 do Artigo 41) permite a distinção entre a liberdade religiosa, a liberdade de ser crente ou não, e a liberdade de manifestar publicamente essa crença, nomeadamente através da participação em práticas de culto. Como a secção seguinte explicará, durante o estado de emergência o direito ao culto não foi considerado um direito imutável, uma condição concedida apenas à liberdade de crença.
2. A Cultura Secular em Portugal e a Pandemia
À semelhança da maioria dos países europeus, Portugal deu às suas autoridades a possibilidade de restringir as celebrações religiosas ou outros eventos de culto que implicassem grandes grupos de pessoas. O Decreto n.º 2-A/2020, de 20 de março, impôs o estado de emergência,
que tinha sido emitido pelo Decreto n.º 14-A/2020, de 18 de março. No Artigo 17, relativo a eventos religiosos e de culto, foi estabelecido que “as celebrações de cariz religioso e outros eventos de culto que impliquem uma aglomeração” estavam assim “proibidas”. Além disso, foi estipulado que a celebração de funerais deveria ser “condicionada por” medidas que pudessem garantir “a inexistência de aglomerados de pessoas e os controlos das distâncias de segurança (...)”. Estas seriam “determinadas pela autoridade local responsável pela gestão do cemitério”.
O Decreto n.º 17-A/2020, de 2 de abril, pelo qual o estado de emergência foi renovado, dada a situação de calamidade pública, prolongou estas restrições. A cláusula f) do Artigo 4 do Anexo II decreta a suspensão parcial do direito à liberdade de culto, afetando a sua “manifestação pública”, uma vez que “podem ser impostas pelas autoridades públicas competentes as restrições necessárias para reduzir o risco de contágio e executar as medidas de prevenção e combate à epidemia”. Estas incluem “a limitação ou proibição de realização de celebrações de cariz religioso” que, mais uma vez, implicou um grande grupo de pessoas. Foi incluída uma condição no n.º 1 do Artigo 7 de que isso não afetaria a liberdade de consciência ou de religião.
Relativamente a Portugal, o Relatório sobre a Liberdade Religiosa (ACN Internacional, 2021, p. 3) afirma que uma das consequências do combate à COVID-19 tem sido a restrição das celebrações religiosas em locais públicos. No entanto, e como anteriormente mencionado, o nível de restrição das práticas religiosas públicas foi considerado alto quando comparado com outros países europeus (The Conversation, 2020). As restrições rigorosas levaram à suspensão das celebrações religiosas, com locais de culto abertos apenas para práticas de culto individuais.
Tal como proposto pela teoria de Wohlrab-Sahr e Burchardt (2012), a secularidade foi de facto imposta em nome das questões de saúde pública. Ou seja, as respostas ao problema original (pandemia) eram seculares (restrições ao culto), respeitando princípios seculares, tais como: racionalidade, ciência, individualidade e distanciamento físico. O mesmo é mencionado no n.º 2 do Artigo 18 da CRP, segundo o qual a restrição de direitos, liberdades e garantias só pode ser imposta por lei,
quando apropriado, necessário e estritamente proporcional, de modo a salvaguardar direitos ou interesses constitucionalmente protegidos.
A proposta de Wohlrab-Sahr e Burchardt (2012) também foi verificável na forma como as práticas de culto só foram permitidas na fase final do confinamento imposto pelo governo português. As práticas religiosas deveriam regressar a 30 e 31de maio de 2020, e as regras para as celebrações públicas deveriam ser definidas entre a Direção-Geral da Saúde (DGS) e cada confissão religiosa. As competições de futebol deveriam ser retomadas precisamente nas mesmas datas (jogos de futebol oficiais da Liga Portuguesa e da Taça de Portugal). Antes disso, foi dada prioridade à reabertura de: i) transportes públicos, lojas locais (como, por exemplo, salões de cabeleireiro ou de estética), certos serviços públicos (por exemplo, repartições locais de finanças ou conservatórias) ou a prática de desportos ao ar livre (4 de maio); e também ii) restaurantes, cafés e pastelarias, museus e monumentos nacionais ou instalações sociais para pessoas com deficiência (18 de maio).
Esta hierarquia, de responsabilidade governamental, dentro do (des)confinado sistema, “não é neutra”, segundo Ferrière (2020, p. 9). Isso significa que a hierarquia criada para definir se as atividades são essenciais ou não essenciais dentro de um regime de confinamento é normativa e regida por critérios científicos, que dão prioridade a diferentes dimensões da biopolítica: médica, económica, de segurança. Por conseguinte, o confinamento funciona sob uma lógica de desvalorização dos valores simbólicos, nomeadamente os associados à subjetividade e à crença, em benefício de outros associados à racionalidade ou à objetividade. O crescimento e a predominância de culturas seculares que reivindicam uma maior importância de uma autoridade política, racional e secular são claros neste contexto. Segundo Berger (1990 [1967]), o desenvolvimento destas hegemonias seculares, entre outros aspetos, ajuda a relativizar qualquer corpo de crenças religiosas, enfraquecendo a natureza indiscutível das suas estruturas de plausibilidade. Bruce vai mais longe ao salientar que a afirmação e a hegemonia de princípios e práticas seculares procuram “substituir as religiosas” (Bruce, 2014, p. 192).
Os espaços públicos são, então, gradualmente despojados de religião,
particularmente quando se trata do “controlo de interações quotidianas” (Bruce, 2011, p. 37), o que leva a uma agudização da crise dentro das suas estruturas de plausibilidade. Sobre este ponto, Raimundo, Adragão, Leão e Ramalho (2020, p. 31) disseram: “[É] discutível se, na planificação das medidas [de contenção da pandemia], se deu realmente a importância que seria devida à liberdade religiosa – designadamente, quando se assistiu à retoma de diversas atividades económicas não essenciais, que envolvem aglomeração de pessoas em números ainda mais elevados do que os provocados pelas celebrações religiosas.”
Estes são elementos mais controversos, pois têm a ver com aspetos como a legitimidade conferida a uma autoridade de saúde ou administrativa, para ajudar a suspender o direito à liberdade religiosa e à livre circulação das pessoas. Através de uma autorização administrativa, a CRP “exclui” (n.º 1 do Artigo 45) a possibilidade de limitar a liberdade de reunião – incluindo a liberdade de culto, dado o seu caráter normativo idêntico. Gouveia (2020) vai mais longe ao afirmar que o direito ao culto religioso “não pode ser suspenso porque não se pode distinguir a liberdade religiosa pública da individual”, uma vez que a liberdade religiosa engloba tanto direitos individuais como coletivos.
Contudo, nem sequer no âmbito de uma possível inconstitucionalidade ou desproporcionalidade de medidas relacionadas com as celebrações religiosas públicas – isto é, o reforço da secularidade em prol da saúde pública através das medidas acima mencionadas – as principais igrejas e comunidades religiosas em Portugal se opuseram às regras impostas. Pelo contrário, e à semelhança da teoria proposta por Luckmann (1967) e Dobbelaere (1981), houve um processo de secularização organizacional ou interno, no qual as Igrejas e as comunidades religiosas procuraram adaptar-se às condições modernas e às exigências de racionalização, às crenças individuais e ao distanciamento (Moniz, 2021a, pp. 14 e 15).
Na proposta de Wohlrab-Sahr e Burchardt (2012), anteriormente analisada, o poder de agir em culturas seculares – neste caso em nome de questões de saúde pública – está centrado nas autoridades
públicas seculares. Na era secular, este fenómeno promove a concorrência entre religião e secularidade, com os princípios de uma ordem moral secular moderna a serem claramente favorecidos. A experiência portuguesa, contudo, revelou uma corresponsabilidade entre estruturas seculares e religiosas no sentido do desenvolvimento de respostas seculares a um problema referencial específico (pandemia). Mesmo antes do desenvolvimento ou da imposição do poder político, as próprias Igrejas e comunidades religiosas favoreciam essa ordem moral secular moderna fomentando uma auto secularidade, que pressupõe a subordinação dos valores e práticas religiosos aos da esfera política.
Isto apoia-se em parte no que o Relatório sobre a Liberdade Religiosa no Mundo (ACN International, 2021, p. 4) descreve sobre Portugal; afirma que o país abraçou certos fenómenos típicos das sociedades ocidentais modernas, tais como a crescente “marginalização da religião na esfera pública e a legalização de práticas” opostas aos valores de várias religiões. Na conceção de Taylor, este tipo de prática reflete um quadro imanente (secular), no qual, por exemplo, a ciência e a tecnologia são assumidas como os fundamentos cósmicos e ontológicos que governam as sociedades modernas.
Em suma, esta cultura secular, também promovida pelas Igrejas e pelas comunidades religiosas, tende a fomentar uma religiosidade com laços institucionais mais fracos e com uma prática insubstancial. Isto pode influenciar negativamente a religião, principalmente no que diz respeito à sua desagregação e isolamento – algo particularmente evidente na coparticipação das Igrejas no espaço público, que é dispersa e fortemente controlada pela esfera política.
Observações Finais
Como observação final, pode dizer-se que a normalização desta predominância de valores seculares permitiu uma hierarquia de atividades essenciais e não essenciais que, mais do que desafiar as estruturas de plausibilidade da religião, esvaziou o espaço da religião na esfera pública e ajudou a promover uma cultura secular. É provável que tal tenha ocorrido devido às cinco razões acima referidas, e que são resumidas a seguir:
• A predominância gradual de uma era secular, levando a um gradual afastamento da religião da esfera pública;
• O estabelecimento de um sistema de relações entre Estados e religiões, que implementa processos de regulação/controlo da dimensão religiosa, baseados em princípios de neutralidade secular e dentro de uma lógica que tende a depreciar certos valores simbólicos (religiosos);
• O crescimento e a hegemonia das culturas seculares que reivindicam prioridade em políticas racionais e seculares; neste caso, através da imposição da secularidade em nome da saúde pública;
• A aceitação das Igrejas e das comunidades religiosas de subordinarem princípios e experiências religiosas a uma autoridade política, e assim fomentarem um sentido de auto secularidade, o que promove uma ordem moral secular;
• A transferência do domínio religioso para as esferas privada e digital, reduzindo assim os laços tradicionais da comunidade e com tendência para fomentar uma religiosidade com laços institucionais mais fracos e com uma prática insubstancial.
No entanto, estes cinco pressupostos e as teorias que lhes estão subjacentes não significam que a religião tenha perecido. Do mesmo modo, não significam que isso possa acontecer de forma determinista e unilateral. Apesar dos avanços de uma era secular marcada pela emergência e predominância de um paradigma imanente de interpretação do mundo, bem como pelo desenvolvimento e hegemonia das culturas seculares, a religião continua a ser importante. Como ficou demonstrado, e apesar das restrições em vigor, o facto de as celebrações religiosas, os funerais ou a liberdade de circulação dos ministros da religião ainda serem permitidos, demonstrou que a cultura secular também foi forçada a adaptar-se ao domínio religioso.
Tanto em teoria como na prática, contudo, a resposta aos problemas referenciais específicos das sociedades modernas baseia-se unicamente em ideias orientadoras seculares. Por exemplo, ao problema referencial colocado pela COVID-19, foram dadas respostas seculares, ou seja, a restrição das manifestações religiosas públicas e das práticas de culto. Foi dada prioridade às crenças individuais em vez das celebrações
de culto, foi favorecido o distanciamento físico em detrimento da eclésia e a racionalidade e o conhecimento científico sobrepuseram-se à fé ou tradição. Mas porque, mesmo dentro das culturas seculares, o domínio político ainda permite à religião influenciar propostas de natureza social ou política, a premissa é de que as fontes inspiradoras da religião continuem a aparecer, mesmo que subjugadas. Finalmente, eu argumentaria que, apesar das conclusões deste documento, serão necessários mais estudos para apoiar ou negar este argumento. É indispensável mais investigação, provavelmente de maior amplitude e abrangência, que considere diferentes áreas geográficas, métodos comparativos e prazos mais alargados. Neste momento, no entanto, posso apenas esperar que este estudo sirva como uma pequena contribuição.
Jorge Botelho Moniz é o Diretor do Bacharelato em Estudos Europeus e Relações Internacionais e Professor Assistente na Faculdade de Ciências Sociais, Educação e Administração da Universidade Lusófona, Portugal. É especialista em Ciência Política e Sociologia da Religião, e trabalhou, na década passada, nos tópicos das relações Religião-Estado, da secularização, da diversidade cultural, da liberdade religiosa e das religiões na Europa.
As fontes referidas neste artigo encontram-se nas páginas 155 e 156.
FOCO
Drª. Maria Luisa Lo Giacco Religiões e Objeção de Consciência às Vacinas durante a Pandemia de COVID-19
Na sociedade líquida descrita por Bauman, a consciência individual é chamada de muitos lados e de muitas maneiras, no que diz respeito a ações ou comportamentos que são neutros para a maioria, mas que podem parecer intoleráveis para uma minoria mais ou menos visível.
1. As ‘Novas’ Objeções de Consciência nas Sociedades Multiculturais. A Recusa de Vacinas Obrigatórias.
As sociedades multiculturais estão a assistir a um aumento dos pedidos de isenção, por razões de consciência – às vezes, mas nem sempre, de orientação religiosa – no que diz respeito às obrigações impostas por lei ao público em geral ou a certas categorias de pessoas. Esse crescimento é interessante, tanto pela variedade de casos em que a objeção de consciência é apresentada como motivo para o não cumprimento de uma obrigação legal, como pelo seu aumento numérico. Segundo alguns, ceder a esta tendência pode levar a um alargamento excessivo do leque de situações atribuíveis ao caso clássico de objeção de consciência, classificando como tal até as opiniões simples, privando assim “as objeções mais importantes da solenidade que deveriam manter”.1 No entanto, a distinção entre objeções “mais importantes” e “menos importantes” pressupõe uma uniformidade de valores e de crenças que hoje é impossível, justamente por causa – ou talvez graças – ao pluralismo que caracteriza as sociedades do terceiro milénio, ou, pelo menos, a maioria delas. Na sociedade líquida descrita por Bauman, a consciência individual é chamada de muitos lados e de muitas maneiras, no que diz respeito a ações ou
comportamentos que são neutros para a maioria, mas que podem parecer intoleráveis para uma minoria mais ou menos visível.
A obrigatoriedade de condutas que podem envolver a consciência sobre aspetos considerados subjetivamente “não negociáveis” pode gerar conflitos que os sistemas jurídicos podem administrar. Isso pode ser feito justamente por meio da instituição da objeção de consciência, que tem sido, portanto, considerada “uma técnica indispensável para a sociedade pluralista”, na medida em que é “instrumental para a efetivação do ‘direito à diversidade’”.2 É por isso que o recurso à objeção de consciência parece cada vez mais frequente em sociedades plurais e multiculturais, especialmente em questões que envolvem bioética ou ética sexual.3
Por exemplo, os países que tornam certas vacinas obrigatórias por lei enfrentam apelos generalizados para o reconhecimento de formas de objeção de consciência relacionadas com a isenção dessa obrigação. Esta é uma questão particularmente sensível, especialmente quando envolve menores e a sua saúde. Nestes casos, a escolha da consciência é feita pelos adultos – como os pais ou os que exercem o poder parental – mas recai sobre os rapazes e as raparigas, não só porque são eles que devem ser vacinados, mas também porque envolve, sobretudo, esse mundo de relacionamentos: colegas de escola, amigos, irmãos e irmãs, e todos eles podem ser prejudicados pelas doenças infeciosas que os pares não vacinados correm o risco de espalhar.
Argumentou-se, no passado, que a objeção às vacinas não envolve realmente a liberdade de consciência ou a liberdade de religião, uma vez que se baseia principalmente em motivos médicos ou científicos;4 de facto, razões religiosas também foram apresentadas para justificar uma objeção de consciência à vacinação obrigatória. Por exemplo, já em 1798, quando Jenner publicou os resultados do uso da varíola bovina para imunizar uma criança, informando assim o mundo da invenção da vacina contra a varíola, a “Sociedade de Anti vacinação” foi fundada nos Estados Unidos. Estas pessoas argumentavam que as vacinas deviam ser rejeitadas, porque acreditavam que interferiam na obra de Deus.5 De qualquer forma, essa objeção baseia-se em convicções pessoais que, latu sensu, envolvem a consciência, pois a ciência e a medicina oficial unanimemente
consideram as vacinas indispensáveis à proteção da saúde individual e coletiva, e excluem a sua nocividade, salvo nos limites dos efeitos colaterais que qualquer tratamento médico pode ter.
Olhando mais de perto, sempre houve um fenómeno paradoxal em relação às vacinas: em trabalhos científicos, são descritas como “uma das intervenções de saúde pública mais eficazes e com alto custo-eficácia na redução da mortalidade e da morbidade por certas doenças infeciosas”,6 são, portanto, “consideradas um dos maiores sucessos da ciência biomédica moderna” e “graças ao seu uso, milhões de mortes prematuras foram (e continuam a ser) evitadas e outras tantas sequelas incapacitantes são evitadas cada ano”.7 O teor dessas afirmações também muda radicalmente na literatura fora do mundo científico e da medicina oficial. Para dar alguns exemplos, um site explica que Rudolf Steiner, o fundador da “medicina antroposófica”, teria revelado que os governos querem vacinar crianças para inoculá-las com uma vacina “contra a evolução espiritual” e, assim, deixar o campo aberto às forças materialistas:8 A agulha “que entra no corpo faz com que a alma se retire para fora do corpo”.9 Noutro site ligado ao mundo Steiner, afirma-se que “as doenças exantemáticas são boas para as crianças; promovem o desenvolvimento do sistema imunitário, a capacidade de autorregulação e de autocura”.
Um site de homeopatia acusa as vacinas de serem a expressão de uma conspiração armada por governos e empresas farmacêuticas contra crianças: ‘razões pouco claras’ levariam as empresas farmacêuticas a ‘encorajar e recomendar o uso indiscriminado de vacinas em toda a população’. A associação COMILVA (Coordenação do Movimento Italiano pela Liberdade de Vacinação) visa consciencializar sobre os danos causados pelas vacinas, denunciando uma suposta forma de subserviência da política de saúde aos interesses das grandes marcas farmacêuticas. O site também contém informações práticas sobre como exercer o direito de objeção co-científica à vacinação obrigatória.10 Outros justificam a sua oposição às vacinas referindo-se à presença de mercúrio, que consideram uma possível causa de autismo ou de esclerose múltipla. O movimento anti vacina até se estruturou como partido político e concorreu às eleições regionais.11
2. Religiões e Vacinas
A rejeição das vacinas baseia-se, portanto, mais em razões “fideístas”, às vezes até “religiosas”, do que em fundamentos científicos.12 Aqueles que confiam numa homeopatia do tipo “fundamentalista”, como vimos, justificam a sua aversão às vacinas referindo-se à alma, que seria retirada do corpo pela inserção da agulha na pele. A medicina steineriana, fruto das teorias da sociedade antroposófica, listada pelo CESNUR (Centro de Estudo de Novas Religiões) como um dos “grupos teosóficos e pós-teosóficos”,13 vê as vacinas com desconfiança, porque limitariam o crescimento espiritual do indivíduo.
Alguns grupos religiosos consideram a rejeição das vacinas como parte das suas crenças. A mais conhecida delas é a Igreja de Cristo, Cientista, ou Ciência Cristã, fundada nos Estados Unidos, em 1892, por Mary Baker Eddy.14 A igreja considera um livro, “Ciência e Saúde com a Chave para as Escrituras” – escrito pela fundadora – como um livro sagrado, além da Bíblia, e os seus seguidores acreditam que as doenças podem e devem ser curadas confiando exclusivamente na oração. Em caso de doença, os crentes não recorrem ao médico, mas ao praticante, que é definido como “um freelancer que participou num curso de formação em cura espiritual ministrado por um professor licenciado da Ciência Cristã. O praticante dedica-se, a tempo inteiro, a ajudar e a curar as necessidades dos pacientes por meio da oração, usando a sua própria experiência.15 No site oficial da Ciência Cristã, em relação às leis de vacinação obrigatória, afirma-se que, para os fiéis, a prática da cura espiritual é uma “escolha de consciência” e que, mesmo compreendendo as razões que levaram muitos Estados a fornecerem a vacinação obrigatória, é apreciável que algumas leis reconheçam o direito à isenção da obrigação por motivos religiosos. É uma acomodação religiosa que, segundo o mesmo documento, é necessária para proteger a liberdade religiosa numa sociedade multicultural.16 Num site italiano da Ciência Cristã, lê-se que a escolha dos pais Cientistas Cristãos de curarem os seus filhos com oração decorre do facto de eles mesmos terem experimentado a eficácia deste método, mas que, em relação às vacinas obrigatórias, “respeitam leis e procedimentos
obrigatórios para vacinas em doenças exantemáticas e em todos os casos semelhantes”.17 Assim, a referida Igreja convida os fiéis a exercerem o seu direito à objeção de consciência às vacinas, se a lei o reconhecer, e a cumprirem a exigência vacinal nos casos em que a isenção não for reconhecida.
Outro site italiano de uma ‘associação cultural’, chamado ‘La Biolca’, afirma ser baseado nas teorias steinerianas de nutrição e saúde, e visa consciencializar católicos, judeus, muçulmanos e Testemunhas de Jeová sobre o conhecimento contido em vacinas, que cada um deles, se fosse bom crente, teria de recusar receber. As vacinas, segundo esta tese, contêm células de fetos abortados e subprodutos animais, como sangue de vaca e carne de porco. Mas, observa o autor anónimo do texto, “é claro que as hierarquias religiosas menosprezam o texto”.18
De facto, a doutrina das principais religiões do mundo não contém nenhuma proibição de vacinação, sejam ela obrigatória ou não. Um estudo dividiu os argumentos em três categorias: as vacinas violariam a proibição de matar, transgrediriam certos preceitos dietéticos religiosos e interfeririam na ordem natural das coisas desejadas por Deus.19
Ao primeiro conjunto de argumentos contra as vacinas pertencem as dúvidas levantadas por alguns grupos ligados ao jainismo, uma religião oriental que proíbe matar qualquer ser vivo, incluindo bactérias ou, no nosso caso, vírus.20 A vacinação deve, portanto, ser considerada ilegítima, pois envolve uma ação violenta contra vírus, que são seres vivos; no entanto, a própria religião jainista admite legítima defesa: no caso das vacinas, a intenção de prevenir uma doença grave legitima a ação violenta. A boa intenção, portanto, legitima as vacinações.
Mais complexas são as questões relacionadas com a presença de substâncias alimentares que algumas religiões consideram ilícitas. Estas incluem, em particular, excipientes de carne de porco, que são usados na preparação de certas vacinas. Como é bem sabido, as religiões judaica e islâmica consideram o porco um animal impuro e, portanto, proíbem comer a sua carne e produtos derivados.21 Os estudiosos judeus consideram a intenção de salvar a própria vida e a vida de outros como o cumprimento de um mandamento divino. Ressaltam que a proibição de alimentos não kosher não se aplica às vacinas, que geralmente são injeta-
das na pele, e que, em qualquer caso, todos os medicamentos que salvam vidas são lícitos, mesmo que não sejam kosher. 22 Estudiosos islâmicos têm uma visão semelhante, aplicando o princípio da transformação à questão, segundo o qual um produto originalmente impuro pode tornar-se halal. Em 2003, uma fatwa do Conselho Europeu de Fatwa e Pesquisa23 estabeleceu a legalidade da vacina contra a poliomielite, que também é produzida com um elemento de origem suína (tripsina), pois, após o processo de transformação, não há mais nenhuma ligação entre o suíno e o derivado utilizado para o pré-tratamento médico. O mesmo princípio – conhecido como princípio histihala – aplica-se, por exemplo, ao álcool contido em certos medicamentos e à insulina originária dos porcos. A lei da necessidade também é considerada aplicável: um crente não comete pecado ao comer um alimento proibido se não tiver alternativa viável; o que é necessário e não tem alternativa torna lícito o que é proibido.24
A lei islâmica, portanto, permite a administração de vacinas, mesmo que contenham substâncias de origem haram, e fá-lo com base em três princípios: o direito de proteger a vida, o dever de prevenir o perigo e a proteção do interesse público. A prevenção de doenças por meio de vacinas está de acordo com a lei divina e, nalgumas circunstâncias, é necessária – por exemplo, durante a peregrinação anual a Meca (o hajj), durante a qual a vacinação é útil para evitar a propagação de epidemias entre a grande massa de peregrinos que acorrem aos lugares santos.25 No entanto, houve episódios de recusa de vacinação nalgumas comunidades islâmicas, que assumiram formas violentas.26 Uma última questão sobre a preparação das vacinas e a compatibilidade das substâncias que contêm com os princípios religiosos – neste caso, os princípios católicos – está ligada à presença de células cultivadas, originalmente retiradas de fetos abortados voluntariamente. O problema diz respeito principalmente à vacina contra a rubéola: usar um produto feito a partir de um ato que a doutrina católica considera um pecado grave pode constituir uma forma de colaboração com o mal. A questão foi abordada num documento da Pontifícia Academia Pro Vita, de 5 de junho de 2005, intitulado “Reflexões morais sobre vacinas preparadas a
partir de células de fetos humanos abortados”,27 que a examina à luz dos princípios da doutrina moral clássica em relação à cooperação com o mal. A conclusão é que não há dúvida de que o uso dessas vacinas constitui ‘cooperação material passiva mediada ‘ com o aborto e, portanto, médicos e pais católicos devem recorrer a vacinas preparadas de outras formas, se existirem, ou solicitar às empresas farmacêuticas que modifiquem a preparação de vacinas, se possível. No entanto, os pais têm o dever de vacinar os seus filhos, pois as vacinas, mesmo aquelas que apresentam ‘problemas morais’, servem para proteger a saúde das crianças e da comunidade em que vivem. A justa exigência de preparativos que não prejudiquem os princípios religiosos não deve ser feita à custa das necessidades de saúde e de solidariedade das crianças: “em todo o caso, resta o dever moral de continuar a lutar e usar todos os meios legais para dificultar a vida das indústrias farmacêuticas que agem sem escrúpulos éticos. Mas o ónus desta importante batalha certamente não pode e não deve recair sobre crianças inocentes e a saúde da população – principalmente mulheres grávidas. Na Itália, essa posição foi assumida – na ocasião da controvérsia após a obrigatoriedade das vacinas de novo – por um documento assinado não apenas pela Pontifícia Academia Pro Vita, mas também pelo Escritório Nacional do Cuidado Pastoral da Saúde da Conferência Episcopal Italiana e pela Ordem dos Médicos Católicos Italianos. Em conclusão, reafirmou “a responsabilidade moral de vacinar para não expor as crianças e a população em geral a sérios riscos para a saúde”.28
Na esfera cristã, além da já mencionada Igreja cientista, os Amish – grupo que se originou como uma corrente radical anabatista –são absolutamente contrários às vacinas, rejeitando todos os aspetos da modernidade, inclusive o uso de drogas e, portanto, vacinas.29 Algumas congregações reformadas holandesas acreditam que os fiéis devem confiar exclusivamente em Deus, e que a vacinação é uma falta de fé na providência divina: se o próprio Deus julgar necessário, Ele imunizará os Seus fiéis. Outras pequenas denominações cristãs, como o Tabernáculo da Fé,30 a Igreja do Primogénito, a Assembleia da Fé e os Ministérios do Fim dos Tempos, também adotam a mesma posição, proibindo os seus membros de usar qualquer tipo de medicamento. No passado, as
Testemunhas de Jeová também se manifestaram contra as vacinas, mas em 1952 a sua atitude mudou, e as vacinas agora são aceites.31
3. A Situação Noutros Países, o Caso Especial dos EUA Grupos religiosos que proíbem a vacinação dos seus membros encontram-se, sobretudo, na sociedade americana. Nos Estados Unidos da América, a vacinação obrigatória é exigida por lei estatal, que estipula que, para se matricular na escola, o aluno deve apresentar um certificado que comprove ter feito todas as vacinas consideradas obrigatórias.32 Nalguns casos, a objeção de consciência às vacinas exige que a adesão às crenças religiosas seja autêntica e demonstrável, enquanto noutros, basta assinar uma declaração genérica referente a motivos religiosos. Alguns, por outro lado, admitem a possibilidade de objeções em bases filosóficas; de facto, nos estados onde isso é possível, os pedidos de isenção por motivos não religiosos superam os pedidos por motivos religiosos, e estão a aumentar.33 Além disso, quando a lei só admite isenções por motivos religiosos, acontece que os pais fingem aderir a uma religião anti vacinação, e até existem “religiões” criadas justamente para fornecer uma “cobertura religiosa” para quem quer retirar os seus filhos da obrigatoriedade de vacinação.34 Embora o Supremo Tribunal nunca tenha atuado diretamente na questão das isenções de vacinação com base religiosa, tem repetidamente declarado a legitimidade da exigência de vacinação, uma vez que serve para a proteção da saúde e da segurança públicas.35 Um antigo julgamento de 1944 – Prince v. Massachusetts36 – apresenta uma interessante referência limitante à objeção de consciência às vacinas com base religiosa: “O direito de praticar livremente a própria religião não inclui a liberdade de expor a comunidade ou a criança a epidemias, doenças ou morte.”37
A redução do limiar de imunidade de grupo levou a epidemias de doenças nos EUA, nos últimos anos, que estavam consideradas praticamente desaparecidas. Em 2015, uma epidemia de sarampo espalhou-se a partir do Parque da Disneylândia, provocando, pela primeira vez, um debate sobre se a política de isenções das exigências de vacinação deveria ser revista. Esse debate foi retomado em 2019, quando um surto de sarampo atingiu o condado de Rockland, no estado de Nova Iorque,
levando as autoridades públicas a declarar estado de emergência em 26 de março de 2019. A imprensa, ao relatar a notícia, apontou que o surto se tinha desenvolvido dentro da comunidade judaica ortodoxa, provocada por vários fiéis que contraíram sarampo durante a sua estadia em Israel. Apesar do facto de que a maioria dos judeus não se opõe à vacinação, alguns rabinos ultraortodoxos apoiam o movimento de não vacinação e, assim, contribuem para tornar a comunidade judaica particularmente suscetível à propagação de doenças infeciosas.38
A mesma fonte noticiosa acrescentou que também tinham ocorrido surtos noutros grupos judeus no estado de Nova Iorque, no Brooklyn e no Queens, e que o governador do estado de Washington também teve que declarar estado de emergência em janeiro de 2019.39 A incidência de epidemias nas comunidades judaicas já tinha levado a União Ortodoxa e o Conselho Rabínico da América a emitir uma declaração em novembro de 2018,40 recomendando que os pais vacinassem os seus filhos e seguissem as instruções dos médicos e o calendário de vacinação.
Este documento também lembrava alguns princípios da lei judaica. Em primeiro lugar, o valor da proteção da vida humana: aqueles que se deparam com uma situação em que a sua vida está em risco podem não observar as regras do Sábado e outras obrigações importantes estabelecidas por lei até ao final da emergência. Recorde-se, também, que as orações pela saúde e pela cura de doenças são uma antiga tradição judaica, mas que devem andar de mãos dadas com o recurso à ciência médica, incluindo as vacinas. O documento acrescenta que os deveres sob a lei judaica incluem cuidar da saúde dos outros, tomar todas as medidas necessárias para prevenir danos ou doenças, e que a lei judaica deixa aos médicos a identificação e a prescrição dos medicamentos mais apropriados para prevenção e cura.
“Portanto, a maioria dos poskim (tomadores de decisão, segundo a halakha) apoia a vacinação de crianças para protegê-las de epidemias e eliminar doenças infeciosas da comunidade por meio da imunidade de grupo, protegendo assim aqueles que podem ser mais vulneráveis.”
As comunidades religiosas, especialmente aquelas que levam uma vida social com pouco contacto com o exterior, podem ser um ambiente favorável para a transmissão de doenças contagiosas.
Um caso representativo é o de maio de 2019, quando um navio de propriedade da Igreja da Cientologia – no qual havia cerca de trezentos membros da denominação religiosa, envolvidos num cruzeiro de retiro espiritual – ficou parado ao largo da ilha de Santa Lúcia, no Caribe, porque tinha ocorrido um caso de sarampo a bordo. Todos os tripulantes e passageiros foram obrigados a permanecer em quarentena como medida de precaução; a Cientologia não toma uma posição oficial sobre vacinas e, de facto, afirma deixar a liberdade de escolha aos seus membros, mas muitos dos seus seguidores opõem-se abertamente a elas.41
A propagação de doenças que quase tinham sido erradicadas está a levar a legislatura dos EUA a repensar a política de isenções por motivos religiosos ou filosóficos. Além de violar o princípio da igualdade ao distinguir entre crianças cujos pais têm convicções religiosas contra vacinas (isentas) e crianças cujos pais não têm essas convicções (obrigatórias), as isenções representam um grave problema para a proteção dos direitos das crianças que não são vacinadas a pedido dos seus pais. Eles expõem-nas ao risco de contraírem doenças graves, violando o seu direito a um futuro aberto, ou seja, de fazerem as suas próprias escolhas pessoais livremente – em questões de saúde, educação, profissão, casamento – quando podem fazê-lo.42 Além disso, aqueles que se recusam a vacinar os seus filhos também colocam em risco a saúde das pessoas ao seu redor: a isenção por motivos religiosos ou ideológicos é prejudicial para a comunidade.43
Também foi dito que esse comportamento constitui uma forma de negligência médica, o que justificaria a intervenção direta de instituições públicas para substituir os pais não aderentes,44 e que seria desejável aumentar o custo do seguro de saúde para as famílias que optam por não vacinar os seus filhos.45
A legislatura do Estado de Nova Iorque interveio promulgando uma lei que elimina as isenções por motivos religiosos.46 Trata-se da Lei nº 2371, de 22 de janeiro de 2019, segundo a qual todos os alunos até 18 anos devem submeter-se à vacinação obrigatória para frequentar a escola.47 Ao longo de 2019, leis também foram aprovadas nos estados de Washington e Maine, eliminando isenções por motivos religiosos.48 O
19
governador da Califórnia já tinha feito o mesmo na Lei nº 277, de 30 de junho de 2015.49
A compatibilidade de uma lei que fornece apenas isenções médicas com a proteção da liberdade religiosa foi o assunto do caso Brown v. Stone,50 uma decisão do Supremo Tribunal do Mississippi, um dos poucos estados que aboliu as isenções religiosas nas leis de vacinação obrigatória desde 1992.51 O Tribunal decidiu que a vacinação obrigatória sem a possibilidade de isenção por motivos religiosos não pode ser considerada contrária à liberdade religiosa protegida pela Lei de Restauração da Liberdade Religiosa.52 O raciocínio foi que o interesse público na proteção da saúde e na proteção das crianças contra o risco de contraírem doenças perigosas é de tal importância que passa no teste de controlo rigoroso previsto pela lei sobre liberdade religiosa.53
Outros países também passaram de uma legislação permissiva para uma legislação repressiva sobre vacinação. Na Austrália, até há poucos anos, o objetivo era incentivar as vacinações convencendo os pais por meio do uso de benefícios económicos; hoje, as crianças não vacinadas são proibidas de aceder e de frequentar creches e escolas. A chamada Política “No-Jab No-Pay”, de 1998, estipulava que, para obterem certos benefícios sociais para famílias com filhos, os pais deveriam fazer com que os seus filhos fossem submetidos às vacinas recomendadas. Exceções eram permitidas por motivos de saúde, mas também por motivos de consciência; adeptos de religiões anti vacinas na Austrália, especialmente seguidores da Igreja cientista, apelaram com base nisso.54 O aumento do número de crianças registadas como objetores de consciência e o preocupante declínio da imunidade de grupo convenceram o governo da Commonwealth a alterar a sua legislação em 2017, introduzindo a chamada Política do “No Jab No Play”, que estipula que as crianças não vacinadas não podem frequentar creches e pré-escolas. A aplicação da lei é deixada aos estados individuais, mas apenas a Nova Gales do Sul mantém a possibilidade de os pais levantarem objeções de consciência.55 Na Europa, existem posições divergentes, que vão desde Estados que não impõem nenhuma obrigação, a outros (especialmente os da parte oriental do continente) que impõem uma bastante estrita. O primeiro
grupo inclui o Reino Unido, Espanha e Alemanha, que promovem legislativamente a adesão espontânea da população aos programas de vacinação por meio de campanhas informativas. No Reino Unido, a vacinação obrigatória foi prevista pela primeira vez com a Lei de Vacinação de 1898, que reconhecia o direito à objeção de consciência; em 1946, a Lei do Serviço Nacional de Saúde optou pela abordagem voluntária, promovendo a adesão espontânea dos cidadãos às campanhas de vacinação. No entanto, atualmente, o declínio preocupante da imunidade de grupo na Grã-Bretanha provocou um debate sobre se a vacinação obrigatória deve ser introduzida novamente.56
Em Espanha, a decisão sobre a vacinação cabe inteiramente aos pais: quem decide não vacinar os seus filhos só é obrigado a assinar uma declaração.57 Outros países, no entanto, têm legislação que impõe a vacinação obrigatória, incluindo a França, onde a isenção apenas é permitida por razões médicas certificadas.58 Na República Checa, o Tribunal Constitucional interveio nesta matéria, afirmando, em termos gerais, que esta obrigação se justifica pela necessidade de proteger a saúde e a segurança públicas. Em seguida, afirmou que, embora a vacinação obrigatória constitua, de facto, uma compressão do direito fundamental à autonomia pessoal, é um sacrifício necessário para a prevenção de epidemias. O mesmo Tribunal definiu a vacinação como um ato de “solidariedade social”.59
Segundo o Tribunal Constitucional húngaro, a vacinação obrigatória é legítima, mesmo que interfira nas convicções religiosas ou na consciência dos pais, uma vez que a sua finalidade é proteger a saúde das crianças e assenta em fundamentos científicos e não ideológicos. Para o Tribunal Constitucional turco, uma criança cujos pais se recusam a vaciná-la precisa de proteção para que o seu direito à saúde seja protegido.60
Esta é a situação nos países economicamente desenvolvidos. No que já foi chamado ‘terceiro mundo’, a falta de cobertura vacinal não se deve a razões religiosas ou filosóficas, mas sim à falta de sistemas eficazes de proteção da saúde. Em abril de 2019, jornais italianos noticiaram uma grave epidemia de sarampo em Madagáscar, que matou mais de 1200 pessoas, num país onde apenas 58% da população está vacinada contra o vírus.61 Ao mesmo tempo, uma epidemia de cólera em Moçambique
exigiu a intervenção da OMS, que enviou uma grande quantidade de vacinas para o país africano.62 Outro surto de sarampo, desta vez nas ilhas de Samoa, causou uma grande emergência de saúde e várias dezenas de mortes, em dezembro de 2019.63 Na República Democrática do Congo, mais de cinco mil crianças morreram em 2019, segundo estimativas da UNICEF, também devido a um surto de sarampo.64
Assim, enquanto a possibilidade de evitar a vacinação está a ser debatida em nações industrializadas, em nações economicamente menos desenvolvidas, é materialmente impossível, para uma grande proporção da população, ter acesso às vacinas. De acordo com o Tribunal Constitucional colombiano, pode-se afirmar a existência de um direito fundamental dos menores a serem vacinados e a inconstitucionalidade do comportamento de autoridades públicas que não garantem esse direito. De acordo com este princípio, as vacinas são definidas como “um bem primário que deve estar disponível para todos”.65
Esta abordagem diferente da questão da vacinação obrigatória pode ser vista como um aspeto de uma questão mais geral, de importância fundamental nas democracias contemporâneas: a da necessidade de encontrar um equilíbrio entre os interesses sociais, no nosso caso, identificáveis na proteção da saúde pública, e interesses individuais, identificáveis no reconhecimento de escolhas pessoais em matéria de tratamento, especialmente se derivadas da fé numa doutrina religiosa.66
4. Exigências de Vacinação em Itália
A preocupação com o interesse social está na base do documento intitulado European Vaccine Action Plan 2015-2020, publicado pela Organização Mundial de Saúde,67 que destaca um aumento significativo de infeções por sarampo e rubéola na Europa68 e indica a realização de, pelo menos, 95% de cobertura vacinal como objetivo de saúde pública para todo o espaço europeu. Na Itália, o site do Centro Nacional de Doenças e Prevenção da Saúde do Instituto Superior de Saúde69 mostra uma tabela que apresenta a evolução da propagação das doenças infeciosas mais importantes que podem ser prevenidas por meio de vacinas. Eles explicaram ainda que o objetivo da introdução renovada da obrigação de
vacinação é evitar que as crianças contraiam doenças graves. No mesmo site, pode-se ler o texto do relatório apresentado à Comissão de Saúde da Câmara dos Deputados, que destaca que, a partir de 2013, houve uma queda significativa na cobertura vacinal na Itália. Essa cobertura caiu abaixo do limite de 90%, a cota que garante a imunidade de grupo para doenças como sarampo e rubéola – de 90,4% em 2013 para 85,3% em 2015.70
O mesmo texto informa que, em 2016, ocorreram sessenta casos de tétano (com vinte óbitos), doze casos de meningite evitável com vacinação e um aumento significativo de internamentos de crianças menores de um ano infetadas por meio de tosse. Nos primeiros seis meses de 2017, foram registados três mil casos de sarampo, com cerca de mil internamentos por complicações graves, enquanto, entre 2005 e 2015, a rubéola afetou 163 gestantes.
Esta situação levou o governo a intervir com o Decreto-Lei nº. 73, de 07 de junho de 2017,71 contendo “Disposições urgentes sobre prevenção vacinal”, convertido pela Lei nº. 119, de 31 de julho de 2017,72 com o objetivo de “garantir a proteção da saúde pública e a manutenção de condições adequadas de segurança epidemiológica em termos de profilaxia e cobertura vacinal” (art. 1º, § 1º). A lei estabelece que dez vacinas são obrigatórias e gratuitas (anti pólio, anti difteria, anti tétano, anti hepatite B, anti coqueluche, anti Haemophilus influenzae B, anti morbidade, anti rubéola, anti papeira, anti tuberculose), oferecendo uma derrogação – ou um adiamento da obrigação “apenas em caso de perigo comprovado para a saúde – em relação a condições clínicas específicas documentadas, certificadas pelo médico de clínica geral ou pelo pediatra escolhido” (art. 1º, § 3º). 1, III co.). Na realidade, a exigência de vacinação na Itália nunca foi abolida, mas, com o Decreto Presidencial nº 355, de 26 de janeiro de 1999, a sanção de não admissão à escola de crianças que não foram vacinadas foi removida, o que tornou a exigência menos incisiva. No início do milénio, a cobertura vacinal na Itália atingia 96% da população e o Plano Nacional de Vacinação 2005-2007 baseava-se no facto de que, numa sociedade consciente e educada, a obrigação deveria ser considerada ultrapassada.73 Pelo contrário, a lei de 2017 teve de reintroduzir algumas sanções contra os pais, tutores ou responsáveis pela
custódia que não cumpram a obrigação de vacinação: o Artigo 4, n.º 4, estabelece que devem ser convocados pela autoridade de saúde local para uma entrevista e então, se não cumprirem, devem ser multados. Além disso, os gestores escolares devem verificar se todos os menores matriculados nas suas escolas cumprem a exigência de vacinação, solicitando a documentação pertinente e relatando os casos de incumprimento ao ASL – instituto sanitário local (art. 3º, parágrafos I e II). No caso dos serviços educativos para bebés e pré-escolares, que abrangem uma faixa de usuários de zero a seis anos – e, portanto, não estão sujeitos à escolaridade obrigatória – a apresentação de atestados que comprovem o cumprimento da obrigação vacinal “constitui uma exigência para acesso” (art. 3º, parágrafo III). Por fim, o Art. 4 recomenda que os menores que não possam ser vacinados por motivos de saúde sejam colocados “em regra, em turmas com apenas crianças vacinadas ou imunizadas”.74
A aplicação dessa lei tem provocado o desencadear de polémica – às vezes, até recorrendo à violência – por parte aqueles que, reunidos na galáxia genérica dos chamados anti vacinação, contestam a utilidade das vacinas – muitas vezes alegando que são perigosas – e acreditam que a exigência de vacinação viola a sua autodeterminação e liberdade de cuidado. De facto, ao contrário do que foi previsto pelo Plano de Vacinas 2005-2007 mencionado acima, a maior educação e consciencialização que caracteriza a sociedade italiana contemporânea não se traduziu em maior confiança na utilidade das vacinas. Paradoxalmente, é justamente entre a população mais educada e preocupada com a saúde que se espalham as convicções sobre a inutilidade e, muitas vezes, a nocividade das vacinas.
Essa situação inesperada deve-se principalmente a dois fatores: em primeiro lugar, a eficácia das vacinas e a alta taxa de imunização alcançada até alguns anos atrás erradicaram quase completamente as doenças infeciosas que, no passado, causavam mortes e graves consequências incapacitantes. Não ver os efeitos das doenças leva a uma subestimação do seu perigo. Em segundo lugar, os movimentos anti vacinação encontram uma caixa de ressonância na internet e nas redes sociais, conseguindo difundir as suas teorias entre aqueles que, desejando informar-se sobre
questões de saúde, pesquisam notícias na internet com o risco de se depararem com teorias exageradas ou as chamadas pós-verdades.75
São teorias que se espalham especialmente na web e alimentam o fenómeno das fake news, que, quando se trata de questões importantes como saúde, segurança, migração ou mesmo política, podem ter sérias consequências para ‘a qualidade e até para a segurança da ordem democrática de convivência”.76 Nesta era de acesso indiscriminado à informação, a questão da vacinação faz parte, portanto, da chamada cultura da “pós-verdade”,77 que torna a ciência questionável, e a posições anticientíficas, que parecem mais simples e convincentes, quase aceitáveis; deste ponto de vista, mesmo as realizações médicas, que, indubitavelmente, incluem vacinas, podem ser apresentadas como opiniões, e as vacinas como produtos perigosos, cuja eficácia pode ser legitimamente posta em dúvida.78
A jurisprudência sobre o mérito também se mostrou aberta a certas inclinações Anti-VAX. Por exemplo, o Tribunal de Rimini (secção civil – trabalho), com a sentença de 15 de março de 2012, afirmou o direito à indemnização por danos em favor de uma criança que sofre de “transtorno autista associado a retardo cognitivo médio atribuível com razoável probabilidade científica à administração da vacina MPR”.79 Anteriormente, tinha sido o Tribunal de Busto Arsizio a estabelecer uma ligação entre o autismo e a vacinação contra a poliomielite.80 A secção do trabalho do Tribunal de Pesaro, com a sentença de 1 de julho de 2013, n.º 260, reconheceu a indemnização, instituída pela lei de 25 de fevereiro de 1992, n.º 210, a favor dos pais de uma criança que faleceu no berço 21 dias após a administração da vacina. O CTU designado pelo juiz tinha considerado simplesmente “possível” uma correlação entre vacinação e óbito da criança, sem “dar certeza ou probabilidade de ligação entre a vacina e a morte”, mas, na decisão, lê-se que “o nexo de causalidade entre vacinação e morte” deve ser declarado “em termos de alta probabilidade”.81 Mais atentas às evidências científicas são as intervenções dos tribunais superiores. O Tribunal de Apelação de Bolonha, com a sentença n.º 1767, de 13 de fevereiro de 2015, revogou completamente a decisão do Tribunal de Rimini em 2012, afirmando que não há nexo de causalidade entre vacinação e autismo. De facto, de acordo com neuropsiquia-
Religiões e Objeção de Consciência às Vacinas durante a Pandemia de COVID-19
tras infantis, a hipótese mais plausível é que os transtornos do espectro do autismo tenham uma causa genética e que as evidências científicas levem à exclusão de qualquer relação entre vacinas e autismo.82 Mesmo a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal destacou que não há evidência na literatura científica da probabilidade razoável de um nexo de causalidade entre vacinas e autismo, rejeitando um recurso contra a negação de indemnização.83 Desta forma, a jurisprudência nega a validade de um dos motivos que fundamentam o pedido de reconhecimento de objeção de consciência às vacinas obrigatórias.
O Tribunal Constitucional interveio em várias ocasiões sobre a constitucionalidade da vacinação obrigatória. Em todas elas, a legitimidade da vacinação obrigatória foi reafirmada como expressão do dever de solidariedade. Com a sentença n.º 307, de 22 de junho de 1990, o Tribunal afirmou a compatibilidade da obrigação com o artigo 32 da Constituição, uma vez que visa proteger a saúde não só dos sujeitos a ela, mas da comunidade: “postula o sacrifício da saúde de cada pessoa para a proteção da saúde dos outros” (n.º 2 da lei). As vacinações obrigatórias são, por outras palavras, uma expressão do espírito de solidariedade que está na base da convivência democrática e justifica o sacrifício da autonomia individual.84
A solidariedade, que encontramos referida no Artigo 2 da Constituição, é, de facto, um dever e pressupõe, para além do respeito pela consciência individual, a secularidade das instituições públicas.85 Nesse sentido, uma objeção de consciência por motivos religiosos às vacinas obrigatórias, que também têm por finalidade a solidariedade, pode ser considerada contrária ao princípio da secularidade.86 Na sentença subsequente n.º 132, de 27 de março de 1992, o Tribunal Constitucional reiterou a constitucionalidade da obrigação e lembrou que o poder parental se baseia no interesse da criança, “na sua função e no seu limite”, e que o juiz tem autoridade para intervir, se os pais “não cumprirem as suas obrigações e, assim, comprometerem os bens fundamentais da criança, como a saúde e a educação” (considerados na lei).
O reconhecimento da objeção de consciência dos pais em relação à obrigação de vacinação imposta aos filhos menores levaria a um conflito
entre a liberdade de consciência dos adultos e a proteção da saúde dos menores, que não pode ser resolvido sacrificando os últimos.87
Além disso, uma eventual objeção de consciência às vacinas não se inspiraria ‘num conflito entre a liberdade de consciência e o ato imposto pela lei’,88 mas no direito de não ser submetido a imposições sobre escolhas pessoais. Assim, a necessária prevalência do interesse superior dos menores exigiria que também fosse avaliada a proteção da saúde dos pares com os quais os não vacinados entrarão em contacto. Isso leva à conclusão de que há uma incompatibilidade dessa objeção de consciência com os objetivos dos sistemas democráticos.89 A proteção da consciência dos pais não pode – nem deve – traduzir-se em prejuízo para os próprios menores. Como o Supremo Tribunal dos Estados Unidos da América declarou no caso Prince v. Massachusetts, “os pais podem ser livres para se tornarem mártires, mas não são livres para fazerem dos seus filhos mártires”.90
Mais recentemente, o Tribunal Constitucional decidiu, no seu acórdão n.º 5, de 18 de janeiro de 2018. Além de lembrar que as novas regras de vacinação obrigatória também foram determinadas por uma epidemia de sarampo que causou quatro mortes em 2017 (n.º 3.8 da lei), o Tribunal sublinhou a necessidade de o legislador, ao intervir em questões que envolvem o direito à saúde, se orientar pelas “aquisições em constante evolução da pesquisa médica” (n.º 8.2.1 da lei).91
5. Existe um Direito à Objeção de Consciência à Vacinação Obrigatória?
Dado que a jurisprudência constitucional italiana não parece deixar muito espaço para o reconhecimento da objeção de consciência à vacinação obrigatória, parece útil verificar a posição da jurisprudência europeia. De um modo geral, o Tribunal Europeu de Direitos Humanos é muito cauteloso em reconhecer novas formas de objeção de consciência.92 O Artigo 9 da Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos do Homem protege a liberdade de consciência, juntamente com a liberdade de pensamento e de religião. No entanto, não se refere explicitamente ao direito à objeção de consciência, que encontramos no Artigo 10 2. da
Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia, segundo o qual este direito “será reconhecido de acordo com as leis que regem o seu exercício”. Durante anos, a jurisprudência do Tribunal de Estrasburgo foi cautelosa na interpretação do Artigo 9, afirmando que dele não poderia derivar um direito geral à objeção de consciência.
A posição do Tribunal mudou com a sentença da Grande Câmara, no caso Bayatyan et al. v. Arménia, de 7 de julho de 2011,93 que dizia respeito a um caso de objeção de consciência, por motivos religiosos, ao serviço militar obrigatório.94 Afirma que a Convenção é “um instrumento vivo, que deve ser interpretado à luz das condições atuais e das ideias que prevalecem no momento presente nos Estados democráticos” (n.º 102). Portanto, o facto de todos os estados-membros do Conselho da Europa (na época, apenas quatro países eram contra) preverem o direito à objeção de consciência ao serviço militar na sua legislação, mostra que há um entendimento comum do seu reconhecimento.
Com o julgamento de Mushfig Mammadou e out. v. Azerbaidjan, de 17 de outubro de 2019,95 o Tribunal voltou a afirmar que o reconhecimento da objeção de consciência ao serviço militar, ainda que sujeito ao cumprimento do serviço civil de substituição, é necessário para a efetiva proteção do direito à liberdade religiosa conforme previsto no artigo 9º da Convenção. Os princípios estabelecidos pelo Tribunal nessas duas sentenças poderão, no futuro, ser estendidos a outras formas de objeção de consciência.
O Tribunal de Estrasburgo tratou da questão da vacinação obrigatória apenas no caso Solomakhin v. Ucrânia, de 15 de março de 2012,96 que dizia respeito ao caso de um jovem ucraniano que sofria de várias doenças crónicas e que foi vacinado à força contra a difteria durante uma hospitalização em 1999, embora tenha manifestado a sua oposição. Após esta vacinação, o seu estado de saúde deteriorou-se, mas a jurisprudência ucraniana considerou que a ligação entre a vacinação e o agravamento do seu estado de saúde não tinha sido provada. Solomakhin morreu em 2010 de um ataque cardíaco. Entretanto, tinha iniciado uma ação para determinar se a lei ucraniana, que estabelece a obrigatoriedade da
vacinação, contraria o artigo 8.º da Convenção Europeia, que condiciona a legitimidade de uma lei que interfira na vida privada e na integridade física de uma pessoa em presença de um objetivo legítimo e da sua necessidade numa sociedade democrática. Para os juízes de Estrasburgo, a obrigação de vacinação estabelecida pela lei ucraniana tem um objetivo legítimo – a proteção da saúde – e é necessária para prevenir epidemias entre a população.97 A sentença de Solomakhin não examina a questão da possibilidade de exercer uma objeção de consciência, uma vez que, neste caso, a objeção era determinada pela condição física do sujeito.
A objeção de consciência à vacinação obrigatória por motivos religiosos foi recentemente abordada pela Grande Câmara do Tribunal Europeu de Direitos Humanos na sua decisão sobre Vavricka et al. v. República Checa, em 8 de abril de 2021, uma sentença particularmente interessante. O Tribunal de Estrasburgo, na sua composição mais solene, teve de decidir sobre um caso relativo a vacinações durante a pandemia de COVID-19, nos meses em que as vacinações começaram e, nalguns países, foram introduzidas vacinações obrigatórias para determinadas categorias de trabalhadores. O caso foi movido por cidadãos checos que foram multados e proibidos de frequentar o jardim de infância por não terem os seus filhos vacinados em 2013, numa época em que a vacinação obrigatória tinha sido abandonada em muitos países em favor do sistema de vacinas recomendado.98
Solicitou-se ao Tribunal que determinasse se a recusa da vacinação obrigatória poderia ser considerada uma expressão da liberdade de pensamento, consciência e religião e, em caso afirmativo, se a interferência do Estado poderia ser considerada justificada. Com efeito, os recorrentes, embora invocando a liberdade de crença e de religião, não indicaram especificamente qual a religião que invocavam, nem as razões pelas quais a religião que professavam se opunha às vacinas, nem, evidentemente, por que submeter os seus filhos à vacinação constituía uma violação dessa liberdade. No texto da fundamentação, o Tribunal analisa a jurisprudência constitucional dos países europeus que preveem a obrigação de vacinar. Ressalta que isso sempre foi considerado legítimo do ponto de vista constitucional, porque visa proteger a saúde pública e
porque está previsto em leis gerais e neutras. Nenhum Estado europeu permite a objeção de consciência à vacinação obrigatória.
O Tribunal Europeu de Justiça destaca que todos os Estados têm o dever de proteger a saúde dos seus cidadãos, defendendo a população de doenças contagiosas perigosas, objetivo que, segundo a ciência, pode ser alcançado graças às vacinas, que a pesquisa científica considera serem uma das intervenções de saúde pública mais eficazes e económicas. Quanto à possibilidade de considerar as teorias anti vacinas como expressões de liberdade de crença e de religião, o Tribunal de Estrasburgo observou que, embora as partes tenham invocado a proteção fornecida pelo Artigo 9 da Convenção, não havia evidência na sua petição de que fosse uma alegação de inspiração religiosa. Tratava-se de verificar se a exigência de vacinação tinha, de facto, levado a uma violação da sua liberdade de pensamento e de consciência, que são protegidas pela própria Convenção.
Retomando o precedente de Boffa e outros v. San Marino, da Comissão Europeia de Direitos Humanos, o Tribunal afirmou que o Artigo 9 não pode ser interpretado como uma garantia absoluta do direito de se comportar na esfera pública de acordo com as suas convicções pessoais. Em particular, as leis de vacinação obrigatória cumprem o critério de neutralidade, uma vez que as vacinações obrigatórias são obrigatórias para todos, independentemente da sua fé religiosa ou convicções pessoais. O Tribunal, portanto, conclui que não houve violação do Artigo 9 da Convenção: “As opiniões pessoais contrárias à vacinação não são de molde a constituir uma convicção ou crença de força, seriedade, coesão e importância suficientes para atrair as garantias oferecidas no Artigo 9”.99 Como observou o Tribunal Constitucional italiano na Diretiva n.º 134 de 1988, de modo geral, quem acredita na vacinação não está em condições de usufruir das garantias previstas no Artigo 9. Quem se opõe à vacinação, geralmente fá-lo com base em afirmações de “caráter meta-legal”, opondo-se a uma lei que visa proteger a saúde pública com uma “convicção genérica e subjetiva da sua inadequação”.100 No entanto, mesmo que a oposição às vacinas se justificasse pela adesão a uma determinada fé religiosa, deve lembrar-se que o Artigo 9 da Convenção Europeia estabelece que os Estados podem restringir, por lei, o exercício
do direito à liberdade religiosa para proteger a saúde pública, que é a proteção subjacente às leis que impõem a vacinação obrigatória.
6. Religiões e Vacinas durante uma Pandemia
No regresso da recente viagem apostólica à Hungria e à Eslováquia, durante a tradicional conferência de imprensa no voo papal, um jornalista dinamarquês perguntou ao Papa Francisco, que chamou à vacinação um ato de amor,101 como superar as divisões com aqueles que não querem ser vacinados. O Papa reconheceu a existência do problema, respondendo que é preciso “falar com serenidade com essas pessoas” para esclarecer as suas dúvidas, e acrescentou, com uma pitada de ironia: “Mesmo no Colégio dos Cardeais há alguns negacionistas, e um deles, coitado, está hospitalizado com o vírus. Ironia da vida...’.102 Referia-se a um conhecido cardeal que, apesar das palavras claras do Papa Francisco, e contrário à posição oficial da Igreja Católica sobre a vacinação contra a COVID-19, afirmou que as vacinas são imorais, porque são desenvolvidas em células de fetos abortados e, na verdade, são usadas para injetar secretamente um microchip sob a pele e, assim, controlar toda a população mundial.103
Desde o seu surgimento, as vacinas COVID-19, de facto, despertaram desconfiança e oposição nalguns grupos, com base em teorias da conspiração – muitas vezes estranhas, às vezes motivadas pela religião.
Nos Estados Unidos da América, dentro das categorias sujeitas à obrigação de vacinação contra a COVID-19, houve pedidos de isenção por motivos religiosos.104 As razões são aquelas que já examinámos em relação a outras vacinas, e dizem respeito à utilidade da vacinação em geral, à presença na composição das preparações vacinais de substâncias proibidas pela religião e ao procedimento de preparação das vacinas. Note-se que são opiniões muito difundidas entre os fiéis, às vezes apoiadas por alguns líderes religiosos locais, mas não oficialmente endossadas pelas autoridades religiosas que, pelo contrário, aprovaram o uso de vacinas e convidaram os fiéis a serem vacinados, nalguns casos dando o exemplo elas mesmas.
Em 21 de dezembro de 2020, na véspera da distribuição das vacinas COVID-19, a Congregação Católica para a Doutrina da Fé publicou
Religiões e Objeção de Consciência às Vacinas durante a Pandemia de COVID-19
um documento intitulado ‘Notas sobre a moralidade do uso de certas vacinas COVID-19’.105
A questão abordada é, mais uma vez, a licitude das preparações vacinais feitas a partir de linhagens celulares derivadas de fetos abortados, sobre a qual, como já vimos, a Pontifícia Academia Pro Vita já se pronunciou. A doutrina católica reitera o que já foi estabelecido no passado, ou seja, se não houver vacinas eticamente aceitáveis, também é permitido usar aquelas produzidas com células de fetos: a moralidade da vacinação contra a COVID-19 ‘depende não apenas do dever para proteger a própria saúde, mas também para a prossecução do bem comum” (n.º 5). Com esta Nota, portanto, a Igreja Católica tira todas as dúvidas quanto à licitude das vacinas COVID, ainda que, desde janeiro de 2021, as palavras do Papa Francisco sempre tenham sido claras: “Acredito que, eticamente, todos devem tomar a vacina; é uma opção ética, porque você está a arriscar a sua saúde, a sua vida, mas também está a arriscar a vida dos outros.”106 Na sua mensagem Urbi et Orbi para o Natal de 2020, o papa comparou a descoberta das vacinas COVID a uma “luz de esperança” a brilhar na escuridão da pandemia, pedindo que essa luz esteja disponível para o mundo inteiro: “Vacinas para todos, especialmente para os mais vulneráveis e necessitados em todas as regiões do Planeta.”107
Em 23 de julho de 2021, numa mensagem na plataforma social ‘Twitter’, a Organização Mundial de Saúde declarou que as vacinas COVID são halal sob a lei islâmica, pois não contêm derivados de carne suína.108 Em fevereiro de 2021, o Simpósio Médico Fiqh examinou questões relacionadas com a permissibilidade de vacinas de acordo com a doutrina e os princípios islâmicos, produzindo um documento intitulado ‘Decisões da Sharia sobre o Uso de Vacinas COVID-19, a Compra destas Vacinas e o Financiamento da sua Distribuição com Fundos Zakat’.109 Em primeiro lugar, foi examinada a composição química das várias vacinas anticovid, verificando-se que nem carne de porco nem produtos de origem humana estão presentes; além disso, considera-se que o processo de transformação das substâncias que contêm está em conformidade com as regras da Sharia relativas à metamorfose de acordo com a lei islâmica. Por
esses motivos, o uso de vacinas COVID-19 é permitido pela lei da Sharia. De facto, é considerado obrigatório, se for declarado como tal pelas leis dos estados individuais, e os crentes muçulmanos são instados a obedecer às regras estabelecidas a esse respeito pelos governos, uma vez que essas regras visam proteger a vida humana, que também é um dos objetivos da lei islâmica. O ponto 3 deste documento examina a possibilidade de usar recursos do zakat para comprar e distribuir vacinas anticovid: afirma-se que esse uso é lícito, pois o seu objetivo é erradicar uma doença que constitui um perigo para toda a Humanidade, desde que não sejam usados todos os fundos do zakat para este fim.110 O texto conclui com um convite a todos os governos para colaborarem na batalha contra a COVID-19, para considerarem as vacinas um problema humanitário e, portanto, favorecerem a sua distribuição, exortando os estudiosos islâmicos, imãs e líderes de oração a estarem vigilantes contra notícias falsas e ‘fatwas irregulares’, que geram confusão sobre a legitimidade dessas vacinas.
Algum tempo depois, na véspera do mês do Ramadão, o Centro Fatwa Al-Azhar emitiu uma fatwa111 afirmando que a vacinação não interrompe o jejum obrigatório: a vacina, que funciona injetando parte do código genético do vírus para estimular a sistema imunitário do recetor, não deve ser considerado um alimento ou uma bebida e, portanto, não constitui uma violação do jejum.112 O Conselho Ulema Indonésio também declarou que a vacinação não interrompe o jejum e apelou à sua continuação;113 assim como o Conselho dos Muçulmanos Europeus114 e o presidente das duas mesquitas sagradas na Arábia Saudita.115
As autoridades religiosas judaicas parecem ser totalmente a favor da vacinação anti-COVID-19. No site da Rabbinical Assembly – associação fundada nos Estados Unidos da América no início do século XX –uma página é dedicada à COVID-19, com indicações sobre como seguir as precauções higiénicas prescritas para prevenir o contágio, e algumas reflexões sobre as questões legais e éticas suscitadas pelas vacinas. A obrigação de vacinar é considerada compatível com a Tora, pois é uma expressão da ordem de se preservar a si mesmo e de não prejudicar os outros.116 Assim que as vacinas ficaram disponíveis, o Estado de Israel iniciou uma campanha massiva para imunizar a população, apoiada pelas personalidades
religiosas mais importantes do país, que consideram as vacinas compatíveis com a halakhah. 117 De facto, ante a pandemia de coronavírus, todas as religiões do mundo parecem estar de acordo em recomendar a vacinação e refutar as notícias falsas sobre vacinas. No entanto, nos Estados Unidos das América, houve numerosas tentativas de recusar a vacina COVID-19, alegando isenção por motivos religiosos, que, geralmente, foram rejeitadas pelos tribunais. As regras que impõem a vacinação obrigatória anticovid a determinadas categorias de trabalhadores não preveem a possibilidade de isenção exceto por razões médicas certificadas e, quando essas regras foram contestadas, os tribunais confirmaram a sua legitimidade, uma vez que são neutras e de aplicação geral, e, portanto, não discriminatório.118
7. A Contribuição das Religiões para a Campanha de Vacinação anti-COVID-19
Em 27 de abril de 2021, uma coligação de 145 líderes religiosos – incluindo o secretário da Federação Luterana Mundial, o ex-arcebispo de Canterbury e o presidente do Conselho de Igrejas dos EUA, além de líderes judeus, islâmicos e budistas – assinou uma carta pedindo que a produção de vacinas COVID seja aumentada e distribuída para toda a população mundial.119
A carta afirma que somente se todos tiverem acesso à vacinação estarão a salvo do vírus, mas isso só pode ser alcançado declarando as vacinas COVID-19 um bem comum: “Precisamos de uma vacina do povo, não de uma vacina de lucro.” Segundo esse documento, a verdadeira questão moral não é a posição das vacinas, mas a sua distribuição, que exclui as nações pobres. A questão já estava na mente dos líderes religiosos em dezembro de 2020, quando as vacinas COVID-19 estavam prestes a serem autorizadas. Em 22 de dezembro de 2020, o Concílio Ecuménico das Igrejas e o Congresso Judaico Mundial publicaram uma declaração conjunta sobre as questões éticas relacionadas com a distribuição das vacinas COVID-19, que descreveram como a luz ao fundo do túnel constituído pela pandemia.120
A falta de vacinas disponíveis para os países pobres é apontada como um problema ético, que pesa na superação da emergência: sem
distribuição justa, o mundo não conseguirá sair da pandemia: “Esta é uma questão moral que requer intervenção e ação por parte dos líderes religiosos.” A raiz desse compromisso está indicada nas Sagradas Escrituras e nalguns princípios partilhados pelas duas religiões, como justiça e não discriminação, o direito à saúde como direito humano fundamental e a proteção da vida. Também é solicitado aos líderes religiosos que envidem esforços para divulgar informações corretas sobre vacinas, refutando teses cientificamente infundadas e ideias de conspiração, que, às vezes, são baseadas em propaganda antissemita e, como tal, devem ser desencorajadas. Os líderes religiosos também podem considerar receber a vacina na presença dos média, possivelmente na companhia uns dos outros, como um exemplo de solidariedade e cooperação inter-religiosa, se esse exemplo puder ajudar a superar os medos dos fiéis e neutralizar as reticências à vacina nas suas comunidades. A possibilidade de alguns governos decidirem introduzir a vacinação obrigatória é descrita como uma medida draconiana justificada pelo contexto de emergência. O documento identifica, portanto, várias questões importantes: o papel dos líderes religiosos na difusão de uma cultura de vacinação, a importância de uma distribuição de vacinas que não exclua os países pobres ou grupos populacionais marginalizados nos países ricos, a legitimidade da vacinação obrigatória e o combate contra a doença do coronavírus como campo de envolvimento para o diálogo inter-religioso.
Desde o início da campanha de vacinação, alguns líderes religiosos tornaram pública a sua decisão de se vacinarem. Fontes do Vaticano informaram que o Papa Francisco recebeu a vacina COVID-19 em fevereiro de 2021, juntamente com o Papa Emérito Bento XVI. Nos meses que se seguiram, o Papa repetidamente convidou os fiéis a vacinarem-se, no que chamou um ‘ato de amor’.121 O Dalai Lama foi filmado durante a vacinação e aproveitou a ocasião para apelar aos fiéis para que sigam o seu exemplo.122
Os apelos para uma distribuição justa de vacinas foram repetidos em várias ocasiões. Na véspera da reunião do G7, realizada na GrãBretanha em junho de 2021, vários líderes de religiões do mundo escreveram ao primeiro-ministro britânico e a outros primeiros-ministros,
instando os países ricos a intervir em favor da justiça na vacinação contra a COVID-19.123
Intervenções religiosas em favor da vacinação também ocorreram ao nível de estados individuais ou de áreas geográficas. Em 22 de julho de 2021, o jornal francês Le Figaro publicou uma carta assinada pelo Grande Rabi de França, pelo presidente da Federação Protestante e pelo presidente do Conselho Francês da fé Muçulmana. A carta convidava a população a ser vacinada, tentando convencer os incrédulos, e condenando as manifestações dos opositores à vacinação que compararam o certificado de vacinação à estrela amarela imposta aos judeus pelo regime nazi. Um ponto interessante nesta carta é a referência à Fraternidade, que, mesmo perante a pandemia, é um pilar fundamental da sociedade democrática: “Ser vacinado é proteger-se a si e aos outros. Ser vacinado é ser guardião do irmão. Ser vacinado é ser livre finalmente.”124 A Fraternidade, como princípio religioso e secular ao mesmo tempo, esteve no centro do pensamento das comunidades religiosas, mesmo durante os meses de confinamento, e apontou os estados como uma resposta global a uma ameaça global.125
Paralelamente aos apelos para uma distribuição equitativa de vacinas, alcançando aqueles que podem ser excluídos, algumas denominações religiosas intervieram diretamente, criando clínicas para a vacinação anticovid. Em março de 2020, durante o período católico da Quaresma, o Papa Francisco comprou 1200 vacinas através da Administração Apostólica de Esmolas para os sem-abrigo e os estrangeiros ilegais, que, de outra forma, não poderiam receber a vacina.126 Nos Estados Unidos da América, várias igrejas evangélicas transformaram-se temporariamente em clínicas de vacinação, principalmente para benefício de negros e de pessoas que têm pouca confiança nas autoridades de saúde pública, mas que confiam nas igrejas.127 O movimento Faiths4vaccines reúne Cristãos, Judeus e Muçulmanos que trabalham juntos para apoiar a campanha de vacinação, inclusive persuadindo os responsáveis pelos locais de culto a ajudar a distribuir vacinas, ajudando assim a alcançar a equidade nas vacinações.128 Em Roma, em 6 de julho de 2021, um centro de vacinação para pessoas socialmente frágeis e sem-abrigo foi inaugura-
do pela ASL Roma1 e pelo comissário extraordinário para emergência COVID. Este polo encontra-se numa estrutura pertencente à comunidade de Sant’Egídio, alcançando, assim, aqueles que, por dificuldades objetivas ou pessoais, não teriam conseguido marcar as vacinas pelos canais habituais.129
Embora ainda existam algumas vozes contrárias às vacinas anti-COVID-19, por exemplo, entre católicos tradicionalistas ou judeus ultraortodoxos, as denominações religiosas têm-se manifestado a favor da vacinação, ajudando os governos a divulgar informações corretas aos fiéis e, em muitos casos, disponibilizando locais de culto para vacinação. A colaboração entre governos e autoridades religiosas é sempre importante, mas, na emergência da pandemia, revelou-se fundamental.130
Maria Luisa Lo Giacco é Professora-Associada de Direito e Religião, Departamento de Direito, Universidade de Bari Aldo Moro.
*O artigo reproduz, na primeira parte, um trabalho já publicado sob o título ‘A recusa de vacinas obrigatórias em nome da objeção de consciência’ em Spunti di comparazione in Rivista Stato, Chiese e pluralismo confessionale, Rivista telematica (www.statoechiese.it), n. 7/2020, pp. 41-65. Esse artigo, que tinha sido concluído antes da eclosão da pandemia por COVID-19, foi atualizado e ampliado, com alterações no parágrafo 5 e acréscimo dos parágrafos 6 e 7. Agradecemos ao editor-chefe da revista, Prof. Giuseppe Casuscelli, pela autorização da nova publicação.
As fontes referidas neste artigo encontram-se nas páginas 156-166.
FOCO
Dr. Ibrahim Salama e Dr. Jur. Michael WienerRespondendo às Pandemias: Aprendizagem entre Pares com o Kit de Ferramentas #faith4rights*
A estrutura “ Faith4Rights” oferece espaço para uma reflexão e ação interdisciplinares sobre as conexões profundas e mutuamente enriquecedoras entre religiões e direitos humanos. O objetivo é promover o desenvolvimento de sociedades pacíficas, que defendam a dignidade humana e a igualdade para todos, e onde a diversidade não seja apenas tolerada, mas plenamente respeitada e celebrada.
*O kit de ferramentas #Faith4Rights, lançado e testado online em 2020, fornece exercícios de aprendizagem entre pares, bem como um estudo de caso prático sobre resposta a pandemias.
RESUMO: A evitação mútua de décadas entre os movimentos religiosos e de direitos humanos levou a uma limitada literacia recíproca. Melhorar tanto a literacia religiosa dos atores de direitos humanos como a literacia dos atores religiosos em direitos humanos requer pesquisa, formação e diálogo orientado para a ação entre pares. Isso deve ser baseado em conhecimento e respeito, o que requer tempo, confiança e metodologia sólida. Essa também é a lógica e a filosofia do kit de ferramentas #Faith4Rights, que enfatiza que “fé e direitos devem ser esferas que se reforçam mutuamente”. O kit de ferramentas foi elaborado e refinado ao longo de dois anos por atores religiosos e da sociedade civil, relatores especiais das Nações Unidas e membros de órgãos de tratados de direitos humanos, em workshops que foram convocados pelo Gabinete do Alto-Comissário para os Direitos Humanos no Campus de Collonges-sous-Salève. Tendo em vista
os desafios específicos de direitos humanos impostos pela nova doença do coronavírus (COVID-19), o kit de ferramentas #Faith4Rights inclui, nos seus módulos, vários exercícios de aprendizagem entre pares, bem como um estudo de caso prático sobre resposta a pandemias. Este artigo fornece uma breve visão geral dos exercícios relacionados com a COVID sugeridos no kit de ferramentas relativos a mulheres, meninas e igualdade de género (módulo 5); direitos das minorias (módulo 6); alavancagem ética e espiritual (módulo 16); bem como pesquisa, documentação e intercâmbio (módulo 17). Os atores religiosos podem desempenhar um importante papel transformador, especialmente no contexto da COVID-19, e a sua colaboração com outros atores da sociedade civil é fundamental para enfrentar os desafios relacionados com a pandemia e para “reconstruir melhor”. A Alta-Comissária Michelle Bachelet enfatizou a importância de estimular intercâmbios entre diferentes atores para “inspirar pesquisas interdisciplinares sobre questões relacionadas com fé e direitos”, e de apoiar uma “reflexão interdisciplinar há muito esperada sobre as conexões profundas e mutuamente enriquecedoras entre religiões e direitos humanos.”
PALAVRAS-CHAVE: Atores baseados na fé, Mecanismos de direitos humanos, Aprendizagem entre pares, kit de ferramentas #Faith4Rights, Nova doença do coronavírus, COVID-19, Igualdade de género, Direitos das minorias, Discurso de ódio, Pesquisa interdisciplinar.
Fomentando a Fé pelos Direitos durante a Pandemia
A nova doença do coronavírus (COVID-19) apresenta desafios específicos para pessoas pertencentes a minorias religiosas ou de crença. Muitas delas têm dificuldades de acesso a cuidados de saúde adequados ou enfrentam estigma, discriminação e discurso de ódio. A COVID-19 também tem um impacto de género com problemas exacerbados para mulheres e meninas. Os atores religiosos podem desempenhar um importante papel transformador, especialmente no contexto da COVID-19, e a sua colaboração com outros atores da sociedade civil é fundamental para enfrentar os desafios relacionados com a pandemia e para “reconstruir melhor”.
O kit de ferramentas #Faith4Rights, lançado e testado online em 2020, é particularmente adequado para interação online entre comuni-
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dades religiosas e grupos minoritários, porque o envolvimento digital é muito mais inclusivo do que os padrões tradicionais de consulta presencial. O kit de ferramentas #Faith4Rights inclui vários exercícios de aprendizagem entre pares relacionados com a COVID nos seus módulos, bem como um estudo de caso prático.1 Essa metodologia inovadora não apenas aumenta a consciencialização sobre a discriminação contra minorias, mulheres e meninas, mas também oferece uma caixa de ferramentas para identificar soluções práticas por meio de intercâmbios de práticas que promovam mudanças socioculturais de maneira sustentável.
O kit de ferramentas #Faith4Rights foi elaborado e refinado ao longo de dois anos por atores religiosos e da sociedade civil, relatores especiais da ONU e membros de órgãos de tratados de direitos humanos em workshops convocados pelo Gabinete do Alto Comissário para os Direitos Humanos (ACNUDH) no Campus de Collonges-sous-Salève.2 Os participantes enfatizaram na Declaração de Collonges que o kit de ferramentas “é um protótipo sugerido para atores religiosos, instituições académicas e especialistas em formação, para ser ainda mais enriquecido e adaptado aos vários contextos de envolvimento inter-religioso”.3
O kit de ferramentas oferece módulos de aprendizagem entre pares para explorar a relação entre religiões, crenças e direitos humanos, estimulando uma discussão interdisciplinar em relação aos 18 compromissos sobre “Fé pelos Direitos”.4 Essa metodologia atende a um triplo propósito: 1. envolver para garantir a apropriação, 2. pensar criticamente para enfrentar novos desafios, e 3. reforçar a valorização mútua entre fé e direitos. O kit de ferramentas é um documento vivo, aberto para adaptação por facilitadores para adequar os módulos ao contexto específico dos participantes e já foi enriquecido por meio de uma dúzia de atualizações durante o seu primeiro ano de experiência em 2020. Essa abordagem também permitiu reações rápidas ao advento da COVID-19, incluindo no kit de ferramentas #Faith4Rights ideias concretas para exercícios de aprendizagem entre pares sobre como responder a pandemias. Inclui um estudo de caso composto com base em situações reais de estereótipos negativos de minorias religiosas e instâncias de discurso de ódio relacionado com a COVID. Essa aprendizagem por meio da partilha
de experiências também é ampliada por exemplos inspiradores de expressões artísticas que foram regularmente adicionadas ao kit de ferramentas. Este documento fornecerá uma breve visão geral dos exercícios relacionados com a COVID sugeridos no kit de ferramentas relativamente a mulheres, meninas e igualdade de género (módulo 5); direitos das minorias (módulo 6); apoio ético e espiritual (módulo 16); pesquisa, documentação e intercâmbio (módulo 17); e um caso hipotético para debate em referência a uma epidemia (anexo G). Esses módulos visam estimular intercâmbios entre diferentes atores para “inspirar pesquisas interdisciplinares sobre questões relacionadas com fé e direitos”5 e apoiar uma “reflexão interdisciplinar há muito esperada sobre as conexões profundas e mutuamente enriquecedoras entre religiões e direitos humanos”.6
O benefício ideal do kit de ferramentas #Faith4Rights e dos seus 18 módulos atualizados regularmente depende da qualidade da moderação/facilitação dos seus exercícios de aprendizagem entre pares. A tarefa de um facilitador desses eventos de aprendizagem entre pares pode ser bastante assustadora, porque ele ou ela precisa de reunir os participantes e de estimular a verdadeira aprendizagem uns dos outros. Isso não pode ser alcançado de cima para baixo, mas requer ouvirem-se cuidadosamente uns aos outros, em pé de igualdade, e tentar aprender com as experiências de todos os participantes.
Levantar as perguntas certas, de maneira sensível e no momento certo, no fluxo do diálogo, é um pré-requisito para encontrar respostas. A ideia é justamente enquadrar e orientar um debate livre, mas informado, que, às vezes, também pode ser acalorado. O que o kit de ferramentas #Faith4Rights tenta alcançar é precisamente capacitar o facilitador e todos os participantes para lidarem de forma construtiva com quaisquer questões controversas, em vez de evitá-las. Isso inclui igualdade de género, saúde e direitos sexuais e reprodutivos, bem como violência e manipulação política em nome da religião. É óbvio que ser facilitador de debates sobre essas questões complexas, particularmente em zonas de tensão entre diferentes comunidades religiosas, exige habilidades e preparação, para as quais o kit de ferramentas #Faith4Rights oferece ideias e apoio.
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Mulheres, Meninas e Igualdade de Género
O módulo 5 do kit de ferramentas reflete o compromisso V da estrutura “Fé pelos Direitos”, que promete garantir a não discriminação e a igualdade de género, revisitando os entendimentos e interpretações religiosos que parecem perpetuar a desigualdade de género e os estereótipos prejudiciais, ou até mesmo tolerar a violência baseada em género. No que diz respeito aos vários efeitos negativos da COVID-19 na igualdade de género, o kit de ferramentas fornece várias perguntas ao facilitador de uma troca entre pares: Quais são as consequências mais desafiadoras da crise da COVID-19 nas áreas de atuação dos participantes? Como é que elas afetam particularmente meninas e mulheres? Quais são as áreas de ação em que os líderes religiosos acreditam que têm a maior possibilidade de fazer a diferença ao enfrentar esses desafios? Que práticas promissoras podem eles partilhar a esse respeito? Que elementos do kit de ferramentas #Faith4Rights podem ser de utilidade prática no seu trabalho? Que apoio ou preparação achariam necessário terem para usarem essa ferramenta de maneira ótima?
Já em abril de 2020, a Comissão das Nações Unidas para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres (Comissão CEDAW) publicou um apelo à ação conjunta nos tempos da pandemia de COVID-19, referindo-se aos seus “webinars de aprendizagem entre pares, em colaboração com Religiões para a Paz e outros parceiros, para explorar como várias comunidades religiosas podem ampliar a colaboração em torno dos diversos desafios colocados pela COVID-19 com uma abordagem baseada em direitos humanos em relação a mulheres e meninas. Esses webinars usarão o kit de ferramentas #Faith4Rights como um recurso”.7 Realizados dentro da CEDAW Knowledge Hub Initiative, os webinars sobre como enfrentar a COVID-19 sob o prisma da fé, género e direitos humanos,8 e sobre como manter a fé em tempos de ódio,9 estão disponíveis online como fontes de inspiração para facilitadores e participantes. Um dos objetivos de aprendizagem do módulo 5 é que os participantes reflitam sobre o impacto de género da pandemia de coronavírus e explorem como podem colaborar com todos os atores relevantes da sociedade civil para enfrentar diversos desafios, especialmente para mulheres e meninas.
Direitos das Minorias
O Compromisso VI sobre “Fé pelos Direitos” compromete-se a defender os direitos de todas as pessoas pertencentes a minorias e a defender a sua liberdade de religião ou de crença, bem como o seu direito de participar de forma igual e efetiva em atividades culturais, religiosas, sociais, económicas e na vida pública, como reconhecido pelo direito internacional dos direitos humanos, como um padrão mínimo de solidariedade entre todos os crentes.
Já em março de 2020, o Relator Especial para questões das minorias, Fernand de Varennes, sinalizou que “o surto de coronavírus põe em risco a saúde de todos nós, sem distinção de idioma, religião ou etnia. Mas alguns são mais vulneráveis do que outros”.10 E o Relator Especial sobre liberdade de religião ou de crença, Ahmed Shaheed, expressou extrema preocupação de “que certos líderes religiosos e políticos continuem a explorar os tempos difíceis durante esta pandemia para espalhar o ódio contra os judeus e outras minorias”.11 Também convidou todos os líderes e atores religiosos a combaterem a incitação ao ódio, observando que a “Resolução 16/18, a Estratégia e Plano de Ação das Nações Unidas sobre Discurso de Ódio, o Plano de Ação de Rabat, o kit de ferramentas #Faith4Rights, o Plano de Ação de Fez e o programa da UNESCO para prevenir o extremismo violento por meio da educação são algumas ferramentas úteis para esse envolvimento e educação”.12
No que diz respeito à resposta a pandemias, o kit de ferramentas #Faith4Rights sugere que o facilitador pergunte aos participantes como é que os líderes religiosos podem promover a disseminação de informações científicas e de saúde precisas e baseadas em evidências sobre a COVID-19. Como podem usar a linguagem das suas tradições de fé para promover mensagens positivas, que fortaleçam a proteção dos direitos humanos universais e afirmem a dignidade de todas as pessoas, a necessidade de proteger e de cuidar dos vulneráveis e inspirar esperança e resiliência naqueles afetados por COVID-19 e pelo discurso de ódio relacionado?
Além disso, o kit de ferramentas #Faith4Rights facilita o acesso a padrões da ONU relacionados e a orientação sobre novos desafios, particularmente nas suas dimensões respeitantes à fé. Por exemplo, a
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Comissão de Direitos Humanos da ONU enfatizou, em abril de 2020, que os Estados não podem “tolerar, mesmo em situações de emergência, a defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitua incitação à discriminação, hostilidade ou violência, e devem tomar medidas para garantir que o discurso público em conexão com a pandemia de COVID-19 não constitua defesa e incitação contra grupos específicos marginalizados ou vulneráveis, incluindo minorias e estrangeiros”.13
Além disso, a Rede das Nações Unidas sobre Discriminação Racial e Proteção de Minorias observou que “os líderes religiosos têm um papel crucial a desempenhar ao manifestarem-se firme e prontamente contra a intolerância, estereótipos discriminatórios e casos de discurso de ódio. As suas ações ou omissões podem ter impactos duradouros nos esforços gerais para garantir que a pandemia não aprofunde as desigualdades e a discriminação”.14 O kit de ferramentas #Faith4Rights também é mencionado na lista de verificação15 que a Rede das Nações Unidas projetou, em dezembro de 2020, para fortalecer o trabalho nos países para combater a discriminação racial e promover os direitos das minorias, inclusive no desenvolvimento de planos de resposta e de recuperação da COVID-19.
Influência Ética e Espiritual
O Compromisso XVI sobre “Fé pelos Direitos” promete influenciar o peso espiritual e moral das religiões e crenças, com o objetivo de fortalecer a proteção dos direitos humanos universais, de desenvolver estratégias preventivas adaptadas aos contextos locais e de beneficiar do apoio potencial de entidades relevantes das Nações Unidas. Esse compromisso foi assumido pela Religiões pela Paz na sua Declaração sobre a Crise do Coronavírus, publicada em março de 2020: “A nossa principal responsabilidade como atores religiosos é traduzir valores éticos em ações concretas. Uma maneira convincente de fazer isso é promover os direitos humanos, a fraternidade e a solidariedade por meio da estrutura ‘Fé pelos Direitos’. Além das instituições religiosas e dos líderes religiosos, essa abordagem conjunta para enfrentar a atual crise de saúde – e as suas graves implicações económicas e sociais – também é uma responsabilidade individual. A estrutura ‘Fé pelos Direitos’ e os seus 18 compromissos
alcançam indivíduos teístas, não-teístas, ateus ou outros crentes em todas as regiões do mundo, para promover sociedades coesas, pacíficas e respeitosas com base numa plataforma comum orientada para a ação. Para cumprir essa responsabilidade dos crentes, nesta ampla definição de religião ou de crença, incentivamos os atores religiosos a usar o kit de ferramentas online #Faith4Rights.”16
Ligadas a esta declaração da Religiões pela Paz, o kit de ferramentas sugere várias perguntas que os facilitadores podem fazer aos participantes em eventos de aprendizagem entre pares, por exemplo, como conceber um projeto que alivie quaisquer consequências negativas no seu contexto local? Quais são essas consequências e onde estão os pontos de entrada nos 18 compromissos sobre “Fé pelos Direitos” para essas questões? Qual é o papel específico que os atores religiosos podem desempenhar a esse respeito para complementar, em vez de duplicar, as contribuições de outros atores? Que práticas, na esfera religiosa, poderiam prevenir doenças ou aumentar o risco da sua propagação? Quais são as lições aprendidas que podem levar à ação preventiva dos participantes que poderiam integrar isto no seu próprio trabalho?
O kit de ferramentas também aponta o facilitador para a orientação provisória da Organização Mundial da Saúde, de abril de 2020, sobre considerações práticas e recomendações para líderes religiosos e comunidades religiosas no contexto da COVID-19.17 Em maio de 2020, o Alto-Comissário para os Direitos Humanos dirigiu-se a representantes religiosos e organizações baseadas na fé, dizendo que “precisamos da vossa liderança perspicaz; do vosso senso de princípio; e das vossas vozes de autoridade e preocupação para combater essas odiosas divisões. A luta pela igualdade e justiça está no centro da agenda de direitos humanos e no centro do trabalho da ONU”.18
Como uma continuidade concreta para o Global Pledge for Action, o ACNUDH – juntamente com a Aliança de Civilizações das Nações Unidas (UNAOC) e o Gabinete do Consultor Especial para a Prevenção do Genocídio (OSAPG) – também organizou uma série de webinars mensais sobre temas onde o papel dos atores religiosos é particularmente influente, como igualdade de género, discurso de ódio, sites
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religiosos, minorias, crimes atrozes e diálogo inter-religioso.19 Alinhar os esforços dessas três entidades da ONU em parceria com atores religiosos num programa específico de aprendizagem entre pares é uma grande mudança das abordagens tradicionais de cima para baixo para um reconhecimento genuíno do que os atores religiosos têm a oferecer e do que as Nações Unidas podem aprender com a sua ação e sabedoria. Mudar da abordagem clássica de cima para baixo para um modo de aprendizagem entre pares não nega a importância da orientação de autoridades religiosas de alto nível. As duas vias, de facto, complementam-se. A liderança é sempre essencial. O documento sobre a Fraternidade Humana para a paz mundial e a convivência, assinado pelo Papa Francisco e pelo Grande Imã Al-Azhar, em fevereiro de 2019, é um exemplo disso. Os dois dignitários espirituais “declaram resolutamente que as religiões nunca devem incitar à guerra, a atitudes odiosas, à hostilidade e ao extremismo, nem devem incitar à violência ou ao derramamento de sangue”.20 A Igreja Católica e Al-Azhar também se “comprometem a tornar conhecidos os princípios contidos nesta Declaração em todos os níveis regionais e internacionais, ao mesmo tempo que solicitam que esses princípios sejam traduzidos em políticas, decisões, textos legislativos, cursos de estudo e materiais a serem divulgados”.
Comentando sobre isso a partir de uma perspetiva de direitos humanos, uma declaração em nome do ACNUDH indicou que o documento sobre a Fraternidade Humana faz eco, de muitas maneiras, com a estrutura “Fé pelos Direitos” sobre o papel e as responsabilidades dos atores religiosos. O envolvimento inter e intrarreligioso pode ser uma ferramenta curativa de reconciliação e de construção da paz no coração e na mente das pessoas. Esse envolvimento deve levar a uma mudança sustentável no terreno. As ferramentas de direitos humanos oferecem oportunidades úteis de aprendizagem entre pares que os atores religiosos podem aproveitar e enriquecer.21
Pesquisa, Documentação e Intercâmbio
O módulo 17 do kit de ferramentas #Faith4Rights refere-se a um painel de discussão sobre ações das várias partes interessadas para lidar com
a COVID-19, durante o qual a Alta-Comissária Michelle Bachelet enfatizou a importância de trocar experiências e de criar parcerias sustentáveis. Ela sublinhou esse ponto com um exemplo cativante de colaboração inter-religiosa: “Deixem-me dar um exemplo recente desse apoio inter-religioso: uma igreja luterana em Berlim recebeu fiéis muçulmanos que não puderam participar nas orações de sexta-feira na sua mesquita, por causa das regras de distanciamento social. Assim, o Imã liderou orações em alemão e em árabe, enfatizando que a pandemia uniu as pessoas. A pastora da igreja foi tocada pelo chamado muçulmano para a oração na igreja e ela disse que ‘temos as mesmas preocupações e queremos aprender convosco. E é lindo sentir isso um pelo outro.’ Gostaria de enfatizar a imagem poderosa de um imã masculino e uma pastora a orarem juntos e a agirem em solidariedade.”22
Em busca dessas inspiradoras experiências de raiz, o ACNUDH tem conduzido eventos de aprendizagem entre pares, incluindo funcionários públicos na Nigéria (com a Oslo Coalition on Freedom of Religion or Belief), com atores religiosos e humanitários na Dinamarca, no Sul da Ásia e, globalmente, com Religiões para a Paz, com instituições académicas (Universidade de Oxford, Vrije Universiteit Amsterdam e Universidade de Pretória) e com o Relator Especial sobre liberdade de religião ou de crença e estudantes de mais de 50 países (com UNICRI e OSAPG). Em todos esses webinars, o kit de ferramentas #Faith4Rights foi usado, principalmente os seus exercícios relacionados com a COVID-19. Uma das principais conclusões desses webinars foi a necessidade de melhorar tanto a literacia religiosa de atores de direitos humanos como a literacia de atores de fé em direitos humanos.
Tem sido particularmente útil discutir um caso hipotético de estudo, baseado em elementos da vida real, exemplificando o papel e as responsabilidades do Estado e dos líderes religiosos durante uma epidemia. Nesse cenário, os seguidores da Religião A, que é uma comunidade religiosa minoritária no fictício Estado de Itneconni, enfrentam discriminação devido à ordem de emergência do primeiro-ministro para conter a propagação do vírus infecioso chamado ANOROC-20, bem como discurso de ódio transmitido via televisão pública da parte do líder religioso da Religião B, que constitui a grande maioria da demografia religiosa de Itneconni.
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Embora o cenário tenha sido projetado como um estudo de caso hipotético,23 um participante durante um evento de aprendizagem entre pares perguntou por que o kit de ferramentas #Faith4Rights tinha inventado alguns nomes engraçados para os estados e religiões nesse cenário, enquanto um caso semelhante tinha realmente acontecido no distrito do participante. Esse feedback da vida real ilustra a importância da aprendizagem entre pares, entre funcionários públicos, atores religiosos e mecanismos de direitos humanos, para evitar qualquer excesso de medidas extraordinárias, bem como para salvaguardar os direitos humanos e o espaço cívico para todos.
Isso também pode cumprir o compromisso XVII, transformador a longo prazo, sobre “Fé pelos Direitos”, que visa a “troca de práticas, capacitação mútua e atividades regulares de atualização de habilidades para pregadores, professores e instrutores religiosos e espirituais, notadamente nas áreas de comunicação, de minorias religiosas ou de crença, de mediação intercomunitária, de resolução de conflitos, de deteção precoce de tensões comunitárias e de técnicas de remediação. Nesse sentido, exploraremos meios de desenvolver parcerias sustentadas com instituições académicas especializadas, a fim de promover pesquisas interdisciplinares sobre questões específicas relacionadas com fé e direitos e beneficiar dos seus resultados que possam alimentar os programas e ferramentas da nossa coligação Fé pelos Direitos.”
Em última análise, ambos os movimentos herdaram uma literacia recíproca limitada pela evitação mútua de décadas entre religião e direitos humanos. A única alternativa ao confronto destrutivo ou à imobilidade é uma melhor compreensão tanto da “fé” como dos “direitos” por meio de pesquisa, formação e diálogo orientado para a ação entre pares. Isso deve ser baseado em conhecimento e respeito, o que requer tempo, confiança e metodologia sólida. Essa também é a lógica e a filosofia do kit de ferramentas #Faith4Rights, que enfatiza que “fé e direitos devem ser esferas que se reforçam mutuamente”. Esse objetivo abrangente ressoa bem com uma famosa citação de Max Planck, cuja descoberta dos quanta de energia lhe valeu o Prémio Nobel de Física: “Se mudar a maneira como olha para as coisas, as coisas que vê mudam.”26
Programa “Faith4Rights”, Gabinete do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (OHCHR).
Ibrahim Salama, PhD, é Diretor da Secção de Tratados de Direitos Humanos no Gabinete do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos (ACNUDH), onde também lidera o programa “Fé pelos Direitos”.
Michael Wiener, L. M. (Londres), Ass. jur. (Rheinland-Pfalz), Dr. em Direito (Trier), trabalha desde 2006 no Gabinete do Alto-Comissário das Nações Unidas para os Direitos Humanos. Também fez parte da equipa central que organizou os workshops de especialistas que levaram à adoção do Plano de Ação de Rabat sobre a proibição da defesa do ódio nacional, racial ou religioso que constitui incitação à discriminação, hostilidade ou violência. Desde 2017, trabalha na conceção e implementação da Declaração de Beirute e dos seus 18 compromissos sobre “Fé pelos Direitos”.
As opiniões expressas neste artigo são dos coautores e não refletem necessariamente as opiniões das Nações Unidas.
*Este artigo foi publicado pela primeira vez na revista Fides et Libertas. Edição Especial sobre Covid-19 e Liberdade Religiosa, 2021.
As fontes referidas neste artigo encontram-se nsa páginas 166-169.
DOCUMENTOS
Encontre os links diretos na revista online em www.aidlr.org/publications no título dos documentos anuais.
Instituições Europeias
ESTRATÉGIAS DA UNIÃO EUROPEIA
As estratégias reúnem organismos de normalização, decisores políticos, fornecedores de tecnologia e socorristas de vários países da UE que irão colaborar durante três anos para melhorar a interoperabilidade das soluções de gestão de crises dentro e entre países.
Estratégia da UE de Combate ao Antissemitismo e de Promoção da Vida Judaica (2021-2030) 5 de outubro de 2021 https://ec.europa.eu/info/sites/default/files/eu-strategy-on-combat-ing-antisemitism-and-fostering-jewish-life_october2021_en.pdf
Programa Indicativo Plurianual 2021-2027 para os Direitos Humanos e a Democracia – anexo https://ec.europa.eu/international-partnerships/system/files/mip-2021-c2021-9620-human-rights-democracy-annex_en.pdf
ORIENTAÇÕES DA UNIÃO EUROPEIA
SOBRE A PROMOÇÃO E A PROTEÇÃO DA LIBERDADE DE RELIGIÃO E DE CRENÇA
As orientações são documentos não vinculativos que visam facilitar a implementação das diretivas europeias.
As Orientações da UE sobre a Promoção e Proteção de Liberdade de Religião ou de Crença foram adotadas pelo Conselho em 24 de junho de 2013 https://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/ EN/foraff/137585.pdf
Relatório periódico do Intergrupo do Parlamento Europeu sobre Liberdade de Religião ou Crença e Tolerância Religiosa. 23 de abril de 2022 http://www.religiousfreedom.eu/2022/03/23/elementor-1023/
RESOLUÇÕES DO PARLAMENTO EUROPEU
As resoluções não contêm regulamentações específicas, nem resultam diretamente em ações. Destinam-se a estabelecer enquadramentos para a UE. Uma resolução é um impulso para uma investigação mais aprofundada sobre um assunto, e até que ponto as ações são desejadas e possíveis. Também pode ser um ponto de partida para a elaboração imediata de regulamentos ou de um programa de ação.
Resolução sobre a situação em Cuba, nomeadamente os casos de José Daniel Ferrer, da Dama de Branco Aymara Nieto, de Maykel Castillo, de Luis Robles, de Félix Navarro, de Luis Manuel Otero, do Reverendo Lorenzo Rosales Fajardo, de Andy Dunier García e de Yunior García Aguilera 16 de dezembro de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0510_ EN.pdf
Resolução sobre a situação dos direitos humanos em Mianmar, incluindo a situação dos grupos religiosos e étnicos 7 de outubro de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0417_ EN.html
Resolução sobre uma nova estratégia UE-China 16 de setembro de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0382_ EN.html
Resolução sobre as leis de blasfémia no Paquistão, em particular o caso de Shagufta Kausar e Shafqat Emmanuel (2021/2647RSP) 29 de abril de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0157_ EN.pdf
Resolução sobre a situação humanitária e política no Iémen 11 de fevereiro de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0053_ EN.html
Resolução sobre a situação dos direitos humanos no Vietname, em particular o caso dos jornalistas de direitos humanos Pham Chi Dung, Nguyen Tuong Thuy e Le Huu Minh Tuan 21 de janeiro de 2021
https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0029_ EN.html
RECOMENDAÇÕES DO PARLAMENTO EUROPEU
As recomendações permitem às instituições da UE dar a conhecer os seus pontos de vista e sugerir uma linha de ação sem impor qualquer obrigação legal aos seus destinatários. Não têm qualquer força vinculativa.
Relação UE-Índia 29 de abril de 2021
O Parlamento Europeu recomenda ao Conselho, à Comissão e ao Vice-Presidente da Comissão/Alto Representante da União para os Negócios Estrangeiros e a Política de Segurança no que respeita às relações UE-Índia: 1. ab) Colocar os direitos humanos e os valores democráticos no centro do compromisso da UE com a Índia, permitindo, assim, um diálogo construtivo e orientado para os resultados e uma compreensão mútua mais profunda; desenvolver, em colaboração com a Índia, uma estratégia para abordar problemas de direitos humanos, particularmente os relativos a mulheres, crianças, minorias étnicas e religiosas e liberdade de religião e de crença, e abordar questões de Estado de direito, como a luta contra a corrupção, bem como um ambiente livre e seguro para os jornalistas independentes e a sociedade civil, incluindo os defensores dos direitos humanos, e para integrar as considerações de direitos humanos em toda a parceria UE-Índia mais ampla. https://www.europarl.europa.eu/doceo/document/TA-9-2021-0163_ PT.html
REGULAMENTOS
DO PARLAMENTO EUROPEU
Nenhuma regulamentação sobre Liberdade de religião ou de crença em 2021.
Comissão Europeia
Diálogo da Comissão Europeia com Igrejas, Associações ou Comunidades Religiosas e Organizações Filosóficas e Não Confessionais Diálogo da Comissão Europeia com igrejas, associações ou comunidades religiosas e organizações filosóficas e não confessionais.
10 de dezembro de 2021:
Reunião extraordinária de alto nível com líderes religiosos
A pedido da Presidente von der Leyen, o Vice-Presidente Schinas realizou uma reunião extraordinária de alto nível com líderes das principais religiões e organizações europeias. Participaram do encontro representantes de sete grandes comunidades europeias: católicos, protestantes, ortodoxos, muçulmanos, judeus, hindus e budistas. O objetivo do encontro era reafirmar o compromisso da Comissão com o diálogo com as Igrejas e organizações religiosas, e o seu importante papel no projeto europeu. O Vice-Presidente Schinas sublinhou em particular que o respeito por todas as religiões e crenças é um valor fundamental da União Europeia. Os participantes concordaram que os valores e a identidade comuns devem basear-se no reconhecimento de diferentes identidades e da diversidade, incluindo as religiosas. As tradições religiosas podem e devem ser vistas como parte da nossa vida cultural. As festas religiosas foram consideradas por todos os participantes como momentos de partilha e de abertura aos outros, e devem ser encaradas como um momento onde se podem juntar diferentes pessoas de fé, bem como pessoas sem filiação.
https://ec.europa.eu/newsroom/just/items/50189
10 de junho de 2021: Reunião de diálogo do Artigo 17 obre o Pacto Ecológico Europeu No contexto do diálogo sobre o Artigo 17, a Comissão Europeia (Gabinete do Vice-Presidente Executivo Timmermans) apresentou os desenvolvimentos recentes no Pacto Ecológico Europeu, em particular a questão da dimensão justa da transição. Após a apresentação, teve lugar uma troca de pontos de vista com os parceiros de diálogo do Artigo 17 (ver relatório da reunião e lista de organizações participantes abaixo).
5 de maio de 2021: Reunião de diálogo sobre o Artigo 17 a propósito do Plano de Ação da Comissão Europeia sobre Integração e Inclusão (2021-2027)
No contexto do diálogo do Artigo 17, a Comissão Europeia (DG HOME) apresentou o seu Plano de Ação sobre Integração e Inclusão (2021-2027) e o papel potencial que as organizações religiosas e não confessionais podem desempenhar neste contexto. A reunião permitiu uma troca de pontos de vista entre os parceiros do Artigo 17 presentes e os serviços da Comissão.
5 de fevereiro de 2021: Reunião anual de alto nível com organizações não confessionais
O vice-presidente Schinas organizou a reunião anual de alto nível com organizações não confessionais. O tema do encontro deste ano foi “O modo de vida europeu”. A reunião analisou como a crise da Covid pode ter afetado e desafiado esse modo de vida e as respostas a esses desafios. A reunião também abordou a resposta europeia à crise atual, bem como desenvolvimentos recentes, como o Pacto de Migração e Asilo, inclusão e integração, bem como o progresso em direção a uma União da Saúde da UE.
Nações Unidas
RELATÓRIOS DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS
O Conselho de Direitos Humanos solicita ao Relator Especial a apresentação, todos os anos, de um relatório anual numa das suas sessões ordinárias em Genebra. Os relatórios anuais do Relator Especial incluem uma descrição das atividades realizadas durante o ano no âmbito do mandato, normalmente incluem a discussão de temas específicos ou questões de particular relevância em Liberdade de religião ou de crença.
A/HRC/49/44 – Relatório do Relator Especial Dr. Ahmed Shaheed sobre liberdade de religião ou de crença, (descrição da situação em 2021).
2 de março de 2022
https://www.ohchr.org/en/documents/thematic-reports/ahrc4944-rights-persons-belonging-religious-or-belief-minorities
*Comentário sobre o Relatório do Relator Especial sobre Liberdade de religião ou de crença, Dr. Ahmed Shaheed
O relatório da ONU cita inúmeras violações dos direitos humanos: “Minorias religiosas vulneráveis em conflito”.
A retórica de ódio é uma arma poderosa para criar realidades prejudiciais para as minorias em ambientes frágeis. As minorias religiosas são alvo de ataques tanto de autoridades como de cidadãos em vários países.
O aumento do número de conflitos em todo o mundo nos últimos anos privou muitas comunidades religiosas dos seus direitos humanos fundamentais, incluindo a liberdade de religião ou crença. Isso está documentado no recente relatório do Relator Especial da ONU sobre liberdade de religião ou crença. O relatório de 22 páginas tem o título: “Direitos das pessoas pertencentes a minorias religiosas ou de crença em situações de conflito ou insegurança” (https://www.ohchr. org/en/documents/thematic-reports/ahrc4944-rights-persons-belonging-religious-or-belief-minorities).
Em 2020, um total de 82,4 milhões de pessoas foram deslocadas à força, representando mais de um por cento da população global. Esta situação é agravada pela crise de refugiados resultante da guerra na Ucrânia.
O relatório destaca que o discurso de ódio “fomenta um ambiente onde a discriminação não é apenas tolerada, mas sancionada pelos líderes políticos” (p. 5). Em situações de conflito, as minorias religiosas são frequentemente rotuladas como “estrangeiras”, deixando-as expostas à violência. O relatório cita vários exemplos desse comportamento. Um exemplo refere-se à guerra na Ucrânia: “Nas regiões ucranianas de Donetsk e Luhansk, as autoridades de facto acusam regularmente denominações cristãs ‘não tradicionais’, como a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias e as Testemunhas de Jeová, de serem espias da Ucrânia e de “interesses ocidentais”.
A retórica do ódio é evidenciada nas redes sociais, e até nos currículos educacionais, “influenciando as gerações futuras”. No Iémen, os líderes das áreas controladas pelos houthis estão a mudar o currículo para refletir a sua compreensão do Islão.
Através da violência, intimidação e legislação discriminatória, os Estados tentam restringir os direitos humanos das minorias religiosas ou erradicar essas comunidades. “Mianmar está supostamente a cometer genocídio contra os Rohingya por meio de uma campanha sistemática para extinguir ou expulsar as suas comunidades do estado de Rakhine, infligindo violência generalizada e, muitas vezes, indiscriminada” (p. 6). Foi relatado que trinta e quatro igrejas cristãs e três locais religiosos islâmicos foram destruídos em Mianmar num período de dez meses, em 2021.
Conversões forçadas
O relatório é uma longa lista de violações de direitos humanos sofridas por minorias religiosas durante conflitos. As conversões forçadas são uma forma de violação dos direitos humanos. O objetivo das conversões forçadas é fazer com que as minorias religiosas abandonem a sua identidade de fé e sejam assimiladas na cultura principal. “Evidências sugerem que conversões forçadas de minorias ocorreram na Nigéria, em Mianmar, no Afeganistão, no Paquistão e no Sudão” (p. 7).
A violência sexual e de género é mais uma forma de opressão usada para destruir comunidades minoritárias. As histórias angustiantes de mulheres Yezidi no Iraque, que foram agredidas sexualmente e escravizadas por soldados do EI são um exemplo. A situação das mulheres cristãs no norte da Nigéria é outro exemplo.
Conflito como desculpa para violações de direitos humanos
O Relator Especial da ONU observa que “várias autoridades estatais invocaram situações de conflito ou de insegurança como justificações politicamente convenientes para o não cumprimento das suas obrigações de direitos humanos, ou para instrumentalizar a fragilidade de certas comunidades para promover os seus objetivos políticos” (p. 9). O tratamento dos Uigures na China, os palestinianos em Israel e as medidas de contraterrorismo do Sri Lanka são citados.
As restrições da Covid-19 foram usadas em vários casos para justificar restrições aos direitos de comunidades religiosas ou de crença minoritárias. No Sri Lanka, na Índia e em Mianmar, muçulmanos foram acusados de importar o vírus ou de aumentar as taxas de infeção. Algumas áreas viram uma “corona jihad” nos meios de comunicação sociais.
Há evidências de que as autoridades de alguns países trabalharam ativamente para impedir que minorias religiosas recebessem ajuda humanitária. O relatório destaca as obrigações dos atores humanitários de prestarem atenção às crenças religiosas das comunidades afetadas.
Revogar as leis anti conversão
O relatório do Relator Especial da ONU sobre liberdade de religião ou crença conclui com listas de recomendações. A primeira das 12 recomendações para os Estados é “Promover e proteger a liberdade de religião ou de crença das minorias, revogando as leis anti conversão e anti blasfémia…” (p. 20).
A principal recomendação para as Nações Unidas e a comunidade de doadores é “Evitar generalizações amplas sobre a relação entre religião e conflito” (p. 21). O relatório tem uma recomendação para os atores da sociedade civil: “Líderes e influenciadores baseados na fé devem usar a sua autoridade para promover resoluções de conflitos inclusivas, pacíficas e justas, e para evitar o surgimento de tensões, particularmente quando conduzidas em nome de religião ou crença” (p. 22).
Resoluções do Conselho de Direitos Humanos
RESOLUÇÕES DO CONSELHO DE DIREITOS HUMANOS (HRC)
As resoluções do Conselho de Direitos Humanos são textos que representam a posição dos membros do Conselho (ou da maioria deles)
sobre questões e situações específicas de direitos humanos. As resoluções concentram-se em questões de direitos humanos específicas de cada país ou temáticas e podem levar a ações que ajudam a abordar essas questões.
A/RES/76/157 – Resolução aprovada pela Assembleia Geral 16 de dezembro de 2021 Combate à Intolerância, Estereotipagem Negativa, Estigmatização, Discriminação, Incitação à Violência e Violência Contra Pessoas, Baseada na Religião ou Crença: Resolução / Adotada pela Assembleia Geral. https://documents.un.org/prod/ods.nsf/xpSearchResultsM.xsp
A/RES/76/156 – Resolução sobre Liberdade de Religião ou Crença 16 de dezembro de 2021 Liberdade de Religião ou Crença: Resolução / Adotada pela Assembleia Geral https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ N21/402/61/pdf/N2140261.pdf?OpenElement
A/76/380 – Relatório provisório do Relator Especial Ahmed Shaheed sobre liberdade de religião ou crença, 5 de outubro de 2021 https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ N21/274/90/pdf/N2127490.pdf?OpenElement
A/HRC/47/24/Add – Relatório do Relator Especial sobre os direitos à liberdade de reunião pacífica e de associação: Acabar com os desligamentos da Internet: um caminho a seguir 15 de junho de 2021 https://undocs.org/A/HRC/47/24/Add.2
A/HRC/46/30 - Relatório do Relator Especial Ahmed Shaheed sobre liberdade de religião ou crença, Combater a islamofobia/ódio antimuçulmano para eliminar a discriminação e a intolerância com base na religião ou crença
13 de abril de 2021
https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ G21/086/49/PDF/G2108649.pdf?OpenElement
A/HRC/RES/46/6 – Resolução adotada pelo Conselho de Direitos Humanos sobre Liberdade de religião ou crença. Promoção e proteção de todos os direitos humanos, direitos civis, políticos, económicos, sociais e culturais, incluindo o direito ao desenvolvimento.
23 de março de 2021
https://documents-dds-ny.un.org/doc/UNDOC/GEN/ G21/076/40/pdf/G2107640.pdf?OpenElement
RELATÓRIOS DE INSTITUIÇÕES POLÍTICAS E CIVIS
USCIRF 2022 Comissão dos Estados Unidos da América sobre Liberdade Religiosa Internacional – Relatório Anual https://www.uscirf.gov/sites/default/files/2022-04/2022%20 USCIRF%20Annual%20Report_1.pdf
ACN Internacional – Liberdade Religiosa no Mundo, Relatório de 2021
https://acninternational.org/religiousfreedomreport/wp-content/ uploads/2021/04/Executive-Summary-2021-EN-single-pages-small. pdf
REFERÊNCIAS
Dr. Alexis Artaud de La FerrièreA SEPARAÇÃO DA IGREJA E DO ESTADO E O DESAFIO DO SEPARATISMO RELIGIOSO
1. https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2020/02/18/proteger-les-libertes-en-luttant-contre-le-separatisme-islamiste-conference-de-presse-du-president-emmanuel-macron-a-mulhouse
2. Ibid.
3. Art. 2, Law on the Separation of the Churches and the State, 1905.
4. Loi Debré, 1959.
5. Walzer, M. (1984). I. Liberalism and the Art of Separation. Political Theory, 12(3), 315-330; John Locke, A Letter on Toleration, 1689.
6. C&L, nº 53, 1997, p. 35.
7. Smidt, Corwin “Evangelicals Versus Fundamentalists: An Analysis of the Political Characteristics and Importance of Two Major Religious Movements Within American Politics.” Paper presented at the Annual Meeting of the Midwest Political Science Association, April 20-23, 1983, Chicago, Illinois. Citado em Jelen 1987.
8. Jelen, T. G. (1987). The Effects of Religious Separatism on Partisan Identification, Voting Behavior, and Issue Positions among Evangelicals and Fundamentalists in 1984. Sociology of Religion, 48(1), 30.
9. Mais significativamente, as autoridades públicas francesas cobrem os custos de manutenção dos locais de culto católicos (bem como judeus e protestantes) construídos antes de 1905.
10. Art. 13.2, UDHR; Art. 12.2, ICCPR.
11. Op. cit., p. 327.
12. Rousseau, JJ. The Social Contract, 2.3.
13. van der Vyver, J. D. (2005). “Limitations of Freedom of Religion or Belief: International Law Perspectives.” Emory International Law Review, 19(2), 499-538 (510). De facto, em algumas jurisdições como a França, existem sanções específicas para certas infrações da lei quando são cometidas dentro de um edifício religioso ou em associação com uma organização religiosa. Ver: artigos 34-35, 1905 da Lei sobre a Separação das Igrejas e do Estado, que penaliza as difamações de pessoas que ocupam cargos públicos e as incitações à insurreição.
14. Schwarzschild, M. (2014). How much autonomy do you want? San Diego L. Rev., 51, 1105.
15. Op. cit.
Jaime Rossell Granados
O PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO COMO INSTRUMENTO DA GESTÃO DA RELIGIÃO EM ESPANHA
1. JEMOLO, A.C., I problema pratici della libertà, Milán, 1961, p. 131.
2. 1.2. Embora seja verdade que a Concordata de 1953 foi rejeitada como consequência da assinatura dos acordos de 1979, o esquema de benefícios desfrutado pela Igreja Católica permaneceu virtualmente intocado. De facto, a sua menção explícita no texto constitucional mostra até que ponto estava presente na mente do legislador, e o facto de que a assinatura desses acordos teve lugar uns poucos dias depois de a Constituição ter sido promulgada, sugere que o esquema de que a Igreja Católica devia beneficiar já estava preparado.
1.3. STC 24/1982, de 13 de maio, STC 19/1985, de 13 de fevereiro, ou STC 166/1996, de 28 de outubro.
1.4. A liberdade de ideologia, de religião e de culto de pessoas e de comunidades será garantida sem qualquer limitação, na sua manifestação, além do necessário, exceto para manutenção da ordem pública protegida por lei.
3. Ninguém será forçado a fazer declarações acerca da sua ideologia, da sua religião ou das suas crenças.
4. “O Estado não terá denominação oficial. As autoridades públicas terão em conta as crenças religiosas da sociedade espanhola e manterão as consequentes relações de cooperação com a Igreja Católica e outras confissões”.
5. STC 177/1996, de 11 de novembro, e STC 101/2004, de 2 de junho
6. Lei Orgânica 7/1980, de 5 de julho, sobre a Liberdade Religiosa.
7. Pode encontrar um estudo detalhado e abrangente sobre esta lei em NAVARRO-VALLS, R., MANTECÓN SANCHO, J. e MARTÍNEZ-TORRÓN, J. (coords.), La libertad religiosa y su regulación legal. La Ley Orgânica de Libertad Religiosa, Iustel, Madrid, 2009.
8. Por ocasião do seu quadragésimo aniversário, vários estudos foram publicados analisando a validade e aplicabilidade da Lei. Ver, por exemplo, o número monográfico a ele dedicado em ‘Derecho y Religión’, vol. XV, 2020.
9. Atualmente, este Registo nacional, a cargo do Ministério da Presidência, Relações com o Parlamento e Memória Democrática, contém mais de 17 400 entidades religiosas.
10. Conforme previsto no artigo 8.º do LOLR, este órgão administrativo é composto “em regime paritário e estável, por representantes da Administração do Estado, Igrejas, Denominações ou Comunidades Religiosas ou Federações das mesmas, que, em qualquer caso, estarão notoriamente enraizadas em Espanha, e por pessoas de reconhecida competência cuja assessoria se considere de interesse em matérias relacionadas com esta Lei... Esta Comissão será encarregada de elaborar estudos, relatórios e propostas sobre todos os assuntos relacionados com a aplicação da presente Lei, designadamente, e de forma obrigatória, para a elaboração
e emissão de pareceres sobre os Acordos ou Convenções de Cooperação referidos no artigo anterior”. Em 2001, Portugal previu um órgão similar na sua Lei de Liberdade Religiosa, dando-lhe maiores poderes do que o espanhol. Em 2013, o legislador espanhol, consciente do sucesso português, reformou este órgão com um novo objetivo: a) atribuir novas funções à Comissão Consultiva para melhorar o seu desempenho no quadro legal e também torná-la num órgão consultivo dos poderes regional e administrações locais; b) coordenar uma nova composição, incorporando órgãos semelhantes existentes noutras Comunidades Autónomas e confissões religiosas reconhecidas como “notoriamente enraizadas”; e, por último, aprimorar o funcionamento da Comissão Consultiva, que atua em Plenário e Comissão Permanente, por meio da criação de Grupos de Trabalho que trabalharão nos assuntos que lhes forem atribuídos, podendo incluir pessoas que não sejam membros da Comissão Consultiva.
11. Ver ROSSELL, J., “La LOLR en el contexto de la Unión Europea”, em ROSSELL, J. e NASARRE, E. (coords.), La Ley Orgánica de Libertad Religiosa (1980-2020). Por la concordia religiosa y civil de los españoles, CEU Ediciones, Madrid, 2020, pp. 47 e seg.
12. Esta possibilidade de firmar acordos com o Estado levou à criação, dentro do nosso ordenamento jurídico eclesiástico, de quatro níveis de relacionamento entre o Estado e os grupos religiosos entendidos como tal. O primeiro lugar seria ocupado pela Igreja Católica, seguindo-se as denominações não católicas que assinaram um acordo de cooperação, as denominações religiosas que se encontram fortemente arraigadas e, por último, as denominações inscritas no Registo de Entidades Religiosas. Em todos os casos, todas elas têm, como sujeitos coletivos, o direito à liberdade religiosa. A Lei reconhece a todas o direito de exercer a sua liberdade religiosa e de desenvolver o seu conteúdo, embora, na prática, isso só tenha sido alcançado por grupos pertencentes a uma das federações que tenham assinado um acordo com o Estado ou tenham sido reconhecidas como visivelmente arraigadas. Conforme observado acima, a Constituição não determina que este seja o sistema pelo qual a cooperação é implementada no nosso sistema. De facto, acordos com confissões não católicas podem ser um sinal de cooperação posta em prática, mas não é o único possível, pois também é possível a técnica de legislação unilateral, embora levando em conta as opiniões dos grupos afetados. Pode não ser, na opinião de alguns, o sistema mais igualitário, mas é sem dúvida o mais operacional da Europa hoje.
13. Em 3 de janeiro de 1979, os Acordos sobre Assuntos Jurídicos, sobre Educação e Assuntos Culturais, sobre Assuntos Económicos e sobre Assistência Religiosa às Forças Armadas e Serviço Militar dos Clérigos. A Convenção de 5 Abril de 1962 sobre o Reconhecimento dos Efeitos Civis dos Estudos Não Eclesiásticos nas Universidades da Igreja Católica permanece em vigor, e um Acordo sobre Matérias de Interesse Comum na Terra Santa foi assinado em 21 de dezembro de 1994.
14. Embora inúmeras leis tenham sido aprovadas em relação às disposições do texto dos Acordos, um exemplo é a Troca de Notas entre o Governo espanhol e a Santa Sé, em 2006, destinada a reformar o modelo de financiamento direto aplicável à Igreja Católica, previamente negociado com a Conferência Episcopal Espanhola.
15. Um conceito legal que, apesar de permanecer indeterminado por muito tempo, foi regulamentado em 2015 por Real Decreto 593/2015, de 3 de julho, que regulamenta a declaração das confissões religiosas que se tenham tornado notoriamente enraizadas em Espanha.
Atualmente, esse status é atribuído às seguintes denominações religiosas: Igreja Católica, a Federação das Entidades Religiosas Evangélicas da Espanha (FEREDE), a Comissão Islâmica da Espanha (CIE), a Federação das Comunidades Judaicas da Espanha (FCJE), a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, a Igreja das Testemunhas de Jeová, a Federação das Comunidades Budistas da Espanha e a Igreja Ortodoxa.
16. Lei 24/1992, de 10 de Novembro, que aprova o Acordo de Cooperação entre o Estado e a FEREDE.
17. Lei n.º 25/1992, de 10 de novembro, que aprova o Acordo de Cooperação entre o Estado e a FCJE.
18. Lei 26/1992, de 10 de novembro, que aprova o Acordo de Cooperação entre o Estado e a CIE.
19. Na Comunidade de Madrid, foram celebrados acordos-quadro de colaboração de natureza administrativa assinados com o Conselho Evangélico de Madrid (em 18 de outubro de 1995), com a Comunidade Israelita de Madrid (em 25 novembro de 1997), e com a União das Comunidades Islâmicas de Espanha (em 3 de março de 1998), enquanto, na Catalunha, eles foram assinados com o Conselho Evangélico da Catalunha (em 21 de maio de 1998), a Comunidade Israelita de Barcelona (em 15 de abril de 2002), o Conselho Islâmico e Cultural da Catalunha (em 1 de abril de 2004) e a Comunidade Local Bahà’í de Barcelona (em 15 de dezembro de 2004).
20. Além das denominações que firmaram Convénio com o Estado, budistas, mórmons, a Igreja Ortodoxa e as Testemunhas de Jeová são atualmente reconhecidas como visivelmente arraigadas.
21. Lei 15/2015, de 2 de julho, sobre Jurisdição Voluntária.
22. Ver o trabalho de FERNANDEZ GARCIA, A., “La Fundación Pluralismo y Convivencia. Ayudas públicas y transparência”, Anuario de Derecho Eclesiástico del Estado, XXXV (2019), pp. 165-190.
23. Isso foi afirmado pela Perita Independente Gay McDougall no seu relatório sobre minorias e a sua efetiva participação política, apresentado ao Conselho de Direitos Humanos no Fórum de 2009 sobre questões de minorias. Ver A/HRC/FMI/2009/3.
24. ROSSELL, J., “O princípio de cooperação como ferramenta para o desenvolvimento da liberdade religiosa: o modelo espanhol”, in MARTÍNEZ DE CODES, R.M. y CONTRERAS, JAIME (coords.), Espacios secularizados, espacios religiosos: Europa e Iberoamérica. Percepciones, complementaciones y diferencias, Tirant lo Blanch, Valência, 2017, p. 83.
Pedro Torres
LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E LIBERDADE RELIGIOSA NO DIREITO PÚBLICO FRANCÊS
1. Constituição francesa, artigo 1.
2. Ponto 5 da Resolução do Conselho Constitucional n° 2010-613 DC de 7 de outubro de 2010.
3. Artigo de Bénédicte Lutaud, publicado no Le Figaro, em 19 de novembro de 2019. Consultado online em 1 de dezembro 2021: https://www.lefigaro.fr/actualite-france/une-religieuse-catholique-refusee-d-une-maison-de-retraite-pour-port-du-voile-et-de-l-habit-20191119
4. Os partidários da Concordata, isto é, um tratado entre o Estado francês e a Santa Sé.
5. Defensores da separação pura e simples entre igreja e estado.
6. Baubérot, Histoire de la laïcité en France, PUF, 2ª edição, 2003, p.118.
7. A.Briand, citado em Rapport public du Conseil d’État, Considérations générales, Un siècle de laïcité, p. 258.
8. Decisão do Supremo Tribunal de Espanha STS 3533/2015, de 6 de julho de 2015. Consultado em 1º de dezembro de 2021: https://www.poderjudicial.es/cgpj/es/Poder-Judicial/ Tribunal-Supremo/Noticias-Judiciales/El-Supremo-avala-el-derecho-de-una-opositora-adventista-del-Septimo-Dia-a-no-ser-examinada-en-sabado. Sentença para download em PDF: https://www.poderjudicial.es/stfls/SALA%20DE%20PRENSA/NOTAS%20DE%20 PRENSA/20150819%20TS%20 Contencioso%2006-07-2015.pdf
John Graz CHINA: ESPERANÇAS FRUSTRADAS
1. www.oikoumene.org
2. Nome completo: The Three Self Patriotic Movement of the Protestant Churchs in China.
3. Eleanor Albert e Lindsay Maizland, “Liberdade Religiosa na Rússia”, Conselho de Relações Exteriores, 100. Última atualização, 25 de setembro de 2020, 8h00 (EST).
4. Le manifeste chrétien, publicado em 1954 (1950). Philip L. Wickeri, Buscando o Terreno Comum no Cristianismo Protestante, o Movimento das Três Autonomias e a Frente Unida da China, WIPF & STOCK, Eugene, Oregon, 2011. Anteriormente publicado pela Orbis Books 1988.
5. Constituição da República Popular da China (Aprovada na Quinta Sessão da Quinta Assembleia do Congresso Nacional do Povo em 4 de dezembro de 1982).
6. O primeiro missionário, Abraham La Rue, chegou a Hong Kong em 1888. Em 1904 havia 64 membros batizados. Em 1930 a missão na China foi organizada numa divisão com 156 igrejas, 9456 membros e 17 instituições educacionais e 11 instituições médicas. Em 1950 os membros eram 21 000. Daniel Jiao, Missão da União Chinesa, Enciclopédia dos Adventistas do Sétimo Dia. www. encyclopedia.adventist.org. Ansel Oliver e líderes protestantes chineses visitam a sede antes da visita oficial à China no ano que vem, ANN, 10.04.2011.
7. Equipa da Adventist Review, “Wilson, GC Leaders Visit Adventists in China”, Adventist Review, 20 de abril de 2012. Andrews McChesney, mulher que abriu 400 igrejas na China, adventistmission.org
9. De salientar a presença da ADRA – Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência, e de outras ONGs.
10. Alain Peyrefitte, Quand la Chine s’éveillera ... le monde tremblera, Fayard, 1973, 1980.
11. China, recomendado pelo uscirf para países de preocupação particular (CPC). Relatório Anual 2021.
12. Arielle Del Turco, “Liberdade Religiosa na China, A História, Desafios Atuais e a Resposta Adequada a uma Crise de direitos humanos, análise de problemas”, edição de dezembro de 2020. frc.org/china
13. Ibidem.
14. Uma mega igreja dinamitada pelo governo chinês, Info Chrétienne, 15 de janeiro de 2018.
15. Ibidem. nota 54.
16. Ibidem. notas 62-65.
17. Brice Pedroletti, Attacchi uiguri: la Cina alle prese con il terrorismo di massa, Le Monde, publicado em 20 de maio 2014 às 19:04.
18. In, Lin XIN e Lin Xiaoyi, China emite regulamentos religiosos, 09 de fevereiro. 2021, Globaltimes.cn
19. China introduz novos regulamentos que restringem a prática religiosa, 30 de abril de 2021, ICN Independent Catholic News, 25 de maio de 2021.
20. Eleanor Albert e Lindsay Maizland, “Liberdade Religiosa na Rússia”, Conselho de Relações Exteriores, 100. Última atualização, 25 de setembro de 2020, 8h00 (EST).
21. David Alexander Palmer, Le protestantisme en Chine, janeiro de 2006, www. researchgate. net/publication
22. Juliette Duléry, doutoranda em Ciências Sociais em Paris Diderot e Especialista em Protestantismo Chinês. www.lacroix.com/Religion/Protestantisme/En-Chine-evangelique_ expansion-2019-03-18
Harald MuellerCORONA – UMA AMEAÇA PARA A LIBERDADE RELIGIOSA?
1. Este artigo é um manuscrito revisto (em 30.11.2021) da palestra na biblioteca da Universidade que proferi em 24.10.2021 na Faculdade de Teologia, em Friedensau.
2. Por exemplo, Baixa Saxónia, Portaria de 17.4.2020: Baixa Saxónia GVBl. 2020, página 74: § 1 parágrafo 5. Proibidas são: No.3: Reuniões em igrejas, mesquitas, sinagogas ... Esta disposição foi declarada inconstitucional pelo BVerfG na sua decisão de 29.4.2020 em conexão com o fecho geral de mesquitas (1 BvQ 44/20).
3. Gesetz- und Verordnungsblatt NRW 2020, página 221 a, Portaria de 16.4.2020.
4. Art. 4 GG: (1) A liberdade de fé, de consciência e de convicção religiosa e filosófica é inviolável. (2) A prática imperturbada da religião é garantida.
5. Por exemplo, art. 8 GG: (1) Todos os alemães têm o direito de se reunir pacificamente e sem armas, sem registo ou permissão. (2) Para assembleias ao ar livre, este direito pode ser restringido por lei ou com base na lei.
6. Jurisprudência permanente do BVerfG, por exemplo, nas decisões “lenço de cabeça”, 27.1.2015, 1 BvR 471/10 e 14.1.2020, 2 BvR 1333/17.
7. VG Berlim, 7.4.2020, 14. L 32/20.
8. BVerfG, 29.4.2020, 1 BvQ 44/20.
9. Consulte https://www.bundesregierung.de/resource/blob/974430/1949532/ d3f1da493b643492b6313e8e-6ac64966/2021-08-10-mpk-data.pdf (consultado em: 28.11.2021).
“Um culto na igreja é algo diferente de uma visita a uma discoteca”, comentou o então Ministro Presidente da Renânia do Norte-Vestfália, Armin Laschet, dizendo o seguinte: https:// www.zeit.de/news/2021-08/10/laschet-3g- regel-gilt-nicht-fuer-gottesdienste (consultado em: 21.11.2021).
10. Por exemplo, Portaria de Hamburgo de 26.11.2021, § 11 parágrafo 3, https://www. hamburg.de/ordinance/ (consultado: 30.11.2021).
11. Consulte https://www.bundesregierung.de/resource/blob/974430/1982598/defbdff47daf5f177586a5d34e8677e8/2021-11-18-mpk-data.pdf?download=1 (consultado em: 21.11.2021).
12. Na Saxónia, de acordo com a Secção 18 do Decreto de Emergência Corona de 19.11.2021: A obrigação de apresentar comprovativo de vacinação, convalescença ou testagem e mandar verificar o respetivo comprovativo pelo responsável aplica-se a reuniões de igrejas e comunidades religiosas. Além disso, igrejas e comunidades religiosas regulam as suas reuniões para fins de prática religiosa sob a sua responsabilidade com efeito vinculante. Conceitos de higiene devem ser elaborados para reuniões em igrejas e comunidades religiosas para fins de prática religiosa e adaptados à situação particular de infeção. Na Turíngia, a regra 3-G para eventos religiosos está contida na Secção 18 parágrafo 1, nº. 9 da Portaria Corona (24.11.2021), na Renânia-Palatinado na Secção 6 par. 1 da Portaria Corona lá (23.11.2021).
13. O Tribunal Administrativo de Minden (VG Minden) considerou um teste obrigatório antes dos serviços religiosos emitido pelo distrito de Minden-Lübbecke na primavera de 2021 ser apenas uma ofensa menor e, em vista da incidência de infeção, proporcional à liberdade religiosa. Tendo em vista a incidência de infeção, julgamento de 5.5.2021, 7 L 312/21. 3
14. Jurisprudência permanente: por exemplo, BVerfG 27.1.2015, 1 BvR 471/10 e 14.1.2020, 2 BvR 1333/17.
15. Consulte https://www.meinekirchenzeitung.at/wien-noe-ost-der-sonntag/c-menschen-meinungen/was-says-the-catholic-bioethics-to-these-vaccines_a21358 (consultado em: 27.11.2021).
16. Liberty and Health Alliance: https://libertyandhealth.org/german/
17. Os requisitos para “dificuldades indevidas” não parecem ser muito altos. É definido como “mais do que um fardo mínimo na operação do negócio”. https://www.eeoc.gov/laws/guidance/ what-you-should-know-workplace-religious-accommodation (consultado em: 28.11.2021).
18. Consulte https://www.wired.com/story/religious-exemption-covid-vaccine-mandate-supreme-court-law/, crítica do desenvolvimento legal dos EUA de “isenções religiosas” (consultado em: 27.11.2021), https://www.npr.org/2021/09/28/1041017591/obter-uma-isenção-religiosa-para-uma-vacina-mandato-pode-não-ser-fácil-aqui-whyf?t=1638127963873 (consultado em: 28.11.2021).
19. Consulte https://www.fisherphillips.com/a/web/iELRzyXNXx95eTLLGEdubN/ 2jtxR8/vaccine-request-for-religious-isention_accommodation-related-to-covid-19-vaccine.pdf (consultado em: 28.11.2021). https://www.saferfederalworkforce.gov/downloads/RELIGIOUS%20REQUEST%20FORM_FINAL%20REVIEW_20211003%20 10,29%2011am.pdf (consultado em: 28.11.2021).
20. Assim, um rascunho de carta da União Conservadora Hebraica, com sede na Califórnia, veja: https://hebrewconservativeunion.org/, que tenho como arquivo PDF. O seu conteúdo certamente não é representativo do povo judeu como um todo. Lê-se (em parte): 15 de outubro de 2021
A quem possa interessar, [Nome] é um membro da comunidade mundial dos hebreus e procura uma isenção religiosa de um requisito de imunização. Esta carta explica como os ensinos hebraicos podem levar Hebreus individuais, incluindo [Nome] a recusar vacinas.
A comunidade hebraica existe há mais de 4000 anos, o nosso povo tem estado deslocado dos nossos territórios ancestrais por causa daqueles que perseguiram e impuseram a sua vontade e/ou governo sobre o nosso povo com o propósito de suprimir a nossa identidade, modo de vida, dieta, saúde, purificação e saneamento, crenças religiosas e fé.
Somos um povo do sacerdócio, historicamente preservamos e seguimos os ensinos, leis, regras, costumes, dieta, saúde, purificação e saneamento e observâncias religiosas da nossa fé, aos quais estamos vinculados. A nossa fé, portanto, exige que defendamos os nossos ensinos, valores e ética, que sobreviveram durante milhares de anos. A nossa identidade e fé são, por isso, inseparáveis da nossa herança.
A nossa fé hebraica ensina que uma pessoa pode ser obrigada a recusar uma intervenção médica, incluindo uma vacinação, se a sua consciência chegar a essa conclusão. Os seguintes ensinos hebraicos com autoridade demonstram a base religiosa dos princípios sobre os quais um hebreu pode decidir que ele ou ela deve recusar vacinas:
• A vacinação não é moralmente obrigatória.
• Existe o dever moral de recusar o uso de produtos médicos, incluindo vacinas, que sejam criados usando linhas de células humanas derivadas de aborto1 e que foram experimentados usando crueldade animal, o que é totalmente contrário aos nossos ensinos hebraicos.
• A avaliação de uma pessoa sobre se os benefícios de uma intervenção médica superam os indesejáveis efeitos colaterais deve ser respeitada, a menos que contradiga os ensinos morais hebreus autorizados.
• Uma pessoa é moralmente obrigada a obedecer a Deus primeiro de acordo com a sua consciência.
Um hebreu não tem permissão para receber vacinas por uma variedade de razões consistentes com estes ensinos hebraicos, e há um ensino hebraico
oficial que obriga universalmente os hebreus a não receberem nenhuma vacina. Um hebreu individual pode invocar o nosso ensino e artigos de fé hebreus para recusar uma vacina que use linhagens celulares derivadas de aborto em qualquer estágio da criação da vacina, substâncias de origem animal2, e que foi testada em animais3.
1. https://lozierinstitute.org/an-ethics-assessment-of-covid-19-vaccine-programs/w.
2. “Um material usado na fase inicial do processo de fabricação da Vacina de mRNA COVID-19 BNT162b2 contém um componente derivado do leite bovino.” https://www.nottsapc.nhs.uk/media/1642/covidvaccinefaqspfizer. pdf – consultado em 2021-09-07.
3. Os nossos ensinos hebraicos consideram “vacinas testadas em animais” como crueldade animal.
21. Veja www.dv-religionsfreiheit.org.
22. Consulte https://www.faz.net/aktuell/politik/ausland/papst-franziskus-wirbt-fuer-corona-impfungen-17492666.html (consultado em 28.11.2021).
23. Declarações datadas de 8.9.2021 e 16.9.2021, https://www.ekd.de/bedford-strohm-ungeimpfte-non-exclusion-68260.htm (consultado em: 28.11.2021).
24. Veja https://www.nadadventist.org/news/covid-19-vaccines-addressing-concerns-offering-counsel (consultado: 28.11.2021).
25. Veja https://adventist.news/news/reaffirming-the-seventh-day-adventist-churchs-response-to-covid-19-1 (consultado em: 28.11.2021).
Jorge Botelho Moniz
LIBERDADE RELIGIOSA E COVID-19 EM PORTUGAL
NOTAS
1. Cf. Lei n.º 44/86, de 30 de setembro, relativa ao regime do estado de sítio ou do estado de emergência. O n.º 1 do artigo 2.º, relativo à garantia dos direitos dos cidadãos, afirma precisamente o mesmo.
2. Cf. Processo 01394/06.0BEPRT, Acórdão n.º 544/2014 e Acórdão n.º 545/2014.
3. Note-se que o Despacho n.º 4235-D/2020, relativo à aplicação do artigo 6.º do Decreto n.º 2-B/2020 aos ministros da religião, concedeu-lhes “a liberdade de circular para a prática de assuntos urgentes, apesar da necessidade de observar as atuais restrições gerais”. Por conseguinte, esta ordem reafirmou a manutenção das limitações à dimensão pública da liberdade de culto, em conformidade com a alínea f) do Artigo 4.º do mesmo decreto.
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Maria Luisa Lo GiaccoRELIGIÕES E OBJEÇÃO DE CONSCIÊNCIA ÀS VACINAS DURANTE A PANDEMIA DE COVID-19
1. C. CARDIA, “Between Law and Morality. Conscientious objection and law,” in State, Churches and confessional pluralism, Telematic journal (https://www.statoechiese.it), maio de 2009, p. 3.
2. S. RODOTÀ, “Problems of conscientious objection,” in Quaderni di diritto e politica ecclesiastica, 1993, nº 1, p. 59.
3. Cf. F. LATTUNEDDU, “Il processo autopoietico dell’obiezione di coscienza,” in Quaderni di diritto e politica ecclesiastica, 2015, nº 3, p. 877; V. TURCHI, “New forms of conscientious objection,” in Stato, Chiese e pluralismo confessionale, cit., outubro de 2010, p. 2.
4. Cf. P. CONSORTI, “Obiezione di coscienza” to military service, fiscal objection and to compulsory vaccinations in the most recent case law,” in Quaderni di diritto e politica ecclesiastica, 1993, nº 3, p. 651.
5. Ver G. TRIPODI, “Il rifiuto delle vaccinazioni: mito e realtà nei movimenti antivaccinali,” in Rivista Gaslini, 2005, nº 3, p. 74.
6. M. BONATI, “Obedience is not (anymore) a virtue,” in Research & Practice, 2017, nº 33, p. 99.
7. G. TRIPODI, Il rifiuto delle vaccinazioni, cit., p. 74 (http://www.liberascuola-rudolfsteiner.it/2017/12/30/salutogenesi-le-fonti-della-salute-fisica-psichica-e-spirituale/)
8. http://www.segnidalcielo.it/vaccini-contro-levoluzione-spirituale-la-profezia-di-rudolf-steiner/
9. https://www.libriomeopatia.it/articoli/opinioni_omeopatiche.php
10. http://www.comilva.org/
11. The 3V Movement – Vaccines We Want Truth (https://www.vaccinivogliamoverita.it/). Os estatutos dizem que o objetivo do movimento político é “perseguir o objetivo de estar bem [...] a começar pela realização do próprio eu da pessoa, dentro de uma sociedade de solidariedade e de equidade’.
12. Cf. P. L. LOPALCO, “Vaccinations. Fraud, beliefs and scientific evidence”, artigo in Health International (http://www.saluteinternazionale.info/2012/10/vaccinazioni-frodi-fedi-ed-evidenze-scientifiche/), 22 de outubro de 2012, pp. 1-3.
13. Ver o website do CESNUR (http://www.cesnur.com/gruppi-teosofici-e-post-teosofici/ la-societa-antroposofica/).
14. Também sobre este grupo religioso, ver o website do CESNUR (http://www.cesnur. com/la-corrente-metafisica-e-i-movimenti-cristiani-di-guarigione/la-christian-science).
15. https://scienzacristianadotnet.wordpress.com/domande-e-risposte/
16. https://www.christianscience.com/press-room
17. https://scienzacristianadotnet.wordpress.com/domande-e-risposte/
18. http://www.labiolca.it/rubriche/vaccini-e-salute/ccosa-dicono-la-chiesa-cattolica-lislam-il-giudaism-and-their-witnesses/
19. Ver J. D. GRABENSTEIN, “What the World’s religions teach, applied to vaccines and immune globulines,” in Vaccine, 31 (2013), nº 16, pp. 2011-2013.
20. O Jainismo é uma religião do subcontinente indiano que é considerada heterodoxa do Hinduísmo, com a qual, no entanto, partilha alguns aspetos, como a não violência, que
também se reflete nas suas regras alimentares. Cf. A. FUCCILLO, The Food of the Gods. Diritto, religioni, mercati alimentari, Giappichelli, Torino, 2015, pp. 82-93; A. PELISSERO, “Food rules in the Hindu tradition”, in A. G. CHIZZONITI (ed.), Food, religion and law. Nourishment for body and soul, Libellula, Tricase, 2015, pp. 185-201. Sobre o Hinduísmo em geral, com referências também ao Jainismo, ver H. P. GLENN, Legal Traditions in the World. The sustainability of difference, Bolonha, il Mulino, 2011, pp. 455-499.
21. Sobre regras alimentares no Judaísmo ver S. DAZZETTI, “Le regole alimentari nella tradizione hebraica”, in A. G. CHIZZONITI (ed.), Cibo e religione: Diritto e diritti, Libellula, Tricase, 2010, pp. 87-109. Sobre as regras alimentares islâmicas ver L. ASCANIO, “Le regole alimentari nel diritto muçulmano”, in A. G. CHIZZONITI (ed.), Cibo e religione, cit., pp. 63-84.
22. Ver J. D. GRABENSTEIN, “What the World’s religions teach”, cit., p. 2015.
23. Ver o website da organização, criado por iniciativa da Federação das Organizações Islâmicas na Europa, em https://www.e-cfr.org/).
24. Cf. A. I. PADELA, S. W. FURBER, M. A. KHOLWADIA, E. MOOSA, “Dire Necessity and Transformation: Entry Points for Modern Science in Islamic Bioethical Assessment of Porcine Products in Vaccines,” in Bioethics, 2014, pp. 1-8 (https://onlinelibrary. wiley.com/doi/abs/10.1111/bioe.12016). A regra legal da istihala também é relatado numa opinião dada pelo Dar Al-Ifta Al-Missriyyah, um instituto ligado ao governo egípcio e um centro para estudo do Islão e da lei islâmica: in https://www.dar-alifta.org/Foreign/ ViewFatwa.aspx?ID=9396.
25. Ver J. D. GRABENSTEIN, “What the World’s religions teach,” cit., pp. 2016-2018.
26. Tem havido casos de ataques armados em clínicas de vacinação na Nigéria, no Afeganistão e no Paquistão. Em Queta, um terrorista realizou um ataque num centro de vacinação anti pólio, em janeiro de 2016, deixando 15 pessoas mortas. Em setembro de 2015, um centro de imunização em Peshawar tinha sido assaltado e, pelo menos, seis pessoas mortas.
27. O texto deste documento pode ser encontrado em: http://www.mednat.org/vaccines/ production_vaccines_from_human_fetuses_aborted_cells.pdf.
28. Nota sobre o uso de vacinas, 31 de julho de 2017, publicada em http://www.academy forlife.va/content/pav/en/the-academy/activity-academy/note-vaccines.pdf
29. Os Amish, além de não se vacinarem, não deixam que os seus filhos frequentem as escolas públicas, porque acham que a lei que impõe a escolaridade obrigatória é contrária à sua fé: sobre isto, ver a decisão do Supremo Tribunal dos E.U.A., Wisconsin v. Yoder, 406 U.S. 205 (1972).
30. Casos de recusa de tratamento médico para os seus filhos por parte de pais pertencentes a esta congregação são relatados por P. A. OFFIT, “Bad Faith”, in R. FRETWELL WILSON (ed.), The Contested Place of Religion in Family Law, Cambridge University Press, CambridgeNew York, 2018, pp. 285-307. O autor também relata o episódio de uma epidemia de sarampo que surgiu em Filadélfia, em 1990, que resultou na morte de uma quantidade de crianças, crianças de crentes desse grupo religioso, que não tinham sido vacinadas e a quem os pais também negaram acesso a cuidados médicos depois de terem contraído a doença (pp. 287-293).
31. Ver J. D. GRABENSTEIN, “What the World’s religions teach”, cit., pp. 2015-2016.
32. Ver M. TOMASI, “Vaccines and public health: comparative paths in the balance between individual rights and solidarity duties”, in Comparative and European Public Law, 2017, 2, p. 463.
33. Ver A. NOVAK, “The Religious and Philosophical Exemptions to State-Compelled Vaccination: Constitutional and Other Challenges”, in University of Pennsylvania Journal of International Law, 7 (2005), pp. 1101-1117.
34. Ver D. RUBINSTEIN REISS, “Thou Shalt Not Take the Name of the Lord Thy God in Vain: Use and Abuse of Religious Exemptions from School Immunization Requirements”, in Hastings Law Journal, 65 (2014), pp. 1567 e 1568 e pp. 1586-1588.
35. Ver Jacobson v. Massachusetts, 197 U.S., 11 (1905); Zucht v. King, 260 U.S., 174 (1922). Um breve comentário sobre os dois julgamentos em H. LU, “Giving Families their Best Shot: A Law-Medicine Perspective on the Right to Religious Exemptions from Mandatory Vaccination”, in Case Western Reserve Law Review, 63 (2013), pp. 875-877.
36. Prince v. Massachusetts, 321 U.S. at 158 (1944). O caso tinha a ver com um menino de nove anos que a avó, Testemunha de Jeová, mandou vender literatura religiosa. O Supremo Tribunal começa com o caso específico para estabelecer um princípio geral, nomeadamente que a proteção da liberdade religiosa dos pais, ou de quem exerce o poder parental, sobre uma criança, nunca pode anular a necessária proteção dos melhores interesses da criança.
37. Prince v. Massachusetts, 321 U.S., pp. 166 e 167 (1944).
38. Ver E. CARA, “County Bans Unvaccinated Minors From Entering Public Spaces, a First in the U.S.”, in Gizmodo, 27 de março de 2019, em https://www.gizmodo.com.au/2019/03/ county-bans-unvaccinated-minors-banned-from-entering-public-spaces-a-first-in-the-us/ (consultado em 15 de maio de 2019); M. GOLD, T. PAGER, “New York Suburb Declares Measles Emergency, Barring Unvaccinated Children from Public”, in The New York Times, 26 de março de 2019, https://www.Nytimes.com/2019/03/26/nyregion/measles-outbreak-rockland-county.html (consultado em 15 de maio de 2019).
39. In https://www.governor.wa.gov/sites/default/files/proclamations/19-01%20State%20 of%20 Emergency.pdf?utm_medium=email&utm_source=govdelivery (consultado em 15/05/2019).
40. Declaração sobre Vacinação, feita pela OU e pelo Conselho Rabínico da América, 14 de novembro de 2018 (em https://www.ou.org/news/statement-vaccinations-ou-rabbinical-council-america/ - consultado a 15 de maio de 2019).
41. Cf. M. EHRENKRANZ, “Scientology’s Flagship Boat Has Been Quarantined After A Confirmed Case Of The Measles”, in Gizmodo, 3 de maio de 2019, em https://www.gizmodo. com.au/ 2019/05/scientologys-flagship-boat-has-been-quarantined-after-a-confirmed-case-of-the-measles/ (consultado a 15 de maio de 2019).
42. Ver E. CHEMERINSKY, M. GOODWIN, “Religion Is Not a Basis for Harming Others: Review Essay of Paul A. Offit’s Bad Faith: When Religious Belief Undermines Modern Medicine”, in The Georgetown Law Journal, 104 (2016), p. 1122; A. NOVAK, “The Religious and Philosophical Exemptions to State-Compelled Vaccination”, cit., pp. 1115-1120. Ver, também, M. A. HAMILTON, “Let’s Restore the Public Good to a Place of Honor and End Vaccination Exemptions other Than Those Absolutely Necessary, in Verdict – Legal Analysis and Commentary from Justia, 26 de Agosto de 2019, postado em https://verdict.jus-
tia.com/2019/08/26/lets-restore-the-public-good-to-a-place-of-honor-and-end-vaccination-exemptions-other-than-those-absolutely-necessary (consultado em 7 de fevereiro de 2020).
43. Ver L. E. LEFEVER, “Religious Exemptions from School Immunization: A Sincere Belief or a Legal Loophole”, in Penn State Law Review, 110 (2006), pp. 1047 e 1048, 1062 e 1063.
44. Ver L. FRIEDMAN ROSS, T. J. ASPINWALL, “Religious Exemptions to the Immunization Statutes: Balancing Public Health and Religious Freedom”, in The Journal of Law, Medicine & Ethics, 25 (1997), pp. 202-204.
45. Ver M. A. HAMILTON, “The Vaccine for Pollyanna, Attitudes Toward Public Health and Religious Beliefs: Religious Exemptions for Vaccinations and Medical Neglect Need to Be Repealed Now and the Federal Government (and the Insurance Industry) Need to Incentivize the States to Do So, in Verdict - Legal Analysis and Commentary from Justia, 12 de fevereiro de 2015, pp. 5 e 6 (publicado em https://verdict.justia.com/2015/02/12/vaccine-pollyanna-attitudes-toward-public-health-religious-beliefs – consultado em 7 de fevereiro de 2020). Ver, também, M. A. HAMILTON, “Children Have a Right to Live and Be Vaccinated, and Two Legal Reforms Are Needed”, in Verdict – Legal Analysis and Commentary from Justia, 28 de abril de 2019, em https://verdict.justia.Com/2019/ 04/28/children-have-a-right-to-live-and-be-vaccinated-and-two-legal-reforms-are-needed (consultado em 7 de fevereiro de 2020).
46. Cf. M. CABURAL SUMMERS, “New York State Legislature Passes Bill Ending Religious Exemptions to Vaccinations”, 13 de junho de 2019, em https://usaherald.com/ new-york-state-legislature-passes-bill-ending-religious-exemptions-vaccinations/ (consultado em 22 de julho de 2019).
47. O texto da lei em https://nyassembly.gov/leg/?default_fld=&leg_video=&bn=A02371& term=2019&Summary=Y&Actions=Y&Text=Y (consultado em 22 de julho de 2019).
48. No estado de Washington, Act Nº 1638 de 3 de maio de 2019 (em https://app.leg. wa. gov/billsummary?BillNumber=1638&Initiative=false&Year=2019 – consultado em 7 de fevereiro de 2020), no Maine, Act No. 586 de 12 de fevereiro de 2019 (em https://legislature. maine.gov/bills/display_ps.asp?PID=1456&snum=129&paper=HP0586 – consultado em 7 de fevereiro de 2020).
49. Ver, para um breve comentário sobre esta lei, D. RUBINSTEIN REISS, “Vaccines, School Mandates, and California’s Right to Education”, in UCLA Law Review Discourse, 98 (2015), pp. 100-108. O texto da medida está postado em https://leginfo.legislature. ca.gov/faces/billNavClient.xhtml?bill_id=201520160SB277 (consultado em fevereiro de 2020). Em 2016, a lei foi desafiada, mas o tribunal distrital da Califórnia, em Whitlow v. California, 203 F. Supp. 3d, 1079 (2016), decidiu que a exclusão de crianças não vacinadas da escola é uma medida proporcionada ao interesse protegido do estado, nomeadamente evitar epidemias e proteger a saúde de outras crianças e da população em geral. Os deveres de solidariedade prevalecem sobre a liberdade individual. Ver M. TOMASI, “Vaccines and Public Health”, cit., pp. 465-467.
50. Brown v. Stone, 378 So. 2d at 218 (Miss. 1979).
51. Uma vista geral atualizada das medidas legislativas sobre a vacinação obrigatória e sobre as isenções nos estados individuais, está publicada no website da Conferência Nacional das Legislaturas Estatais, onde todos os textos legislativos também podem ser consultados:
https://www.ncsl. org/research/health/school-immunization-exemption-state-laws.aspx (consultado em 7 de fevereiro de 2020).
52. A Lei da Restauração da Liberdade Religiosa foi implementada em 1993 pelo Congresso dos Estados Unidos da América para proteger melhor a liberdade religiosa individual. Indica que, no caso de leis que afetem o exercício do direito à liberdade religiosa, o tribunal deve aplicar ao caso o teste de escrutínio estrito, isto é, um teste para saber se essa limitação é estritamente necessária para garantir um interesse público mais elevado. O teste foi desenvolvido na jurisprudência do Supremo Tribunal desde os anos de 1960. Para um comentário sobre a Lei de Restauração da Liberdade Religiosa, ver M. L. LO GIACCO, “La tutela della libertà religiosa negli U.S.A.. Il Religious Freedom Restoration Act”, in R. COPPOLA, L. TROCCOLI (eds.), Minorities, Secularity, Religious Factor.” Studi di diritto internazionale e di diritto ecclesiastico comparato, Cacucci, Bari, 1997, pp. 245-264.
53. Ver R. BUCCHIERI, “Religious Freedom versus Public Health: the Necessity of Compulsory Vaccination for Schoolchildren”, in Boston University Public Interest Law Journal, 265 (2016), pp. 266 e 267; R. D. SILVERMAN, “No More Kidding Around: Restructuring Non-Medical Childhood Immunization Exemptions to Ensure Public Health Protection”, in Annals of Health Law, 12 (2003), nº 2, p. 283.
54. Ver S. CLARKE, A. GIUBILINI, M. J. WALKER, “Conscientious Objection to Vaccination”, in Bioethics, 31 (2017), nº 3, pp. 155-161.
55. Cf. R. BARKER, “No Jab-No Pay, No Jab-No Play, No Exceptions: The Removal of Conscientious and Religious Exemptions from Australia’s Childhood Vaccination Policies”, in Quaderni di Diritto e Politica Ecclesiastica, 2015, nº 2, pp. 515-518.
56. Ver M. TOMASI, “Vaccines and Public Health”, cit, pp. 459-461.
57. Ver M. TOMASI, “Vaccines and Public Health”, cit., pp. 460-463.
58. Ver M. TOMASI, “Vaccines and Public Health”, cit., pp. 467 e 468.
59. As sentenças do Tribunal Constitucional da República Checa são citadas em M. TOMASI, “Vaccines and Public Health”, cit., pp. 470 e 471.
60. Julgamentos citados em S. PENASA, “Vaccine Obligations: an itinerary in comparative constitutional jurisprudence”, in Quaderni Costituzionali, 2018, nº 1, pp. 54, 69.
61. Ver “Measles epidemic in Madagascar, over 1200 deaths”, in La Stampa, 14 de abril de 2019, em https://www.lastampa.it/esteri/2019/04/14/news/epidemia-di-morbillo-in-madagascar-oltre-1200-morti-1.33695171 (consultado em 23 de julho de 2019).
62. Ver A. VIGNE, “Measles epidemic in Madagascar, over 1200 deaths”, in il Giornale.it, 14 de abril de 2019, em http://www.ilgiornale.it/news/mondo/epidemia-morbillo-madagascar-oltre-1200-morti-1679287.html (consultado em 23 de julho de 2019).
63. Cf. K. RICCARDI, “Samoa islands, measles outbreak: red flags to flag the unvaccinated. Mass immunisation started”, in Repubblica.it, 5 de dezembro de 2019 (https://www. repubblica.it/ esteri/2019/12/05/news/isole_samoa_polinesia_emergenza_morbillo_ ba ndiere_rosse-242635936/).
64. Isto é relatado em https://www.unicef.it/doc/9534/congo-il-morbillo-sta-mietendo-vittime-tra-i-bambini-pi-di-5000-sono-morti-dallinizio-dellanno.htm (consultado em 7 de fevereiro de 2020).
65. A jurisprudência constitucional colombiana é citada por S. PENASA, “Vaccination Obligations”, cit., pp. 53 e 54.
66. S. PENASA, “Obblighi vaccinali”, cit., p. 60, também é dessa opinião. 67. http://www.euro.who.int/_data/assets/pdf_file/0007/255679/WHO_EVAP_UK_ v30_WEBx.pdf 68. Ver p. 5 do documento. 69. http://www.epicentro.iss.it/temi/vaccinazioni/ObbligoVaccinale.asp 70. http://www.epicentro.iss.it/temi/vaccinazioni/pdf/TESTO_Commissione_definitivo.pdf 71. http://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2017/08/05/17A05515/sg
72. http://www.gazzettaufficiale.it/eli/id/2017/08/5/17G00132/sg
73. Cf. F. ZUOLO, “L’obiezione di coscienza alle vaccinazioni obbligatorie: un profilo legislativo e conceptettuale”, Relazione al Forum sul BioDiritto (Trento 28 e 29 de maio de 2008), p. 6 (em http://www.medicinenaturali.net/vaccini/Zuolo.pdf).
74. Sobre o processo legislativo que levou à implementação da Lei Nº 119 de 2017, ver D. CODUTI, “La disciplina sulle vaccinazioni obbligatorie alla prova di forma di stato e forma di governo”, in Rivista AIC, Nº 3/2018, pp. 605-638 (www.rivistaaic.it).
75. Ver G. MANFREDI, “Vaccinazioni obbligatorie e precauzione, in Giurisprudenza Italiana, Junho de 2017, p. 1421.
76. F. PIZZOLATO, “Mutations of economic power and new images of freedom”, in Costituzionalismo.it, 2017, fasc. 3, p. 2.
77. Cf. A.M. LORUSSO, Postverità, Roma-Bari, Laterza, 2018.
78. Ver C. MAGNANI, “I vaccini e la Corte costituzionale: la salute tra interesse della collettività e scienza nelle sentenze 268 del 2017 e 5 del 2018”, in Forum di Quaderni Costituzionali, 12 de abril de 2018, p. 1 (http://www.forumcostituzionale.it/wordpress/).
79. A sentença foi publicada no website de uma organização contrária às vacinas: http:// www.comilva.org/wp-content/uploads/2014/09/Sentenza_TdL_Rimini_marzo2012.pdf. Sobre este assunto, S. TAFURI, D. MARTINELLI, R. PRATO, C. GERMINARIO, “Obbligo vaccinale e diritto alla salute: il valore della giurisprudenza nella pratica di sanità pubblica italiana”, in Annali di igiene: medicina preventiva e di comunità, 2012, n. 24, p. 196, observam que o Ministério da Saúde nãi tinha tomado uma posição e que o perito nomeado pelo juiz era um bem-conhecido ativista anti vacinação.
80. Tribunal de Busto Arsizio, sentença de 2 de dezembro de 2009, nº 413, em http://www. comilva. org/wp-content/uploads/2014/09/20091202_Trib_BA_SL_413-09.pdf.
81. O texto desta sentença também pode ser lido em: http://www.comilva.org/wp-content/ uploads/2014/08/TdL_Pesaro_260-13_20130701.pdf.
82. A ideia de que o autismo é causado por vacinas foi avançada por Andrew Wakefield num estudo publicado no jornal The Lancet, em 1998. Uns anos mais tarde, quando a investigação se revelou não confiável, o jornal retirou a publicação e Wakefield foi expulso da Associação Médica Britânica.
83. Tribunal de Cassação, Sec. VI Civ., Ordem Nº 24959 de 23 de outubro de 2017.
84. Ver F. MINNI, A. MORRONE, “Il diritto alla salute nella giurisprudenza della corte costituzionale italiana”, in Rivista AIC, nº 3/2013, pp. 3-6 (www.rivistaaic.it). Ver, também, mais em geral, M. CARTABIA, “La giurisprudenza costituzionale relativa all’art. 32, secondo comma, della Costituzione italiana”, in Quaderni costituzionali, 2012, 2, pp. 455-479.
85. Cf. L. CARLASSARE, “Solidarity: a political project”, in Costituzionalismo.it, nº 1/2016, pp. 46-52.
86. Cf. P. CONSORTI, Diritto e religione, 2ª ed., Laterza, Roma-Bari, 2014, p. 143.
87. Ver L. PRINCIPATO, “Obbligo di vaccinazione, ‘potestà’ genitoriale e tutela del minore”, in Giurisprudenza Costituzionale, 2017, 6, p. 3139. Em geral, ver M. L. LO GIACCO, “Il superiore interesse del bambino come limite alla libertà religiosa dei genitori”, in Giurisprudenza Italiana, 2019, pp. 782-786; P. MOROZZO DELLA ROCCA, “Responsabilità genitoriale e libertà religiosa”, in Il diritto di famiglia e delle persone, 2012, 4, pp. 1712-1715.
88. A. SPERTI, “Objections of conscience and fears of complicity”, in Federalismi.it, nº 20/2017 (25 de outubro de 2017), pp. 7 e 8.
89. Sobre o melhor interesse das crianças, ver, muito recentemente, E. LAMARQUE, Prima i bambini. Il principio dei best interests of the child nella prospettiva costituzionale, Franco Angeli, Milan, 2016.
90. Prince v. Massachusetts, 321 U.S. em 170 (1944). Para um comentário, ver T. J. ASPINWALL, “Religious Exemptions to Childhood Immunization Statutes: Reaching for a More Optimal Balance Between Religious Freedom and Public Health”, in Loyola University Chicago Law Journal, 29 (1997), pp. 118-125.
91. Sobre a sentença Nº 5/2018 ver G. PASCUZZI, “Vaccines: which strategy”, in Foro Italiano, 2018, I, pp. 737-741; U. ADAMO, “Materia ‘non-democratic’ e ragionevolezza della legge”, in Consulta online, 2018, I, pp. 296-317; A. IANNUZZI, “L’obbligatorietà delle vaccinazioni a giudizio della Corte costituzionale fra rispetto della discrezionalità del legislatore statale e valutazioni medico-statistiche”, in Consulta online, 2018, I, pp. 87-96; L. PEDULLÀ, “Vaccinazioni obbligatorie e dovere di solidarietà costituzionale (alla luce della sent. nº 5 del 2018 della Corte cost.)”, in www.forumcostituzionale.it, 11 de setembro de 2018.
92. Ver A. MADERA, “New forms of conscientious objection between burdens on religious freedom and third-party burdens. A comparative analysis of the jurisprudence of the U.S. Supreme Court and the Strasbourg Court”, in State, Churches and Confessional Pluralism, cit., nº 16, 2017, p. 30.
93. E.C.H.R., Grand Chamber, Bayatyan et al. v. Armenia, 7 de julho de 2011 (Nº 23459/03) em https://hudoc.echr.coe.int/eng#{%22itemid%22:[%22001-105611%22]}.
94. Sobre esta sentença, que confirma um direito à objeção de consciência, ver N. HERVIEU, “Liberté de religion (Art. 9 CEDH): Reconnaissance conventionnelle du droit à l’objection de conscience”, in State, Churches and Confessional Pluralism, cit., setembro de 2011.
95. E.C.H.R., Mushfig Mammadou et autres v. Azerbaidjan, 17 de outubro de 2019 (Nº 14604/08, transitou em julgado em 17 de Janeiro de 2020), em https://hudoc.echr.coe.int/ eng#{%22itemid%22: [%22001-197066%22]}.
96. E.C.H.R., Solomaikhin v. Ukraine, dec. 24429/03.
97. Para um breve comentário sobre a sentença, ver S. SCALA, “Le vaccinazioni nell’Unione
Europea tra la tutela del diritto alla salute e libertà di coscienza”, in Diritto & Religioni, 2015, 2, pp. 308-312.
98. Ver o comunicado de imprensa do Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (em: https://hudoc. echr.coe.int/eng-press#{%22fulltext%22:[%22Vavricka%22]}).
99. Nº 335 da fundamentação.
100. Esta decisão do Tribunal Constitucional Court também é lembrada por D. PARIS, L’obiezione di coscienza. Studio sull’ammissibilità di un’eccezione dal servizio militare alla bioetica, Passigli editori, Bagno a Ripoli, 2011, p. 133. O mesmo autor, no entanto, afirma que o reconhecimento da objeção de consciência à vacinação obrigatória pode ‘ser fundamentada desde que a pessoa se enfrente com uma profunda convicção interior contra a vacinação per se’ (p. 135).
101. Expressão usada pelo Papa Francisco numa mensagem em vídeo sobre a campanha de vacinação contra a Covid-19, 18 de agosto de 2021, relatada por Avvenire.it https://www. avvenire.it/papa/pagine/il-papa-vaccinarsi-e-un-atto-d-amore (consultado em 6 de outubro de 2021).
102. Ver a Conferência de Imprensa do Santo Padre, durante o voo de regresso de Bratislava, 15 de setembro de 2021, in https://www.vatican.va/content/francesco/it/speeches/2021/september/ documents/20210915-bratislava-volo-ritorno.html (consultado no dia 28 de setembro de 2021).
103. Trata-se do Card. L. R. Burke, antigo Presidente do Tribunal da Assinatura Apostólica, que contraiu o vírus nos Estados Unidos da América em Agosto de 2021, chegando a estar nos cuidados intensivos. A notícia foi relatada por muitos órgãos informativos.
104. Cf. S. RENDA, “‘I don’t vaccinate myself, I believe in God’: the latest no vax cunning to avoid the injection”, in Huffpost, 15 de setembro de 2021, https://www.huffingtonpost.it/entry/non-mi-vaccino-credo-in-dio-lultima-furbizia-no-vax-per-evitare-liniezione_it_6141c6c9e4b0dda4cbd65038 (consultado a 29 de setembro de 2021); G. GIORGI, “‘No vaccine, the Bible tells me so’: in the USA the new frontier of the No vax in the name of religion”, in Open, 16 de setembro de 2021, https://www.open.online/2021/09/16/covid-19-usa-no-vax-religione/ (consultado em 29 de setembro de 2021).
105. Em https://press.vatican.va/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2020/ 12/21/0681/01591.html (consultado em 30 de setembro de 2021).
106. Entrevista com o Papa Francisco, 9 de janeiro de 2021, relatada em https://www.ilfattoquotidiano.it/2021/01/09/papa-eticamente-tutti-devono-vaccinarsi-lo-faro-anche-io-in-gioco-la-salute-ma-anche-la-vita-di-altri-inspiegabile-il-negazionismo-suicida/6060483/ (consultado a 5 de outubro de 2021). Na mesma entrevista, o Papa chamou ‘suicida’ ao negacionismo daqueles que rejeitam a vacinação.
107. Mensagem Urbi et Orbi do Santo Padre Francisco. Natal de 2020, em https://www.vatican.va/content/francesco/it/messages/urbi/documents/papa-francesco_20201225_urbi-et-orbi-natale.html (consultado em 5 de outubro de 2021).
108. A notícia em https://www.repubblica.it/cronaca/2021/07/25/news/vaccini_oms_rassicura_i_musulmani-311669996/(consultado em 30 de setembro de 2021).
109. O document em https://www.iifa-aifi.org/wp-content/uploads/2021/03/IIFASymposium-on-Anti-Covid-19-Vaccines-Feb-2021.pdf (consultado em 30 de setembro de 2021). O simpósio foi organizado pela Organização para a Cooperação Islâmica.
110. O zakat, que é considerado um dos assim chamados cinco pilares do Islão, é um imposto religioso que todos os muçulmanos pagam todos os anos para obras de caridade e para organizações humanitárias.
111. A fatwa, na lei Islâmica, é uma opinião religiosa, cuja força executiva deriva da autoridade da fonte que a propos; não é, portanto, uma norma: ver P. CONSORTI, “Fatwa e diritto statale”, 5 de junho de 2021, em https://people.unipi.it/pierluigi_consorti/fatwa-e-diritto-statale/.
112. A notícia é relatada por S. VERRAZZO, Al-Azhar: “Vaccinating oneself is not violating Ramadan”, in Avvenire.it, 14 de abril de 2021, https://www.avvenire.it/mondo/pagine/ al-azhar-immunizzarsi-non-e-violare-il-ramadan (consultado a 4 de outubro de 2021).
113. Em http://www.xinhuanet.com/english/2021-04/22/c_139898931.htm (consultado em 23 de abril de 2021).
114. Ver a Declaração em http://eumuslims.org/en/media-centre/news/uk-muslims-urged-get-covid-19-jab-during-ramadan (consultado a 23 de abril de 2021).
115. Cf. S. N. ALI - W. HANIF - K. PATEL - K. KHUNTI, “Ramadan and Covid-19 vaccine hesitancy – a call for action”, in www.thelancet.com, 17 de abril de 2021, vol. 397, 1443 e 1444.
116. Ver Rabi M. PELTZ, “Vaccination and Ethical Questions Posed by COVID-19 Vaccines”, in https://www.rabbinicalassembly.org/sites/default/files/2021-01/ Vaccination%20and%20Ethical%20Questions%20Posed%20by%20COVID-19%20 Vaccines%20-%20Final.pdf (consultado em 4 de outubro de 2021). Ver, também, D. GOLINKIN, “Does halakhah require vaccination against dangerous diseases such as measles, rubella, polio and Covid-19?”, in https://www.rabbinicalassembly.org/sites/ default/files/2021-01/Golinkin%20vaccination%20final.pdf (consultado no dia 4 de outubro de 2021).
117. Ver Rav A. M. SOMEKH, “Covid vaccine, what the Halakhah says”, in moked, 31 de dezembro de 2020, https://moked.it/blog/2020/12/31/vaccino-anti-covid-cosa-dice-la-halakhah/ (consultado a 4 de outubro de 2021).
118. O blog Religion Clause, editado por H. FRIEDMAN (http://religionclause.blogspot. com), relata esses casos.
119. Ver o apelo em https://mediacentre.christianaid.org.uk/world-religious-leaders-call-for-massive-increases-in-production-of-covid-vaccines-and-end-to-vaccine-nationalism/ (consultado em 9 de setembro 2021). Ver também G. COURTENS, “Religious leaders for a ‘common good’ vaccine”, in Vocevangelica, 28 de abril de 2021 https://www.voceevangelica.ch/ voceevangelica/home/2021/04/Mondo-leader-religiosi-vaccino-bene-comune-Covid-19. html (consultado em 29 de setembro de 2021).
120. O texto da declaração conjunta em https://www.oikoumene.org/resources/documents/ invitation-to-reflection-and-engagement-on-ethical-issues-related-to-covid-19-vaccine-distribution (consultado em 29 de setembro de 2021).
121. Ver o apelo do Papa Francisco: “‘Vaccinating is an act of love, let us collaborate’”, in la Repubblica, 18 de Agosto de 2021, https://www.repubblica.it/vaticano/2021/08/18/news/l_ appello_di_papa_francesco_vaccinarsi_e_un_atto_di_amore_collaboriamo_-314398608/ (consultado a 29 de setembro de 2021).
122. https://www.rainews.it/dl/rainews/articoli/Covid-Dalai-Lama-riceve-la-prima-dosedi-vaccino-d401ad0f-e9ca-4775-8c59-2556278d9673.html (consultado a 29 de setembro de 2021).
123. Riforma.it, 11 de junho de 2021, https://riforma.it/it/articolo/2021/06/11/covid-19-i-leader-religiosi-esortano-il-g7-porre-fine-alla-disuguaglianza-dei (consultado a 30 de setembro de 2021).
124. Ver o texto da carta em https://www.lefigaro.fr/vox/societe/etre-vaccine-c-est-etre-le-gardien-de-son-frere-20210722 (consultado em 30 de setembro de 2021).
125. Cf. M. L. LO GIACCO, “Fraternity. A proposal of religions to states to overcome the Covid-19 emergency”, in www.diresom.net
126. Ver a iniciativa ‘vacina suspensa’ em https://www.elemosineria.va/un-vaccino-per-i-poveri/?lang=it (consultado em 5 de outubro de 2021).
127. Cf. D. BARFIELD BERRY, “Faith groups step up to host vaccine sites. Why churches are key places, especially for people of color”, in USA Today News, 24 de fevereiro de 2021, https://eu.usatoday.com/story/news/nation/2021/02/24/covid-vaccine-sites-churches-offer-vaccinations-help-us-rollout/4550240001/ (consultado em 5 de outubro de 2021); C. BUNN, “Black churches have become indispensable in Covid-19 vaccination effort”, in NBC News, 8 de março de 2021, https://www.nbcnews.com/news/nbcblk/black-churches-become-indispensable-covid-19-vaccination-effort-rcna364 (consultado a 5 de outubro de 2021).
128. https://faiths4vaccines.org/
129. A notícia é relatada no website ASL Roma1 https://www.aslroma1.it/eventi/apertura-hub-vaccinale-sant-egidio (consultado em 5 de outubro de 2021).
130. Ver A. YENDELL - O. HIDALGO - C. HILLENBRAND, The Role of Religious Actors in the COVID-19 Pandemic: a theory-based empirical analysis with policy recommendations for action, Stuttgart, ifa-Edition Kultur und Außenpolitik, 2021, https://jliflc.com/wp-content/ uploads/2021/08/ssoar-2021-yendell_et_al-The_Role_of_Religious_Actors.pdf
Ibrahim Salama & Michael WienerRESPONDENDO ÀS PANDEMIAS: APRENDIZAGEM ENTRE PARES COM O KIT #FAITH4RIGHTS
1. https://www.ohchr.org/Documents/Press/faith4rights-toolkit.pdf.
2. Ver https://news.eud.adventist.org/en/all-news/news/go/2019-12-23/faith-for-right/
3. #Faith4Rights, https://www.ohchr.org/Documents/Press/faith4rights-toolkit.pdf, p. 4.
4. Declaração de Beirute e os seus 18 compromissos sobre “Faith for Rights”, https://www. ohchr.org/Documents/Press/Faith4Rights.pdf.
5. https://www.ohchr.org/en/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=24531 &LangID=E
6. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=21451& LangID=E
7. https://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/CEDAW/Statements/CEDAW_statement_COVID-19_final.doc. 8. https://www.facebook.com/watch/live/?v=635014984024247&ref=watch_permalink. 9. https://www.facebook.com/watch/live/?v=598898111012437&ref=watch_permalink. 10. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25757& LangID=E 11. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25800& LangID=E 12. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25814& LangID=E
13. https://undocs.org/CCPR/C/128/2https://undocs.org/CCPR/C/128/2
14.https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Minorities/UN_Network_Racial_Discrimination_Minorities_COVID.pdf 15. https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Minorities/AnnotatedChecklist.docx 16. https://rfp.org/statement-by-religions-for-peace-on-coronavirus-crisis/ 17. https://www.who.int/publications-detail-redirect/practical-considerations-and-recommendations-for-religious-leaders-and-faith-based-communities-in-the-context-of-covid-19 18. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/DisplayNews.aspx?NewsID=25909& LangID=E 19. https://www.ohchr.org/Documents/Issues/Religion/GlobalPledgeActionConcept.pdf 20. http://www.vatican.va/content/francesco/en/travels/2019/outside/documents/papa-francesco_20190204_ documento-fratellanza-umana.html 21. https://www.youtube.com/watch?v=3lSQ5KVDqz0&t=5m7s 22. https://www.youtube.com/watch?v=dlYpCBxj2Gg&t=74m42s 23. Ferramentas #Faith4Rights, https://www.ohchr.org/Documents/Press/faith4rights-toolkit.pdf, cenário G, p. 96.
24. Ver Joachim P. Sturmberg, “If You Change the Way You Look at Things, Things You Look at Change. Max Planck’s Challenge for Health, Health Care, and the Healthcare System”, in: J. Sturmberg (ed) Embracing Complexity in Health (Springer, Cham, 2019). https://doi. org/10.1007/978-3-030-10940-0_1
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Gabinete do Alto-Comissário para os Direitos Humanos das NU (OHCHR). “UN expert warns against religious hatred and intolerance during COVID-19 outbreak.” Genebra, 22 de abril de 2020. https://www.ohchr.org/EN/NewsEvents/Pages/ DisplayNews.aspx?NewsID=25814&LangID=E.
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