CARTA ABERTA Em janeiro de 2022, celebro dez anos de uma daquelas viradas que a vida dá. Coloquei na cabeça que voltaria a trabalhar por mim, mas dando um passo maior, um upgrade daquilo que fiz no final do século XX quando era “frila” das revistas Placar e Já. Refiz contatos, comprei minha primeira câmera digital, reorganizei meu site e fui para as quadras, campos e pistas fotografar o esporte olímpico brasileiro. Já contei essa história antes, no entanto, sempre volto à pergunta inicial que me fez dar o primeiro telefonema: por que? É, tenho que dizer que perto dos 50, ainda guardo uma certa ingenuidade, um tipo de idealismo boboca. Eu achava dez anos atrás (como achei sempre que fiz meus trabalhos) que poderia fazer a diferença e que, como historiador, tinha obrigação de registrar esses momentos. Alguns podem ver como arrogância, eu, de verdade, via como uma missão (falei de ingenuidade, mas muitas vezes é burrice mesmo!!). Começava ali naquele Paulistano e Joinville pelo NBB - a Liga Nacional de Basquete, uma segunda vida que dividiria com a carreira de professor. E ok. Já contei também do quanto minha insegurança só cresceu com o tempo. Sei lá, fruto de relações ruins em todos os níveis dessa dimensão ou falta de uma maior habilidade da minha parte para lidar com a invisibilidade, falta de reconhecimento, julgamento e rejeição. Não foram poucas vezes nesses dez anos, enquanto esperava o ônibus pra ir fotografar, que me perguntei: por que insistir? “O que estou ganhando com tudo isso?” Também se juntou à ladainha. Bom, em 2017, nasceu a Portrait Fanzine, meu sonho de jornalista, ter minha própria revista. Agora havia um espaço para trazer mais reflexões sobre tudo, inclusive sobre a minha pessoa. Por que insistir? A questão martelando cada vez mais forte nessa cabecinha velha e cansada de guerra. Chegamos, então, a esse número da PF. Tanto a entrevista com Felipe Souza quanto o depoimento de Tati Simone apresentam grandes debates e propostas para se discutir temas que não podem sair da nossa pauta. Políticas públicas de esporte e o papel do negro na sociedade brasileira (no caso do texto da Tati, que discute a ideia de apagamento cultural e a construção histórica de uma narrativa na qual o negro “seria” inferior ao branco) são discussões mais do que relevantes e fundamentais nesse Brasil da era Bolsonaro. Não é uma questão de mimimi. Longe disso... agora voltemos ao por que insistir? Uma confidência: quase no final da entrevista de Felipe Souza, houve um desabafo dele do tipo “talvez, eu pare!” Felipe falava de basquete há anos, criou o site Esporte Clube Basquete e era uma voz importante sobre o universo do esporte olímpico. E por que verbos no passado? Era? Falava? Quando editava sua entrevista, um pouco antes do Natal, fui ao seu twitter e lá, no dia 10 de dezembro, ele encerrava sua caminhada pelas quadras. Cara, fiquei triste e, olha que doido, me sentindo mais abandonado do que nunca. Felipe tem razão. Talvez, não valha a pena mais “dar soco em ponta de faca”. Por que, então, raios, eu insisto? Embarquemos.
SUMÁRIO
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PROJETO
Alexandre da Costa
IGNORÂNCIA COMO DÁDIVA Depoimento de uma mulher que vive numa sociedade na qual as ideias de igualdade e conviver parecem “sonhos”cada vez mais distantes texto: TATI SIMONE
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racismo, para além da conjuntura, é um sistema que está enraizado na nossa cultura desde o fundamento de nossa ‘civilização’. Sou uma mulher preta de 27 anos, auditora financeira e, como toda pessoa preta, preciso ser sempre dez vezes melhor em tudo para receber o mínimo de reconhecimento. Sinto que tenho feridas que jamais poderia apagar, algumas delas são tão marcantes e latentes, sinto que foram feitas com minhas próprias mãos, como uma fantoche controlada pela mídia, que sempre fez com que me sentisse apagada e não quista, rasguei com a unha minha própria pele. Como uma criança preta periférica, filha de pais pretos, entendi que o racismo estava em minha mãe ser doméstica e ter que ficar parada num canto da sala na ceia de Natal dos patrões, em silêncio, imóvel e mesmo assim, ser ‘como se fosse da família’. O racismo estava quando meu irmão e eu jamais poderíamos sair de casa sem documentos, sem um fio de cabelo fora do lugar, para não causar má impressão e um sermão sobre como agir com a polícia. Minha mãe começou a alisar o meu cabelo quando eu tinha oito anos de idade, devido às microagressões que sempre sofri pela minha estética. Quando era criança, mais ou menos entre 1994 e 2005, minha mãe era doméstica e meu pai segurança, crescemos em uma periferia da zona oeste de São Paulo, em Carapicuíba, entendi bem cedo que havia uma diferença entre pessoas de pele clara e pessoas de pele escura. Percebi na adolescência que meu nariz me incomodava e fui levada a odiar o meu corpo, um corpo magro totalmente dentro dos padrões da sociedade, mas com um único toque que fez com que me odiasse, a melanina, porém... eu como preta de pele clara era tida como mulata, sim... mulata. Mulato é um híbrido en4
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tre cavalos de raça e mulas e, mesmo com esse sinônimo, agradecia por ser mulata, me odeio por ser preta, mas agradeço por ser mulato, o que é menos pior do que ser preta de pele escura, agradecia por isso. Não entendia como eu poderia ser tão excluída na escola. Fui aquela adolescente preta que buscava se encaixar, era a melhor amiga de meninas brancas que gostavam de me ter perto porque eu era a menina que os meninos não tinham como paquera, só como amiga, então... eu sempre fazia os ‘esqueminhas’ de paquera deles, pois não tinha estética desejável, eu era a neguinha, (eu sei o quanto algumas mulheres pretas irão se identificar com esse parágrafo). Mas sempre havia uma parcela de homens, do ciclo social da minha família, em sua maioria numa idade média, que, de alguma forma, conseguia ver beleza nessa adolescente e sempre comentavam: ‘...sua filha vai ser muito bonita, vai dar trabalho quando crescer...’ Dar trabalho? Doze, treze anos eu tinha. Eu entendia que ser mulata era menos pior porque me colocava na poesia, na bossa nova... mulata, bonita, sensual, que samba. Sempre odiei meu corpo magro e minha estética negra, esperava que as curvas que tanto falavam, que tanto me prometeram, chegariam e eu seria, de alguma forma, desejada, coloquei toda minha autoestima dentro de peito e bunda, mas eles nunca apareceram... entende como o racismo é um sistema tão cruel e enraizado e que faz com que crianças pretas odeiem a própria imagem ao 6
ponto de querer se apagar? Nascemos com um destino traçado e esse destino não inclui amor próprio. Vão marginalizar seu corpo de tal forma que vão fazer com que você busque sempre a imagem oposta. Vão fazer com que eu apague meus principais traços, alise meu cabelo, disfarce meu nariz, sexualize meu corpo para que seja querido de alguma forma. Como sempre me considerei mulata, não me via como pessoa preta ao ponto de usar a frase: ‘não fala assim comigo porque eu não sou tuas nega’, e, às vezes, quando, em tom de brincadeira, eu falava: ‘A culpa sempre é do preto’ e sempre algum branco comentava: ‘Não fala assim, você não é preta, você é mulata’, por não me considerar negra, não entendia que esse tal de racismo era comigo. Mas foi em 2017, em uma festa onde havia majoritariamente pessoas pretas, estava numa festa acompanhada de uma menina branca e essa moça me apresentou como ‘minha preta’, então, uma mulher preta, que diferente de mim entendia e defendia sua negritude com orgulho, olhou pra mim e disse: ‘Você não é preta, você é uma branca de pele escura’, essa frase entrou em mim como uma bala e tive crise existencial. Fui pra casa, me olhei por horas em um espelho, ali, naquele momento, comecei a pedir perdão a mim mesma por me odiar tanto. Neste dia, entendi que o racismo era um tumor maligno que já estava enraizado em mim. E, quase de uma forma automática e libertadora, comecei a me tratar deste câncer, conheci Angela Davis, Djamilla Ribeiro, Carolina Maria de Jesus, passei 7
a olhar de outra forma para as divas que já tinha como Nina Simone, Erykah Badu, Lauryn Hill, Beyoncé. Quando comecei a estudar minha história, a cada livro que lia, era como uma sessão de quimioterapia, cada vez que libertava meu vocabulário de um comentário racista, era como uma sessão de radioterapia, quanto mais me reconhecia, me aceitava, mais livre e empoderada me tornava... Minha chave virou de uma forma que chorei um dia na frente do espelho escovando o cabelo, me perguntando por que eu ainda fazia isso, por que eu preciso me esconder ainda? Então, chegou o grande dia, o dia da cirurgia, o dia em que, chorando, cortei o alisamento do meu cabelo, coloquei tranças e chorei tanto, fui tomada por uma energia ancestral que me deu a certeza que havia feito a coisa certa, nossa, como chorei. Saí daquele lugar sentindo como se um quilombo estivesse ao meu lado. E essa sensação nunca mais foi embora. Passei a entender e ver o mundo a partir de outra lente e assim, como toda pessoa negra, também fui tomada por um certo ódio que como um combustível me torna uma guerreira porque não tem como se manter em pé numa sociedade que te força a se apagar se você não tiver um combustível que te move. Esse combustível é abastecido a cada olhada torta, a cada reportagem sobre o assassinato de um corpo negro, é abastecido quando analisamos que somos 63% da população brasileira e que que desses 63%, mais da metade está encarcerada, nas periferias e em subempregos. Quando você desperta e é cons8
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ciente sobre sua condição racial, nada volta a ser como antes, você está numa guerra 100% do seu tempo, o preto é lindo, mas sua pele é alvo. Você precisa estar atento e ser torna um lutador, automaticamente. É aí que entra a dádiva da ignorância. Antes, minha única preocupação era minha estética, passava o tempo descobrindo como ser mais querida, aceita e menos preta, perdia tempo com maquiagem e progressivas para esconder algo que no meu subconsciente era horrível e motivo de vergonha. Me fazia de engraçada fazendo piada com os meus, para dar palco aos meus amigos brancos ‘tinha que ser preto’. Eu não sentia essa dor que me corrói a cada vez que vejo uma mãe preta chorando por perder seu filho para a polícia que mais mata pessoas pretas no mundo. Preciso comentar sobre os 111 tiros, Marielle Franco ou Agatha Felix? Saber que elas foram os alvos atingidos, e que meu alvo ficava cada vez maior a cada grau de aceitação que alcanço e o grau de consciência que alcanço, cresce a cada momento que me aceito mais. Já me olharam torto em restaurantes, já me confundiram com um pedinte. Já fui rejeitada numa entrevista de emprego contra três pessoas brancas, mesmo tendo o melhor currículo e a melhor apresentação, pois ‘não tinha o perfil’, sou sexualizada quase 100% do meu tempo, já apanhei da polícia na rua sozinha, já bati de frente com muita gente. E é tudo isso que me dá gás, ódio, para seguir lutando. Mas cansa ficar no ringue o tempo todo tendo que bater mais forte do que seu braço consegue, estou cansada pra caramba de ser sempre caso, sempre dúvida, sempre testada, sempre subjugada e direcionada a lugares distintos que posso ocupar. Cansa ter que pedir para ser vista como pessoa, pessoa ao invés de produto, objeto e mercadoria, cansada de ter que pedir respeito. Cansada de ter que gritar e me posicionar o tempo todo, senão você é inconsciente, porém preciso continuar aqui e lutar por pessoas que possivelmente como você não ocupam seu lugares ao sol e seguem dormindo, se esquivando, no seu lugar de conforto. Continuarei aqui até você entender que já passaram décadas e você não atualiza esse seu discurso de achar que porque você não sofre com o racismo, ele não existe... até você entender o quanto se anula e começar a lutar, até você, branco, começar a falar sobre racismo porque são vocês que começaram, então, por gentileza, terminem! Obrigada.” 11
Arquivo Pessoal
PRECISAMOS FALAR DO BASQUETE Felipe Souza analisa o desenvolvimento dos jovens atletas brasileiros no mundo da bola laranja e o quanto o país ficou para trás em relação aos concorrentes texto e fotos: ALE DA COSTA
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A confirmação de Gustavo de Conti como novo treinador da seleção brasileira de basquete masculino, em setembro passado, botou fim a um domínio estrangeiro no cargo que já durava treze anos. Antes do atual técnico do Flamengo, o espanhol Moncho Monsalve, o argentino Rubén Magnano e o croata Aleksandar Petrovic comandaram o escrete nacional. Houve um breve período, na Copa América de 2017, em que César Guidetti representou o verde e amarelo no comando técnico. Não deu certo. Gustavo já estreou com duas boas vitórias sobre o Chile, no final de novembro, pela abertura das Eliminatórias da Copa do Mundo 2023. E, parece, que teremos um futuro... certo? Com a aposentadoria de Marquinhos e Alex Garcia da equipe verde e amarela, o caminho se abre para os novos talentos do basquete nacional que, por exemplo, desfilaram em mais uma edição da Liga de Desenvolvimento, a LDB, o campeonato brasileiro para os jovens da bola laranja. O torneio foi encerrado em outubro passado com mais um título do Esporte Clube Pinheiros. Estamos prontos para essa transição? Os novatos darão conta da missão? A base está pronta? Gustavo, em entrevista exclusiva para a Portrait Fanzine depois do título flamenguista no NBB em maio, afirmou que faltam aos garotos mais experiência internacional, “tem que jogar fora sim!”, além da própria seleção ter mais jogos. Posição polêmica. Mas não para por aí. A década de 2010 não foi nada promissora no que se refere à seleção brasileira masculina e sua base. Tratando-se apenas de resultados, a coisa foi feia. Exemplos não faltam. O sub-19 brasileiro não joga um mundial desde 2013, quando terminou em 10º lugar. Já no sub16, o Brasil ficou em quinto lugar nas duas últimas edições da Copa América e não se classificou para o Mundial. Dá para se preocupar sim com o futuro do time principal. Onde não há resultados positivos, não há trabalho sendo bem feito? Não faltam perguntas nessa introdução e à procura de respostas cheguei à Felipe Souza, criador do site Esporte Clube Basquete. Sem temor algum de colocar o dedo na ferida, Felipe bateu um longo papo comigo num tarde de sexta-feira. Ele apontou caminhos, levantou questionamentos importantes, disse o que muitas vezes o mundo do basquete brasileiro não quer ouvir. Em 10 de dezembro passado, num vídeo publicado em sua conta do Twitter, Felipe anun-
ciava o fim dos seus projetos referentes à modalidade. Uma pena!! Quem perde é o basquete. Ahhh, sobre as meninas, falaremos no ano que vem. Portrait Fanzine: A seleção brasileira de base na década de 2010 teve resultados muito fracos. O que isso quer dizer? Brilhar na base significa ser bom no profissional? Os resultados também são reflexos de um trabalho. As posições no ranking mundial são ruins. Tem alguma coisa errada nisso? Felipe Souza: De uma forma geral, tem sim. Quando você se destaca na base é muito bom, é muito legal, mas em que nível está aquele grupo? Você se destacar numa base mediana não te faz alto nível no profissional. Quando você chega no adulto, começa a perceber que muitos fundamentos foram deixados pra trás porque aquela base foi pensada em resultados e títulos. Já vi jogo no Rio de Janeiro, sub-13/sub-14, que se marcava zona. O garoto ganhou o jogo, foi campeão, foi MVP daquela competição... ok, mas isso faz ele ser melhor do que os outros? Na base, eu vejo as equipes privilegiando o resultado final, o título é mais importante. A gente está perdendo esse olhar de que não, o título não é o mais importante. O título é consequência de um bom trabalho, deveria ser. O importante é formar o atleta, o importante é que o jogador chegue no adulto com fundamentos muito bem trabalhados porque é assim que a gente vai formar futuros jogadores de alto nível. É isso o que acontece na Argentina. Por que a Argentina hoje tem jogadores na Europa? O campeonato da Argentina é muito melhor do que o nosso? Não. Então o campeonato argentino é muito mais rico que o nosso? Não. Está bem longe, na verdade. Por que, então, eles estão na Liga Espanhola, na NBA, regularmente? Por que a Argentina sempre surge como uma das favoritas na Olimpíada? Nos mundiais? Porque a Argentina trabalha sua base focando no fundamento. Eu tenho um grande colega, o Marcelo Berro, treinador em Rosário, que me mandou uma lista de minibasquete sub-9, sub-12 em que jogam 53 times e não tem pontuação na partida... é fazer com que os garotos comecem a praticar e ensinar os fundamentos. Quando o garoto der o próximo passo, ele estará cada vez mais preparado... PF: E há um grande ruído na transição para o profissional... 13
FS: Olha os nossos armadores. Os mais antigos diriam que é a posição do jogador com mais habilidade, uma posição mais cerebral. Quantos armadores brasileiros temos de destaque no Brasil? O Flamengo, atual campeão, tem o argentino Franco Balbi. Franca trouxe o Santiago Scala, outro argentino. Na verdade, a gente não está formando jogadores. O que é desesperador porque o Brasil tem o biotipo muito bom para o basquete de uma forma geral. Mas a gente não está formando e isso só vai refletir no campeonato mundial, que é a hora pra valer. O destro não está conseguindo fazer bandeja com a mão esquerda. No sub-16!!! É sério que ele não tá conseguindo? É sério!? Porque, talvez, na equipe dele estejam jogando zona, talvez, naquela equipe, o garoto tenha um biotipo muito bom e se destaque naquela competição, naquela idade e ele seja o mais forte da competição, então ele não precisa se esforçar para melhorar o fundamento... é só ele bater direto pra cesta. O problema é que a gente acaba batendo palma pra isso.
FS: Qual é a nossa renovação para a seleção brasileira? Nem estou entrando no aspecto de quem é o técnico, nada disso. Olha a nossa renovação. O Alex é um monstro, mas no mundo ideal, ele não deveria estar na seleção brasileira. No mundo ideal, o Varejão, que tirou um ano sabático, não deveria estar na seleção. Por que eles estão? Porque não tem ninguém pra colocar. Essa é a realidade. Não é uma coisa do tipo temos opções para o lugar do Alex, mas o treinador escolheu ele. Nada disso. O Alex é insubstituível porque não tem ninguém melhor do que ele hoje. O Varejão foi para o Mundial por que quantos pivôs temos de elite pra jogar fora? Não tem, chama o Varejão. A gente acaba vendo os jogadores melhorando quando ficam mais velhos, o que é ruim. O Lucas Mariano é um exemplo. Ele sempre teve um potencial de dominar, mas aí ele caiu de rendimento, tem uma curva de queda, melhora no São Paulo e agora é um jogador que a gente fala que tem que estar na seleção brasileira. Mas olha o tempo perdido. Além disso, tem um outro caminho, que, às PF: Os reflexos dessa mentalidade na seleção vezes, a gente coloca os jogadores num pedestal brasileira já podem ser vistos? que ainda não estão. A gente está tão carente de 14
jogador que o primeiro atleta que fizer dez pontos, jovem, vira revelação da seleção brasileira. A pressão que botaram no Dikembe é desmedida. Ele fez quatro enterradas contra o Corinthians quando jogava no Paulistano, e botaram o garoto como seleção brasileira. Será que vão fazer o mesmo com o Márcio do Franca? Ele é um jovem promissor, que tem muito pra voar... esse é o meu medo. Uma coisa é a pressão em cima do Alex, do Marquinhos, outra, é a pressão em cima de um jovem. A gente tá errando lá embaixo, a gente tá errando no meio, a gente erra no final. PF: Há alguns anos se falava do potencial da seleção brasileira sub-23 que contaria com o George Lucas, Lucas Dias, Dikembe, Felipe Ruivo, Danilo Sena, Yago, entre outros, enfim, uma série de jogadores muito promissora. Mas parece que isso não virou. Qual foi o erro? FS: Passou o tempo deles e não foram bem aproveitados. O nível do basquete brasileiro é ok para o sul-americano, mas está longe do ideal no nível mundial. Vamos esquecer a NBA aqui, isso é outro assunto! Nosso basquete está bem longe
(da esquerda para a direita): Djalo, Salatiel e Serjão são nomes para ficar de olho e brilharam em seus times ao longo da LDB
de bater de frente com um Real Madrid, com um Barcelona da vida. É sofrido. Hoje a gente tem um campeonato com quatro equipes que brigam de fato pelo título, são as que tem mais dinheiro, e o restante é o bolo. Diferente da Espanha, você tem o Real Madrid, o Barcelona e mesmo assim eles podem perder para times do meio da tabela porque a qualidade é boa. Lucas Dias há dois, três anos, era o suprassumo, o que faltou pra ele crescer? Sair do Brasil! Por que sair do Brasil? Para ter um novo tipo de competitividade, um outro nível, ser desafiado, entender que a mesma jogada que funciona aqui, talvez, não funcione lá. O que eu vejo é que, talvez, o jogador acabe ficando no lugar que é mais cômodo. Lucas Dias vai continuar sendo um destaque no país, vai continuar fazendo 20 pontos, mas a nível mundial não será o cara que vai resolver no final do jogo. Ele vai sofrer como jogador mediano lá fora. O alemão que destruiu a gente no final do pré-o15
límpico joga na Itália. Não joga na Espanha, nem na NBA, nem é o melhor jogador da Itália, e foi o jogador que acabou com a gente. No final, nosso craque não consegue bater o mediano que joga na Itália. Olhando puramente para os números e um jogo só. O Lucas Dias não é desafiado aqui. Tem jogadores por aqui que não conseguem evoluir mais porque não dão o passo seguinte na carreira (jogar no exterior). E aí também é opção pessoal do atleta também. Cada um sabe onde o calo aperta! Hoje, eu também não vejo mercado internacional pra eles. Mas quando o Lucas Dias foi o grande destaque anos atrás, talvez, tivesse mercado. O próprio Georginho também teria espaço lá fora. Hoje não. Olha a dificuldade do Leo Meindl na saída para a Espanha. Ele tentou sair e olha a dificuldade. Ele tá evoluindo. Os jogadores também precisam querer evoluir. Outro lado também é que os jogadores poderiam ter sido mais utilizados na seleção. A gente vive num país resultadista.
O Yago conseguiu destaque no Flamengo depois da saída do Balbi (se machucou na reta final do último NBB). O Yago só evoluiu no jogo porque foi obrigado a evoluir. Não tem o Franco Balbi e ele tem que resolver. O Felipe Ruivo está no Paulistano. Qual a cobrança em cima dele pra ser o grande cara do país? Nenhuma. O Gui Santos só passou a ser utilizado depois que o Petrovic elogiou e o chamou pra seleção. Alguns realmente são deixados de lado porque a cultura que prevalece é resultadista. O treinador quer vencer, o clube precisa vencer. Esse é o pensamento que acaba não dando minutagem suficiente para o garoto ganhar experiência. PF: E o nível dos técnicos brasileiros? Falta estudo? FS: É difícil a gente afirmar porque é pessoal, eu não estou no dia a dia do técnico. Mas posso falar que falta sim. A associação de treinadores, escola
O Paulistano teve uma bela participação na LDB e só perdeu na decisão para o grande rival Pinheiros. Matheus Santos foi um dos talentos revelados pelo clube
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de técnicos, que é uma promessa antiga ainda não é uma realidade. A gente vê essa falta, a gente vê jogos pobres de uma forma geral. As pessoas tem que entender que a comparação do basquete brasileiro tem que ser sempre em nível mundial. Não posso tratar a nível regional. Nosso basquete em nível geral, NBB e CBB, comparado a nível mundial é pobre; Vemos alguns times jogando bem, muito porque também tem ótimos jogadores. Você vai ver sim treinadores que entregam muito mais, que trazem algo novo, mas muito também porque tem ótimo jogadores que entendem o que o técnico quer passar. Mas de uma forma geral o jogo é pobre. Quantos jogos realmente são bons? Pouquíssimos. Em comparação a nível mundial é de se preocupar. Mas não é só a parte do técnico. Às vezes, aquele time não é bom porque seu jogador é limitado. Às vezes, o treinador também não quer trazer coisas novas, está confortável com aquilo que sempre deu certo para ele. PF: Por isso que se fala do quanto é fundamental o intercâmbio ... FS: O pessoal do basquete, de uma forma geral, não está acostumado com algumas verdades duras. A gente não quer magoar o outro. A gente quer manter a amizade. O que o Gustavinho falou sobre a necessidade de intercâmbio, de jogar mais, era óbvio. “Ah, não é pra sair do Brasil”. No adulto, é só decepção! Alguma coisa não está certa! A gente sofre com Porto Rico e perde para a República Tcheca! A gente perde para a Alemanha desfalcada! O Gustavo não falou nada demais, mas as pessoas do basquete não querem falar a total verdade ou não querem ver. A gente precisa evoluir. A gente está muito pra baixo em comparação a equipes que não deveríamos estar. A gente tem que melhorar nossa base. Nosso campeonato de base é sofrido. Culpa dos garotos? Não, eles estão lá tentando o possível. A gente viu o Pinheiros sendo campeão da LDB pela “38ª” vez, sei lá... mas o Pinheiros montou um time para ganhar a LDB. O que o Pinheiros trouxe de novo? Quantos atletas o Pinheiros formou de fato ? Dikembe? Não. Danilo Sena continua sendo a eterna promessa. Quantos jogadores estamos formando? Esse é o meu desespero. O que adianta o Pinheiros ganhar a LDB? É uma liga de desenvolvimento, o resultado final é ótimo, ok, mas a essência do campeonato foi perdida. Quantos jogadores foram revelados? Quantos jogadores que você não conhecia
foram revelados lá? Isso é duro de dizer. Isso o dirigente não quer ouvir, o treinador não quer ouvir, o próprio jogador não quer ouvir. Ele quer ganhar o título e dane-se! Se vai formar um jogador não é problema dele. O basquete brasileiro que lute e estamos lutando e perdendo todos os anos. Essa é a questão! A gente vê uma geração de jogadores e não consegue ver se está havendo essa renovação. Se a gente tivesse uma renovação de verdade, o Gustavo teria 40 jogadores, tiraria dali os dez principais e ainda teria que pensar em outros jogadores para o primeiro corte. Assim acontece lá fora. Aqui não tem! Estamos formando jogadores? Esse aqui tem tudo para ser nosso jogador no futuro, dá para colocar essa pressão no garoto agora que ele é o futuro do nosso basquete? A solução dos nossos problemas? Não dá!!! Fazer 30 pontos no Paulista é uma coisa. A imprensa não quer ouvir também. A gente procura sempre um herói. O brasileiro sempre procura um herói. A imprensa acreditou no Dikembe, no Yago lá atrás. Tinham matérias sobre o Yago dizendo que ele ia ser draftado, que ia jogar na NBA, e eu conversando com o pessoal de lá e me diziam que as chances dele eram mínimas por causa da envergadura. Por que lá falam que as chances são pequenas e aqui falam que as chances são maiores? Porque a gente procura um herói e acaba não olhando pro lado. PF: De certa forma, essa mentalidade prejudicou Bruno Caboclo, Lucas Bebê Nogueira e Cristiano Felício, então os novos (e últimos) heróis brasileiros na NBA? FS: Pode ter prejudicado sim. A gente não está no dia a dia. Eles chegam nos Estados Unidos como os melhores jogadores do Brasil. Nos casos do Bebê e do Caboclo, vendo de fora e é puro achismo, não tiveram cabeça para segurar o rojão. O Caboclo vai fazer 20 pontos por jogos no Brasil, tecnicamente, quase não tem ninguém para superar ele. A gente vai bater palma, mas, enquanto, na real, a gente tá vendo um jogador que não teve espaço na Europa, que um Real Madrid não chamou. Ah, ele estava na França, mas não foi chamado pelos top da EuroLeague. Por que? Se ele é tão bom assim deveria ser chamado. No final do dia, a imprensa vai bater palma pra um ex-NBA que está aqui fazendo 20 pontos por jogo, enquanto na verdade, ele não deveria estar aqui, deveria estar brigando pra voltar pra NBA. De uma certa forma, a cabeça pode ter atrapalhado sim... essa 17
pressão poder ter sido prejudicial para os dois. O jogo que o Felício entrega não é jogo que a NBA vai querer, já era esperado, mas ele conseguiu se manter na Europa. Eu faço muitas críticas e eu acredito que o jornalista tem que ser crítico...eu tenho que estar incomodado com as situações. A gente elogia quando tem que elogiar, mas não vou elogiar sempre. Eu não acho que o NBB seja ruim não, longe de mim, eu vi campeonatos antes dele que nem terminaram. O NBB é muito bom. É de longe o melhor campeonato, o mais organizado, o que melhor entrega, mas temos que entender que há muita coisa pra melhorar ainda. Essa rotatividade de equipes não pode estar acontecendo, não faz sentido. Um ano, o Campo Mourão joga, no outro não. Tem que entender a razão disso acontecer. O que pode ser feito para isso não acontecer? A gente ainda tem um campeonato com jogadores muito experientes e não conseguimos renovar. A LDB é muito boa também, mas qual é o meu problema? Há uma regra para que todos os times do NBB tenham que jogar a liga de desenvolvimento, mas aí o time se une com um projeto e vai pro torneio. Não está formando! A Unifacisa jogou com um time do Flamengo! Não seria legal, o Unifacisa pegar jogadores só da região e levar e treinar? Você vai perder, levar 100 a dois, forma um atleta, mas o pensamento do resultado prevalece. PF: É possível que o basquete volte a ser o segundo esporte do brasileiro como aconteceu durante boa parte do século XX? FS: São várias frentes. No âmbito federal, inserir o esporte na escola. Bom, é chover no molhado, enfim, implantar de fato uma política pública de esporte. Não tem para onde fugir. E dentro desse ponto já é enorme. Tem uma verdade dura, que parece clichê, mas não é. O NBB e a CBB não são o basquete nacional. Basquete nacional pra mim, e sim, é uma visão romântica, é aquela menina lá de Rondônia com o balde que é o aro... aquilo é o basquete de verdade. O esporte está ali. Aquele garoto que está no projeto social e que não está traficando, que não está cheirando cocaína, está ali jogando basquete...esse é o basquete nacional. Jogar no Flamengo, no Mogi, no Franca, Paulistano é outra história. No Brasil, o basquete é elitista, é muito difícil para alguém da periferia chegar nos clubes. O basquete está na periferia, nos projetos sociais, se aquele garoto, aquela garota, 18
vão ser de alto nível é outra história. O basquete nacional não é NBB, não é CBB. O basquete está ali no projeto social da sua esquina. Outra porta que poderia ser aberta é através dos clubes e dos próprios atletas. Quantos clubes realmente abraçam sua comunidade? Por que o São Paulo não dá uma clínica numa periferia? Por que não se aproximam de uma escola pública? Uma vez por mês, uma aula de basquete de um dos atletas na escola pública. Além da política pública, faltam os clubes abraçarem o esporte. Se você vai para uma escola, com um jogador profissional, faz uma aulinha, separa um sábado para receber esses alunos no clube. O quanto seria incrível isso para a criança!!! Esses garotos vão passar a acompanhar o basquete, acompanhar e torcer pelo clube, quem sabe, vão até querer jogar basquete na hora do recreio porque ele viu o Georginho enterrando na frente dele. Falta uma aproximação de todos. Dá para fazer. Se o jogador quiser, ele faz, se o clube quiser, ele faz. Imagina levar o Marquinhos pra uma escola, pra um projeto social... O quão incrível isso seria, pra gente pode não ser nada, mas para um projeto, para uma criança, muda tudo. Eu te garanto que se um clube fizer isso, pelo menos um garoto ele afeta, é impactado por isso... é um trabalho de formiguinha. O basquete pode ser cultural também como futebol. Depende de todos. Os clubes não pensam na parte social... e podem estar perdendo um talento na periferia... É por isso que a NBA cresce no país... ele vê o Lebron na Band e quer fazer o mesmo. Faltam os clubes e jogadores entenderem esse peso que tem!!! Massificar o esporte e isso não foi feito ainda... Estamos tratando o NBB como um difusor do basquete ou um produto? Pra mim, está cada vez mais claro que é um produto. O NBB não está vendendo o basquete e sim um produto. Se pensasse no basquete pensaria no todo! Os clubes também têm essa visão! Pensam no basquete ou no título? Isso é louco. No final, o basquete nacional é sempre deixado de lado. Ninguém está pensando no basquete. Estão usando a modalidade basquete para vender um produto, pra ganhar mais dinheiro. Essa é a verdade dura que a gente não quer aceitar. Não temos cérebros pensantes questionando, é todo mundo batendo palma... O questionamento também pode fazer pensar. A mídia, de uma forma geral, tem que entender a importância dela... A gente cobra porque quer a evolução do esporte.
O Esporte Clube Pinheiros venceu a Liga de Desenvolvimento pela quarta vez com uma campanha impecável e invicta (15 vitórias). Dikembe foi MVP da competição pela terceira vez
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INTER CONTINENTAL
CUP Em setembro de 2015, mais precisamente nos dias 25 e 27, ginásio do Ibirapuera (templo do esporte olímpico brasileiro localizado na cidade de São Paulo), Bauru – campeão da Liga das América e Real Madrid, vencedor da EuroLiga, se enfrentaram pela disputa do título mundial de basquete. A equipe do interior paulista venceu o primeiro jogo contra o poderoso rival espanhol por 91 a 90. Jogaço. Dois dias depois, no entanto, o Real se vingou com uma vitória por 91 a 79 e levou o caneco na soma dos resultados. Sergio Llull foi o MVP, mas os brasileiros também se destacaram: Ricardo Fischer liderou as assistências com 14 e Rafael Hettsheimeir anotou 44 pontos nos dois embates. Uma curiosidade da disputa foi a presença do então garoto Luka Doncic, 16 anos, com a camisa sete do Real já desfilando seu talento em quadras brasileiras antes de brilhar na NBA. O Brasil tem dois títulos da Copa Intercontinental de Clubes: o Sírio em 1979 e o Flamengo em 2014.
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