Portrait Fanzine nº 23

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CARTA ABERTA Quer saber uma coisa? Essa revista está pronta há três meses, pelo menos. Entre as várias desculpas que eu poderia dar para não ter publicado ela antes, uma se destaca. Dou aulas de história desde 2004, mas, nos últimos três anos, isso se tornou um inferno em vários pontos. Esses seis meses de 2022, então, me deixaram exausto e triste. Concluí que não vale a pena. Ok, mas isso sou eu... e trabalho tinha que ser feito... Um dos artigos dessa Portrait Fanzine tem justamente na educação seu principal tema. Mais do que isso. Levanta questionamentos sobre a necessidade da escola ser para todos, inclusive, àqueles que são portadores de deficiências. A escola inclusiva é um assunto polêmico. Já teve até ministro que disse que o deficiente atrapalha na sala de aula. O fato é que estou nessa vida há quase duas décadas, tive dezenas de alunos de inclusão e constato que nunca estive preparado para esse trabalho. Nunca tive um curso, um apoio maior, sei lá, para lidar com isso tudo. Foi sempre no “feeling” e, convenhamos, não é assim que se trabalha. Nesse cenário de improvisação alcancei alguns alunos. Outros, nem cheguei perto. É frustrante. A capa dessa PF é inusitada e alguém diria: “poxa vida, o mundo tá acabando, tá tudo um lixo e o idiota do editor vai falar de um disco que ninguém conhece?” Sim. Em dezembro de 1991, a Legião Urbana lançava um álbum que dividiria a história da banda em duas partes: uma, mais ou menos sombria e, a outra, totalmente mergulhada na escuridão (apesar das pinceladas “felizinhas” do Descobrimento do Brasil – disco que veio depois do V). Agora, garoto que reclama de tudo, por que não falar desse trabalho da maior banda de rock brasileira? (Essa é a minha opinião, mas Mutantes é muito bom). Eu preciso de disciplina para trabalhar e preciso de força e alegria pra isso também. Não tenho tido nada disso há tempos. Por isso, a revista que deveria ter saído em abril, sai agora. Ok, tudo bem. Está bonitona como sempre e feita com a minha alma, como sempre. E não perca o próximo número que será uma celebração dos cinco anos da Portrait Fanzine. Cinco anos!!!!! Poxa vida... Embarquemos...

PROdução e edição Alexandre da Costa

SUMÁRIO

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LEGIÃO SOMBRIA Melancólico, subestimado, esquecido, o disco V da Legião Urbana, lançado em dezembro de 1991, transformou a história da banda que mergulhou de vez na escuridão

texto e fotos: ALE DA COSTA

Arte sobre divulgação disco

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Foram raras as vezes em que embarquei naquilo que todo mundo ouvia. O “hype” nunca foi minha praia. Por isso, só entendi o que era Legião Urbana depois de seu quarto disco, “As Quatro Estações”. Até então, a banda de Brasília liderada por Renato Russo havia vendido milhões de discos e eu achava ok... nada mais do que isso. De verdade, aquelas letras imensas, cantadas quase sempre sem refrão algum, me incomodavam. Bom, eu não tinha nem 15 anos e tudo é perdoável. Mas a década de 1980 chegou ao fim, tive que crescer e comecei a entender o que era essa tal Legião que estourava na novela das oito com “Meninos e Meninas”. Foi como se um novo mundo se abrisse e não tive uma reação diferente dos outros quando “caiu a ficha”... eu disse... “ele canta o que eu sinto, aliás, nem sabia que sentia”. Corri atrás dos K7 do grupo – lembre-se que era uma era pré-CD – não tínhamos vitrolas em casa e me perdi completamente naquela melancolia, tristeza mesmo. Não escolhi nascer triste, no entanto, percebi que não estava sozinho. Por isso, quando soube que no final de 1991 sairia um novo disco da Legião, me empolguei. Seria meu primeiro disco dos caras comprado na dia de sua chegada nas lojas. Ahhh, agora eu estava no “hype”. Antes, porém, o primeiro single foi para as rádios, “O Teatro dos Vampiros”. Aquilo me arrebatou de um jeito que não demorou, sei lá, duas, três audições para eu aprender a letra daquela canção que emanava tanta dor. Eu tinha uma namoradinha na época e ela não entendia por que eu gostava “tanto de uma música tão pra baixo”. No início dos anos 1990, a lambada era a moda da vez. E claro que eu não tive nada a ver com isso e com aquilo que veio depois. Eu fazia parte de um time que não queria sorrir 6

para um mundo que só te fazia mal. Me fechei mais ainda e a Legião me deu uma trilha sonora para essa queda (que parece não ter terminado até agora nas portas dos 50). A data do lançamento se aproximava e nova música foi para as rádios. Eu trabalhava numa empresa de seguros, tinha pouco mais de 16 anos. Me orgulhava de ser todo adulto. Eu era muito tolo. Acordava cedo, tomava meu banho e a 89FM rádio rock me acompanhava nesse processo. Me enxuguei, eram pouco mais de 6h30 da manhã. Os primeiros acordes de algo que eu nunca tinha ouvido, um piano talvez, me fizeram sentar no canto da minha cama. Eu precisava ouvir aquilo. Então, a voz de Renato Russo tomou todo o mundo e eu atento escutava... shuuuu... ele está cantando... “Dos nossos planos é que tenho mais saudade...” Eu era apresentado ao épico “Vento no Litoral”. Olha, me arrepiei de novo só de lembrar desse momento de catarse de 30 anos atrás. “Que coisa linda!!!” Foi o que eu disse naqueles segundos após a minha primeira vez com essa nova música. Eu estava perdidamente caído por aquele novo trabalho da Legião Urbana e só tinha ouvido duas canções. Dezembro de 1991 chegou. E o álbum V, capa toda branca com uma lua dourada e uma estrela – dependendo da edição do disco ou da pirataria do K7 – veio para as minhas mãos logo de cara. Na hora do almoço da firma, vasculhei todas as ruas que pude do centro velho de SP. Foi com um vendedor ambulante que encontrei a fita recém-lançada. De cara, todo o lirismo que me encantara tardiamente dos outros discos estava lá de novo. Mas a “mão estava mais pesada” nessa obra. Não havia um respiro de alegria em nenhum momento. A Legião Urbana entrava de vez num caminho sem volta da escuridão


completa. Esse lado B da Legião não era palatável, não era pra todos. Era pra mim. O que se sabe hoje é que toda a produção desse disco não foi fácil. Coincidiu, principalmente, com a descoberta de Renato Russo de que estava com o vírus da Aids. Além disso, o cantor mergulhou de vez no mundo das drogas. Tudo isso em meio a uma turnê, ainda do disco “Quatro Estações”, que foi tudo menos tranquila. Incerteza por todo o lado. Desesperança mesmo. “A Legião vai acabar?” A intensidade furiosa daquele momento foi o pano de fundo para a construção de V. Se você

ouvir suas músicas com outros ouvidos vai perceber que de fato nada estava bem com Renato e com o mundo. Para muita gente que acompanhava o processo “foi um inferno”. Até na produção da capa houve brigas. Não podemos esquecer que nesse momento, o Brasil vivia o rapto das poupanças promovido pelo então presidente da República, Fernando Collor de Mello. Não havia dinheiro sobrando, nem para a maior banda de rock do Brasil. Claro que todo esse contexto mexeu e transformou V, naquele momento, no álbum mais “pesado” da banda até então e olha que os anteriores

Há pesquisas que são simples. Definitivamente, encontrar os números das vendas dos discos da Legião Urbana não foi simples. Num primeiro momento, cheguei a uma página do Facebook de um fã da banda com dados de 2013. O fechamento desse número da revista estava próximo e apenas por curiosidade digitei DISCOGRAFIA LEGIÃO no google e fui direcionado para uma página recente com números certificados e com indicação de suas fontes: reportagens sobre a banda que saíram nos jornais Estado de S. Paulo e Folha de S. Paulo, revista Gambiarra e os livros Guia Rock Nacional Anos 80, Renato Russo - temos nosso próprio tempo e Dias de Luta: O rock e o Brasil dos anos 80 além de certificados — Pró-Música Brasil: Legião Urbana. É claro que a pirataria não foi levada em conta na lista abaixo e que a mesma pode ser melhorada e não traz a verdade universal

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não eram nada “popzinhos fofos e meigos”. “Teatro dos Vampiros” e “Vento no litoral” abriram as portas para uma experiência sensorial. Como já disse, as músicas da Legião quase nunca tinham refrão e, de modo geral, não cabiam nas programações das rádios da época. V transcendeu tudo isso mais ainda. “Metal contras Nuvens”, por exemplo. É um épico de onze minutos!!! Sim, onze minutos divididos em quatro partes. Parece um folk no 8

início, tem uma virada rock in roll sensacional com uma guitarra tão nervosa que é impossível ficar sentado ao ouvi-la e termina com “uma calma” tão característica do pop mais inofensivo – “tudo passa, tudo passará – que tenho que confessar que me deixou no chão depois de ouvi-la pela primeira vez... foi um choro sentido de dor contradizendo aquela poesia linda do fim... “teremos coisas bonitas pra contar”. Acho que é possível perceber que


Em maio de 2012, o ator Wagner Moura se juntou aos remanescentes da Legião para um show que celebrou os 30 anos da banda. O evento foi promovido pela extinta e saudosa MTV Brasil e reuniu mais de sete mil pessoas no Espaço das Américas (hoje Espaço Unimed) na cidade de São Paulo

embarquei nesse disco de verdade como nunca havia feito antes. Aquele ano tinha me trazido tantas mudanças e tantas perdas que V, pra mim, foi catártico. Mas o que é bom na cabecinha de um moleque de 16 anos é que ainda havia a crença de que tudo iria melhorar... De verdade, às vezes, sinto falta da esperança que batia no meu peito. “Love Song” abre o disco numa singela homenagem à Idade Média com um português arcaico que não deixará dúvida

do tamanho da estranheza que terá esse disco. Na sequência, a já falada “Metal contra as Nuvens”. Segue então a instrumental “A Ordem dos Templários”. Nesses 30 anos, já perdi a conta de quantas vezes escrevi uma letra para essa música. No K7 pirata que comprei, ela não tocava inteira. Por muito tempo, fui privado, e não sabia, que ela trazia um fim daqueles que alivia a alma. Sabe aquele final feliz do filme? A sensação de preenchimento, no 9


entanto, é efêmera afinal surgem os acordes logo na sequência de “A Montanha Mágica”. E o que falar desse mergulho num mundo tão sombrio que era desconhecido pelo meu eu menino? Desconhecido, sim, mas familiar. Não sei explicar. Por tempos, essa canção virou a minha favorita. “Sou meu próprio líder, ando em círculos...” Não é lindo isso? E a pegada da música só nos leva mais ainda para a escuridão. Esse relato sincero de Renato sobre a heroína “bateu” forte em mim que nada de drogas ainda havia experimentado. “Pra que servem os anjos?” Essa tristeza sem máscaras me abraçou de fato. Enquanto escrevo sobre ela agora, escuto-a. Poxa vida... “ e me fazes tão mal”... Canção longa também que quase bateu na porta dos oito minutos. Quando recupero o ar, surge a minha velha conhecida “Teatro dos Vampiros”. Depois dela, “Sereníssima”. O legal dela é que a gritaria do público em seu início e no meio acabou sendo reproduzida nos shows, que não foram tantos – é verdade – Virou um momento marcante dos fãs. Na minha cabeça, essa canção é uma prima próxima de “O Mundo Anda tão Complicado”, que virou o terceiro single e tocou nas rádios naquela época. Depois de “Sereníssima”, vem a já comentada “Vento no Litoral”. Então, “O Mundo Anda tão Com-

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O setlist de V com seus quase 50 minutos vai do lirismo de “Vento no Litoral” à desesperança marcante de “Teatro dos Vampiros”. Obra-prima subestimada


plicado” traz aquela ideia da “historinha na música” como fez tão bem anos antes “Eduardo e Mônica”. Mais novo, eu achava um saco. A beleza do tempo é que ele passa e “O Mundo Anda tão Complicado” foi o momento mais iluminado desse sombrio disco da Legião. Virou trilha sonora de um monte de casais no início dos anos 1990 que resolveram literalmente juntar suas vidas. Na reta final do disco, “LÁge D’or” traz as guitarras de volta para lembrar que esse trabalho da Legião vai enfiar o dedo na ferida e torcer até você não aguentar mais de dor. “Sou teimoso... insisto em ter vontade própria”. E por fim, o piano de “Come Share my life” assenta no seu peito a ideia de que você acabara de ouvir uma obra diferente, uma triste história de amor...

A estranheza deprê de V não impediu que ele fosse um sucesso de vendas, para os padrões do rock brasileiro. Foram 500 mil cópias vendidas nesse tempo todo, longe, é verdade, de seu antecessor que chegara perto da venda de dois milhões de discos. Sua importância, no entanto, está no fato dele ter dividido a história da banda. É inegável. Os quatro primeiros discos da Legião foram sucesso absoluto de público somando mais de seis milhões de cópias vendidas. Além disso, ainda havia neles uma certa sensação de que você, jovem, poderia mudar tudo. V apresentou a Legião mais próxima da melancolia, aspecto que não mudou nos álbuns seguintes. V era um grito de dor... de ódio... da mais pura sensação de que vivemos sozinhos e morremos sozinhos. André Frateschi assumiu os vocais da banda nas turnês que comemoraram os 30 anos do primeiro disco “Legião Urbana” (2015) e “As Quatro Estações” (2019)

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PARA TODOS Mais do que passou da hora de se discutir sem hipocrisia inclusão e escolarização na perspectiva dos direitos humanos texto: ROZI GONÇALVES

Trabalhar com educação inclusiva é um desafio para muitas escolas, do ponto de vista curricular, de recursos humanos, cultural, estrutural, financeiro, organizativo e tantos outros aspectos que compõem uma escola verdadeiramente para todos. A educação inclusiva parte do princípio de uma escola em que todos os estudantes têm seu direito à educação garantido, instituído inclusive pela Constituição Federal de 1988 e que se paute no reconhecimento de sua existência atravessada por marcadores sociais de classe, gênero, capacidade, raça, cor, etnia, geográficos, de linguagem, elementos que compõem a diversidade da vida humana. Enfim, quando falamos em educação inclusiva falamos de uma proposta de Educação pautada em Direitos Humanos para todos os humanos (ainda que pareça redundante vale o destaque). Ocorre que, historicamente, a escola como um microcosmo social, composta pela complexidade de elementos que refletem e refratam a sociedade, está assentada em muitas práticas e processos de exclusão, de estigmas e de preconceito, que rondam a todos nós, em menor ou maior grau, em qualquer espaço que habitamos, como no transporte público, nos postos de trabalho, nos momentos de lazer, nos equipamentos e serviços públicos, nas relações sociais. Cada um de nós deve exercitar o pensar: como isso tudo me afeta? Como isso tudo afeta o outro? Com o que tenho contribuído? São perguntas iniciais que desencadeiam um pouco mais de conscientização e podem produzir mudanças de narrativas e de ações, caso nos indignemos e produzamos algo com esse sentimento. Embora o universo de debates e concepções sobre inclusão e educação inclusiva seja abrangente, inclusive por envolver populações quilombolas e indígenas, me deterei neste texto num recorte de educação inclusiva de acordo com a Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação inclusiva, que tem como sigla PNEEPEI, cuja regulamentação se deu em 2008, delineando como público da educação especial as pessoas com deficiência, com transtorno do espectro autista e com altas habilidades/ superdotação. Além dessa Política, tem o Estatuto da Pessoa com Deficiência (2015), o 12

Ale da Costa

ESCOLA


A psicóloga Rozi Gonçalves, 31 anos de carreira: “... não podemos esperar a mudança, em se tratando de defesa de direitos, temos que fazer a mudança, como der e como pudermos, com uma certa dose de utopia e muito pé no chão”

Plano Nacional de Educação PNE (2014), a Base Nacional Comum Curricular BNCC (2018), e decretos, portarias, resoluções, notas técnicas e leis que dispõem sobre o assunto, e que guardam avanços, retrocessos e controvérsias, segundo especialistas, por ser um campo de disputa, como o é toda política de educação que dialoga com a sociedade, com instâncias governamentais, legislativa, da comunidade acadêmica e científica. A PNEEIPEI acontece após o Brasil ser signatário de tratados internacionais que versam sobre a educação inclusiva - como a Convenção Internacional dos Direitos das Pessoas com Deficiência em 2009 -, que abrangem o direito do estudante com deficiência de frequentar a mesma escola dos demais estudantes, o qual as escolas não podem deixar de se debruçar e encontrar seu ponto de ação e organização, a partir das diretrizes nacionais e internacionais. Dito isso, pergunto: você se lembra de seu primeiro contato com uma pessoa com deficiência? Você tem ou se lembra de ter um(a) colega com deficiência durante seus estudos básicos e de ensino superior? Você tem ou se lembra de algum professor com deficiência que deu aula para você ou durante seus estudos? Muito comumente a resposta é não. Pois, as pessoas com deficiência por muito tempo na 13


história do Brasil não tiveram o direito a estudar e adquirir conhecimentos a partir de uma escolarização igualitária. Normalmente estavam escondidas dentro de suas casas e estudavam em escolas “especializadas”, que na realidade eram espaços onde se exercia uma pedagogia terapêutica, com intencionalidade reabilitadora. Porém em sua essência funcionava numa lógica excludente, do “eles lá e nós aqui”. Daí que toda a construção da inclusão e do direito de ir e vir e de estar e frequentar os mesmos espaços das pessoas sem deficiência ainda é bem recente na história de vida das pessoas om deficiência. Ainda não consolidamos esse direito, o que quero dizer com isso é que a Lei PNEEPEI traz uma série de processos organizadores da educação especial na perspectiva inclusiva, como o direito a acompanhamento de atendimento educacional especializado, a acessibilidade arquitetônica, linguística, metodológica, curricular e atitudinal, e consequente eliminação de barreiras ambientais e sociais, o direito a não ter a matrícula recusada nas escolas de educação básica, porém na vida concreta nem sempre acontece. Falando em barreiras, um dos maiores avanços nos estudos, pesquisas e práticas nessa área é que a concepção de deficiência vem mudando, deixando de ser de caráter intrínseco, orgânico, somente localizada nas pessoas, passando a ser compreendida como um marcador constituído nas interações sociais e culturais, sem perder de vista a corporeidade. Com isso, a perspectiva é a de que as barreiras é que precisam ser eliminadas para o exercício da cidadania e desenvolvimento integral das pessoas com deficiência, cada um se desenvolvendo à sua maneira e possibilidade, desde que com os suportes e apoios necessários. É através de uma escola que verdadeiramente reconheça a presença das

A regulamentação da profissão de psicólogo (a) completou 60 anos em 2022

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Arquivo Pessoal


crianças com deficiência física, intelectual, sensorial (cegas e surdas) e autistas e produza mudanças em sua organização, funcionamento, regramento, currículo e valores - dos componentes materiais e imateriais do processo de escolarização - na busca de refutar a lógica neoliberal que atravessa e constitui as escolas, pautada na produtividade e na capacidade, na racionalidade, no sucesso, na individualidade, tal qual a sociedade funciona, que poderemos avançar enquanto sociedade. Nas escolas, espaços de debates, de trocas e compartilhamento de experiências e boas práticas, de formação e qualificação, apoio recíproco juntos aos educadores e demais pessoas da comunidade escolar, tem se revelado um bom caminho, ou começo, além de políticas que invistam em financiamento e reorganização das escolas na busca dessa finalidade, ou seja, muita coisa ainda precisa mudar. Mas não podemos esperar a mudança, em se tratando de defesa de direitos, temos que fazer a mudança, como der e como pudermos, com uma certa dose de utopia e muito pé no chão. Claro que esta mudança não deve estar somente dentro da escola, e sim, em diversos campos como saúde, trabalho, cultura, lazer, espaços urbanos e públicos, necessitando de convergência de esforços de poderes públicos, executivo, legislativo, iniciativa privada, órgãos de controle social, movimentos sociais e direitos e especialmente da participação das próprias pessoas com deficiência e seus familiares. Mudar a escola implica em profundas mudanças na estrutura social também, o que não se faz em poucos anos. Não há nada de simples nisso, pelo contrário, trata-se de pensar e atuar na complexidade, garantindo ao menos pequenas mudanças, já que sabemos onde queremos chegar (assim quero crer). A sociedade tem criado formas de enfrentar o racismo, a lgbtqfobia, a xenofobia, o sexismo, e também precisamos encampar propostas de ações contra o capacitismo - sistema de crenças, processos e práticas normativa e naturalizada sobre si e seu padrão corporal, uma condição que compreende de maneira preconceituosa e discriminatória a pessoa com deficiência, numa lógica valorativa: “ela não consegue, coitada, portanto, ela não vale socialmente, não serve ao capital” -, na escola a criança assume o lugar de “café com leite”, acaba sendo pouco ensinada, estimulada, ou acaba sendo deixada de lado na própria sala de aula. E não me entendam mal, pois não sou das que atribuem culpa ao professor, à família, etc, estou apresentando uma possível chave de leitura, que foi construída em pelo menos 25 anos de estudos e trabalho nesta área. Certo é que a Psicologia e a Pedagogia muito bem sabem que a constituição humana, o desenvolvimento humano, somente é possível num ambiente que produza processos de ensino e condições para a aprendizagem ocorrer, e, não se dá à revelia, no espontaneísmo, se isso for ceifado do(a) aluno(a), a responsabilidade de sua (ine)ficiência ou (d)eficiência, na essência, será de todos(as) nós. Queremos pactuar com essa forma de produção de humanidade? Cada um pode acionar sua consciência e seu espaço de agir no mundo pessoal ou profissionalmente. Mas, se fizermos isso coletivamente, melhores resultados teremos. Ah, e antes que eu me esqueça, nada de retrocessos! Não é possível aceitá-los. Que possamos apoiar o protagonismo das pessoas com deficiência e o seu lema, nada de nós sem nós! MARIA ROZINETI GONÇALVES, psicóloga, CRP 06/39077 15


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CIRCUITO

MUNDIAL RUGBY SEVENS fotos: ALE DA COSTA

Sim... acreditaram que o esporte brasileiro, de maneira geral, mudaria da água para o vinho com a chegada do Jogos Olímpicos, em 2016, na cidade do Rio de Janeiro. Haveria massificação, dinheiro, estrutura e resultados. Teríamos, finalmente, uma política de esportes. Ilusão... eu não caí nessa, só para deixar bem evidente. Bom, seis anos depois, todo mundo sabe que nada mudou. Aliás, sendo menos ranzinza, se algo mudou, foi pouco, muito pouco. Nessa esteira do “novo momento” da nossa história esportiva, o Circuito Mundial de Rugby Sevens feminino desembarcou em Barueri, no Estado de São Paulo, em três edições: 2014, 2015 e 2016. O Brasil que engatinhava no Rugby, restrito a um nicho bem reduzido, terminou a primeira edição da fase brasileira em 10º lugar. Nas duas temporadas seguintes, as Yaras, como são conhecidas as atletas da seleção brasileira de rugby feminino, ficaram em oitavo lugar. Nos Jogos do Rio, o objetivo central desse intercâmbio, o time verde e amarelo terminou em nono lugar.

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