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Hora de planejar o futuro
by Alerj
Ingresso no Novo Regime de Recuperação Fiscal é fundamental para que o estado volte a investir em projetos que gerem emprego e renda
TEXTO LEON LUCIUS FOTO JULIA PASSOS
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Oplano elaborado para que o Rio de Janeiro volte a ingressar no Regime de Recuperação Fiscal (RRF) chegou a Brasília, em dezembro, e ainda depende de negociações de alguns pontos do Governo do Estado com o Ministério da Economia. A proposta foi amplamente discutida no Parlamento fluminense com representantes dos Três Poderes, em dez audiências públicas e reuniões realizadas com a participação de diversas categorias do funcionalismo. Ao fim, mudanças realizadas pela Alerj no texto original, enviado à Casa pelo Governo do Estado conseguiram assegurar direitos já adquiridos pelos atuais servidores.
Se o plano traz amarras do ponto de vista da gestão administrativa, com a exigência de contrapartidas que limitam o teto de gastos, também assegura alívio temporário aos cofres do estado, com renegociação da dívida
com a União. Parlamentares, economistas e técnicos do governo concordam que o ingresso é imprescindível e traz a oportunidade para que o Rio de Janeiro retome a capacidade de fazer investimentos que promovam o desenvolvimento socioeconômico a longo prazo.
Com o plano, a atual dívida de R$ 172 bilhões com a União será parcelada. Entre 2022 e 2023, o pagamento será de R$ 6,9 bilhões. O prazo se estenderá por 30 anos, até 2051. O Governo do Estado apresentou um conjunto de 13 medidas que, ao serem implementadas, têm previsão de geração de R$ 103,9 bilhões de receita até 2030.
No cálculo entram recursos que o estado espera recuperar a partir do trabalho realizado pela CPI dos Royalties e Participações Especiais, criada pela Alerj para aumentar a fiscalização sobre deduções de receitas pelas petrolíferas. Os ganhos previstos com essa revisão chegam a R$ 25 bilhões, segundo o relatório final da CPI. A arrecadação mensal vem melhorando, desde que foram fortalecidos os instrumentos de controle sobre essas contas. “Foram nove meses de investigação sobre os abatimentos absurdos das participações especiais. O Estado do Rio de Janeiro, os municípios produtores e a própria União vinham sendo espoliados e precisam ser tratados com respeito que merecem", comenta o deputado Luiz Paulo (PSD), presidente da CPI e da Comissão de Tributação.
A possibilidade de recuperação de parte dessas deduções terá forte impacto na melhoria das finanças. Já a securitização da dívida ativa pode render aos cofres públicos R$ 44,85 bilhões. “Com esses recursos, vamos criar um fundo no mercado financeiro. A partir dele, entregar cotas desses ativos para o Governo Federal. Esperamos que, nos próximos anos, a dívida do estado seja paga dessa forma, não com a arrecadação, que deve ser destinada para investimentos públicos”, explica o subsecretário de Política Fiscal do Estado do Rio, Bruno Sobral.
A rigidez do Regime de Recuperação Fiscal não impede que o governo planeje ampliar os gastos públicos com foco em projetos de efeito multiplicador, que gerem aumento de arrecadação. No total, a Secretaria de Fazenda prevê R$ 44 bilhões de investimentos AUDIÊNCIAS PÚBLICAS de discussão do Plano contaram com participação de repesentantes de todos os Poderes
nos próximos dez anos, com geração de 800 mil empregos diretos e indiretos no estado.
“O objetivo do Plano de Recuperação Fiscal é qualificar esses gastos, sem desapegar do controle que é necessário. O compromisso com o ajuste fiscal é indispensável e a recuperação econômica está no emprego e na geração de renda. Isso se faz com gasto público”, defende Sobral.
JANELA DE OPORTUNIDADE Do ponto de vista financeiro, o estado está num momento favorável, uma janela de oportunidade, para o planejamento de ações de desenvolvimento com vistas ao futuro. Pela primeira vez em cinco anos, o orçamento não prevê déficit. Contribuíram para esse cenário também a concessão da Cedae, que
JULIA PASSOS
JULIA PASSOS
Maria Carmem de Sá Defensora pública garantiu ao Governo do Estado e aos municípios que aderiram ao edital um valor total de outorga de R$ 24 bilhões para investimentos.
Diferentemente do Plano de Recuperação Fiscal firmado em 2017, cuja diretriz principal foi o corte de despesas, a nova versão corrige o foco para o aumento de receitas. “O problema do Rio não é de despesa. Tem sim que melhorar os gastos, mas o problema é principalmente de receita. Somos o terceiro PIB per capita do país, mas ficamos em 18º na receita corrente líquida e em 13º na arrecadação de ICMS”, comenta o diretor da Assessoria Fiscal, Mauro Osorio.
O economista destaca como bons investimentos estruturantes, para alavancar o setor produtivo e atrair novos negócios: obras de infraestrutura; incentivos à expansão do Complexo Industrial da Saúde; o setor de petróleo e gás; e a distribuição da cobertura do 5G para o interior do estado, além de ações que favoreçam o ambiente de negócio nos setores de serviços, cultura, entretenimento, turismo e esporte.
Apesar das limitações impostas pelo RRF, o Parlamento fluminense tem conseguido contribuir com a aprovação de medidas para dar dinamismo a diversos setores econômicos. Entre as ações estão a redução das alíquotas de ICMS para bares e restaurantes, a isenção de imposto na conta de luz de produtores rurais e a criação de margem de preferência para fármacos produzidos no estado. A estratégia para não ferir as regras do regime é replicar aqui as alíquotas que já são praticadas pelos vizinhos do Sudeste e, por vezes, condicionar os benefícios à análise do impacto econômico. "O Rio precisa dar a volta por cima e nós, deputados, independentemente de partidos e ideologias, trabalhamos e continuamos neste esforço conjunto para garantir a competitividade necessária na guerra fiscal que enfrentamos contra outros estados do Sudeste", destaca Ceciliano, que percorrido todas as regiões do estado para divulgar o Fundo Soberano e identificar demandas e potencialidades de crescimento que precisam do apoio do estado.
FORTALECIMENTO DA INDÚSTRIA Para o economista Mauro Osorio, o Rio de Janeiro precisa de uma estratégia integrada de desenvolvimento regional. O estado tem uma estrutura econômica desarticulada e uma indústria rarefeita. Enquanto Santa Catarina tem hoje quase 30% dos postos de trabalho formal na indústria, no Rio, esse percentual é de apenas 9%. Os catarinenses enfrentam uma taxa de desemprego de 5,8%. Para os fluminenses, ela já ultrapassa 18%, acima inclusive da média nacional, de 14%. Desde 2017, a taxa de desemprego no Rio é maior que a média nacional.
“Mesmo nesse cenário de crise, Santa Catarina tem se sustentado. Grandes empresas estão no estado com competitividade internacional. Elas não são enclaves para a economia, são amplas, com uma cadeia de fornecedores articulada”, comenta Osorio.
A indústria da Saúde, que hoje gera 400 mil empregos diretos no estado, é um exemplo de setor que precisa ser incentivado. Atualmente, o país importa cerca de R$ 20 bilhões por ano em equipamentos e material de consumo, o que se evidenciou na pandemia. “Podemos atrair empresas para o Rio de Janeiro, com compromisso de compra por 20 anos e a possibilidade de transferência de tecnologia, como fez a Fiocruz”, sugere.
SERVIDORES NA MESA DE NEGOCIAÇÃO Diferentemente de 2016, quando a Alerj discutiu e votou a adesão ao primeiro RRF ao som de bombas de efeito moral e com a sede do Parlamento fluminense cercada por grades, o clima em 2021 foi de diálogo aberto com representantes dos três Poderes e de diversas categorias de servidores.
“A Alerj realmente se debruçou sobre esse tema. Quando você aprova leis que são frutos de discussão, você entra para negociar em um outro patamar, mostrando qual é o limite do Estado. A negociação não é para o Rio se curvar, isso não é federalismo. Com essas leis, o estado tem argumento para ser um negociador melhor, mais qualificado, e aí a gente consegue condições melhores para a entrada no regime. Sem as leis, seriam as condições que a União impusesse”, analisa a defensora pública Maria Carmen de Sá, que representou os servidores do órgão nas audiências.
Uma das principais conquistas dos servidores e do Parlamento foi a apro-
vação da Lei 9.436/21, que permitiu a recomposição salarial desde 2017, com previsão de reajuste de 26%, com reajuste inflacionário anual. O abono de permanência para servidores aposentados e a execução dos Planos de Cargos, Carreiras e Salários da Defensoria Pública e da Saúde (PCCS).
O Plano também garantiu a manutenção do triênio para os servidores atuais, manteve as licenças (que poderiam ser extintas), as regras de pensão por morte (que corriam risco de serem alteradas) e suavizou as regras de transição para a nova aposentadoria.
A manutenção do triênio - adicional por tempo de serviço concedido a cada três anos aos servidores estaduais - e o teto de gastos ainda são um ponto em discussão entre o Governo do Estado e a equipe econômica do Ministério da Economia.
A Alerj trabalhou pelo que entendeu ser o melhor cenário possível. Pelo texto aprovado, o teto de gastos para 2022, que aumentou para R$ 71,6 bilhões, será aferido globalmente e não de forma individual, por cada Poder.
“Se o teto fosse apurado por instituição, e não globalmente, a Defensoria Pública teria que fechar comarcas. Porque o orçamento de 2018, mesmo com a correção inflacionária, foi menor que o de 2021. Se uma instituição passar do teto, ela pode se compensar com alguma outra área que não executou o orçamento todo. Isso é possível”, explica Maria Carmen.
ACOMPANHAMENTO DO REGIME Enquanto os técnicos do Conselho de Supervisão do Regime de Recuperação Fiscal acompanham o cumprimento das medidas, ao estado cabe a adaptação da estrutura pública às novas regras. A defensora Maria Carmen de Sá cita como exemplo a proibição da conversão de licenças em pecúnia. “Agora, Poderes vão ter que se organizar para que aquele servidor possa gozar dessas licenças, já que ele não poderá ser indenizado pelos períodos aos quais ele tinha direito, mas não pode usufruir”, comenta.
O plano prevê revisão das exigências a cada dois anos. A depender do desempenho econômico do estado, algumas dessas amarras poderão ser flexibilizadas futuramente. Para Mauro Osorio, um dos pontos de atenção é a estrutura do serviço público.
“Vamos precisar de mais receita,
THIAGO LONTRA
DEPUTADOS DEBATERAM pontos críticos da proposta enviada pelo Governo mas também vamos ter de gastar mais com pessoal para criar de fato um ciclo virtuoso e não ficar enxugando gelo", finaliza Osorio.
O documento enviado pela Secretaria de Estado de Fazenda prevê, como O objetivo do Plano exceção do regime, 38 concursos para diversas áreas do Poder Público de Recuperação Fiscal - além das contratações temporárias é qualificar esses e de reposição dos cargos que sejam gastos, sem desapegar essenciais aos serviços públicos. Os deputados definiram em lei que se- do controle que é rão reconhecidas todas as vacâncias a necessário” partir de 06 de setembro de 2017, data de adesão ao primeiro regime. Bruno Sobral Subsecretário de Política Fiscal do Estado
MATRIZ PARA GUIAR O DESENVOLVIMENTO O Estado do Rio vai ganhar um instrumento fundamental para planejar o desenvolvimento econômico. A Alerj assinou convênio, em fevereiro, com economistas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ) para a elaboração de uma Matriz de Insumo-Produto (MIP). O estudo vai fornecer visão detalhada das relações entre os setores da economia ao registrar os fluxos de bens e serviços. É mais uma contribuição do Legislativo para melhorar o estado adensar a sua cadeia produtiva e aumentar a receita. A última vez que o estado contou com uma MIP foi em 1996.
Presidente da Comissão de Tributação da Alerj, o deputado Luiz Paulo (PSD) ressaltou que a nova matriz é 'revolucionária' ao permitir o planejamento estratégico do estado, ajudando a produzir, propor e avaliar políticas públicas. O estudo conta com o apoio da Assessoria Fiscal da Casa. Além de analisar, por exemplo, a receita tributária e os empregos gerados em determinado segmento econômico que recebe incentivos fiscais do estado, a MIP vai ajudar na elaboração de projetos de lei e outras legislações, como o Plano Plurianual, a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA).
O Rio é hoje o estado que menos cresce em todo o país. Entre 1985 e 2020, a cidade do Rio teve um crescimento no número de empregos de apenas 6%, enquanto o país aumentou a oferta em 125%.