8 minute read
O Rio além do petróleo
by Alerj
Alerj percorre interior mapeando projetos para desenvolvimento do estado
TEXTO GUSTAVO NATARIO FOTO BANCO DE IMAGEM
Advertisement
Omundo caminha para a mudança rápida da matriz energética, na qual o petróleo - uma das bases principais da arrecadação do Rio de Janeiro - tende a se tornar inviável, seja por imposição de medidas de controle ambiental ou pelo esgotamento das reservas. Atenta ao cenário futuro, a Alerj aprovou a Emenda Constitucional 86/21, que criou o Fundo Soberano e a Lei Complementar 200/22 que o regulamenta- reserva financeira para investir no desenvolvimento econômico e social do estado.
Hoje, o Rio é extremamente dependente do “ouro negro”. Mais de 80% das reservas provadas de petróleo do País - estimadas em 9,64 bilhões de barris de óleo - estão em território fluminense. O complexo do petróleo e do gás é responsável por 67,4% da produção industrial do estado. Mas quase toda a receita compensatória - royalties e participações especiais - é usada para financiar a previdência dos servidores públicos. Dos 19,1 bilhões de receitas líquidas do petróleo previstas no orçamento de 2022, 17,7 bilhões (92%) serão gastos no pagamento de aposentadorias e pensões. O Fundo Soberano é uma iniciativa para transformar essa realidade e pensar o estado para além do petróleo.
Proposto inicialmente pelo presidente da Alerj, deputado André Ceciliano (PT), e aprovado por unanimidade na Casa - o fundo vai dispor de parte dos recursos excedentes da exploração do petróleo para investir em projetos de ampliação da base industrial e de incentivo a outras atividades econômicas, atraindo novos empreendimentos e diversificando a base produtiva.
“Eu chamo o Fundo Soberano de passaporte para o futuro. É uma reserva pública para financiar investimentos de infraestrutura, ciência e tecnologia, novos produtos, projetos que gerem emprego e riqueza. Para que a nossa economia tenha fôlego para ir além dos royalties. Temos que diversificar a nossa base produtiva para aumentar a receita, que é o nosso grande problema”, afirma Ceciliano.
A Alerj promoveu encontros em todas as regiões do estado, mediados pelo pre-
sidente Ceciliano, com prefeitos e secretários municipais, empresários e entidades sociais para divulgar e esclarecer sobre a aplicação do fundo. Sobretudo, as audiências têm servido para acolher propostas e aprofundar as discussões sobre os entraves e as soluções para dinamizar as economias regionais.
PROJETOS ESTRUTURANTES Cinquenta dos 92 municípios do estado participaram das discussões, realizadas em Itaguaí, na Baixada Fluminense; Campos dos Goytacazes, na Região Norte; Volta Redonda, no Médio Paraíba; Itaperuna, no Noroeste e Cabo Frio, na Região dos Lagos. As audiências têm o mérito de criar uma agenda de discussões sobre a estratégia de desenvolvimento do estado.
Em Itaguaí, Ceciliano ouviu pleitos como o da construção de uma nova rota de gasoduto, a 4b, para escoar o gás produzido no Campo de Bacalhau, na Bacia de Santos, passando por Itaguaí, na Baixada Fluminense.
“Com a criação desse gasoduto é possível pensar na atração de indústrias, inclusive de siderúrgicas e termelétricas. Esse deve ser um compromisso da Petrobras e dos governos. Cerca de 55% do gás produzido é reinjetado nos poços. A Baixada Fluminense precisa de desenvolvimento e emprego, sendo necessário investir na periferia metropolitana”, destaca.
Demanda semelhante foi apresentada pelos empresários de Campos dos Goytacazes, onde a oferta do gás poderá viabilizar a instalação de uma fábrica de fertilizantes. Presente à audiência pública, o pesquisador da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) Solos, José Carlos Polidoro, ressaltou que o Brasil é um dos maiores produtores do agronegócio no mundo, mas 80% dos fertilizantes utilizados são importados. "No último ano gastamos, R$ 10 bilhões com a compra de fertilizantes. Recursos que poderiam ser injetados na nossa economia, caso produzissem esse material. Para o Rio sair na frente, precisa de um plano para atração de investimentos para essa área e o Fundo vai ajudar muito nisso", explica Polidoro.
Atividades com grande capacidade de atrair novos negócios, consideradas indutoras do crescimento econômico, devem ser o foco dos investimentos desses recursos. O primeiro aporte à poupança pública de investimentos foi formalizado, no fim de março, com valor de R$ 2,1 bilhões previstos no Orçamento de 2022. A cerimônia contou com a presença do governador Cláudio Castro; do presidente da Alerj, André Ceciliano; de secretários, deputados e representantes de entidades envolvidas. Entre os setores que podem ser beneficiados por uma política pública de geração de emprego e renda está a indústria naval.
O diretor administrativo da Itaguaí Construções Navais (ICM), Francisco Matos Lima, apresentou o projeto do cluster da “Economia do Mar”, que já tem interesse de 87 novas empresas e 57 ações planejadas. “Criamos o polo do mar da Baía de Sepetiba, que conta com universidades, governo e empresas. O objetivo é gerar sinergia e atrair negócios. Um dos nossos objetivos é realizar o submarino nuclear e criar cada vez mais navios de superfície. Temos potencial e precisamos de investimentos”, afirma.
A necessidade de integração do território ficou evidente quando as audiências avançaram para o interior do estado. Há necessidade de construção de estradas para facilitar o trânsito de turistas ou abrir caminho para o trânsito de insumos, mercadorias e produtos agrícolas. No Médio Paraíba e no Noroeste, pavimentar rodovias e estradas vicinais é consolidar o caminho para o progresso. Na Região dos Lagos, a Estrada do Nelore, ligação entre Arraial do Cabo e Búzios, poderá favorecer também quem chega pelo Aeroporto Internacional de Cabo Frio - que tem planos de expansão.
Na visita de Volta Redonda, empresários apresentaram a Ceciliano um estudo de logística que, entre outras obras, inclui a construção de uma ligação de 80 quilômetros entre Barra Mansa e Itatiaia - o que desafogaria o trânsito na Rodovia Presidente Dutra.
OCTACILIO BARBOSA
“Todas as vezes que há acidente na Dutra, a conexão entre as cidades para. Congestionando as cidades", descreve o presidente do Sindicato das Empresas de Transportes de Cargas e Logística do Sul Fluminense (SulCarj), José Marciano de Oliveira.
O Noroeste carece de infraestrutura básica, como estabilidade no fornecimento de energia elétrica, problema que poderá ser solucionado com a construção de subestações e ampliação da rede de transmissão. O investimento emergencial para destravar a capacidade produtiva das empresas locais é estimado em R$ 40 milhões.
“Fiquei muito impactado com a questão da energia, que pode ser resolvida com poucos recursos. O estado abre mão de R$ 9 bilhões por ano em incentivos fiscais e precisa resolver um problema de R$ 40 milhões comum a cinco dos 13 municípios da Região Noroeste. Estamos reunindo empresários, o governo e a Enel para buscarmos uma solução ”, diz Ceciliano.
DIVERSIFICAÇÃO PRODUTIVA Presente aos encontros, a Assessoria Fiscal da Alerj elaborou levantamentos que mostram as potencialidades e as carências de cada região, baseados nos dados oficiais disponíveis. O diagnóstico geral é de que o estado precisa se industrializar e diversificar a base produtiva.
“O Estado do Rio de Janeiro perdeu, de 2015 para cá, 800 mil empregos com carteira assinada. A queda de empregos com carteira assinada foi de 10%, enquanto o Brasil cresceu. Somos o terceiro PIB per capita nacional, mas estamos na 18ª posição com relação à receita estadual.Temos uma estrutura produtiva oca e isso precisa mudar ”, analisa o diretor-presidente da Assessoria Fiscal, o economista Mauro Osorio.
Apesar da forte dependência que o estado tem do petróleo e do gás, boa parte da riqueza gerada por essa indústria não se reflete em ganhos para o Rio de Janeiro. O estado é responsável por 85% da produção de petróleo, mas apenas 20% dos fornecedores dessa cadeia produtiva estão localizados aqui, conforme explica o diretor do Núcleo de Pesquisa Econômica do Rio de Janeiro (Nuperj), vinculado à Universidade Estadual do Norte Fluminense (Uenf) Darcy Ribeiro, Alcimar das Chagas Ribeiro:
“É uma lógica perversa para o estado. As externalidades positivas da
THIAGO LONTRA
MARICÁ: cidade usa recursos do fundo para financiar políticas públicas MODELO DE SUCESSO EM OUTROS PAÍSES O Fundo Soberano contará com recursos provenientes de 30% do aumento de arrecadação dos royalties de petróleo, além de 50% das receitas recuperadas de Termos de Ajustamento de Conduta (TAC), decisões administrativas, judiciais ou indiciamentos legislativos referentes à exploração de petróleo e gás. A previsão é de que ele seja usado como um fundo de investimento e também como reserva para momentos de crise, como a que o Rio viveu em 2016; quando o estado quebrou com a crise do petróleo.
O modelo já é adotado em países que são grandes produtores de petróleo, como Noruega, Canadá e Emirados Árabes. Mesmo no Brasil, há quatro fundos regionais - nos municípios de Ilhabela, Maricá, Niterói e no Estado do Espírito Santo. Maricá, na Região Metropolitana do Rio, foi o primeiro a criar a aplicação, em 2018, e dispôs de um saldo de R$ 633 milhões em 2021. Segundo o secretário municipal de Planejamento, Orçamento e Gestão, Leonardo Alves, os recursos são utilizados, sobretudo, para a manutenção de programas sociais do município. “O objetivo é pensar a longo prazo e, assim, resguardar o futuro da economia de Maricá, garantindo que as atuais políticas públicas mantidas pelo governo municipal – ônibus tarifa zero, bicicletas vermelhinhas e a Moeda Mumbuca, entre outros – não sejam interrompidas caso o município deixe de contar com esses recursos”, explica.
atividade - emprego, tecnologia, ampliação de negócios e tributos - não são absorvidas como deveriam internamente, sobrando problemas como os atuais - desindustrialização, desemprego e aniquilamento das receitas orçamentárias”.
O economista do Nuperj, que acompanha os gastos com royalties e participações especiais de petróleo no estado, ressalta a dificuldade do governo e das prefeituras em lidar com a grande volatilidade de receitas, devido à crise no cenário internacional, além da falta de planejamento na aplicação do dinheiro das compensações.
“A produção de petróleo diária atingiu seu ponto máximo de dois milhões de barris por dia em 2010, declinando gradativamente até 2014, com uma queda mais acentuada a partir daí, em função da crise internacional que derrubou o preço do barril pela metade. O problema é que as despesas de custeio dos municípios beneficiários de royalties e participações especiais não tiveram um comportamento semelhante e a falta de planejamento gerou forte crise fiscal nesses beneficiários e no estado”, afirma.