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Dignidade menstrual: direito de todas

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Rua do Lavradio

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INTEGRANTES DO COLETIVO Girl Up distribuem absorventes para menina numa comunidade

TEXTO CAROL BARRETO FOTO DIVULGAÇÃO GIRL UP

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Uma em cada quatro meninas já deixaram de ir às aulas por não terem absorventes higiênicos, segundo dados da Always Brasil. Pelo menos 43 mil alunas cariocas deixaram de frequentar a escola em algum momento pela falta de dinheiro para comprar o item de higiene. A situação de extrema pobreza, agravada pela pandemia do novo coronavírus, tornou ainda pior o cenário da pobreza menstrual no Rio de Janeiro. O termo refere-se à dificuldade em ter acesso a produtos menstruais, mas também a informação sobre menstruação e a infraestrutura adequada para o manejo da higiene durante o ciclo. No ambiente escolar do Brasil, há cerca de 7,5 milhões de meninas que menstruam e 213 mil que não têm banheiro em condição de uso nas unidades de ensino. Diante desse cenário, meninas do Girl Up Elza Soares, coletivo que atua na Zona Norte do Rio de Janeiro que inspira e empodera garotas a lutar pela igualdade de gênero, decidiram se unir e começar uma campanha para arrecadar absorventes. Logo perceberam que era preciso também chamar a atenção do poder público para o problema.

“Fizemos uma campanha de arrecadação de absorventes, mas percebemos que seria muito difícil mantê-la todos os meses. Foi então que decidimos procurar os parlamentares. Escrevemos o projeto de lei para garantir o absorvente nas cestas básicas. Levamos aos parlamentares e o deputado Renan Ferreirinha, à época, se interessou em apoiá-lo”, disse Gab Falci, integrante do grupo.

Falar de menstruação ainda é um tabu enraizado na nossa cultura. “Historicamente, tratavam a mulher menstruada como vulnerável e perigosa ao mesmo tempo. O medo do sangue menstrual explicaria os rituais e tabus que estão associados à menstruação e à fecundidade humana, relacionando a mulher às forças incompreensíveis da natureza. Assim, a mulher menstruada, em várias culturas, é proibida de participar dos rituais religiosos, comer certos alimentos, prepará-los, ficando em isolamento”. explica a psicóloga Wanessa Berba.

O tempo passou, mas ainda hoje é difícil quebrar esse paradigma e falar abertamente sobre menstruação. “Cada mulher, ainda que exposta às mesmas normas sociais, vivencia a menstruação a partir de duas percepções distintas: em sua experiência real (definida pela quantidade, frequência e duração do fluxo), e como membro da sociedade a quem a menstruação atri-

bui certos significados próprios e tabus. Daí a dificuldade em falar sobre o tema ainda nos dias de hoje”, complementa. A desinformação, aliada à falta de recursos, leva meninas e mulheres a utilizarem objetos como miolo de pão, papelão e plástico para conter o fluxo menstrual. Lançar mão desses itens é extremamente perigoso à saúde.

“O sangue menstrual é um meio de cultura para fungos e bactérias. O uso de materiais como jornais, por exemplo, pode causar infecções bacterianas graves que, em situações extremas, acarretam até no óbito dessa mulher. A falta de higiene adequada, sobretudo em mulheres em situação de rua e privadas de liberdade também são fatores agravantes para a pobreza menstrual. A garantia de um absorvente, que deveria ser um direito de todas, ainda é vista como um artigo de luxo. Além da informação, a gente precisa dar assistência para que ela retome a sua dignidade”, ressaltou a ginecologista, obstetra Ana Sodré.

O cenário preocupante chamou a atenção do poder público e, hoje, já há leis em vigor para mitigar os impactos da pobreza menstrual na vida de diversas meninas.

De autoria da deputada Dani Monteiro (PSol), a Lei 9.404/21 autoriza o poder executivo a distribuir absorventes gratuitamente nas escolas públicas do Estado do Rio de Janeiro, como item de necessidade básica para a saúde e higiene feminina, que deverá ser realizada na secretaria ou coordenadoria das escolas e, preferencialmente, por uma funcionária mulher. “Sabemos que o número de pessoas que menstruam em desamparo e sem acesso a um item de higiene tão básico como o absorvente é assustadoramente alto. No Rio de Janeiro, a situação não é diferente. Convivemos com a falta sistemática de higiene adequada durante o período da menstruação, ou seja, além do absorvente, faltam banheiro, chuveiro, água tratada, orientação sobre o que é a menstruação, um processo natural que precisa ser reconhecido como tal. Ainda que seja uma lei autorizativa, é uma vitória ter o reconhecimento do absorvente higiênico como de necessidade básica para a saúde feminina. O que buscamos é, sobretudo, diminuir a desigualdade de gênero e garantir dignidade para meninas, adolescentes e jovens mulheres estudantes da rede pública de ensino”, disse a deputada.

Outras normas criadas pela Alerj asseguram a distribuição do item. A Lei 8.924/20, de autoria do deputado Rosenverg Reis (MDB), incluiu absorventes na composição da cesta básica; e o Projeto de Lei 2.890/20, do deputado Danniel Librelon (Rep), prevê a entrega gratuita para a população de rua.

Atual secretário de Educação do município do Rio, Renan Ferreirinha, coautor da Lei 8.924/20, pôde observar mais de perto, no cotidiano da pasta, o impacto da pobreza menstrual no ambiente escolar do município. Em outubro passado, foi lançado o “Livre para Estudar”, programa de combate à pobreza menstrual e à evasão escolar. A expectativa é de que a ação atenda a cerca de 100 mil estudantes, distribuindo mais de oito milhões de absorventes por ano, e investimento de R$ 14 milhões.

“A ideia desse projeto é que nenhuma menina possa faltar aula porque não tem o mínimo, que é o absorvente para ir à escola. A gente precisa virar essa página e focar em uma educação de qualidade em que todas as nossas alunas possam estar estudando sem nenhuma dificuldade. Além da distribuição dos absorventes, levar também informação e conscientização”, finaliza Ferreirinha. E a luta está só começando para as meninas do Girl Up Elza

Soares. “Nosso objetivo é levar o movimento Livre para Menstruar para outras meninas do Brasil, para que procurem outras casas legislativas no país, como nós fizemos aqui no Rio. Queremos alcançar também áreas onde ainda não conseguimos chegar, como os presídios femininos. Além disso, seguir levando aulas de educação menstrual para as comunidades, porque não adianta doarmos o absorvente se não levarmos informação e conscientização para as meninas”, conclui

Beatriz Diniz.

“Uma em cada quatro meninas já deixou de ir às aulas por não ter absorventes higiênicos”

Julia Santos, integrante do coletivo Girl Up

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