4 minute read
___________________ Mata Rasteira
>> Grupo Caras Pintadas
(Contagem/MG)
Advertisement
SINOPSE Inspirado no romance homônimo do autor paulista Abner Laurindo, o espetáculo MATA RASTEIRA do Grupo Caras Pintadas é um encontro poético e político com o universo do teatro e da cultura afro-brasileira. A peça utiliza como fundamentos a musicalidade e corporeidade da capoeira, além da contação de histórias dos Griots africanos para narrar a odisseia de Nlongi, um menino nascido em Angola, na África, que é sequestrado e escravizado por corsários portugueses e trazido para o Brasil, onde participa de importantes movimentos de resistência cultural e guerreira do povo negro em sua ânsia pela liberdade.
FICHA TÉCNICA Elenco: Rodrigo Negão | Diretor e técnico: Gabriel Coupe |Produção e Consepção: Rodrigo Negão | Duração: 60 min | Indicação etária: 10 anos
Apresentado no dia 09 de março de 2020 - presencialmente Fotos: Pablo Bernardo
Após um ano de estréia do espetáculo “Mata Rasteira”, chegamos a tão desejada sessão do espetáculo na programação da Segunda Preta, e por ironia do destino, acabamos por ser a ultima apresentação presencial antes de se instaurar a Pandemia de Covid-19. Falamos sobre ser “tão desejada” porque acreditamos que a segundaPRETA é um marco na história de Belo Horizonte, no que diz respeito aos fazeres artísticos de pessoas pretas para a cidade. Esse jeito outro de juntar nossas vozes, gestos, pensamentos e reflexões, para falar com gente da gente, para gente da gente. Mata rasteira versa sobre reorganização, sobre saber de onde se veio e buscar a partir daí, compreensão de onde estamos e quem sabe suscitar caminhos possíveis para estarmos mais fortes, mais juntos, cuidando da gente mesmo. A segundaPRETA desperta esse desejo na gente. Nos faz, de alguma maneira, nos entender não sozinhos. E é a partir desse não solo que o espetáculo entrega seu ponto de partida. No encontro destes caminhos nos espelhamos como num caleidoscópio brilhante e em pedra bruta, com pequenos traços lapidados e com tantos outros a jato de areia, ou de barro, mas também brilhantes e polidos como a água do rio doce que bate na pedra e encontra seu caminho. E água que bate em pedra e remolda seu curso, sabemos bem de quem se trata. Pelo menos, quem é de saber, sabe!
Em Mata Rasteira, refletimos a importância dos nossos mais velhos, nossa jóias preciosas, detentora de conhecimentos acumulados pela experiência da vida. Essa relação já se apresenta pela disposição do público no espaço. Em roda, os mais jovens no chão, os mais velhos sentados em cadeiras, velas acesas em memória aos ancestrais que já se foram, mas também pelos ancestrais em ascendência. A cultura oral se faz presente e o público é convidado para contar essa história junto. Contando junto também acrescentamos a história, pois acreditamos também que quando contamos uma história, também nos tornamos parte dela. Por isso a importância de nós mesmos contarmos nossas histórias e não um outro que sabemos bem quem é! E é também assim que nos sentimos em relação a história da segundaPRETA. Quando contamos nossas histórias dentro de sua programação,
também contamos a história deste movimento, e acabamos sendo segundaPRETA também.
Porém, Mata Rasteira não é só sobre beleza, é também sobre sangue, sangue esse que derramamos dia a dia, gota a gota, ou sangue jorrado pelos de outrora para que este que voz escreve, junto a estes que lê os escritos, possam existir neste espiral. Mata Rasteira - ou - Capoeira - como foi batizada pelos povos originários, foi o primeiro movimento organizado e estratégico de resistência do povo negro em busca constante e infindável por auto-proteção. “Luta de escravizado em ânsia por liberdade”. E assim como Exú, Capoeira “é tudo que a boca come!” Então, Capoeira também é teatro, é voz, é movimento, é dança, é arte, é luta, é afeto, é amor e é raiva. Tudo isso organizado na inteligência de um povo, no corpo de um povo, no pensamento e movimento ancestral, sob a ótica do consciente, mas também do subconsciente.
Quando decidimos tirar Mata Rasteira de um livro de romance e trazer para o teatro, os universos do que aprendemos nos livros didáticos da escola e o que a história contada pelos nossos mais velhos nos revela, entraram em conflito. E nada melhor que um bom conflito para tirar leite de pedra, ver a real da parada, ligar lé com cré. A nossa história contada sob a ótica do branco é uma conta de bananas feita com laranjas. No final não cabem no mesmo saco e não vão para o mesmo destino. A conta não fecha! E cavucando cada vez mais essa terra em sentido as camadas mais profundas da nossa história enquanto povo, deixamos de encontrar bananas, laranjas e outras frutas e passamos a encontrar ouros, diamantes, dendês, obis, omolocuns, opanijés, amalàs e outras infinitas riquezas que só o nosso povo tem. É dessas riquezas que nos nutrimos. São desses ebós que nos alimentamos e somos alimentados. E a cada vez que arriamos a oferenda, chega mais gente pra comer. Olhando pra tudo isso, a única certeza que temos é que em mesa de preto sempre tem espaço pra mais um preto comer. A Calunga é grande! Nzambi Ua Kuatesa! Awetu!