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____________ Xabisa
>> Michelle Sá e Alexandre de Sena
(Belo Horizonte/MG)
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SINOPSE Xabisa é uma palavra da língua Xhosa, dialeto de origem sulafricana, que, em português, significa “Valorize”. No espetáculo de mesmo nome, duas pessoas estão em uma caverna onde, individualmente, buscam por riquezas. A caverna remete ao Mito de Platão, à escravidão negra e, também, à exploração de ouro no Brasil. Ao procurar por preciosidades, entre obstáculos físicos e socioculturais, os personagens encontram a si mesmos. Na peça as diferenças entre homem e mulher são colocadas em xeque, utilizando uma linguagem teatral negra contemporânea e cômica. O trabalho propõe um encontro cultural afro-brasileiro, trazendo referências da cultura Bantu, da dança Gumboot – ambas originárias da África subsaariana, e dos jogos de palhaço.
FICHA TÉCNICA Elenco: Michelle Sá e Alexandre de Sena | Direção Coletiva: Esio Magalhães, Michelle Sá e Alexandre De Sena | Roteiro dramatúrgico: Michelle Sá e Alexandre de Sena | Preparação Vocal: Josi Lopes | Preparação Corporal: Nath Rodrigues | Direção Musical: Stanley Levi | Produção executiva: Aristeo Serra Negra | Duração: 50 min | Indicação etária: Livre
Transmitido no dia 14 de junho de 2021, na segundaPRETINHA Fotos: Aristeo Serra Negra
Imaginamos e somos outros palhaços – Xabisa “é nóis”
O espetáculo Xabisa coexiste nos territórios do teatro e palhaçaria. Eu, Michelle Sá, mulher negra não retinta e cisgênera, Alexandre de Sena, homem negro retinto e cisgênero, atuamos e assumimos a direção do Xabisa. Neste texto, vou compartilhar resumidamente um pouco dos pensamentos, desejos, objetivos e a pesquisa que direcionou nossa caminhada criativa, mas antes vale ressaltar o cuidado, o respeito e cumplicidade que permeou a relação de trabalho entre mim e o “Xande”(Alexandre), acredito ser necessário pontuar esse lugar acolhedor que conseguimos criar entorno do Xabisa, porque infelizmente muitos processos de criação facilmente replicam padrões, hierarquias e opressões embasados principalmente em formas de criar ocidentalizadas. Fomos pesquisar palhaçaria, e uma máxima compartilhada entre nós foi de que queríamos investigar essa linguagem de uma forma mais aproximada da gente, ou seja, que comunicava com a nossa existência negra, com as nossas histórias e memórias, seja elas ruins ou boas. Nos colocamos dispostos a vários questionamentos necessários para não replicar um humor ofensivo e principalmente para não perpetuar imagens que nos desabone enquanto pessoas negras dotadas de belezas, qualidades, subjetividades e complexidades humanas, porque infelizmente a “imagem” que se criou historicamente nossa em cena, principalmente quando se trata do humor, são projeções do olhar do branco sobre nós em cena, essas estereotipadas e racistas. Segundo Marcos Antônio Alexandre, em O teatro negro em perspectiva: dramaturgia e cena negra no Brasil e em Cuba (2017), a representação do negro na dramaturgia universal, perdurou por muito tempo através de papéis secundários que exaltavam apenas os estereótipos cômicos e/ou escravizados (ALEXANDRE, 2017, p. 31).
Vale rememorar algumas situações vivenciadas durante minha formação artística, anteriormente ao Xabisa, a exemplo oficinas de palhaçaria que frequentei como aluna, nos anos de 2007 a
2012, oficinas ministradas por pessoas brancas, referencias de palhaçaria no Brasil, elas ensinavam técnicas e humor pautados no referencial euro centrado, o que causava em mim uma sensação de exclusão, sem ter a consciência racial que tenho hoje, eu tinha entendido naquela época que ser palhaça não era pra mim, mas hoje percebo que esse processo de não se sentir integrada tem mais a ver com o que se perpetuou como o ideal de palhaço. Por isso e por outros motivos, no processo do Xabisa, começamos a imaginar outra imagem de palhaço diferente do referencial tradicional europeu quando se imagina um palhaço. Se pedirmos uma pessoa para fechar os olhos e imaginar um palhaço e depois solicitarmos a ela para descrever a imagem que ela imaginou desse palhaço, é muito provável que ela vá descrever uma pessoa branca, com buchechas rosas pintadas, um nariz vermelho, boca pintada de vermelho, roupas coloridas com bolinhas ou listras, usando um sapato chamativo. Durante o processo de construção do Xabisa a gente dizia: “Vamos criar um espetáculo de palhaço preto do nosso jeitinho”. Caberia também a pergunta: Como romper o estereótipo do negro em cena nas produções de criação de palhaçaria? Através dessas motivações internas buscamos na nossa memória referencias de cômicos negros que nos inspiraram na infância e em outros momentos de vida, a exemplo o Antônio Carlos, o Mussum. No inspiramos em humoristas negros e negras da cena nacional e internacional, trouxemos para o figurino e maquiagem outras referencias, usamos roupas brancas que exalta a cor da nossa pele em cena; o nariz de palhaço é “afirmativo”- nariz preto; calçamos botas brancas que remetem aos nossos trabalhadores ancestrais das minas de ouro de Minas Gerais; nos alimentamos de filosofias negras como a da autora Chimamanda Ngozi Adichie em “Sobre o perigo da história única”. Imaginamos e somos outros palhaços. Xabisa “é nóis”, corpos de artistas negros, que praticam na própria vida movimentos insurgentes, que reverberam em nossas experiências teatrais, através da força estética contida no discurso da cena, que é permeado por isso que somos.