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_____________________ Arruda Hi-Tech
Clamor para Estrelas
Danielle dos Anjos
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Clamor para Estrelas é um manifesto, uma carta a minhas iguais, um chamado a uma nova existência, toda a ação se desenvolve a partir do nascimento dessa carta, desse desejo de criar mundos, restaurar nossas civilizações e tomar os espaços que nos pertencem, vejo toda a vídeo performance como uma ode a esse futuro que somos nós.
Na cena busco ritualizar as ações com elementos naturais em um espaço externo, em meio a uma mata, evidenciando a minha ligação em corpo e espírito a uma ancestralidade, que respeita o entorno e se fortalece por ele, há nos elementos esse lugar simbólico do ritual, a água, o fogo, a espada de santa barbara, unidos na cena se fortalecem e fortalecem o espaço que crio para mim e minhas irmãs.
O corpo feminino e o samba são elementos marcantes na videoperformance, nela busco usar o corpo e suas relações afrocentradas como dispositivo de (re)existência para a proposição de mundos outros, de futuros possíveis para o corpo da negrura, ou seja, um pensamento afrofuturista que enaltece a ancestralidade em uma busca por existência futura, manifestada na cena através do samba, um dos principais elementos da identidade cultural afrobrasileira.
Essa ideia expressa Sankofa, (adinkra, simbolo dos povos Akan) “retornar ao passado para ressignificar o presente e construir um futuro”, uma das bases conceituais do afrofuturismo. O afrofuturismo é um movimento artístico que mistura mitologias e histórias africanas e afro-diaspóricas, teorias científicas e ficção-científica para criar narrativas que vislumbram um futuro de liberdade, autoestima, posicionamento e empoderamento negro.
O corpo negro se mostra, no Afrofuturismo como um lugar de possibilidades, um lugar onde os elementos se misturam e criam, no presente, mitologias e desejos de um futuro que já foi e que ainda pode ser. Assim, através do próprio corpo no presente, na ação executada no agora, eu expresso meu desejo de futuro, trago meu corpo como aquilo que ele é: sem necessidades de definições ou questionando as definições impostas socialmente. Se corpos
femininos negros são lidos de forma muito limitante dentro da cultura racista e sexista brasileira, o afrofuturismo, tão fortemente presente na ação, permite que se negue esses estereótipos e se construa, através da dança, aquilo que se é. Desse modo, é possível demonstrar aquilo que meu corpo, e tantos outros corpos femininos pretos são em essência: partes de um todo que remonta aos corpos e saberes de nossos ancestrais.
Ao buscar o samba, que no caso de Clamor para estrelas, um samba repleto de referências futuristas composto por batidas eletrônicas, eu busco um lugar de afeto que me remete as festividades da minha família, que sempre foram regadas de muito samba e pagode, e um retomo a uma ancestralidade coletiva, pois o samba é uma das manifestações afro-brasileiras mais forte e que se encontra em todo o país.
Sambar em clamor para as estrelas é marcha, movimento de tomada, de guerrilha, mas que também é afetividade, é sensualidade e prazer, meu corpo preto enraíza os pés descalços no chão, retira da terra a energia ancestral que me permite explodir em galáxias.
Como disse Giovany Oliveira em sua crítica:
“Ao tomar a ágora, a poetisa/griô/benzedeira/estadista/estelar/ artista/filósofa nos convoca a tomar o mundo na base do semba, do samba, na ginga de bamba que traça rotas impensáveis para a branquitude desavisada. Dani Anjos coreografa movimentos antigos que se forjam no futuro. A nova égide de Luísa.. Supernova.a iluminar com raios quentes o infinito das linguagens. Cometa! (OLIVEIRA, 2021)1
Ao criar Clamor para Estrelas pensava buscava os espaços que quero conhecer, as viagens que quero realizar, o futuro que sonho pra mim e minhas irmãs, mas pensava também no que me foi negado, retirado, usurpado, e que quero, que exijo a retomada, o cosmo aparece como esse lugar de possibilidades além do tempo e espaço, um lugar misterioso e fascinante que me permite sonhar esses futuros, mas também como um convite a um mergulho interno, um convite a vislumbrar e reacender a nossa chama interior, a nossa força interior, a nossa capacidade de iluminar galáxias.
Clamor para Estrelas é um chamado a tomar tudo que nos é negado e a tudo que nos é permitido, pois somos capazes de construir e reconstruir as nossas civilizações e vivermos sob nossa égide.
>> Manu Ranilla
(Belo Horizonte/MG)
SINOPSE A obra musical narra a vida de Arruda, uma mulher que vive no Jardim Sonoro de Manu Ranilla, lá no silêncio do isolamento presente e no caos sonoro de dentro, um lugar cheio de anseios e ansiedade pelo futuro afora, todo em preto e branco mas cheio de verde, desverticalizando o horizonte pandêmico.
FICHA TÉCNICA Trilha: Arruda Hi-Tech e Manu Ranilla | Vídeo: Manu Ranilla | Performance: Manu Ranilla | Composições: Manu Ranilla 1- Arruda 2- Sonho | Duração: 8 min | Classificação livre
Transmitido no dia 11 de outubro de 2021 Foto: Lucas Alex
Por Manu Ranilla
Integrar a programação da 10a TEMPORADA da segundaPRETA foi mais que simbólico, foi conectar fortemente com caminhos abertos, conectar sem pressa e com muito afeto, foi celebrar a trajetória de uma artista tão especial e com tanta história como VALDINEIA SORIANO e foi potencializar quem tá chegando, quem chegou e quem está por chegar com sua arte que movimenta dentro e fora o povo preto.
Ser parte desta edição apresentando a Arruda Hi-Tech que tanto celebra a fé na performance, na música e na arte, nos levando revitalizar a alma em tempos sombrios, e sobre o tempo, sabemos que eles são outros, e que é puro movimento.
O tempo, o movimento que nos leva a tantos caminhos; alguns de louvor engasgado, que é fruto da resistência de muitos antepassados e hoje reverbera numa espécie de legado impresso no nosso criar. Deixar falar o corpo, a gente como parte da natureza e a gente como gente foi o que mais reverberou na noite da exibição de “Jardim Sonoro”, “Clamor Para As Estrelas” e “Ex-Tinto”. Apresentar Arruda Hi-Tech neste solo da segunda preta, ao lado de artistas incríveis e admiráveis, me trouxe ao tempo presente para refletir o quanto nossa arte dialoga e firma o pacto de colocar pra fora o que nos atravessa nesta existência.