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_______________________ Vamos pra costa?
>> Núcleo da Tribo
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SINOPSE Hierarquia, visibilidade, temporalidade e especificidade de cada corpo em executar uma determinada ação são aspectos que ganham novas vozes e movimentos quando três pescadores descrevem suas funções na pescaria artesanal que acontece no litoral baiano, na cidade de Itacaré. A partir de suas experiências, a cena vira um espaço múltiplo de trocas entre os três pescadores-dançarinos e o público, que é inserido num universo onde alimento, encontros, vivência e sobrevivência convivem simultaneamente, mas não harmonicamente. Afinal, sem peixes não tem canoa na arrebentação, não tem rede bem costurada, não tem piageiros, não tem histórias…
FICHA TÉCNICA Vozes: Maria Nedina Conceição | Elenco e Roteiro: Arionilson Xixito, Miquiba Cruz e Valmilson Péricles | Direção de Cena: Verusya Correia | Direção de Fotografia e Montagem: Victor Quixabeira e Souza | Imagens Aéreas: Tárek Roveran – Itacaré Drone | Fotografia Still: Wilson Oliveira | Trilha Sonora: Chico Neves – ESTÚDIO304selo | Direção de Produção de Conteúdo: Rafael Ventuna | Coordenador de Produção: Gilmar Silva | Produção: Lucia Kobayashi e Richard Melo | Assistência de Produção: Jaana Rocha e Vitoria Santos | Cenotécnico: Aloísio Ferreira | Pescador e Condutor Náutico: Reuben Bomfim de Oliveira | Esta obra é uma criação coletiva para o Online Festival de Dança Itacaré 2021 com a colaboração de artistas baianos | Classificação livre | Duração: 13 minutos
Transmitido no dia 21 de março de 2022 Foto: Wilson Oliveira
Vamos pra costa? Como a dança gera visibilidade e apresenta os modos de organização e ações cotidianas da/na cidade
De Verusya Correia
No espetáculo Vamos pra Costa?, o processo de criação começou em janeiro de 2015. Um desejo do Magno Rocha (Miquiba), um dos dançarinos, em produzir um espetáculo de dança sobre a pesca artesanal - sua composição é feita por homens, moradores do bairro Porto de trás, de outros bairros, de outras regiões e convidados, que ocorre na praia da costa, localizada na outra margem do Rio de Contas, em Itacaré/BA. Os três dançarinos do nosso grupo, também são pescadores desta atividade.
Começamos a identificar a organização da pesca e vimos a importância da descrição de cada função1, ao qual os três dançarinos-pescadores exercem neste encontro, devorante trabalhamos para a montagem desta cena para o espetáculo. O nosso exercício neste momento foi deixar claro as falas de cada um. E com a evolução introduzimos pequenos movimentos para esta cena.
Em um determinado momento, vimos que tínhamos um interessante registro fotográfico da pesca artesanal, e que era pertinente estar em cena, com isto surgiu a ideia de uma espetáculo-instalação, nesta ocasião dialogamos sobre a visibilidade das ações dos moradores do Porto de Trás e a própria pesca em relação da cidade de Itacaré, ao longo dos ensaios, estas questões foram amadurecendo, há algum tempo, eu já tinha visto umas pequenas canoas em algumas casa do bairro, propôs ao grupo a utilização dessas canoas para compor o nosso trabalho. Descobri que era o pai de Miquiba que construía estas réplicas. Os últimos elementos para compor a instalação foi os monóculos, e os fios de náilon, pois imprimimos as imagens em
pequenos tamanhos e distribuímos nas canoas, que ficavam penduradas na chegada do público – para conhecer os espaços opacos2, necessitamos um certo esforço, onde metaforicamente utilizamos, os monóculos para abrir o campo da visão e, neste caso o corpo necessita se debruçar para aproximar do desconhecido. Por isto os fios de náilon foram amarrados nas canoas milimetricamente colocados nas suas devidas posições.
Durante o processo construímos um relatório sobre esta atividade fazendo as seguintes perguntas: como é a organização desta pesca? Quem participa e qual a sua função? Para que serve? Por que o bairro Porto de Trás continua nesta atividade? Quais os elementos necessários para atividade? E sua função? O que acontece em alto mar? E quando a rede chega em terra, o que ocorre?
“[...] A compreensão da dança, portanto, não se resume ao que se vê nos palcos – as composições coreográficas propriamente ditas -, mas inclui tudo aquilo o que se refere ou deriva delas, como produção de conhecimento, ação pública e/ou aplicação prática. Importa entender como tudo isso se articula no tempo modificando-se mutuamente, numa dinâmica coevolutiva. (BRITTO, 2010, pg. 186)
Quando apresentamos o Vamos pra Costa? em Itacaré, muitos moradores do bairro do Porto de trás assistiram este espetáculo, e um dos espectadores comentou que achou a primeira cena muito entediante, que os dançarinos tinham os mesmos comportamentos, e posicionamentos parecidos com alguns e/ou os antigos pescadores, que observavam calmamente o balanço do mar, sem pressa, para assim fazer a saída da rede.
Ao não se deter, porém, na comum percepção que constrói conjuntos analógicos ou complementares – nem diante das imagens pré-fabricadas, dos sons estereotipados e palavras vazias que expressam o Pensamento Único dominante –, o artista avança, sente, toca, vê e ouve a potência, não só o ato; ultrapassa as aparências do real e revela percepções e aspectos únicos da realidade
encouraçada, ou formas únicas de percebê-la: revela aquilo que as palavras confundem, as imagens escondem e os sons ensurdecem. ( BAOL, 2009, p.106)
Este trabalho foi apresentado cenicamente, antes da pandemia. Porém por conta da crise sanitária que assola o nosso planeta, o espetáculo Vamos pra Costa? faz parte do filme “Fronteiras” que reúne as setes danças filmadas da programação do Online Festival de Dança Itacaré. Resultado de criação coletiva com colaboração de artistas baianos, um processo híbrido que teve fases de trabalho remotas e presenciais. O cineasta goiano Victor Quixabeira e Souza assina a direção de fotografia e remontagem dessa obra, agora, no ambiente do próprio processo criativo, praia da Costa, Itacaré/BA.
Neste momento, o trabalho foca nas ações e nas táticas dos sujeitos corporificados3 e, reconhece a autonomia relativa ao seu lugar. Os modos operantes dos habitantes do bairro Porto de trás, traz a possibilidade de aprendizados, atualizando os seus modos de organização ao qual se constituem. Tais aprendizados ganham expansão no momento da composição cênica e, também, no momento ao qual a cena é vista por outros corpos, contêm resgate de práticas ancestrais, ainda presente na memória dos corpos dos moradores do bairro.
1 Funções na pescaria: o mestre quem identifica a região onde o cardume circula e indica o local para a rede ser lançada; o caidor um exímio nadador, que tem a função de levar a rede no mar em terra firme; os companheiros de terra e de mar são os que dão suporte, a segurança para a equipe; e os piageiros são convidados para puxar a rede na sua chegada, e em troca deste trabalho de força recebe peixes.
2 Espaços opacos segundo Milton Santos, aborda a sobrevivência dos homens lentos, apesar da hegemonia do tempo e dos homens rápidos, há a copresença de tempos na cidade. (Santos, 2000)
3 Segundo Ana Clara Torres conceito de sujeito corporificado está diretamente relacionado ao homem lento do geógrafo Milton Santos e dos praticantes ordinários da cidade de De Certeau.