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Sabino, Nívea Interiorana/Nívea Sabino - 2a Ed., 2018. ISBN 978-85-540957-0-3 1.Poesia Brasileira 1.Título
2a Edição
Nova Lima/MG, 2018
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Em memória dos meus pais: Neném e Adalberto. Para Arthur e Ian, pelas crianças que são. Aos meus irmãos e amigos, por toda poesia cotidiana.
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Baila na pista, ativista Não compreenderão o esforço do artista.
Outono de 2018 e, trago nas linhas deste livrar a presença viva de Marielle Franco e parte da minha força, estilhaçada e por eras espalhada por cada canto, de um tanto, que uma mulher negra possa habitar. Habita em mim cada grito dessa luta que é sobre o viver. Verso, para com – vencer Nívea Sabino
PARCERIA Que responsabilidade escrever essa apresentação! Isso porque, aqui é o começo, o princípio. Portanto, antes de mais nada, peço licença pra chegar: laroyê! Eu gostaria de construir uma escrita que comunicasse com todas as pessoas do mundo porque sinto que esse livro tem um potencial de mundo. Gostaria de escrever algo muito lindo e incrível para falar de “Interiorana”. Mas logo percebo que isso de escrever algo “glorioso” ou algo que fique para “posteridade” é coisa de pensamento branco, colonizador e heteronormativo em cima do seu cavalo. Então, eu falo de um lugar. Do meu. Do meu lugar de fala. Desse lugar que se tornou um lugar tão caro para nós, mulheres negras e lésbicas. E em tempos como esses, onde vivemos um reconhecimento ainda muito tímido, apesar de potente, sobre as minorias e seus processos exploratórios; tempos em que presenciamos muitas mulheres negras conquistando territórios de fala; eu me esforço para escrever e me comunicar de alguma forma, isso porque, eu, que tive minha voz silenciada durante muito tempo, sei o quanto é necessário ocupar esse lugar. E, agora, não mais silenciarão essa voz! Escutei uma vez, numa palestra da feminista e filósofa Marcia Tibure, que as mulheres devem escrever e publicar livros, muitos livros. E pensei: 10
É isso! É isso! Dessa forma, acredito que Nívea Sabino inicia essa trajetória para mudar o rumo da história, assim como Conceição Evaristo, Djamila Ribeiro e tantas outras contemporâneas que tem contribuído na guerrilha de conquistar territórios de fala. A exemplo de Nívea e de tantas outras, eu escrevo a apresentação desse livro, ainda com muita dificuldade. Eu escrevo porque acredito na possibilidade de mudar trajetórias e contribuir, de fato, para processos verdadeiramente democráticos. Sei que meu “português” não é formal o suficiente para a “legitimação” de uma escrita, mas hoje eu consigo perceber que esses processos de legitimação, que não são meus, tem a ver com processos de colonização e de aceitação somente daquilo que está dentro dos padrões tradicionais brancos. Nivea tá fora desse padrão, por isso também me sinto à vontade para escrever esse texto. Falamos e escrevemos “pretuguês”, como diz Lélia Gonzalez, e isso é precioso! “Não creia em perfeito, seu feito, seu jeito” - Nívea poetiza a diferença e nos encoraja a seguir. Somente por causa dessa força e resistência de todas as mulheres de gerações passadas e, também de mulheres atuais, que eu “permaneço de pé, armada pela palavra” como diz Nívea em uma de suas poesias presentes em Interiorana. Minha caminhada se entre-laça a de Nívea Sabino. 11
Somos PARCERIA! Não somos da academia das letras. Ela, poeta das ruas. Eu, atriz proletarizada. Até pensei em fazer uma escrita mais distanciada, mas a minha amizade e amor por Nívea, tornam a distância algo impossível. E essa coisa de “escrita distanciada” também cheira a algo colonizador. Pra que distanciar se podemos aproximar? Eu e Nívea somos frutos de uma primavera feminista, belorizontina e artística, iniciada em meados de 2013 e 2014. Somos uma SOCIEDADE DE BROMÉLIAS. Vivenciamos o feminismo de forma consciente, recentemente. Mas sabemos que antes dessa consciência intelectual sobre ser ou não ser feminista, já éramos feministas em nossas vivências e posicionamentos, assim como muitas mulheres de periferia que carregam esse país nas costas subindo e descendo ladeiras. Interiorana é Nívea, Nova Lima, BH Texas. É livro que diz (sobre) vivência. É palavra que vive na boca. É marca. É tiro. É uma escrita de resistência em forma de doçura e ironia. Falar sobre a poesia de Nívea Sabino, é partir do sentir no seu aspecto mais amplo. Interiorana cabe na boca, percorre a noite, desliza pelo ouvido de muitas mulheres negras que se sentem representadas quando veem Nívea recitar em saraus e slams pela cidade. Representatividade importa, sim! Essa poesia é encrespada, faz o menino 12
da favela querer falar, groova bem com as minorias, deu soul, funk e ritmo popular. Interiorana ocupa o que foi abandonado pelo Estado e dá sentido as agruras e alegrias de uma mulher preta e sapatão. Essa dor, esse humor, essa arte tem potencial e preciosidade. Seguimos! Michelle Sá
Prefácio desta edição 13
NÍVEAS SABINOS Quando conheci Nívea Sabino, era mulher de poucas palavras. Menina, mineira-em-ação de Nova Lima, digo. Cabelos curtos-black, e poesia tímida na ponta dos dedos. Hoje, alguns anos depois, não (re)conheço Nívea Sabino nos versos que abrem este livro. Não termino a leitura, pois me pego a escrever o que resta de mim como pouco conhecedor de palavras; como pouco conhecedor de Nívea Sabino. Desconhecer é mais rico, neste momento. Pelo livro de Nívea Sabino, entre meus dedos no teclado, entram diferenças e antíteses da poeta que iniciei conversa; que soube de poesia negra, que me olhava pouco nos olhos (ainda olha pouco, talvez pelo respeito que sinto neles por mim; e é recíproco, como o cumprimentar das tamarindeiras ao vento de outono). Este início é doce, sutil, aspergido por açudes, açucares. Não fosse minha natureza formiga, pelas delícias de Padê, diria que os poemas estão em estado de mar e de mexericas. O cheiro às vezes se confunde com a visão, qual quixotesca enxerga o frangir de um moinho; o ranger do tempo se repetindo em ladainha; a sinestese-poesia negra, e de todas as colores que me cercam. Desconheço Nívea Sabino em cada gesto; em cada pedido de amores. Amor? Sinto-me seu irmão, e não há sangue para nos interpor. Haja irmãos para se ter sangue. Haja sangue para se ter irmãos! De tempos e saraus para cá, Nívea Sabino é tomada 14
de choro engasgatado na gargântula de suas palavras duras, sempre dor, sem pudor. É mulher de muitos indicadores negros; de muitas palavras mulheres; para as faces brancas, e negras, nas quais deposita afirmação, ira, sintonia, diálogo, e corpo. Pequeno. Agigantado pela voz. O livro vai terminando, e o corpo de Nívea Sabino se releva por inteiro. Mas, não há unidade. Há multifaces. Há uma interiorana em cada parte deste livro; há uma Interiorana em cada fruta, em cada Nova Lima, em cada corpo negro, de mulher que se estapeia, e nos estapeia junto. Há um interior, no interior de cada pedaço multi-lado dessa mulher, há quilômetros de distância entre um amor e um GPS, que busca Níveas Sabinos mundo afora (mundo aflora) Não há corpo de Nívea Sabino neste livro! Não há livro neste corpo de Nívea Sabino! Não há Nívea Sabino no corpo deste Livro! Alma, tem. Cor, tem. Amor, há. Ah, como desconhecer é importante! A poeta estreita e visceral, que fala com o corpo nos saraus, dá lugar a um “não eu”, cheio de “eu’s”. Um livro não tem boca, nem por isso se cala; tem mais bocas, com direito a mais vozes, também mais lutas. A poeta não se cala, nem pra isso precisa de boca, precisa ser livro(e). 15
É como uma comunicação de amor, ler a Nívea Sabino que conheço há tanto, com tanta ternura e delicadeza. Confesso emoção e disparate de minha alma e fraqueza. Traquejo e doçura fazem de mim um leitor de muitas faces de Nívea Sabino. Recorro, ao final deste livre, aos orixás e marujadas, para reconhecer Cláudias e Isadoras de corpo presente. Reconto quantas vezes escrevi Nívea Sabino, neste texto nas muitas mulheres representadas. São inúmeras, como no sonho que tive, de ter no Coletivoz Sarau de periferia de Belo Horizonte vozes de luta e amor, como as de Níveas Sabinos. À luta, à voz! Rogério Coelho
Prefácio da 1a edição 16
A POESIA FALADA NÃO VIVE PRESA NA LIVRARIA
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NĂŁo creia em perfeito seu feito ĂŠ seu jeito
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MEU TRAÇO Falar sobre mim é de uma imensidão sem rastro Transito me acho No infinito do que me permito do que eu faço Não minto disfarço Caminho neste mundo vasto de encontros de acasos Profundo acaso ou destino do meu passo no sem lugar para o qual eu me laço
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TODA ESCRITO Compartilho comigo o que não é dito o verbo maldito me enrolo não explico Fica o dito pelo não dito O inventor do lápis é bem mais meu amigo que o primeiro humano que testou a fala e dificultou o meu grito Meu berro é no verso sou toda escrito 24
A VIDA DE REPENTE De repente Ê feto De fato cresce o feto de repente É gente, de repente pai, ai! Feto homem feto feito feito louco de repente
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O CHEIRO DA MEXERICA Sedentos dedos lhe puxam a vida Cada gomo à mostra é uma ferida As mexericas espirram lágrimas de sumo a cada casca em despedida E à medida em que se descasca o suor da fruta encharca o corpo que sente o suco escorrer a boca por mordidas findas De gomo em gomo não há saída Só resta o cheiro da mexerica 26
IRMÃOS DE OUTRO LAR Vem de sangue no olhar da sangria (meu guia) de amar amigo é família que cresceu noutro lar
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AMOR E CASAL Compasso de amar desanda antes do amor terminar vai um pra cรก outro
pra lรก
fica o amor sem saber em qual dos dois se (re)encontrar
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O TESÃO E A GRAÇA A Graça parecia dispersa enquanto o Tesão concentrado só pensava em amá-la E a cada declaração que fazia a Graça sorria Enquanto o Tesão se enfurecia Não sabia ele que a cada riso da Graça feito gozo em si ecoava E o Tesão louco de raiva saia à francesa e brochava Deixando a Graça toda sem graça
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POR ONDE EU VI Digitei no GPS a palavra “amor” na espera de uma rota seja pra qual direção milhões de quilômetros milhas toda a imensidão do oceano dispersa no meu desejo procuro abrigo me embrulho de amigos soube que estrelas são meras explosões que de quão distantes de nós estão que a nossa visão aceita a ilusão
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DIANTE DO TRONO Numa troca de passos dos ponteiros do relógio transformou sentimentos e modificou-se o olhar via a si como antes não vira Sentou-se ao lado do vô que balançava na cadeira e compreendeu que a vida é coisa passageira A vida que existe some com o passar das horas E num impulso de sentir-se plena e preenchida de si passou a sorrir E estacionou sua palma e dedos das mãos sobre as rugas da idade de mãos calejadas de grandes (in)certezas diante de nada 31
ENCONTRO Não teve moeda que despertasse tamanho bem estar viajou por milhas, além mar e também não estava lá ladrilhou a cozinha recebeu olhares de vários lugares até que, nem era o fim quando a sua mão, noutra mão (enfim) se uniu e o coração sorriu
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ENTUSIASMO AFETIVO Me entusiasma a mente, cê sente comum vigente vi gentes além das lentes que me impulsionam aurora de te querer num toque bem mais desejo do seu olhar de estar ao alcance do que se vê minha fronte não o bastante instante vi mais que semblante infame amar a ti senti ser mais que a mim ao me entregar sem fim do meu o seu estar 33
AMOR DE JATOBÁ Era mais confortável eu me sentia bem quando assumi o ato sou eu o salto me ergo com os pés descalços sentada, gente de vida derradeira ser forte é subir e descer ladeiras sem cafuné a vida é seca sertão de segunda a sexta-feira comi pequi pra te amar um cheiro de jatobá aroma fez te afastar as andorinhas do último verão quiçá irão voltar semente que quer brotar você mente também se afoga quem aprendeu a nadar mais valem as lendas que ouvi contar... (...) 34
ABREVIANDO Quero ser pra quem me serve No mais serei breve
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RODA D’ÁGUA OU MOINHO As vezes que vi moinho das vezes que ouvi moinho moveu-se vida no meu caminho moveu-se o olhar parei pra enxergar moveu-se o mar sem derramar A primeira vez que ouvi moinho ladainha, mira sem direção Segunda, não já aprendi a lição ... mas peco, por compaixão.
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OUTRA BELEZA A diferença que a gente tem neste mundo que nos pede tanto e nos ignora sobrepondo o véu no encanto de ser só um 37
RETRATO O espetáculo é contínuo senti doído, um choro rindo ruindo as plantas, as curas manhãs ruindo as casas, morar não é lar ruindo o tocar, ausência que arranha cordialidade de sufocar feito cão, farejo mudo imundo mundo, me faz fadiga nenhum pé de arruda eu vi brotar nunca houve sorte, sou eu colheita forte onde falta há, aqui já não habita ar a lua clareou a rua a face tua mãos dadas e a minha, só fotografava
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MENDIGAS DE UM OUTRO OLHAR Sobre estar só ter alguém ao lado para não parecer largado Somos muitos em um Só um diante de muitos Minto invento um outro ser que não aguento Convivo com o que não vive dentro Reinvento em um tempo que não sinto tocar Vejo pupilas em ira Pupilas, pupilas Pupilas mendigas de um outro olhar
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LEGร TIMO Sรณ por sรณ fico sรณ comigo
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DIAS DE ESCOLHAS A cada aurora outra outrora de bem-me-quer A chuva cai e se põe a correr Qual mal-me-quer lhe fará sofrer se a atitude só cabe ao ser Nem pôr do sol há de modificar escolhas feitas neste viver 41
SONDAGEM mira, arde miragem no que toquei saudade nรฃo hรก de ser sรณ minha, age!? chamei de flor pra expressar vontade paisagem moldura em mim sondagem
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MEU DENGO Após o beijo não tem outro jeito senão meu dengo de te olhar de te encostar acariciar e enxergar no olhar que dia lindo que cor mais viva feijão gostoso conversa boa quero outro beijo depois mais outro perder o ônibus sorrir à toa sentir garoa com as mãos laçadas prometer nada doar-se à amada
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PRENDA MINHA Prenda a flor prenda minha prenda o que for só dor Absor(vê) seu crer no ar de me invadir vim ver viver no íntimo de te amar Silêncio de me revelar Sei dar te entrego nu meu ar
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FAZ JUNTO pra sempre e mesmo se houver tristeza nĂŁo virĂĄ todo mundo o viver lhe ap(r)onta com quem vai junto
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MIRANDO O PEITO E tateando o chão com as minhas mãos encontrei grão paixão incita em mim assim, nuca de...
saliva que mistura
te amar arco em íris que de um só piscar parei de peito
no meu o seu olhar
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FaltAR Virá sem direção Sinto pelos que virão sem pés de fruta madura ao chão Aos que quintal não conhecerão Sinto pelos pés que não tocarão Não haverá grama sufocaram a terra faz cimento Falecerá o toque que humaniza Ar Há de faltar vida no que tocar 47
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AH QUENTE! Que há paredes seu dedo morno seu cheiro o gozo sua epiderme me aquece a língua ampara ao passo que dispara seu amolecer tateando o mapa de trilhas inesperadas em que esfrego a púbis na sua cara
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IMAGEM DA IMAGEM Te amar assim no imaginário da ação Queria te encantar tocar seu coração Ecoei pro mundo a nossa canção fruto da minha penas minha solitária imaginação Sonhei te tocar tatear a ti com as minhas mãos Vi mais que uma imagem sonhei meu corpo no seu rosto pulverizado no ar um gosto que apenas eu queria provar Sonhei pra não deixar de te amar Imaginação miragem imagine a imagem
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ENCANTO QUERER
Queria uma volta no anti-horário vento no asfalto realizar a cena que roda no olhar E eu sempre a quase lhe falar meus gestos que não pronunciaram minha vontade que em persona alguma invade Queria repartir vaidade espalhar cacos que saciem a ânsia da idade Queria uma aproximação pro início ensurdecer de tanto silêncio Queria tanto que o meu encanto é o meu querer 51
SECA ATRÁS DO SEU CONGADO me sinto um tão CERRADO percorrendo trilhas minguando águas seca, atrás do seu CONGADO danço e rodopio MIRO, te espio serpente no canavial serenata alada pra te mostrar o pôr do sol que guardo em meu olhar pedras, moldam o caminho flores, te vi espinho há beleza noutras naturezas quem avistou, foi presa 52
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SEMÁFORO REAL E você pode passar há um sinal verde para atravessar Você pode parar num vermelho qualquer para respirar Há dias em que se deseja a imensidão do mar em sentimento Há dias em que calor é sofrimento A qualquer momento escorrerá das flores um amarelo atento pra falta de tempo para o que já não se vê e deseja rever O amarelo atento que deve nos seus dias permanecer antes mesmo de seguir ou parar para ver
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TEXTO IN TOUCHT um clic um touch uma distração minha inspiração na sintonia das mãos num toque (como um passo) em falso lá se vai não lembro mais não perco toda a inspiração
... me passa o guardanapo, meu irmão!
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VIVER SEM PAR Encantava-lhe a semelhança e compasso de um com o outro cadarços alinhados como abraços Nossos eternos laços afetivos cognitivos que nem sempre irão nos saciar Comprava tênis como a quem compra flores numa tentativa incansável de encontrar nos odores oh, flores... o amor que pra si idealizara Enquanto caminhava de cabeça naturalmente posta para baixo em sinal de dor, que é sua em posição de quem caminha a admirar o que se pôs a olhar Eram aqueles dois que a acompanhavam Sempre um par Que a fazia se distrair da vida que vinha que ia e seguia sozinha Um par de tênis a acompanhar alguém sem par 56
TALVEZ UM DIA Talvez eu morra na falta de um bem-me-quer no produto de pétalas lançadas ao ar sem bico de beija-flor a me sensibilizar Talvez eu morra na falta de conhecer um outro eu fruto do meu encontro com o seu do amor que mais um dia não viveu Talvez eu morra de vida à toa uma volta semelhante à ida Talvez eu morra de tanta vida não vivida
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PARA VINÍCIUS DE MORAES Quisera eu explicar o que se passa É como se não de repente eu vivenciasse o amor tradução da minha alma do que eu não sei do que eu sabe se lá, um dia, quem sabe... É... talvez! Pudera, Vinícius! É como se, pela luz dos olhos teus, eu (re)descobrisse o amor
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Como se pela luz dos olhos teus eu sentisse realizasse e não como de repente se tornasse possível Senão por um momento O tempo exato de uma estrofe uma canção olhar suspiro contemplação que pela luz dos olhos teus, se realiza. É como se pela luz dos olhos teus eu me abstivesse do amor.
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CARTEIRAS OU AUTORIZAÇÕES Habilitação: Habilita a ação pra mais poluição.
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UM BAR, QUERIA O MAR BH me chama a ir pra um bar BH me chama BH convida a prosear BH nos chama e nos intimida por não ter mar pelas avenidas a procurar clubes das esquinas calçadas arbustos pra amenizar a poeira que carrega o ar e fazer sombra pra quem se senta num bar Sem maresia Não tem mar, mas bar BH convida a ver o luar da mesa de um bar
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E que mal hรก se nรฃo tem mar Nesta capital de Minas de ruas, avenidas e esquinas rodeadas por bares Pudera o mar nessas idas e vindas ondas da vida passar por BH e parar num bar Deixaria ele de ser mar sรณ pra frequentar o que de melhor hรก por BH Bar
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ARQUIVO MODERNO Da Coca-Cola à Y geração sem ação muita informação paralisam as mãos mente deficiente estrategista amputado do próprio desejo que não vê ao outro do lado um bando padronizado alienado com mãos no teclado disseminando comodismo simulando protestos negligenciando manifestos de dias reais de vidas banais ou serão virtuais me salva
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TROPICÁLIA DE COSTAS Costa e Silva já prometia cumprir a Constituição E até os dias de hoje nem de costas a Silva se vale em vida essa tal da Constituição
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NATAL EM NÓS É triste o Natal Deus é transmutação de cor bem disse Vinícius que o negro menino o Filho diante do fogo fez-se vermelho e, à aurora do dia bem ao gosto d’àqueles que queriam amarelou o menino fez-se lindo E os dias indo vindo à base de vinho pão pra poucos Seguimos Carreata de loucos Que distingue uns dos outros por pouco Bem pouco
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DE CONCRETO, HIPOCRISIA O muro imaginário que Berlim não viu passa por aqui faz curva no Brasil O muro imaginário que Berlim não viu não houve queda passa por todos os lugares deste mundo que nunca se uniu O muro imaginário que Berlim não viu Sonhei que caiu sonhei ninguém viu
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MALDITOS Um desacato desprezível ato do ser que é falho no pensar e no falar eis que o seu dito antes de ofendido o dito já deveria nem ser dito boca de mal ditos maldito dito o do inimigo que só diz mal de quem jamais foi sequer amigo
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TACANHA AVE Na busca na luta em plena procura já que o que está posto me queima o rosto Minha face rubra me impulsiona a não me calar a não me poupar a não me intimidar E feito ave ferida e erguida me ponho a voar certa de me distanciar do que me envergonha inerte neste meu lugar
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O VULTO Acredito no que me resta num mar de nada presta dedicando raios de sol numa penumbra de possibilidades NĂŁo hĂĄ amor sem vontade
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MINAS NO PEITO Há um monte de flores no meu caminho Mas é seco Tanto faz Cerrado em mim
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MINAS SÃO FÓSSEIS A mão que invade terras são posses a mão que emprega me torna f ó s s eis melancolia, minerar vidas Mina é cegar Ser tão Gerais
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Nova Lima em pressa
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RAÍZES NOVALIMENSES Cidade do ouro porque teus filhos não herdam tesouros De Congonhas de Sabará pra cá vi silicóticos brotar Mina a semente de sofrida gente (...)
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HERANÇA DOURADA Foi meu vô quem contou: Que por essas terras, entre congonhas e serras habitam, imersos às neblinas filhos de Nova Lima Das riquezas das Minas ipês e trilhas qualidade de vida Essa gente come quieto e sofrida carrega no peito a certeza
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Herdam seus filhos a maior das grandezas Não se extrai de si a bondade honestidade A velha e boa vontade Mora nos filhos de Nova Lima retidão pra seguir a vida gerações floresceram das profundezas das Minas
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AQUI JAZ O que fica após as minas após as missas Nem cheiro Nem sensação de delícia Como estouro nossa lenda, até ontem viva não se encontrará mais na praça Como estouro ouvi falar do ouro sem ver hoje, jazidas vazias e uma praça sombria Como estouro do milho à pipoca da vida à morte Aqui jaz um pipoqueiro de ouro
Pro Tio Wilson - pipoqueiro que durante 53 anos, diariamente, ocupou a praça principal da cidade e vendia (com doçura) a melhor pipoca que eu já comi na vida. Faleceu em 2015, no município de Nova Lima/MG. 82
NESSA NOVA LIMA Sobre o que eu vivi e ouvi dizer nunca mais eu vi O Baco descer Jardim das Américas anoitecia ao som do Baco ensaiar Pupurru, Lurdinha Vicente corre, vem ver Bel chegou Lobão Maconheiro aguarda Nem Traíra Aspirou minério heim louco o que seria enlouqueceria nessa Nova Lima
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NOVA LIMA NOVA Sr. Bernardino de Lima nem ao longe imaginaria o quanto cresceria a nossa Nova Lima A MG-30 antes estreita e mata fechada hoje, duplicada Seus filhos vão e quando voltam dormitório não é mais tranquilo Ouvem-se tiros pavor que lembra as explosões nas Minas Trancam-se as portas O pão já não se compra à pé Janelas cerradas uma Santa Cruz parada
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Eis a Nova Lima de pé do progresso Nascidos e criados emigram pra vez ou outra vir nos visitar Há os que resistem um pouco assustados servindo chá das cinco com torrões de receio A Queca tradicional não impediu o desfecho O Leão que ouço rugir do Bonfim é a vontade de quem vive aqui de sentir a qualidade de vida que as más línguas espalham haver E que há muito, já não se vê.
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SORRISO DO OURO Que semelhança com o nosso Presépio do Pipiripau Nova Lima de Limas quanta amargura no paladar bocas soltas pra maldizer e mal falar trocaste seu sorriso, que mais, bem mais valia que ouro O que fizeste Nova Lima, dos teus tesouros sorriso amarelo na boca do teu povo essa luz âmbar, para um cenário nostálgico em que nossos atores nada mais fazem que encostar Precisamos nos libertar, pra respirar um ar sem condomínios pequenos e eternos domínios que ingleses plantaram e seguimos a cultivar Há muito mais o que compartilhar do que explorar
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Minha identidade hei de revelar como um elefante livre, quase a voar e sair da serra tuas cercas não me barram o feito de transpor barreiras neste local de interior dormitório é o meu lar Há muito mais o que sonhar e realizar Se um qualquer retirante lhe roubaste a poesia de caminhar eis que verás raiar ao pôr do sol de um outro dia o desmoronar de poder, status e hierarquia que pisoteia teus filhos a cada mandato Eis um novo ato mais que um simples repúdio, ou ser ingrato.
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SILENCIADA A OURO O homem branco junto a seu bando admirado ao avistar Congonhas de Sabará Fez sua toda a riqueza que a natureza escolheu nos dar Filhos de Nova Lima a observar O ciclo do ouro que se esvai e nada fica pra gente contar Extração de saúde gerações marcadas vidas minadas De pulmões cheios falta fôlego no peito pra conseguir gritar Filhos de Nova Lima a observar 88
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Com quantos paus se faz uma canoa? O quanto é preciso remar pra não se afogar no mar de inerte gente que há Numa cidade de um pouco mais de 87 mil habitantes E que este ano pode chegar à marca de quase um bilhão em arrecadação Nós representamos o que há em movimento neste momento E o que nos move até aqui é só voz E voz, é o que não se cala Não mais!!! Ergo, ergo a voz e a palavra na busca de ser contemplada Ergo a voz, a palavra! Fazemos fronteira com o Centro Sul da capital Seguimos à margem, (à margem, seguimos...), À margem bem no centro da sede da nossa cidade. 90
Em Nova Lima, a borda, é no centro. Bem no centro onde emerge um, apenas filho Neste feito (grande feito) pipocar de saraus Um salve para todos os Saraus que resistem, principalmente nas periferias. Sarau dos Vagal: contemplando aqui o artista, o vagabundo, o marginal. Me diz, enfim Quem são os vilões!? Num domingo, recusando ir à missa Oramos em atos de representatividade oportunidade justiça Sem desejar sair apenas pra comer uma pizza Regurgitando os velhos hábitos, as tradições Fazemos poesia pra fugir da rotina e da sina de invisível ser.
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No bairro de passagem onde eu vim morar de tudo um pouco pode faltar só não nos falta, em Jardim Canadá esperança perseverança e olhar de criança
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DE MIM E DAQUI Fez Canadá em mim neve, que never ví. senti na pele quando no VerdeMar desci um frio que só se vê por aqui pelas ruas desertas, vazias faz gelo em mim Jardim Canadá quem podou seu pomar lhe restam frutas – erguidas, ao chão jovens, que por aqui nos movem 4 elementos se unam pra resguardar o verde que cinzas indústrias insistem em ir velar plantei meu jardim à margem do que liga Minas ao que eu possa sentir e sonhar projetar 93
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Saiu para desconstruir e morreu no diz, curso.
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[ Dos perigos de comer com o olhar ]
Desqualificada em vida uma fruta que pouco importa o sabor da poupa a casca que envolve o fruto afasta
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Universalizar o amor feito a luta de maior valor repararia milhĂľes de negras que hĂĄ ( Marias) e nunca amou 97
SOBRE OS SOLOS FÉRTEIS DA IGUALDADE Ainda persiste o olhar que a mim difere que profundo fere que segregar prefere por questão de tom de cor de pele Depois de escravizar de pseudo-libertar e desqualificar do meu cabelo à minha crença no meu orixá Vejo surgir um cortejo feito marujada que passa um canto um coro um real esforço para se reparar o que não se repara Reflexos de uma história que por nós enfim começa a ser contada
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O povo negro resiste no saciar da sede que mata na seiva das próprias raízes Um fazer plantar fulô dignidade através da dança na luta germinadas ao suor que escorre da bruta labuta Buscando no seu penoso caminhar experimentar do sabor da fruta da polpa do paladar do direito pleno às oportunidades sobre os solos férteis da igualdade
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1). Ei, olha pra mim. Qual a visão que tens diante de mim? O que represento, se pouco importa o como me apresento? Uma vagina ambulante!? Um peito andante!? Onde se esconde o EU que mora em mim Meu EU que se ofende com a sua invasão de olhar sua invasão de assobiar me assediar! Veja a mim meu EU EU, ser mulher Mulher, mulher...
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2). Me apedreja o homem Atira! Atira em mim pedra se não me penetras com o olhar ao me ver passar Atira! Atira em mim se nunca assobiou diante da minha minissaia do meu decote ou qualquer que seja o corte do qual me visto sem qualquer intenção de seduzir você É meu direito de ir e vir escolher a roupa ou a cor que pinto a boca (meu) despropósito sincero de apenas ser mulher e viver Veja a mim como a um ser antes da minha buceta e do meu peito desejar ter
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SOBRE A REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL Da omissão que começa em casa: “Casa Grande & Senzala” O pivete é o mesmo que a “Ama de leite” não pode amamentar Me diz com qual direito você vem dizer que o melhor pra nós é prender menor!? Do Cidade Alerta ao Balanço Geral Você nem percebe o quanto é induzido a reproduzir o mal A tevê te induz a criminalizar e marginalizar a mesma população que desde a escravidão vem sendo é dizimada Você quer prender quem nunca teve acesso a nada!? 102
Se proponha a ver: O menor só rouba o que você o incentiva a ter O menor quer LEGO e X-Box quer jogar bola de Nike e tênis Reebok Dos crimes registrados, em menos de 10% há menor no ato Quem pratica homicídio é o Estado Nosso sistema prisional é super lotado Nossas leis já punem e responsabilizam os atos A desigualdade junto à falta de oportunidades mata mais do que um menor armado
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UM SONHO DE RIMA Vim à força ceder minha força num grande esforço por sobre o viver Vim negra de cor “da cozinha pra rua” me dizia o Sinhô! Vi meu ventre que nunca foi livre gestar filhos em meio a dor Ecoei meu canto fiz mandinga em danças de roda lancei a minha sorte diante da ignorância de quem se fazia forte
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Azar ou sorte? Quisera uma primavera de flores mulheres negras a brotar na janela de quem nunca me tomará como bela Sou eu Criola Neguinha Donzela Milhares de mim pelos aglomerados iluminando a favela Construo identidade com base na minha vontade Resistência fortificada em vivência O sonho é rimar negro sem dor ou qualquer que seja a violência
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RESISTE ISIDORA Quis um lar fiz morada em ti Esperança
Num universo sem perspectivas reais Plantei Rosa Leão em terreno inativo Frágeis tetos erguidos por entre mãos de mulheres que se recusam a recuar em vida Resistem pela garantia do direito à moradia Representam muito mais do que 8.000 famílias “Nenhum passo atrás” é o canto que todos nós em apoio às Ocupações do Isidora ecoamos Hasta la Vitória #resisteisidora
Essa luta é nossa 107
SOCIEDADE DE BROMÉLIAS Nasceu um broto em meio a belas bromélias todas elas encantavam o jardim Diferenciavam-se do broto apenas porque o tal broto depois de setembro e chuvas de vários anos permanecia broto não desabrochava em flor Algumas bromélias dizendo ser para o bem das outras bromélias passaram a convencer cada bromélia de que ali só bromélias deveriam existir passaram a se sentir donas do jardim e armaram um motim esqueceram-se que ali só era um jardim porque havia além do broto
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o ar que a essa altura já estava furioso com o atrevimento das bromélias Convocou a terra pra conversar Os vasos começaram a rachar a terra a escoar faltou ar a chuva não veio visitar pra sarar ninguém As bromélias não resistiram murcharam diante do broto que solitário e tristonho com o cenário preso a um torrão de pedra da terra num canto longe do chão agachou e chorou Escorreu do broto a lágrima que aos seus pés fez nascer do nada a espécie mais rara de bromélia que foi replantada
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CADÊ O AMARILDO? Soldado Vital, “cara de macaco” se estranhou com o Amarildo e junto da omissão dos soldados da Unidade de Pacificação apagou o rapaz Pedreiro trabalhador que não era ladrão, nem bandido Amarildo era negro e foi levado por quem leva pra longe a paz da família do rapaz Levaram-no pra base espancaram o rapaz mataram o rapaz é isso que o Estado permite e o que a PM faz na periferia com quem já é de paz Pacifica a minha revolta é mais um que se vai Polícia Pacificadora que vergonha O Amarildo de volta pra vida ninguém mais traz
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“Saio do trabalho, ei. Volto para casa, ei. Não lembro de canseira maior. Em tudo é o mesmo suor” CAXANGÁ – Milton Nascimento e Fernando Brant 111
Seguimos na trilogia do não faz mal: - mulher, negra e pobre! Ei, me diz, fala pra mim: Qual é a dor que te comove!? O aborto ilegal só mata pobre! Prende quem pretende sobreviver. É muito lindo, você fingir que não quer ver: a filha do patrão na clínica, com direito a inseminação. Há um genocídio direcionado à cor da pele, meu irmão. Quem insiste no “não”: - “Não há machismo”, - “Não há racismo...” Não há é na sua rotina, de ir e vir, vivência pra te mostrar! Vem cá, cola ni mim, vão dar um rolezinho pro cê sentir: - Sentir na cara, ...a negligência! - Sentir na cara, ...a indiferença! - Sentir na cara, ...a violência!
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Olha bem se eu tenho cara, de quem viria aqui fazer versinhos pra te divertir. Direitos iguais é o que eu vim pedir. É que Rosa Parks se recusou sentar pra eu chegar aqui, onde estou. Carolina de Jesus, escreveu sua rotina em papéis e revistas que sequer ela os tinha, resistiu da maneira que conseguia. Cláudia, não houve quem não viu que o homem arrastou. Eu, eu permaneço de pé Armada pela palavra Reverenciando gerações passadas Representando milhões de minorias diariamente silenciadas. Minha poesia hoje pede passagem é pra mulherada que não pede o direito à fala, vai pra rua e ocupa escarra tudo embrulhado à arte pra ver se atinge a meta máxima: o dia em que TODAS SERÃO LIVRES
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LÍRICA DE FAVELADA
Eu gasto muito é com passagem
Me ouvindo assim (des) faço um outro seu me olhar
coração selvagem animalia de mais valia que me convida a ousar ser nós transformando o engasgo num fuzilo
Quiçá em ti encanto provocar E desmontar o ódio e a aversão à cor que chegam primeiro do que quem eu sou
Só! Resolvi lutar com o que não tive acesso
Li livros ouvi discos folheei jornais, me formei ao gosto do que tanto faz
Eu, réu!? - confesso: me negou os versos!
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Salve e lembrem Dandara esposa de Zumbi, quem soube?
O meu grito é o mesmo dos meus ancestrais de um Amarildo que não volta mais
Toda periferia sangra que nem Manguinhos criança preta não é bandido
Cairão mais! (...e quantos mais!?) N’zinga, não deixa que (oh!) corram socorro! Nenhum ao meu redor impediu o metrô de seguir viagem Havia um corpo negro estendido no trilho e ninguém desviou o caminho
Cê pede paz, mais um negro jaz! Aqui jazz sambando endosso te funk na cara melodia rara negra graduada(mente) dominando a fala e a palavra São denúncias líricas de uma favelada
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DEUS E O AMOR PRA CRIAÇÃO – PARCERIA E disse Ele Não sei se ao terceiro ou oitavo dia (creio que Ele precisou de mais um dia) Pra trazer parceria pra a vida de quem sozinho seria Com a humanidade desenhada e certo da perfeição de sua empreitada não questionou nenhum dos sentimentos introjetados Sabia que seriam capazes de manifestar amor, de ser amigos uns dos outros e pensou em algo que os diferenciou fez da mulher e do homem amantes Mas os homens se amaram tanto que não houve encontro que pra Deus não fosse legítimo Deus viu o João desejar se casar com o José de Alencar Viu a Flávia, que o marido a julgava frígida apaixonar-se por Lígia, constituir família e viver de maneira digna
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Deus viu, então, que o que precisava era tempero Acabar com o preconceito daqueles que concebiam que não gerar filhos do enlace dito perfeito era sinal de defeito Sei lá mais em qual dia (penso que ao trigésimo milésimo dia) Deus estufou o peito e gritou: PARCERIAAA Disse, que todo par seria aquele que ao outro amasse com igual parceria E não houve escritura que provasse que o par que se formasse de fábrica, formadinho e pronto sairia O que Deus desejou e que de fundo queria era que a gente se amasse
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SEM MEDIR FALA Digo que a revolução será debochada Segue comigo vai ser rimada poetizada Te apresento em versos - a maior luta armada Negra dominando a fala e a palavra por essa eu sei Que ocê não esperava
Vim dizer que você fraquejou no plano de oprimir a negrada
( fez de mim escrava ) Filha da... empregada! que procurava vaga na escola “fraca” que não era paga
Lá na minha quebrada a gente rima “favelada” com “empoderada” Sapatão é as minas que irão te mostrar que o seu “liliu” na mão diante do meu “não” é uma piada (...e criminosa!) Ei, macho alfa! - sofre não! Sofre não...viu? 118
Nenhuma mulher mais independente da cor ficará calada enquanto houver outras violentadas Violeta é a cor que marca a luta de resistência ao roxo que ocê deixou Preta nagô, nagôôô... Vamos dizer do tanto que Dandara lutou Cê acha mesmo que só barbado resistiu ao escracho!? Eu sangro, mano! - Faça-me o favor!
Não passará, enquanto eu não passar! Passar gritando, denunciando o mundo tosco que nós criamos A cada uma hora e meia uma mulher é morta Minha poesia não mede a fala que põe na cara:
O Brasil é o país que mais mata: mulher preta transsexual e viadA 119
OS JARDINS DO CEMITÉRIO É que eram flores isso que eu achava plantar Na ilusão ou pretensão de colher amor Enchi as palmas de dor
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Pra mĂŁe e pro pai: ausĂŞncia sentida.
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SENTIDO Hoje, finados de comum, não agrado ofertamos flores gesto educado perpetuado pra aqueles que o fim Não mais quando tardo Ardo se ofereço flores neste finados É que o cheiro ainda está no armário não mais exala perfume ou cume Lembrança gesto após gesto que é herança numa esperança de ver como criança que crê sem ver Hei de crer que há vida nessa presença do que não se vê 125
COMERCIALIZADOR Compraria flores para vocês nesse finados, confinada na ausência de ver vocês Compraria flores Nem “Violetas na Janela” me fariam crer no que eu não posso ver Compraria flores pra quê? Vida após a morte é perfume que não se exala gestos hereditários lembrança involuntária presença sentida ausência definitiva Compraria flores para vocês mas hoje, as flores colho no meu jardim do peito flores regadas por lágrimas gotejo de saudade Compraria flores se pudesse ver mais uma vez vocês 126
CONTORNANDO O difícil agora era virar a curva Pois depois da curva havia mais estrada E a estrada cansa, é longa, muitas vezes sem surpresas... Então ela parou pensou e caminhou E concluiu que difícil mesmo era desistir de caminhar 127
Conto de Piquitita - Pititu – Pi.
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NO PONTO DE ÔNIBUS Aproxima-se uma mulher e pede informação a uma velhinha que estava sentada ao meu lado. Queria saber ela se um determinado ônibus já havia passado. Distraída, percebo o embaraço lento da velhinha em responder algo à mulher. De certo procurava compreender se havia sequer ouvido a informação que a mulher desejava. Estava aérea, distante. A pergunta soara como uma interrupção em seus pensamentos, trazendo a subitamente de volta à realidade do instante. Interrompo-as e digo que o ônibus havia passado há pouco. Sem graça a velhinha desculpa-se pela distração e, como se justificando, diz que seus pensamentos estão tomados pela preocupação que a irmã a fazia sentir naquele momento por ter fraturado as pernas na tarde do dia anterior. Eu sorrio de maneira fria e leve. Apenas em sinal de “tudo bem”, “não há problema” e, principalmente, querendo evitar que se prolongasse aquela conversa que, da maneira como começara, não haveria de ser das mais agradáveis, pensava eu enquanto ajeitava os fones no ouvido e franzia a testa na tentativa de repulsá-la. 129
Falar sobre o tempo é completa falta de a assunto. É coisa que faz a gente desejar o silêncio. Sobre doenças muito mais. Quando alguém, principalmente em pontos de ônibus, fila de banco, supermercados, se dirige a nós com assuntos voltados a essas trivialidades, sempre me acomete uma vontade interior enorme de ter poderes extraterrenos e, subitamente, desaparecer. Ou fazer “tun, tun, tun” que nem ligação de telefone interrompida por falta de bateria, problemas técnicos ou por simples vontade - como é mais comum. Vontade mesmo é de baixar a sincera e dizer: “Você não precisa falar, nem eu quero te ouvir.” “Cale-se, por favor!” Ou “me poupe!” Ou “poupe a sua garganta...” qualquer coisa. Conversar trivialidades desse tipo é, pra mim, a maneira mais cruel de se “matar o tempo”. No mínimo desnecessário. E incômodo, claro! Começar o dia bem faz a gente considerar um pouco mais as coisas. E bom humor faz a gente respirar fundo e pensar: “o que custa dar atenção a uma pobre velhinha? Coitada, vai que a bicha é sozinha, só fala com passarinho, com plantinha no apartamento... Não praticar o ato da conversa dá nisso: trivialidades!”. Enfim, mesmo com todos esses pensamentos, permiti que ela prolongasse a conversa, pra minha sorte e satisfação naquela manhã. 130
Ela tinha uma aparência jovial, embora possuísse sim todo o estereótipo que qualquer idoso possui: cabelos grisalhos, pele desprovida de rigidez, fragilidade muscular aparente e deliciosa conversa. Ela era uma velhinha do tipo “Dona Benta” ou “Tia Anastácia” (não tão gorda como as duas). E nos poucos minutos que ficamos juntas, naquele banco de ponto de ônibus, pude me deliciar com suas histórias breves e engraçadas, tão boas quanto as contadas pelos personagens do Sítio. Diz-me ela que, se no seu tempo houvessem já classificado (diagnosticado, né?) as crianças como “hiperativas”, seria ela uma dessas crianças, de tão ativa que é. Contou que, desde nova, sempre possuíra muita energia e resistência à dor. Chegando inclusive a ficar certa vez com o pé quebrado, sem engessar, por que precisava acompanhar o marido que havia sido recém-operado. Acompanhante com o pé quebrado em pleno hospital. Bem que isso parece papo de pescador, mas a conversa estava boa. Contou que criança sua mãe a achava uma criança impossível de tão levada. Que sua mãe, sentindo se perdida por não saber mais como controlar o que hoje chamamos de hiperatividade da filha e todas as suas travessuras, certa vez colocou-a a catar feijão. Para que a menina demorasse mais tempo na atividade, tratou de misturar milho ao feijão e 131
pôs a filha a catar. Certa de que aquela atividade lhe renderia algumas horas de sossego e paz. Mais antigamente do que hoje, era bastante comum nas casas pelos interiores do país afora possuírem alguma criação. Geralmente criam-se porcos, galinhas! Ops! Galinhas!!! Num é que vendo o milho misturado ao feijão a menina lembrou-se das galinhas que havia no galinheiro que ficava no terreiro enorme da casa da sua avó? A atividade que deveria durar horas terminou em fração de segundos. Enquanto eu achava graça e sorria simpática, admirada, louca por mais histórias, a velhinha se levantou para embarcar no ônibus que havia parado. E sumiu... tão rápido como imagino terem desaparecido os milhos, em meio ao feijão, que as galinhas cataram.
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TE APRESENTO EM VERSOS A MAIOR LUTA ARMADA
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NA SAGA DAS EVARISTO A força que pisa aqui a força que eu vim mostrar não passa por uma só perpassa as minhas ancestrais de um tanto e só nem um canto de dó são muitas vozes para ecoar congado são muitas vozes nesta marujada são muitas vozes neste nosso soul deixa eu te funk mostrar deixa eu sambar revidar o estrago Evaristo grita através da escrita e nos convida a revidar não repita a história que te assassina não aceite a sina Siga! beba na fonte erga a fronte Negra: afronte!
NOS BRAÇOS DE OYÁ No chão de terras que andei difícil foi plantar dendê plantei, vim quilombar o seu rolê dizer que eu não desanimei nos braços de Oyá deitei adormeci e acordei mais eu rainha feito minha mãinha sozinha é quem não tem suas guias me encantei, quando ao sorrir te desarmei
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Ilustrações Raíssa Angrisano Projeto gráfico e diagramação Alexandre de Sena Este livro foi impresso em papel Avena 80g/m2, utilizou as fontes Univers Lt Std e Georgia, na Gráfica e Editora O Lutador em outubro de 2018. Tiragem de 750 exemplares.
Apoio:
Produção independente:
nivearp@gmail.com www.niveasabino.com 138
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PLANTIO o tanto que o meu pranto regar eu só, plantação.