M O O CA
ENTRE PASSADO E FUTURO Alex Sartori | Trabalho Final de Graduação
MOOCA
ENTRE PASSADO E FUTURO Alex Sartori | Trabalho Final de Graduação Maria de Lourdes Zuquim | Orientadora Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Universidade de São Paulo Dezembro 2012
A todos os autores deste projeto.
Agradecimentos
A meus pais, minha irmã e minha madrinha, Silvio, Cida, Renata e Salete. A Gabriela Shön, Sérgio Lazarini e Evanice Lazarini. A Gabriele Rodrigues, Thaís Maio, Ariel Macena, Mariana Martins, Max Heringer, Bruna Bertuccelli, Thais Viyuela, Carmem Aires, Renato Buti, Fernando Laurentino e Ligia Mininel
A Denise Antonucci e Eduardo Nobre
A Maria de Lourdes Zuquim, minha orientadora, por toda a paciência, pela companhia nos últimos 4 anos, e por toda a liberdade que me deu para pensar.
FAUUSP, 4 de dezembro de 2012
APRESENTAÇÃO
Este trabalho pretende-se a síntese de um período de 6 anos de estudos e de experiência de cidade e arquitetura; é a formalização de uma série de posturas e olhares sobre a cidade que nascem da crítica, embasada pela teoria e pela vivência urbana. O projeto que se apresentará é um estudo preliminar de uma alternativa de conduzir o processo de transformação de uma área a um objetivo definido, síntese e aplicação prática de todas as questões que serão discutidas a seguir; ilustração de uma postura crítica e de afirmações sobre a cidade. Para isso decidimos por realizar uma intervenção sobre uma área industrial na divisa dos distritos da Mooca, Ipiranga e Vila Prudente, a que chamaremos de Barroca para distinguí-la dos bairros vizinhos. Este nome é uma referência histórica que encontramos no trabalho de Laurentino: “A Barroca era uma área muito grande de propriedade da “Companhia de Terrenos Parques da Mooca”. Essa área pegava toda a parte direita de quem sobe a Avenida Paes de Barros e ia até os Armazéns Gerais no bairro do Ipiranga. Os armazéns ladeavam a Estrada de Ferro Santos a Jundiaí (...) A Barroca avançava também de um lado em direção à Vila Prudente e terminava no lado oposto, exatamente na Várzea do Glicério, também conhecida por Ilha dos Sapos” (depoimento de Alcides Barroso, in SESSO JUNIOR, 1995. P 79, apud LAURENTINO, 2002, p. 79).
Esta área tem acesso privilegiado, pois se conecta às marginais e ao Anel Viário, portanto ao ABC, a Santos, ao interior do estado e ao Rio de Janeiro, assim como a diversos bairros dentro da própria RMSP – Região Metropolitana de São Paulo. Também é favorecida pelo transporte metro-ferroviário pela presença da linha 10 da CPTM que se conecta às linhas 2 e 3 do metrô e 11 e 12 da CPTM. Sua ocupação aconteceu na maior parte entre as décadas de 1940 e 1970, quando as margens da Estrada de Ferro Santos-Jundiaí já estavam saturadas, portanto, para que se pudessem estender as indústrias para além da faixa lindeira à ferrovia foi necessário criar um desvio que garantisse o acesso. Este sistema operou por algumas décadas até quando os caminhões assumiram quase todo o transporte de carga, que resultou em mudanças físicas nas fábricas inclusive no deslocamento de uma série delas para outras áreas. Os bairros vizinhos, que se industrializaram algumas décadas antes, estão em claro processo de desindustrialização com substituição de usos e edifícios, semelhante a toda a orla ferroviária, do Ipiranga à Lapa, assim como às margens do Rio Pinheiros, nos bairros Santo Amaro, Socorro, Vila Leopoldina e Jaguaré que apresentam diversas semelhanças entre si, a começar pelo uso industrial e pela formação ligada à ferrovia, mas principalmente porque a indústria vem sendo substituída por diversos empreendimentos do
Acima: metróple, viário estrutural e hidroanel, com indicação da área de estudo. Abaixo: delimitação do perímetro da Barroca Fonte das imagens: Google Earth
mercado imobiliário, notadamente com o padrão de condomínios verticais fechados, resultando em grandes prejuízos socioculturais, e nos alerta sobre cenários futuros para a área de estudo, apesar das diferenças nos processos – como se verá adiante, “desindustrialização” não é um termo que se possa utilizar para o nosso caso. Este caderno foi dividido em três partes, a primeira de fundamentação teórica que se constituirá da análise da formação da metrópole de São Paulo e sua industrialização, assim como de aspectos sociais e morfológicos da cidade; na segunda Em seguida trataremos sobre os processos de ocupação e industrialização dos bairros Bras e Ipiranga enquanto exemplares sobre a transformação funcional; sobre o processo de desconcentração industrial. Daí então faremos a análise formal da Barroca; de projetos existentes e da Operação Urbana Mooca-Vila Carioca, e por fim a construção de cenários possíveis de transformação. Constituem a segunda parte os fundamentos do projeto: apresentam-se os objetivos e diretrizes do projeto, dados sobre os aspectos demográficos envolvidos, para daí então adentrarmos em considerações sobre projetos de mobilidade e o impacto direto ou indireto na Barroca e no programa, como também faremos com uma breve discussão sobre patrimônio histórico. Por fim, numa terceira parte, virão as imagens de apresentação do projeto e o memorial descritivo em si, acompanhado de uma síntese. A fim de compreender a inserção histórica e espacial da Barroca na metrópole de São Paulo vamos discorrer sobre a formação da cidade, o processo de ocupação da Barroca - em paralelo com os bairros Brás e Ipiranga - e, em especial, sobre a industrialização. Este ponto nos permitirá entender que a Barroca guarda semelhanças e diferenças em relação a seus vizinhos, assim como suas particularidades que devem ser levadas em conta quando pensarmos em intervir. Escritórios de arquitetura, poder público e imprensa consideraram todo o eixo entre a Mooca e a Vila Prudente como homogêneo, portanto em desindustrialização, vazio, e veremos que isso não é verdadeiro. Há processos correntes de transformação da indústria, em escala local e macrometropolitana que devem ser contemplados pra que construamos cenários mais precisos. Já a partir do estudo sobre a formação do território da metrópole vamos fundamentar uma crítica à cidade em termos morfológicos e sociais, baseando-nos no padrão de edificação recente do mercado imobiliário (uma vez que este é o modelo empregado nas transformações da Mooca e Ipiranga) e tomando-o como a permanência de uma postura secular e reprodução de uma cidade socialmente fragmentada e com problemas na organização das diversas atividades. Esta crítica nos permite ver como é e como poderia ser a cidade, quais foram as oportunidades não aproveitadas, os elementos desconsiderados, assim como os acertos e as características em que devemos nos basear. Já caminhando para a organização das propostas do projeto vamos construir cenários a partir da análise de dois projetos existentes, do escritório Una Arquitetos e Foster+partners e também da Operação Urbana Mooca-Vila Carioca, bem como dos estudos sobre a desconcentração industrial e dos planos de transporte. Serão três cenários: um primeiro de nenhuma transformação, que tudo continuará como está; um segundo de transformação completa, com manutenção de poucos edifícios e características existentes; e um terceiro de preservação de parte dos edifícios e das atividades acrescidos de habitação, comércio, serviços, equipamentos públicos, etc. que fundamentou o projeto que desenvolvemos. Este cenário será aprofundado na segunda parte do estudo, quando descreveremos quais os objetivos, diretrizes e o programa que nortearam o projeto.
Também vamos discutir quais as condições que devem ser construídas para que o cenário imaginado seja possível e se justifique, com enfoque sobre a mobilidade, não só de pessoas, mas também de cargas a partir de projetos e planos existentes e de propostas nossas, além de considerações sobre a redução do uso do automóvel. Outro ponto de extrema importância é o debate sobre a preservação de edifícios históricos e qual a postura que teremos sobre, uma vez que há centenas de galpões construídos nos últimos 80 anos que acumularam grande testemunho das relações sociais e de trabalho, da evolução da indústria e do lugar e das técnicas construtivas e produtivas. Ao longo de todo o estudo serão apresentados textos, fotografias, croquis, músicas, pessoais ou de pessoas que acompanharam de alguma fora este trabalho ou a formação acadêmica. Isto nasce da vontade de fazer com que este trabalho não fosse expressão de desejos e observações individuais sobre a cidade senão coletivos, que se não se manifestaram diretamente com a produção coletiva do projeto tal como se planejava, se manifestará em adendos oportunamente. Estes adendos completam o texto, e são, sobretudo, referências de projeto.
conteúdo
PARTE 1
PARTE 2
ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO 12
OBJETIVOS E DIRETRIZES
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Plantas e cortes
ASPECTOS DEMOGRÁFICOS
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MEMORIAL DESCRITIVO.
Indústria 13 Suburbanização 15 Padrão periférico de urbanização:
PARTE 3
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MOBILIDADE 69
ASPECTOS SOCIAIS E MORFOLÓGICOS DA CIDADE 22
PDDT 69
O Relevo
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Logradouro e condomínios verticais fechados 23 Espaços livres públicos
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Edifícios, forma urbana e Clima
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Distribuição de Atividades
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OCUPAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRAS, IPIRANGA E BARROCA 39 Brás 39 Ipiranga 40 Barroca 41
DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL
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A BARROCA
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PROJETOS E OPERAÇÃO URBANA
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CENÁRIOS 61
Rodoanel, ferroanel e Centros logísticos integrados 71 Hidroanel 72 Segregação de vias
73
A circulação de serviços
73
TREM DE ALTA VELOCIDADE
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Metrô 77 Redução do uso do automóvel
PATRIMÔNIO HISTÓRICO Edificios preservados: orla fluvial
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79 83 103
hidroanel 103
90 103
SÍNTESE 109 REFERÊNCIAS DE PROJETO
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Posfácio 115 referências bibliográficas
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Foto: vista da orla ferroviária a partir do viaduto São Carlos Créditos: Alex Sartori
ASPECTOS DA FORMAÇÃO DO TERRITÓRIO 12
A formação da metrópole de São Paulo, de forma geral, aconteceu a partir de meados do século XX, principalmente com a transferência da cafeicultura do Vale do Paraíba para o interior do estado. A partir daí o território se formou, em cada época, basicamente, a partir de uma estrutura pré-existente somada a novos elementos, como veremos adiante. Partindo desse princípio, o território que abrigou a expansão da cafeicultura sobre o oeste e a concentração de capital na cidade de São Paulo é o colonial. Até esta época a cidade era muito pequena, e baseada principalmente na subsistência, apesar disso já era o “principal foco irradiador de estradas da província, a ela convergindo as mais importantes” (LANGENBUCH, 1971, p. 31) e ainda se concentrava no chamado “Triangulo Histórico”, formado pelas igrejas de São Bento, São Francisco e do Carmo. Apesar disso outros vários núcleos periféricos já existiam desde o século XVI, quando da montagem de um sistema de proteção contra os ataques indígenas; muitos desses núcleos deram origem a bairros ou até mesmo a municípios posteriormente, como Penha, São Miguel, Itaquera, Mogi das Cruzes, Poá, Suzano (ligados ao caminho para o Rio de Janeiro), Lapa, Pinheiros, Barueri, Santana do Parnaíba (nos caminhos ao oeste), Freguesia do Ó, Santana, Jaraguá, Guarulhos; Embu, M´Boi Mirim. Também já existiam as vilas de Jeribatiba (hoje Santo Amaro, e que chegou a ser município) e de São Bernardo da Borda do Campo. O deslocamento da cafeicultura para o oeste passou a demandar o porto de Santos e com isso o fluxo de exportação que ia do Vale do Paraíba ao Rio de Janeiro veio a ser “interior paulista – santos”,
Mapa de São Paulo em 1810. Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
passando obrigatoriamente por São Paulo e é neste momento que o crescimento da capital da então Província se acelera. Os rios que serviam de proteção e davam acesso à vila passavam agora a ser entraves ao crescimento da cidade. Sobre o Anhangabaú, de vale estreito e profundo, foram construídas as pontes do Acu, no eixo da atual Avenida São João, e do Piques (substituída pelo viaduto do Chá) e permitiram a expansão a oeste. A leste a cidade ainda estava presa pela presença do Tamanduateí. Ao norte a cidade ocupava
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timidamente o caminho para Santana, e esbarrava na várzea do rio Tietê. A sul o relevo acidentado ainda continha a ocupação. A construção da ferrovia entre Santos e Jundiaí, chamada, então, de São Paulo Railway – SPR – veio a consolidar esse processo, porque detinha o monopólio sobre o caminho para o litoral. As ferrovias construídas posteriormente, Sorocabana (para oeste) e Central do Brasil (inclusive a variante de Poá; a leste) tiveram São Paulo como destino antes de descer a Serra do Mar, reiterando-a como irradiadora de caminhos; foi somente com o fim do monopólio que se construiu o ramal de Mairinque da Sorocabana que atingia o litoral sem passar pela capital. Nesta época a expansão a oeste já estava consolidada: as elites assumiram a frente pioneira e ocuparam o eixo da Avenida São João, por onde, inclusive, se loteou o “Campos Elíseos”. Também já aparecem as primeiras ruas do Brás, a leste, para além do Tamanduateí, depois de executados os aterros e pontes. Neste momento as novas ocupações surgiam em função e aglutinadas àquele que hoje é chamado “Centro Histórico”, dando origem ao que Langenbuch (1971) chama de “bloco contínuo central”
Indústria Um grande volume de capital acumulou-se na província de São Paulo em função da cultura de café, responsável direto pela dinamização e monetarização da economia paulista – sem café as outras atividades todas seriam amplamente prejudicadas, fato que se consumou durante as crises que baixaram os preços do grão. A existência de grandes capitais e de um pensamento progressista fez surgir um grupo de “dissidentes”, pessoas que ao invés de apostarem na agricultura, investiram na indústria, aproveitando as possibilidades de atender às demandas cada vez maiores (DEAN, 1971). Cabe considerar que a industrialização apoiou-se não só na existência de capitais, mas também na infraestrutura instalada na segunda metade do século XIX. As primeiras indústrias estavam intimamente ligadas à produção do campo. Baseavam-se no processamento de alimentos e também na criação de embalagens. Junto a isso criou-se uma indústria de pequena tecnologia, comparada à europeia e à dos Estados Unidos, capaz de realizar operações em território Brasileiro sobre produtos importados, quando seu embarque não era conveniente, seja por peso e volume, quanto pela periculosidade da mercadoria, por ser perecível ou ainda porque a matéria prima nacional era mais em conta. Os importadores tiveram grande destaque nesse processo: detentores de capital, de contatos no exterior e do comércio ultramarino, foram os principais responsáveis pela criação da indústria nacional; que davam acabamento aos materiais importados e posteriormente, com maquinário e técnicos (estrangeiros trazidos para o país) puderam deter todo o processo produtivo (DEAN, 1971). Produzia-se pregos, cerveja, caldeiras, acetileno, biscoito e pasta, ferragens, tijolos, serraria, vidros e tecidos. Essa industrialização localizou-se em diversas cidades da província paulista, mas concentrou-se enormemente em São Paulo, sobretudo após o “Encilhamento” e comandou a urbanização.
Para Langenbuch (1971), a indústria encontrou ao longo da SPR o seu trinômio para desenvolver-se: ferrovia, terrenos planos e o rio. Através da ferrovia tem-se acesso direto e rápido ao porto de Santos, o que era importante não só para o comércio com os demais países, mas também para com outras regiões do próprio Brasil, uma vez que não existia uma malha de transporte rápido entre as diversas regiões do país, e a ocupação concentrava-se quase totalmente sobre a faixa litorânea. Já os terrenos planos
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barateavam o custo de implantação por dispensar movimentação de terra, e o rio garantia o abastecimento de água. Portanto, não por acaso, as primeiras indústrias paulistanas localizaram-se entre a Lapa e o Ipiranga, às margens da SPR, onde havia capacidade de transporte de matéria prima e dos produtos de e para outras regiões do estado e também do país, além de terrenos vagos e amplos e água. Em um segundo momento a indústria passou a ocupar os trechos entre estações, outrora vazios, principalmente com a construção de desvios ferroviários, dada a escassez de terrenos próprios nas áreas consolidadas e aproveitando-se ainda do trem como modal de transporte. Durante a I Guerra, a indústria nacional teve algum impulso, para abastecer o exterior, com produtos que não estavam sendo fabricados lá, e também o mercado interno com produtos que não podiam ser importados, entretanto sem um aumento significativo da instalação de indústrias novas, apenas com um melhor aproveitamento da capacidade instalada, o que, ainda assim, teve grande importância para que o produto nacional ganhasse espaço. Entre 1920 e 1940 a indústria paulista teve crescimento lento, em torno de 4% ao ano, contra 8% nas duas décadas anteriores. Mas algumas mudanças foram de extrema importância, como uma nova estrutura e aumento da tecnologia. Passou-se a produzir ferrogusa, material elétrico, equipamentos para industrialização da cana-de-açúcar, peças de automóveis, acessórios, ferramentas, implementos agrícolas, aparelhos de gás, relógios, balanças e tecidos de rayon. Também houve uma forte tendência de retirada dos capitais estrangeiros nos setores mais antigos, com tecnologia estabilizada. Junto a isso a baixa nos preços do café gerou uma retração econômica, uma vez que esta cultura ainda era de extrema importância, tanto que o governo Vargas repetiria a medida de compra, estoque e queima de café para manter um valor mínimo para a saca. Este governo, conhecido pela política de substituição de im1
portações e por realizações como a CSN, até o golpe de 37 ainda se mantinha cético quanto à indústria, tanto que suas medidas de
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incentivo a esta atividade se concentraram em fins da década de 1930 até o fim do governo, em 1945. A esta transformação tecnológica da indústria correspondeu a uma mudança física, em sua planta. A produção passou a demandar áreas cada vez maiores, de tal forma que houve deslocamento das indústrias dentro da capital, e orientadas pela SPR. Por
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exemplo, a Antarctica, que produzia cerveja na Água Branca, transferiu-se para a Mooca em 1920; a GM transferiu-se do Ipiranga para São Caetano em 1927. Convém adiantar que o processo de deslocamento da indústria, por diversos motivos, em épocas diferentes é fator de extrema importância para a condição de transformação atual de bairros como o Brás e a Mooca. Já no período entre 1940 e 1960 a ferrovia ainda comandava a industrialização, apesar do desenvolvimento rodoviário. Dada a saturação do eixo da São Paulo Railway, as novas instalações localizaram-se sobre a Sorocabana e a Central do Brasil, conduzindo o processo no sentido leste-oeste. Isso aconteceu também pela redução da necessidade de ligação direta com o porto de Santos: diferente das primeiras fábricas, as novas não dependiam da importação de matérias prima. Em Osasco, por exemplo, além de material elétrico, passou-se a produzir cimento e outros materiais para construção com matéria prima local; o mesmo se aplica para
Principais ferrovias 1 São Paulo Railway 2 E. F. Central do Brasil (E. F. do Norte) 3 E. F. Sorocabana 4 Ramal de Poá (E. F. Central do Brasil)
as indústrias de papel e celulose e nitro-química em Poá, Suzano e Jundiapeba. Muitas buscaram localizar-se em áreas periurbanas por não serem boas vizinhas, pelo odor e dos resíduos gerados, ainda assim acabaram sendo absorvidas pela cidade. A partir de então, dado o abandono do sistema ferroviário, o crescimento do rodoviário com a construção de uma malha que atingia o interior do estado e do país, sobretudo com o Plano de Metas do presidente Juscelino Kubitschek e a abertura econô-
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mica, muitas industrias multinacionais se instalaram na cidade, com destaque à própria automobilística. Esses fatores levaram a uma transformação da lógica de localização da indústria; como não existe uma indústria isolada, mas sim uma cadeia produtiva que abrange a fabricação ou importação de todas as peças, todo um grupo de fábricas passou a se instalar à beira das rodovias, principalmente Anchieta, com destaque ao município de São Bernardo, Anhanguera e Dutra – esta última mais recentemente abrigou a industria de ponta: guerra, espacial, eletrônica e aeronáutica (VILLAÇA, 1998). Ao processo de ocupação das rodovias em outros municípios, inclusive fora da metrópole de São Paulo, que vem se consolidando desde a década de 1980 dá-se o nome de “desconcentração industrial”, que discutiremos em particular mais adiante.
Suburbanização Durante o último decênio dos anos 1800 uma leva de novos loteamentos imprimiu à cidade novas características. Trata-se de arruamentos isolados completamente separados, até onde o bonde ou os trens garantiam acessibilidade; modelo que foi repetido e consolidado nas décadas seguintes, de tal forma que, combinado com outros processos, “a cidade passava a ocupar uma área muito mais ampla do que seria necessário e funcionalmente conveniente” (LANGENBUCH, 1971, p. 83) gerando descontinuidade tanto do tecido quanto da ocupação, com imensos vazios interpolados às áreas urbanizadas, e baixíssimas densidades de construção e de população. Estes loteamentos sem “nenhum plano de conjunto viriam a causar sérios problemas urbanos futuros” (1971, p. 137). A “Planta Geral da Capital de São Paulo”, elaborada por Gomes Cardim em 1897, dá uma dimensão do crescimento especulado para a cidade. Por não se tratar de um levantamento, inclui junto ao existente, diversos arruamentos que viriam a ser executados somente nas décadas seguintes, fato que se confirma pela análise de mapas mais precisos realizados no começo do século XX, e principalmente pelo levantamento Sara Brasil, de 1930. Para Langenbuch (1971) já se constitui um modelo de expansão centrífuga, pois na década de 1890 São Paulo concentrou o crescimento populacional, atingindo taxa de 445% no período enquanto os vizinhos cresceram apenas 22% e alguns aglomerados inclusive perderam população, e logo em seguida, de 1900 a 1920, esse panorama se inverteria, o crescimento foi modesto em São Paulo, acelerado nos vizinhos e repovoamento de alguns aglomerados, dada a industrialização. Assim, num primeiro momento houve concentração para depois povoar, de forma dispersa, os arredores da cidade. Esta lógica de ocupação do território gerou uma forte tendência de suburbanização, cristalizada nas décadas seguintes. Neste momento relacionava-se principalmente ao longo das ferrovias, como é o caso do Ipiranga, Vila Gomes Cardim, Lapa e Água Branca. A presença de estações ferroviárias fez surgir um conjunto de edificações ao seu redor, envolvendo indústrias, comércio e residências – os “subúrbios-estação” (LANGENBUCH, 1971). Todavia, cabe neste ponto a observação de que a localização das resi-
dências não é intimamente ligada à das indústrias: o eixo da Central do Brasil, eminentemente residencial, não concentrava indústrias, enquanto o da São Paulo Railway, altamente industrializado, até 1940 viria a concentrar quase 35% da população de São Paulo e arredores, de onde se
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conclui que a localização da residência está relacionada à acessibilidade e mobilidade, à capacidade de chegar ao trabalho, no caso à indústria, e de forma a dinamizar os deslocamentos. (VILLAÇA, 1998) Os subúrbios-estação já extrapolavam o limite do município de São Paulo: Santo André, por exemplo, se desenvolveu ao redor da estação de trem da SPR já com algumas indústrias no início dos anos 20 e com grande expansão a partir da década de 1940, principalmente pelas limitações espaciais que a indústria já encontrava em São Paulo. A própria São Bernardo passava a crescer à margem e graças a Santo André dado um elemento que se tornou característico à época: o complemento da viagem de trem por outro modal (LANGENBUCH, 1971). O desenvolvimento de vários subúrbios-estação ao longo da São Paulo Railway fez com que houvesse uma troca bastante intensa entre eles. Enquanto São Caetano, por exemplo, não abrigava um parque industrial expressivo, muitos de seus moradores trabalhavam em fábricas próximas, aonde se podia chegar pela ferrovia. Entre 1921 e 1932 operou entre a estação de Santo André e o núcleo de São Bernardo propriamente dito uma linha de bondes em sentido transversal à ferrovia. Próximo dali, numa extensão quase direta do Ipiranga, desenvolveu-se São Caetano, que para se ter idéia, recebeu em 1927 a primeira fábrica da GM (a anterior no Ipiranga apenas montava os automóveis). Vale considerar que o trio São Bernardo – Santo André – São Caetano fazia parte do antigo Núcleo Colônial, o mais bem sucedido entre os quatro que existiram, e viria a formar o chamado “ABC”. A comparação direta entre a Planta da Cidade de São Paulo, elaborada em 1924 e a de 1943 resumem a expansão da cidade entre os dois anos. É possível ver a intensificação da ocupação da margem direita do rio Pinheiros, com alguns pontos isolados em sua margem esquerda. Ao sul o crescimento a partir de Vila Mariana e Vila Clementino ao Ja-
Planta Geral da Capital de São Paulo, de 1897, elaborada por Gomes Cardim. Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
baquara, assim como daqueles por Indianópolis e Campo Belo até Santo Amaro, ao mesmo tempo em que grandes vazios entre os loteamentos foram preenchidos. A leste a mais expressiva expansão; nota-se que o primeiro mapa faz registro apenas até a Penha, o que demonstra a pouca importância do que existia para além. Já o de 1943 inclui até o município
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de Mogi das Cruzes, enquanto no meio do caminho foram criados uma série de loteamentos isolados. Os loteamentos eram de tal forma excessivos que apenas a afirmação de uma cidade de baixa densidade foi capaz de ocupá-los; o que também gerou uma cidade cada vez mais dependente do seu centro: a expansão horizontal foi tamanha que não pôde ser acompanhada pelo comércio e serviço e demais atividades. A gravitação em torno do centro, e seu contraste com os arredores, fez com que o paulistano passasse a se referir a ele como “a cidade”, e assim para compras, pagamentos de contas e diversas outras atividades, se dizia “Vou à cidade”. resconstituição da malha de bondes de 1924 sobre o Mapa de 1943 mostra o quanto as linhas férreas foram fatores importantes no rumo da expansão: ao norte seguiu a Estrada de Ferro da Cantareira e ramais, ao sul o Tramway de Santo Amaro, a oeste a Sorocabana, a leste se concentrou no intervalo entre o tronco da Central do Brasil e a Variante de Poá, a noroeste e a sudeste manteve-se o caminho sobre a SPR. Em 1937 a Light manifestou publicamente seu desinteresse em continuar a operar os bondes da capital, mantendo-os até 1941 sem nenhum investimento novo. Entretanto, já anteriormente os ônibus, não regulados pela municipalidade (RIBEIRO, 1946), ganhavam espaço, num primeiro momento completando o serviço com sobreposição de trajetos, e depois competindo com o serviço da companhia canadense. Ainda assim as rodovias não tinham qualidade suficiente para permitir rápidas viagens entre o litoral e o planalto, portanto a ferrovia ainda mantinha-se Mapa de São Paulo em 1924 Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP
como condutora da industrialização, apesar de também já não receber grandes investimentos na ampliação da malha. A abertura de novas estradas e o uso cada vez mais intenso de automóveis nos deslocamentos deu origem aos chamados “subúrbios-rodoviários” (LANGENBUCH, 1971). Estes podem, ainda, ser subdivi-
didos em outras categorias, como os subúrbios: - ex-vilarejo: onde existia alguma ocupação pequena e foi estimulada pelo uso do automóvel - entroncamento: oriundos dos antigos “povoados-entronca-
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mento” que já se localizavam junto a entroncamentos viários e foram privilegiados com a sua melhoria e inserção no sistema de circulação principal - loteamento: fora dos eixos de circulação viária principal, ligados a um polo de atração; demandavam deslocamentos a pé para que se chegasse a uma via onde houvesse ônibus ou bondes. - ônibus: loteamentos abertos em função da circulação de ônibus, às margens das estradas - criados: conjuntos residenciais criados isolados onde ainda não havia sequer vocação suburbana. (LANGENBUCH, 1971) Estes novos subúrbios diferem-se bastante dos demais ligados à ferrovia e do bonde pois não geram polos e por isso aqueles não atingem o mesmo desenvolvimento destes: as estações ferroviárias eram poucas, afastadas umas das outras e únicas paradas dos trens, logo se dispunham como pontos para onde convergia todo o subúrbio; já os pontos de ônibus são numerosos e dispersos. Conforme os subúrbios aumentavam e sobre eles expandia-se o “bloco contínuo central” dois novos processos semelhantes tomaram forma. À conexão realizada pelo preenchimento de vazios entre o bloco e os subúrbios Langenbuch (1971) da o nome de “aglutinações” enquanto chama de “fusões” as anexações de um subúrbio ao outro, através da formação de conglomerados, ferroviários ou rodoviários dadas as causas de crescimento, com a diferença de que, os ligados ao trem geraram polos ao contrário dos ligados ao ônibus e o carro como já explicado.
Mapa de São Paulo em 1943 com sobreposição das linhas de bonde e trem existentes em1924 Fontes Mapa: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo Linhas de bonde: Relatório da Light, in PORTELA, 2006, p. 130
Padrão periférico de urbanização: Alguns autores referem-se a um “padrão periférico de urbanização” pois acreditam que seja um termo mais preciso para descrever esse processo centrífugo de urbanização. Este processo teria sua origem em 1942 quando Vargas promulgou o decreto-lei do Inquilinato, cuja principal medida era congelar o preço dos alugueis que teve imenso impacto sobre as áreas urbanas porque havia uma produção bastante rentável de cortiços, logo os investimentos deixaram de ser feitos e a crescente demanda deixou de
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ser atendida. A população que até então encontrava, apesar das deficiências, habitações a custos acessíveis no centro, passou a ser impelida para áreas onde o preço da terra fosse mais baixo, na periferia, urbanizada com base no loteamento ilegal e a casa autoconstruída (Bonduki, 1998), que, mais uma vez, demonstrava “a negligência do Estado, em suas diferentes instâncias, com a construção das cidades e a formulação de uma política de desenvolvimento urbano; a ilegalidade como fator estrutural na dinâmica de expansão urbana das metrópoles brasileiras; o lote urbano precário” (GROSTEIN, 2001) Apesar de o termo, em geral, descrever as décadas de 1940 a 1960, o crescimento periférico não cessou. Nas décadas de 1970 e 1980 foi o Estado que promoveu este crescimento, a partir da construção de diversos conjuntos habitacionais, com ênfase no extremo leste da cidade. Ao mesmo tempo as estradas de Parelheiros, M´Boi Mirim e Alvarenga conduziram a expansão ao sul, sobre as áreas de proteção aos mananciais. Além das grandes distâncias que essas novas ocupações mantinham do centro, e da baixa densidade, outra característica comum é a “urbanização sem cidade (MEYER, GROSTEIN, & Biderman, 2004)”, ou seja, a ausência de equipamentos e infraestrutura e descontrole do parcelamento. Para Meyer et al. (2004, p. 25) desde a década de 1970 a cidade vem sendo marcada por uma intensa fragmentação e dispersão de novos núcleos, descritos como “desagregados do ponto de vista urbano e difusos do ponto de vista funcional” (MEYER, GROSTEIN, & Biderman, 2004, p. 25) que se instalam à beira de rodovias na periferia da cidade. Porém os próprios autores apontam que esta descrição pode estar equivocada a partir do momento que os meios de transporte e comunicação modificaram a idéia de continuidade espacial, que pode estar desvinculada do suporte material. Apesar disso, estes novos núcleos constituem um problema
Evolução da mancha urbana: Fonte: CESAD FAU-USP
1881
1930
1952
urbano à medida que aumentam ainda mais a mancha urbana porque provocam o prolongamento de infraestruturas ao mesmo tempo que mantém subutilizadas as já existentes; além disso nascem de um ideário de fuga da cidade, contraditório porque é parcial uma vez que instala-se nos arredores da cidade de forma a poder alcança-la de rapidamente para usufruir de seus equipamentos, bens e serviços.
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Segundo Meyer et al. (2004) “foi o dinamismo do setor privado da economia, segundo seus interesses, que orientou e organizou o desenvolvimento da metrópole”, isso significa a reprodução de um padrão predatório de crescimento urbano, baseado no uso extensivo do solo, inclusive sobre áreas de preservação, mal aproveitamento da infraestrutura instalada, livre e individual iniciativa e desagregação social. Recentemente o crescimento da periferia está acompanhado de uma redução populacional do centro. Os bairros com melhor infra-estrutura instalada e mais próximos aos locais de trabalho tem registrado taxas negativas de crescimento demográfico, apesar dos crescentes investimentos públicos e privados e da intensificação da construção de novos edifícios. Isto se explica pelo modelo errôneo de uso e ocupação do solo, grande parte das vezes monofuncional, pela extensão de áreas vazias (recuos dos edifícios), e pelo aumento do preço da terra que tem forçado parte da população a procurar novas residências. Ao mesmo tempo a crescente participação do automóvel como meio de transporte demandou uma estrutura que o suportasse, que foi criada sem um plano de conjunto, resultando em grandes falhas de conexões. Muitas foram construídas nos fundos de vale, aproveitando recursos federais para saneamento básico e o resultado é bastante contraditório, pois gera dezenas de pontos de alagamento e trafego parado. Além disso a necessidade de adaptar os espaços urbanos de uma cidade que cresceu em parte baseada no bonde/trem fez com que uma série de espaços livres da cidade, como a praça da Bandeira, o parque Dom Pedro, entre tantos outros, fossem destruídos. Ainda assim, a construção de grandes avenidas criou novas localizações para o mercado imobiliário, com destaque ao quadrante sudeste, onde surgiram dezenas de empreendimentos voltados ao setor terciário (MEYER et al. 2004) e que concentra grande parte dos empregos da capital.
1972
1995
2001
Praça da Bandeira e Parque Dom Pedro, comparando as imagens de 1950 (superior) e 2011 (inferior) É possível ver como as estruturas de transporte interferiram no espaço. Fontes: Imagens de 1958: www.geoportal.com.br Imagens de 2011: Google Earth 0
100
200m
ASPECTOS SOCIAIS E MORFOLÓGICOS DA CIDADE 22
A atuação recente do mercado imobiliário tem produzido uma série de edifícios com uma linha de raciocínio muito clara. Trata-se de condomínios verticais fechados, com uma torre ou um conjunto delas, que não respeitam o relevo da cidade nem tiram proveito dele assim como do próprio clima; não se inserem em projetos de conjuntos a nível de bairro, muito menos de cidade e se enclausuram cada vez mais. A bem da verdade isto não é nenhuma novidade, é muito mais a inércia de uma postura sobre a cidade que vem de décadas seguidas e que o próprio Estado adota, como se pode observar em diversas praças e parques. Disso resulta a reprodução de um modelo de cidade baseado na segregação social e espacial, e que tem diversas consequências tanto para o suporte físico quanto o humano da cidade.
O Relevo O relevo do território das colinas de Piratininga foi decisivo tanto para o assentamento da cidade como também para a sua polarização. Dada a sua situação privilegiada com relação ao entorno pela altitude e por estar circundada por rios, a chamada “Colina Histórica” garantiu a proteção dos primeiros portugueses que aqui se instalaram. Avenida Paulista
Rio Anhangabaú
850
825
750
725
Rio Pinheiros
775
Rio Tamanduateí
800
1km
2km
3km
4km
5km
6km
7km
8km
A cidade tem uma condição geológica muito favorável paisagisticamente, pois a várzea do Rio Pinheiros se encontra próximo à cota 720m, a Avenida Paulista a 840m (120m de desnível, o equivalente a um edifício de 40 pavimentos) o Rio Tamanduateí próximo aos 730m e o Tietê 725m. Ao norte a serra da Cantareira chega a ultrapassar os 1000m de altitude, assim como o Pico do Jaraguá atinge a cota 1.135m e está isolado na paisagem sendo facilmente reconhecível. Todavia nenhum desses elementos, nenhum desses desníveis foi aproveitado devidamente.
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O trabalho com o relevo é de grande importância para a legibilidade da imagem da cidade, que vai desde poder ver ao longe a partir de um ponto alto ou de reconhecer um vale de um rio, por exemplo. Isso está diretamente relacionado à forma como ocupa-se o território: hoje não há distinção entre os edifícios construídos nos vales ou nos divisores de águas, a legislação não prevê isso e assim se tem construído torres por todas as partes indistintamente. Dessa forma deturpa-se o relevo: não há condições de compreender que se está no vale de um rio ou no topo de um morro. Pico do Jaraguá visto da Rua Cerro Corá Desenho pessoal.
Poderíamos ter, então, um sistema de mirantes espalhados pela cidade, que fossem pontos cruciais de onde o paulistano ou o visitante pudessem visulmbrar a cidade e compreender o relevo como o fizeram os primeiros portugueses que aqui se instalaram; também poderíamos nos orientar pelas subidas e descidas, pelos vales, ou ter elementos como o Pico do Jaraguá como símbolos da cidade assim como o Corcovado está para o Rio de Janeiro. Outra questão diz respeito à acessibilidade. Temos um relevo com altas declividades e desníveis muito grandes. Assim os edifícios, se bem implantados ao sítio podem cumprir com a função de vencer esses desníveis e garantir a acessibilidade universal; isto poderia ser como um jogo de platôs, que de edifício em edifício iria superando as barreiras sucessivamente.
Logradouro e condomínios verticais fechados O Logradouro é o espaço livre privado do lote ou quadra e representam uma grande parcela de solo nos condomínios verticais fechados. A ocupação da quadra ou do lote, nesse caso, não é pensada através de seus cheios e vazios simultaneamente, apenas pelos seus cheios, por isso os espaços livres são residuais, resultado de uma simples operação geométrica da subtração da área total pela área ocupada pelas torres. Como espaços que sobram, este logradouro torna-se uma incógnita no projeto. Pois carece de uma destinação, de apropriação, e logo se torna um vazio. Cabe aqui estabelecer a diferença entre vazio e espaço livre: ambos se caracterizam pela inexistência de uma edificação, mas se distinguem quanto ao caráter: aquilo que não tiver simbolismo, não tiver uso ou for sub-aproveitado, como corredores laterais e terrenos baldios, chamaremos de vazio; por oposição, o que tiver uso e/ou simbologia será simplesmente espaço livre, como uma praça ou a própria rua. Estes espaços, por mais que se construa algo para dar-lhe uso, acabam como vazios semânticos: cria-se um plano de fundo, um cenário, e tenta-se , sem eficácia, dar-lhe usos e sentido com os mais variados elementos, desde as tradicionais quadra de esporte e piscina até meias quadras (com as dimensões que couberem, para o simples registro de que há uma quadra), pseudo-praças (já que
não tem caráter simbólico para a cidade), “pet-walk”, espaços dos mais variados (gourmet, luau), etc. Isto ganha espaço à medida que a cidade não provém os devidos equipamentos públicos de lazer e mesmo os existentes acabam sendo negados por uma falência da convivência entre grupos socialmente distintos. Isto, somado à sensação de insegurança exacerbada, conduz ao enclausuramento dos condomínios.
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A busca exagerada pela segurança origina-se de um aumento assolador do crime violento nas últimas décadas que marca não só o cotidiano de São Paulo mas também o imaginário coletivo. O medo transformou as relações sociais, das pessoas com o edifício e com a cidade e por fim as relações do edifício e da cidade. Hoje assistimos ao que se tem chamado de “feudalização”, em comparação com o movimento de cercamento das cidades ao fim do Império Romano, o que guarda uma falha substancial: enquanto naquele tempo se fechava uma cidade inteira por conta das invasões bárbaras, hoje a cidade se vê despedaçada em pequenos “feudos”, ou seja, os dois movimentos são completamente diferentes. Enquanto na Idade Média se procurava a defesa coletiva, hoje é uma defesa individual. Este processo tem várias origens, além do medo e da falta de projeto para o logradouro. Também se relaciona à segregação espacial e à decadência de várias áreas da cidade. Para Teresa Caldeira “A segregação – tanto social quanto espacial – é uma característica importante das cidades. As regras que organizam o espaço urbano são basicamente padrões de diferenciação social e de separação. Essas regras variam cultural e historicamente, revelam os princípios que estruturam a vida pública e indicam como os grupos sociais se inter-relacionam no espaço da cidade.” (CALDEIRA, 2000, p. 211).
De acordo com Villaça (1998, p. 45) a “força mais poderosa (mas não única) agindo sobre a estruturação do espaço intra-urbano tem origem na luta de classes pela apropriação diferenciada das vantagens e das desvantagens do espaço construído” Ou seja, é na construção desigual de localidades, na oferta diferenciada de serviços, infra-estrutura, etc. que a tensão de classes se materializa, já que o espaço urbano é produzido, porque é fruto de trabalho social, e gera “valor de uso” - capacidade criada no espaço de relacionar elementos - e cada localização da cidade possui um valor de uso diferente (VILLAÇA, 1998). Segundo Caldeira (2000) tivemos em São Paulo dois modelos de segregação espacial e agora estamos construindo um terceiro: enquanto a cidade era compacta, o que diferenciava os grupos sociais na cidade era a residência; logo depois consolidou-se o padrão centro-periferia que diferenciava ricos e pobres pela distância absoluta ao centro. Hoje esse modelo não corresponde a uma distância entre os grupos, mas sim o seu enclausuramento. “Sobrepostas ao padrão centro-periferia, as transformações recentes estão gerando espaços nos quais os diferentes grupos sociais estão muitas vezes próximos, mas estão separados por muros e tecnologias de segurança, e tendem a não circular ou interagir em áreas comuns. O principal instrumento desse novo padrão de segregação espacial é o que chamo de “enclaves fortificados”. Trata-se de espaços privatizados, fechados e monitorados para residência, consumo, lazer e trabalho. A sua principal justificação é o medo do crime violento. Esses novos espaços atraem aqueles que estão abandonando a esfera pública tradicional das ruas para os pobres, os “marginalizados” e os sem-teto.” (CALDEIRA, 2000, p. 211)
Estes novos espaços não só reconfiguram a divisão social da cidade, mas se tornam problemáticos do ponto de vista de
“Por que caminhos você vai e volta? Aonde você nunca vai? Em que esquinas você nunca pára? A que horas você nunca sai? Há quanto tempo você sente medo? Quantos amigos você já perdeu? Entrincheirado, vivendo em segredo E ainda diz que não é problema seu” (O Calibre - Os Paralamas do Sucesso)
uso do espaço urbano, circulação e de cidadania. Os enclaves fortificados vendem cada vez mais a falsa ideia de autossuficiência: enfatizam até não poder mais a incontável quantidade de equipamentos que possuem, passando até por salas de reuniões, que criam uma imagem de que se pode resolver toda a vida naquele pequeno espaço. O cúmulo desse modelo é o empreendimento “Cidade Jardim” às margens do rio Pinheiros, que conta com espaços de trabalho, moradia e consumo (que nesse caso abrange até o cosumir o lazer). É falso porque não consegue, nem verdadeiramente pretende, recriar a complexidade da vida urbana e assim as relações
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com o espaço exterior são obrigatórias, apesar de rechaçadas e portanto devem ser mínimas, o que se consegue por meio de outros dois elementos. Combinados, o estacionamento e o automóvel permitem que se transite entre dois enclaves com o menor contato possível com o espaço público além de também transmitir sensação de segurança – em dois comerciais de um carro S.U.V¹ há depoimentos que dizem: “Eu me senti muito mais segura em “tá” num carro mais alto”; e no outro: “Além de ser um carro lindo, eu me sinto segura nele; ele é um carro alto, tem uma visão maravilhosa!”. Podemos nos basear em comerciais porque se “falham em articular imagens que as pessoas possam entender e reconhecer como suas, eles falham em seduzir. Portanto, anúncios [...] constituem uma boa fonte de informação sobre os estilos de vida e os valores das pessoas cujos desejos eles elaboram e ajudam a moldar” (CALDEIRA, 2000, Condomínio Cidade Jardim Foto retirada de http://www.each.usp.br/petsi/epetusp2012/wp-content/uploads/2012/03/Conheca_shopping7.jpg
p. 264) O isolamento também cria problemas de cidadania, de regulação das relações pessoais dentro do condomínio e de cunho político público pois destrói a imagem da cidade como um espaço coletivo. Para Caldeira (2000, p. 275) “O problema central dos condomínios e edifícios parece ser como funcionar como uma sociedade com algum tipo de vida pública. Muitos moradores parecem tratar todo o complexo como casas particulares onde podem fazer o que lhes der na cabeça. Eles interpretam liberdade como sendo uma ausência de regras e responsabilidades em relação aos vizinhos.”
Tem-se notado diversos e crescentes casos de violência dentro dos condomínios, provocados não por pessoas de fora e pobres como seus moradores haveriam de esperar, mas por eles próprios: “Os delitos praticados [pelos jovens moradores dos condomínios fechados] variam, indo desde pequenos furtos ou de atos de vandalismo contra as instalações coletivas ao consumo de drogas. Um dos problemas mais comuns e provavelmente aquele com consequências mais sérias é o aumento do número de acidentes de automóvel causados por adolescentes sem habilitação para dirigir.” (CALDEIRA, 2000, p. 278). “Na verdade quando as pessoas têm noções frágeis de interesse público, responsabilidade pública e respeito pelos direitos de outras pessoas, é improvável que venham a adquirir essas noções dentro dos condomínios. Pelo contrário, a vida dentro dos universos privados só contribui para enfraquecer ainda mais suas noções de responsabilidade pública” (CALDEIRA, 2000, p. 279)
A grande cicatriz da sociedade é exatamente a segregação, a falta de visão coletiva, que durante o século XX foi estimulada ¹ Comerciais do automóvel Tucson veiculado na televisão e disponível em: http://www.youtube.com/watch?v=LtgY-77NiWw e http://www.youtube.com/watch?v=kXliuix55Mg&feature=related, visualizados em 14/09/2012
pelo individualismo pujante e associada ao ideal de “self-made man”, aquele que conquista tudo com seu próprio esforço e portanto é merecedor do que tem. A disputa pelas melhores localizações na cidade tornou-se, assim como todo o resto, questão de mérito, de esforço próprio e conquista, e para isso há a supressão do entendimento da sociedade enquanto conjunto, das suas diversas arti-
culações. Pré-conceitos e separação espacial só tendem a reforçar essa visão de mundo à medida que esconde as diferenças e torna o outro um completo desconhecido. A realidade das favelas não é conhecida por uma grande parcela da população, e ainda é mitificada pelos meios de comunicação e pelas conversas cotidianas, um artifício bastante complexo que cria argumentos para justificar a segregação e que reproduz preconceitos. Quando concidadãos se tornam completos desconhecidos quanto à sua realidade e o pouco que
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sabem um do outro é um conjunto de ideias falsas a única possibilidade é que se repudiem mutuamente, num ciclo vicioso, em uma tensão social que se demonstra por intolerância e desrespeito, muitas vezes estimulada até pelo poder público na medida em que trata questões sociais como policiais, condena cidadãos e cria sobre eles estigmas dos mais diversos, como é o caso da Cracolândia, das ocupações de edifícios abandonados e das favelas. O que encaminha para um problema de cunho político, de desarticulação democrática, entendida aqui como o interesse coletivo, porque “Entre as condições necessárias para a democracia está a de que as pessoas reconheçam aqueles de grupos sociais diferentes como concidadãos, com direitos equivalentes apesar de suas diferenças. No entanto cidades segregadas por muros e enclaves alimentam o sentimento de que grupos diferentes pertencem a universos separados e tem reivindicações irreconciliáveis. Além disso, esse efeito não depende diretamente nem do tipo de regime político nem das intenções daquele no poder, já que o desenho dos enclaves e muros traz em si mesmo uma certa lógica social. As novas morfologias urbanas do medo dão formas novas à desigualdade, mantém os grupos separados e inscrevem uma nova sociabilidade que contradiz os ideais do público moderno e suas liberdades democráticas.” (CALDEIRA, 2000, p. 340)
“As grades do condomínio são para trazer proteção Mas também trazem a dúvida se é você que esta nesta PRISÃO” (Minha Alma - O Rappa)
Montagem sobre o enclausuramento da cidade. Elaboração própria.
Foto: Festa no Elevado Costa e Silva - São Paulo Créditos: Alex Sartori
Espaços livres públicos O mesmo raciocínio empregado ao fechamento de condomínios se aplica às praças e parques, que se veem murados e cercados devido a uma correspondente perda semântica e de uso dos espaços públicos em São Paulo do qual a Praça da Sé parece ser um caso bastante exemplificador porque “ela representa a deterioração do espaço público, perigo, crime, ansiedades em relação ao declínio social e o empobrecimento dos trabalhadores, que continuam a usá-la nas idas e vindas do trabalho, e que trabalham no mercado informal ou consomem seus produtos baratos. Ela simboliza tanto a força como a deterioração do espaço público e é, consequentemente, um símbolo do caráter disjuntivo da democracia brasileira.” (CALDEIRA, 2000, p. 326)
Basta olhar as nossas praças para ver o quão sintomático é isso: o estado de conservação de grande parte delas, a vulgarização na classificação da prefeitura (até os vazios nas alças de acessos aos viadutos são chamados de praças), a posição no tecido e a importância dada às existentes são exemplos concretos de como esses espaços não foram valorizados. A praça Buenos Aires, apesar de ter uso intenso, foi cercada e agora chama-se parque e tem horário de abrir e fechar; a praça pan-americana é atravessada e rodeada por avenidas de fluxo intenso; a praça do “por-do-sol”, assim como tantas outras, é apenas o cumprimento de legislação que destina ao público uma parcela da gleba e que em geral é a de pior declividade, aquela que não pode ser urbanizada (neste caso em específico, por acaso se criou um espaço contemplativo raro na cidade, mas não por intenção de desenho). O parque Dom Pedro foi mutilado pela predileção dada às infraestruturas de transporte, viadutos e terminais de ônibus assim como a praça da Bandeira e tantas outras. É às praças que se atribui o estar das cidades, a convergência de pessoas e por tanto o encontro e as trocas, não só materiais mas também imateriais. A heterogeneidade da cidade só pode ser aproveitada quando há essas trocas pois é assim que se transmitem, compartilham, somam e combinam ideias, experiências, técnicas etc. A importância da troca é tão grande que é o que explica, por exemplo, as semelhanças e divergências linguísticas. O português de Portugal sofreu tantas influências por trocas com as línguas indígenas e estrangeiras que nos programas de informática já se usa o termo “português brasileiro” para distingui-lo do lusitano. Se pensarmos nos avanços tecnológicos eles também se deram a partir de troca entre grupos diferentes, não só hoje, mas historicamente: grupos com estágios de desenvolvimento técnico e necessidades diferentes criaram soluções que foram compartilhadas quando se estabeleceram contatos. A própria música é fruto das constantes trocas, que faz com que os diversos estilos musicais sofram transformações ao longo do tempo, às vezes fazendo surgir novos ritmos e danças. Por tanto, os isolamentos, cercamentos e enclausuramentos que se têm produzido na cidade são contrários à ideia de ampliação do conhecimento. Outro fator importante é que o contato direto com o diferente permite conhecê-lo. Juntar em um mesmo lugar pessoas diferentes, tanto em níveis de renda como de crenças, culturas, etc, proporciona a oportunidade de desmistificar, quebrar barreiras e preconceitos e assim construir tolerância e respeito. Já os parques, que também são áreas públicas livres, se inserem dentro da mesma lógica de cercamentos. São, em geral, áreas que se isolam fisicamente e se afastam em outros aspectos do resto do tecido, tanto que são muito pouco utilizados durante a semana, em comparação aos finais de semana; dado o afastamento, é preciso uma programação, muitas vezes de famílias ou grupos do tipo: “No fim de semana vamos ao parque” por que isso geralmente demanda algum deslocamento motorizado e tempo. Como
não está “junto” à cidade não é local de passagem e estar do cotidiano como são as praças. Cria-se assim uma distinção entre “estar junto” ou “estar no meio” e “estar fora” ou “afastado/separado” Isso também está relacionado com o próprio modelo de cidade, dispersa e pouco densa: os arredores do Parque do Ibirapuera, por exemplo, são de baixíssima densidade e ao seu redor temos na porção norte e leste as avenidas, respectivamente, Pedro
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Álvares Cabral e “23 de Maio”, de intenso e rápido fluxo de veículos de travessia extremamente complexa para os pedestres: há
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apenas uma passarela sobre a “23 de Maio” e duas faixas de pedestre na av. Pedro Álvares Cabral, numa extensão de 1700m. Tam-
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bém neste setor, ao longo das referidas avenidas encontram-se uma área Militar, a Assembléia Legislativa com amplo estacionamento, Clube do Círculo Militar, o Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia, área esportiva de propriedade do Centro Acadêmico XI de Agosto (Faculdade de Direito da USP), o Museu de Arte Moderna da USP, extensas áreas de estacionamento e o Complexo Viário João Jorge Saad, o “Cebolinha”. Desta forma, cria-se uma margem de 500m que afasta residência, comércio e serviços do parque –
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em geral, esta é a distância considerada de maior influência de um equipamento, onde a relação de vizinhança é maior. Além disso,
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em um perímetro de aproximadamente 5 quilômetros há apenas 10 portões. Podemos dizer, então, que o parque está afastado da cidade. Diferentemente, espaços como o Vale do Anhangabaú, que transita entre praça e parque, é completamente permeável e bem
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conectado ao entorno, assim como o Parque Barigui em Curitiba, que não é cercado, e se coloca como uma extensão da calçada. Estes espaços podemos dizer que estão “no meio”, “junto à cidade”. Não há em São Paulo um sistema de espaços livres, capaz de induzir o pedestre a caminhar descompromissadamente como o flanêur de Charles Boudelaire, aquele “que gostava de perambular pelas ruas pelo simples prazer de observar ao seu redor; que não devia satisfações ao tempo e tinha a rua como matéria prima e fonte de inspiração.” (PASSOS, Fernanda et al. O novo flâneur. In Revista Eclética, nº 17, PUC-Rio, julho/dezembro 2003). No Rio de Janeiro, por exemplo, desde o aeroporto Santos Dummond até o Leblon se construiu um sistema de espaços livres. São aproximadamente 16Km contínuos por onde se sucedem o Museu de Arte Moderna – MAM, a Marina da Glória, os aterros do Flamengo e Botafogo, Urca, Praia Vermelha, Leme, Copacabana, Arpoador, Ipanema e Leblon. Trata-se de uma sequência de aterros contínuos onde instalaram-se diversos equipamentos como quadras de esportes, vestiários públicos e quiosques de serviços
1000
1 Assembléia Legislativa 2 Área Militar 3 Complexo Esportivo 4 Círculo Militar 5 Instituto Dante Pazzanese 6 Área Esportiva - C.A. XI de Agosto 7 Museu de Arte Contemporânea
Avenida 23 de Maio Avenida Pedro Álvares Cabral Travessias de pedestres Portões para pedestres 0
250
500m
e comércio de alimentos e bebidas, além do espaço amplo reservado ao pedestre e das ciclovias. Assim, mais do que o convite ao estar, ao caminhar, toda essa extensão oferece lazer e atividades esportivas. Esta condição é reforçada pelo próprio traçado urbano: em Copacabana, Ipanema e Leblon, a retícula favorece o “ir à praia”, que está muito próxima às residências, comércio, escritórios, etc, com alta densidade colocando-a, como referido anteriormente, “no meio da cidade”, apesar de efetivamente estar na periferia, ser limite da cidade. Assim, torna este espaço independente de que se programe para ir à praia, ela faz parte da cidade, do cotidiano, tanto que muitas pessoas a frequentam pela manhã, antes de ir ao trabalho ou estudar e também no final da tarde e noite. Em lugares onde isso não é possível, a atividade pela manhã antes de sair de casa, ou no regresso, torna-se improvável, ou condicionada a espaços fechados, como as academias, mas que também não “está no meio”. São Paulo não aproveitou nenhuma das oportunidades que teve para isso. Os seus 3 principais rios, Tietê, Pinheiros e
Vale do anhangabaú: conexção com entorno
Tamanduateí, poderiam compor um grande sistema de áreas livres, que inclusive atingiria seus dois grandes lagos artificiais: as represas Billings e Guarapiranga. Poderíamos ter um correspondente paulistano das orlas marítimas, algo como uma imensa orla fluvial de mais de 100km, fora as próprias margens das represas. Ao invés disso a cidade se afastou das
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represas, e as margens dos rios tornaram-se vias de circulação rápida, para onde ao invés de a cidade se voltar, deu as costas, e o próprio rio tornou-se escoadouro de esgotos. Isso dentro de um raciocínio perverso, de visão limitada que pretendia dar soluções rápidas aos problemas de circulação urgentes que se acumulavam sobre a cidade. Na verdade o grande espaço livre público de São Paulo é as ruas, de tal forma que se tornaram metonímia de espaço livre público. Todavia não foi, salvo raríssimos casos, pensada para o homem, e sim para a máquina – o automóvel. As nossas ruas foram desenhadas com pouco ou nenhum espaço para o pedestre, logo nem para o estar, para muito menos para o encontro. Muitas vezes se relaciona isso ao tamanho das calçadas, mas podemos dizer que isso é mais relativo ao contato do edifício com o chão que propriamente as dimensões da calçada. Vejamos: Há muitas ruas espalhadas pela cidade quê se transformam após o horário comercial. A saída do trabalho despeja na rua milhões de trabalhadores dos quais grande parte não volta imediatamente para casa, geralmente vão a algum bar. Muitos desses bares não tem sequer espaço para oferecer dentro de suas dependências e, até por uma demanda dos próprios clientes, disponibilizam mesas nas calçadas, mas em geral estar na rua é mais agradável que dentro do bar. Muitas ruas se enchem de gente e se tornam uma extensão desses bares independente das dimensões das suas calçadas, como é o caso da rua Rego Freitas, no centro, onde está o centro cultural “Matilha”, que tem exposições, apresentações musicais, etc, e alguns dias o chamado “happy-hour” quando a calçada da rua se torna insuficiente para o volume de pessoas conversando à porta de entrada. É importante ressaltar que o fluxo de veículos não é grande e Orla do Rio de Janeiro: sistema de espaços livres com praças, praia e equipamentos conectados entre si. Imagem: Google Earth
rápido como em avenidas expressas, o que é de extrema importância 0
500
1000 metros
para permitir a convivência de carros e pessoas.
Já na avenida Paulista por exemplo, há pontos em que as pessoas se aglomeram nas calçadas (aqui sim a largura tem sua importância porque não seria compatível a velocidade e o volume de automóveis com as pessoas nas ruas). Geralmente esses pontos de aglomeração es-
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tão associados a algum bar, mas podem ser um acesso do metrô, o vão do Masp ou a entrada do “Shopping Center 3” (que efetivamente está mais para galeria do que propriamente shopping). Esses quatro pontos tem algo de comum: a permeabilidade; é possível ir além do espaço da calçada, entrar no edifício ou na estação, ou até mesmo estar sob ele, o espaço do edifício avança sobre a calçada ao mesmo tempo que a calçada adentra o edifício. Podemos falar, por oposição, em opacidade, aqueles edifícios que tem seu térreo fechado, que restringem sua interação com a cidade através portas reduzidas e limitam ao mínimo ou a zero a confusão de exterior e interior. A galeria do Conjunto Nacional é um exemplo que deveria ser padrão na cidade: ao avançar sobre a calçada, o edifício não apenas lhe dá cobertura, mas também cria um espaço que é efetivamente exterior, mas na prática gera uma confusão, no sentido positivo da palavra, e se torna um abrigo, uma recepção, como uma gentileza de um anfitrião. Apenas as considerações tecidas até aqui não bastariam para gerar vitalidade nas ruas. A este respeito Jane Jacobs dedicou grande parte de seu livro “Morte e vida de grandes cidades”; para ela é necessário atender a mais de uma função principal; quadras curtas; combinação de edifícios com idades e estados de conservação variados; densidade suficientemente alta de pessoas e “isso inclui alta concentração de pessoas cujo propósito é morar lá” (JACOBS, 2007, p. 165) Gente na rua é também resultado de uma operação comparativa entre o espaço interno e o externo, entre o público e o privado. Nas situações onde o público/externo sobressai ao privado/interno as pessoas estão nas ruas. É o que podemos observar nas favelas, onde o espaço da rua ou a viela apresenta-se melhor que o da casa (muitas vezes não por mérito da rua, mas por demérito da casa) e as pessoas sentam-se à porta de casa, as crianças brincam nas ruas. Também é o caso de bairros a beira mar, que em sentido contrário, apenas pela
Possibilidade de construção da orla fluvial em São Paulo. Imagem aérea: Google Earth. Elaboração própria.
0
1.5 2.0 quilômetros
própria proximidade da praia o espaço público/externo é preferível. O desafio da arquitetura passa a ser construir espaços públicos mais atraentes que os privados, e isso significa concorrer com a individualização, a insegurança, o entretenimento (computadores e televisores).
Edifícios, forma urbana e Clima Do enclausuramento dos condomínios lê-se uma repudia cada vez maior dos edifícios para com a rua, à medida em que os edifícios se isolam no lote e aumenta o medo e a segregação, a rua perde os seus planos laterais. A este isolamento corresponde uma perda social que já foi demonstrada durante os últimos CIAM, e que tem em Jane Jacobs o expoente da crítica. Para a jornalista é preciso ver e ser visto, é preciso ter olhos sobre as ruas, para que elas sejam seguras e transmitam essa segurança, além de outros vários requisitos. Na cidade colonial os edifícios conformavam o volume da rua. Definiam-lhe dois de seus 3 planos, inclusive com frequentes avanços sobre o espaço público: a varanda. À frente de janelas-porta, o espaço privado estendia-se para o público e criava uma espécie de plateia, onde os moradores podiam ficar observando o grande palco da vida pública: a rua. Aquele plano lateral deixava de ser plano, liso, e assumia uma série de rugosidades, de detalhes que enriqueciam a cidade. Mas isso foi se perdendo. Há diversos edifícios construídos no século XX que ainda fazem uso deste elemento, mas a regra passou a ser o plano liso, muitas vezes vedado e cego. Os edifícios mais atuais, quando oferecem uma varanda geralmente não tem aquele caráter de outrora, como o edifício não está mais junto à rua a varanda não tem o mesmo significado. Ainda assim as grandes varandas viraram mais um dos grandes chamarizes nos anúncios publicitários, mas justamente por estarem longe das ruas, acabam sendo muito mais uma forma de ampliar as minúsculas salas e de burlar a lei, já que até uma certa área não são contabilizadas como área construída. Ainda mais em edifícios altos que o vento rápido nas varadas inviabiliza o estar. E comum ver por ai essas varandas fechadas com vidros.
Foto: Feppa Rodruiges
Assim não há como se esperar que os edifícios conformem o espaço vazio. Não há, salvo exceções, locais que o edifício defina o espaço livre como faz no Centro, conferindo volume à praça, ao largo, à rua – diga-se de passagem que muitas vezes essa função ficou a cargo de altos muros e portões. A partir de uma fotografia aérea de São Paulo não é possível definir onde estão os espaços públicos, as ruas e praças, como se faz em Copacabana, Barcelona e Paris dos planos de Cerdá e Haussmann, respectivamen-
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te; ou em Curitiba (onde a verticalização segue os corredores de ônibus), isso porque não existe nenhuma lógica de desenho, não existe nenhuma expressão de um desígnio. Ao mesmo tempo o edifício afastado da rua, além de não lhe conferir uma imagem direta e uma geometria regular, deixa de prestar uma gentileza à cidade. “Terra da garoa” parece um apelido bastante explicativo para o clima da cidade, mas não se trata apenas de chuvas finas, mas muitas vezes torrenciais, e o oposto é também verdadeiro, o sol forte com temperaturas a cima de 30° inclusive no inverno. Em suma, quando não caminha sob tempo nublado, o paulistano está sujeito a chuvas ou a sol forte. A calçada à frente do Conjunto Nacional nos faz imaginar que seria possível que todas as calçadas da cidade fossem, pelo menos em parte, cobertas. Da mesma forma a ocupação errônea das várzeas, o tamponamento dos canais e a extensa área impermeável resultam em alagamentos quando há chuvas fortes. O engenheiro Saturnino de Brito, que realizou o projeto dos canais de Santos já havia advertido sobre a necessidade de se criar lagos artificiais que mitigariam os efeitos das chuvas, mas jamais foram construídos. Hoje o sistema de drenagem da cidade conta apenas com os antigos rios, agora canalizados e fechados, a tubulação de águas pluviais, alguns pequenos reservatórios prediais, e um conjunto de piscinões, que do ponto de vista urbano são um grave erro pois resumem-se a enormes buracos no meio da cidade, sujeito a alagamento e que passam sem uso grande parte do tempo, não tem sequer valor paisagístico e tornam-se pontos de acúmulo de sedimentos e lixo.
Distribuição de Atividades O modelo de edificação empregado pelo mercado imobiliário, tanto para empreendimentos comerciais quanto residenciais, tem seguido uma lógica de reprodução da cidade, baseado no baixo aproveitamento das áreas com infra-estrutura instalada e separação de atividades. Durante as décadas de 80 e 90 as áreas centrais sofreram grandes perdas populacionais, chegaram a ter taxas de crescimento de -3,95% ao ano nos últimos anos do século passado. O Censo de 2010 registra uma leve reversão desse processo: coincidentemente as áreas que registraram as menores taxas de crescimento entre 1990 e 2000 tiveram entre 1 e 3% de crescimento ao ano, ainda inferior às perdas anteriores. Enquanto este processo de ocupação do centro não for massivo e sistemático continuaremos tendo uma cidade com graves problemas de circulação porque dadas as grandes distâncias entre locais de trabalho, moradia e equipamentos, além da falta de planejamento conjunto de todo o sistema viário (inclusive ferrovias e metrovias), os fluxos se concentram em direção ao centro sob um sistema incapaz de suportar a demanda, logo há congestão do transito e deslocamentos longos e demorados. Também há problemas de segregação sócio-espacial, pois as camadas de renda mais baixa são empurradas cada vez mais para a periferia onde há falta de equipamentos e infraestrutura. Isto decorre, principalmente da falta de visão de conjunto e de coesão social.
“A porta a janela, como elementos arquitetônicos, concretizam essas interpenetrações dos espaços. A porta cuida da passagem física, permite que se transite de um ao outro, pressupondo o movimento dos corpos, enquanto a janela cuida da passagem sensorial. No momento em que se constrói o peitoril, a janela opera como o diminutivo da porta, diminui o transitar físico. Ela seduz o olhar, convida o observador, e então para ir de um lugar ao outro, sem deixá-lo, explora a janela, e por isso explora seus sentidos. Direta ou indiretamente, na dissolução dos muros da arquitetura reside a tênue relação entre interior e exterior, relação de proximidade e distância simultâneas.” (Julia Paccola)
É preciso reverter este processo. Uma cidade segregada torna-se desconhecedora de si mesma e intolerante, portanto violenta². Ao mesmo tempo os problemas de transporte só poderão ser solucionados quando houver uma distribuição de atividades mais homogênea e para isso o plano e o projeto urbanos são ferramentas indispensáveis, pois conseguem compreender os movimentos e transformações da cidade e apontar os rumos a seguir para a construção de uma cidade mais compacta e densa As altas densidades demográficas foram rechaçadas durante o século XIX porque se confundiam com a cidade industrial e
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toda sua sorte de doenças e problemas. Todos os projetos executados desde então até a crise dos CIAM – Congresso Internacional de Arquitetos Modernos – privilegiaram o espaço verde e livre e a implantação do edifício forma isolada. Surgem como elementos da cidade pouco densa o conjunto parque-shopping-supermercado (e hipermercado). Como não há densidade suficiente que justifique a instalação de um conjunto de equipamentos, seja de lazer ou de consumo, a alternativa foi concentrá-los em poucos pontos, acessíveis por meios motorizados, preferencialmente o automóvel. Vejamos, por exemplo o caso do Shopping Morumbi, localizado em área de fácil acesso para os carros, no entroncamento da Avenida Chucri Zaidan e Ro-
PREDOMINÂNCIA DE USO Residencial horizontal Residencial vertical Comércio e serviços Misto Equipamentos públicos Escolas Terrenos vagos Outros Sem predominância Perímetros concêntricos a cada 500m a partir do Shopping Morumbi 0
100
200 metros
que Petroni Junior, a 200 metros da Marginal Pinheiros, mesma distância que guarda até a estação de trens. Ao seu redor encontra-se um mar de baixas densidades: a oeste está o bairro do Morumbi, predominantemente residencial, com muitos poucos pontos de comércio, e raros
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equipamentos; em todos os outros setores o panorama é semelhante, embora haja mais residências porque os lotes são menores e há alguma verticalização. Apesar da existência da Chucri Zaidan (continuação da av. Engenheiro Luis Carlos Berrini, com torres de escritório, o padrão edificado é monofuncional e raras vezes os térreos são ocupados com comércio ou serviços. Assim, a uma distância de 1,5km a leste, mais de 3 km a oeste e da mesma ordem a norte e sul, predomina uma área
DENSIDADE DE POPULAÇAO (HAB./HA)
com deficiência de equipamentos, comércio e serviços, e fica a cargo do
Até 25 25 a 50 50 a 75 75 a 100 100 a 150 mais de 150 Limite de Municípios Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007
shopping sana-la, de forma dependente do transporte motorizado, que assim pode ter um raio de abrangência com mais de 5km. O mesmo raciocínio pode ser aplicado ao supermercado e ao parque. O super, ou hipermercado, ainda se liga a outras ideias como a de compras mensais: como necessita de um deslocamento longo, geralmente feito de carro, torna-se conveniente concentrar as compras
CRESCIMENTO DEMOGRÁFICO 1980 a 1991
1991 a 2000
2000 a 2010
de todo um mês em um único dia, que foi possibilitado pelo par carro-geladeira (ASCHER, 2010) e também fez com que aparecesse nas residências um espaço destinado ao armazém dessas compras grandes. O parque também, dada a falência da rua como espaço público e da pouca disponibilidade de espaços livres qualificados e verdes, se torna o ponto de concentração desses espaços e também é alcançado por vias motorizadas. Em oposição a este modelo de cidade, recentemente as propostas passaram a defender o adensamento populacional. De fato, conjugar habitação com outros usos e alta capacidade de transporte pode reduzir os tempos e distâncias de deslocamento, em aspectos diferentes. Vamos avaliar o que dissemos por alguns cálculos rápidos sobre demanda e alcance de um equipamento específico: a escola. Segundo recomendações do FDE uma escola deve ter entre 10 e 12 salas de aula com no máximo 35 alunos, por questões de administração e de pedagogia. Isso significa que funcionando em dois turnos ela pode abrigar
Distritos Taxas (%) Até -3,95 De -1,99 a -1,00 De -0,99 a -0,50 De -0,49 a 0,00 De 0,01 a 1,00 De 1,01 a 3,00 De 3,01 a 8,00 8,01 ou mais Fonte: SEMPLA
840 alunos. Vamos considerar que seja uma escola do 6º ao 9º ano (11 a 14 anos de idade). Essa população é da ordem de 705.835 pessoas, o que significa 6,2% da população total do Município de São Paulo estimada para 2011 pelo SEADE. Vamos também considerar para cada caso adiante um pai ou mãe acompanhando o filho até a escola, a pé, o que implica num raio máximo de
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500m a partir da casa. Para um primeiro caso, se esta escola estivesse no distrito com a densidade bruta do Morumbi, 28 habitantes por hectare (hab/ha) – segundo o CENSO 2010, os 840 alunos estariam espalhados por uma área de 483 ha, ou um raio de 1,2Km. Nesta situação só haveria uma única opção para os pais DISTRIBUIÇÃO DE RENDA
Até 3 salários mínimos de 3 a 5 salários mínimos de 5 a 7 salários mínimos 8 ou mais salários mínimos Limite de distritos Limite de Municípios Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007 Salário mínimo = R$ 622,00
que levam seus filhos à escola em um raio de 1,2km a partir de suas casas, e ainda assim muitos teriam que fazer uso de algum meio de transporte motorizado. Evidentemente que poderia haver mais escolas, mas isso significaria um excesso. Para um segundo caso, se esta escola estivesse em um distrito com a densidade bruta como a de Copacabana, 576 hab/ha (Prefeitura do Rio de Janeiro), os mesmos 840 alunos morariam em uma área de 23,5 ha, ou seja, um raio de 273,5m, e os pais teriam 3 opções distintas de escolas no raio de 500m. Uma escola deste porte tem um raio máximo de abrangência de 1500m (GDF/IPDF – Prefeitura de Goiânia). Com isso no primeiro caso apenas uma bastaria, enquanto no segundo caso, dentro deste raio nós teríamos na verdade 30 escolas para suprir a demanda, o que significa diversidade. Além das escolas para ensino infantil, e médio, teríamos agências dos correios, hospitais e Unidades Básicas de Saúde (UBS), centros culturais, bibliotecas, teatros, etc. Assim uma região densa requer uma concentração de escolas e dos demais equipamentos, de comércio, de serviços, oferecendo
DENSIDADE DE EMPREGOS (emp./ha) Até 25 25 a 50 50 a 75 75 a 100 100 a 150 mais de 150 Limite de Municípios Fonte: Pesquisa Origem-Destino 2007
diversas opções e por isso atende a demandas variadas. Pela dinâmica urbana, surgiria junto a esses equipamentos uma série de estabelecimentos comerciais, como por exemplo papelarias, bares, lanchonetes, restaurantes, etc. Secundariamente surgiriam outros estabelecimentos que tirariam proveito do vai e vem de pessoas nas ruas, como comércio de roupas, eletrônicos, etc.
Para Richard Rogers (2001, p. 23)
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HOSPITAIS
EQUIPAMENTOS DE ESPORTE
Fonte: Secretaria Municipal de Saúde/Ceinfo.
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento
“As cidades densas, através de um planejamento integrado, podem ser pensadas tanto em vista do aumento de sua eficiência energética, menor consumo de recursos, menor nível de poluição e, além disso, evitando sua expansão sobre a área rural. Por estas razões acredito que devemos investir na ideia de ‘cidade compacta’ – uma cidade densa e socialmente diversificada onde as atividades econômicas e sociais se sobreponham e onde as comunidades sejam concentradas em torno das unidades de vizinhança.”.
Porém, não há como transformar uma cidade dispersa em densa, Secchi (2006, p. 183) já advertia isso dizendo que “É impensável que tentativas razoáveis de aumento das populações relevantes possam, através de progressivos adensamentos, provocar a transformação, da cidade difusa em sua totalidade, em uma cidade compacta, e é também pouco provável que ela possa ser marginalizada e transformada em uma imensa periferia produtiva dos centros urbanos mais consolidados, reconstruindo, em termos novos, a antiga oposição entre cidade e campo.”
Distrito
CENTROS CULTURAIS E MUSEUS
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento
CINEMAS, TEATROS E CASAS DE SHOWS
Fonte: Secretaria Municipal de Planejamento
Hoje temos, em linhas gerais, habitações caminhando para a periferia, e empregos e serviços concentrados no centro, disso decorre uma polarização de fluxos, chamados de pendulares, entre as duas partes da cidade, o que, inclusive, sobrecarrega as áreas centrais e congestiona o trânsito. Se ao invés disso tivermos os empregos e serviços melhor distribuídos pelo território, as áreas com maior disponibilidade de infra-estrutura e equipamentos densamente povoadas e as periferias pouco densas, além de um transporte eficiente, vamos aumentar as viagens entre os bairros e reduzir a deles com o centro; assim os deslocamentos se tornariam menos congestionados e haveria menor sobrecarregamento do sistema na área central, de tal forma que mesmo os maiores deslocamentos poderiam ser feitos rapidamente. Não apenas se reduziria os tempos de deslocamento, mas reduziria as diferenças entre as diversas partes da cidade, tornando-a socialmente mais justa e com melhor aproveitamento do solo urbano e das infras-estruturas que, inclusive teria os gastos com ampliação do sistema reduzidos.
Número de equipamentos Até 4 De 5 a 10 De 11 a 15 De 16 a 34 Distritos sem equipamento
Número de equipamentos Até 4 De 5 a 10 De 11 a 15 De 16 a 34 Distritos sem equipamento
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PRINCIPAIS LINHAS DE DESEJO DE VIAGENS Modelo te贸rico-propositivo
OCUPAÇÃO E INDUSTRIALIZAÇÃO NO BRAS, IPIRANGA E BARROCA
Brás O bairro do Brás é pioneiro na ocupação da margem direita do Tamanduateí; marca o primeiro assentamento contíguo à São Paulo na transposição do rio, quando se estabeleceu ali “um grupo de estrangeiros que inicialmente viveu bastante isolado, segregado do restante da cidade. Sua população não tinha acesso econômico e social ao centro e essas condições contribuíram para que o Brás desenvolvesse intensa vida própria” (VILLAÇA, 1998, p. 297); o relativo isolamento fez com que se desenvolvesse o comércio, lentamente, até tomar corpo por volta de 1930, a partir de quando é possível falar de um subcentro (LANGENBUCH, 1971). A instalação das ferrovias São Paulo Railway, 1867, e Central do Brasil, 1875, além da linha de bonde de tração animal com destino à Penha, atraiu as indústrias e também população, tanto que em 1836 a contagem que não chegava aos 700 habitantes (DIAFÉRIA, 2002) passou aos 5.998 em 1886 e depois para 32.387 em 1893 (MEYER & GROSTEIN, 2010). A constituição social do bairro, com presença maciça de estrangeiros, e sobretudo italianos, deu ao bairro um identidade bastante peculiar com relação ao resto da cidade. A própria língua portuguesa sofreu, ali, grandes influências que foram registradas nas canções de Adoniran Barbosa. Outra herança trazida com os europeus foi a participação política ligada ao anarquismo e ao comunismo que marcou o bairro pelas diversas manifestações de operários, sobretudo a greve geral de 1917. Já na década de 1940 o bairro entrou num processo de redução de população e nas décadas de 80 e 90 tornou a receber estrangeiros, desta vez com ênfase entre os coreanos e bolivianos. A coexistência de residências (pequenas, destinadas principalmente ao operariado, geminadas e térreas, ou sobrados eventualmente), indústrias e poucos vazios intra-lotes (logo com pequena capacidade de expansão), fez surgir no Brás um tecido de quadras pequenas entremeadas de quadras grandes, de lotes bastante divididos, e de ruas curtas e em diversas orientações, o que torna a circulação interna bastante imbricada. Também a construção do pátio do Pari e o desenvolvimento do comércio de alimentos, transportados pelos trens desde o interior, deu origem a uma grande quantidade de pequenos galpões que até hoje mantém essa atividade. A década de 1950 ficou marcada pela a saída das indústrias e assim deu espaço para uma transformação de uso que consolidou o bairro como centro de comércio popular, principalmente nos arredores da rua Oriente. Diversos antigos galpões foram transformados em galerias, armazéns, ou subdividos e utilizados como lojas, enquanto muitos outros foram substituídos, descaracteImagem: visão geral do Brás e imediações Fonte: Google Earth
rizados ou simplesmente demolidos para dar espaço para estacionamentos. Outras intervenções também marcaram as transformações físicas do bairro, que no início do século XX era periférico e passou a ser o meio do caminho entre a zona leste e o centro. E com crescimento do sistema rodoviário algumas ruas foram alargadas, como a Rangel Pestana, e mais ao sul, à Mooca, rasgou-se a ligação leste-oeste através de diversos quarteirões, assim como o também o fez o Metrô, que inclusive aproveitou do espaço criado nas suas margens para as obras para prover habitação através da CDHU e a denominada “Zona Metrô Leste”
Ipiranga A expansão da indústria foi polarizada pelas estações férreas, criando bolsões, com intervalos correspondentes aos entre estações, nem sempre coladas à ferrovia, mas anexas, o que exigia que se completasse o transporte das mercadorias e matérias-primas por outro modal através das ruas, como é o caso do Ipiranga, que surgiu ligado à construção do monumento, hoje Museu Paulista, concluído em 1895. Para tal obra foi erguida uma estação junto à SPR na margem direita do Tamanduateí e ao seu redor surgiram pequenas edificações de comércio e residência, aproveitando-se da facilidade de transporte e da polarização que estabelecia – subúrbio-estação. Para a transposição do rio foi construída uma pequena estrada, que ligava a várzea às áreas mais altas, tanto a leste, quanto para oeste, hoje chamada de rua Capitão Pachecho E. Chaves, em sentido transversal à ferrovia; em uma de suas pontas surgiu a Vila Prudente e na outra o Ipiranga. Tal a importância desse eixo e do ponto da estação fez com que ele seja ainda hoje o mais diversificado dentro da área industrial da Barroca, com residências, algum comércio e serviço, e atualmente um shopping, que, ignorando qualquer importância histórica, destruiu uma das maiores fábricas e marco do lugar, a Ford Caminhões, que manteve sua produção entre os anos de 1958 e 2001. Desde o século XIX já existia o projeto de loteamento para a área. Com o monumento e seu jardim pretendia-se que o novo bairro se tornasse uma alternativa a Higienópolis/Paulista para as elites, tanto que foram construídos à semelhança dos franceses; alguns casarões chegaram a ser erigidos, mas o bairro acabou se consolidando como industrial e operário. Este projeto previa uma malha ortogonal de quadras regulares, menores que as do Bras, à qual a ocupação industrial se sobrepôs, ocupando-as individualmente por inteiro, partes, ou até mesmo um conjunto delas. As primeiras indústrias começaram a chegar na virada do século XIX para o XX, quase simultaneamente ao Brás, das quais se tem registro a Fábrica Cia. Fabril de Tecelagem e Estamparia Ipiranga (1906), Linhas Correntes (1907, ainda existente) e Fabrica de Ferro Esmaltado Sílex (1909) (JOSÉ, 2010). Neste momento a industrialização acontecia de forma lenta e o bairro convivia com chácaras de produção agrícola, e assumia vocação institucional: além do monumento (museu de história natural) também a Companhia Nossa Senhora Auxiliadora, Orfanato C.R. Colombo, Hospital Alvarenga e Asilo Bom Pastor; vale lembrar que à época era comum que os subúrbios afastados assumissem tais funções, como a Penha, que se especializou em questões médicas e de descanso aos finais de semana. Imagem: Ipiranga e entorno imediato. A linha em amarelo destaca as Ruas Capitão Pacheco Chaves e dos Patriotas. Fonte: Google Earth.
A partir de 1920, com a expansão da indústria ao sudeste pelo eixo da SPR, o processo sofreu forte aceleração até atingir seu ponto máximo em meados de 1950, tanto que o cadastro do IBGE de 1965 contabilizou no distrito 943 unidades fabris, entre pequenas, médias e grandes unidades; estas últimas concentraram-se à várzea do Tamanduateí, enquanto habitações e as outras unidades se misturaram pelas partes mais elevadas. Nas décadas seguintes, resultado das políticas econômicas, da estruturação de uma malha rodoviária de alcance nacional em detrimento do transporte ferroviário, de mudanças no padrão industrial, as fábricas começaram a migrar. Diferente do Brás, a antiga estrutura foi completamente abandonada e rapidamente substituída. José (2010), para ilustrar o fato ateve seu estudo a quatro ruas do Ipiranga, Agostinho Gomes, Cipriano Barata, Bom Pastor e Silva Bueno, nas quais encontrou registros de 157 indústrias em 1965 (IBGE), e durante seus levantamentos feitos em 2009, contou apenas 17 unidades.
Barroca A ocupação da Barroca é tardia e lenta, quando comparada ao Brás e Ipiranga, pois muitas áreas foram ocupadas somente na década de 1970 . Entretanto sabemos que já havia galpões na faixa lindeira à São Paulo Railway antes de 1930 (e que, portanto, se aproxima das indústrias do Brás/Mooca e Ipiranga, considerando-se as características físicas e produtivas). Podemos observar isto no levantamento Sara Brasil e em descrições da época, como a de Raul de Andrada e Silva: “À direita e à esquerda [da SPR] sucedem-se os grandes armazéns e depósitos, erquem-se muros de fábricas junto ao limite da linha férrea, e quando a perspectiva se amplia percebem-se ao longe os vultos das chaminés dos bairros industriais: Brás, Mooca e Ipiranga. Além da estação deste nome vai desaparecendo o panorama industrial substituído por extensão de terrenos avinda vazios à espera de ocupação, Mas logo adiante, à entrada do município de Santo André, o panorama industrial é de novo anunciado.” (SILVA, 1941, p. 211. apud LANGENBUCH, 1971)
As primeiras etapas de industrialização de São Paulo estavam relacionadas à ferrovia e à baixa tecnologia. As fábricas instalavam-se junto à ferrovia ou próximas à estação de forma que poderiam ser servidas diretamente pelos trens ou então com algum pequeno complemento de transporte. Embora a “Planta da Cidade de São Paulo e Municípios Circunvizinhos” elaborada pela Cia Light em 1926 já mostrasse o desvio ferroviário, a ocupação maciça da Barroca aconteceu a partir da década de 1930 quando ele foi efetivamente construído como não se trata de um levantamento, é muito comum encontrar projetos de loteamentos nessas plantas que foram executadas nas primeiras décadas do século XX; alguns nem sequer chegaram a ser construídos, o que se pode conferir por levantamentos mais precisos, como o Sara Brasil e o Gegran. A área demorou para ser ocupada por sofrer com as constantes enchentes do Rio Tamanduateí. Vale lembrar que as primeiras duas obras de canalização do rio aconteceram apenas até o rio Ipiranga, a jusante. Como é um extenso terraço fluvial atravessado por dois pequenos córregos, provavelmente passava parte significativa do tempo alagada. Essa ideia se sustenta com o traçado da antiga Estrada da Mooca, depois chamada de Estrada para Ypiranga e Vila Prudente, e hoje similar ao das ruas Canuto Saraiva, Barão de Monte Santo, e Dianópolis, que contorna a área pelo sopé da colina Imagem: Barroca e entorno imediato. A linha em amarelo destaca o desvio ferroviário. Fonte: Google Earth.
Os Primeiros registros que encontramos de empresas instaladas na região são: Prado Chaves (armazéns gerais desde 1943, hoje atua no setor de Gestão Documental); Fanandri e Ford Caminhões, 1958 (aquela voltada à metalurgia e ainda em operação, e esta voltada à fabricação de motores de caminhões); Lepefer (armazém e processamento de aço, desde 1965 e ainda em atividade). Fora do perímetro de estudo temos registradas a Lorenzetti (originalmente voltada à metalurgia, 1923) e a Arno (motores elétricos,
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1952). Todas estas indústrias nasceram em função da ferrovia, portanto sofreram perdas ou grandes modificações quando a circulação rodoviária se tornou predominante. Os galpões mais antigos e as ruas não foram pensados para receber caminhões com o porte que têm hoje, desta forma as manobras que realizam costumam interromper todo o fluxo por alguns minutos. Muitos galpões alteraram seu pé direito, seja pelo rebaixamento do piso ou pela substituição da cobertura, para que os caminhões pudessem entrar e a carga e descarga seja realizada por guindastes de pórticos. Hoje alguns terrenos vazios e as próprias ruas são utilizadas como estacionamentos porque não existem junto aos galpões mais antigos. Já as indústrias mais recentes, ou que encontraram espaço para se expandir, e que em geral estão localizadas na porção mais distante da linha tronco da ferrovia, já se construíram ou se adaptaram a este novo modelo de circulação viária. Elas possuem em pelo menos uma de suas laterais algum espaço para que os caminhões e carros entrem.
Foto: Transbordamento do rio Tamanduateí . Fonte: http://www.flickr.com/photos/cbnsp/4292928604/
Atualmente a Barroca encontra-se em uma período de transição: nas últimas duas décadas muitas das antigas empresas têm sido substituídas por novas e recentemente as entradas são menores que as saídas, mas em um nível muito baixo, o que pode ser verificado por um número não muito significativo de edifícios vazios e até por investimentos recentes na área. Inclusive, dos grandes investimentos anunciados pela indústria na capital, dois que somam US$ 38,69 milhões tem sede na Barroca: a Lorenzetti (máquinas e equipamentos) e a Foroni (edição, impressão e gravações). Este valor corresponde a 15,2% do valor declarado investido na indústria no município de São Paulo em 2010 (Fonte: SEADE, 2010). A permanência das indústrias pode ser explicada, em parte, pela montagem tardia das indústrias e também da conjugação do sistema ferroviário e rodoviário, pois as plantas industriais tinham maior capacidade de se adaptar às transformações e não sofreram tanto quando a ferrovia perdeu importância, como aconteceu no Brás e no Ipiranga. Também tem forte importância o fator “indústria atrai indústria” Langenbuch (1971), ou seja, monta-se uma cadeia produtiva, onde as diversas fábricas interagem entre si. Dessa forma, a permanência da indústria na Barroca está condicionada a permanência de outras indústrias, sobretudo no eixo sudeste da cidade, ao longo da ferrovia Santos-Jundiaí e também da rodovia Anchieta. Laurentino (2002), ao entrevistar alguns industriais, verificou que alguns concentravam entre 80 e 90% dos seus clientes dentro da RMSP. Outro aspecto que foi enunciado é que a multilocalização ou a transferência da planta produtiva é favorável às grandes indústrias apenas, pois seus custos são demasiado elevados. Apesar da posição central e do fácil acesso às rodovias, o que é uma vantagem sobre as demais que estão em áreas mais afastadas, principalmente pelo custo do frete, as indústrias da Barroca enfrentam os chamados “custos de aglomeração”, aqueles que são consequências de se estar em posição central, como o custo da terra, o trânsito, etc. Além disso outros fatores como mão-de-obra mais cara que e outras regiões, sindicato atuante, controle da prefeitura e da CETESB e altos impostos, acabam por aumentar o preço do produto.
Foto: Vista aérea parcial da barroca em 1970 Pode-se ver o viaduto Pacheco E. Chaves e a estação Ipiranga à sua direita e a antiga fabrica da Ford Caminhões atrás. Ao fundo as obras de construção do loteamento Parque da Mooca Fonte: http://saudadesampa.nafoto.net/photo20121008085351.html
Segundo o depoimento do Sr. Nilton Troiani (in LAURENTINO, 2002, p. 124) “você vai ter uma empresa de um porte que você é visto de um jeito, com uma certa importância, aqui em São Paulo você é uma empresinha, você é mais um. Então a conversa é diferente com o prefeito de uma cidadezinha do interior do que com o prefeito de São Paulo. Você não é nada para o prefeito de São Paulo. Indo para uma cidadezinha do interior o prefeito te dá benefícios.”
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Assim, podemos crer que para as próximas décadas a Barroca atingirá sua saturação pois deixará, cada vez mais, de ser favorável à indústria, sobretudo pela vantagem que os arredores da RMSP podem oferecer, ainda mais quando forem implementados o hidroanel, ferroanel, trens expressos e os polos logísticos previstos pelo Plano Diretor de Transportes (PDDT), como se detalhará adiante. Mesmo assim está instalada uma capacidade bastante alta, infra-estrutura e edificações amplas, por isso seria interessante que o Estado assumisse a condução da transformação do bairro. As transformações da metrópole e região, com o crescimento do setor terciário, as modificações dos padrões da indústria e do incremento de tecnologia, novas redes de transporte, associados a uma política de Estado, podem fazer com que a Barroca mantenha-se interessante a algumas indústrias já instaladas assim como venha a atrair novas, ou partes da cadeia produtiva, como a própria armazenagem.
Mapas da área da Barroca em 1916, 1926, 1930 (Sara Brasil) e 1974 (Gegran) Fonte: Biblioteca da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP Foto aérea de 1958 Fonte: www.geoportal.com.br
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EVOLUÇÃO DA OCUPAÇÃO Até 1930 Entre 1930 e 1958 Entre 1958 e 1974 Pós 1974 Perímetro analisado
DESCONCENTRAÇÃO INDUSTRIAL
Desde as décadas de 1970 e 1980 várias cidades espalhadas pelo mundo passam por um processo semelhante de transformação econômica que tem forte impacto físico e social. Trata-se de mudanças estruturais nas indústrias que se refletem em uma nova organização do espaço produtivo, muitas vezes com a transferência de fábricas de antigas cidades industriais para outras novas. Associado a um crescimento do setor terciário, este processo tem sido chamado de desindustrialização e terceirização da metrópole, ou metrópole terciária. Para verificar como isto vem ocorrendo em São Paulo é preciso, primeiro, esclarecer a diferença entre processos que embora bastante distintos, são comumente confundidos. Trata-se de desindustrialização e desconcentração industrial. O primeiro se refere ao desaparecimento de antigas áreas industriais enquanto o segundo se refere a mudanças compositivas, mudanças na participação de uma área industrial no total da região (LAURENTINO, 2002). Assim, para dizer que São Paulo passa por um processo de desindustrialização seria necessário verificar que em toda metrópole está acontecendo um processo de esvaziamento das antigas fábricas, que elas já não estão sendo mais utilizadas na escala da metrópole, enquanto que o processo de desconcentração pode ser verificado através de dados que demonstrem a redução da participação da indústria da RMSP no total do Estado de São Paulo. Efetivamente se verifica uma redução da indústria metropolitana no total do Estado, de 60% em 1996 para 53% em 2001 (Fonte: PAEP, 2001). Todavia estes dados não bastam para demonstrar que hou-
Foto: Antiga Fabrica de fósforos Fiat Lux Créditos: Alex Sartori
ve desindustrialização, apenas que houve mudanças na distribuição da atividade no Estado. Esse fator pode ser explicado não só por uma contração da atividade na RMSP, mas também por um crescimento das outras regiões. Um outro dado pode nos auxiliar: em 1996 o valor adicionado da indústria na RMSP equivalia a 60% do total do Estado, enquanto que em 2001 esta porcentagem passou
PARTICIPAÇÃO NA INDÚSTRIA DO ESTADO RMSP (60%)
Restante do estado
1996
RMSP (53%)
Restante do estado
2001
a 52,7 (Fonte: PAEP, 2001). Assim, apesar da variação, ainda mais da metade dos investimentos em indústrias paulistas é feita na me-
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trópole da capital, o que nos leva a concluir que há, sim, um processo de desconcentração, mas não de desindustrialização.
Fonte: (PAEP, 2001)
Podemos verificar estes fatos por um dos setores da indústria com maior participação no PIB tanto estadual quanto federal: o automobilístico. Em 2010 foram investidos US$ 2,8 bilhões, com destaque aos municípios de Sorocaba, Jacareí, São José dos Cam-
Macrometrópole (90%)
2001
pos, São Bernardo e São Caetano. Cabe destacar que nestes dois últimos, localizados na RMSP, os investimentos foram feitos para
Fonte: (PAEP, 2001)
modernizar, adequar e ampliar a produção. (Fonte: SEADE, 2010) Laurentino (2002) ainda alerta para outro processo, o de centralização, ligado à associação, absorção ou fusão de capitais industriais sob um mesmo controle, e também à dispersão industrial das unidades produtivas ainda que haja concentração do controle: apesar de representar cada vez menos o valor produzido no total estadual o centro de controle tem se concentrado na RMSP. A
PARTICIPAÇÃO DA INDÚSTRIA DA RMSP NO TOTAL DO ESTADO POR SETOR Confecção e vestuário (73%)
localização física da indústria torna-se cada vez mais dispersa pelo território à medida em que os avanços nas comunicações permitem que o seu controle seja feito remotamente e as melhorias nos transportes garantem a interação de toda cadeia produtiva. Portanto,
Edição, impressão e gravação (90%)
ainda que exista uma dispersão e desconcentração industrial, esta se faz polarizada pela RMSP. Para Rolnik e Frúgoli Jr (2001, p.47) “A perda de participação relativa do município na atividade industrial tem se dado em favor de outros municípios da Região Metropolitana e cidades do interior, num raio de 150 km da capital, especialmente as regiões de Campinas e São José dos Campos e, em dimensões pouco expressivas, para regiões de mão-de-obra barata e de grandes isenções fiscais.”
Esta macrorregião concentra não só indústrias a nível estadual (90% da produção -fonte: PAEP, 2001) como a nível nacional e também comércio, serviços e população, o que denota que as suas trocas são intensas, tanto de pessoas quanto de mercadorias, o
Indústria química (66%)
Material Elétrico (70%)
Informática (72%)
que pode ser explicado pela concentração de mercado consumidor, de capital, de infraestrutura instalada e também de universidades e unidades de pesquisa.
Automobilística (64%)
Apesar das mudanças, ainda se concentra na RMSP grande parte da produção industrial paulista, sobretudo em alguns setores específicos: 73% da indústria de confecção e vestuário (62% na capital), 90% da indústria de edição, impressão e reprodução
Inovadoras (61%)
de gravações (com destaque também à capital, onde se localizam as sedes de importantes jornais e editoras), dois terços da indústria química, 72% da produção de informática (concentrada na porção oeste, sobretudo Barueri), 70% da produção de material elétrico e 64% da indústria automobilística - quase metade apenas no ABC. (Fonte: PEAEP, 2001) A RMSP também tem grande destaque sobre a indústria inovadora, aquelas que acrescentam produtos novos para o mercado nacional, com 61% das empresas do Estado seguida por Campinas (13%) e São José dos Campos (3%). Neste campo se destacam as empresas de material de escritório e equipamentos de informática, fabricação de equipamentos médicos, ópticos e de relógios, instrumentos de precisão e automação, de materiais eletrônicos e equipamentos de comunicação e produtos químicos.
Fonte: (PAEP, 2001)
PARTICIPAÇÃO NO VALOR ADICIONADO NA INDÚSTRIA DO ESTADO RMSP (60%)
Restante do estado
1996
RMSP (52,7)
Restante do estado
2001
Fonte: (PAEP, 2001) * Indústrias que acrescentam produtos novos ao mercado nacional
Uma possibilidade é que
47
“esteja em curso uma nova divisão regional do trabalho, em que a capital concentra sobretudo setores caracterizados por padrões de produção ligados à diversidade e à variabilidade da demanda, os gêneros dependentes das vantagens da vida urbana como a proximidade ao mercado consumidor, cadeias produtivas parcial ou totalmente aglomeradas em redes flexíveis ou que dependem de oferta de mão-de-obra especializada e serviços avançados ligados à produção, como por exemplo consultoria empresarial, assessoria jurídica e de imprensa, agências de publicidade, etc. Assim, permanecem na capital e região metropolitana setores extremamente dependentes do mercado de consumo metropolitano, como é o caso da indústria alimentícia ou gráfica, ou da concentração específica de mão-de-obra altamente especializada, como a indústria de software e outros equipamentos de informática.” (ROLNIK & FRÚGOLI JR., 2001)
Quanto à desindustrialização, ela pode, sim, ser verificada na capital mas em escala local. Ipiranga, Mooca e Brás vêm sistematicamente perdendo indústrias com amplo aproveitamento do mercado imobiliário. Nestes bairros as indústrias foram montadas no começo do século XX, totalmente dependentes da ferrovia, obedeciam a uma certa lógica produtiva, faziam parte de uma certa cadeia e tinham seu correspondente físico: fábricas pequenas e lotes quase totalmente ocupados. À medida que a demanda crescia, novas tecnologias eram acrescentadas, a antiga fábrica tornava-se obsoleta, incapaz de abrigar não só a produção em uma nova escala mas também as novas tecnologias. A falta de espaço para expansão sobre o próprio lote fez com que estas fábricas se mudassem, num primeiro momento ainda dentro da própria capital, e num segundo já para municípios vizinhos. A derrocada do sistema ferroviário tornou a localização das antigas indústrias desfavorecidas do ponto de vista logístico; para Rolnik (2000, p. 88, apud LAURENTINO, 2002, p. 94) “Antes estrategicamente situadas pelo fácil acesso à ferrovia e aos armazéns gerais; as indústrias do Brás, Mooca, Belém e Pari, veem-se em situação desfavorável em relação ao sistema rodoviário”.
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Foto: Trecho do desvio ferroviário da Barroca Créditos: Alex Sartori
Vista panorâmica da Barroca, a partir da praça Dr. Eulógio Emílio Martinez. Créditos: Alex Sartori
A BARROCA
B
C
D
E
A
F
Para realizar uma descrição precisa da área de intervenção vamos recorrer a uma segmentação da área buscando agrupar partes que contenham semelhanças físicas. Estas áreas estão numeradas de 1 a 5 de acordo com o mapa ao lado. De forma geral ocupa uma área de relevo plano, na várzea do rio Tamanduateí, paralelo ao qual duas elevações bastante
G F 1
altas que marcam a paisagem, em sentido norte-sul; pela manhã o sol nasce por detrás do Alto da Mooca, para se por atrás do Ipiranga.
2
É marcada por uma sequência de vias paralelas: Avenidas do Estado, Presidente Wilson, Henry Ford, Rua Cardiriri, Avenida
H
Dianópolis e rua Barão de Monte Santo, às quais se interpolam a linha troco da ferrovia Santos Jundiaí e outras duas linhas do desvio ferroviário. Devido ao intenso tráfego de caminhões o ar é bastante pesado, e até difícil de respirar em alguns momentos. As calçadas não passam de 2 metros de largura. Algumas visitas ao local foram acompanhadas pessoas que registraram suas sensações: “Ao passear nas ruas, percebi uma região deserta, com muitas portas fechadas, alguns caminhões e alguns outros poucos carros. Por muito tempo, me senti a única mulher, juntamente com a minha amiga. Via trabalhadores dos galpões passando e outros tantos sentados na calçada, no que deveria ser o horário de almoço deles. As calçadas não eram estreitas em si, mas o local parecia não ter sido planejado para pedestres: entre portas fechadas, paredões de 10 ou 20 metros de altura, caminhões, carretas e carros estacionados, nós aparecíamos e desaparecíamos aos olhos dos poucos que lá estavam ou passavam, gerando um clima de insegurança e solidão constante. O andar do pedestre não parecia ser possível, visto que o ar pesado de se respirar e a repetição das visuais tornavam o passeio difícil e monótono.” (depoimento de Thais Viyuela)
I 4
3
5 A - Avenida o Estado B - Avenida Presidente Wilson C - Viaduto São Carlos D- Avenida Henry Ford E - Rua Cardiriri F - Avenida Dianópolis G - Rua Barão de Monte Santo H - Praça Dr. Eulógio E. Martinez I - Rua Cap. Pacheco E. Chaves J - Viaduto Grande São Paulo 0
250
J
500 metros
Divisão por áreas semelhantes e identificação do viário Imagem Aérea: Google Earth
Área 1: Esta área é marcada pela presença do rio Tamanduateí, e das Avenidas do Estado, Presidente Wilson e Henry Ford. É a de ocupação mais antiga, de beira de linha; seus galpões originais formam conjuntos extensos e modulares que podem ser agrupados lateralmente e utilizados em conjunto por uma mesma empresa, ou serem utilizados individualmente, cada um por uma empresa
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diferente. São estreitos e profundos, originalmente alinhados pela frente e pelos fundos, muitos já avançaram sobre a linha férrea com pequenos anexos. Como só têm as duas laterais menores livres recorre-se ao uso de “sheds” e “lanternins”. Grande parte desses módulos é construído com uma estrutura mista de concreto armado (pilares e vigas) e madeira para a cobertura. O gabarito é constante, em geral entre 6 e 10 metros, com alguns edifícios mais altos e mais novos, com aproximadamente 15 metros. Muitos módulos foram claramente alterados, desfigurados, o que se pode deduzir pela própria sequência e repetição. Alguns foram alterados por simples reformas nas fachadas para imprimir características mais novas, outros para se adequar ao trânsito de caminhões: é comum ver, por exemplo, portões e pés direitos aumentados.
Avenida Presidente Wilson Fonte: Google Street View
A lateral direita da Avenida Presidente Wilson, voltada para a linha do trem, é uma sequência de galpões sem fim, que ocupam praticamente toda a extensão entre os viadutos São Carlos e Pacheco E. Chaves. Por todo este trecho, com 1700 metros não há uma rua ou passarela que atravesse a linha férrea. Já a parte esquerda, voltada para a avenida do Estado, possui algumas saídas pontuais conectando as duas vias e conformando quadras. Apenas nos horários de entrada, saída e almoço é comum encontrar pessoas circulando pelas suas estreitas – é mais comum encontrar muitos caminhões estacionados.
Avenida do Estado Fonte: Google Street View
Avenida Henry Ford Créditos: Alex Sartori
0
150
300 metros
Já a Avenida do Estado é para onde os galpões voltam suas costas, por isso é uma sequência de muros cinzentos ou avermelhados. As três vias recebem um intenso tráfego de caminhões, sendo que, no trecho em questão, o trânsito da Avenida do Estado se dirige à Vila Pru-
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dente e ABC e nas outras duas é local. A Avenida Henry Ford guarda bastante semelhanças com a Presidente Wilson, no que diz respeito à ocupação, modulação e gabarito das construções, que são da mesma época de ocupação, junto à linha tronco da ferrovia. A diferença é que nos seus 1800 metros entre a Rua Sarapuí e Avenida Pacheco E. Chaves, não possui uma rua em sentido transversal, o que forma um eixo de perspectiva longo, que tem ao norte a vista para o bairro da Mooca, que se faz presente com alguns edifícios altos, e ao sul, pela falta de elementos não se pontua o fim. Dois edifícios destoam na paisagem. Um deles é o Plaza Mooca Shopping, recém-construído, que tomou espaço da maior fábrica de toda a região: a Ford Motores. Este Shopping aproveitou-se de uma situação bastante estratégica, junto à Avenida Pacheco E. Chaves. Outro é um edifício que também pertencia à Ford, hoje de frente para o shopping, que foi implantado isolado no lote. É uma área plana e sujeita a inundações, por isso há portões hidráulicos em muitos galpões. O canal do Tamanduateí apresenta aproximadamente 30m de largura no seu topo mas a impressão que se tem é de uma extensa fenda que acompanha a avenida porque a água está 8 metros abaixo do nível da rua, por isso só pode ser vista das pontes e passarelas, ainda assim turva, turbulenta e suja, expressão do descaso com que tratamos nossos rios no último século. Vem desde o Brás se aproximando da Avenida Presidente Wilson, serpenteando até que se tocam, na altura da rua Leais Paulistanos, na margem esquerda do canal, e voltam a correr separados até se cruzarem e trocarem de posição sob o viaduto Grande São Paulo.
Fotos: acima: edifício da Ford abaixo: encontro das avenidas do Estado e Presidente Wilson Créditos: Alex Sartori
Área 2: Esta área é a de ocupação mais recente, juto com a área 4, fato que se faz notar pela clara diferença na ocupação dos lotes. Enquanto as áreas anteriores são quase completamente, sequências de galpões modulares, que inclusive marcam o ritmo da avenida, os galpões da Rua Cardiriri e da Avenida Dianópolis são blocos extensos e únicos, não há repetição de um módulo nem a divisão entre
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várias empresas, aqui cada uma tem o seu espaço diferente do vizinho. É uma área que já foi construída sobre uma lógica de transporte diferente, que ainda utilizava os trens mas também os caminhões. Por isso é comum encontrar pátios de manobra ou espaço para carga e descarga junto à rua, dentro do lote. Nem por isso as ruas deixam de ser longos estacionamentos de caminhões. Nem todos os galpões seguem o alinhamento dos lotes, muitos possuem recuo frontal, pelo menos. Os gabaritos são mais variados, com alguns edifícios de 4 pavimentos. Destacam-se na paisagem a torre dos galpões de uma antiga tecelagem das “Casas Pernambucanas” e um silo com aproximadamente 15 metros de altura e com fachada de tijolos aparentes, que se distingue pela textura dos demais edifícios.
Rua Cardiriri. A esquerda a torre da tecelagem das “CasasPernambucanas” Créditos: Alex Sartori
Também marca a diferença de ocupação as janelas. Enquanto nas Avenidas Henry Ford e Presidente Wilson os planos laterais são sequencias de paredes com portões, nas vias da área em questão é mais comum encontrarmos longos planos fechados, sem acesso para a rua, mas com diversas janelas. A diferença de tempos de construção também se faz presente nas formas e nos materiais. O uso do metal, principalmente na cobertura, faz com que apareçam coberturas em arco, enquanto que a pré-fabricação aparece em estruturas e vedos.
Avenida Dianópolis Créditos: AlexSartori
Pátio de manobras, armazenagem e tranferência modal Fonte: Google Street View
0
150
300 metros
Esta área é atravessada longitudinalmente pelas duas linhas do desvio da ferrovia que hoje são espaços residuais, para onde se voltam os fundos dos galpões, mas que já foram a principal via de trânsito de mercadorias. Tem, originalmente, 20 metros de largura, mas pode che-
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gar a 10 em pontos onde os galpões avançaram com anexos. Há um grande terreno, com aproximadamente 100.000m², de propriedade da Esso, do grupo Exxon Mobil, que o utilizava para armazém de óleo e combustíveis; hoje aguarda a finalização dos trabalhos de descontaminação do solo, e tem propostas para que se torne um parque.
Fotos: acima: terreno da Esso abaixo: rua Barão de Bonte Santo ao sopé da colina Créditos: Alex Sartori
Área 3: Esta área se destaca das demais pelo viário pois é a única que conta com quadras regulares ao invés de um único eixo – também deixa à mostra os paralelepípedos, sinal daquele que pode ter sido o pavimen-
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to original das ruas. Porém é onde também se apresentam os maiores sinais de abandono e degradação. Há terrenos vazios, fábricas em péssimo estado de conservação ou desativadas, com portas e janelas muradas para que não sejam ocupadas. As ruas tem menos movimentos, menos caminhões e mais carros, que a utilizam como estacionamento. Muitos galpões ocupam ou a quadra inteira ou parte significativa mas com pouco contato direto com a rua, disso decorre ruas com maior sensação de insegurança e abandono, ainda que tenha alguma variação de usos, principalmente junto à avenida do Estado, com uma churrascaria, um Motel e posto de combustíveis. A esquina das ruas Barão de Resende e Diogo de Mendonça, apesar de chegar até o rio Tamanduateí não tem acesso à Avenida do Es0
tado porque neste trecho a circulação é elevada, através viaduto Grande
150
300 metros
São Paulo. Na junção das duas ruas há um muro e o plano inclinado do viaduto. Na avenida Presidente Wilson as laterais são bem distintas: enquanto a direita, voltada para a ferrovia, apresenta galpões mais antigos e em plena atividade, com portões frequentes, a lateral esquerda tem vários galpões desativados, alguns novos, mas ainda assim com pouco contato direto com a rua. Há também duas residências próximas à ferrovia que eram de funcionários da R.F.F.S.A
Rua Barão de Resende Fonte: Google Street View
Esquina das Ruas Dioogo de Mendonça e Barão de Resende Fonte: Google Street View
Avenida Presidente Wilson Fonte: Google Street View
Área 4: Esta é a área de ocupação mais recente e com características formais bastante distoante das demais. Há um terreno vazio de 70 mil metros quadrados, que segundo levantamento da Prefeitura consta como Almoxarifado da SABESP. Também marca a área o contorno do
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desvio ferroviário, em forma de “U” que junto com o viaduto Grande São Paulo figuram como barreiras para a área: o primeiro, apesar de não marcar a paisagem, limitou a ocupação e definiu a forma da Favela da Vila Prudente (área 5); já o viaduto acompanha o leito do rio Tamanduateí e aparece como barreira para a conexão da área com seu entorno (a avenida Henry Ford termina em uma cerca que impede transpor o desvio ferroviário e de conectá-la ao acesso à avenida Anhaia Melo. Assim como na área 2 os galpões são blocos, de extensões variadas, geralmente com 8 metros de altura, isolados no lote, ainda que os recuos laterais sejam pequenos. Os recuos frontais foram apro0
150
300 metros
priados como estacionamentos, e afastam os edifícios da rua. Também é mais comum encontrar carros estacionados nas ruas, que junto com a existência de janelas e aparelhos de ar condicionado na fachada denotam que a existência de atividades administrativas. A Avenida Pachecho E. Chaves conecta o Ipiranga à Vila Prudente e é o único eixo de circulação transversal à Avenida Henry Ford. Sua origem remonta às origens da estação Ipiranga e à formação dos dois bairros citados. É o eixo de maior movimento e também de maior variedade de usos: há dois edifícios de habitação, shopping, supermercado, motel, Posto de combustíveis e algum comércio variado.
Área 5: Esta área contempla toda a Favela da Vila Prudente, que segundo a Secretaria de Habitação, começou a se formar em 1955 em um terreno público e hoje conta com mais de 1200 imóveis. É bastante densa, verticalizada e deve ser alvo de um estudo e projeto particular Final da Avenida Henry Ford Fonte: Google Street View
Entrada do terreno de propriedade da Sabesp Créditos: Alex Sartori
que atenda às suas demandas e características formais e sociais, que não vamos nos propor a realizar neste trabalho.
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Viadutos Grande São Paulo Créditos: Alex Sartori
PROJETOS E OPERAÇÃO URBANA 58
Durante os levantamentos de reconhecimento da Barroca avaliamos o Termo de Referência da Operação Urbana Mooca-Vila carioca e encontramos dois projetos, dos escritórios UNA Arquitetos e Foster + Partners - sobre este apenas uma reportagem no jornal “O Estado de São Paulo”, de 20 de abril de 2009, com duas imagens, portanto, difícil de ser analisado em profundidade, que sequer consta no site do escritório, mas que nos permitem compreender algumas posturas. Uma delas é a exclusão (praticamente) total do patrimônio industrial, tendo em visa a perspectiva aérea, que claramente mostra um conjunto de edifícios bastante fragmentados. Outra é a inserção de torres altíssimas, e outros prédios em altura contrapostos totalmente ao gabarito existente, sobretudo junto à ferrovia, imersos em um mar de espaços livres. O projeto do escritório brasileiro apresenta algumas aproximações ao do escritório inglês: torres altas, liberação de espaços livres e desconsideração com o patrimônio histórico. Neste projeto apenas três edifícios são verticais, aparentemente um recurso morfológico para marcar a paisagem, inclusive quando observada de longas distâncias. Já o espaço livre é ponto de partida para o projeto, com a construção de um parque linear ao longo da ferrovia; a planta de espaços livres nos permite observar em que medida eles foram adicionados. O patrimônio, apesar de o discurso de apresentação do projeto atentar a este ponto, o que foi elencado como a ser mantido é muito pouco frente à riqueza e diImagens de divulgação do projeto do escritório de Norman Foster no jornal “O Estado de São Paulo, de 20 de Abril de 2009. Caderno Metrópole. Capa
versidade de edifícios, e sequer contempla as etapas de ocupação assim
como os edifícios mais recentes que, sim, tem valor. Disso decorre uma malha viária reticulada sobreposta à malha existente, apesar de tirar proveito das ruas e avenidas que já estão construídas. Esta malha, a partir da exclusão dos edifícios industriais, sobretudo entre as avenidas Henry Ford e Dianópolis, insere-se de forma completamente livre e portanto pode ser regular – mais adiante descreveremos como a nossa proposta foi diver-
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sa e resultou em uma outra malha, apesar das superficiais semelhanças. Além das características formais, o projeto deixa transparecer outras posturas com relação uma nova inserção da Barroca na metrópole. O parque linear junto à ferrovia, marcado por uma faixa de água de longa extensão, como a raia olímpica da Cidade Universitária, exclui completamente a possibilidade da utilização da ferrovia para transporte de cargas. A própria retirada dos galpões demonstra que não se considerou a hipótese de permanência da atividade industrial, sequer em parte, ou seja, assumiu-se um cenário de mudança completa, que carrega consigo um desejo de tabula rasa expresso não só pela demolição de edifícios que consideramos importantes, mas principalmente pelo apagamento do desvio ferroviário, que é um dos principais elementos morfológicos, que consta em mapas desde a década de 1920, e foi a base do desenvolvimento industrial. Já o Termo de Referência da Operação Urbana Mooca-Vila Carioca define objetivos para os projetos a serem desenvolvidos para a região: cumprir a função social; a reestruturação e requalificação urbana em nível municipal e metropolitano; ampliar a transposição da ferrovia; promover a transformação de áreas ociosas, degradadas, deterioradas assim como edifícios subutilizados; qualificar o ambiente a partir da preservação e valorização de recursos naturais e histórico-culturais; ampliar espaços livres e verdes; racionalizar o uso da infraestrutura instalada; implantar habitação social; melhorar a condição de mobilidade com prioridade ao transporte público e os modais não motorizados; promover o uso otimizado e intensivo do solo considerando o paradigma da cidade compacta; estimular a diversidade tipológica habitacional a fim de atender a várias faixas de renda; promover usos mistos; organizar atividades econômicas; aumentas a permeabilidade do solo; qualificar a paisagem urbana. Para isso assume como diretrizes: definir elementos referenciais na paisagem; melhorar condições de inserção urbana; qualificar a paisagem da avenida do Estado; ampliar as ligações viárias superando a barreira ferroviária; contribuir para a ampliação dos laços de identidade entre população e bairros; compatibilizar a intervenção com propostas em andamento ou futuras e permitir a participação da iniciativa privada. Deste modo torna-se vago com relação ao futuro dos bairros porque as diretrizes apontadas são genéricas, tendem a repetir o que está nos objetivos e não indicam realmente os meios de se atingi-los, como por exemplo quando define como objetivos ampliar a transposição da ferrovia, qualificar a paisagem, promover a função social da terra e promover o uso otimizado e intensivo do solo considerando o paradigma da cidade compacta; e como diretrizes, respectivamente, ampliar as ligações viárias superando a barreira ferroviária, qualificar a paisagem da Avenida do Estado, e não diz qual diretriz deve ser seguida para promover a função social da terra nem o que significa “paradigma da cidade compacta”. Define que cabe ao projeto e correspondentes estudos a formulação de cenários e de rumos orientados justamente por esta indefinição de objetivos e diretrizes: “Para orientar a transformação deste território, pretende-se desenvolver estudos orientados pelo Poder Público que permitam
Imagens do projeto do escritório Una Arquitetos. Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br
aprofundar o conhecimento deste território e de suas especificidades, analisar criticamente as hipóteses consideradas entre os objetivos e diretrizes estabelecidos neste Termo de Referência e, considerando ainda a regulação urbana vigente, construir cenários possíveis para esta transformação.” (Termo de referência da operação urbana consorciada Mooca –Vila Carioca. p. 8)
Da mesma forma se limita em seus dizeres sobre uma condição presente que é fruto de uma série de mudanças em curso e que não estão colocadas no texto, como por exemplo, para a ferrovia, considera que
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“É necessária uma avaliação quanto à atual intensidade e padrão de atendimento de carga às empresas da região, permitindo diferenciar o transporte de insumos à atividade industrial daquele ligado a centros de distribuição, bem como os impactos causados por este tipo de atividade, ao intensificar o uso do sistema viário pela circulação de veículos de portes variados apenas para transporte e distribuição de mercadorias.” (Termo de referência da operação urbana consorciada Mooca –Vila Carioca. p. 7)
A partir do momento que se fixa sobre a “atual intensidade e padrão de atendimento de carga às empresas” e reforça com “A avaliação do perfil de atividades econômicas atualmente instaladas também é de fundamental importância para orientar o processo de transformação” (Termo de referência da operação urbana consorciada Mooca –Vila Carioca. p. 7. Grifo nosso) limita-se a uma situação presente e assim induz o projeto a um raciocínio de completa transformação, reduzindo o lugar de possíveis mudanças menos drásticas com, por exemplo, aproveitamento da estrutura industrial instalada. Isso fica mais claro quando considera que é possível uma “migração destas atividades instaladas em zonas centrais para o extremo leste da cidade onde há necessidade de incrementar as atividades econômicas e criar novos postos de trabalho” (Termo de referência da operação urbana consorciada Mooca –Vila Carioca. p. 9). De fato existe uma incompatibilidade entre o aumento do uso da ferrovia para transporte de passageiros e de cargas, há redução da atividade industrial e a necessidade de aumentar os postos de trabalho em outras partes do município, porém o uso industrial no centro pode, sim, ser mantido se aprimorado e somado a uma nova condição de transporte de cargas, assim como o movimento de saída das indústrias não é fruto de decisões do Estado nem a sua destinação se limita ao município paulistano; por outro lado, é fruto de um movimento de capitais e do incremento da capacidade de transporte e comunicação a nível macromeImplantação (acima) e edifícios preservados (abaixo). Projeto do escritório Una Arquitetos Fonte: http://www.unaarquitetos.com.br
tropolitano (outra falha dos objetivos que considera a reestruturação e requalificação urbana em nível municipal e metropolitano). Evidentemente pode haver intervenção estatal para incrementar a atividade no setor leste da capital, porém é preciso articular a proposta para a Mooca-Ipiranga a um projeto macrometropolitano que dê condições de circulação de “bens, informações e pessoas” (VILLAÇA, 1998) à zona leste que a torne vantajosa na cadeia produtiva. No mesmo sentido o objetivo de valorização e preservação do patrimônio edificado também é vago à medida que não há diretrizes ou apontamentos sobre quais são os edifícios ou qual a postura que se deve ter com relação à preservação deles. Da mesma forma reconhece que o tecido urbano e o padrão fundiário são inconvenientes à circulação de pedestres, mas desejáveis pelo mercado imobiliário de tal forma que se poderia construir uma série de condomínios fechados, reproduzindo os padrões de segregação sócio-espacial vigentes no restante da cidade, e que, por tanto, o projeto deve evitar tal lástima. Porém não coloca o que isso significa em termos de projeto já que todas as definições sobre propriedade, uso e ocupação do lote e índices urbanísticos ficam a cargo do projeto. Em maio de 2012 a licitação foi vencida pelo consórcio CMVC, que participa o escritório de Hector Vigliecca e agora deve desenvolver os estudos e projetos, dentro de um cronograma de 8 meses, apenas.
CENÁRIOS 61
Dadas as condições atuais e a imprevisibilidade de um futuro - já que o que podemos dizer sobre ele “é muito pouco, talvez algo destinado a ser rapidamente falsificado pelos fatos, mas exatamente por essa razão, isso é muito importante” (SECCHI, 2006, p. 178) - nos dedicamos a criar cenários dentro dos quais imagina-se que possam ocorrer as transformações ou que elas possam ser induzidas, ou ainda que nenhuma alteração aconteça. Exatamente por isso, na implantação de um plano/projeto seria necessária a sua revisão constantemente afim de avaliar se as hipóteses iniciais foram verdadeiras e daí fazer as correções, se necessárias. Segundo Bernardo Secchi cenários não são previsões: “se estivéssemos em condições de prever, muitos de nossos problemas estariam resolvidos; nem é a representação de desejos: se tivéssemos condições de realizar os desejos, não teríamos nenhum problema. Construir cenários quer dizer aceitar a ignorância e construir uma ou mais ordens hipotéticas entre os diversos fenômenos que investem a cidade, a economia, e a sociedade, para esclarecer suas consequências. (SECCHI, 2006, p. 177)
E completa dizendo que também “não são os modos pelos quais um pensamento débil se apresenta; ao contrário, são lugares conceituais nos quais é construída a comparação entre uma multiplicidade de racionalidades fortes, em parcial ou radical oposição entre si.” (SECCHI, 2006, p. 178) Um primeiro cenário imaginado seria de transformação nula, que contrariamente aos acontecimentos no entorno a Barroca mantenha-se como uma área industrial, o que não nos parece plausível dado o grau de investimentos previstos, o aumento da acessibilidade com as novas linhas de metrô, a atuação do mercado imobiliário e o processo de desconcentração industrial. Até mesmo pelos projetos dos escritórios UNA e Norman Foster ou ainda pela Operação Urbana Mooca-Vila Carioca. Um segundo cenário é de que uma mudança drástica possa acontecer, que não haja preservação de nenhum ou de raros edifícios, de nenhuma característica formal e, por tanto, um apagamento da memória como um bairro industrial que se construiu à base do transporte ferroviário – isto aparece evidente nos dois projetos citados. Já um terceiro cenário seria a manutenção de parte da atividade industrial somada a um novo grupo de atividades, sobretudo a habitação. O “habitar” é a primeira atividade do homem, lhe é primordial e foi, provavelmente, a razão da “invenção” da edificação. Em alemão, as palavras “construir”, “habitar” e “ser” se confundem: “A palavra do antigo alto-alemão usada para dizer construir, “buan”, significa habitar. Diz: permanecer, morar. [...] Os verbos buri, büren, beuren, beuron significam todos eles o habitar, as estâncias e circunstâncias do habitar. [...]Quando a palavra bauen, construir,
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ainda fala de maneira originária diz, ao mesmo tempo, que amplitude alcança o vigor essencial do habitar. Bauen, buan, bhu, beo é, na verdade, a mesma palavra alemã “bin”, “eu sou” nas conjugações ich bin, du bist, “eu sou”, “tu és”, nas formas imperativas bis, sei, sê, sede. O que diz então: eu sou? A antiga palavra bauen (construir) a que pertence “bin”, “sou”, responde: “ich bin”, “du bist” (eu sou, tu és) significa: eu habito, tu habitas. A maneira como tu és e eu sou, o modo segundo o qual somos homens sobre essa terra é o “Buan”, o habitar.” (HEIDEGGER, Martin, «Bauen, Wohnen, Denken», in Ensaios e Conferências, Petrópolis, Editora Vozes, 2002, tradução de Marcia Sá Cavalcante Schuback, p. 128)
Ao habitar se confundem outras atividades, como o trabalhar, o recrear, o aprender, o caminhar, etc. Tomando habitar como “ser”, a partir das definições da língua alemã, este se liga a tudo aquilo que faz parte da experiência humana, desta forma o espaço deve dar condições para o pleno desenvolvimento das capacidades humanas. Portanto, para este cenário imagina-se a soma do habitar, entendido aqui de maneira ampla, às atividades já existentes, permitindo que se reforcem e se completem mutuamente. Entendemos esta como a melhor posição projetual pois é a única capaz de conciliar as transformações em curso com a estrutura existente, por isso vamos trabalhar sobre este cenário, que será detalhado no desenvolvimento do programa e do próprio projeto.
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Foto: Julia Paccola
2
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CrĂŠditos: Daniele Queiroz
OBJETIVOS E DIRETRIZES 66
Considerando-se o cenário de transformações em
- sistema de ciclovias;
que parte da indústria se manterá, como já citado, consideramos como objetivo deste projeto a criação de condições para
- garantir espaço para a instalação de sistema de VLT e/ou VLP (Veículos leves sobre trilho / pneus).
uma transformação da área condizente com suas estruturas,
ESPAÇOS LIVRES
projetos futuros, mudanças da macrometrópole e também
- criação de um sistema de espaços livres;
com um modelo de cidade desejável.
- desenho da orla fluvial;
As alterações que seguirão deverão ser coordena-
- tornar público o acesso aos clubes Ypiranga e Ju-
das pelo Poder Público a fim de induzir as transformações no sentido que o projeto deste estudo apresenta com controle sobre a atuação do mercado Para que se atinjam tais objetivos, definimos como diretrizes:
ventus; USO E OCUPAÇÃO - inserir equipamentos públicos de ensino, cultura, lazer, transporte e de serviços;
MOBILIDADE E PRODUÇÃO - avaliação do Plano Diretor de Transportes (PDDT), das propostas do sistema metroviário, da segregação de cargas e passageiros nas linhas da CPTM; - implementação do hidroanel e de um porto intermodal;
- adensar a ocupação; - promover o intenso uso dos espaços públicos e os usos mistos assim como a diversidade; - ampliar os laços de vizinhança; - realizar novas articulações viárias internas, por meio de ruas e galerias;
- transformação da linha de trem para metrô assim como novas estações; - proposição de um sistema de circulação de cargas – chamado aqui de circulação de serviços / articulação das regiões e sistemas produtivos; - aumentar a permeabilidade e conexão viária com o entorno;
- garantir conforto e acessibilidade nos passeios públicos e articulá-los aos pavimentos térreos dos edifícios. PATRIMÔNIO HISTÓRICO - discutir a postura frente aos edifícios e morfologia edificados a fim de elencar os elementos a serem preservados e de apontar suas destinações possíveis.
ASPECTOS DEMOGRÁFICOS
Expectativa de vida ao nascer (Brasil)
67
1960
54 anos
2010
73 anos
Taxa de natalidade (Brasil) 1980
28,2 / 1000 habitantes
A fim de formular o programa de novos usos, compreendendo que a implantação faz parte de um projeto de futuro, analisamos as previsões demográficas formuladas pelo SEADE para 2020, comparando-as com o CENSO de 50 anos atrás, 1960, para
2010
16,1/ 1000 habitantes
estabelecer algumas mudanças importantes. A primeira observação que podemos fazer é com relação ao já anunciado envelhecimento da população. Enquanto em 1960 a expectativa de vida ao nascer era de 54 anos, hoje é de 73 anos (Censo 2010). Disso decorre a necessidade de adaptação do
Taxa de fecundidade (Brasil)
espaço urbano a uma população idosa, tanto na acessibilidade quanto nos serviços.
1980
99,78 filhos / 1000 mulheres
2010
56,11 filhos / 1000 mulheres
A taxa de natalidade reduziu de 28,2 nascimentos por 1000 habitantes em 1980 para 16,1 em 2010, assim como a taxa de fecundidade declinou de 99,78 filhos por 1000 mulheres com entre 15 e 43 anos, para 56,11, no mesmo período. Isto, somado a movimentos migratórios, convergem para a redução do crescimento populacional anual de 1,16 no município de São Paulo na década de 1980 e 1,88 na RMSP, para, respectivamente, 0,75 e 0,96 entre 2000 e 2010. Disso resulta uma necessidade menor de equipamentos voltados para a infância do que se demandava no passado. Outro fator é que homens e mulheres estão retardando ao
Taxa de fecundidade (São Paulo - Capital)
máximo ter filhos para poder avançar nos estudos e/ou conquistar a independência financeira assim como estão optando por morar
1980
1,16% ao ano
2010
0,96% ao ano
sozinhos. (Fonte: IBGE) Também há uma redução no número de habitantes por residência, que chega aos 3,1 no município de São Paulo. Os lares com apenas 1 morador somam quase 15% e com 2 moradores já são 25% (Fonte: IBGE). Assim as residências deverão cada vez mais atentar para esta variedade de composições, principalmente àqueles que moram sozinhos ou em pares. Fato que somado à
Habitantes por domicílio (São Paulo - Capital, 2010)
flexibilidade do trabalho, aumento da mobilidade e da qualificação dos espaços públicos, deve levar a uma redução cada vez maior do ambiente doméstico a partir da redução do programa da habitação assim como das áreas: a habitação pode ser cada vez mais entendida como um abrigo onde o morador passará pouca parte do seu tempo.
3 (25%) 2 (24%)
1 (14%) Fonte: (Censos 1960, 1980 e 2010)
4 (21%)
5 ou mais (24%)
2010 (Fonte: IBGE)
68
70 ou mais 60 a 69 50 a 59 40 a 49 30 a 39 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 14 5a9 0a4
2020 (Fonte: SEADE) 70 ou mais 60 a 69 50 a 59 40 a 49 30 a 39 25 a 29 20 a 24 15 a 19 10 a 14 5a9 0a4
MOBILIDADE 69
Nas próximas décadas uma série de intervenções está prevista e criará uma condição nova sobre a infraestrutura de transportes da metrópole de forma a incidir diretamente sobre a Barroca. São elas: Rodoanel e ferroanel, parte do PDDT – Plano Diretor de Desenvolvimento dos Transportes - hidroanel, segregação de linhas para trens de carga e passageiro, e metrô
PDDT O PDDT é um plano do Governo do Estado de São Paulo para o setor logístico a fim de garantir maior fluidez de mercadorias e pessoas assim como ampliar a competitividade do produto e território paulista nos cenários nacional e internacional. O primeiro foi elaborado na década de 1980, o segundo no final da década de 1990 e tinha como horizonte as duas primeiras décadas do século XXI – sobre o qual deteremos nossa atenção. Como se propõe um processo continuado e de constante revisão, o que lhe confere o nome “Vivo”, foi avaliado e alterado, sendo que o novo horizonte passa a ser entre 2010 e 2030. A logística “antes considerada como um custo adicional para as empresas, tornou-se muito mais do que simplesmente uma estratégia de armazenamento e transporte. Trata-se hoje de um componente fundamental para a fluidez, essencial para a competitividade territorial das grandes empresas” (BRAGA, 2007, p. 9). Logística pode ser definida como “o processo de planejar, implementar e controlar de maneira eficiente o fluxo e armazenagem de produtos, bem como os serviços e informações associados, cobrindo desde o ponto de origem até o ponto de consumo, com o objetivo de atender aos requisitos do consumidor.” (NOVAES, 2001 apud BRAGA, 2007, p. 9)
Assim, mais do que um plano de transportes é também um plano de comunicação. Sua implementação está em consonância com as atuais demandas, sobretudo na macrometrópole de São Paulo, que atravessa um processo de descentralização produtiva. “O objetivo do PDDT é construir um sistema de transportes moderno no longo prazo e que funcione cada vez mais integrado, contribuindo ativamente para o desenvolvimento sustentado da economia e atendendo com eficiência logística a futura demanda de transportes. Com sua implantação haverá melhoria substantiva da qualidade do serviço de transporte de cargas e passageiros no Estado de São Paulo em termos de mobilidade, acessibilidade, fluidez, segurança e economia combustível.” (Em http://www. transportes.sp.gov.br/programas-projetos_/pddt.asp - acessado em 28 de agosto de 2012.)
A história do Estado de São Paulo é também a da montagem da mais ampla rede de transportes do país, não por acaso é o Estado que mais concentra riquezas e população no país. O Estado conta com a maior rede ferroviária do território nacional, porém construída em grande parte no século XIX, obedecendo a regras da época no seu traçado, do que resulta divergências de bitolas e
Investimentos federais em transportes Rodovias (71,5%)
Outros (24,4%)
percursos sinuosos, além de não estabelecer conexões que hoje são importantes, diferente de outrora.
70
Desde a década de 1950 a rodovia se responsabilizou por estabelecer conexão entre as diversas cidades e principalmente atingir o interior - não só em São Paulo mas no Brasil como um todo. Ainda hoje a rodovia recebe a maior parte dos investimentos federais, 71,5% contra 4,1% para as ferrovias. Além da dependência sobre o sistema rodoviário e o atraso dos demais, principalmente
Composição da matriz de transportes do estado de São Paulo Rodovias (93%) Ferrovias (5%)
o hidroviário e ferroviário, foram levantados mais de 70 gargalos logísticos (elementos que dificultam a atividade logística), dentre
Outros (2%)
os quais nos interessa a transposição da RMSP, tanto para o transporte rodoviário quanto o ferroviário, uma vez que é o que mais diretamente impacta sobre a metrópole de São Paulo. Acrescenta-se a isto o fato de que de toda a carga transportada no estado de São Paulo, 50% tem origem e destino na
Expectativa do PDDT para a matriz de transportes do estado Rodovias (65%)
Ferrovias (31,3%)
macrometópole, 26% são de trocas do restante do estado com a macrometrópole e vice-versa e outros 3% são de comércio da
Outros (5%)
macrometrópole com o exterior(Fonte: PDDT Vivo 2000/2020 – Relatório Executivo – Secretaria dos Transportes de São Paulo / Dersa apud Braga, 2007, p. 49). Ou seja, é neste território que a malha é mais carregada e também onde os nós se tornam mais explícitos e urgentes de serem desfeitos. Para isso, as principais medidas levantadas pelo PDDT 2000/2020 são:
Fluxo de mercadorias no estado de São Paulo
- implantação do Rodoanel (trechos sul e oeste já concluídos; leste em início de obras e norte em definições últimas de traçado) - implantação de ferroanel (que terá apenas 3 trechos, norte, sul - prioritários e noroeste, interligando as ferrovias que chegam à capital; parte deste contorno já existe, como o desvio que conecta a antiga Central do Brasil, próxima a Suzano, à Santos-
Interno à macrometrópole (50%)
-Jundiaí, em Rio Grande da Serra) - trem de carga expresso (investimentos que elevem a velocidade média dos atuais 8km/h para 50km/h - Incentivo à navegação de cabotagem, com integração com os portos de Santos e São Sebastião (este ponto é de importância indireta para São Paulo, já que parte da carga importada e exportada no Estado se faz pelo porto de Santos, logo tem origem, destino, ou atravessa a capital)
Outros (21%)
Macrometrópole com o restante do estado (26%)
- Duplicação da Rodovia dos Imigrantes e prolongamento da Rodovia dos Bandeirantes (já concluídos) - Implantação dos CLI´s – Centros Logísticos Integrados
Dessa forma a expectativa é reduzir a importância do setor rodoviário em favor do sistema ferroviário, principalmente, que passará a compor 31,3% da matriz de transportes, frente aos 5% atuais, enquanto o rodoviário passará de 93% para 65% (Fonte: PDDT Vivo 2000/2020. apud BRAGA, 2007, p.52). Da mesma forma como o objetivo é mais do que atender à demanda atual, mas também uma previsão futura, à medida que for implementado o plano criará novas “localizações” (VILLAÇA, 1998), o que significa
Comércio exterior com a macrometrópole (3%)
que as empresas terão novas condições locacionais, todavia o plano, limitando-se às questões de demanda (presentes ou futuras), não Fonte: PDDT-VIVO 2000-2020
prevê a inclusão de novas cidades na estrutura produtiva. Para Braga,
“As cidades excluídas e que não são interessantes para a instalação de CLI’s [e não só de CLI´s mas como de toda infra estrutura logística] também estão à margem do planejamento dos transportes do Governo do Estado de São Paulo, o qual deveria entender e analisar o território paulista (e brasileiro) como uma totalidade; a estas cidades podemos chamá-las de espaços opacos, pois são os subespaços onde tais características (densidades técnicas e informacionais) estão ausentes” (BRAGA, 2007, p. 83).
71
Rodoanel, ferroanel e Centros logísticos integrados O ferroanel pretende conectar as ferrovias da capital, da mesma forma que o rodoanel está para as rodovias, e assim a circulação de carga será reorganizada pois o que hoje atravessa a cidade poderá ser feita ao redor dela, e também os deslocamentos com destino ou origem na cidade e que são feitos diametralmente. Esses dois anéis criam novas localizações que se tornam estratégicas para a logística da macrometrópole: as conexões entre os anéis e as vias radiais, sejam férreas ou rodoviárias, apresentam grandes vantagens locacionais porque a partir delas, e até elas, tem-se diversas condições de deslocamento rápido, além de terras mais baratas que em áreas centrais. Por exemplo, uma indústria ou um polo logístico que venha a se instalar na intersecção do rodoanel e ferroanel com a rodovia Anhanguera estará entre as próprias indústrias que já existem no eixo São Paulo-Jundiaí-Campinas, próxima aos mercados consumidores, com extrema facilidade de acesso físico ao Vale do Paraíba-Rio de Janeiro, assim como do porto de Santos, conectado diretamente ao interior do Estado e com ampla possibilidade de fazer uso do transporte intermodal. Com a mesma importância e objetivo se planejam os CLI´s – Centro Logísticos Integrados – que são plantas logísticas intermodais “para possibilitar uma nova logística de coleta e distribuição de cargas.” (BRAGA, 2007, p. 72), conectando as redes de transporte aéreo, terrestre e hidroviário. Mais precisamente são “um elemento de um complexo de transportes que atende a vários objetivos funcionais: 1) facilitar as transferências caminhão-trem, possibilitando o “intermodalismo”; 2) efetuar despachos alfandegários; 3) realizar enchimento e desova de contêineres; 4) racionalizar a coleta e distribuição de cargas com caminhões menores trafegando a distâncias também menores; 5) oferecer uma gama de serviços logísticos, como espaços de estocagem rápida para otimização de funções de concentração e distribuição para empresas industriais, inclusive veiculação de encomendas, correio etc. Ainda no caso da RMSP, o PDDT pretende incentivar a implantação de vários CLI’s de modo que estejam sempre à menor distância possível da origem ou destino das cargas na trama urbana, para minimizar os trajetos de coleta e distribuição.” (BRAGA, 2007, p. 77) Principais rodovias Rodoanel Rodoanel a construir Ferrovias Ferrovias a construir Centros Logísticos Integrados
Quanto ao aspecto físico, os CLI´s são divididos entre terminais intermodais (que como o próprio nome já deixa a entender são utilizados para a transferência de carga de um modal a outro) e plataformas logísticas (“permite estocagem para centrais de 0
500
1000 metros Imagem: Google Earth
concentração e distribuição, equipamento e suporte para enchimento e desova de contêineres e serviços de apoio, como central de fretes, bancos, oficinas, hotel etc.” (BRAGA, 2007, p. 78). Dessa forma não precisam estar juntas, apesar de que a união oferece van-
tagens às empresas que as utilizarão. Mais do que isso pode ser o elo da cadeia produtiva porque “realizar operações de estocagem, trânsito e concentração/desconcentração de mercadorias, mantendo uma relação tanto com a produção (montante) como com a distribuição (jusante), articulando-os com a infra-estrutura de transportes adjacente.” (2007, p. 79). Ao redor da metrópole de São Paulo estão previstos quatro CLI´s: norte (no entroncamento do tramo noroeste do ferroanel com a rodovia Anhanguera, possivel-
72
mente em Cajamar), Sul (no entroncamento do tramo sul do ferroanel com as rodovias Anchieta-Imigrantes-Rodoanel) Oeste (no entroncamento do tramo sudoeste do ferroanel com a ferrovia que vai de Mairinque a Jundiaí e a rodovia Raposo Tavares) e o leste, próximo á estação Manoel Feio, trecho leste do Rodoanel e Rodovia Ayrton Senna.
Hidroanel O projeto do hidroanel apresentado no começo de 2012 prevê a navegabilidade ao redor da metrópole de São Paulo através dos Rios Pinheiros, Tietê, Taiaçupeba e represas Billings e Guarapiranga (chamado de grande anel), e para um futuro a longo prazo também pelos rios Tamanduateí, Menino e Couro, formando o chamado pequeno anel. Para além da circulação urbana o hidroanel se conectaria à hidrovia Tietê-Paraná, abrangendo, então uma outra escala. Seu objetivo geral é a “consolidação de um território com qualidade ambiental urbana, nas orlas fluviais, que comporte infraestrutura,equipamentos públicos e habitação social, promovidos pelo Estado” (em http://www.metropolefluvial.fau.usp.br/downloads/apresentacao_completa.pdf visitado em 30/08/2012) fundamentalmente diferenciado do PDDT ao colocar o Estado não apenas como interventor ou operador, mas como principal interessado na estrutura, enquanto o PDDT é essencialmente comercial – uma vez que se presta basicamente à servir às empresas e, portanto às suas lógicas. Essa diferença se materializa na estrutura geral do hidroanel, que prevê a instalação de infra-estrutura que não só possibilite o transporte das cargas mas as processem. As cargas consideradas no estudo são divididas em públicas (sedimentos de dragagem, lodo das estações de tratamento de água e esgoto, lixo, entulho e terra) e comerciais (insumos para a construção civil, hortifrutigranjeiros, e resíduos sólidos reversíveis comercializáveis – “recicláveis”). A coleta, processamento e entrega dos materiais pré-triados serão realizados em eco-portos, trans-portos (para resíduos sólidos não triados) e tri-portos (responsáveis pela triagem, processamento e endereçamento dos resíduos processados, além de realizarem a transferência intermodal entre trens, caminhões e barcos) De toda essa estrutura destacamos os tri-portos, principalmente por seu caráter intermodal e sua localização no sistema de transportes – a sua lógica de implantação é a mesma dos CLI´s, ou seja, em nós da rede rodo-ferroviária, com acréscimo das hidrovias no caso em questão. Dois dos três tri-portos tem localização macro indicada praticamente coincidente com os CLI´s leste e sul. Assim estes dois equipamentos devem ser considerados em conjunto, uma vez que desempenham a mesma função logística e tem a mesma lógica, com suas diferenças particulares. Assim, os CLI´s/tri-portos , como parte da reorganização da cadeia produtiva, podem também assumir funções logísticas que hoje são realizadas dentro da cidade de São Paulo, como postos alfandegários, e liberá-la dessas atividades e por tanto, da movimentação de carga que não necessariamente tem a cidade como origem ou destino, o que significa um impacto direto sobre a
Hidroanel e Rio Tietê Hidroanel (pequeno anel) Tri-portos
0
500
1000 metros Imagem: Google Earth
Barroca que hoje atende a essa função, como por exemplo no terminal da avenida Presidente Wilson, o “Porto Seco – São Paulo I”, operado pela Columbia Logística. Se constrói uma nova condição de transportes de carga na cidade, que deixa de receber o fluxo de passagem e de operações logísticas e ao mesmo tempo abre uma nova condição para cargas que chegam ou partem de dentro da cidade.
73
Segregação de vias Já está em execução da segregação de vias na antiga Variante de Poá, hoje linha 12 da CPTM, que compartilha os trilhos entre carga e passageiros, resultando em prejuízos para ambos, uma vez que têm necessidades, tecnologias e capacidades diferentes. A velocidade dos trens de carga é reduzida e sua circulação restrita a alguns horários (das 21 às 4 horas e das 9 às 15 horas) enquanto o intervalo entre os trens de passageiros não vai aquém dos 6 minutos. Também serão segregadas as vias nas linhas 7 e 10, também da CPTM, a antiga Santos-Jundiaí. Estas obras parecem contraditórias com a execução do ferroanel já que parcialmente seus objetivos são os mesmos: liberar a travessia de cargas por São Paulo, ainda que uma resolva isso externamente à cidade e outra internamente. Porém estas obras podem ser complementares no futuro, principalmente com a instalação dos CLI´s e a reorganização produtiva da macrometrópole, sobretudo do ponto de vista da desconcentração.
A circulação de serviços Ao mesmo tempo que ganha importância a produção fora da cidade de São Paulo e também se desloca as atividades logísticas para os novos entroncamentos periféricos, é preciso resolver como a parte da produção que ainda está dentro da cidade e não a tem como destino sairá, assim como aquilo que é produzido externamente penetrará a cidade e chegará ao consumidor, e a própria circulação da produção/consumo internos. Parte das indústrias que permanecem em São Paulo tem situação favorável com relação ao sistema de transportes do PDDT, como é o caso daquelas instaladas nos municípios de Santo André/São Bernardo (que contam com acesso pela ferrovia Santos-Jundiaí e as rodovias Anchieta e Imigrantes, além da proximidade ao trecho sul rodoanel e portanto também do futuro CLI Sul) e também nos municípios a Oeste, como Osasco, Barueri e Carapicuiba, sitos ao longo da ferrovia Sorocabana, assim como das rodovias Castelo Branco, Raposo Tavares e do trecho Oeste do Rodoanel e, portanto, de fácil acesso ao CLI Oeste. Portanto, a troca de materiais no “espaço regional” (VILLAÇA, 1998) está garantida e facilitada. Com relação à produção externa a São Paulo, realizada na Macrometrópole, ou importada de outros estados ou países é importante destacar a forma como esta chegará ao consumidor que mora em São Paulo. Deve-se considerar também um avanço significativo no chamado e-commerce, ou comércio virtual, que tem crescido principalmente com o próprio avanço e popularização da internet – segundo a FECOMERCIO 63% dos paulistanos já realiza compras pela internet, um crescimento de 11% com relação
a 2011 (Fonte: FECOMERCIO – 4ª pesquisa sobre comportamento dos usuários da internet - em http://www.fecomercio.com.br/ arquivos/arquivo/pesquisa_dos_usuarios_da_internet_3vaay1apaa.pdf - visitado em 30/08/2012). Muitos produtos já não precisam ser comprados em uma loja física, o que significa uma nova relação entre consumidor e produto e também das estratégias locacionais das empresas e da própria dinâmica de entregas – a mercadoria circula, o consumidor não.
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Isso não significa o fim ou qualquer contração do comércio nas ruas, pelo contrário, tende a transformá-lo. As lojas não precisarão de grandes espaços de armazéns, reduzindo seus custos fixos com aluguéis ou com a compra de terrenos próximos ao consumidor. Em vez disso, poderão aproveitar-se da nova logística macrometropolitana e estocar seus produtos “fora” da cidade. Ao mesmo tempo que na cidade os espaços tenderão a ser menores, destinados a amostra e experimentação dos produtos, os chamados “showrooms” (ASCHER, 2010). Dessa forma torna-se cada vez mais importante o como esse deslocamento intenso de mercadorias no “espaço intra-urbano” (VILLAÇA, 1998) acontecerá; é preciso outros meios complementares que reduzam em quantidade e distância os deslocamentos destes veículos. Uma possibilidade que se vislumbra é a criação de uma “Circulação de Serviços” metropolitana, aproveitando as estruturas instaladas e a serem instaladas, das quais se destaca a ferrovia e a hidrovia. Trata-se da segregação da circulação de pessoas e de cargas na metrópole e deve ser parte de uma estrutura intermodal que contará com estações de transbordo (os trans-portos) espalhadas por diversos pontos estratégicos da cidade. O hidroanel, como já descrito, se encarregará, principalmente do transporte de cargas públicas e a nível metropolitano, mas terá capacidade ampliar sua capacidade de transporte para cargas comerciais e em escalas mais amplas. A carga produzida fora da metrópole mas que a terá como destino final, pode circular pela ferrovia, entre um C.L.I. até um dos trans-portos, a partir de onde as mercadorias podem partir para as lojas ou diretamente para o consumidor em caminhões ou bondes de serviço que percorrerão distâncias curtas, reduzindo o fluxo de veículos pelas ruas. Em uma comparação simples podemos utilizar o exemplo das Casas Bahia que tem sua plataforma logística em Jundiaí de onde partem caminhões para suas diversas lojas e residências em São Paulo. Este sistema está sujeito às leis municipais de restrições de trânsito e à possibilidade de engarrafamentos na rodovia Anhanguera, assim como nas marginais Tietê e/ou Pinheiros (frequentes e longos diga-se de passagem) e também por todas as outras avenidas até o destino final, o que torna imprevisível o tempo de transporte. Além disso necessita de um número grande de caminhões pois para abastecer as lojas um deles sai cheio de Jundiaí e retorna sem produtos depois de um longo percurso (que entre ida e volta pode chegar aos 300km) e em geral atende a uma loja ou um pequeno grupo de consumidores próximos entre si. Com a circulação de serviços estes produtos podem ser enviados por trem até um trans-porto próximo ao destino, em um trajeto que não supera 100km e percorrido em 2 horas, com bastante fidelidade, o que permite melhor administração, característico de um sistema “just-in-time”. A partir do tri-porto um veículo menor percorreria caminhos curtos até o destino, podendo atender a vários clientes simultaneamente e realizar dezenas de viagens diárias e assim reduzir o número de veículos nas ruas. Além disso reduz ao mínimo a necessidade de estoques pois os pedidos de abastecimento da loja podem ser feitos com menos de 5 horas de antecedência à necessidade real.
Viário estrutural e circulação de serviços Hidrovia
Tri-portos (GMF)
Ferrovia
Rodovia
Barroca
Trans-portos Trans-portos (proposta nossa) (GMF)
GMF (Grupo MetrópoleFluvial) Imagem: Google Earth
0
5,0 2,5 quilômetros
TREM DE ALTA VELOCIDADE Quanto ao transporte de passageiros destacam-se a construção de novas linhas de metrô e do Trem de Alta Velocidade – TAV – entre Campinas, São Paulo, Cumbica e Rio de Janeiro, que serviria de alternativa ao transporte aéreo entre as capitais fluminense e paulista e diminuiria consideravelmente o tempo de deslocamento entre São Paulo e Campinas e dessa forma aumentando as
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relações entre as cidades. Já hoje há muitas pessoas que trabalham ou estudam em São Paulo e moram em Campinas e Jundiaí e vice-versa. Para Flávio Villaça a questão dos deslocamentos de pessoas e cargas é o que diferencia o espaço regional do “intra-urbano”: “A estruturação do espaço regional é dominada pelo deslocamento das informações, da energia, do capital constante e das mercadorias em geral – eventualmente até da mercadoria força de trabalho. O espaço intra-urbano, ao contrário, é estruturado fundamentalmente pelas condições de deslocamento do ser humano.” (VILLAÇA, 1998)
Não estamos aqui sugerindo que isto já tenha se tornado ultrapassado, mas efetivamente temos uma redução da diferenciação sobre estes aspectos à medida que morar em Campinas e trabalhar, educar-se, comprar e recrear em São Paulo – e vice-versa - torna os deslocamentos mais curtos em termos de tempo do que para morar e trabalhar na capital, e a opção de morar em outra cidade pode fazer dela um “bairro” distante, em quilômetros, mas próxima em minutos. Sobre esta constituição macrometropolitana Ascher usa o nome “metápole”que seria mais explicito quanto ao caráter imaterial das trocas e da comunicação regional; surgem da “globalização e do aprofundamento da divisão do trabalho em escala mundial que tornam necessárias e mais competitivas as aglomerações urbanas capazes de oferecer um mercado de trabalho amplo e diversificado, a presença de serviços de altíssimo nível, um grande número de equipamentos e de infraestrutura e boas conexões internacionais.” (ASCHER, 2010, p. 62)
São resultado dos avanços nos transportes e comunicações, que permitem conexões rápidas entre cidades, de tal forma que a interação entre elas seja intensa independente de estarem distantes, pelo contrário, são a própria materialização do enfraquecimento da importância da proximidade e assim sua conurbação é de forma extensa e descontínua. Ao contrário do que se tem suposto, esse enfraquecimento não gera cidades virtuais: evidentemente há um crescimento do espaço virtual, todavia a circulação de materiais e pessoas assim como a necessidade de contato e o encontro presencial não podem ser substituídos, pelo menos ainda, por uma realidade virtual, principalmente aquilo que envolve as sensações táteis, assim como as festas e etc.
Metrô Por último, como medida para atenuar o trafego na metrópole de São Paulo o governo do Estado e recentemente a prefeitura, têm participado conjuntamente na construção de novas linhas de metrô e extensão de outras, como a 2-verde e 5-lilás, além também das melhorias na CPTM – o que por si só ainda não basta para desmontar a distância abissal que existe entre a qualidade dos serviços desta empresa e o do Metrô – e inclusive depende da segregação de linhas já comentada. Em Julho de 2012, a despeito de planos anteriores, como os Pitu 2020 e 2025, o governo do Estado lançou um novo plano para o traçado das linhas de metrô a expandir e construir, com clara perda de qualidade devido à pressa para a conclusão que levou o governo a substituir algumas vias subterrâneas de metrô por aéreas de monotrilhos – com grave redução de capacidade. Outro aspecto é a redução da quantidade, mudança da posição de estações, e consequente aumento das distâncias entre elas, como aconteceu na construção da linha 4 Amarela. Aproximando-nos da área de estudo, a Barroca teria sua posição privilegiada. Sua condição central seria reforçada com a construção das linhas 6 e 21. Estas linhas se cruzarão no Largo do Cambuci e depois com a linha 10 da CPTM (antiga Santos Jundiaí) em dois pontos: estação São Carlos (a ser construída junto ao viaduto homônimo) e Ipiranga.
Malha metro-ferroviária Metrô e trem existentes Metrô a construir VLT a construir Monotrilho a construir 0 5,0 2,5 quilômetros Imagem: Google Earth
Redução do uso do automóvel Muitos atribuem ao carro o papel de vilão das cidades modernas, como Richard Rogers (2001), para quem “foi o automóvel o principal responsável pela deterioração da coesa estrutura social da cidade. Atualmente, os cerca de 500 milhões de carros em todo o mundo destruíram a qualidade dos espaços públicos e estimularam a expansão urbana para bairros distantes. (...) Ele viabilizou a compartimentação das atividades cotidianas, segregando escritórios, lojas e casas.”
Também se atribui a ele o fato de as cidades terem se espraiado e perdido os limites de seu crescimento, pois teria possibilitado a moradia longe do centro. Mas em verdade a fuga da cidade e as baixas densidades já eram desejadas desde a crise da cidade industrial, como já foi comentado, portanto “o automóvel é o que permite isso não a causa”. (SECCHI, 2006, p. 99). Poderia-se também fazer uso do argumento ambiental, dizendo que os carros poluem e geram ruídos em demasia, mas os avanços tecnológicos já se encarregaram de invalidá-lo, porque já foram desenvolvidos carros movidos a eletricidade, a hidrogênio e a ar comprimido. O problema, então, não reside no automóvel, em si, mas no seu uso excessivo, que demanda espaços enormes para estacionamento e circulação. Hoje estima-se que existam 10.000 estacionamentos privados em São Paulo, que oferecem cerca de 900.000 vagas (fonte: SINDEPARK, disponível em http://www.sindepark.com.br/index_b.asp?texto=37&ind=9, visualisado em 19/09/2012) para uma frota de 5.294.108 automóveis (Detran-SP) o que representa uma área de 7.742 ha só para guardar os carros licenciados no município de São Paulo, considerando garagens de diversos pavimentos ou a céu aberto; fora as vagas de Zona Azul, os estacionamentos não regulares e o espaço ocupado nas ruas, e os carros de outros municípios que circulam aqui. Segundo um estudo realizado pelo professor da Fundação Getúlio Vargas, Marcos Cintra, em 2011 o prejuízo com o trânsito foi da ordem de R$ 52,8 bilhões, o que representa 13% do PIB municipal. “Na conta das perdas entram: o maior consumo de combustível, consequência da redução e variação de velocidade; os gastos originados pelos malefícios da poluição à saúde; as perdas diretamente provocadas pelo tempo maior de transporte, como a necessidade de contratar mais trabalhadores; e, finalmente, as horas de trabalho, atividade e lazer das pessoas que ficam presas nos engarrafamentos.” (disponível em http://www.brasileconomico.ig.com.br/noticias/custo-do-engarrafamento-em-sp-alcanca-r-528-bilhoes_116978.html visualizado em 01/10/2012)
Além disso, “Pesquisas em San Francisco compararam ruas situadas em diferentes bairros para avaliar o impacto do tráfego na vida da comunidade local. Monitorava-se, em diferentes vizinhanças, o movimento dos indivíduos entre as casas, em ruas tranquilas e ruas agitadas. Os dados revelaram uma realidade chocante, porém previsível: o nível de interação social entre vizinhos de uma determinada rua, ou o senso de comunidade naquela rua, era inversamente proporcional à sua quantidade de trânsito. O estudo aponta o tráfego como causa fundamental para alienação do morador urbano” (ROGERS, 2001, p. 36)
Assim, deve ser um compromisso público construir uma cidade que não dependa do automóvel, que só acontecerá se a cidade der condições ao habitante de fluir através dela sem utilizá-lo e isso passa pela criação de um sistema de transporte público eficiente e confortável, assim como a facilidade e o prazer de se deslocar a pé ou de bicicleta. Foto: Trânsito na Avenida Paulista Fonte: http://grafiki-pall.blogspot.com.br/2009_11_01_archive.html
PATRIMÔNIO HISTÓRICO 79
A ocupação da Barroca se estendeu por diversas décadas e acumulou extratos edificados, que hoje inclusive nos permitem ler a área, entender o processo de industrialização e diferenciá-lo do de outros bairros. Mais do que isso, o conjunto edificado faz parte da história do bairro, dos moradores e trabalhadores, compõe, portanto, um importante patrimônio. Para fins de estudo costuma-se classificar patrimônio em industrial e ferroviário – os dois de grande importância na Barroca pois são a base de sua constituição. Embora a distinção, ambos se confundem, para não dizer que são coincidentes, pois por patrimônio industrial se entende tudo aquilo que se relaciona à indústria e à urbanidade em que se insere, como armazéns, centros de produção, habitações, locais de culto e educação, inclusive meios de transporte. Para Külh, (2012, p. 1) “Os bens culturais relacionados ao processo de industrialização são relevantes na composição das mais variadas paisagens, urbanas ou não, caracterizando o território em que estão inseridos, associados a ciclos econômicos de importância, que tiveram, ou ainda tem, papel essencial na vida de muitas comunidades, pontuando as transformações por que passaram. São relacionados muitas vezes a movimentos sociais – como reivindicações por melhores salários e condições de trabalho – palco de formas de sociabilidade as mais variadas, estando, portanto, vinculados também a questões memoriais e simbólicas da mais alta relevância. Às atividades industriais estão também associados os saberes associados (sic) à produção, às formas de trabalho e, ainda, os instrumentos, desde as ferramentas mais básicas até o maquinário mais complexo.”
Mais do que a conservação de edifícios isoladamente ou de resquícios de uma urbanização pretérita, cabe neste caso o conceito de preservação de conjunto histórico que a Recomendação de Nairobi, de 1976 da UNESCO, define como “todo agrupamento de construções e de espaços, inclusive os sítios arqueológicos e palenteológicos, que constituam um assentamento humano, tanto no meio urbano quanto no rural e cuja coesão e valor são reconhecidos do ponto-de-vista arqueológico, arquitectônico, pré-histórico, histórico, estético ou sócio-cultural.”
A Carta de Whashington, de 1987, versa sobre a preservação de centros e bairros históricos e considera que “Os valores a preservar são o caráter histórico da cidade e o conjunto de elementos materiais e espirituais que lhe determinam a imagem, em especial: - a forma urbana definida pela malha fundiária e pela rede viária;
- as relações entre edifícios, espaços verdes, e espaços livres; - a forma e o aspecto dos edifícios (interior e exterior) definidos pela sua estrutura, volume, estilo, escala, materiais, cor e decoração;
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- as relações da cidade com seu ambiente natural ou criado pelo homem; - as vocações diversas da cidade adquiridas ao longo da sua história; - qualquer ataque a esses valores comprometeria a autenticidade da cidade histórica.”
Desta forma, dada a transformação de uma vasta área, a preservação torna-se um elemento de planejamento, que deve considerar a inserção do conjunto histórico em um novo contexto, apropriando-se dele, em outras palavras, “preservar a cidade hoje não significa tombar imóveis ou conjuntos urbanos, mas promover seu contínuo desenvolvimento de modo a atender às demandas e contextos socioeconômicos” (Meyer & Grostein, 2010, p. 154). A fim de definir uma postura perante o patrimônio edificado cabe neste ponto uma pergunta: afinal, o que se pretende preservar? Como a própria definição de patrimônio industrial já citada anteriormente coloca, a preservação vai muito além do próprio edifício e acaba adentrando inclusive aspectos imateriais, como a urbanidade e as relações de trabalho. Ora, quanto de um lugar representa o seu uso? Mais do que os bens materiais, uma série de outros aspectos também constituem um conjunto urbano. Para ser mais claro vamos imaginar duas situações distintas. Primeiro, um mesmo lugar com os mesmos edifícios e usos, mas pessoas diferentes em dois momentos históricos contíguos. Isso por si só já basta para conferir ao espaço um caráter completamente diverso uma vez que a apropriação será diferente. Vamos acrescentar a isso uma mudança no meio do transporte, como a substituição de trens por caminhões – não é difícil imaginar a fumaça das locomotivas, do barulho característico e a vibração no chão, dando lugar ao novo ronco dos motores, a fumaça dos escapamentos, à circulação por outras vias, ao trânsito interrompido durante a manobra de um caminhão para entrar nos galpões. Também podemos imaginar a transformação que seria se no lugar das sirenes de cada fábrica que marcam o horário de entrada e saída dos funcionários restasse apenas o silêncio. Ou então que por um aumento de tecnologia e redução da atividade, as saídas das empresas marcadas por aglomerações de homens e mulheres nas portas das fábricas para seguirem juntos, em marcha a volta ao lar, fossem substituídas por poucos trabalhadores e homens em sua maioria. Uma segunda imagem poderia vir à nossa cabeça se imaginássemos que nada disso mais existe. Não há mais caminhões, não há mais trabalhadores. “Onde estão as pessoas, os gestos, os acidentes de trabalho, os conflitos, o cansaço, a fadiga, o próprio ato produtivo? Nestes espaços não há mais ausência do que permanência do que foram de fato as primeiras indústrias paulistanas?” (LAURENTINO, 2002, p. 141) Estas duas situações não são hipotéticas. A primeira é o processo de transformação que passou a Barroca, com abandono
quase completo da ferrovia, novas dinâmicas de trabalho, etc. A segunda é uma situação possível de desindustrialização. Dessa forma, a preservação de conjunto estaria fazendo citação a qual destes três momentos? A preservação de uma urbanidade é impossível, simplesmente porque ela depende das pessoas, e conforme estas mudam, a urbanidade muda ao mesmo tempo. Dessa forma o que preservaríamos seria o conjunto edificado, que pode fazer citações a estas memórias.
81
O próprio processo de industrialização já foi responsável pelo apagamento de muitas memórias materiais. Como é um processo que aconteceu no último século, ainda há lembranças do que era a área antes das indústrias. “Quatro quintos da área eram cobertos por uma rica vegetação e correntes d´água. Um quinto estava tomado pelos campos de futebol e times varzeanos” (depoimento de Alcides Barroso, in SESSO JUNIOR, 1995. P 79, apud LAURENTINO, 2002, p. 79). Vale considerar que mais do que o futebol, os times de várzea eram responsáveis por diversas festas dos bairros, e que outras atividades de lazer eram realizadas, como o próprio banho nas águas dos rios, como a lagoa “Tchipum” – que não pudemos precisar a localização dada a falta de referências, mas sabemos que é parte da Barroca. Outra atividade que já compartilhou espaço com a industria é a militar, como nos relatou o senhor Romeu Sartori, que lembra de desembarcar do bonde, atravessar a linha do trem, passar por entre galpões até chegar nas atividades do “Tiro de Guerra”, próximo a 1945, onde iam praticar tiro contra o barranco. Pela sua descrição e pelo perfil morfológico, podemos acreditar que o treinamento era realizado nas imediações da rua Barão de Monte Santo, onde termina a várzea do rio e o relevo se ergue mais de 15 metros. O próprio relevo foi transformado, primeiro disfarçado com casas que dificultam sua leitura e recentemente com edifícios novos que o substituem por imensos muros de arrimo para ter uma área livre plana no térreo ou construir edifícios garagem. Sabemos que um processo semelhante, de apagamento completo da memória, é completamente possível, baseado nos projetos dos escritórios de Norman Foster e UNA Arquitetura, assim como no edital da Operação Urbana. Não há nenhum edifício ou conjunto que o Plano Diretor considere como ZEPEC – Zonas de Preservação Cultural dentro do perímetro de estudo – o que não significa que os órgãos de preservação não estejam fazendo estudos sobre a área muito menos que não haja edifícios de valor histórico, pelo contrário, mostra o descaso da prefeitura ao não entender aquele espaço como patrimônio. Choay (2001, p. 236), lembrando Giovannoni, adverte que “os centros e os bairros antigos só poderão ser conservados e integrados à vida contemporânea se sua nova destinação for compatível com sua morfologia e com as suas dimensões.” Mas quais são os usos compatíveis com edifícios de escala industrial? Podemos recorrer a outros projetos e imaginar que seria possível instalar equipamentos esportivos e culturais, tal como o fez Lina Bo Bardi para o projeto do Sesc Pompéia, ou então teatros, equipamentos como o Poupatempo Lapa, etc. Ainda assim, por mais numerosos que fossem estes usos, certamente não atingiriam os 200 hectares da área do perímetro de estudo, e outros milhares se considerarmos todo o eixo industrial da ferrovia. O próprio uso industrial é uma alternativa, mas dadas as transformações econômicas, espaciais e tecnológicas, estamos trabalhando com a hipótese de uma contração desta atividade, que ainda assim depende de investimentos públicos e privados que deem novas condições para as indústrias remanescentes e que incentive a instalação de novas. Desta forma o acréscimo de novos usos é uma alternativa à ocupação de parte significativa da área além de criar uma nova urbanidade que faça com que este lugar deixe de ser sinônimo de abandono, deserto, solidão, etc. Todavia, retomando a advertência de Giovannoni, são usos de uma outra escala, muito menor que a industrial, e depende de um sistema viário mais complexo e adaptado, principalmente para o pedestre; portanto
se fará necessária uma série de modificações A primeira que se pode imaginar é o encurtamento de distâncias e a possibilidade de mudanças de direção mais constantes assim como a conexão de pontos isolados entre si. Para isso se preservará o viário existente conjugando-o a um outro complementar que procura novas conexões internas e externas assim como preferencialmente serão instalados em áreas que reduzam ao mínimo
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a necessidade de subtrair edifícios existentes, como por exemplo na Viela Sabesp ou cortando o estacionamento do shopping Plaza Mooca. Evidentemente a quantidade e distância entre novos caminhos deve ser tal que não conflite com a longa extensão dos galpões, o que levaria a demolições desmedias. Para Choay a modernização da malha urbana antiga “atua preenchendo os vazios existentes ou criados para isso. Os lingüistas nos ensinaram o valor semiótico do contraste. O sentido constrói-se na contigüidade, com base na diferença, mas desde que a justaposição dos signos se converta em articulação. Os elementos arquitetônicos modernos (ou pós-modernos), que se supõe valorizarem a cidade antiga, fazem-no efetivamente, desde que respeitem essa articulação e suas regras morfológicas e que não sejam implantados como em geral acontece, na malha urbana histórica de forma autônoma, como objetos independentes e auto-suficientes.” (CHOAY, 2001, p. 225).
Todavia, os vazios existentes não são suficientes para proporcionar uma densidade que garanta o intenso uso dos espaços públicos, nem para um ponto com tamanha articulação viária e metroviária, além da proximidade com o centro. Também estão localizados em partes periféricas e não são capazes de criar articulações e continuidades; seriam, por exemplo, pontos residenciais isolados. Entendemos que deve haver uma continuidade deste uso e que de tal forma permeie os espaços entre os galpões. Assim, a postura adotada para com o patrimônio, em termos de projeto, é a de elencar e manter os mais significativos, seja pela sua escala, por que é exemplar de um conjunto, pelo destaque na paisagem, pela técnica utilizada e pelas relações espaciais que o definem, assim como para permitir a manutenção da leitura das diversas camadas históricas do bairro. Os edifícios preservados que contam com uma área de estacionamento contígua deverão tê-las mantidas. Já os novos edifícios manterão os planos laterais, principalmente nas avenidas Henry Ford e Presidente Wilson onde os galpões conformam um eixo de perspectiva pela sua continuidade e ausência de vazios. As travessas que serão criadas devem ser feitas por passagens no térreo dos edifícios. O gabarito máximo será especificado caso a caso de forma que não tenha uma escala que oprima e comprometa a legibilidade dos edifícios históricos.
Edificios preservados: Partindo das premissas sobre patrimônio e construção da cidade, vamos relacionar a seguir os edifícios que consideramos que devem ser preservados. Não foram localizados, dentro do perímetro de estudo edifícios tombados ou em processo de tombamento no CONPRESP, IPHAN e CONDEPHAAT, nem sequer mencionados no plano diretor como ZEPEC – Zonas Especiais de
83
Preservação Cultural, por tanto os imóveis são de levantamento próprio A única exceção a isso é um edifício junto ao viaduto São Carlos, que incorporamos à nossa proposta. Seria necessária uma revisão deste tópico a fim de aprofundar a análise de tombamento destes edifícios e inclusive de outros que não estão considerados aqui. Há uma série de edifícios que devem ser preservados como testemunhos da 1ª fase de ocupação, junto à linha tronco da ferrovia, pelo uso da iluminação zenital, pela estrutura, modulação dos galpões, ausência de espaços para estacionamento, ocupação de todo o lote, gabaritos, etc, que remontam à industrialização ligada à ferrovia e a necessidade de armazéns junto à cidade. Estes edifícios se distribuem pela avenida Henry Ford e Presidente Wilson Outro conjunto de edifícios localiza-se à rua Cardiriri e Avenida Dianópolis. São edifícios que se apresentam mais adequados ao transporte rodoviário, por isso contam com pátios de estacionamentos para caminhões e grandes portões. Apresentam elementos pré-fabricados na estrutura e/ou nas fachadas, janelas, altura de 8 a 12 metros, sem recuos. O terceiro grupo de edifícios é mais recente, alguns, inclusive, construídos na última década, completamente voltados ao transporte rodoviário, com estacionamentos para caminhões e automóveis. Também apresentam uma série de elementos pré-fabricados, altura também entre 8 a 12 metros, se diferenciam dos demais pela existência de recuos e têm, em geral, áreas de administração junto à fabrica. Localizam-se à avenida Dianópolis, Henry Ford e rua Cardiriri Além destes edifícios, foram mantidas residências dos funcionários da extinta R.F.F.S.A. localizadas junto ao viaduto São Carlos (que terão seu uso preservado) e à frente da estação Ipiranga (que passará a servir ao porto). Estes edifícios preservados poderão ter o uso industrial mantido, seja com indústrias novas ou as já existentes (neste caso devem se adequar ambientalmente para o controle de ruídos a níveis compatíveis com habitações, além dos controles já estabelecidos). Ambas devem fazer uso, preferencialmente, do transporte ferroviário, uma vez que já hoje o trânsito de caminhões oferece uma série de problemas, desde a poluição até problemas de trânsito durante as manobras, além de utilizar as ruas como estacionamento. Outros edifícios poderão abrigar comércio e serviços (como galerias, conectando ruas paralelas) ou então equipamentos públicos, tais como de ensino, creches, sede do Poupatempo, ginásio de esportes, centro cultural, atelier de artes, ou prestar apoio ao Porto. Alguns outros edifícios não foram listados como patrimônio histórico a serem preservados mas foram mantidos porque podem manter sua atividade atual ou tem capacidade de adaptação a um novo uso. Estes edifícios estão entre os viadutos Pacheco E. Chaves e Grande São Paulo, exceto os da Avenida Presidente Wilson.
84
EDIFÍCIOS MANTIDOS Perímetro de análise Patrimônio Histórico Edifícios mantidos independente do valor histórico Imagem: Google Earth
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Créditos: Alex Sartori
Fonte: Google Street View
Créditos: Alex Sartori
Fonte: Google Street Vieew
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
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Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alex Sartori
Créditos: Alexandre Giesbrecht Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Estacao_Ipiranga_(CPTM).jpg
Fonte: Google Street View
Créditos: Alex Sartori
Fonte: Google Street View
3
RELEVO E HIDROGRAFIA RIO
CURVAS DE NÍVEL - mestras e intermediárias 735 730
Escala - 1:7500 0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
VÁZIOS E ÁREAS NÃO EDIFICADAS vazios
terrenos subutilizados ou sem uso
áreas não edificadas estacionamentos, pátios de manobra
0
150
Imagem aérea: Google Earth
300 m
VIÁRIO EXISTENTE Escala - 1:7500 0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES CONEXÕES EXISTENTES metrópole bairro espaços livres existentes PROPOSTAS
viário (diretrizes) orla fluvial
praças
0
150
Imagem aérea: Google Earth
300 m
VIÁRIO PROPOSTO Praças e orla fluvial Viário
Escala - 1:7500 0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
B
2
C
D
3
A
4 5
D
1
PLANTA DOS PAVIMENTOS TÉRREOS
6 B
Edifícios propostos Largos e pátios internos Praças e orla fluvial
A
Rio Setores
0
Escala - 1:7500
C
7
0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
B
2
C
D
3
A
4 5
D
1
PLANTA DE COBERTURA
6 B
Edifícios propostos Largos e pátios internos Praças e orla fluvial
A
Rio Setores
0
Escala - 1:7500
C
7
0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
B
2
C
D
3
A
4 5
1
EQUIPAMENTOS PÚBLICOS E CIRCULAÇÃO Postos de serviços Educação infantil Ensino fundamental
D
Ensino fundamental e médio Estação de Metrô Mirante Poupatempo Trans-porto UBS
6 B
Equipamento de esportes Apenas pedestres e ciclistas Apenas caminhões Apenas trem
A
Ruas compartilhadas com trens
0
Setores
Escala - 1:7500
C
7
0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
B
2
C
D
3
A
4
GABARITO DOS EDIFÍCIOS
5
1
Edifícios propostos e entorno imediato (em pavimentos) 30 20 a 25 15 a 20
D
10 9 8 7 6
6 B
5 4
A
2
3
Setores
Escala - 1:7500
C
7
0
75
Imagem aérea: Google Earth
300 m
Ampliação 2 Rua projetada Escala - 1:300
99
99
2,5
2,5
3
2,5
4,5
15
Ampliação 3
Avenida Presidente Wilson Escala - 1:300
1,5
3,5
3
3
4
15
4
3
3
3,5
1,5
3
15
Ampliação 1
3
Avenida do Estado - Rio Tamanduateí - Orla fluvial Escala - 1:300 3
1
3,5 18
Escala - 1:1000
0
10
30 m
3
6
3
1,5
3
3
4,5
15
2,5
CORTE A e ampliações
1,5
2,5
2,5
3
Ampliação 4
Rua projetada - canteiro central Escala - 1:300
3
1
3,5
2,5
2,5
3
3
3
4,5
20
Ampliação 5
Avenida Henry Ford Escala - 1:300
3
1
3,5 20
Ampliação 6 Rua projetada Escala - 1:300
2,5
2,5
3
3
Ampliação 2
Avenida Presidente Wilson Escala - 1:300
100
100
2,5
3
8,5
1
3
18
1,5
3,5
3
3
4
15
4
3
3
3,5
1,5
3
15
Ampliação 3
Rua projetada com circulação de trens Escala - 1:300
Ampliação 1
Avenida do Estado - Rio Tamanduateí - Orla fluvial Escala - 1:300
2,5
Rua Cardiriri Escala - 1:300
CORTE B e ampliações Escala - 1:1000
0
10
30 m
3
4
5 15
3
3
1
3,5
2,5
2,5
3
3
4
3,5
2,5
2,5
3
3
2,5
3
18,5
18
Ampliação 4
3
3
Ampliação 5
Rua Rua projetada, com circulação de trens Escala - 1:300
8,5
1
3
1,5
3
18
Ampliação 6
Avenida Dianópolis Escala - 1:300
6 15
Ampliação 7
Rua projetada, com canteiro central Escala - 1:300
3
1,5
101
101
3
4
5
3
3
3
4,5
Ampliação 1
Ampliação 2
Rua projetada - acesso de trens Escala - 1:300
0
10
1
3,5
Rua João Padilha (prolongamento) Escala - 1:300
CORTE C e ampliações Escala - 1:1000
3
20
15
50 m
2,5
2,5
3
3
3
2
3
1
3,5
2,5
2,5
2
3
16,50
3,5
7
2
3,5
2,5 34,20
Ampliação 3
Rua projetada Escala - 1:300
Ampliação 4
Avenida Presidente Wilson - trecho portuário Escala - 1:300
2,5
2
7
4,20
4,8
3,5
2,5
2,5
2
14,50
Ampliação 5
Avenida do Estado - trecho de beira-lago Escala - 1:300
2 2,5
2,5
2,5
3
4,5
3
4,5
Ampliação 1
Ampliação 2
Rua projetada Escala - 1:300
0
1
3,5
Avenida Henry Ford (prolongamento) Escala - 1:300
CORTE D e ampliações Escala - 1:1000
3
10
2,5
2,5
3
3
2,5
2,5
2,5
50 m
3
2,5
2,5
1
3
11,25
25,75
4,5
15
20
15
3,5
Ampliação 3 Rua projetada Escala - 1:300
Ampliação 4
Avenida Dr. Francisco Mesquita - Rio Tamanduateí (trecho de praça) Escala - 1:300
4,5
2,5
2,5 15
3,5
2
MEMORIAL DESCRITIVO. 103
Este projeto está pautado em um programa definido a partir da compreensão dos processos atuais de transformação do bairro e da macrometrópole e de seu ajustamento futuro a uma nova condição da organização das atividades principais, desde o habitar até o produzir mercadorias. Para melhor compreensão divide-se o programa em estrutura viária, uso e ocupação e equipamentos. A estrutura viária contempla a instalação da hidrovia e do porto, a segregação do transporte de cargas e passageiros na ferrovia, a transformação da linha de trem da CPTM em metrô de superfície com duas novas estações, a ampliação da rede de metrô, e a articulação do viário interna e externamente. O hidroanel, como já descrito, será a introdução de uma nova estrutura de transporte de cargas e possivelmente hidroanel
de passageiros. A proposta já apresentada contempla o anel principal, ou grande anel, e faz menção a um segundo anel, o pequeno anel, mais curto, através dos rios Tamanduateí, dos Meninos e Couro. Para isso é preciso que se crie uma série de estruturas, como diques, eclusas e também a reformulação de pontes e a construção de portos. Na nossa proposta incluímos o porto na foz do rio Moinho Velho, a 800 metros a jusante da foz do rio da Mooca, desta forma o porto passa a ter também a função de controle das cheias do rio, anulando as inundações a que está sujeita a Barroca assim como os bairros a jusante. O ponto escolhido para sua implantação além da questão hidráulica também relaciona-se com a aproximação da ferrovia e da avenida Presidente Wilson, possibilitando a intermodalidade; há uma lacuna de 400 metros entre os galpões da avenida que permite recriar uma pequena alça ferroviária aproximando o trem do rio e da avenida e assim realizar a intermodalidade; os galpões serão preservados como patrimônio histórico e servirão ao porto. Este lago artificial que se construirá pode servir a outras atividades, esportivas e lúdicas, como o remo e o tradicional pedalinho, que nada mais é do que uma bicicleta na água. Além da função de transporte e de contenção das cheias, a hidrovia tem importante papel na construção da pai-
orla fluvial
sagem da cidade e na reaproximação entre rio e pessoas. Para isso propusemos que se eleve o nível da água em 6 metros, ficando assim a apenas dois metros abaixo da Avenida do Estado para que as águas do rio se tornem visíveis do nível da rua, o que seria possível com a construção de diques e eclusas. Junto ao leito do rio será construída a orla fluvial, que é o eixo estruturador da cidade capaz de criar referências espaciais mais do que servir à própria circulação. É composto por dois calçadões um em cada margem do rio, de um lado reservado para bicicletas, patins e afins e do outro para pedestres. Nas margens do rio, junto a cabeceira de pontes e passarelas e praças serão instalados postos de serviços que contemplam quiosques de alimentos e bebidas, vestiários públicos, bicicletários, assentos e bebedouros.
Para que isso seja possível é preciso criar uma série de passarelas que integrem as duas margens e sirvam tanto ao trânsito de pedestres quanto ao de ciclistas. Também é necessário reformular as pontes: a maioria realiza a travessia em nível, o que seria impossível já que estamos falando em elevar o nível da água e permitir a navegação.Uma solução seria construir pontes elevadas cujos trechos em rampa demandariam dezenas de metros nas duas cabeceiras, espaço que não existe além
104
de que se configurariam como barreiras para a orla. Por isso optamos por utilizar pontes elevadiças, que permitam a integração das margens sem desníveis e barreiras e com menor espaço ocupado. Estas pontes demoram para elevarem-se e fechar novamente o mesmo tempo que um semáforo passa do verde a o vermelho e ao verde novamente. (DELIJAICOV, 1998). As exceções são o atual viaduto Pacheco Chaves, que deve ser transformado em ponte e que atravessa a ferrovia, o porto e a orla, e também a ponte da ferrovia que será elevada para que se elimine o viaduto grande São Paulo e permita a integração da Vila Prudente ao Ipiranga para o pedestre e automóvel ao nível do solo. Completam a orla duas praças que resultam da reorganização geométrica do viário. Uma destas praças contorna a face oeste do porto, junto à foz do rio Moinho Velho e tem 1100 metros de comprimento por 10 de largura. Esta praça será composta por degrais em toda sua extensão que vencem os dois metros de desnível entre a rua e a cota da água. É um lugar de encontro, estar e contemplação de onde o pedestre poderá usufruir da presença do lago artificial em primeiro plano; da movimentação de barcos, trens e caminhões na margem oposta em segundo plano; e da vista para o morro do Alto da Mooca com seu paredão de edifícios altos, atrás dos quais o sol nasce. Nesta praça serão instalados dois “edifícios-cais” que avançam 20 metros sobre o lago: uma parte é um cais de acesso a atividades aquáticas e a outra é um edifício de dois pavimentos no nível da rua que abrigará o almoxarifado e outros ambientes de apoio às atividades aquáticas assim como cafés e restaurantes. A outra praça será junto à foz do rio da Mooca, em ambas as margens. Para isso além de eliminar-se o viaduto Grande São Paulo, é preciso redesenhar a avenida, que passará a ter duas faixas para automóveis e uma para ônibus ou VLT. Esta nova geometria permite que se exponha o trecho final do rio da Mooca ao redor do qual a praça pode estender-se. Desta praça, da margem direita do rio Tamanduateí, têm-se a vista para o Ipiranga, que eleva-se 60 metros a partir da Avenida do Estado, atrás de onde o sol se põe. Voltando às estruturas de transporte em si, a ferrovia possui uma larga faixa em praticamente toda sua extensão que permite separar as vias de transporte de carga e de passageiro, e assim garantir maior velocidade de ambos trens, a melhoria do serviço de transporte de cargas e seu uso para abastecer a cidade assim como para escoar sua produção e também que se transfira a operação do transporte de passageiros da linha 10-Turquesa para o Metrô, o que representa aumento da velocidade e redução dos intervalos entre trens e das distâncias entre estações. Assim sugerimos que se instalem duas novas estações, uma junto ao viaduto São Carlos, e que passaria a ser uma ponte-estação do qual herdaria o nome, e outra junto à “Viela Sabesp” que será uma passarela-estação (que sugerimos o nome de Barroca) e atravessará a ferrovia, passará através de um edifício de equipamentos públicos e termina na margem esquerda do rio Tamanduateí, dentro do Clube Ypiranga, que tornado público, permitirá o pedestre caminhar até o Ipiranga a partir das ruas Tabor e Manifesto. Ainda sobre o Metrô propomos a alteração do traçado da linha 7 – Laranja, que ao invés de se conectar à linha 10
Metrô
no viaduto São Carlos, o faria na estação Mooca. Seguido disso a linha 5-Lilás deveria ser estendida para cruzar a linha 10 na estação Barroca, criar uma nova estação na intersecção da Viela Sabesp e da rua Barão de Monte Santo, e prosseguir até cruzar a linha 7, que sugerimos o nome de Juventus, pela proximidade ao clube homônimo. As estações de metrô sugeridas estão acompanhadas de espaços externos à estação, seja um edifício ou uma praça, que tenha área suficiente para abrigar as pessoas que entram e saem da estação a todo instante. O Metrô agrega condição de referencial, é muito comum que as pessoas marquem de se encontrar em estações quando se deslocam de transporte público, portanto esses espaços junto ao metrô são como praças de acolhimento / despedida, são também uma última parada antes de voltar para casa depois do trabalho, por exemplo, em um bar: a musica religiosamente tocada a partir das 18 horas pode marcar o ritmo da praça, ser para a cidade o que eram as sirenes das fábricas, o anúncio do fim do expediente. Por fim, o sistema viário será completado por uma série de ruas novas que devem melhorar a circulação interna ao bairro. Isto será feito com ruas transversais às existentes, que procuramos dispor em vazios, áreas livres não mantidas das indústrias ou em grandes estacionamentos, reduzindo a interferência sobre os edifícios construídos e respeitando todos os edifícios preservados como patrimônio histórico. Estas vias transversais, definidas nas diretrizes, resultam em uma série de paralelas com entre 200 e 300 metros de distância entre si, que foram completadas com algumas outras ruas de trânsito local e com a permeabilidade através das quadras por outras ruas locais, e pela circulação através dos galpões, como galerias. As vias do desvio ferroviário possuem um grande potencial porque se intercalam paralelamente às avenidas já existentes a uma distância média de 100 metros e dão acesso aos galpões, por isso serão reaproveitadas e adequadas para o trânsito de pedestres, automóveis,
PROPOSTA DO METRÔ estações a construir
PROPOSTA DE ALTERAÇÃO
ônibus/VLT e também de trens de carga. A diferenciação entre leito
Estações a construir
carroçável e passeio será apenas de cor e textura do pavimento, de tal
idem proposta do Metrô Estação São Carlos Estação Barroca Estação Juventus
forma que os trilhos existentes componham o desenho da rua e mante0
250
500m
nham-se utilizáveis, assim os galpões podem ser servidos por bondes de carga a partir do porto, circulando neste pequeno trecho a baixas velocidades, compatíveis com os demais usos. Para isso se faz necessário remover os pequenos anexos que as indústrias criaram, garantindo assim uma faixa livre de 14,5 metros no mínimo. O viário principal, que se destaca pela importância na conexão entre diversas áreas, e é composto pelas Avenidas
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VIÁRIO
Henry Ford, Dianópolis e as ruas Barão de Monte Santo e Cardiriri, terão duas faixas para automóveis e uma para ônibus ou VLT, uma das calçadas terá 3 metros de largura onde estarão assentos, bebedouros, a oposta terá 6,5 metros, onde estará também a ciclovia, bancas de jornal, assentos, bebedouros, as paradas de transporte público conjugadas com bicicletários e a arborização frutífera de grande porte. As ruas que projetamos têm 15 metros de largura e se dividem em duas calçadas, uma com 2,5 metros de largura e a outra com 4,5m; o leito carroçável terá 8 metros e será dividido em duas faixas para automóveis e ciclofaixa – acreditamos que nas vias de maior movimento os ciclistas devam ter via segregada do leito carroçável, ciclovia, dado o maior fluxo de automóveis e que nas demais não precise haver a segregação, apesar da demarcação no piso, o que estamos chamando de ciclofaixa. Junto a algumas praças partem ruas locais de baixíssimo trânsito de veículos; estas ruas tem também 15 metros de largura, divididos em duas calçadas mínimas, com 1,5m junto aos edifícios, seguidas de dois leitos carroçáveis de 3 metros, um de cada lado, e ao centro um canteiro com 6 metros de largura onde estarão o mobiliário urbano, arborização de grande porte e mesas dos restaurantes e bares. Nos térreos dos edifícios novos haverá um recuo de 3 metros e altura de um pé direito que ampliam o espaço da calçada e criam uma cobertura para proteger os pedestres do sol e da chuva, assim como tratar da transição do espaço exterior para o interior e vice-versa. Também é este alargamento das calçadas que os bares e restaurantes poderão utilizar para colocar suas mesas. Sobre o novo conjunto de ruas destacamos importantes conexões entre áreas livres existentes para estruturar o
SISTEMA DE ESPAÇOS LIVRES
sistema de espaços livres. Nas intersecções destas ruas estarão as praças que abrigarão a maioria dos equipamentos públicos, como escolas, áreas esportivas e centros culturais, estações de metrô, além de serviços e comércio. Cabe ressaltar que este sistema não se resume à área de projeto, mas se estende por todo o entorno, por exemplo: a Rua dos Patriotas/Capitão Pacheco Chaves conectam o Parque da Independência e o Museu Paulista a três novas praças e à orla fluvial; as Ruas Canuto Saraiva/Cardiriri conectam o Largo de São Rafael a outros dois largos e uma praça projetados. Sobre esta estrutura optamos pela ocupação variada das quadras que será feita com lâminas, lâminas sobre embasamento, vilas de residências sobrepostas, blocos abertos, semiabertos , fechados e torres, cada um utilizado de acordo com as características de cada espaço, vejamos. As laminas serão construídas em situações de exiguidade espacial e próximas a barreiras, como ferrovia ou nos fundos de edifícios existentes; serão postas sobre embasamentos quando a distância entre duas ruas paralelas for pequena – menor que 50 metros e uma delas seja estreita para construções altas (ruas com 15 metros de largura e edifício de 10
oCUPAÇÃO DA QUADRA
pavimentos); assim a lâmina ocupará o limite do lote voltado para a rua mais larga evitando criar um espaço cuja dimensão vertical seja maior em demasia. As vilas de residências sobrepostas serão utilizadas em um caso específico, junto às residências dos funcionários da R.F.F.S.A. devido ao gabarito baixo ( 2 e 5 pavimentos). Os blocos, que compõe a maioria dos edifícios a construir, se põe como alternativa à construção horizontal de alta densidade. Serão abertos quando conformarem praças, semiabertos quando penetrados pelo viário, e fechados para separar
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visualmente espaços interno e externo e assim conformar pátios internos públicos, acessíveis a partir de pórtico, sob edifícios apoiados em pilotis – neste caso, a transparência total de uma das faces do bloco a rés do chão está voltada para uma praça para que se crie uma continuidade entre os dois espaços. As dimensões mínimas internas dos blocos são de 30 metros para que se garanta iluminação, ventilação e privacidade. Por fim as torres serão edifícios de 30 pavimentos, em praças na foz dos rios da Mooca, Moinho Velho e Ipiranga a fim de marcá-las na paisagem. Com esta altura – 90 metros – serão 35 metros mais altas que a cota mais alta do Ipiranga (785,00m) e 30 acima da cota máxima do Alto da Mooca (780,00m). Em se tratando de gabaritos, os blocos terão altura máxima de 10 pavimentos em ruas largas, ou pontualmente, GABARITOS
como em algumas esquinas. Uma das limitações é o gabarito dos galpões existentes: junto a eles admitimos o máximo de 4 pavimentos (12 metros, enquanto os galpões, na maioria dos casos, têm em torno de 8 metros de altura), para que não se coloquem lado a lado edifícios de altura muito diferentes. À frente da praça Dr. Eulógio Emílio Martinez (que está a 13 metros acima da Rua Barão de Monte Santo, 20 acima da Avenida Dianópolis a partir de onde a cota mantém-se constante até o rio) traçamos uma faixa que limita a cota mais alta dos edifícios, a 750m, a mesma da praça, assim os edifícios voltados para a Rua Barão de Monte Santo terão gabarito de 4 pavimentos, e os demais de 6 pavimentos. Assim a praça se manterá como um mirante olhando em direção ao Sacomã, de onde se poderá ver o sol se por detrás do Ipiranga. Outro recurso utilizado é a construção de blocos com alturas variadas. Com isso pretendemos que as limitações de gabaritos não se apliquem a todo o bloco, mas apenas à face que se aplica, por exemplo os blocos com uma face voltada para os galpões da avenida Presidente Wilson, que terá 5 pavimentos, e a oposta voltada para a orla fluvial com 8 pavimentos. Este recurso também é utilizado para criar diversos planos edificados, em blocos pequenos (com lateral menor que 100 metros) para que não se produza sensação de enclausuramento e também em algumas esquinas para demarcá-las. Definido este conjunto de edifícios, a construir e existentes, sistema viário e de espaços livres, passamos a dispor os
eQUIPAMENTOS
equipamentos públicos. Como a diferença de gabaritos e a quantidade de edifícios a construir é visivelmente diferente entre as diversas partes do projeto, desenhamos 7 setores, como exposto nas plantas do projeto. Isso nos permitiu dimensionar a população a habitar cada uma delas para quantificar os equipamentos de acordo com as reais demandas de cada uma das partes. Utilizamos as projeções populacionais realizadas pelo SEADE para 2020, as médias de 3,0 habitantes por residência e de 70m² a unidade. Com isso chegamos a capacidade de 87 mil habitantes, distribuídos em 247 hectares de intervenção, o que nos dá uma densidade bruta de 353 habitantes/hectare. A partir disso quantificamos os seguintes equipamentos: escola infantil (para crianças de até 5 anos, capacidade
de 300 crianças, e raio de abrangência de 300 metros); escola de ensino fundamental (para crianças com entre 6 e 14 anos, com 12 salas de aula para 35 estudantes que totaliza a capacidade de 420 estudantes por turno, e raio de 1500m de
EQUIPAMENTOS Quantificação
abrangência); escola de ensino médio (para adolescentes com entre 15 e 17 anos, 12 salas de 35 estudantes que totaliza 420 estudantes por turno, e raio de abrangência de 3Km); unidade básica de saúde (1 para cada 30.000 habitantes). Os resulta-
108
dos encontram-se na tabela ao lado. Como muitas vezes o resultado não foi exato, somamos as demandas de dois setores próximos, por exemplo: nenhuma das áreas tem população igual ou superior a 30.000 habitantes individualmente, demanda para uma UBS, mas se somadas aos pares têm. Incluímos também a construção de uma unidade do Poupatempo que ocupará um galpão próximo à estação Barroca, que já mencionamos. Também sugerimos que em um dos prédios remanescentes da Ford sejam instaladas uma escola de ensino fundamental e outra de ensino médio; algumas das escolas infantis também foram locadas em galpões de armazéns – cabe lembrar que isso depende de uma avaliação das características internas destes edifícios para saber se são compatíveis com os usos sugeridos. A disposição dos equipamentos procurou seguir, sempre que possível as praças, salvo exceções como no caso das escolas de ensino infantil já que seu raio de abrangência é muito pequeno e não corresponde à distância entre praças. Por isso recorremos a uma segunda ordem, de dispô-los junto aos largos ou no interior das quadras e onde o acesso é facilitado. Os demais usos, comércio em geral, serviços, ocuparão o térreo dos edifícios, 10 pavimentos das torres e os galpões mantidos – que também serão utilizados para o uso industrial.
SETOR
ha ha
1
10.188
19,7
517,1
2,2
1,8
0,6
0,37
2
16.512
42,1
392,2
3,6
3
1
0,60
3
18.486
50,4
366,8
4
3,3
1,1
0,67
4
12.294
31,3
392,8
2,8
2,3
0,8
0,46
5
12.378
16,0
773,6
2,5
2
0,7
0,42
6
9.903
35,0
282,9
2
1,6
0,6
0,33
7
7.671
53,1
144,4
1,5
1,3
0,4
0,26
TOTAL
87.432
247,6
353,1
13
6
4
3
População
ha
ha
Área (ha) Densidade bruta (hab/ha) Educação infantil Ensino fundamental Ensino médio UBS
SÍNTESE 109
Os bairros da Mooca, Brás e Ipiranga estão passando por processos muito próximos de transformação. Depois de terem sido bairros de pujante atividade industrial, atualmente veem a drástica redução do número de fábricas, que migram para outras partes da cidade, do estado ou do País. Esta transferência pode ser chamada de desindustrialização quando vista numa escala reduzida, do bairro, mas não quando tratada em uma escala maior, da cidade, porque não há evidências da drástica redução das indústrias em São Paulo, pelo contrário, ainda é aqui que a produção se concentra, embora esteja crescendo no interior do estado. Podemos falar então em uma desconcentração industrial, ou seja, em uma reorganização espacial do setor secundário que tem crescido fora da metrópole paulistana, ainda assim em sua órbita. A saída das indústrias dos bairros citados acima tem sido aproveitada pelo mercado imobiliário como uma oportunidade de construção de grandes edifícios residenciais, que seguem o padrão de condomínios verticais fechados, reproduzindo um modelo de cidade marcada pelo enclausuramento e segregação, além de apagar partes importantes da memória da cidade com a demolição de antigos galpões fabris com indiscutível valor histórico. Esta atuação ainda é marcada pela continuidade de uma postura bastante perversa de construção da cidade, que se caracteriza pela falta de visão de conjunto e iniciativa individual, pela desconsideração com a morfologia urbana e com a organização das atividades na cidade. Por isso a cidade continua crescendo com redução da população na área central e concentração na periferia enquanto deveria estar acontecendo o inverso: a ocupação das áreas com melhor infraestrutura instalada. Ao mesmo tempo as atividades que geram empregos concentram-se no centro, sobretudo no chamado quadrante sudoeste, onde estão as avenidas Paulista, Faria Lima e Berrini. Disso decorre uma cidade que historicamente tem expansão centrífuga (LANGENBUCH, 1971) dilatando cada vez mais seu perímetro, aumentando as distâncias e tempos de deslocamento, principalmente entre residência e trabalho, que cada vez mais ocupam áreas diferentes. Disso decorre um imenso problema de deslocamentos, com superlotação do transporte público e congestionamentos nas ruas e avenidas principais todos os dias, o que representa um imenso desperdício energético e de recursos, tanto econômicos quanto humanos. Isso nos faz acreditar que o mesmo processo possa acontecer em outras áreas da cidade onde as indústrias ainda não estão sendo substituídas por edifícios residenciais nos padrões comentados. Uma delas é a Barroca, onde a atividade industrial predomina, mas que tem as características preferidas pelo mercado imobiliário: terrenos amplos e baratos. Há vários indícios de que a área já sofre pressões para ser transformada, como a construção de um shopping no lugar da antiga fábrica da Ford Caminhões, a Operação Urbana Mooca-Vila Carioca e projetos dos escritórios UNA e Foster+partners. Todavia é preciso considerar este processo dentro
de uma reorganização espacial da indústria em escala de macrometrópole. Isto abre uma lacuna, uma incerteza com relação ao futuro do bairro. Essa pressão e as mudanças em curso, acrescidas dos planos existentes de transporte que terão grande impacto sobre a Barroca, tanto para cargas quanto para passageiros, criam uma excelente oportunidade de inserir o bairro em um novo contexto, isto é, a organização das diversas atividades no território. A construção do rodoanel, os projetos do ferroanel e hidroanel e a segregação do transporte de cargas e passageiros na ferrovia, que integrados chamamos de “circulação de serviços”, darão novas condições para a indústria da capital, que pode ser vantajosa para alguns setores específicos, principalmente aqueles que dependem da proximidade do mercado consumidor e de mão de obra qualificada. A expansão da rede de metrô sobre o sudeste da cidade também a articulará melhor para o pedestre. Imaginamos, então, o cenário que parte das indústrias será preservada, tanto como edificações como atividade, e que se acrescentarão novas atividades cujo eixo é o habitar, e abranje, portanto, comércio, serviços e equipamentos públicos. Por isso definimos como objetivo para o projeto a criação de condições para uma transformação da área condizente com suas estruturas, projetos futuros, mudanças da macrometrópole e também com um modelo de cidade desejável. Para isso foram colocadas como diretrizes: a implementação de estruturas de mobilidade e de estrutura de espaços livres; novas atividades, e preservação do patrimônio histórico. As estruturas de mobilidade se materializam com a consideração da segregação do transporte de cargas e de passageiros na ferrovia, da instalação da hidrovia no rio Tamanduateí e a construção do largo artificial para a atividades de lazer, esportiva e portuária com intermodalidade de transporte de cargas. Paralelo a isso consideramos a transferência do transporte de passageiros na ferrovia para metrô de superfície e a construção de duas novas linhas, e sugerimos a extensão da linha 5-lilás e a construção de três novas estações. Já as estruturas instaladas, ferrovia e galpões, constituem um
importante testemunho histórico que deve ser preservado. Elencamos quais os edifícios devem ser avaliados e preservados e trabalhamos para imaginar de que forma eles seriam aproveitados. Concluímos que eles podem manter a atividade que já desempenham ou ser reaproveitados para novas atividades, como locais de trabalho, comércio, serviço ou equipamentos públicos. A partir disso traçamos uma nova ocupação que dá suporte a novas atividades, centradas no habitar. Isso se revela pelo sistema de espaços livres que pensamos através da articulação do viário existente com o projetado a fim de estabelecer conexões
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importantes entre áreas livres públicas, Isto foi desenhado de forma a permitir a fluidez pelo espaço; a terra pertence aos homens e por isso foi tornada coletiva na sua maior extensão possível. Não há entraves, muito menos enclaves; ao invés disso espaços coletivos: praças largos, pátios e orla, onde os homens possam se reunir, se encontrar, transmitir e trocar conhecimentos e experiências e adquirir noções básicas de cidadania e a democracia seja construída de fato; lugares que se esvaziam de edificações mas se enchem de sentidos, musica, arte e sensações. Apesar disso, sabemos que a construção de uma cidade tal como desejamos não se restringe ao desenho porque diz respeito também à organização social, à justiça social, mas não se pode negar o papel decisivo que o projeto tem. Neste aspecto São Paulo parece ser a cidade do impossível, que estamos fadados à construção de mais e mais avenidas enquanto o homem fica em segundo plano, como por exemplo quando falamos de liberar as várzeas dos rios para a construção de orlas fluviais. Só o projeto é capaz de articular todas as questões envolvidas para criar as condições necessárias para que o “impossível” se torne realidade; só o projeto é capaz de encher de imagens e desejos o imaginário coletivo, para que enquanto concidadãos compartilhemos imagens de uma cidade diferente e passemos a acreditar nela.
“Como qualquer poeta eu tenho o direito de dizer com as imagens que eu bem entender, as coisas secretas que você coleciona para enfeitar o teu espírito” (Vilanova Artigas) in: VILANOVA ARTIGAS: Espaço e Programa para a FAU. Produção: Eduardo Jesus Rodrigues e Fernando Frank Cabral. 1978
As características que procuramos dar aos lugares que projetamos estavam o tempo todo encharcas de imaginações: da mulher que corre à beira do rio Tamanduateí, ao grupo de jovens que se reúne em uma das praças no meio da orla para beber vinho e tocar violão num final de tarde fresca enquanto o sol se põe; da mãe que carrega o filho à escola, ao artista que posta seu cavalete e tela à foz do rio Moinho Velho; do homem com o passo apressado ao flanêur que não sabe para onde vai; do grupo que sai do trabalho para almoçar aos encontros descompromissados nas mesas de bares e café postas nas calçadas; das crianças da escola infantil que brincam nos pátios internos aos jogos de futebol; do artista de rua, que munido de uma guitarra e um amplificador, reúne ao seu redor dezenas de admiradores todos os dias, aos shows para centenas de pessoas nas praças; dos eventos pequenos às manifestações grandiosas. Enfim, toda uma infinidade de imaginações que jamais poderiam ser resumidas aqui. Estando o projeto assim desenvolvido acreditamos que ele atenda a todas as críticas elaboradas sobre a cidade existente, atinja aos objetivos estabelecidos e reflita todos os nossos desejos sobre uma cidade onde o homem seja o centro e que, como dissemos anteriormente, nos permita elaborar todas as capacidades humanas e usufruir de nossos direitos e liberdade.
Foto: Pont des Arts - Paris Fonte: http://www.flickr.com/photos/jfgornet/4817722476/
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REFERÊNCIAS DE PROJETO 113
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4
2
3
Imagens: 1:. edifício de habitação em Amsterdam - http://aronsengelauff.nl/ 2. edifício de uso misto, escritório OMA, em Breda. (http://aplust.net/imagenes_contenido/s7pKB9D7_10.02.jpg) 3. Karl Marx Hof (http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/a/af/Karl-Marx-Hof1.jpg) 4. edifício de uso misto. Escritório S333. Holanda (http://aplust.net/imagenes_contenido/kgxs2QDX_11.1.jpg) 5 edifício residencial, Lisboa (http://aplust.net/imagenes_contenido/njRO8bU2_06.jpg)
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Estas imagens são dos principais projetos que compuseram nosso repertório de referências. As fotos da página à esquer3
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da tratam principalmente da forma como se ocupa a quadra,. São blocos abertos, fechados, com aberturas nos térreos e gabaritos variáveis. A foto do Conjunto Nacional traz à memória a relação da calçada coberta com o edifício, o uso da lâmina sobre um embasamento e da permeabilidade do pavimento térreo. Da imagem do conjunto habitacional dinamarquês parte a proposta dos “edifícios-cais”, e junto com a imagem de Delft guardamos a importância da relação da cidade com os rios e lagos Ao longo de todo o trabalho as imagens procuraram, quando não descrever o estado da cidade, ilustrar aquilo que dissemos ou agregar aspectos da cidade que desejávamos imprirmir a este projeto.
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Imagens: 1. Conjunto habitacional, Holanda 2. Condomínio residencial Piano Forte, Suiça (http://1.bp.blogspot.com/-xyJ74M3bVAw/T3OjVopMOPI/AAAAAAAAAPk/ TtpmK2UCo_c/s1600/foto+condom%C3%ADnio.JPG) 3. Conjunto Nacional - Avenida Paulista (http://jojoscope.com/wp-content/uploads/David-Libeskind-Conjunto-Nacional-1956-foto-Daniel-Ducci2-e1314800353163.jpg) 4. Rio em Delft, Holanda (créditos: Karina Mendonça)
Posfácio 115 Algo que só me ocorreu com a conclusão deste trabalho: a verdadeira inspiração para fazê-lo. Mais do que falar sobre um fenômeno de transformações ou sobre uma área específica da cidade, a intenção era falar sobre a cidade em si, acredito que isto esteja nas entrelinhas, nas fotos, músicas e tudo aquilo que completa o texto. Mas falar sobre a cidade como fazem as fotos e músicas seria um excesso de poesia, não que isso seja ruim, pelo contrário, mas enquanto arquiteto obrigo-me a misturar poesia com um pouco de objetividade. Isto porque cabe a nós alimentar o imaginário coletivo com todas as suas infinitas possibilidades e desenhá-la. Por tanto há uma linha muito tênue do raciocínio que parte deste desejo poético e vai à escolha de uma área da cidade que requere um estudo específico. Não há prática sem crítica assim como não há crítica sem prática. Seria muito fácil falar como deveria ser a cidade e não representar isso no papel: há uma distância muito grande entre a utopia e execução. Não me basta dizer que as ruas devem ser vivas, cheias de cores, pessoas, fatos, calçadas largas e etc. É preciso desenhar, pois só assim os nossos delírios tocam o chão sobre o qual eles se erguerão. Da mesma forma não há como um projeto ter qualidade sem estar embasado pela crítica; ele seria artificioso se assim não fosse. Um projeto é sempre a conexão entre uma condição passada e uma futura imaginada. O passado permite compreender condições atuais, ou seja, dá embasamento, e o projeto indica o horizonte e o percurso até ele. E é exatamente neste sentido que escolhi o título do trabalho: “Mooca entre passado e presente”. Há ai duas questões a serem postas: a primeira com relação ao nome do bairro e a segunda com relação a tempos, de passado, presente e futuro. O trabalho todo me referi ao local de estudo e projeto como Barroca, mas ao trabalho optei por Mooca, porque há muito poucas referências à Barroca, dificilmente se procuraria por informações deste lugar por este nome, mas para o estudo foi importante diferenciar esta área em particular dentro do bairro da Mooca, ou Parque da Mooca. Quanto à questão sobre passado, presente e futuro, ao dizer que a Mooca, ou mais precisamente a Barroca, está entre passado e futuro logo se poderia imaginar que estamos falando a respeito do presente. Evidentemente o utilizamos, nos referimos a uma condição atual, mas é o passado que nos diz o que está acontecendo, é o que nos explica este estado de transição entre algo que foi e o que virá a ser. Assim, quando me refiro a estar entre passado e futuro, pretendo deixar evidente esta tensão entre dois tempos, essa transitoriedade, essa transformação e o tempo em que isto ocorre, portanto não como um fato estático, presente, senão dinâmico. Este próprio dinamismo busquei expressar no desenho de capa. Sem que se avise trata-se apenas de uma linha que percorre sinuosa o espaço da folha, e então vem a contracapa contar que se trata de um rio, o Tamanduateí, que assim como a linha no papel, percorre o espaço da cidade, lhe dá contornos. Acredito que esta linha que serpenteia a capa resuma o trabalho, primeiro porque define seus limites, segundo porque é o eixo de maior tensão. Mas principalmente porque é uma linha, é um rio, que passa unindo diversos pontos como uma costura: assim como no une os bairros de uma cidade, une pensamentos dispersos, fragmentados, confusos e lhes agrega de forma a dar-lhes coerência e precisão.
Foto: Feppa Rodriogues
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