Ação Improbidade Administrativa Munchen Fest

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EXMO(A) SR(A) DR(A) JUIZ(A) DE DIREITO DA _ VARA DA FAZENDA PÚBLICA DA COMARCA DE PONTA GROSSA/PR

O

MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO PARANÁ ,

por seu

Promotor de Justiça abaixo assinado, no uso de suas atribuições legais junto à PROMOTORIA DE PROTEÇÃO AO PATRIMÔNIO PÚBLICO DA COMARCA DE PONTA GROSSA, situada na Rua Ermelino de Leão, n. 1358, Olarias, Ponta Grossa/PR, onde recebe intimações e demais notificações, vem, com o devido respeito, à presença deste Juízo, com fulcro no art. 127, caput, art. 129, inciso II e III e art. 37, caput, c/c §4º, todos da Constituição Federal; art. 114, caput e art. 120, inciso III, ambos da Constituição Estadual; Lei nº 7.347/85 (Ação Civil Pública); art. 25, inciso IV, letras “a” e “b”, da Lei n° 8.625/93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); arts. 3º, 4º, 5º, 10, 12 e 17 da Lei n° 8.429/92 e com base nos autos de Inquérito Civil Público nº 0113.13.001298-3, propor a presente:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA POR ATO DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA c/c CAUTELAR DE INDISPONIBILIDADE DE BENS, em face de:

ARIELCION DIAS DE LIMA, brasileiro, estado civil desconhecido, empresário, número de RG desconhecido, CPF 143.627.597-0, residente e domiciliado na Rua Violeta, n. 288, Santa Terezinha, Ponta Grossa/PR, CEP 84.060-180; ELDO RAMOS BORTOLINI, brasileiro, casado, presidente da Fundação Municipal de Turismo, RG 2.083.592-3/PR, CPF 373.109.099-68, residente e domiciliado na Avenida Ernesto Vilela, n. 2583, Nova Rússia, CEP 84070-000, podendo ser encontrado na Fundação Municipal de Turismo, localizada na Mansão Vila Hilda, na Rua Júlia Wanderlei, n. 936, Centro, Ponta Grossa/PR, CEP 84.010-170;


IRAN TAQUES SOBRINHO, brasileiro, casado, empresário, RG 8.342.269-6/PR, CPF 030.267.129-30, residente e domiciliado na Avenida General Carlos Cavalcante, n. 1288, apartamento 06, Uvaranas, Ponta Grossa/PR, CEP 84025000; MARCELO RANGEL CRUZ DE OLIVEIRA, brasileiro, casado, Prefeito do Município de Ponta Grossa/PR desde 01/01/2013, RG 3.978.530-7/PR, CPF 725.408.989-49, podendo ser encontrado na Prefeitura Municipal, localizada na Avenida Visconde de Taunay, n. 950, Ronda, Ponta Grossa/PR, CEP 84051000; PROMOFAIR PUBLICIDADE E EVENTOS LTDA ME (nome fantasia ARIEL SOM E LUZES), pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 03.412.490/0001-21, com sede na Rua Violeta, n. 288, Santa Terezinha, Ponta Grossa/PR, CEP 84.060-180, por Arielcion Dias de Lima; VERSUS PRODUÇÕES ARTÍSTICAS LTDA ME, pessoa jurídica de direito privado, CNPJ 07.161.038/0001-95, com sede na Rua Balduíno Taques, n. 202, sala A, Centro, Ponta Grossa/PR, CEP 84.010-050, por Iran Taques Sobrinho;

I. DOS FATOS

A presente Ação Civil Pública é resultado de vasta prova documental colacionada aos autos de inquérito civil público n. 0113.13.001298-3, anexo a esta (digitalizado). O Ministério Público realizou minuciosa investigação naqueles autos, contando com a colaboração do Setor de Auditoria da Instituição. Referido inquérito foi instaurado com a finalidade de “apurar notícias de supostas irregularidades na contratação de empresa para a prestação de serviços na Münchenfest ” (fl. 02 do ICP anexo).


A presente ação trata de diversas irregularidades ocorridas no bojo dos procedimentos que culminaram na realização da 24ª Münchenfest, a Festa Nacional do Chope Escuro, ocorrida entre 29/11/13 e 08/12/13, no Centro de Eventos deste Município de Ponta Grossa. Inicialmente, faz-se necessário a explanação dos textos normativos em que a realização do evento se baseou. A lei municipal n. 11.520/13 1, de 17/10/13, que “autoriza o Poder Executivo a realizar a Münchenfest – Festa Nacional do Chopp Escuro e dá outras providências”, dispôs em seu art. 3º2: Art. 3º O Poder Executivo poderá realizar a Münchenfest através do Serviço de Obras Sociais – SOS, mediante contrato administrativo no qual serão estabelecidas as condições, inclusive a cessão do Centro de Eventos.

Referida norma foi regulamentada pelo Decreto Municipal n. 7.965, de 07/11/13, que dispõe em seus arts. 3º e 4º:

Art. 3º A Münchenfest será realizada pela Fundação Municipal de Turismo, a quem compete a coordenação do evento em todas as suas áreas. Art. 4º Para o cumprimento do disposto no artigo anterior a Fundação Municipal de Turismo celebrará contrato administrativo com o Serviço de Obras Sociais – SOS, no qual serão estabelecidas as condições, inclusive a cessão do Centro de Eventos.

Fundado na legislação citada, o Município de Ponta Grossa firmou com o Serviço de Obras Sociais (SOS) o contrato n. 532/13, de Concessão de Uso e Exploração de Bem Público, assinado em 17/10/133 (fls. 436/439). 1

De autoria do Poder Executivo Municipal e aprovada pela Câmara dos Vereadores (fl. 528). Posteriormente revogado pela lei municipal n. 12.006, de 13/11/14. 3 O contrato foi referendado em 19/11/13, por meio do primeiro aditivo, no qual a Diretora Executiva do SOS assinou como representante da instituição (fl. 440). 2


A instituição privada SOS, por sua vez, firmou Contrato de Prestação de Serviços com a empresa Versus Produções Artísticas Ltda (Versus), também assinado em 17/10/13 (fls. 442/4454). O objeto da negociação foi “a realização da 24ª Münchenfest – Festa Nacional do Chopp Escuro” e restou acordado que 80% do lucro líquido caberia à empresa Versus e 20% ao SOS (cláusula quarta – do pagamento). Previu o contrato, em sua cláusula sétima – da prestação de contas (fl. 445), que no prazo de 30 dias após o término do evento deveria a empresa Versus fornecer a prestação de contas ao SOS, contendo todas as receitas e despesas decorrentes da festividade. Consoante o contido nos documentos de fls. 629/653, as receitas do evento somaram R$ 1.870.227,00 e as despesas R$ 1.780.553,90, resultando em lucro líquido total de R$ 89.673,10, sendo repassado ao SOS o montante de R$ 17.934,62. Depreende-se dos autos que, mesmo tendo a empresa Versus assumido a realização da 24ª Münchenfest, este evento contou com a cessão do Centro de Eventos pelo SOS 5 e com o custeio de R$ 746.125,18 (setecentos e quarenta e seis e cento e vinte e cinco reais e dezoito centavos) pelo Município de Ponta Grossa, o que ocorreu da seguinte forma (fls. 430/431):

Prefeitura Municipal de Ponta Grossa (PMPG) Objeto

Modalidade - número

Valor contratado

Segurança particular

Pregão presencial n. 314/13

R$ 57.780,00

Serviço de limpeza

Pregão presencial n. 349/13

R$ 74.000,00

Refeições e lanches

Extrato de justificativa n. 211/13

R$ 71.030,00

Taxa de vistoria do Corpo de Bombeiros

R$ 15.382,51

Serviço de emergências médicas

Contrato n. 609/13

R$ 20.000,00

Total

R$ 238.192,51

Fundação Municipal de Turismo (Fumtur) Objeto

Modalidade - número

Valor contratado

Locação, montagem e desmontagem de estruturas

Pregão presencial n. 001/13

R$ 157.000,00

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O contrato foi referendado em 19/11/13, por meio do primeiro aditivo, no qual a Diretora Executiva do SOS assinou como representante da instituição (fl. 446). 5 A “cláusula segunda – das obrigações do SOS” do contrato (fl. 442) prevê que “É de obrigação da Contratante: I. ceder o local para a realização do evento”.


Serviços de hotelaria

Pregão presencial n. 002/13

R$ 5.041,00

Revisão, conserto e limpeza de calhas

Pregão presencial n. 003/13

R$ 15.676,67

Apresentações musicais (Bandas Fritz4 e do Barril)

Inexigibilidade n. 001/13

R$ 64.125,00

Apresentação musical "A Galinha Pintadinha"

Inexigibilidade n. 002/13

R$ 38.500,00

Apresentação musical e estrutura técnica (Banda Bawer)

Inexigibilidade n. 003/13

R$ 114.800,00

Total

R$ 395.142,67

Fundação Municipal de Cultura (FMC) Objeto

Modalidade - número

Valor contratado

Apresentações musicais Espaço Cultural

Inexigibilidade n. 19/13

R$ 37.990,00

Locação, montagem e desmontagem de estruturas Espaço Cultural

Pregão presencial n. 19/13

R$ 65.000,00

Total

R$ 102.990,00

Agência de Fomento Econômico de Ponta Grossa (Afepon) Objeto

Modalidade - número

Valor contratado

Empreiteira Copel

Pregão presencial n. 08/13

R$ 9.800,00

Total

R$ 9.800,00

Total geral

R$ 746.125,18

Além da triangulação realizada entre o Município de Ponta Grossa, SOS e a empresa Versus, existem outras irregularidades inerentes a alguns procedimentos licitatórios expostos no quadro acima. Tratam-se dos contratos administrativos n. 01/13, 02/13 e 03/13, levados a efeito com base nas inexigibilidades n. 02/13, 01/13 e 03/13 (nesta ordem), todos firmados entre a Fundação Municipal de Turismo (por seu presidente Eldo Ramos Bortolini) e a empresa Promofair Publicidade e Eventos Ltda ME (Promofair). O contrato n. 01/13, fundado na Inexigibilidade 002/2013, teve como objeto “prestação de serviços especializados de Apresentação Artística Musical Infantil ‘A Galinha Pintadinha – Cadê Popó?’, durante a realização da 24ª Münchenfest, no dia 08/12/2013 a partir das 17:00 horas”, pelo valor de R$ 38.500,00 (fls. 307/310). A empresa detentora dos direitos patrimoniais de autor sobre a obra coletiva denominada “Galinha Pintadinha” é Bromélia Produções Ltda, a qual firmou contrato com a


empresa Chaim XYZ Produções autorizando-a a comercializar com terceiros a realização do espetáculo (fls. 240/249 e 251/262). Esta última empresa, Chaim, vendeu à Versus, em 05/11/13, uma apresentação da referida peça, pela quantia de R$ 32.400,00 (conforme contrato de fls. 412/417). A empresa Versus, por sua vez, vendeu o show à Promofair, por R$ 35.000,00, sob a justificativa de que esta empresa teria ganhado a “licitação para vários shows na Munchen” (fl. 411). Ao final, a Promofair foi contratada para a promoção do show, por meio da inexigibilidade de licitação de n. 02/13, cujo extrato foi publicado em 08/11/13 (fl. 70). Aqui, merecem destaque dois fatos: constou no Projeto Básico da inexigibilidade, assinado em 30/10/2013, o exato preço de R$ 38.500,00 e a empresa Promofair como prestadora (fls. 58/59); a Carta de Exclusividade foi assinada por Bromélia Produções Ltda em 30/10/2013, diretamente à Promofair (fl. 250). Ressalte-se que a data de tais documentos é anterior à compra do show pela Versus, primeira compradora. O contrato n. 02/13, fundado na Inexigibilidade 001/2013, teve como objeto “prestação de serviços especializados de Apresentação Artística Musical ao vivo, durante a realização da 24ª Münchenfest”, o que foi realizado pelas Bandas Fritz4 e do Barril, pelo valor de R$ 64.125,00 (fls. 290/293). O setor de auditoria do Ministério Público constatou que (fls. 453/454): os shows dos grupos musicais citados são contratados diretamente com os respectivos responsáveis, sem exclusividade com terceiros; houve coincidência de data (07/11/13) entre o parecer jurídico acerca da inexigibilidade (fls. 92/95) e a emissão de certidões de regularidade perante a Justiça do Trabalho e o FGTS; a inexigibilidade foi ratificada em 31/10/13 sem a observação das exigências legais; não houve comprovação ou justificação da inviabilidade de competição; a contratação das bandas não atendeu a critérios objetivos; por todas estas razões, restou claro que a contratação já havia sido materializada antes mesmo dos trâmites legais; os valores pagos pela Promofair às Bandas Fritz4 e do Barril foi de R$ 18.300,00 e R$ 30.000,00 (total de R$ 48.300,00), enquanto que o Município de Ponta Grossa pagou à Promofair o montante de R$ 64.125,00.


O contrato n. 03/13, fundado na Inexigibilidade 003/2013, teve como objeto “prestação de serviço especializado de apresentação artística musical ao vivo, divulgação e animação durante a realização da 24ª Münchenfest”, que foi realizado pela Banda Bawer, pelo valor de R$ 114.800,00 (fls. 296/299). O setor de auditoria desta Instituição constatou que (fls. 456/457): o objeto da inexigibilidade n. 03/13 desdobrava-se em “serviços de animação com estrutura de som, luzes para o pavilhão durante os 10 (dez) dias de festa – R$ 57.000,00”, objeto este que não poderia ter sido contratado por meio de inexigibilidade de licitação. Outro fato que demonstra a irregularidade da contratação é que, previamente à citada inexigibilidade, outro empresário do mesmo ramo que a Promofair, por ter participado em outras oportunidades da Münchenfest e ter ouvido rumores de que o Município contrataria serviços análogos ao seu, realizou proposta para apresentação artística musical ao vivo, estrutura de som e luzes para o pavilhão do Centro de Eventos, pelo período de 10 dias, pelos valores de R$ 29.000,00 (com a Banda Alma Germânica) ou R$ 25.000,00 (com a Banda Tureck) (fls. 09/15). Ainda assim, o Município de Ponta Grossa, por meio da Fundação Municipal de Turismo, contratou empresa cujos valores eram substancialmente maiores.

II. DA FUNDAMENTAÇÃO JURÍDICA

A) Da triangulação ilícita entre o Município de Ponta Grossa, Serviços de Obras Sociais (SOS) e Versus Produções Inicialmente, faz-se necessária a explanação sobre a inconstitucionalidade do art. 3º da Lei 11.520/136 e do art. 4º do Decreto Municipal n. 7.965/13. O mencionado artigo de lei previu a possibilidade de que o Município de Ponta Grossa, por meio do Poder Executivo, firmasse contrato administrativo junto ao Serviço de Obras Sociais (SOS) para realização da 24ª Münchenfest. 6

A norma já foi corretamente revogada pela Lei Municipal n. 12.006/14.


Da mesma forma, o artigo do Decreto-lei previu que a FUMTUR celebrasse contrato administrativo com o SOS para realização do evento. Justificados nisto, o Município de Ponta Grossa e o SOS firmaram o contrato n. 532/13 (fls. 436/439), cujo objeto era “a concessão de uso do espaço cultural denominado Centro de Eventos da cidade de Ponta Grossa [...] com o escopo de promover a realização e exploração da 24ª Münchenfest – Festa Nacional do Chopp Escuro”. Verifica-se, ainda, que a concessão foi outorgada a título gratuito. Contudo, salta aos olhos a inconstitucionalidade de tal norma e, em consequência, dos atos que lhes foram posteriores. A concessão de uso de bem público é uma das modalidades de contratos administrativos sujeitos ao direito público, por meio do qual “a Administração Pública faculta a terceiros a utilização privativa de bem público, para que a exerça conforme a sua destinação”7. Em se tratando de bem dominial (como o presente caso), deve a concessão ser precedida de autorização legislativa e licitação. No presente caso, houve a prévia autorização legislativa, destinando a realização do evento diretamente ao SOS, ao contrário do que deveria ter sido feito (em caráter geral). O SOS é uma pessoa jurídica de direito privado 8 com caráter beneficente, como diversas outras sediadas no Município de Ponta Grossa, mas, apesar disso, não houve nenhuma espécie de “competição” entre entidades com o mesmo escopo assistencial. Frise-se que a sede do SOS é localizada na Rua Joaquim Nabuco, n. 59, local onde funciona a sede da Secretaria Municipal de Assistência Social, donde depreende-se existir relacionamento direto entre entidade e repartição do governo, talvez daí decorrendo a ilegal escolha da entidade para realizar a festa. Como a pessoa jurídica já estava determinada, não houve procedimento licitatório para seleção de empresa que apresentasse proposta mais vantajosa à Administração Pública. Inexistiram quaisquer estudos prévios acerca da qualificação técnica (conhecimento na área) e material (recursos materiais e humanos) para que o SOS assumisse a realização de evento de vultoso porte. Neste ponto, Andreia Tokutake, presidente do SOS no final de outubro/2013, afirmou 7

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Atlas, 2013. p. 338. Inscrita no CNPJ sob o n. 75.610.071/0001-05, tendo como atividade principal “serviços de assistência social sem alojamento” e natureza jurídica de “associação privada”. 8


em depoimento na CEI da Munchenfest “que não existia no SOS pessoas com conhecimento técnico para promover a festa pela entidade; que o SOS e seu pessoal não reuniam condições com capacidade técnica para promover a organização ou a fiscalização do evento” (fl. 509). Ou seja, inexistiam condições ou requisitos para que, justamente essa entidade, tenha sido escolhida para ser a concessionária da festividade. Percebe-se, ainda, que o requerido Iran já detinha conhecimento que seria o responsável pela festa pelo menos em 01/10/2013, 17 dias antes da assinatura dos contratos entre Município/SOS e SOS/Versus. Isto se comprova pelas capturas de tela de sua página na rede social Facebook, donde se vê que detalhes da festa já estavam definidos (lançamento oficial programado para a data 08/10/13, preparação para evento de lançamento da grade oficial de shows). Ressalte-se que o Município não só concedeu o uso do Centro de Eventos e exploração da Münchenfest ao SOS, como também efetuou diversas despesas para contribuir na infraestrutura do evento. Certo é que o Município deve apoiar e até mesmo subsidiar eventos culturais, mas não da forma como fez no ano de 2013, oportunidade em que ,além de determinar a redistribuição dos lucros, despendeu valores que somam quase 800 mil reais. Mesmo que o proveito econômico não fosse o objetivo principal da festa (pode-se aventar a hipótese de que é feita para efetuar resgate cultural), o prejuízo aos cofres públicos, em detrimento de lucro de empresa privada, não pode ser desconsiderado. Indubitável, portanto, que houve uma triangulação ilícita entre o Município de Ponta Grossa, o Serviço de Obras Sociais e a Versus Produções, configurando-se fraude ao dever de licitar. Na mesma data em que foi firmado o contrato entre o Município de Ponta Grossa e o SOS (17/10/13), esta instituição firmou Contrato de Prestação de Serviços com a empresa Versus Produções Artísticas Ltda (Versus) (fls. 442/445 9). O objeto da negociação foi “a realização da 24ª Münchenfest” e restou acordado que 80% do lucro líquido caberia à empresa Versus e 20% ao SOS.

9

O contrato foi referendado na mesma data, por meio do aditivo primeiro, no qual a Diretora Executiva do SOS assinou como representante da instituição (fl. 441).


A sra. Isane Gewehr Kanson, que atuou como superintendente do SOS desde agosto de 2013 e assinou o termo contratual com a Versus, afirmou que “como estava próxima da data da realização da München, a única empresa que procurou o SOS para realizar o evento foi a Versus” (fl. 657) e que “antes da assinatura do contrato com o Município, fui procurada pelo proprietário da Versus, o qual me informou que já tinha realizado a munchen em outros anos e que teria vários shows para as datas da festa, sendo que estava à disposição do SOS se a entidade fosse realizar a Munchen naquele ano” (fl. 660). A sra. Adriana Ferreira Campagnoli, presidente do SOS até 25/10/2013, relatou na CEI da Munchenfest “que apenas ficou sabendo que havia sido aprovada lei na Câmara Municipal para que o SOS assumisse a festa e desde então foi contra por considerar que a entidade não existe para tal finalidade; que já que a lei havia sido aprovada quis se resguardar e saiu da entidade” (506) e, ainda, “que o contrato não foi assinado em 17 de outubro; que o contrato foi feito, ligaram para o presidente assinar e então disse que não assinaria; que em 25 de outubro Andreia assumiu e recusou em assinar o contrato; que Andreia participou de reuniões, inclusive acompanhada de sua advogada, uma delas no gabinete do Secretário de Negócios Jurídicos, e se recusou a assinar o contrato” (507). A sra. Andreia Tokutake, presidente do SOS no final de outubro/2013, disse na CEI da Munchenfest “que saiu [da presidência] logo que viu o teor do contrato; que Adriana saiu e assumiu mas não tinha conhecimento do contrato e das responsabilidades e quando foi atrás para verificar como seria feita a festa acabou não querendo assumir” (508). Demonstra-se, portanto, que a contratação da empresa Versus já havia sido materializada e o SOS somente foi utilizado como um meio para efetivar a contratação. Evidente que houve ingerência externa para que o contrato fosse assinado com o SOS. Não fosse isso as Presidentes da entidade poderiam ter se recusado a assinar o documento e, assim, não realizar a festa. Porém, houve escandalosa substituição da presidência para a adequação ao que já estava determinado, sendo que quem acabou por assinar o contrato foi a Senhora Isane, a qual é funcionária do SOS, recebendo salário da entidade, e, por tal motivo, ao contrário das presidentes que estão na entidade voluntariamente, não teve opção de sair do SOS.


B) Da ilicitude das inexigibilidades n. 01/13, 02/13 e 03/13

A Fundação Municipal de Turismo, ao efetivar as inexigibilidades n. 01/13, 02/13, 03/13, contratando a empresa Promofair Publicidade e Eventos Ltda ME, incorreu em grave ilicitude, porquanto inexistente o fator preponderante a ensejar contratação direta. Preconiza o art. 25, III da Lei 8.666/93 que: Art. 25. É inexigível a licitação quando houver inviabilidade de competição, em especial: III - para contratação de profissional de qualquer setor artístico, diretamente ou através de empresário exclusivo, desde que consagrado pela crítica especializada ou pela opinião pública.

A apresentação artística “A Galinha Pintadinha – Cadê Popó?” evidentemente se enquadra no segundo critério esposado no artigo de lei acima citado (consagrado pela opinião pública), visto que é notório o sucesso de tal grupo musical em todo o território nacional. Contudo, o mesmo não pode ser afirmado com relação às Bandas Fritz4, do Barril e Bawer, especializadas em apresentações musicais da cultura germânica. A finalidade da contratação das últimas bandas citadas era, por certo, proporcionar ao público ambiente com identidade alemã, relacionado à razão de ser do evento. Afora o caráter alemão, não são as Bandas Fritz4, do Barril e Bawer “consagradas pela crítica especializada ou pela opinião pública”, ao menos nada há neste sentido nos autos, como exige o texto de lei e, deste modo, poderiam ter sido substituídas por outras bandas típicas, como aquelas elencadas no orçamento contido nas fls. 09/15 ou outras.


Além disso, verifica-se que nenhuma das contratações levadas a efeito pelas inexigibilidades 01, 02 e 03/13 foi realizada diretamente com o(s) artista(s) ou através de empresário exclusivo, conforme exige o inciso III do art. 25, Lei 8.666/93. Com relação à apresentação artística “A Galinha Pintadinha – Cadê Popó?” percebe-se que a detentora dos direitos autorais é Bromélia Produções Ltda e a empresa Chaim XYZ a “única licenciada autorizada para comercializar com terceiros a apresentação do espetáculo […] em qualquer local do território brasileiro” (fl. 241). Esta empresa vendeu à Versus uma das apresentações, que por sua vez vendeu à Promofair, ao final contratada por meio da Inexigibilidade 002/2013. Para que o trâmite da contratação ocorresse de modo correto deveria a FUMTUR ter contratado o espetáculo diretamente com a empresa Chaim XYZ, que é a única que detém a exclusividade, mas em verdade houve duas intermediárias para a efetivação: Versus e Promofair. O valor pago pela FUMTUR pelo show foi de R$ 38.500,00, enquanto que poderia ter gasto somente R$ 32.400,00 (valor cobrado por Chaim XYZ), ou seja, houve uma diferença de R$ 6.100,00 despendido ilegalmente com as empresas Versus e Promofair. Vislumbra-se que o panorama da contratação já havia sido esquematizado, visto que constou no Projeto Básico da inexigibilidade, assinado em 30/10/2013, o exato valor final pago pela FUMTUR (R$ 38.500,00) e a empresa Promofair como prestadora. Em referida data, a empresa Versus ainda não havia adquirido o show da empresa Chaim. Além disso, a Carta de Exclusividade foi assinada por Bromélia Produções em 30/10/2013 diretamente à Promofair, sendo que, do mesmo modo, ainda não havia se dado a aquisição do show por Versus e tampouco o repasse à Promofair. Ademais, com relação às Bandas Bawer, do Barril, Fritz4, o setor de auditoria desta Instituição verificou que os shows musicais destes grupos são contratados diretamente com os respectivos responsáveis do grupo. Em primeiro lugar, tais bandas não poderiam ter sido contratadas por meio de inexigibilidade de licitação porquanto não houve prova de que são “consagradas pela crítica especializada ou pela opinião pública”, sabendo-se que poderiam ter sido


substituídas por outras de mesmo cunho. E em segundo lugar, mesmo em caso de inexigibilidade, não poderia o Poder Público contratá-las por meio de empresa intermediária. Aqui, não se pode confundir o empresário exclusivo (aquele que gerencia o artista de modo permanente) com empresa intermediária (detém exclusividade limitada a determinados dias ou eventos). Neste sentido:

AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. INDISPONIBILIDADE DE BENS. DECISÃO QUE POSTERGOU A ANÁLISE DA LIMINAR EM RAZÃO DA AUSÊNCIA DE INDÍCIOS DA PRÁTICA DE ATO ÍMPROBO. CONTRATAÇÃO DE ARTISTAS PARA FESTIVAL CULTURAL POR MEIO DE EMPRESA INTERMEDIÁRIA. NÃO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS DE INEXIGIBILIDADE PREVISTOS NO ARTIGO 25, III, DA LEI DE LICITAÇÃO. RECURSO PROVIDO. 1. A Prefeitura Municipal de Paranapuã firmou o convênio com o Ministério do Turismo objetivando recursos públicos para realizar o "1º Festival Cultural de Paranapuã". Ocorre que a contratação de artistas junto à empresa "M. Sampaio Promoções Artísticas Ltda" foi celebrado mediante Processo de Inexigibilidade de Licitação. 2. Para configurar a hipótese de inexigibilidade de licitação prevista no inciso III, do art. 25, da Lei de Licitações, a contratação dos artistas deve se dar diretamente com o artista ou através do seu empresário exclusivo, que é aquele que gerencia o artista de forma permanente. A figura do empresário exclusivo não se confunde com o mero intermediário na medida em que este detém a exclusividade limitada a apenas determinados dias ou eventos. 3. No caso, os atestados firmados pelos representantes legais dos artistas declaravam que a exclusividade se limitava aos shows do dia 03 ou 04 de maio no 1º Festival Cultural de Paranapuã. 4. Assim, não foram preenchidos os requisitos do inciso III do art. 25 da Lei nº 8.666/93 uma vez que a contratação não foi diretamente com os artistas ou através de empresário exclusivo, mas sim por meio de pessoa interposta. 5. Quanto ao periculum in mora, decorre da simples


presença do requisito inaugural (fumus boni iuris), já que a jurisprudência do STJ localiza no § 4º do art. 37 da Constituição a base irretorquível dessa providência, tão logo seja visível a verossimilhança das práticas ímprobas. 6. Agravo de instrumento provido para decretar a indisponibilidade de bens dos agravados. (TRF-3 - AI: 25817 SP 0025817-27.2012.4.03.0000, Relator: DESEMBARGADOR FEDERAL JOHONSOM DI SALVO, Data de Julgamento: 25/07/2013, SEXTA TURMA). IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA

Prestação

de

serviço

relativo

à

apresentação de profissional do setor artístico Dispensa de licitação Impossibilidade Inexigibilidade que pressupõe que o artista seja consagrado pela crítica especializada ou opinião pública, bem como que a contratação ocorra diretamente entre as partes ou por meio de empresário exclusivo Empresa intermediária Preterição de competição Ademais, a lei prescreve a contratação de artista sem licitação e não a realização de evento artístico sem o certame Atos de improbidade administrativa tipificados nos artigos 10 e 11 da Lei n. 8.429/92 Existência de dolo e prejuízo Ação julgada procedente na 1ª Instância Sentença mantida. Recurso improvido. (TJ-SP - APL: 00018795120138260660 SP 0001879-51.2013.8.26.0660,

Relator:

Leme

de

Campos,

Data

de

Julgamento: 23/02/2015, 6ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 03/03/2015).

C) Dos atos de improbidade administrativa

Reconhecida a ilicitude da triangulação e das inexigibilidades, devem ser analisadas as consequências práticas advindas dessa conclusão. A Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92) contempla em seu artigo 10 os atos de improbidade administrativa que causam prejuízo ao erário, dentre os quais podem ser enquadradas as condutas narradas nesta petição:


“Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio, apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades referidas no art. 1º desta lei, e notadamente: [...] II - permitir ou concorrer para que pessoa física ou jurídica privada utilize bens, rendas, verbas ou valores integrantes do acervo patrimonial das entidades mencionadas no art. 1º desta lei, sem a observância das formalidades legais ou regulamentares aplicáveis à espécie; [...] V - permitir ou facilitar a aquisição, permuta ou locação de bem ou serviço por preço superior ao de mercado; [...] VIII - frustrar a licitude de processo licitatório ou dispensá-lo indevidamente; [...] XII - permitir, facilitar ou concorrer para que terceiro se enriqueça ilicitamente; [...]”

A Münchenfest é um evento de grande porte realizado anualmente neste município. A 24ª Münchenfest, ocorrida no ano de 2013, é um exemplo evidente de desperdício de dinheiro público e, o pior, em favor do lucro de empresas privadas. Os requeridos agiram dolosamente para causar lesão ao erário, causando perda patrimonial de pelo menos R$ 746.125,18 ao Município de Ponta Grossa.

Os requeridos Marcelo Rangel, na qualidade de Prefeito Municipal, Eldo Ramos, na qualidade de Presidente da FUMTUR, e Iran Taques, representante da empresa Versus, atuaram de forma que esta empresa indevidamente – afinal de contas, houve triangulação da contratação, medida utilizada para burlar o processo licitatório – utilizasse bens (Centro de Eventos) e verbas (R$ 746.125,18) integrantes do acervo patrimonial da Prefeitura Municipal, Fundações do Turismo e da Cultura e da Agência de Fomento Econômico de Ponta Grossa. Além disso, utilizou-se de servidores municipais para o controle das catracas do evento, tendo o Município arcado com horas


extras de diversas pessoas durante os oito dias de evento 10, bem como de benefícios fiscais que o SOS faz jus, por ser entidade beneficente (não houve recolhimento de ISS 11).

O requerido Eldo Ramos, na qualidade de Presidente da FUMTUR, autorizou a aquisição do show “A Galinha Pintadinha – Cadê Popó?” por preço superior ao de mercado, sendo que a diferença entre o valor correto e o valor pago foi revertido indevidamente às empresas Versus e Promofair, diante das irregularidades já apontadas. Além disso, autorizou a realização das inexigibilidades de licitação 01 e 03/13 mesmo sendo evidente que seus objetos não se enquadravam no art. 25, III, da LIA, pois não realizou-se contrato com quem detinha exclusividade, mas sim com uma intermediária.

O requerido Arielcion Dias de Lima, na qualidade de representante da empresa Promofair, agiu ilicitamente ao firmar os contratos advindos das inexigibilidades com a FUMTUR, isto porque era conhecedor do fato de que não era e nunca foi empresário exclusivo das Bandas Fritz4, do Barril e Bawer.

Diante de tais condutas, é evidente que os requeridos permitiram, facilitaram e até mesmo concorreram para que terceiros (Versus e Promofair) se enriquecessem ilicitamente, com base em inúmeras irregularidades ocorridas no bojo dos procedimentos da 24ª Münchenfest.

Ademais, a situação apresentada certamente também ofende a uma gama de princípios basilares da Administração, incidindo, assim, na modalidade de “atos de improbidade administrativa que afrontam os princípios da Administração”, prevista no art. 11 da Lei nº 8.429/92. Isso porque todo ato de improbidade administrativa, seja causador de enriquecimento ilícito ou de prejuízo ao erário, invariavelmente, também enseja ofensa a princípios administrativos em algum momento. 10

Afirmou o servidor Mauro Cesar Ionglebood que “trabalhou na festa, estando das 19 horas até o fechamento, meia noite 1 hora e ainda cumpria expediente normal no dia seguinte na Prefeitura; que eram trinta e seis funcionários em tais condições, todos recebendo horas adicionais” (499). Iran Taques Sobrinho disse que “haviam fiscais da prefeitura nas bilheterias e catracas “(492). 11 fl. 489.


Em um primeiro momento, vislumbra-se grave ofensa ao princípio da impessoalidade (art. 37, caput, CRFB), no qual se traduz a ideia de que “[...] a Administração tem que tratar todos os administrados sem discriminações, benéficas ou detrimentosas” 12. Sendo este o princípio que fundamenta a realização de licitações, houve evidente ofensa ao dever de licitar, preceito insculpido no art. 37, XXI, e art. 175, ambos da Constituição Federal, bem como ao art. 2º da Lei 8.666/93, que prevê:

Art. 2º As obras, serviços, inclusive de publicidade, compras, alienações, concessões, permissões e locações da Administração Pública, quando contratadas com terceiros, serão necessariamente precedidas de licitação, ressalvadas as hipóteses previstas nesta Lei.

Além disso, as condutas dos gestores afrontaram o princípio da legalidade, no momento em que não houve respeito ao dever de licitar (art. 37, XXI e art. 175 da CF e art. 2º, Lei 8.666/93) e houve violação dos requisitos para inexigibilidade de licitação (art. 25, III, da Lei 8.666/93), da impessoalidade, ao utilizarem-se da instituição SOS para mascarar uma contratação direta com a empresa Versus e também ao realizarem as inexigibilidades 01, 02 e 03/13 de modo indevido e todas tendo Promofair como prestadora, e, por fim, da moralidade, por todas as condutas expostas.

D) Da responsabilidade pelos atos de improbidade administrativa

Conforme supracitado, o requerido Marcelo Rangel Cruz de Oliveira já era o Prefeito Municipal durante a realização da 24ª Münchenfest. Sendo um evento de vultoso porte, especialmente no primeiro ano de seu mandato, certamente o chefe do Poder Executivo teve conhecimento de todos os trâmites elencados nesta petição. Num primeiro momento, foi quem

12

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2008. p. 114.


enviou à Câmara Municipal o projeto de lei que tratou da possibilidade do SOS realizar a festa (fl. 528). Restou evidente que a triangulação já havia sido materializada, o que se comprova com as declarações prestadas à Comissão Especial de Investigação da Munchenfest 2014 e o SOS, cujo relatório final está acostado nas fls. 476/546. Nenhuma das representantes do SOS à época souberam informar quais foram os critérios e quem decidiu pela contratação da Versus. Inclusive Adriana Ferreira Campagnolli, presidente do SOS até 25/10/2013, e Andreia Tokutake, presidente do SOS no final de outubro, afirmaram terem deixado a presidência porque a entidade não existia para tal finalidade, porque a responsabilidade era muito grande e não possuíam conhecimento técnico para promover a organização ou fiscalização da festividade. Sabendo da incapacidade do SOS em realizar a festa, aliado ao fato de que duas presidentes da entidade se recusaram a assinar contrato administrativo com o Município, como pôde o Prefeito insistir em firmar tal pacto irregularmente, com a representação da superintendente da entidade, que não possuía atribuição para tal decisão? Ainda, o requerido Iran afirmou na CEI que “quando virou o governo, começou o trabalho de um projeto para a festa, inclusive com a revitalização do Centro de Eventos, e apresentou para o prefeito, o que ocorreu em março de 2013” (fl. 490), bem como que “em reunião com Secretário de Finanças, SOS em peso, Prefeito, Ricardo, Ruiter, mais um monte de gente na mesa e apresentou duas propostas: a primeira delas de pagar pela festa o valor de R$ 100.000,00 assumindo toda a festa, dinheiro revertido ao SOS, isso lá na frente já na cara do gol ou, a segunda, apresentou a proposta do SOS ficar com o estacionamento e ficaria com 80% do líquido da festa, transferindo 20% para o SOS; todos discutiram a proposta e ligaram dando o aceite da segunda” (fl. 493). Ou seja, o requerido Marcelo detinha pleno e prévio conhecimento da situação, inclusive tendo lhe sido apresentado projeto da festa sete meses antes da realização da festa e ter participado de reunião onde se discutiu propostas da empresa Versus. Não houve direta negociação entre SOS e Versus.


A escusa de que havia pouco tempo para a festividade e por isso o SOS contratou a Versus cai por terra quando se relembra que a Munchenfest é o maior evento da cidade, não sendo crível que o Prefeito tenha se preocupado com o assunto somente no mês anterior. No que tange aos requeridos Iran Taques Sobrinho e Versus Produções Artísticas Ltda (uma vez que a vontade do primeiro se transveste no segundo), há que se frisar que seus atos concorrem com os atos de Marcelo, sendo que devem ser observados na mesma proporção de gravidade. Além da questão da triangulação há a questão pontual da contratação do show da Galinha Pintadinha. Percebe-se que a empresa de Iran era a responsável pela festa e, ainda assim, em vez de a seu custo promover o espetáculo, repassou-o à Promofair para que então esta empresa o vendesse para a FUMTUR, que despendeu valor maior do que poderia ter sido gasto. Em outras palavras, houve o repasse da apresentação entre as empresas de modo que ambas pudessem obter lucro às custas da FUMTUR. Aliás, a prestação de contas prevista na “cláusula sétima – da prestação de contas” (fl. 445) ocorreu pro forma, sendo que Adriana Ferreira Campangnoli, presidente do SOS até 25/10/13 e que assumiu a presidência posteriormente, afirmou “que a prestação de contas da festa foi realizada da seguinte forma: que num dia estava no SOS e chegou o dono da Versuz, Iran, com um monte de papeladas e dizendo que ali estava a prestação de contas; que sobre os documentos Iran afirmava que os mesmos estavam em seu poder; que a única coisa que foi feita no SOS sobre a prestação de contas foi isso; não conferiram nada e nem tiveram acesso a nenhuma nota ou recibo (fl. 507). No mesmo sentido, afirmou Andreia Tokutake, atual presidente do SOS, que “houve também aquela situação das notas fiscais, ou melhor, de que não existiam as notas fiscais” (509). Não se pode olvidar, também, que a empresa Versus no período da Münchenfest realizou outros shows de renome nacional, custeados exclusivamente por ela, mas utilizando toda a estrutura contratada pelo Município. Ou seja, o empresário gastou para adquirir as datas dos shows de Luan Santana, Michel Teló, Fábio Jr, Armandinho, Anitta, Capital Inicial, Só Pra Contrariar e Fernando e Sorocaba, utilizou toda a estrutura disponível no local, porém obteve todo o lucro para ele, o que, evidentemente, configura enriquecimento ilícito às custas do erário.


Com relação ao requerido Eldo Ramos Bortolini, presidente da Fundação Municipal do Turismo, foi quem autorizou e deu andamento aos três processos de inexigibilidade de licitação, mesmo sabendo serem ilícitos. O servidor Eros Edédio de Freitas afirmou na CEI da Munchenfest que “foi usado a inexigibilidade porque queriam atrações diferentes daquelas praticadas em festas anteriores, porque olharam a Munchen como uma atração turística, independente se é válida ou não” (514). Houve a completa deturpação do instituto da inexigibilidade de licitação. O requerido Eldo tinha pleno conhecimento dos arranjos, sendo que na qualidade de Presidente da FUMTUR detinha o poder de dar a palavra final. O servidor Mauro Cesar Ionglebood disse na CEI da Munchenfest “que a contratação da Galinha Pintadinha foi contratado por inexigibilidade; que quem organizou a festa já apontou a atração e o procedimento apenas chegou ao DECOM para as devidas contratações” (497). Caso Eldo efetivamente não tivesse concordado com estas “manobras” deveria ter adotado postura semelhante às adotadas pelas presidentes do SOS que, antevendo graves ilegalidades, se recusaram a assinar os contratos e saíram de seus cargos. Finalmente, com relação a Arielcion Dias de Lima e Promofair Publicidade e Eventos Ltda ME (uma vez que a vontade do primeiro se transveste no segundo, da mesma forma como apontado com relação à Versus), foi esta empresa beneficiada com todas as inexigibilidades relatadas nesta petição, mesmo tendo conhecimento de que não era, e nunca foi, empresária exclusiva de nenhuma das bandas contratadas. Ficou, de fato, amplamente demonstrado o dolo dos requeridos na prática de atos de improbidade administrativa que causaram lesão ao erário por ação ensejadora de perda patrimonial (art. 10, lei 8.429/92), pois todos agiram conscientemente de modo que as empresas requeridas pudessem auferir seus ganhos na festividade, culminando em um desperdício de verba pública neste Município de Ponta Grossa. Também restou comprovado o dolo da requerida Versus, a qual, como pessoa jurídica, age por intermédio de seu sócio Iran, em utilizar, em proveito próprio, toda a estrutura disponibilizada pelo poder público para realizar shows e auferir lucro (art. 9º, XII, da Lei 8.429/92).


De igual maneira, restou demonstrado o dolo, por todos os requeridos, na prática de ato de improbidade administrativa que atentou contra os princípios da moralidade, honestidade, lealdade à instituição e eficiência (art. 11, lei 8.429/92). Ainda, restou plenamente demonstrado o dolo direto na prática de ato de improbidade administrativa que atentou contra o princípio da legalidade (art. 11, lei 8.429/92), por ofensa direta à Constituição da República Federativa do Brasil e à lei n. 8.666/93, pelos requeridos Marcelo Rangel Cruz de Oliveira e Eldo Ramos Bortolini. E uma vez configurados os atos de improbidade conforme demonstrado acima, não há como se deixar de punir os agentes por suas condutas, bem como tendo tais atos causado prejuízo ao erário, a obrigação de ressarcimento se impõe.

E) Da indisponibilidade de bens

A Constituição da República de 1988, no artigo 37, estabeleceu que toda a atividade da administração direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedeceria aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, mas não só isso, trouxe em seu texto sanções para a prática de atos de improbidade administrativa, o que conferiu eficácia à determinação de que os agentes administrativos deveriam ser probos, já que se assim não o fossem poderiam sofrer graves consequências, dentre elas a imposição de ressarcir o erário pelos danos sofridos. A necessidade do integral ressarcimento do dano nos casos de lesão ao patrimônio público vem estampada no artigo 37, § 4º da Constituição da República, quando destaca que: “(...) os atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, na forma e gradação previstas em lei (...)”. Foi justamente a lei 8.429/92 que veio ao ordenamento jurídico para disciplinar a questão posta no § 4º do artigo 37 da Constituição da República. O artigo 5º da citada Lei


foi categórico ao realizar a previsão do integral ressarcimento do dano, inclusive com a perda de bens ou valores acrescidos de forma ilícita ao patrimônio do agente. A Lei de Improbidade Administrativa, de forma acautelatória, previu no artigo 7º a possibilidade da indisponibilidade dos bens, apontando que tal medida recai sobre os bens que assegurem o integral ressarcimento do dano ou sobre o acréscimo patrimonial resultante do enriquecimento ilícito, imputando responsabilidade até mesmo para o sucessor daquele que se enriqueceu ilicitamente, isso até o montante do valor recebido como herança. Resta nítida, pois, a relevância dessa medida para a tutela da probidade administrativa. Uma medida cautelar, em suma, se presta para a proteção de um direito, seja para prevenir ou conservá-lo. Exige-se para a sua procedência a demonstração de verossimilhança nas alegações (fumus boni iuris) e a indicação de que a demora da decisão no processo principal pode causar prejuízos à parte (periculum in mora), esse binômio deve ser demonstrado quando do pleito de tal medida, como ensina Marcus Vinicius Rios Gonçalves: “O inc. IV do art. 801 determina que o autor faça a exposição sumária do direito ameaçado e o receio de lesão. Em síntese, que ele indique o fumus boni júris e o periculum in mora, que embasam a sua pretensão cautelar”13. No entanto, a medida cautelar ora tratada se diferencia das demais cautelares previstas no Código de Processo Civil, eis que a Constituição da República determina de forma cogente que os atos de improbidade administrativa importarão a indisponibilidade dos bens, sem exigir nenhum requisito para tanto. Os artigos 7º e 16 da Lei nº 8.429/92, por sua vez, apontam como requisito da decretação do “sequestro dos bens” (expressão utilizada pela lei) apenas a existência de fundados indícios de responsabilidade pelo prejuízo ao erário ou pelo enriquecimento ilícito – fumus boni iuris –, o que induz à conclusão de não ser necessária a comprovação do periculum in mora, da forma que é exigida nas demais cautelares. O Superior Tribunal de Justiça há algum tempo pacificou o entendimento de que o “periculum in mora” reside na necessidade de uma resposta célere do Poder Judiciário quanto à indisponibilidade de bens, notadamente para que seja inviabilizada qualquer eventual tentativa, por parte dos requeridos na ação de improbidade, de dilapidarem, intencionalmente, seus 13

GONÇALVES, Marcus Vinicius Rios. Direito processual civil esquematizado. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 711.


patrimônios, conforme pode ser visto na leitura do REsp 1.319.515/ES, de Relatoria do Ministro Mauro Campbell Marques, cuja decisão foi publicada no Diário de Justiça eletrônico em 21/09/2012 e deixa-se de transcrever nesta ação por ser muito extensa. No mesmo sentido, Emerson Garcia e Rogério Pacheco Alves advertem que “exigir a prova, mesmo que indiciária, da intenção do agente de furtar-se à efetividade da condenação representaria, do ponto de vista prático, o irremediável esvaziamento da indisponibilidade perseguida em nível constitucional e legal”14, ou seja, não se pode aguardar provas de que o agente está dissipando seus bens para só então preocupar-se com a efetividade da ação que está em andamento ou que será proposta, até mesmo porque, geralmente, quando as evidências da dilapidação começam a surgir é porque o agente, há muito tempo, não tem bens para saldar eventual execução. O ponto nevrálgico a ser considerado é o de que a liminar de indisponibilidade de bens encontra fundamento para a sua concessão diante da própria possibilidade de que o erário não seja ressarcido. Como mencionado acima, a Lei 8.429/1992 prevê a possibilidade de decretação da medida cautelar de “sequestro dos bens” exigindo apenas "fundados indícios de responsabilidade”, ou seja, a lei de improbidade não considera a dissipação do patrimônio como requisito para a decretação da medida cautelar. Assim, deve ser exigida a presença do fumus boni iuris, até para que essa forte medida não recaia sobre fatos juridicamente irrelevantes, porém o periculum in mora deve ser reconhecido como sendo inerente à ação, militando ele em favor da sociedade, para que desta forma possa ser aplicada de maneira correta a Lei de Improbidade Administrativa. A explanação dos fatos feita nesta ação aponta com clareza o agir irregular de todos os requeridos, sendo que são fortíssimos os indícios do cometimento de atos ímprobos. A título de indisponibilidade de bens, visando o ressarcimento dos prejuízos relatados, bem como o cumprimento de eventual multa civil a ser aplicada pelo Juízo, entende o Ministério Público ser prudente e razoável o bloqueio de bens de todos os requeridos, no valor sugerido de R$ 150.000,00 (cento e cinquenta mil reais) para cada um dos requeridos Eldo, Arielcion e Promofair – equivalente ao valor despendido com as inexigibilidades) – e R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para

14

GARCIA, Emerson; ALVES, Rogério Pacheco. Improbidade administrativa. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2002, p. 641.


cada os requeridos Iran, Marcelo e Versus – equivalente ao prejuízo geral sofrido pelo Município de Ponta Grossa em detrimento de lucros à empresa privada.

III. DOS PEDIDOS: Por todo o exposto, requer o Ministério Público do Estado do Paraná: a) a decretação imediata da indisponibilidade de bens dos requeridos, no importe indicado acima, a título de salvaguardar o futuro ressarcimento ao erário e o cumprimento de eventual multa civil que venha a ser aplicada em sentença condenatória; b) a notificação dos requeridos, por oficial de justiça (art. 222, “f” do CPC) para que, querendo, apresentem defesa preliminar no prazo de 15 dias, conforme determina o art. 17, §7º da Lei 8.429/92, autorizando-se, desde já, que conste no mandado os endereços profissionais e pessoais dos requeridos, para que a primeira tentativa de notificação se dê nos endereços profissionais dos requeridos e somente em caso infrutífero, em suas residências; c) a intimação do Município de Ponta Grossa, na condição de pessoa jurídica interessada, para que, querendo, integre a lide, nos termos do artigo 5º, § 3º da Lei 7.347/85; d) o recebimento da inicial com a citação dos requeridos, por oficial de justiça (art. 222, “f” do CPC) para que, querendo, apresentem resposta, sob pena de revelia; e) a procedência integral da pretensão deduzida pelo Ministério Público, com a consequente condenação dos requeridos Iran Taques Sobrinho e Versus Produções Artísticas Ltda ME pela prática do ato de improbidade descrito no art. 9 da Lei nº 8.429/92, em razão do enriquecimento ilícito obtido às custas da estrutura custeada pelo Município, aplicando-lhes as penas constantes do art. 12, I, da referida Lei, conforme prudente arbítrio do Juízo; f) a procedência integral da pretensão deduzida pelo Ministério Público, com a consequente condenação dos requeridos Arielcion Dias de Lima, Eldo Ramos Bortolini, Iran Taques Sobrinho,


Marcelo Rangel Cruz de Oliveira, Promofair Publidade e Eventos Ltda ME e Versus Produções Artísticas Ltda ME pela prática do ato de improbidade descrito no art. 10 da Lei nº 8.429/92 em razão de terem causado prejuízo ao erário, aplicando-lhes as penas constantes do art. 12, II, da referida Lei, conforme prudente arbítrio do Juízo, além de ressarcimento ao erário; g) a procedência integral da pretensão deduzida pelo Ministério Público, com a consequente condenação dos requeridos Arielcion Dias de Lima, Eldo Ramos Bortolini, Iran Taques Sobrinho, Marcelo Rangel Cruz de Oliveira, Promofair Publidade e Eventos Ltda ME e Versus Produções Artísticas Ltda ME, pela prática do ato de improbidade descrito no art. 11 da Lei nº 8.429/92 em razão de suas condutas ofensivas aos princípios da moralidade, honestidade, lealdade às instituições e eficiência, aplicando-lhes as penas constantes do art. 12, III, da referida Lei, conforme prudente arbítrio do Juízo; h) após o trânsito em julgado da decisão condenatória, a inscrição dos requeridos no Cadastro Nacional de Condenados por Ato de Improbidade junto ao CNJ; i) isenção de custas e despesas processuais, nos termos do artigo 27 do Código de Processo Civil. Por ora, o Ministério Público apresenta a prova documental constante do Inquérito Civil Público nº MPPR-0113.13.001298-3, sendo que, se for o caso, e conforme a necessidade, no tempo oportuno, analisará a pertinência de provas outras. Dá à causa, para efeitos legais, o valor de R$ 746.125,18 (setecentos e quarenta e seis e cento e vinte e cinco reais e dezoito centavos). Nesses termos, pede deferimento. Ponta Grossa, 27 de novembro de 2015 Assinado digitalmente via Projudi DANIELLE GARCEZ DA SILVA Promotora de Justiça


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