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1ª EDIÇÃO – 2021 RIO DE JANEIRO
COPYRIGHT © 2021. PACIFIC PARK POR LIZ VECCI.
COPYRIGHT © 2021. ALLBOOK EDITORA.
Direção Editorial
BEATRIZ SOARES
Assistente Editorial
MARIANA MARTELOTE
Preparação e Revisão
CLARA TAVEIRA
RAPHAEL PELOSI PELLEGRINI
Projeto de capa e Ilustrações
DJEANNI DIETRICH| @ DJEANNI_ARTES
Capa
FLAVIO FRANCISCO
Projeto Gráfico e Diagramação
CRISTIANE SAAVEDRA [SAAVEDRA EDIÇÕES]
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
V517p Vecci, Liz
Pacific park / Liz Vecci. - 1. ed. – Rio de Janeiro: AllBook, 2021. 296 p.; 16 x 23 cm.
ISBN: 978-65-86624-57-1
1. Romance brasileiro. I. Título.
21-74117
2021
PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM
CDD 869.3
CDU: 82-31(81)
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Ser amado sem ser conhecido é confortador, mas superficial. Ser conhecido e não ser amado é nosso maior medo. Mas ser plenamente conhecido e verdadeiramente amado é muito parecido com ser amador por Deus. É disso que precisamos mais do que qualquer outra coisa.
A Andréa e Fernanda, que conheceram e amaram Emílio e Talia sem preconceitos, me encorajando a deixar a história exatamente como estava, sem cortes, como a vida é.
TIMOTHY KELLER
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CAPÍTULO1
Você deveria tratar seus traumas, cara
— ACORDA, QUE MEU MARIDO ESTÁ CHEGANDO.
Uma mão chacoalha meu braço enquanto transito entre a ressaca total que me espera e o sonho que me embalava. A mão me balança de novo.
— Anda, levanta, ou você quer que ele te encontre na cama dele?
Estou deitado de bruços e me viro. Quando minhas roupas são jogadas em cima de mim, abro os olhos e olho em volta. Flashes da noite anterior se misturam na cabeça, não sei exatamente dizer onde eu estou.
— Quem está chegando? — Minha voz sai rouca.
— Meu marido! — ela fala com a voz mais alta enquanto caminha pelo quarto pegando algumas roupas jogadas pelo chão. Esfrego os olhos sem entender. Por que diabos eu estou com uma mulher comprometida?
— Você é casada? — pergunto enquanto me sento na cama e começo a vestir a cueca.
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Ela levanta a mão esquerda para mim.
— Sou. Sai pela porta da cozinha. — Uma resposta e uma ordem. Bem-vindo ao mundo dos bêbados que pegam mulher em bares. Enfio correndo a calça jeans e a camiseta e procuro por minhas chaves, carteira e arma. Ela está parada no corredor me esperando.
— Cadê minha carteira?
— Está aqui, junto das suas chaves e seu revólver. — Ela estica a mão para mim. Aproveito e olho seu rosto, nada vem à mente, é como se um branco se apoderasse da minha memória. Procuro pelos sapatos, e não encontro.
— Meus sapatos? — falo, olhando em volta.
— Na sala, vamos! — Mais uma ordem. Será que ela foi mandona assim ontem?
Decido arriscar a pergunta:
— Você me disse que era casada?
— Você não perguntou. — Boa resposta, considerando que eu poderia acordar morto por legítima defesa da honra, se é que ainda consideram isso um atenuante; eu estaria morto e não conseguiria saber. Eu devo ter perguntado, é a regra número dois, jamais dormir com mulher casada, e eu não infrinjo as minhas regras. A cabeça lateja, meu estômago e fígado brigam pela liderança de quem está pior.
— Você estava de aliança? — Incrível eu não ter visto, não costumo cometer esse erro.
— Não, coloquei agora — ela responde, empurrando os sapatos no meu peito. — Seu carro está na rua de cima, saia por esse portão. Ah, eu sabia. Ela estava sem aliança, é uma adúltera contumaz! E mandona, terceira ordem que me dá em menos de três minutos. Ela avança por uma área de serviço, e um relâmpago do local passa pela minha lembrança. Só um otário entra pela porta de serviço de uma casa e não percebe que tem algo errado. Erro de iniciante, falo para mim mesmo, balançando a cabeça. Ela abre o portão, e a luz do sol me cega por uns segundos. Saio para a rua, e, quando olho para trás, a diaba está sorrindo.
— Adorei nossa noite — ela diz com a cara mais desavergonhada do mundo e bate o portão na minha cara.
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— Cadê meu celular? — grito do lado de fora, com chave, sapato, carteira e arma na mão.
— Está dentro do seu sapato, gravei meu telefone lá para você. É Vera, viu, não é Carol! — responde como se fosse a coisa mais normal do mundo e ri. Será possível que eu a chamei de Carol? Quem aceita ser chamado de outro nome durante o sexo? A mesma pessoa que traz um homem para casa sendo casada, otário! Olho dentro do sapato, e lá está o celular. Vera. Meu Deus do céu.
Balançando a cabeça, vou em direção ao carro. Posso voluntariamente me internar se não apagar esse nome do meu celular agora. Rolo a tela dos nomes e vejo o dela, clico em deletar, paro uns segundos olhando a foto... Ela vale um murro na boca, mas não um tiro; deleto seu nome. Uma moça está na calçada da casa em frente e fica me olhando. Apesar da ressaca e da situação constrangedora, dou um sorriso, mas a mulher não retorna o gracejo, então sigo para o carro. Essa é a hora em que o cara deveria pensar que chegou ao fundo do poço?
Dirijo para casa enquanto faço um enorme exercício de memória. Quem é Vera? Onde eu a encontrei? Por que não percebi que estava entrando pelos fundos da casa? Será que tem remédio para ressaca lá em casa?
Eu realmente preciso rever a regra número um: nunca levar mulher para o meu apartamento. Se estivesse lá, não teria de me levantar correndo e sair com as calças na mão. E preciso urgentemente parar de beber destilados, pelo menos na rua, e preciso passar a perguntar se a mulher é casada — se bem que isso eu já faço. Anotação mental para fazer essa pergunta para todas, independentemente de ter anel ou não.
Entro em casa pela área de serviço, porque é minha casa e, nesse caso, entrar por aqui faz sentido. Tiro a roupa e jogo no cesto de roupas sujas, deixo a carteira e a arma na mesa da cozinha e pego uma garrafa de água na geladeira. Acho a cartela de Novalgina, tomo duas e um flaconete de Epocler, indo em seguida, celular em mãos, para o quarto. Coloco-o no carregador e entro debaixo da água gelada do chuveiro. Aos poucos, vou relembrando a noite anterior. Confesso que um flash de constrangimento passa por minha cabeça. Concluo que quem deveria estar constrangida é a tal da Vera.
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É exatamente por isso que ficar solteiro é melhor. Um dia, um otário achou que a melhor coisa que estava fazendo no mundo era se casar com uma tal de Vera, e ela, algum tempo depois, começa a sair sem aliança e a levar homem para a casa deles. É assim que acaba um sem-fim de histórias. Eu não serei o marido de nenhuma Vera, Sandra, Patrícia ou Renata, porque, no final das contas, é isso que o casal faz um com outro — exceção para o Oséias e a Lídia, e talvez para a bela Carol e o André, apesar de eles não estarem casados ainda.
Meu pensamento sai da espiral maluca da mulher adúltera e cai nos olhos verdes de Carol, que é namorada de um dos meus melhores amigos. Ele e eu a vimos no mesmo dia na primeira vez, mas ele foi mais esperto e chegou primeiro. Aquela conversa inteligente dele a envolveu, e ela nem olhou para a mesa direito. Quando a vi pela segunda vez, eles já estavam juntos. Agora ela virou homem para mim, exceto quando entra nos meus sonhos à noite, me pedindo que a gente fuja para o México e abra uma barraca de batidas de tequila na praia. Puta que pariu, que desgraçado que sonha com a namorada do amigo? O mesmo que enche a cara de uísque e dorme com uma mulher casada. Talvez o André esteja certo, eu preciso de ajuda profissional, parece que tem dois Emílios conversando dentro da minha cabeça.
Deixo a água cair sobre os ombros. Histórias de adultério que terminam em crime povoam minha vida profissional: o assassino, quando homem, nunca é rigidamente condenado, em algum lugar eu poderia estar compondo estatísticas hoje. Morrer dormindo, que coisa mais covarde, por causa de uma mulher que eu nem lembro o rosto direito e nem sabia o nome, chamei de Carol. Talvez eu merecesse um tiro mesmo, chamando uma desconhecida pelo nome da namorada do meu amigo. Eu definitivamente não sou uma pessoa boa.
Eu me deito na cama e olho as horas, nove da manhã. Minha cabeça começa a querer melhorar. O celular não para de apitar, deslizo o dedo na tela e leio as centenas de mensagens.
“Chegou em casa?”
“Com qual das duas você ficou?”
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Duas? Eram duas?
“Cara, que mulher gata que você dispensou.” Dispensei, eu dispensei alguém?
“E aí? Tá vivo?”
Por pouco estou vivo.
“Cara, essa mulher é chave de cadeia, sai fora.”
Essa última foi do Antônio. Será que ela conhece a mulher? De qual mulher ele está falando?
“Bicho, você foi ridículo com a amiga da Carol. Cara, você podia parar de me envergonhar!”
Essa é do André, e eu não faço ideia do que ele está falando. Que amiga da Carol? A casada é amiga da Carol? Que porra que eu fiz?
“Me atualiza aí, por favor.”, respondo.
“Inacreditável, você não lembra. Vou te ligar, otário.”
O telefone toca, lá vem esporro do André.
— Alô.
— Cara, que porra você estava tomando que não lembra de nada? — ele já começa assim.
— Bom dia para você também, babaca — respondo com voz de ressaca.
— Emílio, você não só deu em cima da Talia como chamou a garota de Gollum quando ela não te deu moral. Que merda é essa?
Não consegui evitar o riso, como que eu chamo uma menina de Gollum? Só pode ser uísque demais na cabeça.
— Ela é toda nerdzinha, deve ter gostado — falo, rindo. Cara, eu não sei como que você ainda fica com mulher sendo tão babaca.
— Eu sou lindo, gostoso e faço bem o serviço, nada a reclamar. E não vendo ilusões.
— Quando você a encontrar de novo, por favor, peça desculpas.
— Eu? Jamais! O que eu falei, eu falei.
— Ogro!
— Cara, você acredita que a mulher que eu peguei é casada?! Acordei com ela me dizendo que era para eu ir embora, que o marido estava chegando.
— Emílio, tem tanta coisa errada nessa frase, que eu nem sei por onde começar.
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— Não tem, não, uma mulher que tira a aliança e leva um desavisado para casa sendo casada está errada de todas as maneiras possíveis. Eu fui apenas o idiota da história.
— O marido te viu?
— Não, mas eu poderia ter acordado com uma arma na minha cabeça.
— Sem dúvida.
— E o pior, eu nem sabia o nome da mulher. E ela me pôs para fora e ainda me deu o telefone dela. Você acredita nisso?
— Malandra, hein?
— Cara, são todas assim. Esquece. Um dia, o marido dela achou que valia a pena se casar e olha só onde foi parar. Parabéns para você, que está indo pelo mesmo caminho.
— Você sabe que eu quebro todos os seus dentinhos lindos se você confirmar que está fazendo uma comparação dessa vadia com a Carol, né? Todos, Emílio!
— Nah… A Carol está em outro patamar. Minhas desculpas. Ela e a Lídia foram feitas de outro material. Mas a porra da instituição casamento já era, bicho. Larga mão desse negócio de anel e pedido de casamento, só leva a Carol para sua casa e pronto.
— Emílio, você deveria tratar seus traumas, cara.
— Lá vem você com esse papo Bambi para o meu lado. Vou desligar. Tchau.
— Não esquece de pedir desculpas para a Talia — André insiste.
— Nem fodendo — respondo e desligo.
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CAPÍTULO 2
Gollum
ACORDO E ABRO O INSTAGRAM. VOU DIRETO NA REDE SOCIAL DE CREW E checo sua última atualização, nada novo. O último post foi o que vi ontem no bar, antes de vir para casa, quando o ridículo do amigo do André começou a dar em cima de mim. Preguiça de cara assim, bêbado, gato para caralho, mas querendo pegar qualquer menina. Ele começou a narrar umas regras que tem, dizendo que se eu topasse, ele vinha para minha casa. Ah, por favor, pode ser o cara mais gato do planeta, quanto começa com “minha primeira regra é nunca namorar”, eu já estou fora! Não que eu queira isso, mas o cara já começa assim, o que mais ele tem para oferecer? Bíceps sarados, barriga tanquinho e uma noite de sexo casual?! Não, obrigada!
Quando o dispensei, ele me perguntou se eu achava que era a última limonada do deserto. Falei: “cara, que insulto antigo! Se liga! Sou raridade, única peça, versão inimitável, o próprio anel do Senhor dos Anéis.”
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Ele riu de gargalhar na minha cara, perguntou se eu sou o Gollum. Otário! Queria dar na cara dele. O cara acha que porque é bonito a mulher tem de agradecer por ele dar moral. Levantei e respondi:
— Meu filho, num mundo com sete bilhões de pessoas, você consegue ser a mais insignificante, e olha que isso não é uma tarefa fácil.
André e Carol estavam de saída e me levaram para casa. André ainda se desculpou pelo amigo, como se fosse culpa dele o cara ser um ridículo. Desconfio que Carol pegou o último cara gato com caráter, e Lídia pegou o penúltimo. A nós, que sobramos, nos restam caras feios e caras gatos que se acham, como esse tal de Emílio. Deus me ajude para que eu nunca mais o veja! Fico feliz que os últimos restantes foram para duas amigas, sinto certo consolo nisso.
Volto os olhos para o Instagram e penso: se Crew for mau-caráter, pelo menos a beleza compensaria. E nós dois poderíamos ter uma noite tórrida nas praias da Santa Bárbara, onde ele mora. Eu ficaria satisfeita e voltaria para casa absolutamente tranquila em ser a tia que faz crochê e conta histórias picantes sobre um certo romance nas areias brancas da Califórnia.
No mundo real onde vivo, infelizmente Crew não sabe que existo. Ele é um roqueiro e modelo inglês que vive nos Estados Unidos e não faz a menor ideia de que nutro uma paixão platônica por ele, apesar de eu curtir e comentar em todas as suas fotos, sem exceção. Será que eu preciso de ajuda médica?
Mensagens começam a chegar no meu celular.
“Bom dia, meninas, como foi a noite ontem?”
Lídia sempre vai embora mais cedo, ela e Oséias quase não saem com a gente mais, estão em outra vibe. Querem ter filhos, enquanto nós três ainda não nos casamos, apesar de Carol estar com André há mais de dois anos.
“Tirando o Ogro do amigo do André, foi ótimo!”, respondo com sarcasmo.
“Que amigo?”, Susan pergunta. Ela não estava ontem, se estivesse, talvez eu não precisasse suportar o Ogro.
“Emílio, o Ogro”, respondo.
“Ah, mas ele é tão gatinho, deixa os modos para lá e dá só uns beijinhos”, Susan responde.
“Bonitinho, mas ordinário, já dizia Nelson Rodrigues.”
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“Lá vem ela...”, Susan me corta pela raiz.
“Tatá, bom dia, meu bem. Estou com André, estamos constrangidos por Emílio.”
“Não fique. Alegre-se porque você pegou o último dos Moicanos.”
“Dá para parar de citar filme?”, Susan retruca.
“Não, princesa Fiona, se está com dó de Shrek, pode ir buscar!” é minha resposta.
“André está com Emílio agora ao telefone, a noite dele parece que foi bem péssima, pelo que estou escutando, acho que ele teve mais do que merecia”, Carol responde.
“O que uma pessoa merece por te chamar de Gollum após você se recusar a beijá-la? Ele ficou dez minutos falando das suas regras que começam com nunca namorar.”
“Uma coisa você não pode negar: Emílio não vende falsas ilusões.”, Susan responde.
“Emílio é um amor, mas é traumatizado nessa área. Quem se apaixonar por ele vai sofrer. Porém, quando ele se apaixonar, vai ser uma vez só.”
Lídia entra em defesa do Ogro. Ela está sempre defendendo alguém, é cansativo, às vezes.
“Espero que ele se apaixone pela Alex, de Atração Fatal”, respondo, ressentida, não por ele significar alguma coisa, mas, poxa vida, o cara me chamou de Gollum, ele merece algo ruim mesmo.
“Meu Deus, Tatá, a Glenn Close? Credo! Querida, ele já vive a consequência das decisões ruins.”, Santa Lídia retruca.
“É possível que ele queira te pedir desculpas, Tatá, depois do que André falou com ele.”, Carol intervém.
“Não quero desculpas, aliás, não quero vê-lo novamente, agradeço a compressão”, encerro o assunto e já engato outro para deixar esse para lá: “O que vocês farão hoje?”
Só me falta essa, Shrek me pedir desculpas por algo que ele não acha que fez errado, só porque o amigo pediu. Nem pensar! Seja pelo menos íntegro, meu filho. Se é para ser cafajeste, seja com toda sua alma, como ouvi alguém dizer: “seja inteiro, nada teu exagera ou exclui, sê todo em cada coisa, põe o que é, no mínimo que fazes, assim como em cada lago, a lua toda brilha, porque alta vive.” Ou algo desse tipo. Sou capaz de perdoá-lo por ser fiel a suas regras ridículas, mas jamais por ceder pela pressão externa. Seja quem você é, ainda que seja o Shrek!
Combinamos de conversar mais tarde, e volto para minha timeline, para Crew! Sem novas atualizações. Eu me levanto para preparar meu chá
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matinal de gengibre e mel e terminar as correções das redações dos meus alunos. Divido mentalmente meu tempo entre o chá e um pão integral, a correção de três redações e a finalização da leitura do romance de número setenta e oito. Enquanto preparo o chá, programo meu tempo da tarde: correção de mais duas redações, assistir dois episódios de The Crown e depois passar na casa dos meus pais. Quando a chaleira apita, lembro que esqueci de inserir o tempo para almoço e banho.
Eu me sento na bancada da cozinha, olhando minha pilha de redações, e sorrio: tenho certeza de que vou furar o restante da agenda quando me perder na história dos meus alunos. Eles são maravilhosos.
Comecei essa semana a trabalhar o tema “Amor e Dor”, e como meus estudantes são adolescentes e estão hormonalmente imersos nas paixões, quero trabalhar um pouco a perspectiva do amor resiliente que se deixa doer, mas não desiste. Estou incentivando-os a escrever sobre amar e sentir dor de amor em verso livre, e a cada semana sou surpreendida com a criatividade e a profundidade desses danadinhos.
Pego minha caneca de chá e me sento à escrivaninha. No topo das tarefas está a de uma menina que se senta no fundo da sala. Ela é um pouco mais velha do que a turma e não participa muito da aula. Suas palavras me penetram:
“Não é simples assim Viver e se relacionar
Não é só dar vazão ao desejo
O desejo é carne, mas a alma não fica impune. Relacionamento leva tempo, dor e investimento.
Sabe aquelas palavras ditas pela metade, Que dizem, mas deixam um espaço para se justificar?
Que pena.
São um banco vazio em um parque. O sol está lindo, Há potencial para ser um dia lindo, mas não será,
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O banco está vazio, Não há encontro, há desperdício, As palavras ditas pela metade não são declarações, São pedaços de coragem caídos pelo chão.”
Uau! Estou boquiaberta.
Releio:
“As palavras ditas pela metade não são declarações, São pedaços de coragem caídos pelo chão.”
Revisito mentalmente a lista de tarefas do dia, acho que realmente vou me perder aqui, nas minhas correções, se o nível se mantiver assim.
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CAPÍTULO 3
Non, je ne regrette rien
A BOATE ESTÁ ABSOLUTAMENTE LOTADA. ESTACIONEI NA ÁREA VIP E DESCI para a fila de entrada, que dava a volta no quarteirão. Os donos da boate são os mesmos donos da academia de Crossfit que o pessoal da polícia malha. Dois empreendedores de fora que têm uma rede de academias para treino pesado e boates. Eles têm uma estratégia interessante, oferecem desconto para os matriculados que forem policiais e entrada VIP nas boates, assim eles se garantem quanto à segurança e têm a simpatia da galera da polícia. O segurança é um amigo meu, que já abre um sorriso ao ver minha aproximação.
— Fala, Tiger!
— E aí, La Torre? — Eu sou um homem alto, acima da média, mas perto desse cara, fico pequeno, daí o apelido.
— Casa cheia, cara, vai sair acompanhado hoje.
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— Esperamos — respondo, sorrindo, enquanto ele abre a cancela. Atravesso, entrando na frente de todos da fila; uns gritam e reclamam, e eu apenas ignoro. Ser policial precisa ter suas vantagens, já que lidamos com a escória do mundo.
De fato, a casa está lotada. A boate tem um desenho arquitetônico em que a pista de dança oval fica no centro, uns três degraus abaixo do local onde ficam as mesas. O bar fica no canto oposto ao da entrada, levemente recuado, permitindo que a música lá chegue um pouco mais baixa. Dessa forma, quem está no balcão consegue conversar, pelo menos um pouco. Há três pessoas trabalhando nos drinques e mais dois apenas entregando bebidas em garrafa. Normalmente são dois preparando as bebidas e um entregando. Vou atravessando o salão em direção ao bar. Meus companheiros de noite foram tirados de mim um a um nos últimos anos, primeiro Oséias, depois Antônio, agora André, todos se casando, ou quase lá.
André brigou com Carol, terminaram, e ele simplesmente desapareceu desde ontem, quando ela viajou para Nova York. Já liguei um milhão de vezes, era dia de o cara encher a cara comigo depois de dois anos namorando. Eu, se fosse ele, teria ido atrás dela. Não quero e não vou namorar, era o que ele também dizia antes de conhecê-la, mas Carol é aquele tipo de mulher que te faz repensar suas convicções.
Alguns colegas da polícia vão dando tapinha nas minhas costas enquanto avanço até o bar. O barman é o Hulk, e ele já sabe o que eu gosto.
— E aí, Pegador, o que vai hoje, uísque ou cerva?
— Sem uísque, Hulk, a mulher que levei para casa na última vez era casada, bicho.
Ele abre aquele sorriso cúmplice de todo barman.
— Você sabia, né, filho da puta?
Ele não fala nada, só ri.
Levo a cerveja aos lábios e olhos para a pista de dança. Perto de onde estou, de costas para mim, uma moça de vestido prata dança com as mãos para cima. O vestido é curto e tem um decote em V atrás, deixando à mostra uma tatuagem enorme nas costas — por causa da luz negra, não consigo saber o que é. Vejo uma sandália preta alta, com tiras amarradas nas pernas,
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cabelos escuros na altura dos ombros e pele bem branca. Percebo que vários caras estão olhando para ela enquanto a mulher balança a cabeça, cantando, dançando e ignorando completamente o ambiente. Pego a cerveja e vejo
Hulk olhando para ela também, por cima do ombro das duas moças que se aproximaram do bar. Aponto o queixo na direção dela, e ele ri.
— Já dispensou três, que eu tenha visto daqui.
Dou meu sorriso de canto de boca quando uma mão feminina me cutuca.
— Emílio!
Ao meu lado está Susan, amiga de Carol, e uma outra moça que não conheço.
— Oi, Susan.
— Essa é Tereza, minha amiga. — A moça estica a mão para mim e pisca várias vezes os cílios. — Tereza, esse é Emílio, amigo do André da Carol.
— Oiê — ela diz, aproximando o corpo de mim. Tereza é ruiva, bonita, bem maquiada. Se não der nada com a moça da pista, ela é uma opção, penso.
— Oi, meninas, posso pagar um drinque para vocês? — Pisco para Hulk.
— Estamos tomando shots de tequila. Quero três shots — Susan pede a Hulk.
— Não quero tequila — respondo, achando que o terceiro é para mim.
— Não é para você, Tiger, é para nós duas e para Tatá. — Ela se vira e aponta a moça de costas na pista, a de vestido prata e tatuagem.
Olho para a pista sem entender.
— Aquela ali é a Nerd? — pergunto, incrédulo. As duas riem alto e viram os shots de tequila.
— A própria! Eu que fiz a produção, gostou? — Susan pergunta de forma amigável.
— Estou impressionado — respondo sem disfarçar.
Talia é amiga de Carol também, e sei que está puta comigo, dei em cima dela no final de semana fatídico da tal mulher casada. Bem, pelo menos foi o que me disseram, já que não lembro de nada.
— Vem dançar com a gente? — A tal Tereza desliza a mão pelo meu antebraço.
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— Não, obrigado, acho que a Nerd não me quer ali — respondo, olhando para Susan, que ri e pega o shot.
— É, acho que não mesmo, amigo.
As duas descem para a pista, e vejo Susan entregar o copo para Talia, que o vira imediatamente. Susan aponta para o bar, para mim. Quando Talia vira e me olha, fico impressionado com como ela está sexy. Levanto a cerveja, brindando a ela, que responde com uma revirada épica de olho. Hulk observa tudo, rindo.
— Acho que essa não vai com você hoje.
— Nunca duvide das minhas habilidades, Hulk — respondo, mas eu mesmo duvido, a menina ficou bem brava depois que eu a chamei de feia. Nah, eu não faria isso.
Um cara se aproxima da roda delas e pega no braço de Susan, que não parece surpresa. De longe, a percebo brava com ele, mas com aquela irritação de quem conhece a pessoa. Ele abraça a cintura dela e se aproxima de seu ouvido. Susan sorri e logo está dançando com ele. Gosta do sujeito, devem ter um casinho, pelo jeito. As outras duas permanecem dançando, e então a tal Tereza vem para perto de mim no bar novamente. Talia dança completamente absorta.
— Estou com sede — Tereza diz para mim.
Ofereço minha cerveja, e ela toma da minha mão, me olhando enquanto bebe um gole.
— Você é amiga das meninas também? — pergunto.
— Sou colega de trabalho da Susan, conheci a amiga dela hoje. Levanto a sobrancelha, e ela devolve a pergunta. Começamos a conversar e peço uma cerveja para ela, pois me diz que já beberam três shots de tequila. Não é pouca coisa para uma mulher. Olho a pista e vejo Susan falando com Talia e em seguida subindo de mãos dadas com o cara.
— Tereza, já vou, a Tatá quer ficar. Vocês podem pedir um Uber juntas. Tereza olha para mim e balança a cabeça. Acho que espera ir embora comigo.
— Tudo bem — responde.
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— Tchau, Emílio. — Susan me dá um beijo no rosto, e faço o irmão cuidadoso:
— Você conhece o cara com quem está indo embora?
Ela ri.
— Sim, é meio que meu namorado, sabe? Humberto. Apenas balanço a cabeça.
Talia sai da pista e se aproxima do bar, mas escolhe um local distante de onde estou. Vejo que pede outro shot de tequila e vira. Estou sem Susan por perto, a tal da Tereza não é amiga, Carol não está aqui, e já fico imaginando que a menina vai arrumar confusão, mas isso não é problema meu. Ela volta para a pista, vários caras vão se aproximando, e ela segue os dispensando. Ela está mesmo muito sensual, tenho vontade de ir até lá e enfiar minhas mãos por trás do decote do seu vestido, alcançando seus seios, que devem estar livres de sutiã. Graças ao escuro da boate, minha ideia não fica evidente para quem está perto. Tereza quer uns beijos, e já está falando perto do meu ouvido. Não vou negar esse desejo para a moça.
— Onde fica o banheiro? — ela pergunta.
— Nesse corredor que começa atrás do bar. — Levanto e falo. — Te levo lá.
Caminho com a mão nas suas costas, contornando o bar e indo em direção ao corredor do banheiro, que está lotado de casais se pegando nas paredes. Ela se vira para mim, e percebo a tática. Aproximo minha boca da sua, e paro.
— O que foi? — ela pergunta com a cabeça levantada, esperando pelo beijo.
— Eu não namoro, eu não ligo e não levo mulher para minha casa. Tudo bem para você?
Como todas as outras, ela diz tudo bem, abrindo os lábios para me esperar.
— Você é casada? — Tenho de perguntar depois da última cilada que entrei.
— Tá louco? Não!
Beijo sua boca e conduzo seu corpo para encostar nas paredes laterais. Ela tem um perfume um pouco doce demais para meu gosto, mas não beija mal. Deslizo a mão por suas costas e subo para pegar em seus seios enquanto nos beijamos. Silicone inconfundível, grandes e bem artificiais. Ela geme.
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Viro para encostar minhas costas na parede, pela mania de nunca ficar de costas para um ambiente lotado como esse. Eu a encaixo entre minhas pernas abertas e continuamos a nos beijar.
O corredor é escuro, as paredes são pintadas de preto, e há muita gente entrando e saindo dos banheiros. Vejo uma moça empurrando um rapaz que insiste em pegar em sua bunda. Tento ignorar, mas a porra do instinto me faz parar de beijar e levantar cabeça para ver o que é: Talia. Tonta, com uma mão encostada na parede enquanto empurra o cara com a outra. Ele avança, e ela se abaixa para... Argh, vomitar no meio do corredor. O cara sai de perto com cara de nojo. Deixo Tereza encostada na parede e vou até Talia.
— Aonde você vai?
— Vou ajudar sua amiga.
— Que amiga?
Tereza fica parada, eu caminho no corredor em direção à Talia, que está com a cabeça abaixada e uma mão encostada na parede.
— Quer que eu te ajude?
Ela levanta o rosto, branca igual papel, e me olha sem responder.
— Talia, você está com quem?
Ela passa o dorso da mão na boca e balança a cabeça.
— Estou com a Su.
Coitada, não sabe nem onde está, o poder do destilado está aí. Sinto o cheiro horroroso de vômito.
— A Su foi embora, Nerd — respondo.
— Foi? Que horas?
— Umas duas tequilas atrás, bebê, com um tal de Humberto — explico enquanto uma equipe de limpeza se aproxima para limpar a sujeira que ela fez no chão.
— E a amiga dela? — Talia pergunta.
— Está ali. — Viro para mostrar onde deixei Tereza, mas ela não está mais lá. — Bom, estava ali.
— Preciso ir embora — Talia diz, virando para o lado oposto.
— Eu te levo. — Coloco a mão nas suas costas, mas percebo que não será suficiente, preciso ajudá-la a sair para a rua. — Onde você mora, Nerd?
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— Num país tropical — ela responde com deboche.
— E nesse país tropical, onde fica sua casa? — insisto.
— Você nunca ouviu Caetano Veloso? — ela responde, rindo.
— Nunca o quê? — Não sei se não estou ouvindo direito ou se ela não está fazendo sentido.
— A minha casa fica lá detrás do mundo. Onde eu vou num segundo quando começo a cantar — ela canta Felicidade, e tenho vontade de deixá-la na boate para largar de ser engraçadinha, mas ao mesmo tempo fico rindo. Abraço sua cintura para passarmos pela multidão na saída.
— Ei, Shrek, onde você pensa que vai com essa mão? — ela protesta tirando minha mão.
— Vou te levar em casa, Princesa Fiona, porque eu não pego mulher que vomita em boate.
Ela para e cruza os braços, cambaleia, e eu a seguro.
— Você é tão mis... mix... — Começo a rir porque a palavra não sai.
— Misógino, gata, você acha que sou misógino. — Ajudo-a, abrindo a porta do carro para ela entrar.
— Isso! — Ela levanta o dedo indicador. — Misógino. Que saco, todo homem gostoso é misógino.
Ela fala olhando para a janela.
— Você me acha gostoso, Nerd? — Dou a volta no carro e entro. Abro as janelas, porque ninguém merece cheiro de vômito. — Onde vou te levar?
— Vou deixar a vida me levar pra onde ela quiser — ela canta outra música. Pego o telefone e ligo para André, pela nonagésima vez, tentando saber onde a louca sexy mora, mas é óbvio que ele não atende. Carol está viajando, Oséias, dormindo, já são quase duas da manhã.
— Nerd, vou te levar para minha casa, você dorme no quarto de hóspedes até sarar essa bebedeira.
Ela está com a cabeça do lado de fora do carro tomando vento, e não sei se não me ouve ou se não quer responder. É um saco cuidar de bêbado.
Entro na garagem de casa.
— Onde estamos? — ela pergunta.
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— Eu já te disse. Na minha casa. Você dorme no quarto de hóspedes até curar a bebedeira.
Desço do carro, abro a porta dela e a puxo, quase a carregando no colo. Entramos no elevador, e ela finalmente resolve falar algo.
— Você disse... Você não disse... que não traz mulher na sua casa? — A fala sai arrastada.
— Nerd, hoje, para mim, você não é mulher — respondo no automático. Abro a porta do elevador, e ela fica parada lá dentro. — Vamos — falo, esticando a mão.
— Como assim eu não sou mulher?
Entro no elevador e a puxo pelas mãos.
— Vamos, mulher, são duas horas da manhã.
Destranco a porta da frente, acendo a luz do hall e dou espaço para ela entrar primeiro. Talia caminha e se vira para mim.
— Que cheiro é esse? — pergunta com cara de nojo.
— É o cheiro do seu vômito na sua roupa — respondo jogando as chaves no balcão da cozinha.
Ela põe a mão na boca e tem uma nova ânsia de vômito. Já sei o que vem em seguida, corro tentar levá-la ao banheiro, mas é tarde demais: ela vomita na minha calça, sapatos e no chão da sala. Levanta a cabeça e olha para mim.
— Desculpa.
Inspiro.
— Vou pegar uma camiseta para você dormir e tirar esse vestido fedido. Caminho pelo corredor até meu quarto, pego a peça e volto com ela nas mãos. Quando chego na sala, arregalo os olhos, apavorado: Talia está em pé, sem vestido, apenas de calcinha, estendendo o vestido para mim. Sua pele branquinha banhada apenas pela luz indireta do hall e parcialmente coberta por uma calcinha de renda rosa parece uma cena de filme. Porra, essa menina é muito linda.
— Que isso, Talia, você está louca? — Dou um grito, mas o mais impressionante são os olhões arregalados dela. A garota sequer entende minha exasperação.
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— Põe na máquina de lavar para mim, por favor, o vestido é da Susan, ela vai me matar se ficar fedido. — Há tanta inocência na sua voz, que fico duplamente chocado e excitado. Ela não tem noção do que está fazendo.
Pego o vestido, tentando não encarar seu corpo, entrego a camiseta e aponto o corredor para ela.
— Vai tomar um banho enquanto eu ponho o vestido na máquina e limpo o chão.
— Desculpe — ela fala baixinho, caminhando para o corredor. Desta vez, o ogro dentro de mim fica olhando para ela, a enorme tatuagem nas costas que a penumbra não me permite descobrir o que era termina no início da sua bunda pequena e redonda. Presumo que a noite será um inferno. Ponho o vestido na máquina, passo um pano na calça para tirar uma parte do vômito e limpo o chão com detergente; depois vou até o quarto de hóspedes. Ela não está lá. Entro no meu quarto, ela não está lá. Entro no meu banheiro, e ela está sentada no chão do boxe, no escuro, sem calcinha, com a cabeça baixa.
— Talia, você caiu? — Caminho em direção a ela.
— Não consigo ligar a água. Dá banho em mim? — diz parecendo uma criança de dez anos. A diferença é que é uma mulher linda, sexy e está pelada.
— Puta que pariu, Nerd, você não está me ajudando. Tiro a calça fedida, a camiseta e ligo o chuveiro. Ela, pelada, e eu de cueca. Deus do céu, se isso não é uma pegadinha do destino… Ajudo-a a se levantar, lavo seus cabelos. Ela me pede uma escova de dentes, entrego com pasta, e ela escova enquanto desligo o chuveiro. Entrego a toalha, e ela se enrola.
— Veste a camiseta e se deita no quarto de hóspedes — ordeno. Talia ignora minha ordem e se senta de toalha na cama, no meu quarto.
— Penteia meu cabelo. — Suspiro número duzentos da noite torturante.
Ligo a luz da luminária e busco um pente. Ela levanta o rosto e fecha os olhos, rendida igual a uma menininha. Penteio seus cabelos escuros, não me lembro de jamais ter penteado o cabelo de uma mulher.
— É tão bom quando alguém mexe no cabelo da gente — ela fala baixinho, com os olhos fechados.
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Levo o pente para o banheiro, e quando volto, ela está deitada na minha cama, ainda de toalha.
— Nerd, você não pode dormir assim, precisa pôr a camiseta — falo, de pé ao lado da cama.
Ela puxa a ponta da toalha, desenrolando do seu corpo, e entende para mim. Nessa hora, fico petrificado. Com a luz da luminária vejo algo que não tinha notado antes no banho: ela tem um piercing no mamilo esquerdo. Meu sangue ferve, a respiração acelera, e ela me olha nos olhos.
— Me dá a camiseta — diz com os olhos semicerrados.
Estou parado, mudo, completamente excitado.
— Você tem um piercing no mamilo?
Talia abre os olhos, leva a mão ao mamilo e sorri.
— Sim, quer pegar?
E pela primeira vez na noite, sinto que ela faz um convite real. Essa menina é uma granada, está bêbada, é amiga da esposa do meu melhor amigo e da namorada do outro. Há uma semana, André me deu um esporro porque tentei beijá-la estando bêbado, e agora ela está nua na minha cama. Na cabeça pisca uma luz vermelha: danger, danger, danger. O problema é que estou pensando com o pau, então levo minha mão ao piercing: foda-se todo mundo, quero pegar nessa porra. Mas ela tampa o mamilo e ri.
— Com a mão não pode, com a boca!
Talia joga a toalha no chão com a mão direita enquanto desliza a esquerda sobre o mamilo.
Devo estar em algum mundo paralelo, tem uma mulher na minha casa, o que é impossível de acontecer, pelada, com piercing no mamilo me pedindo para colocar a boca. Isso deve ser uma pegadinha.
— Você... — Inspiro sem piscar. — Você está bêbada? — Minha voz sai rouca. Não sei se isso é uma pergunta ou uma constatação, nem estou pensando mais, no entanto sinto que preciso de uma autorização expressa aqui.
— O suficiente para colocar a culpa na bebida e não o suficiente para não saber o que estou fazendo.
— Sem arrependimento? — insisto só mais um pouquinho.
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— Non, je ne regrette rien — ela fala cantando, deslizando agora a mão direita sobre o outro seio.
Coloco o joelho na cama, estou completamente enfeitiçado, um ímã me puxa para baixo. Sussurro, salivando de vontade de morder seu mamilo:
— Eu não namoro, eu não troco telefone e não trago mulher para minha casa.
— Uma noite apenas, Shrek. — Ela coloca o dedo nos lábios em sinal de silêncio. — Juro que não conto para ninguém que você me comeu na sua cama.
É a coisa mais sexy que ouvi ultimamente.
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