PREFÁCIO
Bom, no começo... havia um homem de kilt. Sempre imaginei que se há alguma coisa que você queira fazer, então comece a fazer, e se for a coisa certa, o universo de algum jeito se manifesta para ir ao seu encontro. Então comecei a escrever um romance sobre um homem de kilt, e o universo me trouxe um programa de televisão.
Tenho sido indiretamente responsável por um monte de coisas estranhas desde que escrevi Outlander – entre elas:
… cinco temporadas (até agora) de uma série de TV de grande sucesso;
… nomes de dezenas de cães de raça, cavalos de corrida e condomínios;
… milhares de bebês chamados Brianna ou Jamie (até onde eu sei, ninguém deu a uma criança o nome de “Murtagh”, o que é intrigante...);
... Chá Lord John Grey;
... composições de banda sinfônica;
... um musical;
... uma fábrica de lã escocesa especializada em tartã;
... um maravilhoso par de livros de culinária;
... três milhões de capuzes de tricô;
... dezenas de mulheres fãs que abaixam a calça em sessões de autógrafos do livro para me mostrar a tatuagem de “Da mi basia mille” no cóccix (e como diz meu marido: “Quantas pessoas sabem dizer ‘beija meu rabo’ em latim clássico?”);
... um aumento de 72% no turismo escocês (como o VisitScotland teve a gentileza de me informar), e
... um uísque excelente chamado “Sassenach”.
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Mas este livro pode ser uma das coisas mais estranhas e, definitivamente, uma das melhores!
É uma grande honra ter sido convidada por Sam e Graham para escrever o prefácio de um dos mais interessantes, incomuns (para dizer o mínimo...) e hilários livros que já li em muito tempo. Não sei bem como vocês o chamariam, mas estou acostumada a não conseguir descrever meus próprios livros com vinte e cinco palavras ou menos, então isso não é um problema, provavelmente. Para começar, é um livro de companheirismo. Dois bons amigos brincam (e brigam) pelas Terras Altas da Escócia, arriscando a vida e os membros daquele jeito casual que os faz atraentes. Por quê? Bem, porque ambos são escoceses e ambos são uma grande parte de Outlander (não só o programa de televisão, mas todo o estranho fenômeno), perceberam que são escoceses (usar um kilt todos os dias durante dois anos tem esse efeito) e querem descobrir de onde veio seu legado e o que realmente significa ser escocês (além de nascer gostando de uísque).
Também é um livro sobre pegar a estrada. (Pense em Jack Kerouac, mas com menos drogas, mais parágrafos e nenhum sexo. Bom, quase nenhum sexo...)
Nossos dois amigos estão, de fato, fazendo uma série de televisão sobre várias locações históricas nas Terras Altas. Acompanhados por uma pequena equipe de filmagem – inclusive uma talentosa maquiadora e um operador de drone –, eles visitam locais históricos espetaculares nas Terras Altas escocesas para aprender a verdadeira história de alguns dos mais conhecidos massacres, lutas, traições, decapitações e outras atividades recreativas tipicamente escocesas. Esta é a história dessa jornada, feita com uma velha Campervan da Fiat, uma bicicleta dupla, um caiaque e diversos outros improváveis meios de transporte que só fazem sentido para quem está sofrendo uma intoxicação por testosterona.
E no caminho, eles conversam. Não só entre eles, mas com eles mesmos. Em algumas fases, o livro é uma autobiografia gêmea. Cada um relembra sua vida como ator – em fragmentos – porque todo ator (como todo
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escritor) meio que se vira enquanto vai seguindo por seu caminho. O que significa que muitas histórias são do tipo que só têm graça para os protagonistas com vinte anos de perspectiva, mas são infinitamente divertidas para os espectadores.
Essas reminiscências também incluem muitas histórias do set de Outlander. Eu só fico no set de maneira intermitente, mas me lembro do dia quando, na segunda temporada, Sam se preparava para montar e o cavalo decidiu seguir o conselho da mãe e fazer suas necessidades antes de sair (há um motivo para muitos figurinos terem várias cópias). E outra ocasião durante a segunda temporada em que Graham precisava cavalgar um cavalo mecânico (como disse o diretor, “ficou uma merda, mas você não vai conseguir perceber isso nas filmagens”).
O cavalo mecânico foi transportado na carroceria de um caminhão, seguido por outro caminhão com uma câmera, e Graham tinha de pular sobre a sela do cavalo mecânico em movimento (supostamente pulando de outro cavalo). Sendo um programa de televisão, eles filmaram a cena muitas, muitas vezes para garantir imagens suficientes para conseguir o efeito que procuravam. Quando finalmente pararam, Graham desceu cambaleando da estrada onde eles tinham feito a filmagem, parou perto de mim e Anne Kenney (brilhante escritora do outro episódio daquele bloco de filmagem) para dizer: “Acabei de ter uma conversa com minhas bolas, e elas me disseram: ‘A gente prefere que você não faça mais isso’”, e seguiu cambaleando e resmungando: “Eu sabia que devia ter usado um protetor hoje de manhã...”
E, finalmente, tem a história real das “terras do clã”, tecidas por meio deste relato de viagem. Os viajantes chegam às mais interessantes/famosas/ relevantes locações das Terras Altas, onde aprendem o que sua história e seu legado são, auxiliados por alguns dos mais coloridos habitantes desses lugares.
Portanto, você tem, na verdade, quatro livros em um! (Uma verdadeira barganha...).
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Mas a parte mais importante deste livro é a amizade entre seus autores, que colore e ilumina todas as páginas.
Fiquei intrigada e imensamente entretida pela história, mas também me senti tocada pessoalmente. Um dos aspectos mais inesperados de todo o “fenômeno Outlander” é como ele parece reunir as pessoas. Elas leem os livros e assistem a série – e querem falar sobre isso. Então formam grupos de fãs, clubes do livro, fóruns no Facebook e amizades profundas e duradouras, e tudo por causa de um amor compartilhado por uma história.
Sempre vou me lembrar de uma mulher que me trouxe um livro em uma sessão de autógrafos e contou que morava sozinha, que estava sozinha havia muitos anos, raramente saía e não tinha família – mas se sentira atraída pela história, encontrara outros que se sentiam como ela, e essas pessoas a convidaram para ir às sessões de autógrafos, estreias e convenções. “Agora tenho amigos!”, ela disse. Ela chorou, e eu também.
Espero que você tenha essa sensação de amizade nestas páginas.
UMA ÚLTIMA PALAVRA, JÁ QUE ESTE LIVRO É SOBRE UM RETORNO
às raízes: há alguns anos, um dos meus romances ganhou o Corine International Prize for Fiction, e eu fui convidada para ir à Alemanha receber o prêmio. Foi um grande acontecimento para a editora alemã, e eles aproveitaram minha presença para me levar a entrevistas com todos os órgãos da imprensa alemã; jornais, revistas, rádio, televisão, jornais literários, tudo. No fim da semana, eu estava sofrendo de privação de sono e um pouco atordoada, quando conheci um cavalheiro agradável de um dos jornais literários. Muito encantador, ele falou muito (e bem) sobre os livros. Adorava minha narrativa, os personagens eram excelentes, meu imaginário era transcendente!
E eu estava ali sentada, em um agradável torpor, pensando: “Sim, sim, continue...”, quando de repente ele disse: “Só tem uma coisa que queria saber: pode me explicar qual é o apelo de um homem de kilt?”
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Bem, se estivesse totalmente consciente, eu talvez não tivesse dito isso (porém...). Enfim, olhei para ele por um momento e disse: “Bom, acho que é a ideia de poder estar com ele e contra uma parede rapidamente”.
<ham-ham>
Algumas semanas depois, já em casa no Arizona, recebi um pacote de recortes de entrevistas do editor alemão, e no topo da pilha estava a entrevista daquele jornal. O editor havia acrescentado um Post-it com uma mensagem: “Não sei o que você disse a esse homem, mas acho que ele está apaixonado por você!”
Um homem de kilt. Uma imagem muito poderosa e envolvente, sim... E agora você tem dois deles...
Pegue uma dose de um bom uísque, abra o livro e divirta-se!
Slàinte mhath!
DIANA GABALDON
Scottsdale, Arizona Agosto, 2020.
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CAPÍTULO 1 Enganado
“A história de dois homens que não sabem nada.”
Sam e Graham
“É um negócio perigoso, Graham, passar pela porta de casa. Você pisa na rua, e se não se segura, não dá para saber para onde pode ser levado.”
Sam Heughan em nome de J. R. R. Tolkien, O Senhor dos Anéis
INT./EXT. ESTACIONAMENTO PARA CAMPERVAN. GLENCOE VALLEY. TERRAS ALTAS DA ESCÓCIA – DIA (Setembro, 2019)
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Graham
Quando afivelo o cinto de segurança no banco do passageiro do Fiat AutoRooler Camper, uma sensação de medo começa a se formar em meu estômago – nunca peguei carona com Sam antes. Nunca. Todo mundo conhece as próprias habilidades. Sou um ótimo motorista. Tenho um automóvel rápido, típico de crise de meia-idade. Porém, não ultrapasso o limite de velocidade. (Tudo bem, talvez tenha ultrapassado o limite de velocidade umas duas vezes). E em quarenta anos, nunca sofri um acidente. Sam, por outro lado, tem uma coleção de amassados e arranhados de sua autoria.
Uma vez, em Los Angeles, ele trancou a chave no porta-malas, deu ré com um Mustang em cima de um poste (que, pelo jeito, “apareceu do nada”) e riscou um carro elétrico novinho de ponta a ponta do lado do passageiro, supostamente culpa da Cidade dos Anjos, já que aquele era um “péssimo lugar para colocar um cano”.
Olho para seu sorriso juvenil enquanto ele sacode a alavanca de câmbio, quase incapaz de sufocar as risadinhas, e percebo que esse é um homem capaz de qualquer coisa. Talvez ele jogue o carro em um precipício, só para ver como é. Talvez pule do carro em movimento, me deixando sozinho para tentar controlar um trailer em alta velocidade. Todos esses pensamentos rodam na minha cabeça castigada pela ressaca, enquanto Sam engata a ré.
Ca-tchunc uíííííííííírrrrrrrrrrrr ca-tchunk
Presumo que ela engatou a marcha, mas o guincho da caixa de câmbio me diz o contrário. Ele manipula a alavanca novamente, olhando para mim com o sorriso de um psicopata e, naquele momento, nasceu Clanlands – sem plano, sem roteiro, só nosso verdadeiro eu: um homem fingindo ser um cara durão pegando carona com um maníaco.
Tenho certeza de que Sam vai descobrir maneiras novas e terríveis de pôr minha vida em risco.
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Sam: Até parece...
Ele me diz casualmente que não dirige um carro manual há uns cinco ou seis anos, e nunca dirigiu nada do tamanho de uma Campervan. Maravilhoso.
Sam: Não tenho nem ideia de que pedal usar.
Graham: É brincadeira?
Sam: Não. Hm, ABC.
Graham: Sim, mas em que ordem? Começo pela esquerda?
Sam: Começa pela esquerda.
Graham: Não. É pela direita. Acelerador, breque, câmbio.
Na terminologia moderna de trânsito isso também significa Antecedente, Bom comportamento ou Consequência, mas esse é um homem que acha que pode abrir caminho blefando, fingir que é um motorista competente, e que as consequências serão só eventos empolgantes que ainda não aconteceram.
Sam: Tudo bem aí, Graham?
Se tivesse uma bolsa, McTavish a estaria apertando agora, e ainda nem tínhamos saído do estacionamento. Sim, arranhei uma ou duas trocas de marcha, mas não dirijo um manual (com câmbio) há anos, uns cinco ou seis... e nunca tive um veículo tão grande quanto este, não que vá contar isso ao Graham... ainda. Finalmente encontro a ré, respiro fundo e saio pisando fundo.
Graham: Jesus!
Quando Graham se mexe no banco e agarra o apoio de mão, sinto uma descarga de adrenalina – isso vai ser divertido, mesmo que a gente não saia do estacionamento. Vê-lo gritar e gemer é profundamente satisfatório. Ele olha para mim com ar ameaçador quando engato a primeira e
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Sam
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começamos a ganhar velocidade, evitando por pouco o choque com a placa do Hotel Kinghouse.
“Bem, aí vamos nós”, digo com grande confiança. “Clanlands, a história de dois homens que...
“... não sabem nada!” Graham conclui.
E ele está certo. Estamos partindo juntos em uma jornada – uma jornada de descoberta para encontrar a verdadeira Escócia e o que significa ser escocês, mas só temos um esboço de plano. Sabemos que queremos descobrir mais sobre seis dos principais clãs das Terras Altas e conhecer o maior número possível de pessoas interessantes, de chefes de clã (ainda brigando) a músicos, historiadores, chefes de cozinha (Graham precisa se alimentar) e, é claro, mestres de destilarias (bom, por que não?). Mas com uma semana para arrumar tudo, vai ser uma aventura completa abastecida por uísque, adrenalina e café.
Uuuuuuurrrrrrúúúúúú-TUMP
Graham: Essa é a segunda, não a quarta.
Graham
Estamos começando em Glencoe, discutivelmente o coração das Terras Altas – um vale íngreme formado por uma geleira da era do gelo atravessada pelo Rio Coe. É uma área da Escócia que conheço bem, pois a visitei e passei férias ali muitas vezes, e também é o local do Massacre Glencoe de 1692, que chamou meu interesse na história da Escócia há mais de vinte anos.
Bem, em 1992, para ser exato.
Eu tinha trinta e um anos. É chocante pensar que Sam devia estar ainda se preparando para começar o segundo ciclo do fundamental e talvez usasse calças curtas. Molhava a cama, talvez? Vou precisar de um momento para assimilar essa constatação dolorosa.
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Eu estava no Festival de Teatro Pitlochry, fazendo a temporada, imerso nas Terras Altas por nove meses e atuando em seis diferentes peças por semana. Era fantástico. Sempre fui fascinado pelas Terras Altas e senti uma profunda conexão com a área. Meu pai mal podia esperar para sair da Escócia. Nascido e criado em Glasgow, ele viajou o mundo como piloto. Sempre que sobrevoava a Escócia, ele dizia que estava nublado! Então o que quer que tenha despertado meu interesse pelas Terras Altas e sua história, isso veio de dentro de mim; quase como algum tipo de “memória genética”, um conceito que diz que experiências de um grupo de pessoas ou “tribo” ao longo de centenas de anos podem ser transmitidas.
Quando estive no Pitlochry, fiquei fascinado pelo famoso massacre de Glencoe, e havia feito anteriormente uma pesquisa exaustiva na Biblioteca Britânica. Meu plano era escrever alguma coisa para o 300° aniversário de Glencoe, escrevi um tratado chamado Clanlands e tentei atrair o interesse das pessoas para transformá-lo comigo em um programa de TV, mas com um ator escocês de teatro de trinta anos de idade, isso nunca aconteceria.
Anos mais tarde, conversei com Sam muitas vezes sobre meu amor pela história escocesa no set de Outlander, pois uma das primeiras coisas de que gostei imediatamente nele foi seu entusiasmo por um monte dessas coisas. Sam adora embarcar em tudo, mas mal sabia eu, quando o encontrei novamente, seis anos depois, que ele estaria atrás de mim em uma bicicleta dupla em Argyll. Mas estou atropelando o assunto...
Em março de 2019, eu estava em minha cozinha na Nova Zelândia, quando Sam telefonou. Ele sabia que eu estava pensando em fazer um documentário sobre a história escocesa e queria saber se poderíamos fazer algo juntos, tipo um podcast. Foi imediatamente interessante imaginar que sentaríamos em um pub e faríamos piada enquanto bebíamos uísque. No entanto, não demorou muito para a ideia do podcast se transformar em um plano de usarmos GoPros para nos filmar enquanto caminhávamos e conversávamos.
Ótimo, pensei, embora nem imaginasse como isso ia funcionar, na verdade. Meu domínio da tecnologia é tênue, na melhor das hipóteses, e eu
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imaginava Sam gravando excelentes cenas comigo, enquanto eu ainda não havia conseguido nem apertar o “play” no meu equipamento. Então Sam sugeriu uma câmera de verdade, com pessoas de verdade que sabiam de fato o que estavam fazendo. Tudo bem – esse negócio estava crescendo. Decidimos que nossa caminhada pela história escocesa passava por seus clãs, olhando um clã por episódio. Eu já tinha meus favoritos, com base em minha leve obsessão por disputas. Existe um ditado, “a Escócia nasceu lutando”, e disputas são algo que os clãs das Terras Altas transformaram em uma forma de arte. Venezianos tinham seu vidro, os persas tinham seus tapetes, e os escoceses têm suas disputas. Mandei minhas sugestões, e decidimos quais clãs mostraríamos com base em geografia e acessibilidade, já que tínhamos um prazo muito pequeno, sem cobertura climática para um setembro escocês (idiotas!), sem roteiro, sem preparação de verdade, só uma ideia do tipo “aparece lá e filma”. Uma câmera se transformou em duas, depois três... e um drone.
E depois de embarcar em diversos aviões, trens e automóveis – eu, da Nova Zelândia, Sam, do cenário de Outlander –, finalmente chegamos ao Hotel Kingshouse, na borda sul da cordilheira Glencoe, para encontrar Michelle Methven, nossa maravilhosa produtora, e o restante da equipe de Clanlands.
Vou apresentar a equipe. Temos:
Michelle Methven – nossa produtora, a pessoa que mais trabalha duro na Escócia e tem uma grande coleção de galochas. Ela é uma guru de planejamento, motorista experiente de veículos 4X4, e você vai querer tê-la em sua equipe, porque ela joga em todas as posições.
Alex Norouzi – produtor e diretor, era virgem de uísque até me conhecer. Um gênio criativo com um sotaque engraçado.
John Duncan – diretor de fotografia e gênio do drone.
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Sam
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Jonnie Lewis – segundo assistente de câmera. Entusiasmado, com um grande cabelo.
Tim Askew – terceiro assistente de câmera para o nosso último fim de semana. Pegou muitos cortes e rolos “B” (isto é, cenas cortadas, close-ups de espinheiros, montanhas, a barba de Graham), alguns dos quais vou negar que algum dia aconteceram!
Merlin Bonning – mago do som que viajou no fundo de uma Fiat Camper.
Wendy Kemp Forbes – maquiadora/beleza/diretora moral. Grande risada e coração maior ainda. Deu atenção extra à cabeça careca de Graham. [Graham: passei cinco minutos na cadeira de maquiagem, Sam mal tinha estado nela. Sendo constantemente embelezado como alguém do Best In Show.] [Sam: É porque tenho cabelo, Graham.]
Laura Strong e Linzi Thompson – a equipe de estilistas que montou acampamento em Glen Etive.
Davie “Hollywood” Stewart – meu motorista Outlander durante seis anos, que assumia os controles sempre que estávamos bêbados demais para dirigir. Na maior parte dos dias. [Graham: Graças a Deus!]
Paul/Stewart/Daniel – Assistentes/motoristas e multitarefas o dia todo. Fazem café, servem uísque, seguram a iluminação, garantem o lanche e o latte de Graham.
Peter Sandground – nosso fotógrafo, que conseguiu fazer algumas imagens incríveis em segundos e compartilhou do meu entusiasmo por colocar Graham em situações precárias. [Graham: Lembrete – espancar Peter Sandground até quase o matar.]
Michelle Methven é uma máquina – o tipo de pessoa que põe a mão na massa. Acho que estamos todos em Clanlands e todos nos entendemos porque ninguém estava procurando as vantagens ou armadilhas da fama (exceto Graham, talvez, com seu apetite insaciável por bom vinho, boa comida e hotéis caros). O que diferencia Michelle é que ela não só está emocionalmente envolvida no projeto, mas também sempre mantém uma
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disposição animada, mesmo quando se vê diante de dois atores e uma equipe com fome, de ressaca e meio atordoados. Ela pensa em tudo. Conheci Michelle trabalhando na gravação de um comercial há alguns anos. Ela dirigia um Land Rover velho e enferrujado, usava uma de suas icônicas galochas, um par verde, e uma jaqueta impermeável surrada. Ela sorriu para mim e me convidou a entrar. “Quer dirigir?”, perguntou, percebendo que eu estava maluco para experimentar um off-road. Aquilo era altamente irregular, mas ela sabia que eu me sairia bem quando sentei diante do volante e olhei para baixo, para a encosta íngreme. “Ai, Deus!”, gritou a maquiadora Wendy no banco traseiro, cobrindo os olhos e rindo como doida. “Tudo bem”, disse Michelle, que nunca entra em pânico e sempre tem um plano reserva. Quando descemos a encosta, vi que ela estava tentando pensar no que fazer caso acabássemos dentro de uma vala. Descemos a encosta em segurança e paramos perto de um grupo de clientes comerciais, que pareciam se divertir. Pulei do banco do motorista e me escondi rapidamente atrás de Wendy, uma tarefa difícil, considerando que ela é quinze centímetros menor que eu! Mas antes de os executivos terem uma chance de manifestar preocupação, a sempre pronta Michelle interferiu com seu sorriso encantador. “Uma xícara de chá? Ou é muito cedo para um ponche quente?” Os executivos relaxaram e disseram que nunca era cedo demais, e naquele momento eu percebi que Michelle era uma mulher que você sempre vai querer ao seu lado.
E Wendy é outra integrante da equipe sem a qual eu não poderia ficar. Trabalhamos juntos em Outlander desde o início, em 2013. Ela faz minha maquiagem em tempo recorde, normalmente de quarenta e cinco minutos a uma hora para lama, sangue, envelhecimento, peruca e todos os extras apropriados à filmagem. Não só se encarrega da continuidade do meu personagem Jamie Fraser – que apanha muito –, como também aplica as cicatrizes nas costas que exibo quando apareço sem camisa na série. [Graham: o que acontece muito. Não consegue ficar com a porcaria da roupa. Tenho quase
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certeza de que ele está escrevendo esse trecho pelado.] No começo, uma equipe de três pessoas demorava três horas, mas Wendy aperfeiçoou a técnica e agora consegue fazer todas as cicatrizes em apenas noventa minutos. Pode estar chovendo, estar frio, ser tarde da noite ou podemos estar cobertos por uma nuvem de mosquitos, ela sempre tem um sorriso e uma piada para mim. Na verdade, nós rimos muito, e nossa ligação se tornou muito forte.
E se você não conhece Outlander, onde esteve? Não, não é aquele com Sean Connery no papel de um espanhol e um francês como um Highlander. Embora esse filme tenha uma trilha sonora incrível (Queen – Who Wants to Live Forever) e uma cena na qual eles discutem o conteúdo de um haggis em um barco a remo (na verdade, isso parece um episódio de Men in Kilts).
Outlander é a série multipremiada do Starz (disponível na Amazon Prime no Reino Unido, no canal Starz nos EUA e no Brasil, na Netflix) sobre uma enfermeira dos anos de 1940, Claire Beauchamp Randall (representada por Caitriona Balfe, minha sofrida e completamente brilhante colega), que é transportada de volta à Escócia do século XVIII, um ano antes do Levante Jacobita de 1745, e encontra o amor de sua vida, o ruivo Jamie Fraser, representado por mim. O nome completo do meu personagem é: James Alexander Malcolm MacKenzie Fraser – tente repetir esse nome cinquenta vezes na frente de um grupo de atores com comportamento adolescente, cozinhando em perucas e barbas falsas, e veja como se sai!
Caitriona e eu estamos juntos nessa jornada incrível há quase sete anos. Ambos bem imaturos de início e reunidos para desempenhar os papéis das almas gêmeas Jamie e Claire, encontrei em Caitriona não só uma brilhante e sensível colega de elenco, mas uma amiga leal. Cait e eu somos como irmãos, sabemos como o outro funciona. Existe tranquilidade e conforto quando trabalhamos juntos e, é claro, temos nossos desentendimentos, mas no fim sempre nos apoiamos. Durante as negociações da primeira temporada, insisti para nossos cachês e contratos serem os mesmos e para estarmos sempre juntos nisso. Agora, como produtores do programa, temos
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uma responsabilidade adicional com o restante do elenco e da equipe, além de Diana e dos fãs, de fazer a coisa certa. Confiamos um no outro, e eu a considero uma de minhas melhores amigas. É difícil não se divertir no set, e nós rimos muito, temos um senso de humor meio infantil. Conhecemos as “dicas” um do outro, e muitas vezes Cait me deu um ombro em que me apoiar ou um bom conselho. Tenho muita sorte por dividir essa jornada com ela. E acho que a “química” fala por si só.
A série de TV Outlander é baseada em uma série de livros escritos vinte anos antes pela megatalentosa Diana Gabaldon. Diana se inspirou em Doctor
Who: em um episódio havia um homem de kilt chamado Jamie, que era representado pelo ator Frazer Hines, que apareceu na terceira temporada de Outlander como Sir Fletcher Gordon, o governador de Wentworth. Uma mistura única de fatos históricos, ação, romance, espiritualidade, trevas, informação medicinal e humor [Graham: e mais closes da bunda de Heughan do que teria sido estritamente necessário; a melhor descrição para o programa é “tartã e pornô soft”] [Sam: Exagero], seu trabalho conquistou leitores leais e vorazes. Felizmente, os fãs nos acolheram, adoramos dar a eles nossa versão dos livros de Diana, e eu me considero o guardião do personagem que ela criou, Jamie Fraser. No entanto, tem um pequeno grupo radical de fãs que acredita que, por eu ser dois centímetros e meio mais baixo que Jamie, não sou uma escolha apropriada para representar o “Rei dos Homens”.
Também não sou ruivo [Graham: até que é], nem virgem!
Graham
Depois de ter uma conversa com Michelle e conhecer a equipe, Sam e eu ficamos animados e um pouco assustados sobre ir a tantos lugares e conhecer tanta gente em um prazo tão apertado, quase um desafio às leis da física. Então é de importância vital estar inteiro de manhã para nosso primeiro dia de gravação. Com
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isso em mente, fomos comer alguma coisa juntos e tomar no bar um drinque antes de dormir, e tudo vai bem no mundo até que... entra Duncan Lacroix (Murtagh em Outlander) com seu ajudante dipsomaníaco, “O Irlandês”, já meio embalado e no clima do estrago. Tínhamos convidado Duncan – o residente Oliver Reed de Outlander – para fazer uma aparição cômica em nossa aventura Clanlands, e ele aceitou de boa vontade. Mas agora percebo que isso pode ter sido um terrível erro...
Começa com uísque, depois vinho e depois uísque. Muito uísque e meu destino alcoólico selado até as três da manhã. Sam sai discretamente, bem encharcado, à uma; ele não tinha nada que me lembrar de ir para a cama. Minha experiência sempre foi: quanto mais importante a tarefa no dia seguinte, mais tarde vou para a cama. Não é o ideal, eu sei.
O despertador toca mais alto do que deveria. Ah. São sete horas. Abro os olhos com esforço e me sinto arrasado. Lá embaixo, na sala de café de manhã, me surpreendo por ver Duncan em pé e em movimento – talvez ele nem tenha ido para a cama? Porém, olhando de perto, ele parece pronto para morrer a qualquer momento ou parece um cadáver aquecido ainda com as roupas com que foi enterrado. Seu amigo irlandês não está por ali – deve estar na cama, talvez vivo, talvez não.
Sam exibe sua irritante versão animada, cheio de energia como um musculoso Springer Spaniel. Depois de engolir com esforço um café de mingau, uma fritada escocesa, torrada, geleia e tudo mais (bem, eu comi), Sam e eu estamos finalmente no nosso motorhome, andando em terceira pela rua Glencoe a caminho de uma locação onde Duncan está fingindo pedir carona. No estado em que ele está, manter o polegar erguido vai ser um milagre. Sam o viu lá na frente. Ele me pergunta o que deveríamos estar fazendo. Respondo que não tenho a menor ideia – ele organizou essa viagem! Ele se aproxima de Duncan. “Vai devagar”, digo. Ele me atende, e nós dois fingimos total perplexidade quando vemos nosso companheiro Duncan no meio das Terras Altas.
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Graham: Vamos dar carona para ele?
Sam: Não.
Fecho a janela, deixando lá fora o rosto abatido, carregado de expectativas e excessivamente renovado quando passamos por ele, Sam fazendo o melhor que podia para fazer girar as rodas deste gigante de plástico. John, o diretor de fotografia, sugere que falemos sobre Duncan no caminho – talvez se sentindo mal por deixá-lo na estrada –, mas digo que é muito mais divertido se não mencionarmos o assunto. Simplesmente seguimos em frente, sem nenhuma preocupação.
Ainda na estrada, abro a janela de novo, me sentindo enjoado. Bebi um litro de café, mas a cafeína já está se dissipando. O sol aquece meu rosto (em setembro), e de repente começo a perceber a incrível paisagem à nossa volta. Sam e eu inclinamos a cabeça para frente para enxergar melhor pelo para-brisa e absorver o vale cativante, lindo de acelerar o coração, majestoso, mas duro e inóspito, na verdade. Em um dia como hoje, nada supera a paisagem escocesa. As camadas de sangue, disputa, romance, mito e paixão são como a própria rocha das montanhas, grandes, antigas e, às vezes, esmagadoras.
A vida é dura nessas colinas. A pedra nas Terras Altas é tão dura, que é uma barreira para a drenagem. Alerta de topografia! A chuva se acumula nos vales sem câmaras subterrâneas, e a umidade permanece na superfície, tornando a terra pantanosa, ensopada e traiçoeira. As Terras Altas, até o século XVIII, eram praticamente uma ilha, isolada pelo Estuário do Forth e o Estuário do Clyde, e a única rota era através de Stirling. Por isso Robert de Bruce conseguiu afogar batalhões de cavaleiros ingleses em Bannockburn em 1314, mesmo em desvantagem numérica. A terra pantanosa em torno de Stirling só foi drenada no fim dos anos de 1700, e a maior parte da movimentação nas Terras Altas até o fim do século XVIII era por mar.
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SamVocê talvez já tenha percebido que Graham é meio fanático por história porque, vamos encarar os fatos, ele é de outra época (e de outro planeta!). Acho que ele nasceu na década de 1940... [Graham: 1961, obrigado.] Enfim, ele realmente sabe muito sobre os clãs e sua ancestralidade nas Terras Altas; embora eu me interesse muito por minha herança escocesa, ainda tenho de preencher lacunas da minha linhagem. Estou ávido para saber mais, e por isso decidi produzir Men in Kilts como um programa de televisão, porque, para mim, não tem maneira melhor de aprender do que “se enfiando no meio das coisas”. Sou do tipo que mete a mão na massa, e organizar uma viagem de carro pelas Terras Altas com um amigo, conhecer várias personalidades escocesas e beber uísque forte de barril é meu tipo de excursão histórica. Então, se o Grande G é o professor sobrancelhudo com cheiro de mofo nesta aventura, eu devo ser Steven Spielberg! Baldilocks tem vinte anos mais que eu e a arrogância do idoso em relação a detalhes como datas de batalhas, números de mortos, ferimentos sofridos e condições climáticas – um estranho e inesperado benefício de nossa amizade intergeracional!
E temos diante de nós uma jornada épica que começa no resplandecente vale de Glencoe. A dramática montanha Buachaille Etive Mor (gaélico escocês para “os pastores de Etive”) guardando o vale parece irreal ao sol de início da manhã. À direita tem a escarpada e precária cordilheira Aonach Eagach, que acompanha todo o comprimento do vale. Só pode ser atravessada em uma direção com o uso de corda e arreios, e é algo que sempre quis escalar. [Sam: Graham, ficou a fim?] [Graham: Hoje não, obrigado.]
Ela é atravessada pela adequadamente nomeada Escada do Diabo, uma velha trilha militar e uma subida íngreme até para os mais aventureiros.
Eu costumava ir a Glencoe quando era criança; até aprendi a esquiar aqui
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quando era adolescente. No entanto, diferente de Graham, que passou a juventude em Glasgow, passei meus anos iniciais na área rural das Terras Baixas. Nasci em uma casa de pedra perto da cidade de Balmaclellan em Galloway, sudoeste da Escócia, em 1980...
Graham: senti um desequilíbrio no mundo em 1980, eu lembro.
Sam: Você vai gostar dessa, Graham. Às vezes, meus pais e meu irmão
Cirdan me chamavam de “Samwise”, por causa do personagem de J. R. R. Tolkien em O Senhor dos Anéis. Graham era Dwalin, o rabugento e raivoso anão escocês em O Hobbit. Estereótipo de elenco de novo.
Graham: Sério? Eu não sabia disso, cara. Sabia que tinha um motivo para gostar de você. Apesar de, dito isso, eu sempre ter achado que Samwise era o mais irritante dos hobbits em O Senhor dos Anéis – aquele que eu torcia em segredo para Sauron colocar em algum tipo de estrangulamento de Mordor.
Sam: Toque legal.
Criado por minha mãe, Chrissie, mudamos para New Galloway (o menor burgo real na Escócia) para um bloco de estábulos convertidos chamado de Steadings [Graham: Você literalmente cresceu em um galpão para animais, como um menino Jesus escocês], no terreno do Castelo Kenmure, uma ruína do século XIII nas margens do Lago Ken. As coisas eram apertadas naquela época, mas não tinha importância, porque meu irmão e eu tínhamos o antigo jardim murado, prados entre encostas (campos de tiro de arco, na minha imaginação) e densos bosques da Forestry Commission como nosso playground. Agora percebo como isso era idílico e como tínhamos sorte. Sempre fomos cercados pela história. A presença sombria do Castelo Kenmure nos espiava pelas janelas e porta abertas como o rosto de um monstro macabro pronto para engolir uma criança pequena. Em algum momento, eu reuniria coragem para entrar no castelo em ruínas e encontrar evidências de antigos habitantes, uma velha lareira, paredes e assoalhos expostos. Imaginava guerreiros subindo sorrateiros pela escada em espiral, como eu fiz em Outlander. Foi nessa terra que comecei a brincar e desenvolver minha imaginação. Era
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obcecado por Merlin, Excalibur, Rei Arthur e Roberto de Bruce; todos têm ligações com a antiga história britânica e aquela parte de onde a Escócia afirma ter originado muitos de seus mitos.
Bang!
Passamos por um buraco na estrada.
Graham: Devagar! Meu Deus, parece um remake ruim de Velocidade Máxima.
Sam: E você é Sandra Bullock?
Graham: Sandra Bullock sabia dirigir! (PAUSA). E o que é isso, exatamente?
A BARBA DE GRAHAM ERIÇA QUANDO ELE CUTUCA COM UM DEDO a miniatura de vaca das Terras Altas pendurada no espelho retrovisor. “O que é isso?”, ele pergunta com um tom ainda mais desconfiado que o habitual, como se esperasse que ela mugisse ou explodisse em seu rosto. Decorei a van com todas as bugigangas escocesas que consegui encontrar em minha casa e no bazar de caridade local. Velhos mapas da Escócia, um jogo de gaitas de fole quebradas, uma espada de bainha de vime, um bastão de shinty, uma bandeira escocesa, duas bicicletas enferrujadas amarradas na parte detrás e qualquer outra tranqueira comum que consegui encontrar, só para fazer o careca se sentir mais em casa. “É tudo material de pesquisa com algumas surpresas”, respondi, rindo, mantendo-o em estado de alerta e garantindo que não se sentiria suficientemente à vontade para pegar no sono. Eu o imagino com o cobertor de tartã sobre os joelhos, a bolsinha em cima dele.
Sam: Tenho um single malte escondido embaixo da pia. (E pão sem fermentação, que ele não deve encontrar.) E trouxe até um charuto para você...
Graham: Muito atencioso. Nunca fumei, então provavelmente engasgaria e morreria.
Sam: Essa é a ideia.
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Graham levanta as sobrancelhas e abre a boca.
Graham: Por que o motor está fazendo esse barulho, esse vrirr, vrirr?
Sam: M*rda, marcha errada.
Graham: Minha boca parece o piso de uma gaiola de papagaio. Preciso de um latte
Graham sempre precisa de um latte. No cenário de Outlander, o bordão de Graham era “vou buscar um latte”, e ele logo se tornou conhecido como Lady McTavish por gastar tanto, o oposto de seu endurecido personagem em Outlander, o Chefe de Guerra Dougal MacKenzie. E se Graham sofre uma hipoglicemia, é o nosso fim. Francamente, o homem funciona com base no estômago. Deve estar mastigando o tempo todo. Normalmente, eu bebo dois cafés puros para fazer o cérebro pegar no tranco e sair da sonolência matinal, e talvez coma um mingau fervendo. Mas Graham come mingau, um café da manhã completo, torrada, iogurte... Ele sempre pede entrada, prato principal e talvez uma tábua de queijos, e é o primeiro a pedir a carta de vinhos. Normalmente, eu vou direto na coleção de uísque.
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Em minha defesa, não sou do tipo que gasta muito, sou só uma pessoa que precisa de café o dia inteiro e, quando chego no set, ou em algum lugar como um hotel, gosto de saber algumas informações simples: onde posso guardar minhas coisas, onde posso sentar, onde está o café e qual é o horário do café da manhã...
Sam:... E o almoço, o chá e o jantar, tudo organizado enquanto você ainda está no café da manhã.
Graham: Só gosto de saber quando vai ser minha próxima refeição.
Sam: Tem fruta e barras de proteína no porta-luvas.
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SamLevanto a cabeça e percebo que Milady já está cercada de embalagens vazias, mastigando discretamente. Fala sério, Graham. Ele sorri para mim. Quando foi que conheci esse homem? Foi amor à primeira vista? Não consigo lembrar. Penso no passado... Estávamos em um estúdio pequeno e quente no Soho, em Londres. Eu estava reunido com alguns produtores executivos e a equipe de casting de Outlander. Estava “lendo” para vários autores que fariam a audição para o papel de Dougal MacKenzie e o de Colum MacKenzie, irmãos e temíveis líderes de clã. Dougal era um senhor da guerra cabeça-quente, e Colum era um político fisicamente prejudicado e arquimanipulador. Jamie tinha lealdades mistas pelos dois homens e, embora fossem seus tios, havia muita desconfiança. O primeiro a fazer a audição para os dois papéis era Tim McInnerny (Capitão Darling em Blackadder). Ele acabou ficando com o papel de Padre Bain, um sacerdote que acusa Claire de ser uma bruxa e teve um momento complicado durante as filmagens com uma matilha de cães supercuidadosos; mas ele ainda tem todos os dedos. Depois foi a vez de Graham McTavish; de suéter cor-de-rosa ou marrom, ele era encantador e confiante. Fizemos algumas cenas, e me lembro de tentar intimidá-lo como Jamie, de enfrentá-lo e me aproximar de seu rosto. Ele era mais alto do que eu esperava e não recuou, deixando a barba branca [Graham: Na época não era branca. Isso só aconteceu nesta viagem.] espetar meu rosto enquanto me ameaçava. Quem poderia imaginar que anos mais tarde eu estaria dividindo com ele uma van fedida e uma velha bicicleta dupla ao longo das margens do Lago Awe em nosso programa de TV.
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Graham
Conheci Sam em agosto de 2013. Eu tinha terminado de filmar O Hobbit – dois anos e meio correndo pela Nova Zelândia vestido de anão. Uma experiência de vida única. Próteses, um figurino de trinta quilos, amizades para toda a vida forjadas em meio a um orçamento de US$ 750 milhões. Tinha sido incrível, e eu estava pronto para algo novo. Algo sem próteses. Lembro do produtor me dizendo que eles esperavam que fosse muito difícil escalar o ator para o papel de Jamie Fraser, mas o encontraram imediatamente. Seu nome era Sam Heughan. Procurei no Google, é claro. Bonito, uma beleza quase irritante, e bem pouco conhecido, ele tinha conquistado o papel de protagonista em uma importante produção de muitos milhões de dólares para a televisão com base em uma série de livros incrivelmente popular (eram sete, àquela altura) – ou seja, uma opção para várias temporadas. O filho da mãe sortudo, pensei, e o odiei imediatamente.
Cheguei e, sim, o primeiro a me receber foi Sam. Para começar, ele era alto; por um momento pensei: “Esse porco é mais alto que eu?” [Sam: Sim!] Estou acostumado a ser a pessoa mais alta do set, e é motivo de grande orgulho que Richard Armitage tenha sido forçado a usar sapatos elevados para chegar à minha altura em O Hobbit, embora nós dois fôssemos anões!
Sam parece acreditar que eu vestia um suéter cor-de-rosa ou marrom. Em primeiro lugar, fazia um calor escaldante. Eu não teria usado um suéter, a menos que quisesse Dougal MacKenzie suando como um jogador de futebol em uma prova de ortografia. Em segundo lugar, eu nunca vestiria um suéter cor-de-rosa. Marrom, talvez. Provavelmente era uma camiseta, ou uma camisa. Alguma coisa adequada para me fazer parecer musculoso! É claro, Sam sempre parece musculoso. E está ficando mais musculoso todos os dias. Suspeito que, no tempo que levei para escrever este parágrafo, os músculos de Sam cresceram visivelmente. Ele era grande na primeira
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temporada; na oitava, nenhum cavalo vai conseguir carregar o peso de todos aqueles músculos. Cada close vai ter de ser feito com lentes panorâmicas. Mas estou me desviando do assunto. Sam usava uma camiseta, acho. Mais justa que a minha.
Lembro de ter ficado impressionado com seu aperto de mão firme. Dou muita importância ao aperto de mão de alguém. Jamie Fraser não pode ter um aperto de mão mole. Falando em Jamie, acho que ele foi descrito nos livros como alto como o pilar de uma lareira especialmente espaçosa. De acordo com esses padrões, Sam é meio verticalmente prejudicado. Mas me lembro de ter sido conquistado por sua franqueza e honestidade. Ele me deixou imediatamente à vontade. Sam estava destinado ao papel de Jamie Fraser por ser exatamente como você imagina – um cara de coração generoso e com um toque de insanidade.
Sete anos depois, cá estamos nós na estrada a bordo de um pote de margarina sobre rodas. As estradas nesta parte da Escócia não têm saídas, felizmente.
General George Wade foi o oficial britânico que teve a ideia de que as tropas se beneficiariam de estradas de verdade (há quem diga que isso é óbvio, considerando que os romanos conseguiram apreender esse conceito dois mil anos mais cedo), e quando ele construiu suas estradas para as Terras Altas no século XVIII como forma de “civilizar” os povos das Terras Altas e levar o progresso até eles, não se incomodou muito com cruzamentos e rampas de acesso. Nossa saída seria à direita, provavelmente a única em trinta quilômetros... e Sam a perdeu.
“Estamos muito longe”, eu digo.
Sam: “Sério?”
Graham: Sim. Acabamos de passar a saída.
Seguiu-se um retorno aterrorizante para voltar por onde tínhamos vindo. Acho que as cabras pararam de ruminar para olhar espantadas o manejo da alavanca de câmbio e a ré do Fiat. Vacas das Terras Altas ficaram cabisbaixas de vergonha. Felizmente, a estrada estava deserta.
Quando finalmente chegamos à saída que tínhamos perdido, entramos na estrada de faixa única, e logo Sam ganhou velocidade. Eu me preparei
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para o pior. Tinha outro carro vindo em sentido contrário. “Carro! Carro!” Repito como uma vaca ferida. Paramos de repente e olhamos para o motorista do Audi preto. Ele nos olha com desprezo palpável. Gesticulamos sugerindo que ele volte de ré. Ele responde apontando um dedo – nós é que devemos voltar. “Você tem que dar ré, já fez isso antes”, digo a Sam. “Não posso! Não tem como”, ele responde. Balançamos a cabeça e apontamos novamente para o motorista do Audi, que parece ameaçador.
[Sam: Ele dirige uma BMW. Só cavalheiros dirigem Audis.]
[Graham: Fala isso e dirige um Q59 Sporty Turbo E-schlong grátis, ou alguma coisa assim.] (Mais sobre essa coisa do grátis mais tarde...)
Finalmente, o motorista da BMW [Graham: Audi, eu tenho a foto] entende a mensagem e, percebendo que não íamos sair do lugar, volta de ré até um trecho onde há espaço para passarmos. Passamos e agradecemos; ele olha feio para nosso velho motorhome. De início, eu também não era fã, estou me apaixonando pela Camper. Um pouco mais adiante, tem um homem de barba e cabelo compridos e desgrenhados andando determinado no meio da estrada. Ele se recusa a permitir nossa passagem por uns bons quinze minutos – parece Duncan Lacroix. Talvez seja Duncan? Ele senta no acostamento da estrada, olha para o céu com uma expressão meio maluca. Sim, pode ser ele, definitivamente.
Graham: Para onde estamos indo, mesmo?
Sam: Degustação de uísque.
Graham: O quê? São nove da manhã.
Sam: Vai tremer, cachorro velho?
Graham: Manda ver, Jovem Fingido.
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