Você é meu Oceano - Primeiros Capítulos

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TRADUÇÃO: Ana Carolina Consolini

1ª EDIÇÃO RIO DE JANEIRO

Copyright © 2019. TU, IL MIO OCEANO

Copyright da tradução © 2020 allBook Editora

Direção Editorial

Beatriz Soares

Tradução

Ana Carolina Consolini

Preparação e Revisão

Clara Taveira e Raphael Pelosi Pellegrini

Modelo

Luke Ditella

Fotógrafa

Melissa Dilger

Designer de capa original Catnip Design

Adaptação de Capa

Flavio Francisco

Projeto Gráfico e Diagramação

Cristiane Saavedra | Saavedra Edições

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Leandra Felix da Cruz Candido – Bibliotecária – CRB-7/6135

C523v Cipriano, Benedetta.

1.ed. Você é meu oceano / Benedetta Cipriano ; tradução Ana Carolina Consolini. - 1. ed. - Rio de Janeiro : AllBook, 2020.

240 p.; 16 x 23 cm.

Tradução de: Tu, il mio oceano

ISBN: 978-65-86624-03-8

1. Romance italiano. I. Consolini, Ana Carolina. II. Título.

20-64011

2020

PRODUZIDO NO BRASIL.

CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

CDD 853

CDU: 82-31(450)

Para aqueles que mostram suas feridas e que ainda estão sangrando.

PRÓLOGO

Savannah

Dezoito anos antes.

— Vim te contar um conto de fadas. — Ele enfia os dedos calejados no meu cabelo e começa a massagear. Faz isso sem pedir permissão, no meu quarto, às duas da manhã, quando ninguém pode nos ouvir.

O quarto da mamãe e do papai está lá em cima, longe demais para ser alcançado. Muito longe para meus gemidos atravessarem a escada e chegarem aos seus ouvidos.

Byron atravessa o corredor todas as noites para correr ao meu quarto.

Eu os ouço, os passos dele, eu os percebo antes mesmo que eles possam se aproximar da porta. Eles são pesados enquanto afundam no tapete, um após o outro.

São os passos do meu melhor amigo, do ombro em que sempre derramo lágrimas quentes, que são absorvidas pelo tecido de sua camisa. São os passos de quem está acostumado a me consolar com um pote de sorvete de baunilha e um carinho no rosto.

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São os passos do irmão mais velho que nunca tive, do melhor confidente, da pessoa que me defende com uma espada quando meus pais ficam com raiva, ou quando, na escola, algum valentão decide implicar comigo, mas, infelizmente, ele também é o inimigo.

Eu me pergunto por que ele não pode apenas acariciar meu cabelo, me abraçar e me segurar com o mesmo carinho que meu pai faz. Eu me pergunto por que as mãos dele sempre devem se tornar gananciosas até engolirem mais do que podem.

Ele aproxima o rosto do meu, mas estreito os olhos, fingindo dormir. Fecho os olhos para que pareça que estou num sonho maravilhoso.

Um sonho em que estou longe do meu quarto. Um sonho em que meu pai desce as escadas, me salva da minha cama e, como um cavaleiro com sua princesa, me leva em segurança a um lugar longe daquelas carícias, longe das mãos grandes e rápidas que afundam no meu corpo, longe do olhar faminto de Byron, que é um bom homem durante o dia, mas que se transforma em lobo à noite.

Cometo o erro de enrijecer e piscar quando suas mãos deixam meu cabelo para puxar os lençóis e meu pijama de urso.

Esse é meu pijama favorito.

— Comigo você não precisa fingir, bebê. Eu sei o quanto você gosta. Aperto os olhos quando uma lágrima escorre rapidamente pela bochecha.

Por favor, Byron, volte a ser o homem bom que você é durante o dia! Deixe o lobo mau ir embora.

Lembre-se que eu sou sua libélula.

Sou sua prima mais nova, sua melhor amiga.

Somos amigos, você e eu, Byron. Por que você está fazendo isso comigo?

Por que você faz isso quando mamãe e papai dormem, se você me diz toda vez que não é errado?

Por que você fecha minha boca com uma de suas grandes mãos quando me pega?

Por que você põe um fim às minhas reclamações quando tento me rebelar, sussurrando para mim que tenho que calar a boca, porque, na realidade, gosto

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disso, porque só preciso me acostumar com as mãos entre minhas pernas e a boca que se aproxima perigosamente dos meus lábios.

Mas eu os tranco, aqueles lábios, os seguro apertados até que eles sangrem.

Faço isso porque não quero cheirar seu odor nauseante em mim.

Não quero sua saliva em contato com a minha.

Eu quero você longe do meu corpo.

Eu quero o meu Byron, aquele que encontro de manhã no café, aquele que coloca o leite delicadamente no meu pote de cereal e com a mesma delicadeza carrega minha mochila por cima do ombro quando vamos para a escola.

Quero o homem de trinta e dois anos que atua como amigo.

Que adora ir comigo ao cinema, que me abraça e diz que sou bonita, mas que faz isso com o mesmo sorriso do meu pai. Não quero que o lobo venha me visitar todas as noites.

— Estou com sono — Afasto­me de seu toque, lutando com os lençóis e tentando em vão arrancá­los de sua mão, mas ele é mais forte. Assim, com um único gesto, Byron os joga ao pé da cama.

— Não, isso não é bom, pequena Savannah. Você é minha libélula, você não pode me machucar assim. Vamos lá, deixe­me ver como eu te ensinei a abrir as pernas.

— Não! — Eu sufoco um grito, colocando distância entre nós, mas caio da cama.

Meu cabelo, preso em uma trança, está encharcado com meu próprio suor. Estou aterrorizada.

Uma vez tentei me trancar e, quando ele não pôde entrar no meu quarto à noite, apenas bufou. Eu ouvi o som alto, através da porta. Sorri, segurando meu ursinho de pelúcia, porque pensei ter vencido o lobo mau, mas, no dia seguinte, não encontrei mais a chave, porque ele a pegou. Agora, toda noite é com a mesma chave que ele sela minhas queixas.

— Você sabe que eu devo ser o primeiro. — Ele vem na minha direção, enquanto estou no chão com o cabelo emaranhado e lágrimas nos olhos.

Tenho 12 anos, e a razão de eu ainda dormir com meu ursinho de pelúcia é que preciso de algo para me segurar.

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Eu não sei o que significa quando ele diz que tem que ser o primeiro, só sei que todas as noites espero que suas carícias parem, eu costumo conseguir o que quero quando tento gritar e suas mãos grandes não conseguem abafar minha voz.

Mas desta vez não sei o que fazer.

Ele tapa minha boca.

— Você sabe que eu sou o único que te chamo de libélula, mas que para os outros você é apenas uma garota obesa? Enquanto suas amigas loiras e perfeitas brincam de Barbies com seus namorados, você está sempre sozinha em um canto. Você sabe por que, Savannah?

Concordo com a cabeça enquanto as lágrimas silenciosas correm pelo meu rosto.

— Claro que você sabe. — Byron desliza a mão esquerda sob a camisa do pijama e passa por cima do meu peito imaturo.

Fecho os olhos e respiro.

Pai, venha e me salve, por favor!

Mas não grito, reprimo minhas palavras e tento prender a respiração.

Eu só tenho que me distanciar dessa situação. Eu tenho que pensar em ser uma libélula e ser capaz de voar para longe deste quarto. Longe de Byron. Longe do lobo mau.

— Para os outros, você não é uma libélula. Você é apenas uma garota medíocre que os valentões tiram sarro. Eu sou o único que te vê com olhos diferentes, porque eu sou bom, sou seu Byron. Fui eu quem lhe contou histórias para dormir à noite e, quando está triste, eu sei como consolá­la. Mas você tem que confiar em mim. Confie em mim, e serei o único homem que fará você gostar. Você não precisa contar a ninguém porque... — Ele se interrompe enquanto libera minha boca. — Você sabe o porquê — ele repete, sorrindo.

Abaixo a cabeça e tento escapar do seu olhar, mas ele fica com raiva, e com um empurrão me faz levantar a cabeça.

— Ouça­me: de manhã sou seu primo favorito, mas à noite me tornarei seu homem, e você, jovem, não se rebelará.

Eu choro enquanto ele bate meu corpo contra a parede e me ataca.

— Abra suas pernas, Savannah — Byron ordena.

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Aperto­as o mais forte que posso e rezo para que meu pai desça as escadas, o agarre pela gola da camisa e o bata contra a parede. Pai, por favor, venha me salvar!

O som do abaixar do zíper de seu jeans me faz entender que não tenho saída, e é agora que choro alto pela primeira vez.

— Cadela, você é apenas uma prostituta. Foda­se! Tente dizer uma única palavra, e eu direi a todos que foi você que me tentou, você entendeu? Cala a boca. — Ele se levanta e, fechando o zíper da calça, sai do meu quarto. Eu rapidamente abaixo minha camisa do pijama para cobrir a pele descoberta, pego meu ursinho de pelúcia e o aperto com força, e depois choro, choro como nunca fiz, porque ele foi ainda mais longe esta noite. Porque ainda sinto suas mãos calejadas em mim e o cheiro do seu perfume barato.

Eu me sinto suja.

Eu me sinto frágil.

Me sinto nua.

Você nunca será uma libélula.

Você é apenas uma garota medíocre que os valentões tiram sarro.

Suas palavras ecoam na minha cabeça, e um grito alto e poderoso é liberado dos meus lábios.

E, então, chamo meu pai, chamo minha mãe, enquanto ainda estou sentada no tapete.

E é aí que eu adormeço.

É aí que eu fico a noite toda.

Porque quando você é pequena, ninguém lhe diz que o lobo mau realmente existe. Ninguém lhe diz que você precisa aprender a ficar em guarda. Ninguém lhe diz que há um lobo disfarçado de homem, que tentará deslizar entre seus lençóis enquanto o mundo inteiro dorme.

E aquele lobo voltava para me visitar todas as noites. Ele fazia isso, e eu continuava esperando que meu pai ouvisse, me afastasse dele, longe de sua voz, de seu corpo, longe de suas mãos.

Mas isso não é um conto de fadas.

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CAPÍTULO 1

Savannah

Janeiro de 2019, Santa Cruz, Califórnia.

— Eles dizem que as frésias costumam estar associadas à nostalgia. — Viro o caule entre as mãos e me perco olhando o bege das pétalas aveludadas.

— Bem, então o arranjo floral deste casamento será realmente triste — brinca Yasmine, uma das pessoas mais solares que a vida me deu a chance de conhecer e a melhor funcionária que eu poderia ter e me orgulhar. Eu sorrio.

— O que você me diz se não contarmos à noiva sobre isso? — Pisco para ela enquanto corto um pedaço de fita de ráfia vermelho­coral com a tesoura.

— O que você achou do buquê? Você realmente atendeu ao pedido da noiva?

Suspiro. Eu amo flores, elas podem fazer com que a sala mais vazia e branca se torne colorida e cheia de aromas deliciosos.

Por isso escolhi abrir uma floricultura.

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Eu queria encher minha vida de cor.

Eu quero preencher a vida dos outros com cores.

Às vezes eu acho que gosto de ser quem sugere as rosas vermelhas para os primeiros encontros, rosas brancas para um casamento elegante e girassóis brilhantes para tornar um dia de inverno menos triste.

Também gosto de atender às solicitações dos clientes, é sempre bom satisfazê­las, mas nunca desisto da criatividade que distingue meus buquês, e Yasmine sabe disso muito bem.

— Sua opinião? — eu digo enquanto pego os botões amarelo­ouro pálido para adicionar ao buquê.

— O que você tem em mente? — Sorri Yasmine.

— A noiva solicitou especificamente a cor coral. É um casamento à beira­mar, e é certo que haverá uma homenagem para o oceano.

— Mas? — Yasmine busca por informações mais detalhadas.

— Mas você vê, girassóis com rosas amarelas e frésias de cor coral entram em confronto direto com o branco. Eles são grandes demais. Um buquê deve ser harmônico. O buquê da noiva não é um simples arranjo, é um buquê por excelência: é a união perfeita de dimensões, detalhes e cores. Deve ser decidido tanto quanto o sim que será pronunciado no altar, mas ao mesmo tempo não deve abrir mão de suas nuances. Entre coral, branco e amarelo, existem várias tonalidades possíveis. Então... — vou continuar, mas Yasmine me interrompe:

— Então você já pensou no que fazer. Eu sorrio.

— É isso mesmo. Quero o bege suave das frésias e seu perfume delicado, quero a elegância dos botões em ouro, a paixão das peônias de coral vermelho e a pureza das rosas brancas. Tudo isso é harmonia. — Suspiro, satisfeita.

— Ótimo, chefe! Nada é deixado ao acaso nessa loja. Tenho certeza de que a noiva ficará maravilhada. Ela verá o buquê e nem vai querer jogá­lo depois. Ela vai querer ficar com ele — Yasmine brinca, acariciando a longa massa de cabelos castanhos que cai por cima do ombro.

— Ela deve manter o marido por perto, não o buquê!

Aponto os olhos em direção à entrada, mesmo que não precise levantar a vista para descobrir a quem essa voz pertence.

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É a voz rouca e calorosa com que às vezes sonho à noite.

É o timbre firme, nunca delicado e incrivelmente decisivo do surfista mais sexy de Santa Cruz.

Um surfista com quem eu saí por um curto período de tempo.

Um homem muito complicado e reservado para o meu gosto, mas ao mesmo tempo encantador demais para não deixar você ficar olhando para ele.

Estão na minha frente as íris mais negras e mais intensas que a noite.

O que tenho diante de mim é o olhar no qual tenho medo de me perder. Ele é tudo o que eu deveria me afastar e tudo o que me atrai.

O homem que tenho diante de mim é Dante D’Amario.

— Parado aí! Você está com os pés sujos de areia! — eu grito, tentando desviar a atenção de seu olhar.

— Você tem uma loja a poucos passos de distância do oceano, o que você espera? — Ele se aproxima, ignorando meus protestos. — Oi. — Ele se inclina e beija a bochecha de Yasmine. Vejo que ela endurece por um segundo, depois Dante levanta a cabeça e olha para ela. — Exatamente, como você aguenta?

Yasmine ri.

— Mais cedo ou mais tarde, eles vão fazer uma estátua em homenagem à minha paciência. — Ela dá alguns passos para longe e pega sua bolsa. — Vou até o local da recepção para verificar se está tudo lá. Vejo você mais tarde? — ela me pergunta.

— Claro, não se preocupe, eu nunca deixaria você sozinha para lidar com um casamento como esse — digo, brincando com ela.

— Mais cedo ou mais tarde, minha paciência vai acabar! — Yasmine reclama, pouco antes de sair e nos deixar a sós.

Eu ignoro Dante e olho para as peônias.

— Então, que tipo de arranjo você está preparando?

Eu sorrio. Sei que ele não dá a mínima para a montagem e escolha de flores.

— Não estou preparando, eu já preparei tudo, já que o casamento é daqui a duas horas — digo. — Estou apenas terminando o buquê.

Minhas pernas estão tremendo quando a palma grande e áspera toca as costas da minha mão. Eu me afasto como se tivesse sido queimada.

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— Você sujou o chão de areia. — Desvio a atenção de suas mãos bronzeadas, fortes e delgadas, que continuam muito perto do meu corpo.

— Da próxima vez, coloque um aviso.

— O quê? — digo amargamente.

— Sim. Pendure­o na porta. Escreva “Proibida a entrada de surfistas.”

Uma das razões pelas quais eu não desisti de ter Dante na minha vida é porque ele tem a capacidade de me fazer sorrir.

— Excelente ideia, mas talvez eu possa ser um pouco mais precisa. Eu poderia escrever “Entrada proibida para Dante Jackson D’Amario”.

— Uau, você deve estar com raiva de mim. Ninguém me chama pelo meu nome todo. — Ele suspira alto e depois se aproxima de mim.

Eu me assusto quando sinto uma de suas mãos grandes afundar no meu cabelo e percorrer todo o comprimento até atingir meus ombros.

— O que foi, amiga?

“Amiga”, ele começou a me chamar assim um mês atrás, quando pedi para tentar ser exatamente isso. Sem sexo, sem complicações, sem compromisso. Amigos, e só.

Eu fiz isso porque estava gostando demais de Dante. Fiz isso porque sabia que nosso relacionamento nunca sairia do quarto.

Fiz porque seus olhos me inspiram, porque há uma barreira atrás de seu olhar, algo que te paralisa. Aqueles olhos são como um jardim de rosas, que encanta, mas também é cheio de espinhos terríveis. Vejo uma cerca de arame farpado impenetrável entre a pupila e a íris.

Fiz isso porque não podia me arriscar a me apaixonar.

Então Dante D’Amario aceitou minha palavra, e quando Lua, minha melhor amiga, partiu para Nova York com seu homem, ela pensou que eu realmente precisava de alguém para substituir o vazio de sua ausência. E dentro de poucas semanas, ele se tornou um amigo de verdade.

Não nego que ainda estou atraída por ele.

Não nego que, toda vez que ele me toca, sinto uma série de pequenos arrepios na pele, mas Dante é uma incógnita. Um enigma. Uma equação matemática que você nunca resolverá. Algo do qual um coração intacto faria bem em ficar longe, imagina um coração que ainda está inteiro graças aos remendos. Um coração esmagado e cansado como o meu.

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— Eu odeio casamentos — confesso, virando­me na direção dele.

— Então eu diria que você escolheu o trabalho errado. Talvez eu deva lembrá­la que sua loja é a mais popular em Santa Cruz e que o slogan que você usa para promovê­la é “Não existe casamento perfeito sem flores perfeitas.

Não arrisque arruinar seu grande dia, escolha o Savannah’s Garden”? — ele diz em seu típico tom de voz de comercial de televisão.

Comecei a rir. Ele aperta meus quadris, me fazendo cócegas, e rapidamente me afasto de suas garras só para perceber, um pouco mais tarde, que ainda tenho um sorriso idiota nos lábios.

— Você nunca poderia emprestar sua voz para um comercial — eu finjo estar falando sério.

— Não diga isso! Vai ferir meus sentimentos! — Ele coloca os dedos sobre o coração, simulando um ataque cardíaco, e depois cai de joelhos e ri.

— Você é um idiota!

Ele me estende uma mão, me pedindo para ajudá­lo a se levantar. Eu sei que ele não precisa, mas eu faço assim mesmo. Dante a agarra, a envolve e entrelaça seu olhar no meu.

O arame farpado impenetrável.

A estrada íngreme.

Chuva forte.

A noite escura.

Está tudo trancado nos olhos dele. Está sempre lá.

Eu o ajudo a levantar em silêncio, mas Dante empurra meu corpo em sua direção, me abraça e, por alguns instantes, o mundo para. Eu descanso minha bochecha em seu ombro, enquanto sua mão direita acaricia meu cabelo lentamente.

Eu não vejo mais o arame farpado.

Não sinto mais o frio de uma noite sem estrelas.

Eu apenas percebo o som da batida de seu coração e o cheiro do oceano que impregna sua camisa.

Eu inspiro o perfume dele.

— Você cheira como o mar — eu digo enquanto me afasto de seu abraço. Ele me deixa ir sem protestar.

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— E você como as frésias. — Dante suspira, mas depois, quando se afasta, acrescenta: — Até mais, amiga. — E, com passos rápidos, sai da loja, me deixando em paz.

“Amiga” é como uma faca.

Mas é assim que deve ser.

Apenas amigos, Savannah. Ele não pode lhe oferecer mais, repito para mim mesma, depois pego o buquê, afundo o nariz nas frésias e penso no mar tempestuoso que toda vez me oprime, levando consigo um pouco das minhas emoções.

Um oceano impetuoso do qual devo ficar longe.

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Dante

CAPÍTULO 2

Peça número um para solo de violoncelo Johann Sebastian Bach.

Sempre a mesma peça.

Sempre as mesmas notas.

Sempre o mesmo som, que rapidamente dá um tapa no meu rosto enquanto meus passos ecoam no chão.

Toda vez que me aproximo do quarto dele, ouço o som perfeito de um instrumento espalhado no ar, vejo a partitura em pedaços de um violoncelo silencioso, escondido nas profundezas de um porão, longe o suficiente dos olhos, do coração, das lembranças, da vida.

E, no entanto, toda vez que volto aqui, a um passo dela, sempre ouço aquelas malditas notas dançando na cabeça.

Eu vejo seus shows, seus cabelos em um penteado perfeito, a pele pálida de seu pescoço tão exposta, para criar um contraste esplêndido com o arco marrom do violoncelo.

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Hospital Comunitário da Península de Monterey, Monterey, Califórnia.

Eu a vejo lá, naquele palco, em seu vestido preto.

Eu vejo os olhos azuis dela quando a cortina do teatro se abre e ascende, quando uma luz direta é projetada sobre ela, e seus braços e corpo se misturam perfeitamente com o instrumento, tornando­se uma coisa, um corpo.

E então eu vejo minhas incertezas novamente. Meus medos. Minhas dúvidas.

Porque eu era apenas um garoto, e ela era apenas uma garota.

Minhas mãos suam e deslizam na maçaneta da porta.

Uma porta que eu nunca iria querer abrir.

Uma mulher que não quero ver.

Não nesse estado. De novo não. Não outra vez.

Eu só quero voltar para Santa Cruz, pegar minha prancha e correr para surfar minhas ondas.

Gostaria de deixar o passado para trás ou confiá­lo ao oceano para sempre.

Mas o passado não pode ser apagado. O passado o persegue em seu presente. Ele lembra o que você era e o soca quando você menos espera, quando você se distrai e começa a sorrir novamente.

Às vezes, o passado é um pequeno encrenqueiro, que você conseguiu desviar, mas que chega até você, bate na roda traseira de sua bicicleta e te fazer cair com a bunda no chão.

O passado é a onda anômala no mar plano.

Pega você desprevenido. Retorna.

Sem aviso, sem convite, sem perguntar. “E aí, cara. O que você me diz? Está pronto para me deixar entrar?”

Não, ele sacode você. Destrói os pedaços do seu coração, que, a partir disso, você tenta colar minuciosamente.

Maldito passado, bastardo.

Um destino.

Uma juventude que é melhor ser esquecida. Respire, como antes de mergulhar de cabeça. Acho que minha prancha está me apoiando quando entro naquele quarto. Mas a verdade é que estou longe do oceano, sem apoio, sem minha prancha pronta para enfrentar as ondas.

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Olho para sua figura esbelta.

Ela não tem mais cabelos loiros para colocar em penteados perfeitos. Seus olhos estão vidrados, quase sem brilho.

A cor não se compara mais àquela que o oceano assume ao meio­dia.

Aqueles olhos ficaram quase pretos.

Eles se parecem mais com os oceanos noturnos, tão planos, que podem ser perturbadores.

Oceano sem ondas. Sem coração. Sem vida. Mar de solidão.

— Ei — eu digo, tentando chamar a atenção dela, mas percebo que é inútil. Então me aproximo de sua cama, mas ela suspira e fecha os olhos, escondendo a escuridão que carrega por dentro. Escondendo aquele oceano de solidão que nos divide e nos une ao mesmo tempo.

— Eu esperava que isso não acontecesse mais — eu começo, pegando uma mão fria e branca na minha.

Ela tem as unhas e os dedos marcados. Marcados de tocar por tanto tempo um instrumento.

O vermelho, no entanto, é o único toque de cor que ilumina as paredes de uma sala asséptica, onde o único som que continua zumbindo na cabeça é o do violoncelo. Do seu maldito violoncelo.

— Por que você está aqui, Donna? — Eu bato o dedo indicador contra os nós de seus dedos.

— Você sabe o porquê — ela responde com sua voz fraca e cansada.

— Não, eu não sei — respondo nervosamente.

— Meu pai não lhe disse o porquê de a decepção que ele tem como filha ter acabado na sala de emergência dessa vez?

Balanço a cabeça, e com a boca sussurro um não.

Ela desata a mão da minha e depois se vira para a grande janela, de costas para mim.

— Eu não quero falar com você, Jax.

Jax, esse nome é como uma faca.

Ninguém mais me chama assim.

Ninguém além dela.

— Dante — eu a corrijo. — Dante — eu digo com um tom firme.

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Ela suspira.

— Não, eu não conheço Dante. Foi Jackson quem destruiu a minha vida.

Uma pontada que, como um espinho, perfura meu peito.

Jackson é meu passado. Apenas meu passado.

— Jackson não existe mais — eu digo suavemente. Ela não me ouve, mas eu fico lá, olhando para ela em um silêncio entrelaçado às lembranças a serem apagadas, momentos que se seguem na minha cabeça. O caos total reina no meu cérebro.

Pensamentos se aglomeram nas notas quebradas de um violoncelo. É tudo tão rápido, tão complicado, impossível de decifrar. São pensamentos ilusórios, aqueles que rodam na memória. São feridas sangrando e batidas perdidas.

Eu sou tudo que eu quero apagar.

— Vá embora — diz Donna enquanto lentamente se volta para mim. Meus olhos negros mergulham por um breve momento nos dela, escuros e líquidos.

— Não — eu digo.

— Eu não te liguei. Eu quero que você saia.

— Você estava gritando meu nome — eu respondo. — Nesse andar, você gritou meu nome.

— Meu pai te contou?

Eu aceno.

— Ele te contou uma mentira. Chamei Jackson, não estava chamando Dante.

Suas palavras são como um soco, que bate rápido e com raiva contra o meu estômago.

— Vá embora — diz Donna, mas eu não me mexo. Eu fico lá, imóvel.

— Vá embora! — ela grita, irritada.

Dou alguns passos para longe dela.

— Eu vim porque você precisava de mim. — Tento recuperar meu controle. Um controle precário, que mal posso esperar para soltar quando meu corpo estiver colado à prancha, entre as ondas. No meu oceano.

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— Eu não precisava de você, droga! — Ela levanta e descansa as costas na cabeceira da cama enquanto uma lágrima escorre por sua bochecha. — Eu precisava de Jackson. Apenas Jackson. Dante é um estranho para mim.

— Mas Jackson destruiu sua vida. Você mesma disse — eu respondo com raiva.

— Sim. — Ela respira lentamente, as mãos enxugando as lágrimas que escorrem por suas bochechas.

— Sinto muito. — Tento tocá­la, quando ouço a porta se abrir.

— É hora do jantar, senhora Taylor. Posso pedir gentilmente ao seu acompanhante que saia da sala? O horário de visita termina agora.

— Sem problemas. — Sorrio para a enfermeira, mostrando calma, mesmo que minhas mãos estejam tremendo. Elas tremem exatamente como há 11 anos.

— Claro, o cavalheiro está prestes a sair. Ele diz que o nome dele é Dante e ele claramente está no quarto errado, porque eu não o conheço. A enfermeira olha para mim, intrigada.

— Adeus — eu digo, mostrando um sorriso falso que não chega até os olhos, e então, em um ritmo acelerado, vou para a saída.

Fugindo do meu passado.

De um passado que não tem intenção de abandonar o presente. Um passado que volta, como as ondas.

Ela odeia casamentos, e trabalha em uma loja de flores.

Ela, que com os dedos finos, fez um buquê perfeito e garantiu que o cenário fosse impecável.

Porque é isso que Savannah faz.

Savannah torna o casamento de toda noiva inesquecível.

Faz isso escolhendo cuidadosamente cores e fragrâncias. Ela não apenas enche uma sala vazia com flores, não; ela escolhe todos os detalhes com cuidado.

E, no entanto, ela não gosta desses casamentos.

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3 horas depois, santa Cruz, Califórnia.

Ela os odeia quase tanto quanto eu me odeio agora. Estou montado na minha prancha esperando a onda certa, enquanto o sol está a um passo de afundar na água, de ser engolido pelo oceano; enquanto minha linda Savannah volta para casa depois de um casamento, volta para casa depois do milésimo dia terrível.

Nós nos conhecemos há muito pouco tempo para eu saber por que ela odeia o dia em que toda mulher é a mais bonita, e, ao mesmo tempo, nos conhecemos tanto, que não sinto necessidade de explicações.

Por esse motivo, depois de namorar por um tempo, ela me pediu para tentarmos ser apenas amigos, e eu entendi.

Eu entendi e a deixei escolher por mim. Eu pisquei para ela, peguei um cigarro e assenti, antes de levá­la para casa na minha moto.

Eu assenti sem pensar que não podia mais ouvi­la gemer.

Eu não conseguia mais ouvir o som estrangulado saindo de seus lábios enquanto afundava nela.

Eu assenti sem piscar. Fiz isso me forçando a manter os olhos fixos nos dela, mas sem descer as ruas destruídas de suas íris.

Fiz isso em silêncio, como quando espero a onda perfeita.

Fiz porque não tinha alternativa.

A alternativa teria sido dar a ela meu coração. A alternativa teria sido abrir uma lacuna nos meus olhos e entrar lentamente nos olhos dela. Furar os olhos com os olhos, entender o que está por trás daquele véu de melancolia que embota o verde intenso de suas íris, mas eu não queria fazê­lo.

Eu preferi acenar com a cabeça, aceitar, evitar afundar na minha dor.

Eu preferi ser covarde e mostrar a ela minha amizade.

E agora eu não sinto mais o calor de seus lábios vermelhos se aproximando dos meus, não sinto mais sua boca faminta morder meu lábio apaixonadamente enquanto nossos corpos derretem.

Eu não sinto mais suas mãos se agarrando a mim e suas unhas afundando nas minhas costas.

Eu não tenho mais a visão de seus longos cabelos castanhos espalhados no meu travesseiro e seu rosto relaxando, deixando espaço para um sorriso.

Não, eu não vejo mais tudo isso, mas a verdade é que era mais fácil desistir do que dar a ela meu coração.

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Então, eu estou aqui, com minha roupa de mergulho, cabelos molhados e coração destruído por lembranças que voltam à superfície.

Destruído pela imagem de uma mulher em uma cama de hospital.

Sou destruído por Dante, o que escolho ser todos os dias, e por Jackson, um passado que volta.

Um homem que quero esquecer.

Um homem que quero deixar ir junto com o movimento imparável das ondas.

Então eu subo na prancha no instante em que a onda perfeita está abaixo de mim. Eu deixo meus músculos me apoiarem. Eu devo ser forte para enfrentar esta onda. Não é como todas as outras: é a onda cinza e melancólica, o reflexo de um céu que ameaça chuva, mergulhando o oceano em nostalgia, até alterar sua cor.

O que estou montando é um oceano triste.

Sou forte e zangado, mantendo o equilíbrio e lutando contra tudo isso. Aquele cinza feito de lembranças, de risadas quebradas e de notas perdidas ao vento.

— Toma essa porra de culpa! Faça­a ficar em pedaços! Leve­a embora com você! — grito, desafiador.

Vá embora, porra!

E então eu ganho. Eu ganho minha batalha contra ela e me sinto leve. Leve, enquanto os braços fortes invertiam o curso, nadando em direção à costa; faço isso no instante em que as primeiras gotas de chuva se misturam à água do oceano, chorando cada lágrima. Mesmo chorando, minhas lágrimas nunca caíram.

Chorando pela dor de alguém.

Chorando a dor de um violoncelo silencioso e um passado que nunca deixará de me atormentar.

Chorando também as lágrimas daqueles que, como eu, não sabem chorar.

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CAPÍTULO 3

Savannah

— Estou destruída — murmuro ao telefone com Lua, minha melhor amiga, enquanto ando na praia com os sapatos nas mãos, indo para o restaurante de sua avó.

— Eu simplesmente não entendo por que você insiste em ir ao restaurante todas as noites. Você não está cansada o suficiente de todo o dia de trabalho? — ela me pergunta com uma voz preocupada. — Você está trabalhando demais, Sav. No restaurante tem o Matias para ajudar a avó, você não precisa ir lá todos os dias — acrescenta. Bufo.

— Você sabe que faço isso com prazer. Fico feliz em ajudar por lá: como você e Maverick voaram para Nova York seu primo agora mora no restaurante. Eu não me importo de ajudar, às vezes. — Tento ser convincente enquanto o vento californiano balança meu cabelo lentamente.

— Lembro que foi o Matias mesmo que escolheu se mudar e administrar o restaurante na minha ausência. Você não precisa se preocupar em dar a ele alguma folga. Então bota para fora, Sav. Por que você corre para o restaurante todas as noites? Diga que não é uma maneira de escapar, por favor.

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Se tem uma coisa que eu amo e ao mesmo tempo odeio em Lua é que é impossível manter um segredo dela. Ela tem a capacidade de te ler por dentro, mesmo a quilômetros de distância.

— Sinto sua falta — respondo, voltando meu olhar para o oceano.

— Eu também, mas você está desviando da pergunta. Por que você faz isso? — Seu tom é doce, como sempre.

— Porque eu prefiro encher minha vida a me afogar na solidão.

Oh, Deus. Eu disse. Eu disse isso em voz alta, sem respirar, sem pensar.

— Oh. Meu. Deus — Lua disse suavemente. — Essa história de solidão tem algo a ver com Dante D’Amario?

Eu não respondo a ela, mas prendo a respiração.

— Vocês ainda estão fingindo ser apenas amigos?

— Você não entende — eu respondo. — Não havia nada entre Dante e eu, nós apenas dormimos juntos, e isso nunca nos levaria a lugar algum. Agora que nosso relacionamento é amigável, sinto que as coisas estão indo na direção certa.

Lua ri.

— Você se ouve? Olha, se você e Dante querem contar essa história para se convencerem, tudo bem, mas não me venha com essa. Não acredite que eu engulo essa. Eu te conheço, eu sei como você se sentiu e sente por Dante.

— Meu Deus! Podemos não falar sobre isso? — grito, exasperada, antes de perceber que gritei, no telefone, com a pessoa mais doce que conheço.

— Oh, Deus, desculpe, Lua, eu não queria... — Tento encontrar as palavras certas, mas elas morrem na garganta.

— Não precisa pedir desculpas. Eu entendo. Vamos lá, vou deixar você ir trabalhar e prometo que tentarei não insistir mais nessa história, mas peço que você pense sobre isso. Quando olho para Dante percebo que há algo mais, não só amizade.

— E quando olha para mim? — pergunto, interrompendo os passos.

— Em você, eu vejo um mundo inteiro. Você não pode continuar a escondê­lo em seus olhos — ela confessa, antes de concluir a ligação. — Eu tenho que ir. Até mais, querida. Eu te amo.

— Eu também te amo — respondo, antes de sentir o vazio do silêncio. Com o smartphone ainda em mãos, penso nas palavras de minha melhor amiga.

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Nos meus olhos há um mundo todo. Pena, porém, que o que está em meus olhos seja um mundo assustador. Há rachaduras, lembranças e dor. Nos meus olhos há manchas de um passado que me assombra todas as noites, mas Lua não sabe disso.

Ela não sabe e ninguém deve saber.

— E acabamos por hoje! — exclama Matias, trazendo os últimos copos para a cozinha.

— Sim. Esta noite parecia interminável — digo, passando uma mão pelo cabelo.

— Especialmente quando você trabalha o dia todo e depois corre aqui para ajudar. Não é mesmo, Savannah?

Rida, avó de Lua, olha para mim com reprovação.

— Mas você sabe que é um prazer para mim passar um tempo com você, vovó.

Aprendi a suavizar seus olhares severos a chamando assim, sei que ela sempre me considerou uma neta e sei o quanto gosta de ouvir minha voz a chamando dessa maneira.

— Oh, querida... — Ela se aproxima de mim com um sorriso nos lábios, então beija minha bochecha.

— Você sabe que ela te chama de “avó” nesse tom doce e sutil apenas para tentar mudar de assunto, não é, Rida? — intervém Matias.

— Você realmente é um incômodo! Em vez de ficar falando besteira, por que não se acostuma a chamá­la de avó também?

— Nunca! Eu sou um cara durão.

Ela olha para nós, exasperada.

— Mas o que devo fazer com vocês dois? Parecem duas crianças. Vamos lá, Matias. Termine de arrumar e deixe nossa Savannah ir para casa descansar. Depois de todo esse trabalho, eu diria que ela merece.

Sorrio e largo o pano no balcão, enquanto Rida sai da cozinha.

— Você pode ir — diz ele sorrindo para mim.

Penso em como ficaria louca pelo sorriso de Matias há alguns meses. Até meus olhos e minha boca caírem em Dante D’Amario.

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Matias era meu ponto fraco. O primo da minha melhor amiga e meu sonho proibido, mas depois dos citados olhar mais intenso e sorriso leve, fui enfeitiçada. A primeira vez que vi Dante, pensei que fosse desmaiar. Desmaiar, sim, mas não apenas por sua beleza. Desmaio pelo que seus olhos negros despertavam sempre que cruzavam com os meus.

— Hey! Oi? Terra chamando Savannah! — Ouço Matias rindo. Eu recolho meus pensamentos.

— Desculpe, eu não estava ouvindo. Você ia dizendo? Eu devo estar realmente muito cansada.

— Esqueça. — Ele sorri antes de passar a mão pelo meu cabelo. — Descanse, Sav, você precisa.

Esse contato próximo me deixa perplexa. Matias nunca chega tão perto de mim. Tento não dar importância e ir embora, devolvendo o sorriso.

— Agora que Maverick não está, com quem você tem aulas de surfe?

— Quem você acha? Obviamente comigo. Como sempre, não preciso me virar para descobrir a quem essa voz pertence. Só me pergunto como ele conseguiu entrar, já que o restaurante está fechado, mas decido deixar passar.

— Sinto muito por você, Matias, dizem que Dante é insuportável durante as aulas de surfe; ele certamente não tem a calma de Maverick — digo. Matias sorri para mim, mas não responde, ele entende que isso é apenas uma provocação para Dante.

— Bem, talvez, para confirmar sua hipótese, você deva ter aulas de surfe comigo. A única maneira de saber se eu sou realmente tão impaciente e insuportável é tentar, você não acha?

Eu o sinto se aproximar das minhas costas, mas não me viro.

— Matias, já estou indo. Vejo você amanhã à noite. Ele assente e faz um gesto de saudação com o braço. Vou para a saída, mas ouço os passos pesados de Dante me seguirem.

— O que você quer? — Eu me viro. Não sei por que às vezes respondo mal a ele, mas há momentos em que simplesmente não tolero que Dante esteja sempre presente, que apareça quando você menos espera.

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— Como você está azeda! Esse casamento deve ter sido chato! — ele exclama, referindo­se à recepção que eu precisei assistir hoje.

— Desculpe. — Paro meus passos no instante em que empurro a porta e me encontro no pátio do restaurante.

E está tudo lá. À minha frente, minha vista favorita: o oceano noturno, iluminado apenas pelas estrelas. Aquele oceano tão negro quanto os olhos de Dante.

Aproximo­me da grade e fecho os olhos, respirando o ar salgado.

— Eu gosto — digo, suavemente.

— Você deve tentar sentir isso em cima de uma prancha — ele responde suavemente, antes de passar seus braços à minha volta.

Ele está atrás de mim, e sinto seu peito sólido pressionando minhas costas, enquanto, com os dedos, ele desenha círculos na minha barriga, coberta pelo vestido.

No entanto, eu sinto isso, seu toque. Sinto as pontas de seus dedos perfurando o tecido até atingir a pele.

Eu sempre sinto o toque de Dante em todos os lugares.

Carregada por suas doces carícias, apoio a cabeça em seu ombro. Não sei por que faço isso. Repito para mim mesma que somos apenas amigos, mas esse contato é definitivamente muito íntimo. Estou prestes a recuar, quando sinto seu braço direito aumentar o aperto e sua mão esquerda roçar no meu cabelo.

— Não, isso é lindo — ele sussurra no meu ouvido, atingindo­o com os lábios.

— Isso não é coisa de amigo — eu admito, abaixando a voz, mesmo que eu não faça nada para me livrar de seu abraço.

— E quem disse isso? Minha amiga Savannah teve um dia duro, só estou apoiando­a enquanto ela relaxa no meu ombro. Eu desisto. Não quero discutir, só quero desfrutar das carícias de Dante.

— Ok, amigo, então me deixe apreciar o espetáculo à nossa frente: o oceano à noite é minha paisagem favorita.

— Por que você não quer surfar comigo? — pergunta Dante, continuando a acariciar meu cabelo.

— Porque não sei surfar, e as ondas me assustam — digo sinceramente.

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Sempre gostei de ver surfistas encarando o oceano revolto, mas, ao mesmo tempo, sempre gostei de ser uma espectadora. Nem todos são feitos para se misturar com a prancha, mergulhar debaixo d’água e manter o equilíbrio enquanto desafiam a onda.

Sou obrigada a sentar na praia e encher os olhos de admiração e beleza diante daquele espetáculo da natureza.

— Você tem medo das ondas? — ele sussurra no meu ouvido.

Eu aceno sem responder.

— Tudo isso me assusta. — Dante me vira, levando minha mão aos lábios e depois beijando­a, mas o contato de sua boca contra minha pele é demais, então eu dou um passo para longe e recuo os dedos. — D­eu... Eu tenho que ir para casa. Está tarde — gaguejo, ainda perdida na maravilhosa sensação de seu toque.

— Ok, amiga. Você precisa de uma carona?

— Não, obrigada. Eu tenho o carro estacionado não muito longe daqui.

— Então isso significa que vou acompanhá­la até o carro — diz ele, me seguindo.

Caminhamos em silêncio pelas escadas do restaurante, até chegarmos à areia macia. Inclino­me para tirar os sapatos e deixo meus pés livres para andar descalça pela praia.

— Me dê — diz Dante, e, antes que eu perceba, os sapatos estão em suas mãos.

— Por que você veio? — pergunto de repente.

Ele para e aponta seus olhos para os meus.

— Porque você odeia casamentos.

— E daí? — pergunto, parecendo perplexa.

— E então você precisava de um amigo para vir e ver como estava.

Sem pensar duas vezes, pego sua mão livre dos sapatos e entrelaço seus dedos nos meus.

— E o que você descobriu, Dante? Como eu estou?

— Eu não sei como você estava antes, mas sei que quando estamos juntos, você está sempre bem.

Sua voz está livre da ironia sempre presente.

Ele está incrivelmente sério, e eu me sinto derreter.

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Suspiro, recuperando a compostura.

— E como você sabe? Você é apenas presunçoso — eu o desafio, imergindo minhas íris nas dele.

— Eu sei porque, quando estamos juntos, sinto o mesmo. Você é como o vento que me levanta quando estou exausto.

Suas palavras ecoam na minha mente. Não sei quanto tempo ficamos assim, olhos nos olhos. Eu só sei que os olhos de Dante D’Amario representam aquilo pelo qual eu deveria escapar, mas também eles são tudo pelo qual eu desistiria.

Eu acabei com esse momento deslizando os olhos para baixo. Então continuamos a andar em silêncio. Um silêncio abafado pelo som de nossos passos, até chegarmos ao meu carro e eu dizer adeus com um aceno.

Nós nos cumprimentamos como dois estranhos, apesar de termos compartilhado a intimidade de um momento.

Vejo Dante me observando quando entro rapidamente no carro e dou a partida sem me virar.

E então eu penso em suas palavras.

Você é como o vento que me levanta quando estou exausto.

E você é como a onda pronta para me dominar.

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