PRÓLOGO
Justin HAVIA CHEGADO HÁ POUCOS MINUTOS e ligava para Julia, quando ouvi o seu carro entrando em nossa garagem.
— Cheguei primeiro. — O grito de nossa filha Jane ecoava pela casa inteira, conforme ela passava correndo pela porta da cozinha, em direção à sala.
— Jane, não grite. — Julia entrou logo atrás, sendo seguida por Joanna, nossa primogênita.
— Não vale, Jane, eu estava ajudando a mamãe — Joanna reclamou enquanto ia atrás da irmã, que já tinha ligado a TV.
— Ei, meninas, não vão falar “oi” para o papai? — Julia perguntou, colocando as sacolas do supermercado sobre a pia.
— Oi, papai. — O coro veio da sala, onde uma discussão sobre a posse do controle remoto acontecia.
— Oi, queridas — respondi, sorrindo.
Levantando da cadeira, fui até Julia, que abria as sacolas, retirando as compras de dentro.
— Tem mais alguma coisa para pegar no carro? — perguntei à minha linda esposa, abraçando sua cintura por trás e sentindo o perfume de flores de seus longos cabelos negros, presos em um rabo de cavalo.
— Não, eram só essas. — Julia respondeu, girando em meus braços até estar de frente para mim.
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Não resisti e cobri seus lábios com os meus, matando a saudade depois de um longo dia de trabalho.
Estávamos juntos desde o ensino médio, quando Julia chegou à cidade com sua mãe e padrasto e foi acolhida por minha melhor amiga, Athena.
— Tenho uma novidade para te contar — ela falou, levantando os braços e me abraçando pela nuca.
Eu já desconfiava do que se tratava, seus enjoos matinais, o cansaço constante, já havíamos passado por aquilo duas vezes antes, e eu me vi ansioso pelos próximos meses. Nossas meninas tinham quatro e oito anos e estavam crescendo rapidamente, e, além disso, viviam pedindo por um irmão. Então, se pretendíamos ter mais um filho, estava na hora.
— Mamãe, a gente já pode contar a novidade pro papai? — Jane perguntou, aparecendo na porta da cozinha.
— Combinamos de contar juntas, não foi? Chame sua irmã. — Julia respondeu, olhando por cima do meu ombro.
— Jôôô. — Jane gritou sem sair do lugar.
Eu não sabia se ria ou cobria os ouvidos, por causa do grito.
— Se fosse para gritar, eu mesma tinha gritado, mocinha. — Minha esposa a repreendeu, claramente escondendo o riso.
— Desculpa, mamãe. — Jane falou enquanto a irmã se juntava a nós.
— Está na hora? — Joanna perguntou à mãe.
Julia assentiu com a cabeça, libertando-se dos meus braços.
— Papai, senta na sua cadeira. — Jane pediu, me levando pelas mãos.
— Ok. — Concordei, aguardando a grande revelação.
— Agora fecha os olhos, papai. — Foi a vez de Joanna pedir. Segurando o riso, fiz o que me pediram e ouvi a movimentação à minha volta.
— Pronto, papai, pode abrir. — Jane avisou.
Julia, Joanna e Jane estavam paradas bem à minha frente, haviam trocado suas camisetas por novas, e cada uma delas tinha uma frase diferente escrita.
A da Joanna dizia “irmã mais velha”, já a da Jane, “irmã do meio”. Julia usava uma em que estava escrito “bebê Blake caçula”, com uma seta apontando para sua barriga.
Mesmo já esperando a notícia, a emoção que senti foi tão grande que comecei a chorar enquanto abraçava uma por uma, terminando por Julia, dando-lhe um rápido beijo nos lábios, antes de ser interrompido.
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— Papai, papai, tem bolo pra gente comemorar. — Jane avisou, puxando minha camisa.
— Mas é para depois do jantar, querida. Agora vão tomar banho e colocar o pijama. — Julia a lembrou, piscando para mim.
— Ah, mamãe! – As meninas reclamaram em coro.
— Depois. — Julia falou firme.
— Vamos Jane, assim a gente volta logo. — Joanna falou, deixando a cozinha com a irmã.
Aproveitei para puxar minha esposa para os meus braços, um sorriso brincava em seus lábios, enquanto ela se deixava abraçar e ser beijada de novo, desta vez com mais calma.
— Então temos mais um Blake a caminho — falei, interrompendo o beijo.
— Será que dessa vez virá um menino? — Julia brincou.
— Para mim não importa, querida — respondi, distribuindo beijos por seu rosto.
Senti sua respiração acelerar e meu coração bater mais rápido, enquanto a estreitava em meus braços novamente, sentindo o desejo crescer dentro de mim, até que os passos das meninas correndo no andar de cima nos trouxeram de volta à realidade.
Beijei sua testa rapidamente e me afastei.
— Mais tarde terminamos isso. — Sua voz saiu rouca, aumentando meu tesão.
— Com certeza — respondi, piscando.
— Agora me ajude a colocar a mesa, trouxe tudo pronto, se estamos comemorando, não quero ficar cozinhando — ela avisou, abrindo os potes que estavam sobre a pia.
O cheiro de tempero exalou pela cozinha, aumentando minha fome. Rapidamente arrumamos a mesa, e logo as meninas estavam de volta.
Jantamos em clima de festa e comemos o bolo para comemorar a chegada de mais um integrante à família e, enquanto eu colocava a louça na lavadora e fechava a casa, Julia subia para colocar as meninas na cama.
Pouco depois, conforme subi a escada, ouvi o barulho do chuveiro da suíte e fui em direção ao nosso quarto, já me preparando para encontrá-la no banho.
Assim que entrei no quarto, eu vi sua silhueta através do vidro do box, pois a porta do banheiro estava aberta.
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Sorri, tentando abrir minha camisa e fechar a porta ao mesmo tempo.
— Papai, eu vou… — só tive tempo de olhar para trás e ver Jane vomitando no corredor.
Corri para socorrê-la e, em segundos, Julia estava ao nosso lado.
— O que está sentindo, docinho? — perguntei, segurando-a em meu colo e levando-a para nosso quarto.
— Coloque ela na cama. — Julia pediu, entrando no banheiro de novo. Quando voltou, tinha uma toalha molhada nas mãos e juntos trocamos e limpamos Jane, que se queixava de enjoo e frio.
— Ela está febril. — Minha esposa avisou, tocando sua testa.
— Vamos para a emergência — falei, em pânico.
— Calma, querido, eu vou medicá-la e vamos ver se ela melhora, ok?
— Tem certeza?
— Sim, eu sei o que estou fazendo. É o meu trabalho. — Julia lembrou.
— Tudo bem, vou limpar o corredor e já volto — falei, mas sem querer deixá-las.
— Eu faço isso daqui a pouco. — Julia falou, aninhando Jane junto ao seu corpo.
— E corrermos o risco de Joanna dar de cara com o corredor sujo e vomitar também? — Eu a lembrei, erguendo as sobrancelhas.
— Bom ponto — ela falou, com um leve sorriso.
— Sempre — respondi, piscando para ela e deixando o quarto em seguida. Ouvi a voz das duas conversando enquanto fazia a limpeza e as encontrei dormindo quando voltei ao quarto.
Os cabelos negros de Julia estavam espalhados pelo travesseiro e se misturavam aos da pequena miniatura ao seu lado, nossas filhas eram cópias da mãe.
Eu me ajeitei ao lado delas e passei as horas seguintes velando seus sonos.
Na manhã seguinte, quando saí para mais um plantão no Departamento de Homicídios da cidade, Julia ficou em casa, decidida a observar nossa filha durante o dia.
— Eu acredito que a comida não tenha caído bem, mas, em todo caso, prefiro ficar em casa. — Ela avisou, enquanto eu tomava rapidamente
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uma xícara de café quente, tentando me manter acordado, depois da noite praticamente em claro.
— Eu também vou ficar? — Joanna perguntou à mãe, aparecendo na porta da cozinha.
— Sim, querida, vamos fazer um dia do pijama. — Julia piscou para ela, sorrindo.
— Ei, não vale, eu tenho que ir trabalhar — reclamei brincando.
— Hoje é o dia só das meninas, querido. Agora, vá prender alguns bandidos. — Julia brincou, beijando-me rapidamente enquanto me levava até a porta.
Olhei bem em seu rosto e agradeci a Deus pela família maravilhosa que tinha.
— Eu te amo — falei para minha esposa, que sorriu.
— Eu sei, e eu te amo do mesmo jeito — ela respondeu, me beijando novamente. Apertei seu corpo em meus braços e aproveitei os segundos roubados para a troca de carinho.
— Não, Jane, a mamãe falou que você não pode. — A voz de Joanna chegou até nós, fazendo com que nos separássemos. Sorrindo, beijei sua testa e me afastei.
— Até mais, querida.
— Adeus… — ela respondeu e entrou correndo. Pude ouvir sua voz chamando a atenção das meninas, que iniciavam uma nova briga.
Nunca senti uma vontade tão grande de ficar em casa com elas, mas eu estava em meio a uma investigação que de repente tomou proporções gigantescas, de alguma forma a morte de um dos nossos podia estar ligada a pessoas importantes, e eu precisava averiguar essa informação.
As anotações de Charlie Willians eram preciosas demais para serem perdidas e, por isso, eu as tirei do Departamento de Polícia no dia anterior. Se eu conseguisse confirmar aquelas informações, as coisas iriam pegar fogo.
Agradecendo mais uma vez por minha família, entrei em meu carro e parti, pensando nos próximos passos da investigação.
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Justin Oito anos depois
O GUARDA PASSOU ARRASTANDO O cassetete contra as grades das celas, provocando um barulho irritante, que ecoou por todo o pavilhão.
— Atenção, esta tarde o presídio receberá uma visita importante, e este lugar precisa estar um brinco, ou seja, vocês só saem para o pátio depois que arrumarem suas celas. — Howard, o chefe da guarda, avisou enquanto passava em frente a todas as celas, ainda batendo nas grades.
Suspirando, saí da cama e comecei a arrumação, não que tivesse muito o que fazer no cubículo em que fui jogado há oito anos.
Pelo menos eu não tinha que dividi-la com ninguém já há algum tempo.
Ajeitei minha cama, sentei-me no chão, contra a parede, e aguardei.
Logo, o barulho seco das travas ecoou, indicando que as celas estavam sendo abertas, o que me fez levantar novamente.
— Certo, homens, já sabem o procedimento, fila no corredor.
Assim que me vi do lado de fora, escolhi um canto isolado no pátio e me sentei quieto, olhando para as nuvens negras no céu. Tão negras quanto eu me sentia por dentro.
O frio se aproximava, os dias estavam ficando mais curtos e escuros, logo teríamos neve.
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— Ei, rapaz, já falei que você não deve se isolar desse jeito. — Drew se aproximou, sentando-se ao meu lado.
Ex-policial como eu, Drew Jones foi preso por forjar provas em um crime, e a confusão envolveu o seu departamento inteiro, pois todos os seus casos tiveram que ser revistos. Mas como não encontraram nenhum problema nos outros, ele cumpria seus últimos meses dentro daqueles muros.
— Sabe que é uma época difícil para mim — respondi, pensando em minha família.
Era aniversário de suas mortes, o que me deixava ainda pior.
— Já faz quase dez anos que está aqui — ele falou, cruzando os braços e ignorando minhas palavras.
— Oito anos e, amigo, eu realmente não estou bem para essa conversa hoje.
Passei a mão pela cicatriz que tinha sob a sobrancelha, lembrança dos meus primeiros meses na prisão.
O silêncio pesou entre nós e fechei os olhos, sentindo que até respirar era difícil. Oito anos preso ali e sem poder investigar quem fez aquilo conosco.
— Pare de reviver aquele dia, isso não faz bem a você e nem a elas. — Drew me repreendeu, fazendo com que eu franzisse o cenho.
— Elas estão longe de tudo isso — respondi.
— Mas sentem sua angústia, tente pensar nos bons momentos. Suspirei, abrindo os olhos e olhando para ele.
— Sonho com elas todas as noites e acordo angustiado, se eu não tivesse ido trabalhar aquele dia.
— E se… esse é o grande problema de todos nós, não se torture mais com isso.
— Eu não…
— No seu lugar eu estaria lutando para sair daqui e provar minha inocência, ou você não se importa que todos pensem que matou a própria família?
— Eu sei a verdade.
— E qual é a verdade? Que armaram para você? E vai deixá-los impunes? Soltei um longo suspiro, antes de olhar para o alto novamente.
— Me deixe sozinho, Drew, por favor — pedi mais uma vez.
— Escute, rapaz, noventa por cento dos homens neste pátio são culpados e, ainda assim, querem sair daqui.
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— Todos têm para onde voltar…
— Você sabe que eu nunca acreditei que você tivesse feito aquilo.
— E não fiz.
— Já pensou em arrumar outro advogado? O seu foi um incompetente. Dos grandes.
— Às vezes me pego pensando que sair daqui significa estar lá fora, sem elas.
O velho senhor ficou em silêncio por alguns minutos, ao ponto de me fazer pensar que me deixaria sozinho, finalmente.
— Sim, você vai precisar aprender a viver com isso, mas você vai se sair bem.
— Não sei, aqui dentro já é difícil.
— Me diga uma coisa: quando chegou aqui, era um animal ferido, parecia que o fogo do inferno estava ardendo dentro de você. Por meses a fio, você arrumou brigas, lutou e começou a treinar, você queria vingança. Esse fogo ainda está aí, ou você deixou que apagassem?
— Acredite, ele ainda está aqui, me devorando por dentro, mas percebi que estava no caminho errado, Julia não iria querer isso.
Na verdade, eu sonhei com minha mulher e ela dizia para que eu parasse, pois muita gente já havia morrido.
— Entendi, e foi quando você desistiu de lutar.
— Talvez — respondi enigmático.
Novo silêncio.
— Você vai precisar de ajuda, e sabe disso — Drew voltou a falar.
— E quem estaria disposto a colocar um alvo no meio do peito?
— Alguém que busca o mesmo que você. Lembre-se, se você fizer o que é certo, não será vingança, e sim justiça.
Com essas palavras, o velho ex-policial se levantou e tocou meu ombro.
— Uma conhecida vem te visitar, converse com ela, pode ser o começo de tudo.
Em seguida, ele se foi, e vi quando se juntou aos outros detentos que jogavam dominó em uma mesa afastada.
Suas palavras pesaram muito, e passei o resto do dia pensando em nossa conversa.
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Dois dias depois, fui chamado para receber uma visita, me lembrei de minha conversa com Drew e, curioso, fui até a sala onde recebíamos os visitantes.
Reconheci imediatamente a mulher que me aguardava do outro lado da divisória de vidro. Fazia anos que não nos víamos, senti uma fisgada no peito.
Assim que me sentei à sua frente, ela pegou o aparelho telefônico, e eu fiz o mesmo, aguardando que falasse.
— Justin Blake. — A voz havia amadurecido, assim como a sua dona.
— Athena Willians. Confesso que não esperava essa visita. — falei, revelando minha surpresa.
— Me desculpe por não ter vindo antes — ela falou, parecendo sem jeito.
— Não foi uma cobrança, eu realmente estou surpreso, não esperava que aparecesse aqui. — Falei, dando de ombros.
— Estive fora do país, retornei recentemente. — Athena explicou.
— Entendi, está tudo bem com você? E como está sua mãe? — perguntei, ainda sem entender o porquê de ela estar ali.
— Está muito bem, e mandou lembranças para você.
— Diga o mesmo a ela.
— Eu direi.
A conversa cordial terminou por aí, e ficamos em silêncio alguns instantes. Athena me olhava atentamente, parecendo escolher o que deveria dizer.
— Você mudou — ela falou de repente.
— Você também — eu a observei, me lembrando da garota de roupas despojadas e longos cabelos loiros, que estavam mais curtos agora. Novamente o silêncio pesou entre nós, até que Athena se ajeitou na cadeira, desviando o olhar.
— Olhe, isso não é uma visita cordial, eu gostaria muito que me ouvisse — ela falou finalmente.
— Estou ouvindo — respondi sério.
— Atualmente estou trabalhando como freelance do The Washington Notice e…
— Você quer uma entrevista exclusiva comigo? Por isso está aqui? — Cortei-a, lembrando da dezena de repórteres que tentaram conseguir uma entrevista comigo quando tudo aconteceu. Na verdade, eu ainda estava no hospital quando o assédio começou.
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— Eu quero ajudar, eu estive me inteirando do seu caso…
— Ótimo, porque meu advogado não se interessou muito em fazer isso durante meu julgamento — eu a cortei novamente, não gostando do rumo da conversa.
— Mas o que não entendo é que, com ele morto, por que você não contratou outro?
A notícia me pegou de surpresa.
— Martin está morto? — perguntei, espantado.
— Sim, você não foi avisado? Outro advogado deveria estar com seu caso.
A notícia me chocou, mas me mantive impassível.
— Não, mas isso não me surpreende. Quando aconteceu?
— Anos atrás, ele morreu em um incêndio em seu próprio escritório, o inquérito diz que seu ar-condicionado era velho e pegou fogo durante a madrugada, como seu advogado estava dormindo lá…
— Como sabem que ele estava dormindo? — perguntei, intrigado.
— Encontraram seu corpo sobre o que restou de um sofá.
A lembrança de Martin reclamando de dor nas costas me veio à mente.
— Ele não dormia naquele sofá velho, dizia que acabava com suas costas e, por isso, preferia levar trabalho para casa a ficar ali, e depois…
Parei de falar, pensando em tudo o que ela contou. Eu estava em seu escritório quando o novo ar-condicionado foi instalado, isso foi no mesmo dia em que ele me disse para não me preocupar com nada, pois tinha tudo sob controle.
Um mês depois eu fui condenado pelo assassinato da minha família. O fato de eu ter levado um tiro também não foi considerado, pois a acusação disse que tentei me matar.
— Talvez tivesse trocado de sofá. — Athena falou, dando de ombros.
— É. Provavelmente — concordei não querendo prolongar o assunto.
— Olha, o fato é que você está sem advogado há anos, e não houve nenhuma apelação. Você simplesmente foi esquecido aqui.
Esquecido, essa era a palavra certa.
— Entendi essa parte, agora me diga: por que você se interessou pelo meu caso? Acha que se me entrevistar conseguirá ser contratada pelo jornal? Meu caso é antigo, duvido que interesse a alguém ainda.
— Esqueça isso, Justin, eu não vim pedir entrevista nenhuma.
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— Então por quê? — perguntei, realmente intrigado.
— Pelos velhos tempos.
— Só isso? Oito anos depois? Vamos lá, Athena, o que quer de verdade?
— Quando eu te tirar daqui, você saberá.
Já havia acontecido mortes demais, e, com toda a certeza, eu não queria que Athena fosse a próxima vítima.
— Obrigado, mas é melhor que fique fora disso — respondi, fazendo menção de colocar o fone no gancho.
— Espere, Justin, olhe para mim e me responda: você realmente não fez isso, não é?
Apertei o maxilar, tentando me controlar.
— Eu já respondi essa pergunta milhares de vezes para desconhecidos, me admiro que você pergunte isso.
— Eu precisava perguntar — ela se justificou.
— Tenha uma boa tarde, Athena. Obrigado pela visita e adeus — falei, me levantando e colocando o fone no gancho.
— NÃO. ESPERE. POR FAVOR, JUSTIN.
Ouvi seu grito enquanto saía da sala, escoltado por um dos guardas.
— Dia difícil, Blake? — ele perguntou.
— Tão difícil quanto os outros — respondi, seguindo-o de volta à cela.
Uma vez sozinho, me deitei pensando na mulher que um dia foi minha melhor amiga. Athena deixou a cidade para cursar a universidade em Miami, enquanto eu e Julia decidimos estudar em Washington mesmo e ficar perto de casa. Eu a vi uma única vez depois disso, foi há dez anos, no enterro de seu pai.
Suspirei, fechando os olhos e tentando esquecer os impressionantes olhos verdes que me encararam através do vidro.
Athena
Merda. Merda. Merda. Homem teimoso.
Saí frustrada do presídio, eu imaginava que teria trabalho com o Justin, mas achei que, ao menos, ele se animaria em poder sair da prisão.
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Quem, em sã consciência, não sonharia com sua liberdade, ainda mais se fosse inocente? Mas não, Justin Blake, orgulhoso como sempre, tinha que recusar ajuda. Idiota, pois, querendo ou não, eu iria fazer de tudo para tirá-lo daquele lugar e depois conseguir sua ajuda.
Enquanto dirigia, me vi pensando no que vi. Justin não estava apenas mais velho, parecia que carregava o mundo nas costas, as feições alegres e joviais haviam desaparecido, o atleta da escola, apaixonado pela vida, parecia não existir mais.
Duro, frio, seu olhar parecia aço através do vidro.
Respirei fundo, tentando sair da onda de frustração em que estava afundando, enquanto estacionava o carro na frente da garagem da casa da minha mãe.
Eu sabia que um interrogatório me aguardava, mas não adiantava fugir, mesmo porque eu entendia sua preocupação, seu medo era de que alguma coisa me acontecesse também.
— Oi, mamãe — chamei, entrando em sua sala.
— Na cozinha — ouvi seu grito, e segui sua voz.
O cheiro de bolo assando me pegou assim que entrei.
— Ei, o que está fazendo? É aniversário de alguém? — perguntei, admirada com a quantidade de bolos e tortas que havia sobre a mesa e a ilha da cozinha.
— Estou nervosa, e, quando estou nervosa, você sabe que só me acalmo aqui — ela explicou, tirando o bolo do forno.
— Hummm, chocolate? — O cheiro no ar era delicioso.
— Sim, mas tenho que terminar ainda, vou levar todos para a igreja, já falei com o padre Phill, vamos vender para arrecadar dinheiro para a caridade.
— Linda iniciativa, mamãe, mas bem que você poderia me dar esse aí, sabe que amo bolo de chocolate — pedi, fazendo drama.
— Vou pensar no seu caso — ela brincou, enquanto eu me sentava em uma das cadeiras.
Minha mãe passou por uma fase difícil quando meu pai se foi, e eu, infelizmente, não pude estar ao seu lado. Ela teve a igreja para confortá-la, enquanto a filha estava ocupada demais trabalhando.
— Pare de enrolar e me diga: como foi tudo? Estou ansiosa aqui — ela perguntou.
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— Percebi, mas nem precisava, ele me deixou falando sozinha — respondi suspirando, ainda frustrada.
— Graças a Deus, assim você tira essa ideia maluca da cabeça.
— Mãe…
— Oras, você sabe o que penso disso — ela respondeu enquanto recheava o bolo.
— De que é esse recheio?
— Mousse de chocolate, e não mude de assunto.
— Sim, eu sei o que pensa sobre o que estou fazendo, mas eu preciso fazer mesmo assim. Apenas torça para que tudo dê certo.
— Eu vou, querida — ela falou, colocando o bolo na geladeira. Quando voltou, parou na minha frente, olhando-me.
— Bem, e como está o homem?
— Antes me responda como você está.
— Como assim?
— Desde que papai nos deixou — expliquei.
— Levando um dia após o outro, o que isso tem a ver? Apenas olhei para ela, levantando uma das sobrancelhas.
— Ah, sim, Justin ainda não se recuperou.
— Não, e não acho que ele esteja pronto para isso.
— Como assim?
— Mamãe, Justin Blake continua tão lindo quanto me lembro, mas é um homem triste, parece que algo se quebrou dentro dele.
— Ah, sim, eu lembro que você tinha uma paixãozinha por ele.
— Isso ficou no passado, mãe. Depois que Julia chegou à cidade, Justin mudou, lembra? Acabamos nos afastando.
— Vocês se davam tão bem.
— Sempre fomos amigos, mas isso é passado, ele nunca esteve tão fora do meu alcance e o meu interesse nele é outro agora, então não fiquei reparando em detalhes. Tem café fresco? — Desconversei, deixando a cadeira onde estava sentada e indo até o armário procurar uma xícara.
— Na cafeteira. Ele está muito mudado? Me lembro daqueles olhos verdes como o mar, os cabelos loiros caindo na testa…
— Estão curtos — eu a corrigi sem perceber, enquanto me servia de café.
— Como? — ela perguntou, confusa.
— Os cabelos se foram, estão bem curtos agora.
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— Ah, sim, pensei que não tinha reparado.
Balançando a cabeça enquanto sorria, preferi ficar em silêncio para não me comprometer mais ainda, pois, desde que descobriu meus planos sobre Justin Blake, minha mãe não me deu mais sossego.
Sentei-me em silêncio, olhando o líquido quente e escuro dentro da caneca. Minha mãe tinha razão em uma coisa, não sei quando eu me apaixonei por Justin Blake, um dia eu simplesmente percebi que sentia algo a mais por meu melhor amigo e sabia que não era correspondida, calei o que sentia no fundo do meu coração, com medo de perder a amizade.
Até a chegada da garota com ar perdido e desamparado, Julia ficou isolada nos primeiros dias de aula. Solidária, me aproximei, levando Justin comigo.
Foi quando o perdi de vez.
Tentei esquecê-lo e segui em frente. Quando eles decidiram ficar na cidade, eu parti, evitando saber de suas vidas.
Quando Justin perdeu a família e foi jogado em uma prisão, acusado de suas mortes, eu estava fora do país, correndo o mundo em uma série de reportagens que eu fazia para uma revista sobre turismo. Soube por alto o que houve, lamentei pelas vidas perdidas e me convenci de que não tinha nada a ver comigo.
Um telegrama e depois um telefonema. Tudo começou a mudar por conta desses contatos, que me convenceram que sim, que aquilo tinha tudo a ver comigo. O que veio a seguir foi um café com um homem desconhecido. Na verdade, foi o que me trouxe de volta à cidade de Alexandria, depois que me recuperei do desastre que foi minha passagem pelo Oriente Médio. Quando cheguei, fui procurar saber sobre as investigações da morte de meu pai, e descobri que era Justin quem as estava conduzindo, antes de ser preso.
Meu faro me disse que Justin pisou em terreno perigoso e que, por isso, estava na prisão.
E foi isto o que mais chamou minha atenção: quem estaria por trás de tudo isso? Quem teria tanto a perder que sacrificou uma família para se safar?
Eu precisava ter acesso ao que Justin descobriu, todo o inquérito desapareceu sem deixar pistas, ninguém sabia onde estava, minha esperança era que ele soubesse e me dissesse o paradeiro de sua investigação.
— Eu ainda estou aqui. — Minha mãe falou, me trazendo de volta à realidade.
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— Desculpe, estava pensando — falei, gesticulando.
— E qual o próximo passo, já que o homem não quis falar com você?
— Um advogado. Ele precisa de um novo advogado, urgentemente.
— Tem certeza, filha?
— Absoluta, mamãe. Dizer que seu advogado foi relapso é pouco, parece que trabalhou contra o seu cliente.
Omiti a parte do homem estar morto, ela não precisava de uma informação que a deixaria ainda mais preocupada.
— Prometa ter cuidado, está bem?
— Eu prometo, dona Francine — respondi, caminhando até ela e a abraçando.
— Fica para jantar?
— Tem comida, ou só bolo? — brinquei, provocando-a, enquanto me afastava.
— Você tem coisa melhor na sua geladeira? — ela perguntou levantando uma das sobrancelhas.
Não, definitivamente não, cozinhar não era meu ponto forte.
— Bem, você sabe, sempre posso pedir algo pronto.
— Sei, você deveria aprender a cozinhar direito, já te falei mil vezes que agarrei seu pai pelo estômago.
— Besteira, ele sempre falou que foi quando bateu no carro dele. — brinquei, lembrando da resposta que ele dava a ela.
Lembrar do meu pai me deixou melancólica, e vi o olhar de minha mãe mudar também.
— Desculpe — falei, tocando seu braço com carinho.
— Eu nunca vou deixar de falar no seu pai, e você também não deve fazer isso. Ele se foi, mas sempre estará conosco, aqui — ela falou, apontando para seu coração.
— Eu sei, mamãe, mas é por isso que preciso do senhor Blake solto.
— Lá vamos nós de novo — ela falou, revirando os olhos.
— Ele sabe quem matou o papai. Se não sabe, estava perto de descobrir.
Ela deu um longo suspiro, olhando para mim.
— Eu não vou falar mais nada, apenas tenha cuidado, ok.? Não posso perder você também.
— Eu prometo — falei, cruzando os dedos sobre os lábios, como fazia quando era criança, e recebi sua gargalhada como resposta.
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EXATAMENTE UMA SEMANA DEPOIS QUE recebi a visita de Athena, eu estava me exercitando na academia improvisada em um dos cantos do pátio, quando dois guardas se aproximaram e fizeram gestos para que os outros presos se afastassem.
Encaixei a barra do supino no lugar e me sentei, aguardando.
— Você tem visita, Blake. — Toddy, um dos guardas mais velhos que trabalham na prisão, avisou de longe.
Involuntariamente retorci a boca, imaginando que fosse Athena novamente, querendo remexer o passado. Ela não fazia ideia do que poderia acontecer se insistisse no assunto, mas seu jeito me deu a impressão de que não desistiria facilmente.
— Não quero visitas — respondi sério, ainda sentado.
Olhando em volta, ele se aproximou mais, deixando seu parceiro longe.
— Isso pode ser importante, Blake, meu conselho é que vá conversar com o homem.
— Homem? — perguntei, surpreso.
— Sim, achou que fosse a belezinha que você deixou falando sozinha outro dia? — ele perguntou com um sorriso torto brincando nos lábios.
Ainda em dúvida, olhei para a porta fechada do outro lado do pátio.
— Que ninguém me ouça, mas sempre achei seu caso mal contado, e, se você pensa em sair daqui, é melhor ir lá dentro.
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Justin
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— Sair? E fazer o que lá fora?
— Descobrir quem fez isso com você. É o que eu faria — ele respondeu dando de ombros.
— E me vingar — falei entre dentes.
— Exatamente. — O homem falou baixo, para que apenas eu o ouvisse. Vingança.
O sonho com Julia me fez enterrar esse desejo dentro do peito por tanto tempo, mas nunca deixei de lado.
— Vamos, Blake, apenas veja o que o homem quer. — O guarda insistiu.
— Tudo bem — respondi, vestindo minha camiseta e o seguindo para dentro do grande prédio cinza.
Um homem alto, já de idade, usando um terno caríssimo, aguardava-me com uma pasta de couro ao seu lado, sobre a mesa.
Peguei o fone e o cumprimentei com um aceno da cabeça.
— Senhor Blake, meu nome é Samuel Harrison, fui procurado pela senhorita Willians para trabalhar no seu caso.
— Eu disse a ela que não mexesse com isso.
— Bem, senhor Blake, eu só posso representá-lo se o senhor aceitar meus serviços, mas confesso que seu caso me interessou.
Fiquei em silêncio, olhando para o homem do outro lado do vidro, e, quando ele sustentou meu olhar, senti uma confiança que não sentia há muitos anos.
— Meu último representante praticamente me condenou sozinho, sem ajuda da acusação e está morto agora.
— Estou ciente disso.
— E está ciente de que, ao remexer em meu caso, pode estar se colocando em risco também?
— Sim, e mesmo assim estou interessado em tirá-lo daqui.
— Por quê?
— Fará bem ao meu currículo — ele respondeu, sorrindo. Algo que me dizia que aquela não era totalmente a verdade.
— Tudo bem, isso vai ser demorado? — perguntei, finalmente interessado.
— Não será de uma hora para outra, mas minha intenção é tirá-lo daqui o mais depressa possível.
— Acha que consegue mesmo?
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— Sim, tenho certeza, esse processo está cheio de furos, erros de investigação e, pior, falta de provas.
— Aquela arma não era minha.
— E é isso que vamos provar. Com a numeração raspada, não há como chegar ao seu dono, como puderam afirmar que era sua? Respirei fundo, começando a ter esperança.
— Tudo bem, eu aceito o senhor como meu advogado, mas não tenho como pagá-lo agora.
— Não se preocupe com isso, preciso que assine estes papéis que estão sobre a mesa, depois os guardas me entregarão.
Conferindo o que estava escrito nos documentos, eu assinei os papéis e os deixei onde estavam.
— Obrigado. — Agradeci ao homem, despedindo-me em seguida. Voltei para o pátio pensando em tudo o que aquela visita representava. Drew me olhou de longe e acenou com a cabeça, dando-me a sensação de que algo grande estava para acontecer e eu estaria no centro de tudo.
Na madrugada seguinte, caiu sobre mim as consequências das últimas visitas que recebi.
Ouvi o clique seco da trava da porta e, antes que eu tivesse tempo de levantar da cama, fui atacado.
Eu não vi quantos e nem quem eram, o ataque vinha de todos os lados, em todo o corpo, a dor que senti foi tão grande que perdi os sentidos em poucos minutos.
Quando acordei, percebi que estava na enfermaria da prisão, eu mal conseguia abrir os olhos e parecia que meu corpo havia sido serrado ao meio, mas me mantive quieto, preferindo que acreditassem que eu estava ainda desacordado, para assim poder ouvir o que acontecia ao meu redor.
— Vocês exageraram… — Ouvi a voz da enfermeira Smith soar baixa, mas perto o suficiente para eu pudesse ouvi-la.
— Fique quieta, mulher, para todos os efeitos, ele se meteu em mais uma briga. Não seria a primeira. — Reconheci a voz de Howard, parecendo irritado.
— Vocês quase o mataram. — A mulher continuou.
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*
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— A ordem era essa, mas alguém deu um alerta e o alarme soou. Depois descubro quem fez isso.
— Prefiro não saber essas coisas, temos que levá-lo ao hospital.
— Sem hospital — ele falou categórico.
— Você está louco? O homem provavelmente está todo quebrado, temos que ver se não há nenhuma hemorragia.
— Não vamos tirá-lo daqui, deixe que morra logo e acabe com nossos problemas.
— Seus problemas, não meus. Eu vou ter um problema se, quando o diretor passar aqui pela manhã, como faz todos os dias, encontrá-lo nesse estado. Ele vai querer saber por que não o levamos, não temos como escondê-lo. — A mulher parecia apavorada.
Alguém entrou apressado na enfermaria.
— A ambulância está pronta. — Ouvi a pessoa avisar.
— Vamos levá-lo logo. — A enfermeira ordenou, tomando a decisão.
— Hellen… — Howard ainda tentou se impor, mas foi ignorado.
— Agora — ela falou firme.
A maca na qual eu estava deitado foi movida, e o balanço aumentou a dor, fazendo-me desmaiar novamente.
Athena
Era meio da madrugada quando meu celular começou a tocar, me acordando. Desorientada e sonolenta, atendi sem olhar quem era.
— Senhorita Willians, temos um problema.
Reconhecendo a voz do advogado, fiquei alerta imediatamente.
— O que aconteceu? — perguntei, saltando da cama.
— O senhor Blake deu entrada na emergência, possivelmente passará por uma cirurgia.
— O que aconteceu? Em que hospital ele está? Eu vou para lá, o senhor vai também? Nós podemos vê-lo? — disparei uma pergunta atrás da outra, sem dar-lhe a chance de responder.
— Tenha calma, senhorita. Ele está no hospital St. Claire, já estou chegando.
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— Certo, eu estou a caminho. Obrigada.
Levei menos de vinte minutos para deixar o meu apartamento e o mesmo tempo para chegar ao hospital, encontrando o senhor Harrison na sala de espera, onde havia também dois guardas do presídio parados perto da porta.
— O que aconteceu? — perguntei baixo, para que apenas o advogado pudesse ouvir.
— Disseram que o senhor Blake se envolveu em uma briga — ele respondeu, levantando uma das sobrancelhas.
— Às duas da madrugada? As celas não deveriam estar trancadas a essa hora?
— Melhor termos essa conversa depois, senhorita — ele pediu.
— Sim, o senhor está certo — concordei, olhando em direção aos guardas.
A cirurgia levou horas, e já era manhã quando uma médica nos procurou para dar notícias.
— O senhor Blake está fora de perigo — ela avisou, depois que nos identificamos.
— Finalmente — falei aliviada.
— Ele vai ficar na terapia intensiva? — O senhor Harrison perguntou.
— Sim, as próximas 24 horas serão muito importantes para a sua recuperação.
— Quando poderemos levá-lo de volta à prisão? — Um dos guardas, provavelmente o chefe, perguntou.
— É impossível dar uma previsão agora, senhor. Temos que ver como ele reage.
— Ele pode ser atendido na enfermaria do presídio. — O homem insistiu.
— Ainda assim, terão que aguardar que ele tenha condições de ser transferido, e isso não acontecerá nos próximos dias.
— Inferno! Fique aqui de olho em tudo, preciso dar um telefonema.
— O guarda falou para um outro, que o acompanhava, e, em seguida, se afastou, apressado e com o celular na mão.
25
*
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— Assim que tivermos alguma novidade, vocês serão avisados. — A médica prometeu, olhando para nós.
— Obrigada — agradeci.
— Olhem, isso deve levar horas, se quiserem ir para casa descansar.
— Nós ficaremos — avisei.
— Certo, bem, temos uma cantina no térreo — ela avisou, com um sorriso preocupado.
— Obrigada — agradeci novamente, e a mulher foi embora. Senti as mãos trêmulas e o mundo girando à minha volta, sentei-me novamente na cadeira que ocupei nas últimas cinco horas, fechando os olhos. Agora que o perigo havia passado, percebi o quanto estava esgotada, e senti que uma crise de ansiedade poderia começar a qualquer momento.
— A senhorita está bem? — O senhor Harrison perguntou, preocupado.
— Foi só uma tontura, já passou — respondi, fechando as mãos e apertando-as.
Seu olhar preocupado estava sobre mim.
— Será que… — comecei a falar e parei, quando percebi que o guarda que ficou prestava atenção em nós.
— Eu não sei quanto a você, mas eu preciso de um café, vamos procurar a tal cantina. — O senhor Harrison falou, pegando seu casaco que estava sobre a cadeira ao meu lado.
Imediatamente me coloquei de pé, seguindo-o pelo corredor até o elevador, pois o centro cirúrgico estava localizado no segundo andar do hospital.
Já na cantina, pegamos nosso café e nos sentamos na única mesa vazia, eu não havia percebido que era quase hora do almoço.
— Deveria comer alguma coisa, senhorita.
Percebi que estava há mais de doze horas sem comer, mas pensar em comida me embrulhava o estômago.
E minhas mãos tremiam, cada vez mais.
— A senhorita está bem mesmo?
— Sim, só preciso de um pouco de açúcar — respondi, pegando o sachê de açúcar para colocar no meu café.
— Acho melhor chamar alguém.
— Não precisa, estou começando uma crise de ansiedade, mas logo tudo ficará bem. — Garanti, torcendo para que fosse verdade.
— Estamos em um hospital…
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— E eu sem plano de saúde, por favor, vamos apenas tomar o nosso café em paz.
Torcendo a boca, o senhor Harrison se afastou apressado e voltou logo em seguida, com uma generosa fatia de bolo para mim.
— Coma, aposto que está sem comer há muito tempo, depois conversamos — ele avisou, parecendo irritado.
Concentrada em sair do estado em que estava, comi o bolo rapidamente, junto com o café, e vi o tremor diminuindo devagar, assim como o mal-estar.
Afastei o pires vazio e me recostei na cadeira.
— Está melhor?
— Sim, obrigado.
— Estive pensando… — O senhor Harrison começou a falar, mas se interrompeu, levantando-se de sua cadeira.
Acompanhei seu olhar e vi que se voltava para a fila que se formara no caixa da cantina.
— Leonard? — ele chamou, e um médico deixou a fila, vindo até nossa mesa.
— Harrison? O que faz aqui? A família está bem? Martha? As crianças?
— Estão todos bem, não se preocupe. Um cliente meu foi trazido às pressas para cá, essa madrugada.
— Ah, sim, quem?
— O senhor Blake.
— Justin Blake? O que dizem que matou a família? — O médico perguntou, admirado.
— Sim, esse mesmo. Foi você quem o operou?
— Participei da cirurgia. Ele está fora de perigo, mas vamos mantê-lo aqui por algum tempo.
— Mas ele está bem? — O senhor Harrison insistiu.
O médico ficou nos olhando por alguns segundos, parecendo decidir o que podia nos falar.
— O que te falaram? — ele perguntou baixo.
— Quem? — O senhor Harrison perguntou, confuso.
— Os guardas que o trouxeram.
— Algo sobre uma briga.
— Disseram o mesmo para nós na hora da internação.
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— E o senhor acredita que foi uma briga?
— Só se ele brigou com um liquidificador e caiu dentro dele. — O médico resmungou torcendo a boca.
— Como assim?
Mais uma vez, o médico ficou em silêncio, enquanto olhava à nossa volta.
— Antes me responda uma coisa: por que está com esse caso, Harrison?
— Fui contratado e, ao ler o processo, passei a acreditar na inocência dele.
— Olhe, esse cara levou uma surra das feias, digo mais, foram várias pessoas. Acredito que a intenção era buscá-lo, porque, se fosse só um susto, teriam parado antes.
— Oh, meu Deus! Nós podemos vê-lo? — perguntei entrando na conversa.
— Quem é a senhorita? — O médico perguntou, parecendo finalmente notar minha presença.
— Eu sou…
— A senhorita Willians é noiva do meu cliente. Automaticamente o médico olhou para a minha mão, parecendo procurar por uma aliança, que claramente não existia, e eu a encolhi na mesma hora.
— Certo. Nesse caso, a senhorita poderá vê-lo em breve, mas apenas rapidamente, depois que o levarmos para a terapia intensiva.
— Ele vai se recuperar mesmo, doutor? — insisti.
— Sim, por isso vamos mantê-lo aqui, para que tenha tempo de se recuperar antes da próxima surra. Harrison, se tiver alguma carta na manga para libertá-lo, é hora de usá-la. Esse homem não sobreviverá a outra surra dessas. — O médico avisou, sério.
— Certo, obrigado. — O advogado agradeceu o conselho.
— Aguardem na sala de espera, logo alguém irá buscá-la, senhorita.
— E o homem se afastou, nos deixando sozinhos.
Respirei fundo e, ainda olhando para a porta por onde o médico havia desaparecido, me vi fazendo uma pergunta, já com medo da resposta.
— O senhor encontrou algo para libertá-lo?
— Não, nada que eu possa usar para soltá-lo já. Para isso, precisaríamos de um fato novo.
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— Então nós vamos encontrar, eu preciso desse homem vivo e aqui fora. — afirmei, tentando não parecer tão abalada.
— A senhorita sabe por que estou no caso, mas, depois de ler o processo, eu me sinto na obrigação de ajudar.
— Por quê?
— Esse homem já sofreu com a perda da família, não é certo acabar seus dias na prisão por algo que não fez.
— Eu fico feliz em ouvir isso.
— Ótimo, porque vamos precisar de toda a ajuda possível para que ele não volte para aquele presídio, um dia lá será o suficiente para que ele seja morto.
Estremeci ao ouvir essas palavras.
Pouco depois do almoço, pude vê-lo, finalmente, e, mesmo com os avisos que recebi, fiquei chocada com seu estado.
Senti as pernas falharem e fui amparada pela enfermeira, que percebeu meu choque e me sentou em uma cadeira.
— Você está bem?
— Sim, desculpe, é difícil vê-lo tão ferido — respondi, sentindo o rosto banhado de lágrimas.
— Seu noivo vai ficar bem, não precisa ficar assim, todo o inchaço vai sumir, bem como as marcas roxas e as escoriações.
— Eu sei, mas como alguém pode fazer algo assim com outra pessoa?
— O mundo anda virado, querida. A vida perdeu o valor, matam pelos motivos mais fúteis.
Concordei com a cabeça, sem condições de falar mais nada.
— Está na hora de ir — ela me avisou em seguida.
— Quanto tempo ele deve ficar assim?
— Depende do organismo dele reagir.
— Obrigada — agradeci, deixando a ala.
O senhor Harrison me aguardava na porta e me ajudou a chegar ao lado de fora do hospital, onde me sentei em um banco do jardim.
— E agora? — perguntei, sentindo-me exausta.
— Eu vou para o meu escritório, ver o que posso fazer, vá para casa descansar.
— Quero ajudar. — Insisti.
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— Vou tentar achar algo novo, com tanta falha da defesa, deve ter alguma coisa importante deixada para trás. Suspirei enquanto ficava em pé, tendo uma ideia.
— Eu vou para casa dar uns telefonemas. — avisei, me despedindo. Na verdade, antes eu precisava encontrar a agenda telefônica do meu pai, e, para isso, teria que vasculhar suas coisas na garagem da minha mãe. Talvez eu conseguisse falar com os detetives responsáveis pelo caso de Justin.
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Athena
ASSIM QUE ABRI A PORTA da garagem, vi as caixas empilhadas, encostadas na parede do fundo, e percebi que eram mais do que pensei.
Minha mãe levou um tempo para mexer nas coisas do meu pai e, de muitas delas, ela não teve coragem de se desfazer.
— Tem certeza de que vai mexer nisso? Olha quanta poeira. — Ouvi minha mãe falando por cima do meu ombro.
Depois que saí do hospital, passei em casa para um banho rápido e fui para sua casa, disposta a remexer em tudo.
— Sim, preciso da agenda do papai, está aí, não está? — perguntei, passando por seu carro estacionado ali dentro e acendendo a luz.
— Em algum lugar — ela respondeu, me seguindo.
A primeira coisa a fazer era descer as caixas, então, me enchendo de coragem, coloquei uma a uma no chão, me sentei em um banco e comecei a abri-las.
Minha mãe puxou uma delas e a abriu, se sentando em outro banco.
— É só a agenda mesmo?
— No momento, sim — respondi, puxando algumas pastas e as abrindo.
Passamos a hora seguinte abrindo caixa e remexendo em conteúdos, era muito papel, várias anotações sobre investigações que ele havia conduzido.
— Olhe isso, não lembrava que essa foto havia ficado aqui. — Minha mãe chamou a minha atenção para a fotografia que segurava.
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Eu devia ter uns seis anos de idade na foto e estava sentada na cadeira do meu pai, na delegacia, com ele e seus amigos ao meu lado, sua mão estava em meu ombro e eu ostentava um grande e orgulhoso sorriso, com uma janela no meio da boca.
— Eu lembro desse dia, era aniversário dele e nós fomos levar um bolo surpresa.
— Sim, Ted armou tudo para surpreendê-lo — ela completou, sorrindo saudosa.
— Você se importa se eu ficar com essa foto, mamãe?
— Claro que não.
Ted Morris, o tio Ted, foi parceiro do meu pai praticamente a vida toda.
— Você ainda tem o contato dele, mamãe? — perguntei, tendo uma ideia.
— De quem? — ela perguntou, distraída.
— Do tio Ted.
— É por isso que quer a agenda do seu pai?
— Na verdade, eu quero descobrir quem foi responsável pela investigação da morte da Julia e das meninas, mas não quero ir à delegacia fazer perguntas.
— Entendi, mas infelizmente perdemos o contato depois que ele e Sally se separaram.
— Será que ela tem algum contato dele?
Recebi um olhar torto da minha mãe. Pelo que me contara, a separação dos dois não foi nada amigável, e os meninos, na verdade homens pouco mais novos do que eu, ficaram do lado da mãe.
— Mamãe…
— Tá, tá… espere aqui e guarde essa bagunça. Se você tivesse me explicado o que queria, teria poupado nosso tempo — ela falou, entrando na cozinha e me deixando sozinha com as caixas espalhadas.
Quando acabei de guardar tudo, fui atrás dela e a encontrei na sala, ainda ao telefone, andando de um lado para o outro e se desculpando pela ligação, logo depois ela se despediu.
— Espero que essa ligação valha de alguma coisa, Sally ficou aborrecidíssima — ela falou, me entregando um papel.
— Eu espero o mesmo, mamãe — respondi apanhando o papel e o aparelho telefônico de sua mão.
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Tio Ted atendeu no terceiro toque e se mostrou surpreso quando me identifiquei.
— Não sabia que estava de volta, menina, sua mãe deve estar feliz — ele falou, parecendo alegre.
— Está sim, tio Ted, é bom estar de volta. E o senhor, como está? — perguntei, tentando ser educada.
— Estou bem, sabe que me casei de novo?
— Espero que esteja feliz.
— Muito, pena que as crianças não tenham aceitado muito bem.
— Dê um tempo a eles, tio.
— É, já me falaram isso. Mas acredito que essa ligação tenha um motivo, não é? Duvido que você tenha ligado apenas para falar com esse bode velho — ele completou com ar de riso.
— Assim eu fico sem jeito de falar — respondi, rindo.
— Bobagem, diga logo o que precisa.
— Certo, eu… — Tanta coisa que eu queria saber e, de repente, nem o motivo de minha ligação eu conseguia falar.
— Vamos, menina, assim você me deixa preocupado. Aconteceu alguma coisa com minha família.
— Não, não, me perdoe tio, eu preciso de uma informação sobre um caso de anos atrás, mas não conheço mais ninguém no Departamento de Polícia atualmente.
— Eu me aposentei já tem um tempo, mas se puder te ajudar.
— Acredito que possa, sim. Na verdade, eu só preciso do nome de quem conduziu a investigação.
— Qual o caso?
— O assassinato da família de Justin Blake.
Houve um silêncio absoluto do outro lado da linha, ao ponto de me fazer acreditar que a ligação havia sido interrompida.
— Tio Ted? — chamei, ansiosa.
— Estou aqui, menina. Por que quer saber isso? — ele perguntou, sério.
— Eu não acredito que ele tenha cometido esse crime.
— Ele foi julgado e condenado.
— Ainda assim.
— Athena…
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— Por favor, tio, ele estava investigando a morte do meu pai e ninguém sabe onde ele guardou o inquérito. Eu preciso da ajuda dele.
— E, em troca, ele quer ser libertado.
— Não, ele me mandou ficar fora disso.
— Você deveria ouvi-lo. — Seu ar era de advertência.
— Tentaram matá-lo essa noite, tio, por favor.
— Athena, pare de revirar o passado, pode ser perigoso.
— Eu não posso, tio. Não posso mais… — falei com a voz embargada. Apesar de me questionarem, ninguém sabia o motivo de minha volta tantos anos depois.
Novamente houve silêncio na linha por alguns minutos.
— Do que exatamente você precisa?
— Uma evidência nova, uma testemunha que nunca foi ouvida, a prova de que a arma não era dele, um milagre, qualquer coisa que possa ajudar. O advogado dele está lendo o processo.
— Ele tem um novo advogado?
— Sim, ele nem sabia que o senhor Martin está morto.
— Certo, Athena, eu tenho uma coisa que seu advogado pode checar.
— O quê?
— Você falou na arma do crime. Através da balística, eu descobri que ela já havia sido usada em outros crimes, todos fora do estado. Seu dono foi morto em confronto com a polícia do Kansas, e essa arma foi guardada junto do arquivo do caso.
— Kansas? Como ela veio parar aqui?
— Essa é a grande pergunta. Não consegui rastrear a arma até o Blake e, quando levei essa informação ao chefe, fui afastado do caso.
— Como assim?
— Recebi uma promoção de uma hora para outra, e a investigação foi parar nas mãos de outros detetives.
— Eu não vi nada sobre isso no inquérito.
— Exatamente, porque foi descartado. Ninguém nunca falou sobre isso no julgamento.
— Meu Deus!
— Athena, por isso estou te pedindo que deixe o passado onde está.
— É tarde demais, tio Ted, mas obrigada.
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— Então prometa ter cuidado. Acho que já ficou claro que não pode confiar na polícia da cidade, não são todos, mas não temos como saber quem se vendeu.
— Entendi, existe alguma forma de recuperar essas informações?
— Sim, existe. Eu tenho uma cópia no meu cofre.
Eu não sabia se gritava, ria ou chorava.
— É sério? Por que guardou por todos esses anos?
— Estava esperando a pessoa certa para entregar.
— E encontrou?
— Acredito que sim, vou digitalizar e enviar por e-mail, tudo bem? Passe para o advogado analisar, se estiver tudo certo, ele saberá o que fazer.
— Perfeito, tio Ted, muito obrigada! — agradeci mais uma vez, feliz com a novidade.
Depois de passar meu endereço de e-mail, despedi-me dele, desejando novamente felicidades em seu novo casamento.
Quando encerrei a ligação, eu não sabia o que fazia primeiro. Eufórica, comecei a rir sozinha, chamando a atenção da minha mãe, que havia deixado a sala.
— Ei, está tudo bem? — ela perguntou, me olhando da porta da cozinha.
— Tudo ótimo, mamãe, e deve ficar melhor ainda, se Deus quiser.
Levantei-me para abraçá-la e depois fui atrás do meu celular, o senhor Harrison precisava saber da novidade imediatamente. Como eu esperava, ele ficou feliz com a notícia. *
Algum tempo depois, quando o e-mail chegou, resolvi, em vez de encaminhá-lo, ir até seu escritório para dar mais detalhes sobre minha conversa com o tio Ted.
— Me passe tudo, vou imprimir para ler. Se for isso mesmo, amanhã eu entro com uma liminar de emergência para soltar o senhor Blake. —
O senhor Harrison parecia eufórico enquanto me recebia.
— E depois?
— Haverá um novo julgamento, mas meu cliente poderá aguardar em liberdade.
— Graças a Deus!
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Com os papéis em mãos, aguardei enquanto o senhor Harrison os lia, olhando o inquérito que estava espalhado sobre sua mesa de reunião.
O escritório estava na mais absoluta desordem, não lembrava nem de longe o lugar impecável que encontrei dias atrás, quando vim à sua procura.
O advogado parecia não acreditar no que lia, balançando a cabeça de tempos em tempos, e sorrindo.
— Ok, seu amigo está certo, isso tira o senhor Blake daquele presídio — ele falou, soltando os papéis sobre a mesa.
— Ótimo.
— Mas tem uma coisa — ele falou levantando uma das folhas e me entregando.
— O que é?
— Esse senhor, o detetive Morris… tem um recado dele aqui pedindo para que tenhamos cuidado, pois alguém importante está por trás de tudo.
— Nós já desconfiávamos disso. — Desconversei.
— Tem alguma coisa que eu deveria saber, senhorita? — ele perguntou, me encarando sério.
As coisas estavam andando, o primeiro passo estava prestes a ser dado e, a partir daí, não haveria mais volta. A verdade era que todos nós estaríamos em perigo com a soltura de Justin.
— Tudo bem, o senhor tem o direito de saber. Eu estive fora durante muito tempo. Primeiro fui fazer faculdade em Miami e depois parti para a Europa, onde morei por anos na Inglaterra a trabalho. Comecei a andar pelo escritório pensando no contato que fizeram comigo e que me fez retornar.
— Continue, senhorita.
— Certo, desculpe. O fato é que uma pessoa me contatou, eu não sei quem é ainda, mas ela disse que os dois crimes estão ligados, a morte do meu pai e a da família de Blake. Eu soube do assassinato da Julia e das meninas, e nunca acreditei que ele tivesse feito isso. Mas não se interessou em vir para checar.
— Não, apesar de nossa amizade quando pequenos, perdemos contato depois que parti, e…
— Não era da sua conta — ele completou por mim.
— Sim, sim… droga, eu não me interessei em voltar para tentar ajudar, não tinha nada a ver comigo, fui egoísta pensando apenas em minha carreira.
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— Entendi, e agora descobriu que sim, tem a ver com a senhorita.
— Sim, Justin estava investigando a morte do meu pai, e, depois que tudo aconteceu, ninguém sabe onde foi parar o inquérito policial, Justin tirou da delegacia e sumiu com tudo.
— Os homens que invadiram sua casa podem ter levado.
— Também pensei nisso, mas só ele pode responder essa pergunta.
— Eu entendi. Bem, suas dúvidas logo serão respondidas, vou resolver essa questão o mais depressa possível.
— Certo, e o senhor tem notícias de Justin?
— Ainda na UTI, mas se recuperando bem, em dois dias deve ir para o quarto.
— Ótimo, bom saber que tudo vai ficar bem.
O silêncio que se fez me levou a olhar para o senhor Harrison, que me encarava sério.
— Algum problema?
— Não, senhorita, tudo certo. Se quiser ir embora, dou notícias assim que tiver alguma novidade — ele respondeu, ligando seu computador e começando a trabalhar.
— Certo, obrigada — falei, pegando minha bolsa e caminhando até a porta.
— Senhorita Willians…
— Sim?
— A senhorita já pensou que deixar a prisão e encarar a casa onde perdeu a família não é exatamente um final feliz para o senhor Blake?
Engoli em seco, sem saber o que responder.
— Boa noite, senhor Harrison.
— Boa noite, senhorita Willians.
Saí rapidamente do escritório, e só me detive quando já estava na rua, junto ao meu carro. Na verdade, eu não parei para pensar em Justin. Há anos, eu jurei não fazer isso e me esforçava ao máximo para manter meu pensamento longe dele.
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