COPYRIGHT © 2018 PALOMA MAZZON
COPYRIGHT © 2020. ALLBOOK EDITORA
Preparação e Revisão
Clara Taveira e Raphael Pelosi Pellegrini
Direção Editorial
Beatriz Soares
Capa
Flavio Francisco
Projeto Grá co e Diagramação
Cristiane Saavedra | Saavedra Edições
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográ cos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados
Esta obra literária é cção. Qualquer nome, lugares, personagens e incidentes são produto da imaginação do autor. Qualquer semelhança com pessoas reais, vivas ou mortas, eventos ou estabelecimentos é mera coincidência.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográ co da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Leandra Felix da Cruz Candido - Bibliotecária - CRB-7/6135
M429L Mazzon, Paloma
Lucca : livro 1 / Paloma Mazzon. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Allbook, 2020. 344 p.; 16 x 23 cm.
ISBN: 978-65-86624-27-4
1. Ficção brasileira. I. Título.
20-66657
2020
PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM
CDD: 869.3
CDU: 82-31(81)
CAPÍTULO 1
Melissa
— ENTÃO, ME CONTA O MOTIVO DE TER ESCOLHIDO A CAL STATES!
Minhas mãos congelam no meio do caminho para alcançar minha maçã, quando a voz — já tão familiar — de Lisa Alguma Coisa chega aos meus ouvidos.
Ela tem tentado puxar conversa comigo desde que me notou, na semana passada, em uma aula que fazemos juntas. Eu não sei o motivo desse interesse repentino sobre mim, mas não estou gostando nem um pouco.
Ela cai no banco ao meu lado e puxa uma garrafa de água com gás para perto do peito, torce sua tampa e toma um gole. Em seguida, vira de frente para mim e me olha, como se estivesse esperando uma resposta minha.
Eu vejo tudo isso com minha visão periférica, porque ainda estou congelada no meu lugar, sem saber o que fazer. Eu olho para minha maçã e penso em alguma ação. Não gosto de aproximações por um motivo óbvio para mim, mas também não gosto de ser grossa com alguém. Principalmente se a pessoa não fez nada de mal para mim.
— Perto de casa — respondo e pego minha maçã. Dou uma mordida e preciso me segurar para não gemer em satisfação. Faz quase um dia que eu não ingiro nada, além de água, e minha barriga é apenas um vazio oco.
— Hum... — Lisa resmunga. — Você não é muito de falar, certo?
Eu não respondo, apenas continuo a mastigar. Ela acena lentamente a cabeça e sorri.
— Tudo bem. Não é como se eu não tivesse notado isso os últimos anos.
Os últimos anos. Ela sabe que eu estou aqui há anos?
— Melissa, acertei? — Ela abaixa o queixo para olhar para mim. — Melissa Johnson?
Ela também sabe meu nome!
Eu confirmo com um aceno.
Seu sorriso se amplia, e ela batuca na mesa com os dedos indicadores.
— Eu sou Lisa Campbell, e não sou uma perseguidora… geralmente. —
Ela ri. — Acontece que, segundo minha mãe, eu tenho um dom de sentir quando alguém precisa de uma forcinha, e eu senti isso quando me sentei perto de você na aula de cálculo. — Lisa para e estende a palma da mão para mim, quando se apressa em completar: — Não que eu esteja dizendo que você precisa, apenas te achei um pouco sem chão, triste…
Sua mãe está certa, Lisa. Você realmente tem esse dom. Pena que o meu dom seja ficar bem longe das pessoas…
Mas, em vez de dizer isso, ergo uma sobrancelha para ela e dou outra mordida na minha maçã. Lisa acertou em quase tudo, porque eu não estou “um pouco sem chão”, eu estou “sem porra nenhuma abaixo dos meus pés”.
Os murmúrios ao nosso redor aumentam, principalmente os femininos. Eu vejo as garotas encarando a entrada do refeitório, parecendo super empolgadas, então sigo seus olhares e vejo três homens entrando no lugar.
Um deles é Peter Archer, o reitor da universidade, mas os outros dois, eu não faço ideia de quem sejam.
— Oh. Meu. Deus! — Lisa diz, pausadamente, ao meu lado. — Oh, meu Deus! Oh, meu Deus!
Eu olho para ela, sem entender sua reação, assim como não entendi a do resto das mulheres. Os homens que eu não conheço são, de fato, muito bonitos, mas estamos na Califórnia, e eu não acredito que elas ainda não tenham esbarrado com caras bonitos.
— Quem são eles? — eu acabo perguntando. Lisa me olha como se tivesse crescido outra cabeça em mim.
— Em que mundo você vive? Não lê revistas, blogs? Sacudo a cabeça, tentando não me importar com seu tom incrédulo.
— Não, eu sou muito ocupada, não tenho tempo para isso.
Sua expressão suaviza um pouco, e ela olha na direção dos homens.
— São quatro, no total. Tipo um quarteto fantástico, sendo que, em vez de atacarem vilões, eles que são atacados pelas mulheres por onde passam. Lindos, gostosos, bilionários. — Ela deu ênfase na última palavra, seguida de um gesto nas mãos. — São, definitivamente, as três palavras que os definem. O de terno cinza se chama Ethan Clark, ou meu sonho mais erótico, se você preferir. — Ela deixa um risinho esperançoso escapar. — Os outros três são irmãos: Enzo Lazzari é o mais velho, Giovanni é o do meio, e tem o mais novo, Lucca, que é justamente o que está olhando para você nesse instante. Jesus! Ele até tirou os óculos para te olhar!
Eu sinto meus olhos arregalarem, e meu pescoço endurece. Olhando para você nesse instante.
Ok. Não. Ela, com certeza, não está vendo direito. Ele pode estar olhando para qualquer outra pessoa na minha frente, ou até mesmo para ela, mas não para mim.
Por que ele olharia para mim, afinal? A mulher de jeans e camiseta gasta, quando há várias outras lindas e magras, vestidas com roupas boas? Definitivamente, não!
Além do mais, sou a única que ele não poderia olhar. Sou a única inalcançável nesse lugar imenso.
— Olha, eu não tenho ideia de como disfarçar a minha excitação, então ou você olha de volta para ele, ou acho que ele vem até aqui — Lisa diz, enquanto tem seus olhos azul-claros brilhando na direção do homem.
Tomando coragem, engulo em seco e viro o rosto, meus olhos encontrando um par de olhos azul-escuros, que está, sem dúvidas, sobre mim. Meu coração dispara no peito, e, de repente, preciso respirar. Eu abandono a maçã na bandeja, pego minha bolsa e me levanto. Caminho apressada por entre as mesas, em direção à saída, ignorando os gritos de Lisa chamando por mim. Eu preciso de ar, mas também de um pouco de água no rosto, então entro no banheiro feminino. Para minha sorte, não há ninguém, já que todos estão almoçando agora. Deixo a bolsa sobre a pia do banheiro e ligo a torneira. Coloco minhas mãos em concha debaixo da corrente forte de água, abaixo a cabeça e levo água para meu rosto. Desligo a torneira e dou uma olhada no espelho. Pareço um fantasma.
Minha pele é muito branca, meus cabelos são de um castanho desbotado, meus olhos, de um verde pálido e meus lábios mais parecem que estão sempre com batom nude. Abaixo dos olhos há o resultado das noites sem dormir. Eu nem me lembro da última vez em que consegui dormir uma noite inteira. Mas também não me lembro da última vez em que fiz tantas coisas, como por exemplo, uma refeição boa. O medo me tirou tudo isso. Ele me tirou isso.
E falando nele... Procuro pelo meu celular em minha bolsa, enquanto peço mentalmente para não haver nenhuma ligação ou mensagem. Mas quando o puxo para fora da bolsa, meu estômago se contrai com as notificações.
O medo envolve meu corpo de uma maneira tão violenta, que tenho de segurar na beira da pia, de tão trêmula.
Eu não retornarei suas ligações. Nunca faço isso. Então abro a primeira mensagem.
Eu o odeio tanto. Costumava amá-lo antes, na época que ele era um bom pai para mim, na época em que ele cuidava e se preocupava com meu bem-estar. Mas isso foi antes de tudo, antes de a minha mãe simplesmente ir embora e nos deixar. Desde então, ele se tornou um homem bêbado e agressivo, que se diverte me maltratando. É como se descontasse em mim tudo que minha mãe fez com ele. Como ele achasse que a culpa era minha por ela ter partido.
Pisco para espantar as lágrimas, pego minha bolsa e saio do banheiro. Não responderia a mensagem. Apenas passaria em algum lugar e lhe compraria comida, assim eu poderia ir trabalhar sem ter ele me enchendo o saco.
— Foi impressão minha, ou você correu? — Ouço uma voz masculina e divertida atrás de mim e paro.
Nem me virei ainda, mas alguma coisa me diz que é o homem do refeitório. O tal bilionário galinha. Virando-me em meu eixo, encontro seus olhos pela segunda vez hoje, e fico chocada, porque, de perto, ele é ainda mais bonito.
Lindo. Essa é a palavra certa. Ele é lindo. Limpei a garganta, me concentrando em não começar a tremer novamente com sua aproximação.
— Foi impressão — respondo, em seguida, prendo a respiração quando ele dá um passo para mais perto e olha para baixo, em meus olhos.
— Não, eu acho que não, baixinha. Você correu, sim. Estava correndo de mim?
Minha nossa! Ele cheira bem. Muito bem.
Sacudo a cabeça e dou um passo para trás, agarrando com firmeza a alça da bolsa.
— Não corri de ninguém, e, por favor, você não me conhece, portanto não coloque apelidos em mim. — Então me virei e comecei a me afastar.
Eu não gosto de apelidos, porque era o modo carinhoso que meus pais costumavam me tratar. Todos os dias, eles tinham formas de me chamar diferentes, desde docinho a pão de queijo. Por isso eu odeio apelidos.
Uma mão segura meu antebraço.
— Tudo bem, me desculpe, certo? — Ele me vira para si novamente. — Eu vi que não terminou de comer lá, então almoce comigo hoje. Podemos ir para algum outro lugar.
Vejo sinceridade em seus olhos, mas ele está falando comigo, então não pode ser de verdade. Eu arranco meu braço de seu aperto quando minhas mãos começam a tremer de novo e forço uma carranca.
— Você não tem do que se desculpar, e a resposta é não — digo, sentindo vontade de vomitar.
Ele faz uma careta engraçada, e se não estivesse tão apavorada, eu daria risada.
— Por quê?
Abro os braços.
— Olha bem para mim! Eu sequer pareço um pouco com as mulheres que você sai. Eu não vou te atacar, como elas costumam fazer, então nem adianta. Não vou almoçar com você. A resposta é não. Agora, se me der licença...
Eu me viro e começo a me afastar de novo, e, dessa vez, ele não vem atrás. Suspiro de alívio quando passo pela porta da frente da universidade e aperto minhas mãos, tentando fazer pará-las de tremer.
Como se eu fosse uma dessas vadias que corre atrás de playboyzinhos ricos…
CAPÍTULO 2
Melissa
NO CAMINHO PARA CASA, ENTRO EM UM BISTRÔ. SEI QUE NÃO VAI dar tempo de chegar e preparar alguma coisa, então compro comida. Quando chego, logo vejo Ricardo sentado em sua poltrona velha, de frente para a televisão. Em sua mão, uma garrafa de cerveja. Prendo a respiração quando o medo me envolve com força total. Todas as vezes em que me bateu, ele estava bêbado. É sempre assim: ele bebe, e se eu respirar errado, me bate. Lentamente, para não fazer barulho, ando até a pequena cozinha. Está uma bagunça, com vários pratos e copos sujos na pia e a mesa cheia de restos de comida e alguns talheres. Suspiro, cansada, e ponho a sacola com a comida em um espaço limpo sobre a mesa. Em seguida, começo a recolher os talheres e colocá-los na pia. Depois de limpar toda a mesa, lavo um prato, para que possa servir o almoço de Ricardo. Estou jogando o embrulho da comida no lixo, quando ele entra na cozinha.
— Comprou comida? — ele me pergunta grosseiramente, depositando a garrafa de cerveja na mesa com tanta força, que me faz sobressaltar.
— Eu não tive tempo de preparar algo. Eu ainda tenho que…
— Não quero saber! — grita, fazendo-me encolher. Ele se aproxima alguns passos e empurra com um dedo meu ombro, e quando volta a falar, sou capaz de sentir seu hálito terrível de bebida alcoólica. — Se não está
dando tempo de fazer seu trabalho, que é de cuidar da casa, então pare de ir para aquela universidade de merda! Você não vai precisar dela, já que você não é e nem será ninguém. Me ouviu? Ninguém! Nunca sairá desta casa! — Ele se afasta, pega o prato de comida e caminha para porta. Mas antes de sair, me olha por sobre o ombro: — E antes que eu me esqueça, você não me deu dinheiro ontem, por isso peguei aquele que você guardava na gaveta para poder comprar minha cerveja.
A minha garganta começou a arder pela vontade de chorar. Aquele dinheiro era tudo que eu tinha. Era o que havia conseguido juntar, na esperança de ter o suficiente para comprar uma passagem para bem longe daqui, onde ele não fosse capaz de me encontrar, e recomeçar minha vida.
Eu busco minha voz no fundo da garganta.
— Mas eram minhas economias…
— Você não precisará de economias, Melissa! Agora vá trabalhar, antes que eu resolva soltar esse prato e te dar umas palmadas!
Enxugo com o dorso da mão as lágrimas que teimam em cair e engulo o nó que se formou na minha garganta. Deixo a louça para lavar depois e sigo para o quarto, tomo um banho e vou trabalhar.
Assim que piso na loja, Elizabeth Cox, a dona e minha chefe, me recebe com um sorriso um tanto aliviado.
— Mel, que bom que chegou! A senhora Everton estava perguntando por você. — Ela se inclina um pouco para mim, como se quisesse contar um segredo. — Eu já estava enlouquecendo com as conversas dela... — sussurra, divertida.
Sorrio apertado de volta enquanto retiro minha mochila dos ombros.
— Desculpe o atraso. Tive alguns probleminhas em casa.
— Não se preocupe com isso, querida. Apenas atenda aquela velha falante, antes que eu enlouqueça. — Ela sorri. — Qualquer coisa, estou no meu escritório.
Coloco minha mochila no balcão para Alice, uma colega de trabalho, guardar e vou até a senhora Everton, que está com uma cara de tédio, olhando para alguns vestidos.
Ela é uma senhora idosa, com seus 58 anos, e é a elegância em pessoa. Toda semana, ela vem aqui comprar vestidos novos e adora conversar sobre como seu falecido marido era quando os dois eram jovens.
— A senhora já escolheu um? — pergunto.
Ela me olha e logo sorri.
— Minha querida — diz e me dá dois beijos no rosto. — Estou tão em dúvida. Graças a Deus que você chegou.
— Então vamos tirar as suas dúvidas — respondo, forçando um sorriso.
O resto do dia correu bem. Atendi uns nove clientes até finalmente dar a minha hora. Pego minha mochila e me despeço de Alice e Lizzie antes de sair da loja.
O sol já está se pondo, deixando o céu alaranjado. Essa hora era a minha favorita, porque quando criança, costumava me deitar na grama do meu quintal e ver como o sol ia desaparecendo. Mas hoje em dia é, com certeza, a pior hora de todas, porque tenho de voltar para aquele inferno que chamam de casa, enfrentar toda a bebedeira do meu pai e rezar para que ele não queira me bater.
Só para aliviar, pego meu celular, para ver se não tem alguma mensagem de ameaça. Suspiro de alívio em seguida.
Um carro para em minha frente, e quando levanto a cabeça para ver quem é, me arrependo no mesmo instante em que meus olhos se encontram com óculos escuros e um sorrisinho me encarando com divertimento.
Era só o que me faltava!
CAPÍTULO 3
Melissa
— Está me seguindo? — procuro saber, sem ser capaz de esconder meu pânico.
Lucca Lazzari sorri e sai do carro. Diferentemente de quando estava no campus, ele agora veste jeans escuro e uma camisa clara. Ele dá a volta em seu carro, a passos quase preguiçosos, e para em minha frente.
Sua mão se levanta para retirar os óculos escuros, revelando seus olhos tão azuis quanto a cor de sua camisa.
— E se eu estiver? — ele pergunta, e há um sorriso em sua voz. Posso notar o leve (quase inexistente) sotaque italiano em sua voz.
— Eu vou chamar a polícia — respondo com toda firmeza que consigo puxar de dentro de mim. Não é fácil se manter calma quando há uma pessoa absurdamente linda parada perto de você.
Lucca abre um sorriso de lado e põe as mãos nos bolsos da calça.
— Determinada. Eu gosto disso. — Ele dá de ombros. — Mas, para minha sorte, não estou te seguindo, baixinha — provoca, dando ênfase no apelido.
Meus olhos semicerram.
— E o que está fazendo aqui então?
— Por mais que seja uma ideia tentadora seguir você, eu estou aqui por outro motivo. — Ele aponta por sobre meu ombro, e eu viro a cabeça para ver do que se trata.
Nesse caso, de quem.
Marcie Cox, filha da minha chefe, está saindo da loja. Primeiro, ela nos olha, surpresa, alternando a atenção entre nós dois, mas, em seguida, caminha elegantemente até Lucca, segura seu rosto entre as mãos e pressiona os lábios nos dele.
Eu desvio meu olhar para um ponto do outro lado da rua quando meu estômago revira com uma pitada idiota de decepção.
E você aí, se iludindo que alguém olharia pra você! Principalmente alguém tão bonito e rico como ele…
— Lucca, oi! — Marcie passa seu braço pelo dele e lhe oferece um sorriso largo e derretido. Ele devolve, mas é um sorriso apertado. Ela olha para mim com o cenho franzido.
— Algum problema? — questiona, me encarando, mas sua pergunta é direcionada a Lucca.
— Nenhum. Estava com saudades e resolvi te buscar. A Mel estava me dizendo que você já estava saindo — Lucca responde.
— A Mel? Conhece-a de onde?
Mesmo morta de vergonha, olho para ele. Também estava curiosa para saber como ele sabia meu nome, se sequer havia me apresentado.
Ele encolhe os ombros.
— A empresa do meu pai ficou responsável pela reforma da Cal States, e ela estuda lá.
— Hm, sei. — Marcie me dá uma olhada curiosa e força um sorriso para Lucca. — Vamos sair daqui? Tenho novidades para você.
Ele olha para mim e sorri em despedida antes de abrir a porta do carro para Marcie.
Fico ali, parada, olhando os dois indo embora.
Ele a conhece?
Como raios ele sabe meu nome?
São muitas perguntas, e eu vou torcer para não ter oportunidades de as fazer.
Chego em casa meia hora depois. Meu pai está no mesmo lugar dessa manhã, assistindo a um jogo qualquer de hóquei. Como sempre, ando o mais devagar possível para não chamar atenção. Tiro um pouco mais da metade do dinheiro que recebi hoje das clientes e coloco em cima da mesinha de centro. Faço uma pequena prece para que ele não perceba que fiquei com uma parte e sigo para meu quarto. Quando fecho a porta, solto o ar que não sabia que estava prendendo.
Depois de um banho, visto um short jeans e uma camisetinha básica. Sinto meu estômago reclamar, então começo a abrir a porta bem devagar e ponho apenas a cabeça para fora, para ver se ele ainda estava na sala. Nada. Ele já tinha saído. Suspiro, aliviada, e vou para cozinha. Olho todos os armários, à procura de algo para enganar a fome, mas não tem nada além de um saco de açúcar e café. Como não posso ficar com fome, esquento água e preparo um café. Quando acabo, lavo a louça que havia deixado à tarde, enxugo e guardo tudo antes de voltar para o quarto e trancar a porta.
Olho ao redor, para a escuridão do cômodo, e tudo que sinto é vontade de chorar quando lembro que perdi 10 anos da minha vida. Tudo que fiz foi trabalhar para dar dinheiro ao homem que deveria ser meu pai, na esperança de não ser agredida. E às vezes até que funciona, mas, em geral, ele simplesmente me bate sem motivo algum. Tenho marcas de seus cintos por todo meu corpo. Marcas que mesmo que um dia saiam da pele, continuarão entranhadas em mim. Nunca esquecerei. Eu só queria que um milagre acontecesse e me livrasse desse homem, mas sei que contos de fadas não existem — e mesmo se existissem, com certeza eu não teria meu final feliz.
“Eu acho que isso foi uma fuga, baixinha.”
Uma risada pequena me escapa. Se ao menos eu pudesse ter alguém na minha vida... Não que alguém como Lucca fosse me ver do jeito que vê a Marcie ou algo do tipo, mas qualquer outro namorado que gostasse de mim de verdade seria ótimo. Alguém para curar todo sofrimento e dor que passei; alguém que pudesse me fazer esquecer pelo menos um terço do passado.
Troco minha roupa por um pijama e me deito na cama. Pego no sono alguns minutos depois, e meus sonhos me levam diretamente para certo par de olhos azuis.
— Melissa! — Eu ouço um grito longe e me remexo sobre o colchão. Melissa, abre a porra dessa porta se não quiser que eu a derrube! São gritos rudes somados a um barulho alto de algo batendo na madeira. Meu corpo fica tenso na hora, e quando meus sentidos ficam claros, reconheço a voz do meu pai. Saio da cama, já com o corpo querendo paralisar de medo, e sigo até a porta. Quando abro, encontro Ricardo com uma cara feia e cheia de raiva.
— O que houve? — consigo perguntar, mas minha voz é apenas um fio.
— O que houve? Eu vou lhe contar o que houve. — Ele invade o quarto, me fazendo dar vários passos para trás. — O que houve foi que eu saí para beber com alguns amigos e encontrei uma mulher muito gostosa no bar, que me deixou com tanto tesão, que meu pau ainda está doendo — ele falava tudo com uma calma forçada enquanto retirava o cinto da calça.
Encolhi-me ao lado da cômoda, agora imóvel de medo, meus olhos cheios de lágrimas prestes a cair.
— Por favor… — suplico em um sussurro, mas ele não ouve, apenas continua o que está fazendo.
— Mas adivinhe! Eu não pude levá-la para um motel, ou até mesma trazê-la para cá. Sabe por quê? Porque ela queria dinheiro, mas você me deu uma esmola, e eu não tinha como lhe dar o que me pediu. Por isso, minha querida Melzinha… — Ele chega bem perto, já com o cinto em mãos. Leva sua mão até meu ombro nu e traça um caminho por todo o braço com apenas um dedo. — Eu vou te ensinar uma lição e, depois, eu vou aliviar a dor que estou sentindo no meu pau em você. Se eu não posso ter uma mulher na rua, terei uma em casa.
Paralisei completamente, e o ar ficou preso na minha garganta.