Tudo Termina Aqui - Primeiros Capítulos

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TRADUÇÃO: DÉBORA ISIDORO

1ª EDIÇÃO RIO DE JANEIRO

Copyright © 2017. Ends hErE with hEr by M. robinson

Copyright da tradução © 2020 allbook Editora

Direção Editorial

Beatriz Soares

Tradução

Débora Isidoro

Preparação e Revisão

Gabriela Peres

Capa

Flavio Francisco

Modelo

Marshall Perrin

Fotografia de capa

Wander Aguiar

Projeto Gráfico e Diagramação

Cristiane Saavedra | Saavedra Edições

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Ficha elaborada por: Leandra Felix da Cruz Candido - Bibliotecária - CRB-7/6135

R556t Robinson, M.

1.ed. Tudo termina aqui : o que começou com ela... / M. Robinson; tradução Débora Isidoro. - 1. ed. - Rio de Janeiro : AllBook, 2020.

344 p.; 16 x 23 cm.

Tradução de: Ends here with her Sequencia de: Estrada para lugar nenhum

ISBN: 978-65-80455-30-0

1. Ficção americana. I. Isidoro, Débora. II. Título.

20-63273

CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

CDD 813

CDU: 82-3(73)

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995) 2020 PRODUZIDO NO

BRASIL.

Mia

COM OLHOS DUROS E FRIOS, VI O CAIXÃOZINHO BRANCO DEScer à terra. O céu chorava comigo, as gotas penetravam minha jaqueta preta.

Queimavam meu coração.

Pouco a pouco.

Cada vez mais fundo.

Até a escuridão me cercar, até todos os olhos se fixarem em mim. Eu sentia a ansiedade no ar, como uma corda em meu pescoço. Esperavam que eu reagisse, esperavam que eu desabasse, esperavam que eu fizesse alguma coisa.

Qualquer coisa.

Pode ter sido um minuto, duas horas ou três dias que passaram diante dos meus olhos inchados. De verdade, não sei quanto tempo fiquei parada ali. Se meus olhos inchados e o corpo trêmulo serviam de indicação, eu diria que foram algumas horas. O tempo parecia ter parado enquanto meu mundo inteiro desmoronava sobre mim.

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Pedaço por pedaço.

Um por um.

Agora não sobrava nada de mim. Nem a menina que todos queriam que eu fosse. Nem a garota de que todos se lembravam. A velha Mia. Tudo que viam era a casca vazia onde um dia existiu a pessoa que eles conheceram, e se agarravam à esperança de que ela ainda existisse em algum lugar em mim, lá no fundo. Não a menina...

Que tinha deixado de existir.

Mas eu tentava fingir que não estava ali. Tentava imaginar que minha vida não havia mudado em questão de segundos. Que meu mundo não tinha virado de cabeça para baixo em poucas horas. Que tudo em que eu queria acreditar não passava de uma...

Mentira.

A vida é feita de escolhas...

Escolhas boas.

Escolhas ruins.

Era o efeito borboleta. Cada ação provocava uma reação. Quando alguma coisa mudava, era impossível deter a série de eventos que seguia essa mudança. Uma simples decisão podia ser o catalisador do caos.

Um mísero segundo.

Um momento que muda a vida.

Põe tudo em movimento.

Era o que fazia o mundo girar. Permitia que você vislumbrasse o que poderia ter acontecido, se sua escolha tivesse sido diferente. Não havia segundas chances, por mais que você tentasse cruzar aquelas linhas invisíveis e colocar tudo em ordem de novo, consertar o que se quebrou. Isso te provocava. Mostrava as possibilidades de um desfecho diferente, para depois rir na sua cara como uma entidade cruel anunciando que jamais aconteceria.

Não agora.

Nem nunca.

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Mas essa decisão não foi minha. Não fiz essa escolha. Não quis isso. Nunca rezei por isso. Meu pior pesadelo se tornou realidade. No fim, isso não teve importância.

Porque essa decisão não só me mudou, como mudou todo meu futuro.

E também custou o amor da minha vida. A pessoa que eu vi ser enterrada a sete palmos do chão, onde nunca mais a veria.

Nenhum sorriso.

Nenhum “eu te amo”.

Nenhum...

Nenhum...

Nenhum...

Fechei os olhos, ouvi a chuva caindo no concreto e o ruído das roldanas e dos cabos que me tiravam tudo. E então, de repente, eu o senti atrás de mim.

Tudo nele despertava dor.

O cheiro, a aura, especialmente seu amor por mim.

Por nós.

— Sinto muito. Sinto tanto, porra — ele falou com um tom repleto de sofrimento e remorso. Sua culpa era tão densa, tão avassaladora, que eu a sentia me envolvendo, dificultando a respiração.

Era difícil pensar.

Era difícil sentir.

Agora, nesse momento.

Minha vida acabava antes mesmo de ter tido uma chance...

De começar.

Enquanto eu olhava para a lápide de granito cinza onde havia um sobrenome gravado...

Jameson.

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MINHAS PÁLPEBRAS TREMULARAM E SE ABRIRAM SÓ UM pouco, mas tudo que vi foi a escuridão. Um pedaço de tecido grosso bloqueando o campo de visão. Tentei mexer os braços, remover o objeto inconveniente, mas era inútil. Eu estava muito fraca. Abri a boca para falar alguma coisa, mas não consegui pronunciar as palavras. Meus lábios estavam muito secos, a garganta doía e ardia, e era difícil engolir, era muito difícil falar. Tentei processar o que estava havendo, o que tinha acontecido, quanto tempo passei desacordada, mas não conseguia atravessar a névoa. Estava tão cansada, tão atordoada, tão fora do ar, que nem o pânico conseguia se instalar.

Minha cabeça latejava como se pesasse quinhentos quilos. Senti que ela descansava no colo de alguém, o tecido áspero da calça do meu raptor irritando meu rosto. Tudo que conseguia ouvir era o ronco alto de um motor, enquanto uma brisa fria tocava meu rosto, o pescoço, o cabelo. O corpo estava aquecido, o que me fez pensar que havia um cobertor em cima de mim, mas eu estava entorpecida. Só sentia a vibração do terreno irregular por onde o carro passava.

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M. ROBINSON Mia

Era como se o veículo subisse uma ladeira interminável e fizesse curvas. Direita, esquerda e direita de novo, muitas e muitas vezes, me desorientando. Eu não conseguia acompanhar as curvas e mudanças de rumo. Meu senso de direção tinha desaparecido. Nada parecia familiar, nem os sons, nem os cheiros. Estava atordoada demais para funcionar direito. Meu corpo era sacudido pelos movimentos rápidos. As ruas eram esburacadas e irregulares, o que tornava a viagem extremamente desconfortável e desagradável. O vento assobiava no meu ouvido enquanto atravessávamos o que eu pensava ser um bosque, porque galhos de árvores se partiam sob os pneus. De vez em quando, eu escutava um galho raspando no teto do carro.

Eles corriam muito, como se fugissem de alguém. Eu não conseguia entender o que estava fazendo ali, qual era meu papel nisso, e antes que pudesse continuar pensando em tudo, apaguei de novo.

Minha cabeça descansou no apoio do encosto do Jeep e fiquei olhando para a casa à minha frente.

A casa de Creed e Noah.

Que ironia. Eu não tinha por que me queixar, e nem seria justo com Noah, se reclamasse. Ele tinha participado de todas as maneiras possíveis de cada momento da vida da bebezinha que crescia dentro de mim. Nesse processo todo, não sei como aconteceu, mas começamos a nos tornar muito amigos. Eu não podia evitar. Nos últimos sete anos, passei mais tempo com Noah do que jamais havia passado com Creed. Desde que vi pela primeira vez aquela criatura torturada, sempre foi um jogo de empurra e puxa. Pensar nele me fazia sorrir. Fiquei ali sentada pensando, tentando me convencer a entrar pela primeira vez na casa onde ele havia passado a infância.

Porém, não seriam seus braços acolhedores que me envolveriam, me cercariam com seu cheiro almiscarado e confortador que eu amava mais que tudo.

Seriam os braços do irmão dele.

O pai da minha bebê.

O homem que não deveria olhar para mim como se eu fosse a pessoa por quem ele passou a vida toda esperando. Era comum eu perceber Noah olhando

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para mim com adoração durante as muitas visitas que fazíamos ao médico. Ele nem tentava disfarçar. Noah queria nossa filha. Queria ser parte dessa jornada. Ele queria tudo.

Um futuro.

Uma vida.

Um para sempre...

Possivelmente comigo.

Se eu sabia a verdade, era evidente que Creed também sabia. Pensar nisso me causava arrepios, me deixava de cabelo em pé. Sentia as consequências do que ainda não tinha acontecido, mas acabaria acontecendo.

O inevitável.

Uma batalha.

Por meu coração.

Aprendi bem depressa que Noah era tão perdido quanto o irmão, talvez mais. Dos olhos dele emanava a mesma tristeza que sempre havia emanado dos de Creed. Um fardo que nunca consegui compreender ou imaginar. Eu não sabia nada sobre o Vice-Pres do Devil’s Rejects, nada além do que os olhos dele sempre me mostraram. O que sua presença carrancuda me oferecia, ou o que suas mãos fortes e calejadas e os lábios quentes me prometiam.

Seu amor.

Noah era bem parecido com o irmão mais velho, mas ao mesmo tempo, eles não poderiam ser mais diferentes. Como a noite e o dia, água e óleo. Quanto mais tempo eu passava com Noah, mais fácil era, para mim, ver um lado dele que eu queria que Creed me mostrasse, depois de todos esses anos.

Seu coração.

Creed ainda era reservado, sério e temperamental, e essas eram algumas de suas melhores qualidades. Eu só podia esperar que um dia ele se abrisse, me mostrasse o homem que eu sabia que sempre existiu dentro daquele colete. O homem que eu amava desde os nove anos de idade.

Deixei o sentimento de lado, respirei fundo, fechei os olhos e descansei a mão sobre a barriga saliente. Imaginei uma bebê de beleza impressionante, com

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brilhantes olhos azuis e cabelo castanho-escuro, sorrindo para mim. Com uma expressão no rosto exatamente igual à do pai dela. Um sorriso que eu não podia deixar de amar. Muito parecido com o de Creed.

— Jesus, Mia, se controla — sussurrei, querendo mais que tudo que Creed fosse o pai da minha filha.

Suspirei e me censurei mentalmente. A prioridade do Creed era o motoclube, e eu sempre soube disso. Agora mais que nunca, eu achava. Ele viajava por todas as filiais, dia sim, dia não. Eu quase nem conseguia mais acompanhar onde ele estava, ou em que estava se metendo. Tudo que sabia era que tinha que ir, querendo ou não. Tudo havia mudado de forma muito rápida e repentina.

Nunca parei de pensar nele.

Nunca deixei de rezar para que estivesse seguro.

Nunca deixei...

De amá-lo.

Não conseguia. Ele era parte de mim em vários sentidos. Sempre foi. Mas até hoje, eu nunca soube por quê. Era uma dessas coisas inexplicáveis, uma poderosa atração magnética que só ele exercia sobre mim.

E ele sabia disso.

Usava esse poder para me afastar sempre que tinha uma chance. Respirei fundo pela última vez para me acalmar, abri a porta do Jeep e desci, ajeitando o vestido antes de me dirigir à porta da frente.

Levava a imagem da ultrassonografia da nossa bebê. Noah queria uma menina e estava eufórico desde hoje à tarde, quando ficamos sabendo a novidade. Ele queria contar ao mundo, ou à mãe dele, pelo menos. Fazia meses que me convidava para ir à sua casa, mas eu sempre tinha uma desculpa para não ir. Acho que agora era uma hora tão boa quanto qualquer outra para enfim conhecê-la. Em segredo, desejava que Creed é que tivesse me convidado para conhecer a mãe dele, e não seu irmão.

Noah queria que eu fizesse parte de seu mundo, e acho que Creed só queria fazer parte do meu, se é que isso faz algum sentido.

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Bati na porta e esperei enquanto olhava para o jardim da frente. Lembranças da última vez que estive ali me invadiram de súbito, e eu revi com cada fibra do meu ser o desastre daquele encontro entre Creed e meu pai. Era uma loucura como as coisas tinha mudado em apenas quatro meses. Pelo menos entre mim e Noah. Meu pai ainda odiava os meninos, e fazia questão de me lembrar com frequência que eles não passavam de uns trastes de uns motoqueiros, mesmo sabendo que suas palavras me magoavam. Ele ainda não conseguia olhar nos meus olhos, e eu odiava isso mais que tudo.

— Ei, menina bonita — Noah me cumprimentou, me chamando de volta à realidade e para dentro de sua casa.

Sorri acanhada e fitei o chão enquanto passava por Noah.

— Gostei do vestido — ele comentou, sorrindo. Olhando para mim de cima a baixo, admirando o vestido branco, longo e leve.

Engoli em seco e o encarei. O brilho familiar e travesso estava lá.

— Obrigada — respondi.

— Você se vestiu para mim, Mia?

Fiz uma careta.

— Baixa a bola, Rebelde. — Nunca o chamava de Noah, só o conhecia como Rebelde. — A intenção foi ficar bonita para sua mãe.

— Não precisa caprichar no vestido para isso.

Sorri novamente com a mesma timidez e senti o rosto esquentar.

— Vai me mostrar a casa, ou vai ficar aí parado flertando comigo?

— Não é flerte, se você já dormiu com a garota. — Ele tocou minha barriga para provar o que dizia.

Dei mais alguns passos para o interior do hall, estabelecendo alguma distância entre nós. Ele sorriu, balançou a cabeça e fechou a porta telada, mas deixou a porta interna aberta para deixar a brisa de verão adentrar.

— Vem. — Noah segurou minha mão e me levou para dentro da casa dos pais dele.

Mostrou-me todos os quartos, inclusive o dele, que era exatamente como eu imaginava. Um típico quarto de solteiro, com uma TV grande e um PlayStation.

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Uma colcha preta e meio desarrumada em cima da cama e roupa suja empilhada em um canto.

Seguiu em frente, passou por uma porta fechada, que deduzi ser do quarto de Creed, e não parou para me mostrar esse cômodo, o que me deixou decepcionada. Era o quarto que eu mais queria ver, onde esperava encontrar mais respostas sobre o homem que amava. Em vez disso, aproveitei a oportunidade para ver todas as fotos na parede, que mostravam Creed com todas as idades. Ele foi o bebê mais fofo e um garotinho lindo, todo doce e inocente, mas eu sabia que não era bem assim. As tatuagens começaram a aparecer cedo, e depois disso notei que ele tinha um cigarro na boca em quase todos os retratos.

— Esta casa é bonita. Sua mãe fez um excelente trabalho dando a ela um clima confortável e amoroso.

Ele estreitou os olhos, como se meu comentário não pudesse estar mais distante da realidade.

— Ai, meu Deus, Noah! Esse é você? — Apontei para o bebê montado em uma moto infantil. Creed estava em pé ao lado dela, segurando outro menininho alguns anos mais novo em uma chave de pescoço.

— Quem é esse? — Apontei para o garoto misterioso, notando que havia outra foto dele na parede com um rosário pendurado na moldura.

— Luke, nosso irmão — Noah respondeu sem dar explicações.

— Não sabia que vocês tinham outro irmão. — Olhei para ele, intrigada.

— Não temos mais.

— Mia! — A voz de uma mulher, que deduzi ser a mãe deles, ecoou pelo longo corredor e entrou na sala de estar, onde eu estava. Ela me abraçou imediatamente. — É muito bom te conhecer oficialmente, meu bem. Ouvi falar tanto sobre você e sua família, que tenho a sensação de que já te conheço.

Correspondi ao abraço, deixando de lado os pensamentos sobre o garoto Jameson que eu nem sabia que existia. Fazendo uma anotação mental para perguntar ao Creed mais tarde.

— Também ouvi falar muito sobre vocês. Mas por favor, não acredite em tudo que o Creed fala, ele é...

— Creed? — Ela recuou e pendeu a cabeça para o lado. — Quer dizer Noah?

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Balancei a cabeça.

— Isso. — Fingi ter me confundido com os nomes e tentei disfarçar a dor que, sabia, estava estampada em meu rosto. — É isso, não acredite em tudo que o Noah diz, ele é...

— Só falei a verdade. Você é perfeita, Mia. Não poderia ter pedido uma garota melhor.

Sorri de novo e ignorei a emoção em seu tom de voz. Entreguei à mãe dele a imagem de ultrassom que levava na mão.

— Parabéns, vovó! É uma menina!

Ela sorriu e olhou para a foto com a mesma expressão que vi no rosto de minha mãe mais cedo, quando ela viu o ultrassom. Seus olhos se encheram de lágrimas. Antes que eu pudesse pensar muito nisso, Noah passou um braço sobre meus ombros e me puxou para perto. Inconscientemente, toquei seu peito firme e musculoso com uma das mãos. Só para não perder o equilíbrio.

Quem olhasse aquela cena, provavelmente pensaria que éramos um casal. Ri de nervoso. Agradeci a Deus em silêncio por Creed não estar ali para testemunhar esse momento em particular. Ele perderia a cabeça, se visse...

Acordei assustada com um solavanco na estrada esburacada, e logo senti a mão forte em minha cabeça, um gesto de conforto, e interrompi a visita àquele dia que devia ter sido só de felicidade.

— Porra! Ela está acordando! Que merda, faz ela ficar quieta. — Não reconhecia a voz masculina gritando atrás de mim.

Não estávamos sozinhos.

Abri a boca para gritar, mas a fechei rapidamente quando senti a agulha furar minha coxa. Em poucos segundos, o calor se espalhou por todo meu corpo.

— Socooorrooo — cochichei tão alto quanto podia, mas foi inútil.

— Shhh... — A voz da pessoa que afagava minha cabeça soou perto do meu rosto.

Eu não conseguia mais continuar de olhos abertos, e eles logo se fecharam. Instantaneamente, meu corpo relaxou e eu adormeci de novo.

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Mia

TODOS OS OLHOS SE VOLTARAM PARA ELE QUANDO ENTROU na casa daquele jeito típico do Creed, dominador e impositivo, exigindo que sua presença fosse reconhecida por todo mundo.

Principalmente por mim.

— Creed, querido, o que está fazendo aqui? — A mãe dele o cumprimentou com um sorriso.

— Desde quando preciso de convite para vir para casa? Estou interrompendo alguma coisa, Noah? — ele disparou. Seus olhos abriram buracos no braço do irmão, que ainda envolvia meus ombros, o que só provocou Noah a me abraçar ainda mais forte.

Abri um sorriso reticente para Creed e, casualmente, saí do abraço de Noah. Não queria magoá-lo. Tentava avaliar a reação de Creed para decidir como agir. Meu coração batia tão forte, que quase saltava do peito. Juro que ele podia ouvir.

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— É claro que não precisa — a mãe deles interferiu. — Só pensei que ainda estivesse no clube, querido, sei que chegou hoje à tarde. Ah, você tem que ver isso! — ela exclamou, animada, e correu para ele. As coisas não poderiam ser piores do que eram nesse exato momento. — Mia trouxe isto aqui. Olha, querido! É menina! Vamos ter uma menininha!

Creed pegou a foto da mão dela e olhou para minha bebê. Eu queria que ele a amasse, queria que a amasse tanto quanto eu amava sem ainda nem a ter conhecido. O desejo brotava dos meus poros. Ele não era o pai, mas isso não me impedia de querer que se sentisse protetor em relação à bebê, como se fosse dele. Ela ainda era parte dele. Meus tios podiam não ser parentes de sangue, mas eu os amava como se fossem segundos pais, e rezava para que fosse assim com minha bebê e Creed.

Não havia palavras para descrever o que eu sentia enquanto o amor da minha vida segurava meu coração entre as mãos. Seus olhos estudavam a imagem do ultrassom, fascinados com o pequeno ser, e por um momento pensei estar vendo tudo que esperava desde o segundo em que descobri que estava grávida.

Foi minha vez de abrir um sorriso radiante.

Finalmente, ele olhou para mim de um jeito intimidador. Depois, rompeu o silêncio.

— Seu celular quebrou, Pippinha? Estava funcionando ontem à noite, quando disse que estava com saudades de mim. Engraçado como essas coisas funcionam, não é?

Minha esperança desapareceu rapidamente, não esperava essa resposta. Dei um passo à frente e peguei a primeira foto da minha bebê da mão dele.

— Meu irmão, não sei por que ela deveria ter ligado para você. Não é o pai da criança — Noah respondeu com uma nota de maldade, tornando as coisas ainda piores.

— Garotos... — a mãe deles advertiu, olhando de um para o outro. — Mia veio trazer boas notícias. Vocês dois, deixem a testosterona lá fora. Certo? Hoje não. Vamos jantar daqui a pouco. Comportem-se. Vou ligar para a Stacey e para a Laura e contar que o bebê é uma menina.

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Ela lançou um último olhar de advertência para os dois e saiu, seguindo até a cozinha. O celular de Noah tocou assim que ela se afastou, rompendo o silêncio desconfortável entre nós.

— Oi — Noah atendeu e saiu da sala.

Assim que ele desapareceu de vista, Creed segurou minha mão, me pegando de surpresa. Levou-me para o quarto e fechou a porta. Sem perder tempo, se apoiou nela e cruzou os braços sobre o peito largo.

Suspirei e fui me sentar na beirada da cama. Tentei me preparar mentalmente para a fúria que, sabia, estava para explodir. Nem aproveitei a oportunidade que tanto havia esperado para dar uma olhada no quarto dele, nem por um segundo.

— Creed... — comecei, e minha voz era pouco mais que um sussurro. Ele levantou uma das mãos para me fazer parar e inclinou a cabeça para o lado.

— Você tem um minuto para explicar que porra é essa. — E apontou sério para a porta atrás dele. — Antes que eu perca a cabeça. Não sobrou muita paciência para essas bobagens hoje, Pippinha. Estou exausto, passei o dia inteiro em cima da moto para chegar em casa e te ver. E te encontro na casa da minha mãe, com meu irmão te abraçando como se fosse propriedade dele. Mas você é minha — acrescentou, enfatizando a última palavra.

Agindo depressa, chutei as sandálias de plataforma e me ajoelhei no centro da cama. Olhei para ele com uma expressão de adoração, mordendo a boca para garantir. Segurei os lados do vestido e balancei de um lado para o outro. Olhei para ele daquele jeito que Creed conhecia bem.

— Gosta do meu vestido? É novo... — Sorri, piscando com exagero. — Comprei só para você, lindo. Sei que adora me ver de branco.

— É mesmo? — Ele sorriu e se afastou da porta. Caminhou na minha direção, cada passo mais confiante que o anterior. Meu coração bateu mais depressa. A respiração acelerou. Em poucos segundos ele estaria em cima de mim, e tudo ficaria certo no meu mundo.

Eu só precisava de Creed.

Assenti com entusiasmo e com um olhar cheio de malícia. Queria que ele me abraçasse, me beijasse e dissesse que me amava. Não o via havia semanas,

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mas era como se o tempo não tivesse passado entre nós, exatamente como sempre acontecia. Não importava quanto tempo separava um encontro do anterior. A conexão entre nós era sempre viva e crescente, pulsando bem diante de nós.

Lambi os lábios lentamente.

— Tem ideia de como é difícil encontrar um vestido pequeno, mas que cubra meus... — Deslizei as mãos pelos seios, que pareciam querer pular do decote. — Enormes, não é? — E me inclinei, aproximando ligeiramente os seios para provocar. Induzindo-o a me amar de novo, a não ficar mais bravo comigo. Ele sentou-se na beirada da cama e me puxou imediatamente para o colo, me acomodou montada sobre suas coxas.

Pensei que aquela era uma posição muito melhor.

Ele beijou minha boca com ternura, só um selinho. O hálito de hortelã e cigarro me tomou de assalto, e eu estremeci só por isso. Os lábios deslizaram por meu pescoço, desceram até os seios, que tinham dobrado de tamanho desde a última vez que ele me viu. Eu estava supersensível a tudo, especialmente ao toque das mãos dele. Creed não tinha pressa, me tocava devagar e com suavidade, como sabia que eu gostava. As mãos exploravam e a língua traçava o contorno do decote do vestido branco, me fazendo jogar a cabeça para trás e arrancando um gemido leve da minha boca.

— Pippinha? — ele chamou entre um beijo e outro. — Eu adoraria lamber seus peitos e gozar neles agora mesmo, mas eu fiz uma pergunta e quero uma resposta. — E se afastou, deitou de costas na cama com as mãos embaixo da cabeça.

E me deixou querendo mais. Querendo tudo.

Ele.

— Não sentiu saudade de mim? — Fiz biquinho, mexi o quadril em cima do seu pau duro e o fiz rir. Não ia desistir sem lutar. Era implacável. Conseguiria o que queria, simples assim.

Além do mais, ele não conseguia ficar bravo comigo. Nunca conseguia.

— Creed? Mia? — A voz de Noah retumbou do outro lado da porta. — O que estão fazendo? — Ele bateu com força.

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— Vaza! Estamos ocupados! — Creed rugiu sem desviar os olhos de mim. Balancei a cabeça, me inclinei para beijá-lo, mas ele me impediu tocando minha boca com o indicador.

— Não vou perguntar de novo, Mia.

Suspirei. Não era capaz de explicar meu relacionamento com Noah, da mesma forma que não conseguia explicar minha relação com ele.

Era tudo muito complicado.

Então, simplesmente respondi:

— Noah ficou muito animado quando descobriu que o bebê era uma menina. Ele se empolgou. Não tem importância. Não confia em mim?

Com um movimento rápido, ele se colocou em cima de mim e me prendeu entre os braços fortes, musculosos.

— Quantas vezes esse merdinha já se empolgou? Eu vi como ele olhou para os seus peitos. Também se empolga com eles? Não gosto disso.

— Não é nada disso. Eu te amo.

— Você me ama tanto, que eu sou o último a saber que vai ser mãe de uma menina?

— Não seja injusto. A consulta foi hoje à tarde. Eu sabia que você estava na estrada. Não podia ir comigo... Além do mais, não teria escutado o celular, se eu tivesse ligado.

Ele arqueou uma sobrancelha e me desafiou:

— O meu sempre vibra. Tenta outra.

Sem hesitar, falei de uma vez:

— Não sei como isso tudo funciona, Creed. É tudo novo para mim também. Quero que o bebê tenha um pai, e Noah está presente em todas as consultas, ele sabe tudo que acontece. Parece decidido a me ajudar a criar a bebê. Vamos nos conhecer melhor para sermos os melhores pais que essa criança pode ter. Só isso.

— Respeito vocês dois por isso. Mas também vou participar da vida dessa bebê. Vou participar tanto quanto ele, ou mais. Sacou?

Assenti. Ouvir tudo isso me dava coragem para perguntar o que eu mais precisava saber.

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— Sei que já falou que eu sou sua, mas não entendo o que isso significa. Você é meu namorado? Estamos juntos?

Ele beijou meus lábios e murmurou:

— Não trepo com mais ninguém, Pippinha. Faz tempo. Quem é a minha garota?

Resisti ao impulso de revirar os olhos. Creed era sempre chulo e vulgar, mas essa era uma das coisas que eu mais amava nele. Falava o que pensava, independentemente das circunstâncias.

— Quero ouvir você dizer. Não vou perguntar de novo, Creed — debochei. Fiz ele sorrir enquanto deslizava o nariz do meu queixo até o ombro, beijando meus seios sensíveis.

— Como consegue ser sempre tão cheirosa? Você é minha garota — ele afirmou, e levantou a frente do meu vestido. — Eu am...

— Meu Deus! Ela chutou — gritei, interrompendo o que ele ia dizer. — Dá sua mão. Precisa sentir isso. — E coloquei a mão dele sobre minha barriga.

— Fala alguma coisa, acho que ela gosta da sua voz.

Minha bebê já o amava tanto quanto eu.

De repente, Creed levantou a cabeça, olhou para alguma coisa na frente dele, parou de me dar atenção.

— Merda! — gritou, e sua atitude mudou rapidamente para a do homem que se escondia atrás do colete.

Abri a boca para falar alguma coisa, mas o barulho de tiros ecoou por todo quarto, me deixando sem fala. As vidraças explodiram e balas começaram a ricochetear nas paredes, as cápsulas vazias caindo no chão. Em segundos, Creed entrou em ação, rolou para fora da cama me levando com ele, segurando minha cabeça contra o peito. Tentou amortecer a queda enquanto me jogava no chão de madeira. Assim que caímos, ele protegeu meu corpo com o dele.

Os tiros continuavam ecoando pela casa, as cápsulas continuavam caindo à nossa volta. Eu estava apavorada, nunca tinha sentido tanto medo, mas não era pela minha vida que temia.

Era pela bebê.

20 M. ROBINSON

Arfei, não conseguia respirar direito. Por quanto tempo fiquei desacordada dessa vez? Não estava mais no veículo em movimento, mas nos braços de alguém que me carregava para o desconhecido.

— Não! — gritei, tentando resistir, mas minha voz era só um sussurro.

— Não vou repetir. Faz a vadia ficar quieta!

— Shhh... — o homem que me carregava repetiu no mesmo tom de antes. Calmo e controlado.

— Por favor, por favor, me solta. Prometo, prometo que não vou... — Eles estavam me colocando sobre o que parecia ser um colchão e, instintivamente, lutei de forma exaustiva para me libertar. Esperneei, balancei os braços, usei as unhas para escapar dos homens que, provavelmente, se preparavam para me estuprar.

Ou pior, me matar.

— Chega — disse uma voz firme, e mãos fortes seguraram as minhas e me imobilizaram no colchão. Frestas de luz brilhavam através da venda que continuava sobre meus olhos.

— Por favor, não me machuque. Estou gráv... — A dor familiar da agulha furando minha coxa me deixou sem fala. Lágrimas escorreram por meu rosto quente, e a escuridão me engoliu de novo.

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SEGUREI A BARRIGA, GRITANDO E CHORANDO EM AGONIA. EU me contorcia nos braços dele. Alguma coisa estava errada. A dor me deixava cega. Eu não conseguia pensar, não enxergava nada, tudo se resumia às pontadas que pareciam rasgar minha barriga. E me incapacitavam como nunca pensei que fosse possível.

Creed sacou a arma, se sentou no chão e reagiu atirando.

— Ahhh! — gritei, rolando em posição fetal com os braços em torno do meu bebê.

O caos explodiu à minha volta, mas tudo que eu conseguia compreender e processar era que meu bebê corria perigo.

Eu estava ali, mas não estava.

Foi como se horas passassem. A dor se tornava mais e mais insuportável. Cada parte do meu corpo doía, me sufocava e dificultava a respiração. Eu me engasgava com as palavras, dominada pelo medo do que estava acontecendo.

Estava perdendo o bebê?

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Mia
M. ROBINSON

— Merda! Baby, você está bem? — Creed gritou de algum lugar acima de mim. Seu tom era de puro pânico.

— Creed, não consigo... ela está... dói... — chorei, quase incapaz de falar de tanta dor.

De repente alguém arrombou a porta do quarto com um chute. A porta bateu na parede. A batida vibrou no fundo da minha alma. Por uma fração de segundo, pensei que minha vida ia acabar assim. A bebê e eu morreríamos ali no chão, abraçadas por Creed. Não consegui não pensar em todas as vezes que ele disse para eu ficar longe.

Que ele não servia para mim.

Respirei aliviada quando ouvi a voz de Noah.

— Os caras estão a caminho. Mamãe se trancou na despensa de aço, está segura! Dá ela aqui, Creed! Vou levar a Mia para o porão!

— Vai o caralho! Cobre minhas costas! — Creed me pegou do chão, me aninhou nos braços. Eu me encolhi com o movimento brusco, estava quase desmaiando. A dor era demais, insuportável. Implorava mentalmente para ele parar. Suplicava para ele me deixar ali.

Fechei os olhos, perdendo e recobrando os sentidos até Creed me deitar com cuidado em uma superfície dura, fria. Abri os olhos devagar e vi caixas à minha volta, todas com um nome escrito. Luke. Senti um cheiro de umidade e ambiente fechado que provocou uma súbita ânsia de vômito.

— Já volto. Não se mexe! — Creed ordenou com tom duro.

— Creed... por favor... — gritei, tremendo muito. — Não me deixa... por favor... por favor, preciso de você!

Vi a expressão de pânico no rosto dele. Era a primeira vez que eu via a preocupação transbordar de seus olhos e queimar minha pele. Ele nem tentava disfarçar.

— Mia, você precisa ficar aqui. Protege a nossa menininha — Noah interferiu, e eu olhei para ele. Só então percebi que ele também estava ali.

— Prometo, baby. Já volto. — Creed beijou minha testa. Deixou os lábios demorarem nela por um minuto antes de me soltar. Depois se levantou e levou a fúria com ele.

23

O som de balas atingindo a casa ecoava ao longe. Eles continuavam ali ouvindo com atenção. As rajas se sucediam sem pausa.

— Fica com a Mia...

— Vai se foder! — Noah o interrompeu. — Você não vai lá sozinho. Nós dois podemos derrubar todos eles. Os caras estão vindo para cá. Não vai demorar.

— Noah...

— Não perde tempo, porra! Vamos!

Creed olhou para mim pela última vez antes de voltar à violência que sempre dominou sua vida. Agora eu entendia mais que nunca. Todos os avisos que ele me deu, todas as vezes que me afastou, as palavras se repetiam na minha cabeça como um disco riscado.

Com os olhos meio fechados, vi quando eles subiram a escada e me trancaram ali.

Onde eu estava?

Apertei a barriga com mais força, tentando interromper a dor lancinante que parecia rasgar todo o abdome. A pressão aumentava a cada segundo que eu passava ali, encolhida no chão de concreto. O futuro da minha bebê estava em risco, e o do pai dela também. E o do homem sem o qual eu não podia viver. Lá em cima, tudo que eu ouvia era o barulho dos tiros, corpos caindo no chão, cápsulas vazias tilintando no assoalho e vozes altas ecoando pelas grades de ventilação, mas não conseguia entender o que diziam. Meu coração batia descontrolado dentro do ouvido. Latejava no peito, se espalhava por cada centímetro do corpo.

Não sei quanto tempo passou até eu sentir uma onda súbita e quente correndo embaixo do vestido, entre as pernas.

Inspirei até não ter mais ar para inspirar. Meus pulmões pareciam murchar. Não tinha mais lágrimas para derramar, não tinha mais preces para rezar, não restava nada além de escuridão.

Não sei quanto tempo passei desacordada até abrir os olhos. A dor voltou com força total e percebi que alguém me carregava.

— Creed? — falei baixinho, piscando para enxergar em meio à névoa do torpor e das lágrimas. Forçava os olhos a permanecerem abertos. — Por favor... salva... ela... — foi a última coisa que eu disse.

24 M. ROBINSON

Juro que ouvi Creed gritar, ele corria para mim, diminuía a distância que nos separava. Só então percebi que os braços fortes que me carregavam não eram conhecidos. Não eram de Creed.

Eu não conseguia lutar.

Não conseguia me mover.

Não conseguia falar.

Tudo desapareceu na escuridão.

Acordei sobressaltada, sentei-me na cama com um movimento repentino e tentei respirar. Imediatamente, segurei a cabeça entre as mãos e notei que não tinha mais os olhos vendados. Fechei os olhos, tentando desesperadamente me orientar. A tontura me dominava. Onde eu estava? Quem tinha me levado?

Creed e Noah nunca falaram comigo sobre o motoclube, por que eu tinha sido arrastada para uma coisa que não tinha nada a ver comigo?

As perguntas eram intermináveis.

Cruzei os braços sobre a barriga em um gesto protetor em relação à bebê, e então a constatação me atingiu em cheio. Eu não sentia a dor de antes. Tinha sumido, e no lugar dela havia um torpor que me paralisava. Quanto tempo tinha passado desde que me pegaram? A bebê estava bem?

Nada fazia sentido.

Como se sentisse meu pânico, ela chutou para anunciar sua presença, e deixei escapar um enorme suspiro de alívio enquanto olhava em volta. Analisava o ambiente, talvez pensando que encontraria as respostas escritas nas paredes, ou alguma coisa assim. Havia dois criados-mudos pretos, um de cada lado da cama, com uma luminária em cima de cada um. Uma cômoda comprida no canto do quarto e uma cadeira colocada estrategicamente ao lado da cama, como se alguém tivesse ficado ali sentado, esperando eu acordar.

Um pressentimento sinistro percorreu meu corpo, como uma onda de água fria atingindo a pele quente. Engoli em seco e continuei analisando o cômodo. As cortinas pretas estavam fechadas, impedindo a entrada da luz e limitando a luminosidade interna a um suave e pálido brilho dourado. Foi mais fácil ajustar os olhos à iluminação e, por algum motivo, eu sabia que alguém tinha feito isso de propósito.

25

Não havia nada nas paredes brancas, só uma TV de tela plana em frente à cama. Apesar de pequeno, o quarto não era totalmente desagradável. Em quaisquer outras circunstâncias, eu provavelmente teria adorado este lugar. Lembrava uma pousada que tinha visto em filmes.

Olhei para a cama e deixei os pensamentos de lado. Senti o tecido fofo do edredom nos dedos, toquei os lençóis confortáveis embaixo do corpo. Tentando superar a tontura, movi as pernas para a lateral da cama. Pus os pés no assoalho frio de madeira, levantei-me devagar e fui me segurando na cama a caminho da porta. Sabia que não estava aberta, mas não custava nada tentar. Virei a maçaneta para um lado e para o outro e, como imaginava, estava trancada. Então, fui andando até a janela. Afastei as cortinas, e a luz radiante do sol atacou meus olhos sensíveis.

As janelas também estavam trancadas, e havia uma grade de ferro na frente delas. Eu nunca conseguiria sair desse quarto, a menos que permitissem. Essa conclusão foi difícil de aceitar.

Pelo canto do olho, notei outra porta levemente encostada. Caminhei até lá com cuidado e a empurrei lentamente. Havia um banheiro do outro lado. Dentro dele tinha tudo de que eu poderia precisar em cima de uma bancada. Não pensei duas vezes, entrei e comecei a vasculhar o armário embaixo da pia, procurando alguma coisa que pudesse servir para me proteger.

Era hora de lutar ou fugir, e eu me recusava a ser vítima nessa situação. Tinha que tentar salvar minha vida e, mais importante, a vida da minha bebê, que ainda nem havia nascido. Não era mais só por mim. Eu precisava protegê-la a qualquer custo.

— Isso! — murmurei quando encontrei uma tesoura atrás do papel higiênico.

Estava um pouco enferrujada e não era tão afiada quanto eu gostaria que fosse, mas servia. Guardei a tesoura no bolso de trás da calça jeans, notando pela primeira vez que alguém havia trocado minha roupa. Eu usava um suéter de lã bege sobre a regata branca. O jeans me servia perfeitamente, acomodava a barriga grande.

26 M. ROBINSON

Levantei-me de repente sobre as pernas trêmulas, confusa com o que estava acontecendo. Olhei para mim mesma no espelho. Virei a cabeça de um lado para o outro, me preparando para o pior. Surpresa, vi que não havia hematomas no rosto, no pescoço ou no peito. Passei as mãos no cabelo e examinei o rosto mais de perto. Estava mais pálido que de costume, mas eu não parecia diferente de antes. O fato de ninguém ter me machucado me confundiu mais ainda, era algo que eu não conseguia entender no momento, mas continuei olhando para a garota no espelho.

Eu.

Lavei o rosto com água fria, escovei os dentes e me olhei uma última vez antes de voltar para a cama. Não tinha condições físicas nem mentais para fazer absolutamente nada em relação a toda essa situação, mas pelo menos estava preparada para reagir, quando a hora chegasse.

Permiti que os olhos se fechassem e o corpo afundasse no colchão, sentindo o metal frio nas costas. Acolhendo a escuridão de braços abertos, me deixando mergulhar novamente nos sonhos com o homem que, eu sabia, viria me salvar.

Ele segurou meu tornozelo e me puxou de volta para perto. Eu gritei.

— Baby, se eu quiser entrar, eu vou entrar — Creed falou com voz rouca, me virando com um movimento rápido e repentino. Ajoelhado em sua cama, ele se debruçou sobre mim, prendeu meus braços acima da cabeça. Depois de me imobilizar, olhou dentro dos meus olhos e falou com convicção: — É assim que vai ser. Vou trepar com você com raiva, e depois você vai implorar para eu te fazer gozar com essa boquinha gostosa que não sabe quando ficar calada. Beleza?

— Você não teria coragem — respondi com voz trêmula, principalmente porque queria tudo que ele havia acabado de falar.

— Paga para ver.

Sorri e inclinei a cabeça para o lado, provocando-o um pouco mais.

— Desculpa, mas a hora de visita acabou. Vai ter que voltar mais tarde, quando souber como se comportar como um cavalheiro.

27

Ele sorriu e arqueou uma sobrancelha. Depois se aproximou do meu rosto e começou a beijar o canto da minha boca, de onde desceu até o queixo e passou para o pescoço. E foi descendo em direção aos seios, que esperavam com ansiedade por seu toque.

— Ah, eu vou gozar, a pergunta é... se vou deixar você chegar lá. Sorri e senti a barba deslizando entre meus seios.

— Creed... — Ri, adorando a sensação.

— Preciso checar a frequência cardíaca — alguém falou, e eu vi um homem segurando um pequeno monitor.

— Quê? — reagi, mas ninguém respondeu. Quando tornei a olhar para frente, Creed havia desaparecido, não estava mais em cima de mim, não estava mais me amando. Estava em pé no canto do quarto, e havia em seus olhos a mesma preocupação da última vez que o vi. Ele foi se afastando, se afastando, até desaparecer. — O que é isso? Onde eu estou?

Eu falava, mas ninguém podia me ouvir. Meus lábios não se moviam, nenhum som saía da minha boca, mas eu me ouvia. Eram meus pensamentos?

— Mia, baby, você vai ficar bem, e nosso bebê também. Prometo — Noah falou de algum lugar acima de mim.

— Noah? — Balancei a cabeça e olhei para cima, para o rosto dele. Depois, olhei para Creed. Fechei um pouco os olhos, tudo era claro demais. De onde vinha toda essa luz?

Tinha muita gente no quarto. Por que todo mundo estava gritando?

— Não sinto mais nenhuma anormalidade — disse o mesmo homem à minha esquerda, pressionando minha barriga.

— Não toca em mim! Tire as mãos de mim! — gritei, me debatendo, mas ninguém me ouvia. Ninguém via que eu estava lutando.

Ninguém fazia nada.

Nem Creed.

Nem Noah.

Ninguém.

28 M. ROBINSON

E de repente eles sumiram. Não tinha ninguém comigo. Eu estava sozinha. Com medo e com frio. Muito cansada. Meus olhos se fecharam sem aviso prévio, e eu mergulhei de novo. Afundei nos cantos escuros da minha mente.

— Está nervosa, Mia? — Creed murmurou no meu ouvido, me fazendo sorrir de novo.

Abri os olhos e ele estava debruçado sobre mim, exatamente como antes.

— Estou... — sussurrei como se nada tivesse acontecido.

— Por quê?

— Por sua causa — respondi com simplicidade.

— Eu te deixo nervosa?

— Às vezes.

— Por que será?

— Não sei.

— Ah, você sabe, sim — ele grunhiu, e os lábios encontraram os meus antes de ele terminar de pronunciar a última palavra, atacaram até a última fibra do meu ser. Senti seu amor. Sua proteção. Seu calor em todo meu corpo.

Os passos duros e secos no corredor me acordaram com um sobressalto. Botas batendo no assoalho de madeira, vibrando no espaço entre nós, mais altos a cada minuto que passava. Olhei para trás, para o quarto que agora estava completamente escuro. Não conseguia enxergar nem um centímetro à minha frente. A noite havia caído. Levei um momento para lembrar onde estava e o que tinha acontecido.

Minha mente ainda estava atordoada e cheia de perguntas sem respostas que pareciam infindáveis. Peguei a tesoura do bolso de trás da calça e apertei com força. Apertei até sentir dor. Segurei a tesoura contra o peito. Minha mão tremia incontrolavelmente enquanto eu pensava nas consequências que isso teria. O que eu ainda tinha a perder? Nada.

Esperei, acalmei a respiração. Rezei para ele não ouvir as batidas do meu coração, que parecia querer saltar do peito. Senti as batidas pulsando em meu ouvido, latejando na pele. Fechei os olhos com força quando ouvi a fechadura da porta estalar. A porta se abriu segundos depois.

29

Fiquei ali deitada de lado, olhando para a janela em estado de choque, tentando não pensar no que estava prestes a fazer. Meu principal pensamento era que talvez essa não fosse uma boa ideia, mas cada vez que pensava nisso, eu ignorava o aviso. Sabia que essa seria minha única chance de liberdade, que não conseguiria surpreendê-lo de novo.

Era agora...

Ou nunca.

A luz pálida do corredor entrou no quarto, mas não era suficiente para ver mais que alguns centímetros à frente do rosto. Em silêncio, rezei para ele não acender a luz. Ele deixaria o quarto meio escuro, tentando não me acordar. E se importava com isso, ou não teria fechado as cortinas mais cedo. Deduzi que o conceito agora seria o mesmo.

Fingi que estava dormindo. Tinha anos de prática com meus pais entrando no meu quarto. Eles sempre iam ver se eu estava acordada, quando devia estar dormindo. Pensar nos meus pais fez meu coração doer, imaginar o que deviam estar passando encheu meus olhos de lágrimas. Sabia que eles estavam me procurando. Sabia que não desistiriam enquanto não me encontrassem. Viva.

Ou morta.

Ignorei também esses pensamentos, sabia que não me fazia bem algum pensar em coisas que não podia mudar. Eu precisava ficar no aqui e agora. Tinha que ficar no presente para poder ter um futuro.

Os passos se aproximavam mais e mais da cama, até não ter mais espaço para andar. Até ele estar parado na lateral da cama, pairando ao meu lado. Esperando, como eu esperava por ele.

Eu sabia que ele olhava para mim, pensava o que ia fazer. Afastou o edredom e o lençol que cobriam meu corpo, removendo minha falsa segurança. Senti a beirada da cama afundar. O joelho tocar minhas costas.

Ele estava se deitando comigo na cama?

Inclinou-se para frente, afastou o cabelo do meu rosto. Deixou o toque se prolongar pelo que pareceu uma eternidade. Resisti à ânsia de vômito, à bile que subiu pela garganta. Minha pulsação irregular e rápida acabaria

30 M. ROBINSON

me traindo. Os dedos deslizaram por meu rosto até o pescoço, seguraram um ombro. Ele começou a me virar em sua direção, e usei o impulso contra ele. Virei-me depressa, abri os olhos e enfiei a tesoura em sua coxa com toda força de que era capaz.

— Porra! — ele grunhiu de dor, e eu entrei em ação.

Levantei-me da cama ignorando a instabilidade física e mental e corri para fora do quarto. Bati a porta e virei para ver se tinha alguma fechadura do lado de fora. Queria trancá-lo lá dentro.

— Merda! — Entrei em pânico. Precisava de uma chave.

Ele ainda estava com a porcaria da chave.

Então, corri. Corri como podia pelo corredor estreito, os pés descalços ecoando contra o chão. Esperando encontrar a porta da frente ou qualquer outro lugar por onde pudesse escapar.

— SOCORRO! ALGUÉM ME AJUDA! SOCORRO! — gritei, apesar da dor na garganta, que já parecia queimar. — SOCORRO! — Corri como louca pelo corredor mal iluminado, parando apenas para verificar as poucas portas enfileiradas. Tentava girar as maçanetas, batia com os punhos fechados, esperava que, por algum milagre, uma porta se abrisse. E me libertasse. —

SOCORRO! POR FAVOR, POR FAVOR, ALGUÉM ME AJUDE!

Ouvi a porta do quarto onde tinha ficado presa se abrir no fim do corredor, depois o som de botas pisando na madeira. Ele estava vindo atrás de mim. O pânico voltou e eu corri, olhando para trás para ter certeza de que ele não me alcançava, sem olhar para onde ia. Antes que percebesse, bati no que parecia ser uma parede e caí no chão. Meu corpo se chocou com a madeira do assoalho, e a colisão me deixou sem ar.

Tentei respirar, fiz um esforço desesperado para me levantar, ajoelhar e engatinhar para longe da silhueta alta e musculosa que se debruçava sobre mim.

— Mia! — ele chamou, e me pegou de surpresa.

Imediatamente, reconheci o tom de voz e olhei para cima. Não esperava ver aquela pessoa nesse momento, jamais teria imaginado, nem em um milhão de anos.

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