CHEF - Primeiros Capítulos

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LYNDA THROSBY

TRADUÇÃO: ALLINE SALLES

1ª EDIÇÃO – 2021 RIO DE JANEIRO
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COPYRIGHT © 2019. CHEF BY LYNDA THROSBY. COPYRIGHT © 2021. ALLBOOK EDITORA.

Direção Editorial BEATRIZ SOARES

Tradução ALLINE SALLES

Preparação e Revisão

CLARA TAVEIRA e RAPHAEL PELOSI PELLEGRINI

Projeto de capa original

SYBIL WILSON / POP KITTY DESIGNS

Modelo de capa STUART REARDON

Fotógrafos de capa

PETER THROSBY & STUART REARDON

Capa e Diagramação CRISTIANE | SAAVEDRA EDIÇÕES

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Leandra Felix da Cruz Candido – Bibliotecária – CRB-7/6135

T411c Throsby, Lynda

1.ed. Chef / Lynda Throsby ; tradução Alline Salles. - 1. ed. – Rio de Janeiro: AllBook, 2021.

280 p.; 16 x 23 cm. (Unexpected ; 2)

Tradução de: Chef

ISBN: 978-65-86624-61-8

1. Ficção inglesa. I. Salles, Alline. II. Título.

21-74517

CDD 823

CDU: 82-3(410.1)

2021

PRODUZIDO NO BRASIL.

CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

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Este é para minha mãe e meu pai.

Amo demais vocês.

Obrigada por sempre me apoiarem e acreditarem em mim.

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Macen E

stou sentada, olhando para o celular na minha mão. Não consigo acreditar na ligação que acabei de receber da NYCS — a Faculdade de Culinária de Nova York — relacionada a uma oportunidade de emprego. Sempre foi meu sonho trabalhar em um dos melhores restaurantes de Nova York e, pela conversa que acabei de ter, acho que meu sonho pode estar prestes a se tornar realidade. No entanto, antes de mais nada, amanhã preciso encontrar Caspian Kade para uma entrevista informal. Tive quatro semanas de experiência de trabalho na Casper’s, seu restaurante com estrela Michelin, durante o primeiro ano de meu curso.

Ele não vai se lembrar de mim, disso tenho certeza, pois mal me dirigia a palavra quando eu estava lá e, na minha opinião, ele tinha o nariz empinado. Era bastante convencido e arrogante quando falava comigo, o que, como falei, não acontecia com muita frequência — tive a sensação de que não gostava muito de mim. O fato de ele parecer um deus, com seus olhares taciturnos, dificultou ainda mais para mim, e eu ficava vermelha toda vez que ele dizia algo ou sequer olhava para mim. Só tinha mesmo que lidar com o sous chef, Francois Hutterall. Ele era um cara bem legal. Será que ainda trabalha lá?

Mas isso poderia, finalmente, ser a minha chance. Meu primeiro passo. Eu queria ser chef havia muito tempo. Vivia fazendo doces com minha avó. Ela fazia os melhores biscoitos, muffins e bolos do mundo. Aprendi

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bastante com ela. E eu costumava ajudar minha mãe na cozinha. Ela estava doente e precisava de ajuda, além de querer que eu fosse independente e soubesse cozinhar e limpar.

Éramos apenas nós duas em casa — meu pai foi embora quando eu tinha somente alguns meses de idade, e eu tinha só oito anos de idade quando ela começou a me ensinar. Eu amava porque era algo que fazíamos juntas. Ela me mostrava como fazer assados no forno, assados em panela, comida de caçarola, macarrão com queijo, almôndegas e todos os tipos de massa. Aos onze anos, sabia cozinhar quase qualquer coisa, assar brownies e muffins excelentes e lavar roupa e limpar a casa.

Minha mãe ficou bastante doente.

Ela não conseguia respirar adequadamente, porém ainda insistia em fumar. Fumava demais. Minhas roupas sempre tinham cheiro de nicotina. Ela piorou tanto, que começou a tossir sangue. Nunca me disse o que havia de errado. Eu amava minha mãe, e quanto mais a doença progredia, mais triste eu ficava. Minha avó passou bastante tempo em nossa casa quando mamãe ficou de cama por alguns dias. Ela ficava com tanta falta de ar em alguns dias, que mal conseguia se levantar. Acabou precisando de oxigênio. Ela morreu quando eu tinha doze anos. Descobri, pela vovó, que ela tinha doença pulmonar obstrutiva crônica, DPOC. Eu estava com ela quando deu seu último suspiro, e ela sussurrou que eu me cuidasse, fosse uma boa menina e fosse à escola em busca de aprendizado, mas, mais importante, para fazer o que quisesse fazer na vida e sempre ser feliz. Acariciou minha face e disse que me amava. Então morreu enquanto eu chorava sentada ao seu lado, dizendo que a amava muito. Partiu meu coração, e é algo do qual nunca vou me esquecer.

Vovó saiu de seu pequeno apartamento de um quarto para minha casa a fim de cuidar de mim. Ela era a única família que me restara.

Não conheci meu pai, embora ele enviasse dinheiro para mamãe todo mês. Minha mãe me contou que eles nunca estiveram realmente apaixonados. Eram jovens e se engraçaram, e ela engravidou de mim, e os pais dele o fizeram parar de se encontrar com a minha mãe. Ele não os enfrentou.

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Acho que eram pessoas ricas e importantes, porém ela nunca me contou quem ele era. Com a morte de mamãe, eu poderia descobrir, mas não quis. Não no momento, de qualquer forma.

Eu tinha perdido muitas aulas, porque cuidava muito de mamãe no fim da doença, então minha avó se certificou de que eu começasse a ir regularmente. Jurei à mamãe que iria, me comportaria e conseguiria um bom emprego.

Comecei a ter aulas extras. Descobri que aprendia rápido e não demorei para recuperar o tempo perdido e me tornar a melhor da turma. Na escola, eu era excelente e, quando fiz quatorze anos, me matriculei em aulas de culinária para ser chef. Também as cumpri com excelência, sempre finalizando como a melhor da turma.

Minha avó ficou muito orgulhosa de mim e disse que mamãe também teria ficado. Aos dezesseis, tive a oportunidade de ir para a faculdade de culinária, mas era na cidade de Nova York. Isso significava deixar minha avó sozinha, visto que morávamos em Atlanta, em uma cidadezinha chamada Senoia, então me mudar para Nova York seria uma mudança drástica. Vovó ficava preocupada porque eu era muito jovem, e Nova York era um lugar enorme e superpopuloso. Não queria abandonar minha avó, porém ela me disse que era melhor para mim se eu quisesse seguir a carreira que almejava. A faculdade me assegurou um quarto em uma república com outras alunas. Com dezesseis anos, eu seria a aluna mais nova.

Mal posso esperar para ligar para vovó e contar a ela sobre minha entrevista. Ela vai ficar tão feliz por mim.

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Caspian S

ou o dono e chef do internacionalmente famoso restaurante estrelado, Casper’s, na cidade de Nova York, e estou no processo de abertura de outro em LA, em seguida Londres e Paris. Tenho vinte e nove anos e sou um dos chefs mais jovens do mundo a ter três estrelas Michelin — a maior premiação Michelin, e tenho orgulho disso.

Meu restaurante de Nova York está indo muito bem, e temos reservas feitas para todas as noites nos próximos seis meses. Tenho uma equipe incrível, porém meu commis chef, meu aprendiz, vai nos abandonar em breve. Ele acabou de conseguir um novo emprego como chef de partie em um novo restaurante que abrirá em Washington. É o próximo degrau a se escalar em sua carreira, mas me deixa na merda.

Eu não precisava lidar com isso agora. Tenho muitas outras coisas para administrar. O restaurante de LA vai abrir em quatro meses, então preciso encontrar um novo e confiável commis chef. Geralmente, contrato meus funcionários por indicações ou pela Faculdade de Culinária de Nova York. É a melhor faculdade dos EUA. Foi onde estudei; fui um dos mais jovens a completar o curso com honras. Uma coisa boa sobre a faculdade é que não apenas ensinam tudo, desde habilidades com faca e preparação de comida até informação nutricional, mas te colocam nos melhores restaurantes para aprender com chefs da vida real. É isso que fazemos aqui. Todo ano, pego dois alunos por quatro semanas e ensino a eles o que posso naquele período.

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Faço com que comecem de baixo, como lavadores de louça e serviçais, e vão subindo para sous chef e gerentes de estação por um dia.

Lembrei que, uns anos antes, tive uma garota que foi cumprir as quatro semanas de treinamento. Ela era incrível. Ela parecia comigo. Era entusiasmada e tinha ânsia para aprender qualquer coisa. Me contaram que ela era a melhor aluna que tiveram na faculdade, o que me fez torcer um pouco o nariz. Era apenas quatro anos mais jovem do que eu, e era esplêndida, digo, esplêndida de causar excitação. Ruborizava quando eu falava com ela, o que fazia todo tipo de coisa comigo, inclusive me deixar duro como uma pedra.

Precisei deixar Francois assumir o controle durante aquelas semanas e ensinar a ela a maioria das coisas na cozinha, porque achava difícil ficar perto dela por muito tempo. Queria ensinar a ela mais do que o que acontecia na cozinha, se é que me entende. Mas sempre mantenho o profissionalismo no local de trabalho. É só que ela ficou guardada em minha memória, já que era talentosa demais. Entrei em contato com a faculdade para ver se eles poderiam ligar para ela e pedir que viesse até mim. Eu tinha poucas chances, porque sabia que ela teria sido contratada, sendo tão boa.

A faculdade sabia exatamente de quem eu estava falando, então entraram em contato com ela e agendaram um encontro amanhã, para uma entrevista informal. Eu já sabia que ela era boa no que fazia, e a senhora Webster, da faculdade, confirmou que a entrevista é apenas uma formalidade. Não tenho dúvidas de que vou contratá-la se ela estiver disponível. Eu quero somente a melhor profissional.

A senhora Webster acabou de me ligar de volta e me avisou que a senhorita Macen Donald viria me encontrar às dez horas da manhã. Ela me disse que eu teria a melhor aluna que ela já tinha visto, e isso me incluía. Bem, foi algo interessante de se ouvir e, sendo eu tão competitivo quanto sou, me deixou meio irritado. Talvez não fosse uma ideia tão boa, afinal de contas.

Há duas coisas que vão contra sua contratação antes mesmo que ela passe pela porta. Um: ela é linda, e não consigo imaginar que tenha mudado muito nos últimos anos, pelo menos espero que não. E dois: ela está sendo descrita como uma chef melhor do que eu. No entanto, preciso desesperadamente de um ótimo commis chef.

Eu devia trabalhar até tarde esta noite, mas agora quero terminar cedo e me preparar para amanhã, e com isso quero dizer que preciso ligar para uma das muitas mulheres que tenho na discagem rápida para uma foda rápida.

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Tenho umas que são sensatas, sem frescuras — apenas sexo — com quem posso contar. Tenho certeza de que algumas aparecem torcendo para que eu tenha um relacionamento com elas, mas esse não sou eu. Meu negócio vem em primeiro lugar. Não sou de relacionamentos — por que seria? Posso ter praticamente quem eu quiser. Sim, sou arrogante a esse ponto, mas sei quem eu sou e, no mundo da culinária, sou o melhor: um deus, uma estrela, o mais famoso.

No ano passado, tive meu próprio espaço no Good Morning America. Toda segunda e quinta, eu demonstrava uma refeição diferente, e isso me deixou ainda mais popular, então agora meu restaurante está com reservas completas pelos próximos seis meses. Estou negociando, no momento, sobre ter um programa de TV para mim, que iria ao ar no início do ano que vem, quando meus restaurantes de LA, Londres e Paris estiverem abertos e funcionando bem. Mas antes de mais nada, preciso conseguir um novo commis chef a fim de garantir que o Casper’s funcione como a máquina bem tratada que é hoje. Não vai haver nenhuma falha ou aberturas em minha armadura. Vamos continuar sendo o melhor restaurante da cidade de Nova York, disso não tenho dúvidas.

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Macen C

oloco Dixon, meu filho de cinco anos, na cama assim que consigo, então posso me concentrar em aprontar tudo para a babá, que virá amanhã, antes de arrumar minhas coisas. Não vou me atrasar para minha entrevista. Estou fedendo pelo trabalho no café-restaurante, então tomo um banho de banheira demorado.

Desde que terminei a faculdade de culinária, há três meses, consegui um emprego como garçonete, trabalhando cinco horas por dia, enquanto Dixon fica na escolinha.

Amanhã, vou precisar que Becky o leve para mim, para eu poder me preparar e chegar à minha entrevista a tempo. Liguei para o restaurante a fim de avisá-los de que não iria trabalhar, o que não os deixou felizes, mas isso aqui é bem mais importante. Esta é a oportunidade que estive esperando desde que terminei a faculdade. Poderia ter assumido cargos em restaurantes, só não naqueles em que eu queria trabalhar. Sei que trabalharei mais horas se for para um restaurante bom e vou precisar que alguém cuide de Dixon para mim, o que vai custar a maior parte de meu salário, porém valerá a pena para que eu comece a carreira. Quero ter meu próprio restaurante um dia, igual ao senhor Kade. Realmente o admiro e fico impressionada pelo que ele conquistou sendo tão jovem. Sei que ele não tinha um filho de cinco anos para cuidar, mas vou fazer isso dar

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certo, independentemente do que precisar, contanto que Dixon não sofra nem perca nada. Ele é, e sempre será, minha prioridade.

Será que conto ao senhor Kade que tenho um filho ou deveria aguardar para ver se consigo o emprego antes? Fico preocupada de, caso eu conte, ele possa pensar que não vou me dedicar 110% ao meu trabalho, mas ele estaria errado. Eu ainda posso ser mãe solo e ser comprometida com o trabalho. Eu terei de provar para ele.

Só o que posso fazer se conseguir o emprego é tentar equilibrar minha vida profissional com minha vida particular e ver como as coisas vão. Se achar que está afetando demais Dixon, então vou precisar reavaliar.

Estou pensando em pedir para vovó vir ficar conosco por um tempo se eu conseguir o emprego, apenas enquanto me estabilizo. Tenho certeza de que ela adoraria vir ajudar. Sei que sente uma saudade louca de nós. Conversamos toda noite, e Dixon fica perguntando quando ela virá nos visitar. Se vovó concordar, isso também me ajuda financeiramente. Liguei para vovó para sondá-la e lhe contar sobre a entrevista, e ela ficou bem empolgada por mim.

— Oh, Macen, amor, essa pode ser sua chance, as oportunidades são infinitas se você conseguir esse trabalho. Estou tão orgulhosa de você. Dou risada dela.

— Vovó, ainda nem consegui o emprego. É apenas uma entrevista.

— Não tenho dúvida de que vai conseguir o emprego, amor. Dúvida alguma. Respiro fundo.

— Vovó, se eu conseguir mesmo o emprego, acha que poderia vir a Nova York e ficar conosco por um tempinho? Só até eu estabilizar minha rotina e me certificar de que Dixon não esteja sendo afetado pelo emprego. Prendo a respiração.

— Macen, claro que vou, não precisa se preocupar com isso. Estou com tanta saudade de vocês dois, e perco tanto o crescimento de Dixon. Como está meu garotinho?

Conto a ela que hoje ele ganhou a estrela do dia e que fez outro amigo na escolinha, mas que sente falta dela. Terminamos de conversar, e fico feliz em ouvir sua voz, porém triste quando nos despedimos. Ela disse que virá por um ou dois meses e, então, resolverá o que fazer depois disso. É uma mulher do campo, não da cidade, e esse é um dos motivos para ela não ter

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vindo para Nova York ficar conosco, a princípio. Amo a vovó, e ela tem me ajudado demais desde que mamãe morreu. Se não fosse por ela, tenho medo de pensar onde eu estaria na vida neste instante. Ela tem me apoiado desde o início e, quando voltei e tive Dixon, ela esteve ao meu lado. Ficou comigo durante a provação pela qual passei.

Mudar para a república aos dezesseis foi assustador para mim. Os outros alunos eram mais velhos, todos com mais de dezoito anos, e se davam bem entre eles. Eu era meio que solitária. Conversava quando um deles vinha falar comigo, mas nunca continuava a conversa. Na maioria das vezes, ficava quieta. Se não estava em meu quarto estudando ou criando receitas, estava em uma das cozinhas cozinhando e fazendo testes. Na maior parte do tempo, eu deixava um dos outros colegas de casa comerem minhas criações, o que era bom porque ouvia as opiniões deles.

A casa era grande, com seis quartos, uma sala com uma TV e três cozinhas, porque era propriedade da faculdade de culinária e tinha o objetivo de nos ajudar a cozinhar em casa assim como nas salas de aula. Havia quatro homens e duas mulheres, incluindo eu: Mark, Julian, Sefton, Toby e Lesley. Lesley era paqueradora, e tenho certeza de que ela dormiu com os quatro meninos. Sempre que eu passava pelo cômodo comum, ela estava com um diferente.

Meu quarto era logo subindo as escadas, nos fundos da casa. Era bem isolado do resto dos cômodos. Havia quatro andares ao todo, com duas cozinhas no térreo ao lado da sala comum, uma cozinha no primeiro andar com dois quartos, três quartos no segundo andar e, então, o único no topo da casa, no terceiro andar, que era o meu. Era um sótão transformado, mas não me importava, pois eu tinha meu próprio banheiro. Acho que a faculdade me colocou ali porque eu era muito jovem.

Meus colegas de casa davam um monte de festas, mas eu não ia a nenhuma delas. Apenas ficava em meu quarto. O primeiro ano foi o pior. Muitos casais entravam em meu quarto esperando que estivesse vazio para poderem transar. Pedi à faculdade para substituírem a fechadura quebrada na minha porta, mas estava demorando uma eternidade. Acabei escrevendo

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um recado de papel e grudando-o na porta quando eles faziam uma festa. Dizia: quarto ocupado.

Conforme o curso progrediu, me tornei mais confiante com os outros da casa. Estávamos todos no mesmo curso, o que ajudava, e o segundo ano não foi tão ruim. A maioria dos convidados das festas sabiam que meu quarto estava fora de cogitação, e eu desci para uma ou duas festas. Eram cheias de alunos, a maioria dando uns amassos, a música era alta e, consequentemente, as vozes ficavam mais altas em um esforço de serem ouvidas, e havia vários garotos roucos e garotas bem dadas. Eu me deparei com casais transando algumas vezes. Isso era indecente para mim, já que eu nunca nem tinha sido beijada. Sefton e Mark costumavam zombar de mim por ficar envergonhada e ruborizada.

Eu tinha quase dezoito anos, estava em meu segundo ano de faculdade, quando os outros deram uma festa logo antes das férias de Natal que começou a ficar muito barulhenta. Eu conseguia ouvir tudo lá de cima do meu quarto e só consegui dormir por volta de uma e meia da manhã.

Um barulho na porta me despertou, depois ouvi um pouco da música alta, então ficou silêncio de novo, com exceção de um farfalhar, que, lentamente, me despertou. Primeiro, pensei que tivesse me esquecido de colocar o aviso na porta, e um casal tinha entrado para transar, mas, de repente, as cobertas foram arrancadas de mim. Congelei, não sabia direito o que estava acontecendo. Não havia vozes, o que era esperado se fosse um casal.

Estava tão escuro em meu quarto, que eu não conseguia ver nada. Comecei a me sentar, no entanto senti uma mão empurrando meu peito, me forçando a deitar de novo. Estava prestes a gritar para que a pessoa saísse do meu quarto quando algo foi enfiado na minha boca, então outra coisa foi amarrada em volta de meu rosto e por cima de minha boca para segurar. Tinha um cheiro horrível e era felpudo como uma meia. Não conseguia falar nada nem gritar, comecei a tremer em pânico.

Quem quer que estivesse ali subiu em mim, prendendo meus braços nas minhas laterais com seus joelhos para eu não conseguir lutar contra ele. Mãos começaram a puxar minha blusinha, rasgando as alcinhas finas e arrancando-a, expondo meu peito. Eu estava tentando me contorcer e me libertar, mas a pessoa era pesada demais para mim, e eu não era forte o suficiente. Estava tão escuro, que eu não conseguia identificar quem era, e a pessoa não falava nada. Mas percebi o cheiro. Era uma colônia cujo

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cheiro eu já tinha sentido — um cheiro de homem misturado com fumaça de cigarro. Ele estava segurando meus seios com força, puxando-os. A dor conforme ele torcia meus mamilos era excruciante. Então ele colocou a boca em um de meus mamilos, e estava mordendo forte e tirando sangue, eu conseguia sentir pingar entre meus seios. Estava ficando exausta e mais fraca ao tentar brigar com ele.

Ele começou a rasgar meu short do pijama e minha calcinha, e entrei em pânico, minha garganta estava doendo de tentar gritar. Tentei me contorcer e me libertar, mas meu esforço não foi páreo para ele. Ele se manteve em silêncio.

Então colocou alguma coisa vendando meus olhos. Neste momento, eu estava nua. Ele também devia estar, o que explica o farfalhar quando entrou em meu quarto — estava se despindo. Pude sentir sua coisa pressionando minha barriga. Estava duro e parecia molhado.

Eu estava histérica e tentando implorar através da mordaça. Sabia o que estava prestes a acontecer. Ele iria me estuprar. Minha primeira vez seria eternamente manchada por um imbecil patético que me forçaria. E eu não podia fazer nada quanto a isso. Eu me senti tão impotente — a cobertura sobre meus olhos estava ficando molhada com minhas lágrimas. Só queria morrer. Após tentar empurrá-lo de cima de mim e balançar a cabeça dizendo “não” e tentar gritar, eu estava fisicamente acabada. Eu o senti descer mais por minhas coxas antes de abrir minhas pernas e começar a esfregar sua coisa em mim. Congelei. Ele pegou minhas mãos, e agora meus punhos estavam sendo mantidos com bastante força por uma de suas mãos enormes, e eu não conseguia me soltar dele, independentemente do quanto tentasse.

Comecei a sufocar com a mordaça na boca. Eu me sentia asfixiada, e tinha certeza de que iria desmaiar. Estava suando, porém sentia frio, e comecei a tremer e me agitar.

Ninguém iria entrar e me salvar.

Ninguém nunca entrava em meu quarto.

Ninguém conseguiria me ouvir: ele se certificou disso.

Eu estava desarmada — presa agora por seu tamanho enquanto ele se encontrava onde queria estar.

Sem aviso, ele entrou em mim de forma tão violenta, que a dor foi excruciante. Tentei gritar por entre a mordaça. Devo ter desmaiado e, quando acordei, ele ainda estava se enfiando vigorosamente, grunhindo

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conforme pairava acima de mim. Foi brutal. Ele não estava sendo gentil. Estava sendo selvagem. Não se importava com o que estava fazendo ou com o quanto estava me machucando. Simplesmente fiquei deitada, tão rígida quanto uma mesa, com as lágrimas ensopando o que quer que estivesse sobre meus olhos e escorrendo para minhas orelhas. Rezei para que ele simplesmente terminasse logo e fosse embora, pois eu estava exausta e não tinha mais força para lutar. Pareceu uma eternidade, investida após investida brutal, enquanto eu me mantinha paralisada.

Em certo momento, ele se enrijeceu. Fiquei aliviada quando ele saiu de cima de mim. Senti que estava pegando fogo na parte de baixo, e eu estava muito dolorida, porém depois ele amarrou minhas mãos à cabeceira da cama, então eu ainda estava presa. Comecei a chutar repetidamente, ultrapassando meu limiar de dor, torcendo para que o atingisse, mas não atingi. Só me cansei ainda mais. Então senti algo entre minhas pernas. Não era a coisa dele. Era gelado e duro. Comecei a me contorcer, chutar e me chacoalhar, tentando soltar minhas mãos, mas não adiantou, eu não conseguia fazer nada. Senti sua respiração em minha face, então em meu ouvido, quando ele disse entre dentes cerrados:

— Para, piranha.

E ele movimentou seja lá o que fosse aquilo em sua mão para dentro de minhas partes íntimas, onde ele tinha me invadido antes. Eu estava aterrorizada. Não fazia ideia do que era ou do que ele estava fazendo até ele me penetrar. Gritei, e gritei em minha mordaça, e meus olhos se reviraram. Senti que iria morrer. Eu queria morrer. Meu corpo começou a se agitar, tive espasmos conforme ele continuou enfiando e tirando o que quer que fosse, e desmaiei.

Mais tarde, quando acordei, havia luz em meu quarto. As coisas tinham sido removidas de meus olhos e boca. Minhas mãos estavam livres, e minha coberta estava jogada sobre mim. Ergui um pouco a cabeça, tentando olhar em volta para me certificar de que seja lá quem fosse, a pessoa já tivesse ido embora. Minha cabeça estava latejando. Meus punhos estavam doloridos de terem ficado amarrados e por minhas tentativas de me libertar.

Devagar, tirei a coberta e, com muita cautela, me sentei, botando as pernas para fora da cama. Eu estava com tanta dor, que gritei. Apertei minha barriga, me abraçando, a dor era horrorosa. Não conseguia me levantar. Olhei para a cama — havia muito sangue. Eu estava totalmente nua,

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conseguia ver sangue entre minhas pernas e machucados em meu peito, com sangue seco por um de meus mamilos e entre meus seios. Fiquei sentada assim por décadas, sem ousar me mexer. Sentia tanta dor em tudo quanto era parte, que só queria me deitar e morrer. Fiquei sentada chorando com a cabeça nas mãos. Tinha sido violentada de maneira sádica. Quem faria isso? Era domingo, então ninguém nem pensaria em ver como eu estava. Faltavam mais três dias de aula antes das férias de Natal. Eu não tinha aulas às quintas e sextas e iria voltar para a casa da vovó para passar o Natal na quarta-feira logo depois de sair da faculdade. Não podia voltar. Não agora, não sabendo que quem fez isso poderia estar me observando.

Algum tempo depois, com cautela, consegui sair da cama. Tirei os lençóis da cama, jogando a colcha no colchão manchado. Eu precisava tomar banho. Precisava ficar limpa, me livrar dele, lavar cada rastro dele de mim. Tentei lavar entre minhas pernas, mas a dor foi tão intensa quando me aproximei de minhas partes íntimas, que quase passei mal. Tive de superar a dor. Ele esteve dentro de mim, e eu precisava que ele saísse. Comecei a limpar lá, e tentei esfregar por dentro. Havia muito sangue escorrendo, mas não me importei, precisava me limpar. Depois de esfregar bastante, desabei no chão do boxe e fiquei em posição fetal, chorando e me balançando. Fiquei assim por um bom tempo. A água esfriou, mas não me importei. Queria dormir e nunca mais acordar.

Alguém bateu na porta do meu banheiro. Não ouvi de início, mas então bateram de novo mais alto e a porta se entreabriu, e Lesley enfiou a cabeça, chamando meu nome. Olhei para cima bem a tempo de ver a expressão de terror em seu rosto. Ela correu até mim, fechou a água conforme pegava a toalha de banho e a jogou sobre mim para que eu parasse de tremer. Ela me ajudou a me levantar do chão. Eu não estava chorando mais. Estava apenas um zumbi. Sem sentimentos. Estava apenas existindo.

Não iria contar isso a ninguém. Ninguém poderia saber. Estava com tanta vergonha por ter deixado isso acontecer. Como pude deixar que isso acontecesse? E na minha própria cama? Só disse a Lesley que não me sentia bem e que devia ter desmaiado no banho. Ela não acreditou em mim de verdade. Não a deixei me ajudar a me secar, porque ela veria como eu estava marcada, então o fiz rapidamente e coloquei minha calça e blusa de moletom. Ela viu meus punhos e os ergueu, perguntando que marcas eram

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aquelas. Tirei meus braços de seu alcance, puxei as mangas por sobre as mãos e disse a ela que não era nada. Ela olhou para mim de forma cética, porém eu afirmei que me sentia melhor e agradeci por sua ajuda. Nem sei por que ela veio até meu quarto. Raramente vinha ver como eu estava.

Só saí de meu quarto quando pensei que todos tinham ido embora, e foi apenas para pegar um pouco de sopa. Liguei para a faculdade na segunda-feira e disse a eles que estava doente e que só compareceria depois das férias de Natal. Na segunda à noite, voei para casa para ver a vovó sem intenção de voltar para a faculdade.

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