Cartas para Molly - Primeiros Capítulos

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Tradução Ana Carolina Consolini 1ª edição – 2022 R io de J anei R o 20.06.22 [miolo] cartas para Molly.indd 3 20/06/2022 00:07:36

COPYRIGH © 2019.

LETTERS TO MOLLY BY DEVNEY PERRY

COPYRIGH © 2022.

ALLBOOK EDITORA

Direção Editorial

Beatriz Soares

Tradução

Ana Carolina Consolini

Preparação e Revisão

Clara Taveira e Raphael Pellegrini

Capa Original

Sarah Hansen, Okay Creations

Adaptação de capa e Diagramação

Cristiane Saavedra | Saavedra Edições

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Gabriela Faray Ferreira Lopes – Bibliotecária – CRB-7/6643

P547c

Perry, Devney

Cartas para Molly / Devney Perry ; tradução Ana Carolina Consolini. – 1. ed. –Rio de Janeiro: AllBook, 2022.

396 p.; 23 cm. (Mayson jar ; 2)

Tradução de: Letters to Molly

Sequência de: Desejos de aniversário

ISBN: 978-65-86624-92-2

1. Romance americano. I. Consolini, Ana Carolina. II. Título. III. Série.

22-78309

2022

PRODUZIDO NO BRASIL.

CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

CDD 813

CDU: 82-3(73)

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PRÓLOGO

Finn

— Senhorita? — Chamei a atenção da garçonete quando ela passou por nossa mesa. — Você pode me trazer outra cerveja?

— É para já. — Ela sorriu e se apressou a atender o meu pedido enquanto eu bebia o restante da minha primeira Bud Light.

Beber era necessário, já que minha irmã estava aconchegada do outro lado do banco de cabine, trocando saliva com um cara novo que ela estava namorando. Jamie. Não havia nada mais desconfortável do que assistir sua irmãzinha beijar um homem de língua.

Olhei por cima do ombro, procurando por nossa garçonete no restaurante lotado. Se era assim que a noite ia ser, eu precisava pedir mais duas cervejas em vez de uma. A garçonete tinha desaparecido. Droga.

— Então, Jamie. — Eu me forcei a dizer o nome dele gentilmente enquanto me virava para eles. — Poppy me disse que você é de um rancho por aqui.

Ele e Poppy se separaram — obrigado, porra —, e ele balançou a cabeça para mim.

— Sim. Fica a cerca de quarenta e cinco minutos daqui. Vocês deveriam ir lá um dia desses.

Jamie esticou o braço por trás de Poppy e o descansou na parte do encosto. E lá estava ele, o sorriso idiota. Claramente Jamie estava tão apaixonado por Poppy quanto ela estava por ele.

Levei a garrafa de cerveja aos lábios, franzindo a testa quando lembrei que estava vazia. Ao colocá-la na mesa, estudei Jamie com o canto do olho.

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Ele era dois anos mais novo do que eu, mas igualmente grande, provavelmente por ter crescido em um rancho. Ele usava o cabelo muito comprido e muito desgrenhado. Sua camisa xadrez verde e branca estava desabotoada demais. E o cara estava usando chinelos em setembro.

Apesar da sua estranha mistura de surfista e cowboy, Poppy estava apaixonada. Ela já tinha saído com ele três vezes. Não era um pouco demais? Parecia demais.

Quando ela me convidou hoje à noite para comer uns hambúrgueres e conhecer Jamie e sua nova colega de casa, eu não tive escolha a não ser dizer sim. Poppy já estava apaixonada, e eu tinha de saber com que tipo de cara estávamos lidando.

— Você é veterano na faculdade? — Jamie perguntou. Acho que ele não tinha esquecido completamente que eu estava na cabine também.

— Aham — respondi. — Projeto paisagístico. O que você está estudando?

— Educação. Acho que trabalhar até os 65 anos será muito mais divertido se eu passar o dia todo com as crianças. — Ele deu um sorriso largo e brilhante para Poppy. Então pegou um canudo fechado na mesa e arrancou o papel.

Com um giro dos dedos, ele enrolou o papel. Eu sabia antes que ele terminasse que aquilo ia entrar no canudo.

Como era de se esperar, ele recarregou a arma, sorriu para mim e levou a ponta vazia aos lábios. Então mirou. Uma baforada forte, e a bola de papel voou em direção ao nariz de Poppy.

— Jamie! — Ela deu um tapa no canudo enquanto os dois riam. Esse cara era um bobo. Não é à toa que ele queria estar perto de crianças o dia todo. Ele se encaixaria direitinho.

Eu o conhecia tinha menos de uma cerveja, mas já o tinha identificado como o palhaço da turma. O cara que ficava contando piadas e brincando. O cara que faria barulho de peido só para aliviar um clima sombrio. Ele era o cara que sempre tinha um sorriso no rosto e que fazia com que todos sorrissem também.

Eu gostei disso pela Poppy.

O que significava que eu teria de me acostumar com eles se beijando. Poppy precisa de um cara divertido. Ela foi para casa no Alasca no verão para morar com nossos pais. Trabalhou duro por três meses para economizar algum dinheiro para o próximo ano letivo, o que significava que não haveria muita diversão.

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Se eu passasse uma luz negra na testa de Jamie, tinha certeza de que encontraria a palavra “diversão” escrita com tinta invisível.

— Onde está essa nova colega de casa? — eu perguntei a Poppy, esperando manter sua boca ocupada com a conversa em vez de, bem… Jamie.

— Ela me ligou e avisou que chegaria atrasada. — Poppy verificou seu telefone. — Isso foi cerca de quinze minutos atrás, então ela provavelmente estará aqui em breve.

— Qual é o nome dela mesmo?

— Molly — ela e Jamie disseram em uníssono, então sorriram um para o outro.

— E eu não a conheço? — Conheci alguns amigos de Poppy, mas não me lembrava de uma Molly.

— Não. Ela morou nos dormitórios mistos no ano passado. Nossa garçonete passou pela mesa com uma bandeja com água, mas arquejou quando me viu.

— Oh, droga. Esqueci sua cerveja. Me dê alguns minutos.

— Quer saber? Sem problemas. — Eu levantei uma mão, já deslizando para fora do assento. — Vou até o bar e pego uma. — Ou duas. Talvez três.

— Tem certeza? — ela perguntou.

— Sim. Não tem problema nenhum. Vocês querem alguma coisa? — perguntei a Poppy e Jamie, mas era tarde demais. Nos dez segundos em que parei de observá-los, eles voltaram a sussurrar um no ouvido do outro, e eu já tinha quase sido esquecido.

Eu me afastei da mesa, fazendo uma pausa necessária do casal feliz. Além de ver os dois tentando se unir em público esta noite, eu também precisaria ser legal com a colega de quarto.

Poppy me garantiu que ela não estava organizando algum tipo de encontro duplo às cegas. Isso era simplesmente um jantar e uma chance de conhecer Jamie e Molly antes que eu ficasse muito ocupado com meus dois últimos semestres na faculdade.

Embora tivesse uma carga horária pesada e trabalhasse meio período à noite e nos fins de semana, eu tinha a sensação de que veria muito o Jamie dali em diante.

Eu tinha de admitir, ele não era um cara ruim. A pegação constante era irritante, mas talvez seja intuição, eu sabia que Jamie não estava nessa para só se dar bem e ir embora. Ele gostava dela.

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Apoiei os cotovelos no bar e fiz sinal para o barman.

— Bud Light.

Ele se aproximou e verificou minha identidade, então foi até o refrigerador pegar a minha cerveja. Larguei algum dinheiro no bar, dei um gole saudável na garrafa e, sem pressa, comecei a voltar para nossa mesa no canto mais distante do restaurante estreito.

Mesmo à distância, eu podia ver Poppy e Jamie olhando um para o outro. Ela nunca tinha ficado desse jeito perto de um cara. Uma pontada de um sentimento de posse de irmão mais velho me atingiu com força. Eu não queria pensar em Poppy como uma mulher adulta. Não queria que ela encontrasse um homem que assumisse as tarefas que eu fazia por ela, como trocar o óleo do carro ou comprar comida chinesa nas noites de domingo. Eu queria que ela continuasse minha irmãzinha.

Mas, ao mesmo tempo, eu queria que ela encontrasse um cara decente. Um que eu não gostaria de dar um soco no dia do casamento deles.

— Oh, merda… — uma mulher xingou assim que um gole de cerveja gelada cobriu minha mão. — Me desculpa.

— Sem problemas. — Mudei a cerveja para a outra mão e limpei a mão molhada no jeans. Então olhei para a mulher que esbarrou no meu braço. Minha boca ficou seca.

Emoldurado por cachos morenos estava um rosto tão deslumbrante, que eu não tinha certeza para onde olhar primeiro. Seus olhos castanhos brilharam, manchas douradas combinavam com o brilho de sua sombra. Sua pele era como porcelana, impecável e cremosa, exceto pelo rubor rosado das bochechas.

Seus lábios estavam pintados com um tom de pêssego pálido. A cor delicada e suave era doce, um nítido contraste com aqueles cachos de chocolate caindo em seus ombros. Aqueles cachos gritavam por sexo. Eles imploravam para serem torcidos em meus dedos. Para serem espalhados em meu travesseiro.

— Você é o Finn, não é? O irmão de Poppy?

Eu me forcei a não olhar mais seu cabelo.

— Uh-hum. — Que boa jogada, idiota.

— Eu sou a Molly. — Ela estendeu a mão, pegando a minha e fazendo o aperto de mão por nós dois.

Esta era a colega de quarto? Sim. A mulher dos meus sonhos era a colega de quarto da minha irmã na faculdade. Não fode.

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— Você também não tem sardas — ela disse, estudando meu rosto. Não, eu não tinha. Poppy e eu tínhamos cabelos ruivos, o meu um tom mais próximo do vermelho do que o ruivo dela. Nós herdamos o cabelo de nossa mãe, mas não suas sardas. Eu não poderia dizer nada disso a ela, porque eu tinha desaprendido a falar.

Tomei um gole da cerveja enquanto Molly olhava ao redor do restaurante. Engoli em seco, lembrando que eu era um veterano, não um mudo. E definitivamente podia me sair melhor do que isso com as mulheres.

— Estamos sentados lá atrás — eu disse, gesticulando para onde Poppy e Jamie estavam sentados e se beijando novamente.

Molly os viu e gemeu.

— Esses dois são completamente enjoativos. Almocei com eles ontem e tive que jogar um nugget de frango na cabeça de Jamie antes mesmo que ele percebesse que eu estava lá.

Eu ri.

— Poppy não teve muitos namorados no ensino médio. Toda essa coisa de demonstração pública de afeto é nova para mim. Não vou mentir, não gosto disso.

— Eu não sou muito de demonstrações públicas de afeto. Pode me chamar de antiquada, mas eu prefiro uma carta sincera do que chupar a cara de outra pessoa em um restaurante.

— Uma carta? Acho que o máximo que já escrevi para uma mulher foi uma pergunta em um Post-It. Isso conta?

Ela riu, o som melódico roubando minha respiração.

— Não, não conta.

Meu olhar vagou de volta para seu cabelo, seguindo as espirais sedosas da curva de seu seio até a concha da sua orelha. Eu realmente queria tocá-lo. Seria estranho? Sim.

— Com licença. — A garçonete passou por mim com outra bandeja carregada.

— Desculpe. — Eu me arrastei em direção a uma mesa vazia de tampo alto para ficar longe do corredor. Poppy estava tão focada em seu novo namorado, que nem notou a chegada de Molly. — Não estou com pressa para voltar para a cabine do beijo. Se importa de sentar comigo? Você pode me ensinar sobre todos os outros costumes antiquados que faltam nos rituais de namoro de hoje.

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— Como dormir com roupas. Deviam trazer esse costume de volta. E chamar alguém de “querida”. Não “queridinha” — ela disse. — Eu odeio queridinha. Mas querida é bastante charmoso, você não acha?

— Acho. — Eu sorri, puxando sua cadeira, e então fui para a minha.

Molly olhou por cima do ombro, desistindo de Poppy e Jamie. Quando ela se virou para mim e sorriu, todo o restaurante desapareceu.

— Aqueles dois nem vão saber que sumimos.

— Aqueles quem?

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Molly 15 anos depois…

— Casada, solteira ou divorciada? — o vendedor perguntou, o dedo posicionado acima do mouse, pronto para clicar na caixa de seleção apropriada na tela.

— Divorciada. — Mesmo depois de seis anos, essa palavra ainda soava estranha na minha boca.

Por que eles ainda precisam fazer essa pergunta? Cada pedido de empréstimo, formulário de voluntário da escola e questionário da igreja queriam saber sobre seu estado civil. Eu ia começar a marcar a opção “solteira”. Qual era a diferença? Eu estava comprando um carro. O fato de eu ter um ex-marido não fazia a menor diferença, porque eu, eu mesma e a minha pessoa não tínhamos intenção de atrasar um pagamento.

— Endereço?

Eu disse meu endereço, número de telefone e número do seguro social, conforme solicitado, e depois de cem cliques, o vendedor finalmente desviou os olhos da tela.

— Ok, acho que estamos prontos. Vou só chamar o cara das finanças aqui para podermos revisar os termos.

— Excelente. — Fiquei no meu lugar enquanto ele saía do escritório. Quando ele se foi, eu verifiquei a hora no meu telefone.

Eu já estava ali há duas horas, fiz um test-drive, depois negociei o preço do novo Jeep Rubicon que estava comprando. Eu ainda tinha uma hora e

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meia antes de precisar voltar para casa e encontrar as crianças, mas isso já havia demorado mais do que eu esperava. Eu estava ansiosa para chegar em casa com essa surpresa.

Kali e Max não tinham ideia de que eu estava comprando um carro novo, e eles iam cair para trás quando vissem o Jeep no estacionamento no lugar da nossa minivan.

Max odiava a minivan porque o DVD do banco traseiro havia parado de funcionar um mês atrás. Como a maioria dos meninos de oito anos, ele achava que qualquer viagem com mais de vinte minutos era uma tortura sem algo para assistir. Não só o futuro Jeep viria equipado com aros cromados e vidros escurecidos, como cada uma das crianças teria seus próprios consoles de entretenimento.

Kali não considerava a TV uma necessidade como o irmão mais novo, mas ela tinha acabado de fazer dez anos e estava se aproximando da idade em que as garotas malvadas estavam em busca de quaisquer de seus traços desagradáveis, então toda e qualquer coisa poderia causar um embaraço debilitante — como a minivan que eu estava negociando hoje. Amanhã eu estaria passando pela fila de carros da escola com rodas novas, que com certeza me renderiam alguns pontos de mãe bacana.

Eu estava ficando sem esses pontos ultimamente. O pai deles era o bacana, não eu. Minhas áreas de excelência eram lavanderia, limpeza e chateação, até que o dever de casa fosse feito e os legumes fossem comidos. Mas pelo menos agora eu teria um veículo moderno.

— Ok, sra. Alcott. — O vendedor voltou para o escritório com um homem mais jovem seguindo atrás e uma pilha de papéis na mão. — Vamos apenas revisar os termos de financiamento, assinar alguns papéis e você poderá ir. Vou pedir para os caras da loja encherem o tanque e fazerem uma limpeza rápida. Você estará livre em trinta minutos.

Eu sorri.

— Perfeito.

Uma hora depois, deslizei para o banco de couro preto do motorista e agarrei o volante, respirando fundo o cheiro do meu novo Jeep. Não era um carro novo. Eu era uma mãe divorciada com uma hipoteca e dois filhos que estavam constantemente crescendo mais do que seus tênis suportavam. Eu não podia comprar um zero. Mas podia comprar um modelo novinho de três anos com pouca quilometragem e dezoito meses restantes na garantia.

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— Ai, meu Deus, eu amei esse carro. — Soltando um guincho feliz, ajustei o assento e os retrovisores, engatei a marcha e saí do estacionamento. A excitação correu pelas minhas veias, e eu lutei para ficar abaixo do limite de velocidade enquanto dirigia pela cidade. O nervosismo não diminuiu até que eu estacionasse na minha garagem.

Quando saí para inspecionar a pintura preta reluzente, escondi o sorriso com a mão. Este Jeep não era apenas legal, era foda, e muito melhor do que a minivan branca que deixei para trás.

Meu olhar vagou para a garagem onde a minivan vivera, e uma pontada de tristeza bateu. Nós a apelidamos de Beluga, e ela foi meu fiel corcel por anos. Ela levou as crianças para o futebol e a mim para o trabalho. Ela cuidou de centenas de Cheerios e snacks de frutas esquecidos. Ela estava lá para mim depois do divórcio, quando desabei no volante e deixei escapar rios de lágrimas antes de fazer uma cara feliz para mostrar ao mundo.

Eu ia sentir falta da Beluga. Ela tinha sido um dos últimos artefatos que sobraram dos meus dias de casada.

A maioria das relíquias do meu casamento fracassado foi substituída nos últimos seis anos. Os móveis da sala de estar que Finn e eu compramos juntos foram os primeiros, depois que Kali derramou suco de uva no estofamento. Em seguida, foi o telhado e o tapume da casa depois de uma forte tempestade de granizo. A casa bege que compramos agora era branca, com venezianas pretas e telhado de zinco. As fotos foram retiradas. As recordações estavam guardadas em caixas e escondidas no sótão.

E agora a Beluga também se foi.

Foi melhor assim. Era o que eu repetia para mim mesma nos últimos seis anos. Eu estava mais feliz agora do que durante o último ano de casamento. Assim como Finn. As crianças também.

Foi melhor assim.

Sorri novamente para o Jeep, depois andei pela calçada até a varanda da frente. Meu gramado era exuberante, verde e comprido. Idealmente, seria cortado hoje, mas eu duvidava que tivesse tempo, então a tarefa foi adicionada à minha interminável lista de afazeres de fim de semana. Foi uma coisa boa que o dia seguinte fosse sexta-feira, então eu não poderia fazer muito mais. Assim que Kali completou doze anos, Finn prometeu ensiná-la a cortar grama por um dinheiro extra. Ela estava impaciente na época. Eu também. Cortar a grama era um dever que eu mal podia esperar para delegar às crianças.

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Eu ficaria feliz em limpar, cozinhar e lavar roupas por cem anos se isso significasse nunca mais andaria atrás do meu cortador vermelho novamente.

Eu tinha cortado grama suficiente para uma vida inteira.

Depois que Finn se formou na faculdade, ele foi trabalhar em uma empresa de paisagismo local, mas seu sonho sempre foi abrir o próprio negócio. No ano em que nos casamos, ele deu o primeiro passo e começou sua empresa. Nossos negócios.

Durante os dois primeiros anos da Alcott Landscaping, eu era a cortadora de grama número um. Enquanto Finn fazia todas as coisas de paisagismo, desde lances ao projeto até o plantio propriamente dito, a semeadura e tudo o que tinha que ser feito, eu gerenciava o serviço de poda. Foi essa parte do negócio que nos manteve comendo macarrão com salsicha até que Finn construiu sua reputação. Três universitários e eu cortamos centenas de gramados, até que finalmente consegui me afastar completamente daquilo e administrar o escritório.

Quando tivemos Kali, dei mais um passo para trás e passei a trabalhar meio período. Assim que Max nasceu, fez sentido ficar em casa inteiramente.

Finn assumiu todos os aspectos da gestão de Alcott, e eu me afastei.

O único gramado que cortava nos últimos dias era o meu. Mesmo o cheiro de grama recém-cortada e a perspectiva de um bronzeado não conseguiam me animar para essa tarefa.

Entrei e deixei a bolsa no banco da entrada. Virei a esquina para a cozinha, e quando olhei para a pia no jardim da frente, suspirei. Eu precisava podar as plantas esta noite. Era inevitável. A primavera tinha sido cheia de manhãs orvalhadas e tardes ensolaradas. Se eu não fizesse isso logo, teria de enfrentar uma selva.

Finn e eu compramos esta casa no ano em que Max nasceu. Queríamos um lugar espaçoso e agradável em um bairro amigável. A Alcott havia se tornado uma das maiores empresas de paisagismo do Vale Gallatin, então compramos uma casa toda reformada no melhor espaço da rua sem saída.

Então Finn ficou louco com nosso paisagismo. Este lugar tinha sido seu local de teste, o quintal onde ele experimentava novos arbustos ou árvores, para ver como eles cresciam antes de usá-los nos jardins dos clientes. Havia uma fonte no quintal. Havia canteiros de flores dentro de canteiros de flores. Era bonito. Era o motivo de inveja de todos os meus vizinhos.

E era um pesadelo de manutenção.

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Finn havia criado esse espetáculo intrincado que exigia que eu passasse horas cortando e aparando. Passei mais tempo capinando do que realmente apreciando as flores.

E eu era muito crítica para gastar minha renda de mãe solteira e trabalhadora para contratar um jardineiro ou uma equipe de poda. Eu nem mesmo tive ajuda profissional quando me casei com o rei dos cuidados com o gramado de Bozeman.

— Eu odeio meu quintal.

A campainha tocou, me levando para longe da janela. Corri para a porta da frente. Meu vizinho Gavin acenou através do vidro.

— Ei. — Abri a porta com um sorriso no rosto.

— Olá. Eu vi você parar em sua nova máquina. Tive que vir conferir.

— Não é legal? — Eu fui até o lado de fora da casa, me juntando a ele na ampla varanda coberta que envolvia toda a minha casa.

— É um carro muito elegante, Molly. — Gavin enfiou as mãos nos bolsos de sua bermuda cargo enquanto descia os degraus da varanda e inspecionava a grama. — Quer que eu corte a grama para você?

Eu realmente queria dizer que sim.

— Não precisa. Mas obrigada por oferecer.

— Tem certeza? Eu não me importaria de fazer isso.

— Tenho certeza. É a única maneira de manter um bronzeado.

Gavin se ofereceu para cortar meu gramado uma dúzia de vezes desde que se mudou para a casa ao lado dois verões atrás, mas eu nunca aceitei. Principalmente porque era uma tarefa bem difícil. Eu queria ficar em suas boas graças no caso de precisar de um favor.

Mas a outra razão pela qual recusei sua ajuda foi porque Gavin não tinha talento para cortar grama. Fiz uma careta ao ver os buracos em sua grama e as pilhas aleatórias de mato morto. Dois anos, e ele ainda não tinha entendido as configurações corretas da altura da lâmina.

Eu posso não gostar de cortar a grama, mas sou boa nisso. Melhor que a maioria.

— Ok. Bem, é uma oferta permanente. — Gavin me deu um sorriso, e meu coração acelerou.

Ele era bonito, com um cavanhaque fino e manchas prateadas em seu cabelo castanho. Ele era um pai solteiro que trabalhava em casa, tinha cinco anos a mais que meus trinta e cinco. O escritório dele ficava de frente para o

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meu, e nas raras ocasiões em que eu estava sentada na minha mesa enquanto ele estava na dele, Gavin acenava.

Estávamos passando mais tempo um com o outro nesta primavera. Suas filhas gêmeas eram dois anos mais velhas que Kali, mas mesmo com a diferença de idade, todo mundo se dava bem. Enquanto as crianças brincavam no parque ou pulavam no trampolim, Gavin e eu saíamos. Nossos jantares de pizza de sexta-feira à noite estavam se tornando um hábito.

— Como foi o trabalho hoje? — eu perguntei enquanto caminhávamos até o meu Jeep.

— Bem. Estou descansando por algumas horas. Minha ex vai ficar com as meninas pelo resto da semana e no fim de semana. É tão quieto quando elas não estão por perto, que provavelmente vou trabalhar durante o jantar.

— Eu sabia exatamente como era solitário quando os filhos ficavam na outra casa. Abri a boca para convidá-lo para jantar conosco, mas parei quando uma familiar caminhonete azul-marinho surgiu na rua.

A janela de Max atrás do banco do motorista de Finn estava aberta. Sua cabeça estava para fora, a boca aberta, enquanto ele olhava o Jeep.

Gavin riu.

— Alguém está animado.

— É melhor eu pegar as chaves. Ele vai querer dar um passeio.

Corri para a casa com um sorriso enorme, irrompendo pela porta da frente de carvalho cor de mel e pegando minha bolsa na cadeira. Quando corri para fora, Finn estava entrando na garagem ao lado do Jeep, deixando espaço para eu dar ré.

— Mãe! — Max gritou da caminhonete enquanto lutava para soltar o cinto de segurança. — O quê? Isso é… o quê?

Eu ri, me juntando a Gavin na garagem.

Kali abriu a porta e saltou para fora, seus cachos castanhos balançando quando aterrissou.

— Mãe, isso é nosso?

— Sim.

— Nem. Ferrando. — Seus olhos estavam arregalados quando ela deu um passo na direção do Jeep. — Eu só… Isso… Nem ferrando.

— Sim, senhora. Surpresa.

— Uau. — Ela passou os dedos pelo cabelo. Ele chegava quase até a cintura, cerca de quinze centímetros mais curto que o meu. Eu estava tentando

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fazê-la cortar, mas Kali se recusou. Ela disse que seus cachos a diferenciavam em uma escola em que a maioria das meninas estava fazendo cortes estilosos ou pintando seus cabelos em tons de azul ou rosa.

— Ahhh! — Max correu ao redor da caminhonete de Finn, pulando de um lado para o outro enquanto apontava para o Jeep. — Isso é tão legal. Podemos dar um passeio? Agora? Por favor? Vamos.

— Em um segundo. — Acenei para Finn, o último a emergir da caminhonete. — Oi.

— Belo possante, Molly. — Ele levou os óculos de estilo aviador para o cabelo espesso cor de ferrugem enquanto contornava o capô da caminhonete.

— Chega da Beluga, hein?!

— Chega da Beluga.

Seus olhos azuis encontraram os meus, e eles brilharam com tristeza por um momento.

Eu não tinha certeza do que dizer. Em algum lugar no caminho entre nosso primeiro cheeseburger e a assinatura dos papéis do divórcio, esquecemos de como confiar um no outro.

Era tudo passado. Eu estava feliz solteira. Finn namorava outras mulheres há anos. Como Beluga, algumas coisas não foram feitas para durar para sempre.

— Ei, Gavin. — Finn caminhou até nós, a mão estendida.

— Finn. — Gavin devolveu o aperto de mão, então olhou para mim. — Eu vou deixar vocês sozinhos. Estarei em casa este final de semana se você mudar de ideia sobre o gramado.

— Obrigada. — Eu acenei para ele enquanto Gavin andava pelo meu quintal em direção ao seu.

— O que tem o gramado? — Finn perguntou quando ele estava distante o suficiente para não poder escutar.

— Oh, nada. Ele apenas se ofereceu para cortar.

Finn franziu a testa.

— Não vai rolar. Olhe para o quintal dele. Ele não consegue entender como ajustar as lâminas ou como andar em linha reta. Você corta dez vezes melhor do que aquele cara.

— Pelo menos ele se ofereceu para me poupar a dor de cabeça.

— Dor de cabeça? Achei que você gostasse de cortar a grama.

— Antigamente. — Quando minha vida tinha sido um conto de fadas. Antes que os sapatinhos de cristal se estilhaçassem.

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— Mãe, vamos. — Max estava correndo em círculos ao redor do Jeep. Seu sorriso largo mostrava os dois dentes que faltavam no momento. Ele precisava cortar o cabelo, alguns fios estavam caindo constantemente nos olhos, mas eu odiava cortar o cabelo dele. Eu sempre odiei desde que ele era um bebê.

O cabelo dele era uma mistura do meu e do Finn. Não é bem vermelho, mas também não é o meu castanho. Não era tão encaracolado quanto o de Kali — havia apenas uma leve onda — e tinha a mesma textura dos fios grossos e sedosos de Finn. Sempre que eu o cortava, Max parecia muito mais velho.

— Estou com fome — ele gritou, ainda correndo.

— Quando não está? — eu murmurei. — Ele está crescendo que nem trepadeira.

Finn assentiu.

— Eu estava pensando a mesma coisa outro dia. Ele fica com você por algumas noites e então eu mal o reconheço quando chega a minha vez.

Max era um dos garotos mais altos do time de basquete juvenil, e sua estrutura corporal realmente preenchia o equipamento de proteção da liga infantil de futebol americano. Não havia dúvida sobre isso, ele cresceria e teria os ombros largos e o peito de Finn. Ele também seria alto como Finn.

A única característica de Max que era cem por cento minha era os olhos. Tanto ele quanto Kali tinham meus olhos castanhos.

O azul profundo de Finn era dele, e só dele.

— Mãe. — Max bufou, abrindo a porta traseira. — Vamos.

— Está bem, está bem. Vamos pegar suas coisas na caminhonete primeiro para que o papai não tenha que esperar pela gente.

— Não, tudo bem. — Finn empurrou o queixo para o Jeep. — Vocês podem ir. Eu tiro tudo sozinho.

— Tudo bem. Obrigada. Te envio uma mensagem com o horário para você vir pegá-los na segunda-feira.

— Perfeito.

Dei um aceno de despedida e caminhei mais três passos para o Jeep quando Finn me chamou.

— Molly?

Eu me virei.

— Sim?

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Ele sorriu.

— Você sempre quis um Jeep. Estou feliz que você tenha conseguido um.

— Eu também. — Acenei, não deixando meu olhar permanecer no meu ex-marido por muito tempo.

Finn estava usando seu traje normal de verão, uma polo azul-marinho da Alcott Landscaping, jeans e tênis cinza. Suas roupas costumavam estar cobertas de manchas de grama, e suas mãos, sujas de terra. Ele voltava para casa sempre cheirando a suor e sol, e nós nos abraçávamos sem nem hesitar. Esses dias se tornaram apenas memórias. Ainda assim, Finn era perigosamente bonito, de pé, com as pernas separadas, sob o céu brilhante de maio. Foi uma coisa boa que as crianças e eu estivéssemos de saída. Muito tempo perto do Finn, e minha mente começaria a repetir aquelas cenas antigas, aquelas em que seus lábios tão macios encontravam os meus.

— Preparados? — Eu me concentrei nas crianças, que estavam pulando no carro. Quando estávamos todos organizados e com as janelas abaixadas, engatei a marcha a ré para sair da garagem e dei a Finn um último aceno antes de ir embora.

Eu vi seu aceno pelo espelho, parado no quintal que uma vez foi nosso.

Estávamos divorciados havia seis anos e três meses, e, caramba, Finn ainda parecia pertencer àquele quintal. Como Beluga, aquela casa era um artefato que provavelmente deveria ter sido enterrado também. Eu não faria as crianças se mudarem, então era um enterro que teria de esperar até que estivessem na faculdade.

— Então? O que vocês acharam? — eu perguntei pra eles.

— Isso é muito mais legal do que a van! — Max gritou pela janela aberta atrás de mim.

Olhei por cima do ombro e vi o sorriso de Kali.

— Bem legal, mãe.

Isso, pontos de mãe bacana chegando.

— Com certeza é.

— Vamos comprar pizza! — Max gritou. O garoto não conhecia nenhum outro volume além do alto.

Eu ri e gritei também.

— Pizza, aqui vamos nós!

Quarenta e cinco minutos depois, o som de um cortador de grama nos precedeu quando entramos na rua sem saída.

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— Ah, ótimo. — Eu realmente esperava que Gavin não tivesse decidido me fazer um favor e cortar minha grama. Com certeza, quando nos aproximamos, faixas recém-cortadas no meu gramado me cumprimentaram. Mas não era Gavin cortando a grama.

— Papai ainda está aqui. — Kali apontou para a caminhonete de Finn. Pisquei, certa de que havia entrado na rua errada. Finn não cortava aquele gramado havia anos, mesmo quando estávamos casados. Naquela época, o trabalho exigia toda a sua atenção, de modo que ele chegava em casa depois do anoitecer na maioria das noites no verão.

O dever de cortar a grama sempre coube a mim.

Mas ali estava ele, empurrando meu cortador vermelho com listras diagonais pela grama. O Weed Eater estava encostado na porta da garagem ao lado de uma pilha de cabos de extensão.

— O que ele está fazendo?

— Ahn, cortando a grama. — Max riu. — Dã. Revirei os olhos.

— Obrigada por esclarecer, Max.

— Pergunta idiota, resposta…

— Não diga idiota. — Eu estava feliz que ele não poderia ver meu sorriso estando atrás de mim.

Meu filho era um espertinho. Ele dava respostas mais rápidas e mais espirituosas do que a maioria dos adultos. Provocar tanto a mim quanto a Finn era um de seus maiores prazeres. A única pessoa com quem ele era gentil era Kali.

Ela não levava suas bordoadas. Talvez fosse porque ela estava entrando naqueles anos difíceis da adolescência. Talvez fosse porque o divórcio tenha sido muito difícil para ela. Seja qual for o motivo, Kali era mais sensível. E eu sempre fui grata por Max amar tanto a irmã mais velha, que se esforçava para proteger seu coração mole.

— Vocês podem levar a pizza para dentro? — perguntei a Max e Kali enquanto estacionava na garagem.

— Claro, mãe — minha garota se ofereceu.

— Obrigada. — Eu tinha de descobrir o que o pai deles ainda estava fazendo aqui.

Enquanto eles carregavam as caixas para dentro, eu fui até a frente da casa para encontrar Finn.

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Seus sapatos estavam cobertos de aparas de grama, arruinados pelo trabalho manual. Ele girou o cortador de grama, vindo em minha direção. Quando chegou ao final daquela fileira, parou a máquina, o ruído se acalmando.

— O que você…?

— Olá, pai. — Max apareceu ao meu lado, um palito de pão roubado em uma mão, a bochechas cheias. Kali estava logo atrás dele.

— Ei, pessoal. Como foi o passeio?

Max engoliu.

— Irado. Kali e eu temos nossas próprias televisões, então não temos que assistir a mesma coisa.

Finn riu.

— Você gostou, Kali?

— E como. Mamãe tem o carro mais legal de qualquer um dos meus amigos agora.

Eu sorri. Missão cumprida.

— Vocês podem entrar e colocar a mesa, por favor? Eles subiram os degraus da varanda e correram porta adentro, sem se preocupar em fechá-la.

— Você não precisava fazer isso — eu disse a Finn. Ele encolheu os ombros.

— Não é nada.

Quem era esse estranho? Bem, seja lá quem fosse o impostor no lugar de Finn, eu devia a ele pelo menos um jantar.

— Compramos pizza. Você é bem-vindo.

— Seria ótimo. Vou terminar aqui e passar para os fundos. Depois eu entro. Vocês podem comer na frente. Não esperem por mim.

— Se você quiser só fazer a frente, eu posso cuidar dos fundos. De verdade.

— Molly, está tudo bem. — Sua voz era suave, como a brisa da primavera. — Eu não tinha nada para fazer esta noite, a não ser ir para uma casa vazia.

— Ok. — Meus ombros relaxaram. Eu não queria expulsá-lo, e sua ajuda foi muito apreciada.

Eu o deixei no jardim, caminhando até os degraus da varanda e olhando por cima do ombro enquanto Finn puxava a extensão e dava vida ao motor do cortador.

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Finn tinha deixado as mochilas das crianças no corredor. Eu as carreguei e as coloquei na base da escada antes de entrar na sala de jantar, que ficava ao lado da cozinha.

— Bom trabalho, pessoal. — Max estava arrumando os copos enquanto Kali colocava guardanapos. Eles devem ter presumido que Finn ficaria, porque já havia quatro pratos prontos.

Foi bom ver a mesa da sala de jantar cheia. Vê-la vazia três ou quatro noites por semana, quando as crianças ficavam na casa de Finn, era deprimente. Tanto que eu costumava comer em pé na cozinha ou sentada no sofá da sala. Qualquer lugar menos a mesa da sala de jantar, onde os lugares vazios faziam com que eu me sentisse sozinha.

— Ah, meleca. — Eu tinha esquecido de Gavin comendo sozinho e meu plano anterior de convidá-lo.

— O quê? — Kali perguntou.

— Deixa pra lá. — Com Finn aqui, seria muito estranho receber Gavin em casa. Eu poderia ir à sua casa e convidá-lo para uma refeição diferente no final da semana, depois de conversar com as crianças.

Abri as caixas de pizza, e cada um de nós tomou seus lugares para mergulhar nelas. Quando Max pegou o sexto pedaço, eu afastei sua mão.

— Guarde um pouco para o seu pai. Se ele não comer tudo, você pode ficar com o que sobrar.

— Ok. — Ele deu um tapinha na barriga. — Estou meio cheio de qualquer maneira. Eu tenho que comer as bordas?

— Não. — Porém, em uma hora, ele estaria com fome novamente.

— Posso ir para o meu quarto?

— Pode. — Eu dei uma piscadela para ele. — Por favor, leva sua mochila e arrume suas coisas.

— Obrigado, mãe. — Ele se levantou da mesa, levando o prato para a pia. Então disparou pelas escadas.

— Esse garoto não sabe o que é andar, né?

Kali deu uma risadinha.

— Posso ir também?

— Claro, querida. Você tem algum dever de casa?

Ela balançou a cabeça enquanto se levantava, também limpando o prato.

— Não.

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Fiquei na minha cadeira, observando enquanto ela colocava seu prato e o de Max no lava-louças. Kali sempre foi minha ajudante. Eu sabia que ela também ajudava na casa de Finn.

— Estou feliz que tenham voltado.

— Eu também. — Kali sorriu e se aproximou para me dar um abraço apertado; então em seguida ela desapareceu no andar de cima, indo para seu quarto.

Limpei meu próprio prato assim que o barulho do cortador do lado de fora parou. Pela janela da cozinha, observei Finn dar a volta na garagem e ir até a caminhonete.

Ele tirou os sapatos sujos de grama e os jogou nos fundos. Depois fez o mesmo com as meias, que estavam verdes nos tornozelos. Ele se abaixou e deu um tapa na barra do jeans, limpando a grama, antes de prendê-la em uma dobra alta.

Meus olhos foram para sua bunda. Hábito, imaginei. Ainda parecia tão boa quanto na época em que nos casamos. Finn não tinha deixado a idade ou o fato de ficar sentado atrás de uma mesa comprometer seu tipo físico musculoso.

Eu ainda estava olhando quando ele se levantou e se virou, seus olhos encontrando os meus através da janela da cozinha. Eu abaixei o queixo, esperando que, quando ele entrasse, o rubor em minhas bochechas tivesse desaparecido.

Finn entrou e foi direto para a cozinha.

— Max deixou alguma coisa além das bordas?

— Guardei algumas fatias para você — eu disse enquanto pegava um copo de água para ele.

— Obrigado. — Finn lavou as mãos, então nós dois nos sentamos à mesa, ele de um lado, eu do outro. O silêncio se estendeu por alguns momentos constrangedores.

— Então, ahn, como está o trabalho?

— Bem. — Eu peguei um elástico de cabelo que estava no meu pulso. —

Tem sido movimentado. Já estamos começando a receber os turistas de verão.

Eu tinha o melhor emprego de toda Bozeman, trabalhava com minha melhor amiga, Poppy, no restaurante que ela abriu há quase seis anos.

O Maysen Jar sempre foi seu sonho. Quando seu marido, Jamie, morreu em um trágico tiroteio dez anos atrás, ela perdeu o rumo. Mas aquele restaurante

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a ajudou a recuperar o equilíbrio. E não muito tempo depois, Poppy abriu seu coração para um novo amor. Ela se casou com Cole Goodman, um homem que fez jus ao seu sobrenome.

Talvez fosse a minha hora de encontrar o amor novamente. Desde o divórcio, me concentrei na minha carreira e nos meus filhos. Mas à medida que cresciam, à medida que o trabalho ficou mais fácil, passei a ter mais e mais momentos solitários.

Gavin me convidou para sair em duas ocasiões diferentes. O timing não foi bom em ambas, porque eu já tinha planos naqueles dias. Talvez fosse a hora de parar de viver essa vida de solteira e me arriscar.

Talvez, quando eu comprasse o substituto do Jeep, daqui a sete ou oito anos, marcasse na caixa de estado civil um quadradinho diferente no formulário.

Se bem que a ideia de sair com alguém me causava mal-estar. Finn não tinha esse problema. Ele seguiu em frente e voltou a sair há anos. Ele estava com sua namorada mais recente há cerca de um ano: Brenna. Eu não sabia muito sobre ela, porque fazia questão de saber pouco dos seus relacionamentos. Fiz perguntas para ser civilizada, afinal essas mulheres estavam passando tempo com meus filhos, mas nada além do superficial.

As coisas estavam ficando sérias com Brenna. Sempre que Finn não estava com as crianças, ela ficava com ele. Ela até era amiga da Poppy. Havia uma foto pendurada no escritório do restaurante dela e Finn jogando jogos de tabuleiro na casa de Poppy e Cole.

Quando Poppy me perguntou se eu me importava com a foto, eu menti e disse que não. Era o restaurante dela. Finn era seu irmão. Como ela escolheria decorar seu escritório era somente uma decisão sua.

Então, quando essa foto foi para a parede seis meses atrás, eu comecei a fazer o meu trabalho de escritório fora do escritório.

Aceitei a vida de divorciada. Eu tinha um caminho a percorrer até aceitar a vida amorosa de Finn.

— O que Brenna vai fazer hoje? — Se Finn estava cortando meu gramado, ela devia ter planos.

Ele engoliu a pizza que estava na boca, mandando um pouco de água para dentro depois.

— Eu não sei. Nós terminamos no fim de semana passado.

— Oh. — Isso foi surpreendente. Talvez eu não devesse ter perguntado.

— Desculpa.

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Finn deu de ombros.

— Não tem problema.

Eu quase perguntei a Finn como ele estava se sentindo, mas discutir seus sentimentos já era quase impossível quando estávamos casados, agora então, que estávamos divorciados…

Em vez disso, perguntei:

— Como foi com as crianças? — Finn ficou com eles nos últimos três dias.

— Bem. — Ele sorriu enquanto mastigava. — Eles são sempre ótimos. Max mal pode esperar que a escola termine na próxima semana. Kali não quer que as aulas acabem.

Eu sorri.

— Max só pensa no acampamento de basquete. Kali não quer passar o verão inteiro sem ver os amigos.

— Ela me perguntou se poderíamos descobrir uma maneira de ela ter aulas de natação com Vanessa.

— Ok. Vou ligar para a mãe de Vanessa e perguntar sobre o horário. Vamos ver se podemos encaixá-la entre todas as atividades que eles já têm.

— Os verões eram sempre caóticos, levando as crianças de um acampamento de verão para outro enquanto ainda tentávamos trabalhar.

— Me avisa o que posso fazer para ajudar a coordenar. — Finn jogou a borda não comida em seu prato. Como Max, ele não comia a borda a menos que estivesse morto de fome.

Eu, por outro lado, nunca recusei os carboidratos. Eu estendi a mão, palma para cima. Ele riu e deslizou seu prato para que eu pudesse pegar a borda. Eu comi enquanto ele devorava outro pedaço de pizza.

— Quer mais? — Ele ergueu outra borda.

Eu balancei a cabeça negando.

— Estou satisfeita. Obrigada novamente por ter cuidado do gramado.

— Isso me pouparia de uma tarefa deste fim de semana e me daria mais tempo para levar as crianças para explorar a vizinhança em nosso novo Jeep.

— Sem problema. O que vocês vão fazer neste fim de semana?

— Nada de mais. Eu estava pensando em planejar algo divertido para fazer com as crianças. Talvez levá-los até o Lago Hyalite ou algo assim. E você?

Finn suspirou.

— Provavelmente colocar o trabalho em dia. Estou atrasado em alguns lances.

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Nenhuma surpresa. Finn trabalhava constantemente quando as crianças estavam comigo.

— Mãe! — Max gritou do andar de cima. — Podemos assistir a um filme?

— Claro — respondi de volta.

Eu me levantei da mesa e cuidei do prato de Finn enquanto passos ressoavam na escada de madeira. As crianças vieram correndo para a cozinha.

Max franziu a testa quando viu a caixa de pizza vazia na mesa.

— Podemos fazer pipoca?

Eu ri, caminhando em direção à despensa.

— Sim, podemos.

— Pai, você quer ficar e assistir com a gente? — Kali perguntou. Minha mão congelou na maçaneta enquanto eu esperava por sua resposta. Ela provavelmente estava com pena por Finn estar solteiro novamente. Sem dúvida, ele contou para as crianças sobre seu rompimento com Brenna. Eu queria que Finn ficasse? Na verdade, não. Ele ficou com as crianças por três dias, e agora era a minha vez. Mas por causa deles, eu nunca o mandaria embora.

Finn e eu fizemos questão de planejar certas atividades para nós quatro. De vez em quando, jantávamos ou levávamos as crianças para uma aventura especial, como esquiar ou fazer caminhadas. Era importante para nós dois que as crianças nos vissem nos dando bem.

Mas passava dias me preparando para esses momentos. Eu me preparava para quão difícil seria fingir que éramos uma família, mesmo que somente por algumas horas.

— Talvez — Finn respondeu a Kali. — Eu preciso falar com sua mãe por um minuto.

— Vão escolher o filme — eu disse às crianças. — Juntos, por favor. E sem brigas.

Quando eles saíram da sala, peguei a pipoca da despensa e coloquei no micro-ondas.

— Você se importaria se eu ficasse? — ele perguntou.

— De jeito nenhum. — Não era uma mentira completa. Depois de três taças de vinho, não me importaria nem um pouco que Finn estivesse do outro lado do sofá.

A pipoca começou a estourar, e eu fui até a adega para pegar meu vinho tinto favorito.

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— Eu vou ficar então. — Finn se aproximou, e eu me esquivei para que não esbarrássemos um no outro.

Nós não nos tocávamos. Não havia abraços ou beijos na bochecha. Nós sorríamos. Nós acenávamos. Mas nunca nos tocávamos.

Deslizei a garrafa pelo balcão e tirei o saca-rolhas de uma gaveta. Enquanto ele abria a garrafa, encontrei as taças. Finn nos serviu. Eu coloquei a pipoca em uma tigela, e nós dois fomos na sala de estar, a que costumávamos dividir, para assistir a um filme com nossos filhos no meu sofá de couro. Isso era por eles.

A chave para um divórcio bem-sucedido, eu descobri, era estabelecer limites. Como, por exemplo, tocar em Finn. Havia coisas que eu não me permitia fazer.

Eu me recusei a apreciar o som da risada de Finn. Eu não lhe olhei quando Kali se aconchegou ao seu lado, seu braço ao redor dela. Eu não prestei atenção em seus olhos azuis enquanto eles me seguiam em minhas repetidas idas à cozinha para encher a taça de vinho.

Não, eu assisti ao filme na minha TV, no meu sofá da minha sala. Concentrei-me em beber meu vinho.

Limites, essa era a chave. E um tanque blindado não conseguiria ultrapassar os meus limites.

O alarme do telefone tocava sempre alto e estridente às cinco e meia da manhã. Dessa vez parecia exponencialmente pior. Eu me levantei da cama, me sentando tão reta, que os cobertores e o lençol voaram longe.

— Ugh. — Meu estômago revirou. A cabeça estava se partindo em duas, e minha pele nua estava pegajosa.

Eu tomei vinho dem…

Por que diabos estou nua? Eu não dormia nua. Nunca.

Não desde…

Eu pulei da cama, meus olhos arregalados quando pousaram no braço longo e musculoso curvado em torno de um dos meus travesseiros de plumas brancas. Uma cabeça de cabelos ruivos desgrenhados descansava em outro. Uma perna, polvilhada com o mesmo cabelo, estava dobrada do lado de fora de um lençol.

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— Oh, meu Deus — eu engasguei quando tudo voltou à minha mente. O filme. Finn carregando as crianças para a cama. Ficar muito perto no corredor. O simples roçar de nossas mãos.

O beijo.

O sexo.

Não, não, não, não, não, não. Limites uma ova.

Maldito vinho.

Querida Molly, É por isso que as pessoas não escrevem mais cartas. Eu me sinto um idiota. Mas aqui estou eu, em toda a minha glória de babaca, escrevendo para você uma carta que nunca vou enviar.

Fico feliz que minha irmã tenha gostado demais de Jamie para nos notar. Fico feliz que você goste de hambúrgueres com queijo e bacon extra. Fico feliz que você tenha me dado seu número de telefone.

Não me arrependo de já ter ligado duas vezes só para ouvir sua voz.

Então, já que você nunca vai ler isso, acho que é seguro dizer que tive o melhor encontro da minha vida com você esta noite. Não sei se você chamaria isso de encontro. Mas eu estou chamando isso de um encontro.

Cuidado, Molly Todd. Eu talvez tenha que me casar com você. Seu, Finn.

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Eu estava correndo para o lado da cama, para o banheiro, quando meus pés se enroscaram em algo no chão. Meus joelhos bateram no tapete. Meu cabelo voou para o rosto enquanto meus braços tentavam amparar minha queda.

— Filho da puta — eu sussurrei, afastando o cabelo do rosto para ver o que tinha me feito tropeçar.

Calcinha. Meus pés estavam enrolados na calcinha que vesti ontem de manhã e que Finn arrancou ontem à noite.

Eu me livrei do tecido, então peguei a calcinha cinza de algodão e a escondi na mão. Se Finn acordasse antes de eu chegar ao banheiro, de jeito nenhum eu deixaria que ele inspecionasse minha calcinha confortável e nem um pouco sexy. Com ela escondida, corri, com mais cuidado desta vez, para o banheiro, recolhendo as roupas descartadas enquanto me arrastava.

Na porta, arrisquei um olhar por cima do ombro. Finn ainda estava dormindo. Nenhuma surpresa. O homem dormia como um defunto quando estávamos juntos. Quando as crianças eram recém-nascidas, eu precisava chutá-lo repetidamente para despertá-lo para as mamadas.

Fechei a porta do banheiro, recostei na madeira com painéis brancos e dei um suspiro.

Eu dormi com Finn.

Isso era um desastre. O que diabos eu estava pensando? Finn e eu passamos anos construindo um laço de amizade. Eu era feliz solteira, comprei meu próprio carro e seguia com a minha própria vida. Eu até considerei a ideia de sair com pessoas novamente. Por quê? Por que eu sou tão estúpida?

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Eu estava tremendo quando empurrei a porta. Joguei minhas roupas no cesto e liguei o chuveiro. Passei alguns segundos extras respirando o vapor e sentindo o cheiro do meu xampu de alecrim e menta. Não me ajudou a acalmar meu tremor.

— Tão estúpida — eu disse para o vapor. — Eu não vou fazer isso de novo. — Eu não ia me envolver com Finn. Eu não era mulher de fazer sexo casual, e certamente não com o homem que uma vez foi meu mundo inteiro. O que aconteceu com meus limites?

Eles existiam por um bom motivo.

Quando Finn e eu terminamos, isso me destruiu.

— Eu não vou fazer isso de novo.

Não. Não, eu não faria. Com um assentir seguro, desliguei a água e saí do chuveiro. Eu sequei o corpo com movimentos raivosos, em seguida prendi a toalha em volta do peito. Torci o cabelo e marchei para fora do banheiro.

— Finn, levante-se. — Eu balancei seu ombro, então puxei o edredom de suas costas.

— Hm? — Ele se sentou, atordoado, piscando. Então deixou a cabeça cair de volta no travesseiro. — Mais cinco minutos.

— Finn — eu rebati, puxando o edredom ainda mais para baixo antes de cutucar sua lateral. — Levante-se e saia. Você precisa sair antes que as crianças acordem.

Eu ia esquecer essa noite no segundo em que a porta se fechasse atrás dele. As crianças nunca saberiam.

Eles tiveram dificuldades com o divórcio, especialmente Kali. Levou anos para ela entender que os pais tinham vidas separadas e nunca voltariam a ficar juntos. Ela não precisava ver o pai nu na cama de sua mãe.

— Finn. — Eu o cutuquei novamente. Deus, por que ele dormia tão profundamente? — Acorde.

— Molly, mais cinco minutos. — Ele ergueu os olhos sonolentos e piscou. Então eles se alargaram. — Porra.

Ele pulou da cama, sibilando uma série de xingamentos enquanto examinava o chão em busca de suas roupas. Quando encontrou seu jeans, entrou neles tão rápido, que poderia ter feito queimaduras pelo atrito com o tecido. Revirei os olhos. Eu tive uma reação semelhante, mas Finn estava dormindo. Ele poderia pelo menos ter tentado esconder a mortificação de mim.

— O que aconteceu? — ele perguntou enquanto fechava a braguilha.

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Eu olhei para sua barriga lisa. Esse abdômen era o culpado por essa bagunça. Ele sempre foi minha fraqueza. Ontem à noite, eu toquei em um dos seis gominhos e, bem… Aqui estávamos. Homens divorciados com seus trinta e tantos anos não deveriam ter aquele V ao longo dos quadris. Como isso poderia ser justo?

O cabelo de Finn estava uma bagunça graças aos meus dedos. A sombra de barba em seu rosto não era menos sexy do que seu corpo seminu. Ele procurou pela camisa no chão, mas acabou indo para a cama e jogando as cobertas para o alto. Até mesmo se abaixou para ver aonde tinha ido parar.

— Onde está minha camisa? — Ele a encontrou debaixo da cama antes que eu pudesse ajudá-lo a procurar, então a vestiu na velocidade mais alta que um ser humano já conseguiu vestir uma peça de algodão.

Eu ignorei a dor disso também, junto com o fato de que ele não iria me olhar nos olhos.

Ele pegou seu relógio no chão e deu um passo para a porta, mas depois parou para olhar para trás.

— Molly…

— Você precisa ir.

Finn ainda não olhava para mim.

— Nós deveríamos…

— Vá, Finn. Não quero que as crianças te vejam aqui.

Ele suspirou, então assentiu e caminhou até a porta. Seus pés descalços não fizeram barulho quando escapou da casa. O sol estava começando a brilhar pela janela do meu quarto.

A porta da frente se abriu e fechou. Felizmente, meu quarto ficava no primeiro andar e as crianças estavam no andar de cima. Então esperei, ouvindo sua caminhonete dar a partida e roncar pela estrada. Quando tudo ficou em silêncio novamente, afundei na beirada da cama.

Ele se foi. Não íamos falar sobre aquela noite. Não iríamos discutir o erro monumental de fazer sexo com um ex-cônjuge. Nós fingiríamos que aquilo nunca tinha acontecido.

Assim que eu arrumasse a cama, pegaria uma borracha mágica e a esfregaria com fúria na minha memória. Essas malditas coisas funcionavam em tudo, até canetas. Certamente uma funcionaria no meu cérebro.

Mas em vez de arrancar os lençóis do colchão, fiquei sentada, imóvel, olhando para os travesseiros.

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Eu ainda não tinha me livrado do travesseiro de Finn. Ele pediu online, porque precisava ser bom para quem dorme de barriga para baixo. Achei que era muito firme e muito fino, mas não consegui jogá-lo fora. Lavava a fronha semanalmente. Eu o afofava todas as manhãs.

Estava lá quando ele dormiu na noite passada. Quando Finn se mudou, ele pegou meu travesseiro por engano. Tinha sido uma das confusões no rebuliço do “isso é meu” e “isso é seu”. Em vez de avisar e trocar, eu fiquei quieta. Eu guardei o travesseiro dele e comprei um novo para mim.

Travesseiro idiota. Eu o peguei e joguei no chão.

Molly idiota.

Como eu poderia ter trazido aquele homem de volta para aquele quarto?

Antes dessa noite, finalmente as memórias com ele haviam dado uma trégua, agora eu teria de começar o processo de esquecimento novamente. Eu teria de me reeducar, entender novamente que dormir sozinha era melhor do que dormir com companhia, porque você tem mais espaço para as pernas. Eu teria de esquecer como era a sensação de suas mãos na minha pele e esquecer o peso de seus quadris entre minhas coxas. Ou como era emaranhar minhas pernas com as dele antes de adormecer enrolada em suas costas.

Delete. Delete. Delete. O que eu não daria por um botão de retrocesso mental. Foi mais um erro que prejudicaria minha sobrevivência.

Começando por fazer a cama.

Peguei o travesseiro de Finn e ajeitei os lençóis embolados. Eu só iria à lavanderia no final de semana, o que significava que eu teria de conviver com seu cheiro viril por mais uma noite. Talvez eu pudesse dormir no sofá até poder lavar a roupa. Eu teria de aspirar o quarto também. Alguns restos de grama pegaram carona até meu quarto em seu jeans. Este fim de semana eu limparia tudo. Mas, primeiro, eu tinha de passar pela sexta-feira.

Terminei de arrumar a cama e me apressei na minha rotina matinal, vestindo um jeans e tênis vinho. Então escolhi uma camiseta justa, uma das muitas do meu armário. A de hoje era branca. O emblema do restaurante estava impresso no bolso do peito.

Aproveitei para maquiar bem o rosto. Domestiquei os cachos, escovando-os antes de passar um condicionador leave-in que manteria o frizz sob controle. Com três prendedores de cabelo no pulso, subi as escadas para arrumar as crianças para a escola.

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A familiaridade da rotina matinal relaxou a maioria dos meus nervos e diminuiu a irritação. Não havia muito espaço para pensa em Finn quando eu estava gritando para Max escovar os dentes e para Kali se lembrar do livro da biblioteca enquanto fazia o café da manhã. Todos nós comemos. Todos nós colocamos nossos pratos de lado. E todos nós marchamos para o Jeep.

— Esquecemos alguma coisa? — perguntei quando eles afivelaram os cintos em seus assentos. Examinei para ter certeza de que eles estavam com as mochilas, e eu, com a minha bolsa.

Kali sorriu.

— Não. E eu estou com o meu livro da biblioteca.

— Eu não escovei meus dentes — Max admitiu.

Suspirei.

— Então faça isso duas vezes esta noite.

— Ok. — Ele assentiu. — Foi divertido ter papai hospedado em casa ontem à noite.

Meu coração pulou na garganta. Não havia como ele saber que Finn tinha ficado a noite toda. Havia? Procurei em seu rosto bonito por algum sinal de que estava falando de algo além da pizza e do filme, mas conforme os segundos passavam, ele apenas me encarou como se eu tivesse enlouquecido.

Kali falou primeiro.

— Ahn, mãe. Vamos nos atrasar.

— Certo. — Eu me virei para o volante, ligando o carro e dando a ré na rua. — Eu quero só pegar a correspondência antes de sairmos.

— Posso pegar? — perguntou Max.

— Pode. — Eu puxei o carro para frente, perto o suficiente do meio-fio para que Max pudesse abaixar a janela.

Ele teve de desatar o cinto para estender a mão e abrir a portinhola da caixa de correio. Ele se inclinou e voltou com uma pilha de envelopes e um catálogo.

— Obrigada. — Eu peguei da sua mão e joguei tudo no banco do passageiro quando ele se sentou novamente.

A viagem para a escola não demorou muito, as crianças seguiram conversando o caminho todo. Esperamos na fila de desembarque e, quando chegou a nossa vez, acenei enquanto as crianças saltavam e corriam em direção à escola. Kali me lançou um último sorriso enquanto apontava o Jeep para seu círculo de amigos.

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Eu avancei. A fila para sair do estacionamento era sempre lenta.

— E agora esperamos. — Eu fiz uma careta para a fila de carros à frente e um sedã verde com a seta esquerda ligada.

No ano seguinte, Kali iria para o segundo ciclo do ensino fundamental. Eu não tinha certeza de quão cedo teríamos de sair de casa para trazer Max até a escola, esperar nessa fila atroz para só depois deixar Kali em sua escola a sete quarteirões de distância.

Mas nós daríamos um jeito. Essa era a vida de uma mãe solteira. Fazemos o impossível acontecer diariamente.

A fila estava especialmente lenta hoje, então estendi a mão para a pilha de correspondências e a trouxe para o meu colo, folheando-a enquanto avançava.

Era principalmente lixo. Tudo seria jogado fora, exceto uma conta de luz.

E uma carta.

Virei o envelope branco na mão. Não havia remetente. Não havia carimbo. A escrita à mão na frente não era familiar. Deslizei o dedo no canto para abrir, mas parei quando uma buzina soou atrás de mim.

— Desculpa — eu disse para o carro atrás de mim e segui em frente, saindo da fila de carros da escola. Então atravessei a cidade em direção ao restaurante.

Enquanto dirigia, continuei a olhar para a carta no meu colo. Eu queria tanto abri-la, mas também queria chegar viva ao trabalho, então esperei, resistindo à vontade de mergulhar na leitura enquanto esperava um sinal abrir. Em vez disso, peguei um dos prendedores de cabelo do meu pulso.

Meu cabelo estava bem cheio e grosso, eu rapidamente puxei o elástico que eu preferia usar, o que significava que eu tinha de manter alguns de reserva à mão. Eu juntei os cachos, e estava no meio de amarrá-los em um coque, quando o elástico verde-néon estalou.

Não. Meu estômago embrulhou.

Minha avó morreu de ataque cardíaco no dia em que um elástico de cabelo arrebentou. Meu carro, o anterior ao Beluga, foi batido de lado no estacionamento do supermercado depois que um elástico de cabelo se partiu. E Finn e eu assinamos nossos papéis de divórcio no dia em que um prendedor de cabelo arrebentou.

Havia outros exemplos menores, mas esses elásticos de cabelo partidos se tornaram um presságio. Nos dias em que eles não apenas esticavam, mas realmente arrebentavam, o mal me encontrava. Deus, eu esperava que fosse apenas um pneu furado ou algo ruim no trabalho.

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Meus olhos foram em direção à carta. Era a coisa ruim vindo em minha direção?

A sensação de estar afundando continuou durante todo o caminho até o trabalho, e no segundo em que estacionei o Jeep, rasguei o envelope.

A caligrafia do envelope era desconhecida. Mas o roteiro da carta era inconfundível. Finn era o único que desenhava o primeiro pico do M em Molly dessa maneira.

Mesmo com o papel timbrado da faculdade preso firmemente em minhas mãos, tive de ler a carta duas vezes antes que o cérebro a registrasse como real. A carta era curta, ocupando apenas meia página. Finn tinha escrito isso quinze anos antes. Ele me escreveu uma carta depois do nosso primeiro encontro e nunca a enviou.

Eu talvez tenha que me casar com você.

Essas palavras saltaram mesmo quando eu as li pela terceira e quarta vez.

Ele se casou comigo, ok. Ele também se divorciou de mim. Quanto tempo fazia desde que eu tinha visto o nome Molly Todd? Por quanto tempo ele manteve esta carta em segredo? E por que me entregar nesse momento?

Enfiei os dedos em meu cabelo. O que estava acontecendo? Em um flash, o celular estava na minha mão e eu digitei o nome de Finn na tela. Mas não consegui ligar.

Eu queria respostas. Mas ainda não estava pronta para falar com ele. Não depois de ontem à noite.

Em vez disso, enfiei a carta na bolsa e saí do Jeep, indo para o restaurante. A entrada dos fundos do restaurante era apenas para funcionários e levava diretamente para o escritório e para a cozinha. Coloquei a bolsa dentro do escritório e entrei na cozinha. Poppy estava na grande mesa de aço inoxidável no centro.

— Bom dia. — Ela sorriu, as mãos cobertas de farinha enquanto desenrolava um grande pedaço de massa de torta.

— Dia.

— Só isso? Me conta da noite passada.

Meu queixo caiu.

— O quê? Como você sabe? — Droga, Finn. Ele não poderia ter guardado a noite passada para ele…? Ou pelo menos me dado um aviso de que estava indo contar à irmã que fizemos sexo?

Poppy me olhou de lado.

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— Porque você me contou.

— Contei? — Talvez eu ainda estivesse bêbada da noite passada. — Quando?

— Ontem. — Ela balançou a cabeça. — Estávamos sentadas no restaurante. Você estava no computador. Estávamos tomando café enquanto você me mostrava fotos do Jeep antes de ir à concessionária.

— Ah, o Jeep. — Eu bati a palma da mão na testa. — Desculpe. Não tomei café suficiente esta manhã. A compra do Jeep foi ótima. As crianças adoraram.

— Bom. — Ela voltou para a massa. — Do que você achou que eu estava falando?

— Nada — eu respondi muito rapidamente. — Nada mesmo.

— Você está agindo de modo estranho esta manhã.

— Eu não estou agindo estranho. Só estou no trabalho. Nada de estranho nisso. É o não-estranho.

Poppy piscou, e suas mãos pararam.

— O não-estranho?

— Estou tendo uma manhã esquisita. Digamos assim.

— Ok. Se quiser conversar, estou aqui.

— Estou bem. Mesmo. Mas obrigada. — Eu sorri. — Então, como foi a manhã?

— Boa. A correria do café foi grande, mas praticamente acabou, então voltei para a cozinha para começar a fazer algumas tortas para o almoço. Mamãe está cobrindo o balcão, então se você quiser me fazer companhia, tem café fresco.

— Um brinde. — Corri até a jarra e enchi uma das canecas de cerâmica. Elas eram enormes e reservadas para os funcionários. Depois que estava cheia, me encostei na lateral da mesa, tomando goles lentos até começar a me sentir mais humana.

A ressaca de vinho foi temporariamente afastada durante o fiasco de chutar Finn para fora da minha cama. Mas agora que a adrenalina tinha ido embora, minha dor de cabeça veio rugindo com vitalidade. Viver com isso seria minha penitência.

— Quer ajuda? — eu perguntei quando Poppy começou a cortar círculos na massa.

— Não, beba seu café e converse comigo. — Ela usou a parte traseira do pulso para empurrar uma mecha de cabelo ruivo para longe de sua bochecha.

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As luzes fluorescentes da cozinha sempre pareciam deixar seus olhos azuis ainda mais brilhantes.

Nossas camisetas do restaurante estavam combinando, mas ela cobriu a dela com um avental que os filhos fizeram para ela no último Natal. Pequenas marcas de mãos verdes e vermelhas foram impressas no tecido creme, com MacKenna e Brady escritos embaixo.

Ela sorria mais quando vestia aquele avental. No entanto, Poppy Goodman sorria quase constantemente. Ela merecia cada gama de alegria que encontrou com Cole e os filhos.

Poppy já havia sofrido bastante desgosto.

— Recebi um e-mail do jornal ontem confirmando que eles vão fazer a reportagem para a comemoração do aniversário — eu disse a ela.

— Perfeito. E esse foi o último item da sua lista, então devemos estar prontas.

O Maysen Jar faria seis anos no próximo mês, e estávamos planejando nossa comemoração anual de aniversário há meses.

Era difícil acreditar que seis anos se passaram desde que Poppy transformou este prédio em um dos cafés mais populares de Bozeman. Anteriormente fora garagem de um velho mecânico, mas agora o lugar era amplamente conhecido pela comida deliciosa servida apenas em potes.

O Maysen Jar recebeu o nome de seu falecido marido, Jamie Maysen, que havia sido assassinado em um assalto a uma loja de bebidas onze anos atrás. O aniversário de sua morte tinha sido algumas semanas atrás.

Quando ele morreu, todos ficamos arrasados.

Eu nunca imaginei que tal escuridão pudesse tomar conta de um ser humano até ver o que a morte de Jamie fez com Poppy. Mas ela juntou seus pedaços partidos ao terminar a lista de aniversário de Jamie. Para honrar sua memória, fez as coisas que ele mais queria fazer. Ao longo do caminho, conheceu Cole, e ele preencheu as rachaduras em seu coração.

O sobrenome de Poppy não era mais Maysen, mas por causa da placa na frente deste prédio, o nome de Jamie continuou vivo. E todos os anos celebrávamos o lugar onde tantos processos de cura haviam começado.

Para mim, o Maysen Jar tinha sido meu bote salva-vidas.

Finn e eu nos divorciamos poucos meses antes do restaurante abrir. Nas semanas antes de assinarmos os papéis, Poppy me implorou para trabalhar com ela como gerente do café.

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Eu me agarrei ao trabalho, e isso me manteve emocionalmente equilibrada enquanto me ajustava a um novo modo de vida.

Seis anos depois, éramos mais lucrativos do que eu imaginava, e continuaríamos assim. Por Poppy. Por Jamie.

Por mim.

Este restaurante não era apenas um trabalho. Era meu lugar seguro. Nas noites solitárias em que eu não queria ir para uma casa vazia, porque as crianças estavam com Finn, eu ficava aqui conversando com clientes ou funcionários de meio período.

Nos dias em que precisei de um abraço extra, minha melhor amiga estava bem aqui de braços abertos. Quando precisava treinar meu cérebro, sempre havia planilhas e gráficos me esperando com novos desafios.

Como gerente, supervisionei todos os aspectos desse negócio, e em seis anos, criei uma máquina bem lubrificada. Poppy cuidou do cardápio e preparou a comida, mas eu fiz todos os pedidos e orçamentos de suprimentos. Fui responsável pelas finanças, marketing e redes sociais. Contratei, demiti e supervisionei os funcionários. Eu era garçonete. Barista. Lavadora de louça. Administradora.

Eu fiz o que tinha de ser feito para que Poppy pudesse se concentrar em sua paixão: a comida que atraía as pessoas.

Ela até ganhou um prêmio de melhor restaurante de Bozeman no ano passado.

No começo, nós duas tínhamos trabalhado insanamente, mas aprendemos a delegar funções. Ela chegava por volta das seis ou seis e meia da manhã nos dias de semana para abrir às sete. Então saía para buscar as crianças às três. Como Kali e Max eram mais velhos e tinham atividades extracurriculares, eu chegava por volta das oito e ficava até às cinco. Se as crianças estivessem com Finn, eu ficava e fechava o restaurante depois das oito.

O almoço era o nosso momento mais movimentado, então Poppy e eu garantíamos que sempre estaríamos presentes. Construímos uma base sólida para nos dar a flexibilidade de colocar nossas famílias em primeiro lugar.

Nossa equipe contava com dois universitários e a mãe de Poppy, Rayna, e eles cobriam as horas em que estávamos em casa.

Rayna tinha sido uma chef no Alasca, onde Finn e Poppy cresceram. Mas, eventualmente, o desejo de estar perto dos netos tinha crescido muito.

Ela e David, seu marido, haviam se mudado para Montana. Ela vinha ao

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restaurante quase todos os dias para ficar com Poppy e porque simplesmente adorava cozinhar. Ela ainda fazia para mim meus biscoitos de aniversário todos os anos porque sabia o quanto eu os amava.

Mesmo depois do meu divórcio, Rayna me manteve por perto. Era sua natureza atrair as pessoas para seu círculo e nunca as deixar ir. E acho isso também se deu porque ela nunca aceitou realmente que Finn e eu tivéssemos acabado.

Mas nós tínhamos. Nós terminamos. Então por que ele me entregou aquela carta? A noite passada foi confusa, mas me lembrei que Finn deu o primeiro passo. Ele começou aquele beijo.

— Tem certeza que está bem? — perguntou Poppy. — Você está quieta esta manhã.

Olhei por cima do ombro e sorri.

— Estou bem. Só cansada e com dor de cabeça. A menos que você ache que precisam de mim na frente, acho que vou me afundar em algumas planilhas no escritório por um tempo.

— Vai. Fique com seus preciosos números.

— As fórmulas do Excel são para mim o que os produtos frescos são para você. — Dei-lhe um sorriso e levei meu café para o escritório, fechando a porta atrás de mim porque queria ler a carta de Finn mais uma vez.

Peguei-a da minha bolsa e a abri com cuidado. A caligrafia de Finn não mudou muito desde a faculdade. Meus dedos percorreram as palavras escritas no papel, tocando-as, enquanto meus olhos seguiam da esquerda para a direita.

Aquele primeiro encontro foi um turbilhão. Rimos por horas enquanto falávamos sobre velhos costumes de namoro. Ele me provocou por eu preferir cartas e ser antiquada. No entanto, ele foi para casa naquela noite e me escreveu uma.

Por quê? Por que não me entregou na época? Por que tinha enviado para mim somente agora?

Eu queria essas respostas? Cada célula do meu ser gritou não. Ter tais respostas me aterrorizava. Eles abririam as feridas que finalmente haviam cicatrizado.

Se eu pudesse voltar no tempo, voltaria uma hora no tempo e jogaria essa carta fora junto com as propagandas.

Porque eu odiei esta carta. Eu odiei que a estava adorando. Era um lembrete muito forte de como as coisas tinham sido boas. Talvez se tivéssemos

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mantido as memórias felizes mais perto da superfície, não teríamos afundado tão profundamente no mal.

Em algum ponto da nossa história, Finn e eu perdemos essa faísca.

Nós vivemos juntos. Nós amamos nossos filhos juntos.

Mas não estávamos juntos.

Por um ano, brigamos constantemente. Nós brigamos sem parar. Nós nos tolerávamos, ambos esperando a tempestade passar. Não passava. A tempestade se transformou em um furacão… E então tivemos uma briga que acabou com todas as outras.

Essa briga começou, ironicamente, por causa do cortador de grama. Eu estava do lado de fora cortando a grama depois de colocar as crianças na cama. Eu tinha prendido as babás eletrônicas no cós do jeans. Mas eu não tinha ouvido Kali sair da cama.

Depois de cortar a grama na escuridão, entrei e encontrei Kali na cozinha, ela tinha comido um saco inteiro de gotas de chocolate. E depois vomitou por uma hora.

Finn chegou em casa e me encontrou segurando seu cabelo enquanto ela estava no banheiro. Ele me culpou por não estar dentro de casa com as crianças. Eu o culpei por não chegar em casa do trabalho a tempo de cortar a grama. A efervescência tinha virado erupção. Os sussurros se transformaram em gritos.

Depois que Kali finalmente voltou a dormir, Finn e eu terminamos. Decidimos fazer uma pausa. Naquela noite, ele se mudou para o loft do seu escritório.

Eu pedi para irmos ao aconselhamento matrimonial. Ele concordou, mas nunca apareceu em uma única sessão.

Minha vida embolou. Tornei-me uma mulher perdida sem o casamento como âncora. E uma noite, quando minha esperança em Finn e nosso relacionamento foi realmente massacrada, eu enfiei o último prego em nosso caixão. Cometi um erro do qual sempre me arrependeria. Fiquei bêbada na despedida de solteira de uma amiga.

Fiz sexo com outro homem.

No dia seguinte, contei a verdade a Finn. Eu disse a ele como estava no fundo do poço. Que eu o amava e queria desesperadamente reviver nosso casamento. Eu implorei a ele por perdão.

Finn apenas me disse para contratar um advogado.

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Honestamente, eu provavelmente teria dito o mesmo. Alguns erros eram imperdoáveis. Alguns erros traziam um arrependimento que viveria como um monstro em sua alma.

Eu me esforcei para voltar para o presente, empurrando esse monstro para bem longe. Todo o drama estava no passado. Finn e eu nos divorciamos. Ele era mais feliz assim. Eu também.

Exceto que, com a carta dele na minha mão, era difícil não questionar todos os dias desde então. Tínhamos tanto amor um pelo outro. Como chegamos nesse ponto? Como passamos dessa carta para esse estágio atual?

O peso no meu estômago me disse que havia apenas uma coisa a fazer.

A carta tinha de desaparecer. Apertei o papel na mão, pronta para amassá-la em um chumaço minúsculo, mas meus dedos perderam a força.

— Tudo bem. — Dobrei novamente a carta e a enfiei na bolsa. Eu não jogaria fora, pelo menos não ainda. Em vez disso, devolveria para Finn.

Eu a devolveria e o lembraria de que nosso casamento tinha morrido. Aqueles tempos felizes estavam mortos.

E não adiantava convocar velhos fantasmas.

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