COPYRIGH © 2017. THE MAN IN THE BLACK SUIT BY SYLVAIN REYNARD
COPYRIGH © 2021. ALLBOOK EDITORA
Direção Editorial
Beatriz Soares
Tradução
Clara Taveira
Revisão
Raphael Pelosi Pellegrini & AllBook Editora
Capa Original
Heather Carrier Designs
Adaptação de capa, Projeto gráfico e Diagramação
Cristiane Saavedra | Saavedra Edições
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439
R353h
Reynard, Sylvain
O homem do terno preto / Sylvain Reynard ; tradução Clara Taveira. – 1. ed. –Rio de Janeiro: AllBook, 2021.
440 p.; 23 cm.
Tradução de: The man in the black suit
ISBN: 978-65-86624-56-4
1. Romance canadense. I. Taveira, Clara. II. Título.
21-74001
2021
PRODUZIDO NO BRASIL.
CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM
CDD 819.13
CDU: 82-31(71)
Museu da Fundação Cassirer
cologny, suíça, dezembro de 2007
— PARA DE ME ATORMENTAR — RECLAMOU A CURADORA DO museu. Ela sorria ao telefone. — Estou quase acabando.
Ela tomou o cuidado de não se lamuriar ao olhar para as pastas cobrindo sua mesa de trabalho. O escritório estava escuro, iluminado apenas pela antiga luminária de banqueiro sobre a mesa. Mas era assim que preferia. Luzes fluorescentes davam dor de cabeça.
— Estou indo te buscar. — A voz de seu irmão mais novo no outro lado da linha tinha uma nota de exasperação. — Estamos esperando há uma hora.
— Estamos? — Todos os pensamentos sobre pastas e seus conteúdos evaporaram. A curadora se ajeitou na cadeira, em alerta, as vértebras da coluna se alinhando.
O irmão fez uma pausa, e ela teve a impressão de ouvir o som de passos enquanto ele caminhava para uma área mais reservada.
— Tem alguém que quero te apresentar.
A curadora sorriu.
— Levou alguém para casa? Apresentou-a para a maman e o papa?
— Sim, e teria apresentado para você também se tivesse ido para casa na hora combinada. — Ele bufou. — O sistema de segurança está ligado?
— Eu sempre deixo ligado depois de uma determinada hora. Thierry está aqui fazendo a ronda. — Ela olhou para a mesa mais uma vez. — Assim que eu desligar, saio daqui.
— Até mais. Dirija com cuidado.
Ela conseguiu ouvir o sorriso nas últimas palavras do irmão e deu uma risadinha ao desligar. Ele trabalhava em Londres, enquanto ela fazia a curadoria da coleção de arte da família em Cologny. Obviamente ele havia conhecido alguém especial.
Ela ficou feliz por ele.
Arrumou a mesa e organizou as pastas em três pilhas certinhas. Chamou Thierry, o segurança, e pediu que a acompanhasse até seu carro, fora do museu.
Depois de olhar para a mesa uma última vez, pegou a bolsa e o casaco. Dez minutos depois, olhou para o relógio. Thierry ainda não havia aparecido. Ligou para o seu ramal novamente, mas não foi atendida.
Sabendo que o irmão e a namorada, cujo relacionamento era evidentemente sério, estavam esperando, desligou rapidamente a luminária sobre a mesa, caminhou até a porta e saiu para o corredor. Thierry ainda não havia aparecido.
Ela testou a maçaneta para ter certeza de que o escritório estava trancado e seguiu pelo corredor escuro. A iluminação do museu era sempre reduzida para preservar a coleção. Peças individuais recebiam luz direta especial durante o expediente, mas eram deixadas na escuridão depois disso.
— Durmam bem, velhos amigos — murmurou ao passar por uma das salas de exposição.
Os saltos ressoavam no assoalho enquanto ela vestia o casaco e ajeitava a bolsa. Quando se aproximou da principal sala de exposição, jogou o cabelo longo e ruivo por cima da gola.
Alguma coisa cintilou na periferia de seu campo de visão. Assustada, a curadora virou a cabeça.
Raios de luz cortavam a escuridão do salão. Ela conseguiu enxergar as silhuetas — algumas segurando lanternas, enquanto outras arrancavam obras de arte das paredes.
Vestiam roupas escuras e usavam máscaras de esqui. Um raio de luz cintilou em uma faca quando um invasor cortou uma tela de sua moldura, danificando a obra de arte de maneira irreparável.
A curadora gritou diante do ataque. Cobriu a boca com a mão, aterrorizada ao ouvir o som escapar de seus lábios.
Uma das silhuetas se virou e apontou a lanterna para os olhos dela.
Ofuscada, a mulher recuou, se desequilibrando sobre os saltos.
Passos altos ecoaram quando o invasor correu em sua direção. Ela tentou recuperar o equilíbrio e se virou, se preparando para correr.
O homem a agarrou pelo cabelo e a puxou para trás.
— Não! — Ela soltou a bolsa, agitou os braços e tentou se libertar. Gritou e tentou acertar as costelas dele com o cotovelo.
Ele se esquivou e a agrediu com a lanterna. A curadora continuou gritando e agarrou a mão dele, lutando violentamente.
O homem levantou a lanterna e a usou para bater em sua cabeça.
As mãos perderam a força quando ela desabou contra o homem. Ela se sentiu caindo no chão.
Tudo escureceu.
Paris, França
O HOMEM DE TERNO PRETO SAIU DA LIMUSINE NA FRENTE do Hotel Victoire, na bela avenue George V, próxima à Champs-Élysées.
Óculos escuros protegiam os olhos do homem. Ele estudou a área enquanto abotoava o paletó antes de começar a caminhar acompanhado pelo guarda-costas. O celular do homem vibrava enquanto ele entrava no hotel.
Tirou os óculos escuros e olhou para a tela. Seus passos cessaram, como os do guarda-costas, que se manteve em alerta.
O homem deslizou o polegar pela tela, examinando uma série de fotografias. Sua expressão se tornou sombria. Pressionou um dedo no celular e o levou à orelha.
— Congele as contas da Silke e troque as fechaduras do apartamento dela. — Falava em alemão, em um tom baixo e autoritário. — Não, não a notifique. Ela violou os termos do acordo do jeito mais absurdo possível. Ela sabe o que fez.
O homem encerrou a ligação e continuou andando até o balcão de recepção. Movia-se com o tipo de fluidez e domínio que atraía olhares — como se fosse um atleta profissional.
Era muito alto, tinha cabelo escuro, olhos grandes e escuros, porte esguio e atlético. Com exceção de uma óbvia deficiência, podia ser considerado atraente, até bonito.
Céline, uma das funcionárias da recepção, sorriu para ele.
— Bem-vindo de volta ao Hotel Victoire, monsieur Breckman. — Ela falava em francês, tomando o cuidado de olhar diretamente nos olhos dele.
— Preparamos sua suíte habitual.
O homem assentiu.
Céline olhou para trás e notou a presença do grande e forte guarda-costas.
— Mademoiselle Rainier virá mais tarde?
— Mademoiselle Rainier não virá. — O hóspede direcionou a ela um olhar rígido. — Pode tirar o nome dela da reserva.
Ele se virou, e seus sapatos de couro feitos à mão ressoaram no piso de mármore a caminho da mesa da concierge. A funcionária o acompanhou com um olhar chocado.
Sentado na cadeira ornamentada na frente da mesa da concierge, o homem deslizou o dedo pela tela do celular.
— Preciso falar com Marcel.
— Lamento, Marcel não veio hoje — respondeu a concierge. — Meu nome é Acacia. Posso ajudá-lo?
O homem ergueu os olhos escuros para ela. Estava descontente.
— Falei com Marcel ontem. Ele estava organizando uma reunião.
— É claro. Qual é seu nome?
O homem bufou, impaciente.
— Pierre Breckman.
A mulher olhou para o notebook e pressionou algumas teclas, buscando a informação na tela com seus olhos castanhos.
— Lamento, monsieur Breckman. Não há nenhuma reunião marcada em seu registro. Quer que eu reserve uma de nossas salas?
— Não, quero que chame o Marcel. — Ele a encarou com hostilidade .
Os olhos de Acacia observaram o lado esquerdo do rosto do homem. Uma longa cicatriz atravessava a face em uma curva e se estendia em direção à boca. Era branca, em contraste com a pele bronzeada, e muito profunda, como se alguém tivesse tentado cortar o rosto em dois. Era um homem elegante em todos os outros aspectos, o que tornava a cicatriz ainda mais impressionante. Seus olhos escuros se estreitaram.
— Localize Marcel. Agora.
Acacia sobressaltou-se, levou a mão instintivamente aos cachos do lado direito de seu rosto e olhou para ele, pesarosa.
— Sinto muito.
O homem se inclinou para frente.
— Foque no meu registro. Tenho certeza de que não vai achar que ele é repulsivo.
Acacia olhou para o guarda-costas parado ao lado de sua mesa. Ele era ainda mais alto que monsieur Breckman, devia ter quase dois metros e uns cento e vinte quilos. A cabeça estava raspada, e os olhos eram azuis.
Ela consultou o notebook.
— Marcel reservou sua mesa habitual no Guy Savoy’s para hoje, às vinte horas. Vai precisar de um carro?
— Não. — O homem se encostou na cadeira. Como se fosse uma vingança por ela o ter examinado tão atentamente, olhou descaradamente para os inteligentes olhos cor de avelã, a pele bronzeada e perfeita e o cabelo preto e cacheado que ela mantinha em um corte Chanel. Seu lábio superior se contraiu. — Marcel disse que estaria trabalhando hoje.
— Sim, monsieur. Fui chamada para substituí-lo.
— Por quê?
— Sou membro do Les Clefs d’Or. — Os dedos passaram pela echarpe que usava no pescoço e tocaram as chaves douradas presas à lapela. — Marcel é meu colega, mas posso ajudá-lo com tudo o que precisar.
— Não preciso de sua ajuda. Eu preciso do Marcel. — O homem digitou na tela do celular com movimentos precisos e rápidos. Quando a ligação iniciou, logo caiu na caixa-postal. — Ele não atende o celular. Ligue para a casa dele.
— Receio que Marcel esteja inacessível. — A voz de Acacia estava tensa. Ela tentou disfarçar o desconforto consultando o computador. — Ele providenciou champanhe e frutas em sua suíte e informou sobre sua alergia a morangos. Devo pedir seu café da manhã habitual para amanhã?
— Pergunto sobre Marcel e você responde sobre morangos. — As sobrancelhas do hóspede se aproximaram em uma reação irritada. — Marcel saiu do país?
Acacia o fitou, surpresa.
— Não, monsieur.
— Morreu?
— Com certeza, não!
— Se Marcel não saiu do país e não morreu, por que não está aqui?
Acacia forçou um sorriso.
— Monsieur Breckman, eu terei um grande prazer em…
O homem se levantou de repente e voltou à recepção, onde se dirigiu a Céline.
— Diga ao gerente para localizar Marcel e mandá-lo à minha suíte. A concierge em serviço parece ter dificuldade para atender às solicitações mais simples. Solicitei a presença de Marcel ao menos quatro vezes, e ela se recusou a me atender.
O homem caminhou para os elevadores acompanhado pelo guarda-costas, com passos que ecoaram raivosos pelo saguão. ***
Céline olhou para Acacia com ar presunçoso.
Acacia levantou-se de seu lugar e tentou disfarçar o aborrecimento. Apertando o maxilar, viu Céline telefonar para o gerente do hotel e relatar as palavras do hóspede. Paul, o outro funcionário do balcão de recepção e reservas, nem tentou disfarçar enquanto ouvia a conversa. Ele parecia estar se divertindo.
Acacia era concierge no Hotel Victoire havia poucos meses. Trabalhava duro para oferecer um serviço de excelência sem chamar atenção indevida, escondida atrás do uniforme azul-marinho e da mesa de trabalho. Muitos hóspedes a tratavam da mesma maneira que à mobília: com indiferença benigna. Monsieur Breckman havia chegado ao hotel há menos de quinze minutos e já a colocara em situação de destaque.
Ela endireitou o blazer azul, sentou-se e ignorou os funcionários da recepção e suas reações. Era superior a eles na hierarquia do hotel, mas sempre os tratava com respeito.
E agora eles estavam se divertindo à custa de seu constrangimento.
Acacia virou o rosto para o escritório do gerente e se preparou para vê-lo. Estava encrencada, sabia. Só não sabia o quanto.
ACACIA VIU JACQUES ROY, GERENTE DO HOTEL, APROXIMAR-SE de sua mesa com uma sequência de passos pesados, agourentos. Ele usava um terno azul caro e uma gravata com estampa de caxemira que contrastava com o tom violeta da camisa social.
Acacia achou que ele estava parecendo um mirtilo. Monsieur Roy esperou até estar suficientemente próximo para falar com ela sem atrair a atenção dos hóspedes.
— O que houve com monsieur Breckman? Acacia se levantou. Media um metro e oitenta, calçava os saltos de cinco centímetros e olhava de cima para o supervisor, de um metro e sessenta e três.
— Ele insistia em falar com Marcel. Quando expliquei que Marcel não estava disponível, ele ordenou que Céline entrasse em contato com você. Os traços de monsieur Roy endureceram.
— Você explicou que Marcel está no hospital?
— Não, monsieur. Você nos orientou a não responder a perguntas incômodas sobre o paradeiro dele.
O gerente bufou.
— Aprecio sua discrição, mas nada é mais incômodo que aborrecer um hóspede de grande importância. Você poderia ter dito a ele que Marcel sofreu um acidente.
Acacia engoliu uma resposta rude.
— Sim, monsieur.
O gerente ajeitou a rosa vermelha que usava presa à lapela.
— Vou falar com monsieur Breckman. Você vai pedir desculpas e convencê-lo de que pode prestar o serviço com o mesmo nível de Marcel. Trate de ignorar a cicatriz.
Ela engoliu em seco. Tarde demais, pensou.
Monsieur Roy se estendeu até sua altura máxima.
— Essa é a segunda vez que você tem um conflito com um hóspede importante. Tinha muita esperança em relação a você, Acacia, mas não vai permanecer no Victoire se mantiver esse padrão de comportamento.
O gerente se afastou como um pavão baixinho e corpulento, enquanto Acacia tentava não soltar seu palavrão favorito em português.
Depois de visitar a cobertura, monsieur Roy voltou à mesa da concierge e acompanhou Acacia na subida até os andares superiores. Ela se sentia como se fosse uma criminosa esperando pela sentença.
Monsieur Breckman tinha reservado a suíte da cobertura, uma das melhores do hotel. A suíte tinha um terraço com vista panorâmica de Paris. Ao entardecer, era possível relaxar ao ar livre e ver a Torre Eiffel se iluminar.
O guarda-costas careca e dispendioso de Monsieur Breckman atendeu à porta. Ao longe, era possível ouvir o hóspede em uma conversa tensa.
— Perdemos nosso intermediário. Substitua-o ou encontre outro comprador. Não vou arriscar…
Sem dizer nada, o guarda-costas fechou a porta na cara de monsieur Roy.
O gerente passou a mão no rosto. Respirou fundo e bateu de novo.
Um momento depois, o guarda-costas abriu a porta novamente. Monsieur
Breckman estava ao lado dele e olhou de cima, irritado.
— Sim?
— Acacia quer falar com o senhor. — O gerente olhou para ela pelo canto do olho.
Acacia apertou a agenda de capa de couro que segurava em uma das mãos.
— Peço desculpas por não ter revelado a situação de Marcel, monsieur.
O hóspede franziu a testa.
— A hospitalização dele não é segredo de estado. Acacia levantou o queixo.
— Não queria assustá-lo.
— A informação sobre o ataque sofrido por Marcel poderia ser crucial para a segurança de seu hóspede. Para a minha segurança, mademoiselle.
— Peço desculpas — ela repetiu.
O homem olhou com desgosto para o gerente muito mais baixo.
— E você, Jacques? Por que não informou meus seguranças sobre o ataque contra Marcel a poucos passos do hotel? Eu deveria ter sido notificado antes de chegar aqui.
O gerente pareceu surpreso. Levantou as mãos em um gesto conciliador.
— Queremos garantir que tenha toda informação que precisar. Mas como Acacia mencionou, não queríamos alarmá-lo.
— É claro que não, isso seria ruim para os negócios. Eu poderia ter ido me hospedar no Ritz. — Breckman olhou torto para o gerente. — Então, trouxe a mademoiselle ao meu quarto para ela se desculpar pelas suas escolhas?
— Monsieur — Acacia interveio. — Agora que sabe sobre a situação de Marcel, espero que me permita auxiliá-lo durante sua estadia.
O hóspede a encarou.
— Você é corajosa. — E olhou para o gerente. — Mais do que você.
O gerente começou a gaguejar, mas monsieur Breckman o interrompeu acenando com a cabeça para Acacia.
— Estou ouvindo, mademoiselle.
— Estudei na Sorbonne e falo seis idiomas. Tenho contatos na cidade toda e me orgulho de abrir portas para nossos hóspedes. Como disse antes, sou membro do Les Clefs d’Or.
Imediatamente a expressão do homem se tornou menos severa.
— Sorbonne?
— Sim, monsieur. — Acacia resistiu à tentação de olhar para a cicatriz.
O hóspede a encarava atentamente.
— Talvez tenha algo em que possa me ajudar.
— Excelente. — O gerente estendeu a mão para o hóspede, que a apertou. — Bem-vindo de volta ao Hotel Victoire.
o homem do terno preto
O gerente dirigiu à Acacia um olhar de alerta e se afastou pelo corredor.
Monsieur Breckman permaneceu ao lado de seu enorme guarda-costas. Nenhum dos dois fez menção de convidá-la a entrar ou dispensá-la.
— Como posso ajudá-lo? — Acacia perguntou.
O homem falou em inglês com o guarda-costas, com um sotaque de Oxbridge.
— Está tudo bem, Rick. Duvido que mademoiselle seja uma ameaça.
Rick abriu mais a porta e permitiu que Acacia entrasse. Depois de fechá-la, posicionou-se entre a jovem e o chefe.
O chefe se virou de repente e se afastou.
Acacia o seguiu com os olhos. Os passos sem pressa e os ombros largos sugeriam confiança e controle. Quando ele desapareceu de vista, ela voltou a prestar atenção no guarda-costas.
A aparência de Rick não lhe dizia nada, ele apenas a olhava com uma expressão indiferente. Acacia pôs a mão na maçaneta, pensando em escapar.
— Rick, acompanhe mademoiselle Santos à sala de estar. — A voz de Monsieur Breckman atravessou o corredor.
Acacia se assustou, surpresa ao constatar que o hóspede sabia seu sobrenome. Monsieur Roy certamente não a havia chamado por ele.
Rick acenou com o queixo na direção em que o chefe tinha seguido. Ela caminhou com nervosismo para a sala de estar. Não tinha ideia do que o hóspede diria ou faria a seguir.
A sala de estar da cobertura era decorada com elegância, em brocado dourado e tons de azul-claro, com cortinas de seda branca e mobília majestosa. Grandes arranjos de flores frescas haviam sido colocados em diversos locais, e livros de arte formavam pilhas imperiosas sobre a mesa na frente do sofá.
Monsieur Breckman estava no bar, onde havia uma boa variedade de bebidas sobre um móvel antigo de madeira. Ele cochichou brevemente com Rick, que desapareceu na saleta vizinha e deixou a porta de ligação entreaberta.
A saída de Rick chamou a atenção de Acacia para as janelas panorâmicas, cujas cortinas estavam abertas. Era possível ver a varanda e, além dela, a Torre Eiffel.
Acacia colocou a agenda de concierge embaixo do braço. Queria entender como Monsieur Breckman tinha descoberto a verdade sobre a ausência de Marcel.
Ele deve ter fontes na polícia.
O hóspede pôs cubos de gelo em um copo alto. Serviu uma dose de vodca Grey Goose e mexeu a bebida antes de acrescentar água tônica e uma fatia de limão.
Ele levou o copo aos lábios e parou, intrigado com o espelho elegante pendurado sobre o bar.
Acacia o viu mudar de posição discretamente, de forma a não poder mais ver a própria cicatriz.
Ela olhou para o chão, constrangida por ter testemunhado um momento tão íntimo.
— Decidi aumentar meu efetivo de segurança — ele anunciou. — Quando a equipe chegar, quero que seja acompanhada até aqui. De agora em diante, vou usar a entrada dos fundos do hotel.
— É claro — Acacia respondeu. — Suponho que sua equipe de segurança queira conversar com a segurança do hotel. Posso marcar uma reunião.
— De jeito nenhum. A segurança do hotel falhou com Marcel.
Acacia conteve a irritação.
— Posso garantir que ficamos todos muito abalados com o que aconteceu. A gerência está tomando providências para cuidar da situação.
— Perdoe-me se não confio na gerência. — O homem se apoiou no bar, de costas para o espelho. — Estou curioso. Quando soube sobre o ataque? Acacia hesitou.
O homem levantou uma sobrancelha.
Ela engoliu em seco.
— Ontem à noite. Monsieur Roy telefonou para minha casa.
— Marcel tinha inimigos? Uma amante ressentida? Alguém que pudesse desejar seu mal?
— Não sei nada da vida pessoal dele. Alguns de nossos hóspedes são… desafiantes. — Acacia tomava cuidado para evitar encarar o hóspede nesse momento. — Mas Marcel é respeitado. A polícia disse que foi um assalto.
o homem do terno preto
— Então a polícia mentiu. Assalto é um crime de oportunidade, normalmente conduzido rapidamente e com violência mínima. Marcel sofreu várias fraturas e um ferimento na cabeça. Foi atacado pouco depois do fim de seu turno e arrastado para um canto, fora do alcance do porteiro do hotel. Isso parece premeditado, não uma questão de oportunidade. Acacia arregalou os olhos.
— Como sabe?
O homem levou o copo aos lábios.
— Pesquisa.
— Por que a polícia mentiria?
— Falou com eles diretamente?
— Um oficial me interrogou quando cheguei hoje de manhã, mas não me disse nada. Foi monsieur Roy quem falou com a equipe. — Acacia aproximou-se um passo. — Por que alguém desejaria machucar Marcel?
— Essa é uma boa pergunta. — O hóspede girou o conteúdo do copo.
— Alguém precisa falar com a polícia. Marcel ainda pode estar em perigo.
— A polícia parisiense não é boba. Eles sabem sem que alguém precise avisar.
Acacia refletiu sobre suas palavras. Tinha um contato na Brigade de Répression du Banditisme, mas não gostava da ideia de procurá-lo. Que contatos tinha monsieur Breckman?
Ela inclinou a cabeça na direção do corredor.
— Preciso voltar à minha mesa para poder receber seu efetivo de segurança.
O hóspede dirigiu-se ao sofá. Sentou-se e esticou as longas pernas.
— Nasceu em Portugal, mademoiselle?
— Brasil. Monsieur, sua reserva no Guy Savoy’s está marcada para as vinte horas. Imagino que queira relaxar antes do jantar. Se não precisa de mais nada, lhe desejo uma boa noite. — Ela forçou um sorriso e se virou para sair.
— Há quanto tempo mora em Paris?
Acacia parou. Evitava compartilhar detalhes de sua vida pessoal com os hóspedes, mas não havia esquecido a ameaça do gerente. Monsieur Breckman era um hóspede de grande importância.
Ela o encarou.
— Vim a Paris como estudante.
— Estudou idiomas?
Ela examinou sua expressão. Se o hóspede fingia interesse, era um ator excelente.
— Entre outras coisas — respondeu.
— Por exemplo? — Seus olhos escuros a imobilizavam.
— Estudei arte. — Sua postura ficou tensa.
O homem levantou as sobrancelhas.
— Qual período?
— Impressionismo.
Breckman apontou para uma gravura de Edgar Degas, A Aula de Dança, pendurada na parede do outro lado.
— Você é a responsável por aquilo?
Ela sorriu para si mesma.
— Não, o hotel tem um designer de interiores que é responsável pela decoração.
— Sinto que Degas não é seu favorito.
— Prefiro Monet.
— Monet é muito popular.
— Pode-se dizer que Degas é ainda mais, se levarmos em consideração o número de obras dele que foram roubadas.
— Roubadas? — o hóspede repetiu, os olhos repentinamente atentos.
— Houve o roubo ao Gardiner Museum nos Estados Unidos. E o Musée d’Orsay perdeu seu As Coristas, roubado quando estava emprestado em Marseilles.
— Sim, mas As Coristas foi recuperado. Infelizmente as obras do Gardiner nunca foram encontradas. — O hóspede terminou de beber seu drinque. — O que acha de Matisse?
Acacia franziu o cenho.
— Matisse é pós-impressionista.
Os cantos da boca do hóspede se voltaram para cima.
— Sério?
o homem do terno preto
Acacia ficou ainda mais séria.
— Estou brincando — disse o homem com suavidade. Quando a expressão severa de Acacia não se modificou, o sorriso dele desapareceu.
— Posso lhe oferecer uma bebida? — perguntou, a caminho do bar. Acacia piscou.
— Obrigada, mas estou trabalhando.
— É claro. Esqueci. — E preparou mais uma vodca com tônica. — Monsieur Roy implementou novos protocolos para a saída da equipe nos turnos da noite?
— Não. Ele contou a todos nós o que aconteceu com Marcel. Aceitamos colaborar com a investigação da polícia.
— Ele não sugeriu escolta para ninguém?
— Não. — Acacia mudou a agenda de mão. — Acha que corremos perigo? O homem a encarou pelo espelho.
— O que acha?
— Não consigo imaginar que tipo de criminoso atacaria um concierge.
— Ela tocou os broches na lapela. — Nosso trabalho é ajudar pessoas. O homem se virou.
— Usa o metrô para vir ao hotel e ir embora?
— Normalmente não.
— Tem carro?
— Dirijo uma motocicleta.
— Motocicleta? — Suas sobrancelhas subiram quase ao ponto de encostarem na linha do cabelo.
Ela conteve um sorriso.
— Sim.
— Espero que use capacete. Os motoristas em Paris são doidos.
— Sim, monsieur. — Ela adotou um tom sério. — Sempre uso capacete. Seus olhos escuros se encontraram com os dela.
— Quando sair hoje à noite, peça a um dos porteiros para acompanhá-la até sua motocicleta. E insista para que ele fique com você até que tenha partido em segurança.
Acacia alternou o peso do corpo entre um pé e outro, surpresa com a demonstração de cuidado do hóspede.
— Ficarei mais atenta ao chegar e sair do hotel. Mas estamos em uma área segura da cidade.
— A falta de consideração do gerente com sua equipe é realmente chocante. — Ele olhou para a bebida. — A menos que…
Quando o hóspede não prosseguiu, Acacia o incentivou:
— Monsieur?
Ele deixou o copo sobre o bar e desapareceu no interior do quarto, deixando Acácia confusa para trás.
Um momento depois, o homem voltou carregando uma caixa vermelha com detalhes em ouro. Olhava para ela com ar solene.
— Hoje não foi o melhor dia de todos.
— Lamento, monsieur.
— Não tanto quanto eu. Receio ter sido um idiota, e agora me dou conta disso. — Ele suspirou. — Consegue ser discreta?
— Certamente. Para uma concierge, discrição é essencial.
— Marcel fez alguns… arranjos que devem ser desfeitos. — Ele entregou a caixa para ela. — Pode devolver isso a Cartier pessoalmente?
— Sim. — Ela pegou a caixa e não esboçou reação. Talvez estivesse segurando um anel de noivado.
Acacia sentiu certa compaixão pelo hóspede. Tinha visto em seu registro que ele deveria ter vindo com uma acompanhante. Talvez sua impaciência estivesse relacionada a assuntos sentimentais.
Ela passou a ver monsieur Breckman com outros olhos.
— Há algo mais que eu possa fazer?
— Há outros objetos. — Ele inclinou a cabeça na direção do quarto.
— Que devem ser devolvidos.
— É claro. Devo levá-los agora?
Ele assentiu.
Acacia passou por ele a caminho do quarto e viu três grandes sacolas de compras sobre a cama, cada uma com um logo, Chanel, Louis Vuitton e a grife de lingerie Modiste.
o homem do terno preto
O hóspede gastou muito dinheiro com presentes caros, e, possivelmente, um anel de noivado, e agora pedia a uma desconhecida para devolver tudo. Acacia apertou os lábios para evitar um comentário. Sabia que o hóspede não apreciaria sua compaixão.
Ela pegou as sacolas com as duas mãos, equilibrando a caixa da Cartier e sua agenda, antes de voltar à sala.
— Algo mais?
— Não. — Ele pôs as mãos nos bolsos.
— Espero que aproveite a noite no Guy Savoy’s. A sopa de alcachofras com trufas negras é muito recomendada.
Monsieur Breckman pegou o copo do bar. Depois virou e a encarou. — Obrigado.
— Por nada. — Acacia arriscou um sorrisinho antes de sair.
MODISTE NÃO ACEITAVA DEVOLUÇÕES DE LINGERIE FEITAS por encomenda. O gosto de monsieur Breckman era impecável. Ele havia escolhido um corselete de cetim azul-claro, com acabamento de renda preta e dois jogos de calcinha e sutiã em vermelho e preto. As peças foram feitas para uma mulher alta e magra com seios pequenos.
Monsieur Breckman teria que ficar com a lingerie. Acacia esperava que ele gostasse das peças.
Ela devolveu todos os outros itens, inclusive um invejável par de brincos de diamantes da Cartier. Em cada butique que visitava, fazia questão de se apresentar ao gerente; com alguns, estabeleceu contato prévio por telefone.
O sucesso de Acacia como concierge estava relacionado a sua atitude: ela encarava as tarefas não como um fardo, mas como oportunidades, cultivando amizades e sendo sempre educada e profissional.
No fim de seu horário de trabalho, havia trocado o uniforme por jeans, jaqueta de couro e botas de motociclista. Yusuf, um dos porteiros, teve a gentileza de acompanhá-la até a moto e esperar que fosse embora.
Ela confiava na capacidade de cuidar de si mesma, e sua confiança se pautava em sabedoria. Ter um acompanhante poderia deter um possível atacante.
Era verão em Paris. O clima estava quente, e o sol ainda brilhava quando ela acelerou pela avenue George V e virou à direita na Champs-Élysées, seguindo na direção oposta à do Arco do Triunfo. Acacia ia desviando do trânsito pela avenida de várias faixas.
Poderia ter evitado o tráfego carregado da Champs e escolhido uma rota mais eficiente, mas não o fez. Ela gostava da paisagem ao longo da avenida e encarava o trânsito por isso.
O vento batia em seu rosto e fazia dançar os cachos que haviam escapado do resistente capacete. Olhando brevemente ao redor algumas vezes, apreciando a vista, passou pelo Grande Palais, Petit Palais e aproximou-se da Place de la Concorde, antes de seguir para o sul, rumo ao rio Sena.
Acacia tinha de se esforçar para manter os olhos longe do rio e no trânsito diante de si. O Sena era fascinante. Passava horas andando pelas margens e pontes, às vezes com amigos, às vezes sozinha.
Barcos transportando turistas subiam e desciam o rio. Mas o Sena estava alto este verão, graças a duas semanas de chuva forte. Quando se aproximava da Pont des Arts, uma de suas pontes favoritas, Acacia viu um barco de turistas manobrando. A ponte era baixa demais para ele.
Ela olhou para o Louvre à esquerda, antes de continuar para a Pont Notre-Dame, atravessar a Île de la Cité e seguir para a Rive Gauche.
Antes de deixar a ilha, Acacia fez um desvio pela Catedral de NotreDame, diminuindo a velocidade a um nível quase inaceitável. A estrutura do século XIII era menor do que se podia esperar, especialmente para quem a tinha visto em filmes. Mas era muito impressionante, com suas torres gêmeas e portais entalhados na fachada ocidental.
Acacia não era cristã, mas decidiu que iria à missa na Catedral na próxima vez que tivesse tempo. A experiência estética alimentava a alma, e ela não conseguia admirar os vitrais estando em sua moto.
Ela se afastou da Notre-Dame e seguiu para o norte, a fim de passar pela casa histórica de Héloïse e Abélard. Não gostava da história deles. Em sua opinião, Abélard era manipulador e controlador, e Héloïse foi ingênua e carente. Mas Acacia respeitava o amor entre eles, mesmo sem conseguir compreendê-lo. Então, com uma das mãos sobre o coração, homenageou os amantes mortos no século XII.
Depois fez o retorno para voltar à Petit Pont e atravessar para o Quartier Latin, onde morava. Sorriu ao ver alguns prédios da Sorbonne, sua antiga universidade, antes de entrar na Rue Soufflot e estacionar a motocicleta.
Acacia morava em um pequeno estúdio no terceiro andar de um edifício antigo, mas bonito, na esquina da Rue Saint-Jacques com a Rue Soufflot. Os pais de uma amiga eram proprietários do estúdio e cobravam um aluguel razoável graças à amizade que mantinha com a filha deles. Acacia morava no apartamento desde que era estudante.
Não tinha elevador, mas poucos prédios antigos tinham. Ela subiu a escada carregando sua mochila.
— Ei — Kate, sua vizinha americana, a cumprimentou em inglês ao se aproximar.
— Oi. — Acacia parou enquanto Kate trancava a porta do apartamento que dividia com uma amiga, Violaine.
— O que aconteceu? — Kate jogou para trás a confusão de cabelos vermelhos que emolduravam seu rosto. — Faz tempo que não te vejo.
— Estava trabalhando. Como você está?
— Cansada. A faculdade está me metendo a porrada. — Kate ajeitou a mochila sobre um ombro. — Bernard vai dar uma festa no sábado à noite. Você podia ir.
— Adoraria. — O sorriso de Acacia era cuidadosamente neutro.
— Sério? A última vez que disse que iria você não apareceu. — Kate fez uma careta.
— Me chamaram no trabalho. Vou tentar aparecer dessa vez.
— Ótimo. As festas do Bernard são as melhores, e ele vai ficar feliz se você for. — Kate afagou o braço de Acacia ao passar por ela. — Dá um abraço no Claude por mim.
Acacia riu e balançou a cabeça. Kate era animada e generosa com os amigos, e eles eram muitos. Ela até chegou a tentar juntar Acacia e Bernard, que era jornalista do Le Monde.
As festas de Bernard eram as melhores, isso era verdade. Ele gostava de boa comida e bom vinho, e sempre reunia um grupo interessante e variado de convidados. Mas Acacia não sentia nenhuma atração por ele, e envolver-se com um jornalista era tudo, menos seguro.
Ela entrou no apartamento. Claude a cumprimentou com um miado e se esfregou em suas pernas até ela o pegar para um abraço de verdade.
homem do terno preto
Os olhos do gato eram grandes, amarelos, e o pelo era preto e macio. Ela o havia encontrado em sua porta numa noite molhada e chuvosa. Com exceção de Acacia e Kate, o gato odiava todo mundo.
— Olá, fofo — ela falou em português antes de alimentá-lo e ir abrir a correspondência.
Depois de um jantar simples e uma generosa taça de vinho branco, debruçou-se sobre uma cópia impressa do perfil de hóspede de monsieur Breckman, que tinha levado para casa dentro da mochila. Talvez ele estivesse constrangido por ter pedido para Acacia devolver os presentes que comprara para a namorada, por isso preferia ser atendido por Marcel. Mas alguma coisa nessa hipótese não a convencia.
— Marcel devia ter marcado uma reunião. — Acacia falava com Claude, que estava encolhido em seu colo desde que ela se sentou à mesa da cozinha. — Mas não tinha nenhum compromisso extra na reserva. Marcel não costuma esquecer nada.
Claude piscou os olhos amarelos, como se concordasse.
— A menos que ele tenha tentado marcar a reunião e não tenha conseguido — Acacia pensou em voz alta. — Mas ele não teria avisado Breckman antes de sua chegada?
Marcel era o concierge sênior, e o homem se orgulhava muito de seu trabalho. Não teria esquecido uma tarefa para um hóspede importante. E tinha a questão do ataque sofrido. Acacia estava propensa a acreditar mais na polícia do que em monsieur Breckman, mas a avaliação dele também fazia sentido. Marcel tinha sido espancado, o que não era típico de um assalto comum.
Talvez monsieur Breckman passasse muito tempo assistindo a séries de drama policial americanas. Ele parecia ter uma curiosa compreensão da mente criminosa.
De acordo com o arquivo contrabandeado, Pierre Breckman era um empresário de Mônaco. A natureza de seus negócios não era revelada. Ele tinha uma classificação de quatro estrelas e meia no hotel, o que Acacia achava surpreendente. Cinco estrelas eram reservadas para realeza e chefes de estado. Quatro estrelas eram dadas a celebridades de algum tipo. Pierre
Breckman não era nada disso, mas evidentemente — como a gerência enfatizara — era um hóspede de grande importância.
Tinha trinta e oito anos, gostava de jazz e restaurantes com estrelas Michelin, visitava Paris várias vezes ao ano. De acordo com as anotações de Marcel, não era incomum Breckman socializar com a elite do mundo. Ele também gostava de eventos esportivos, como futebol europeu e o torneio de Roland Garros.
Durante as estadias no Hotel Victoire, três acompanhantes diferentes, todas bem mais novas do que ele, o haviam acompanhado nos últimos cinco anos. Monsieur Breckman não era considerado difícil ou problemático, o que tornava seu comportamento nesse dia, mais cedo, intrigante. Compreensivelmente, ele era sensível quanto à cicatriz. Mas seu prontuário não mencionava comportamento explosivo ou sem limites.
Silke Rainier, uma modelo suíça, era a última parceira de monsieur Breckman. A separação devia ser recente, considerando que Marcel a havia incluído nos comentários da reserva atual.
Acacia deixou de lado as páginas impressas. Sabia que os funcionários das reservas e o pessoal da governança poderiam ter informado muito mais do que estava registrado no prontuário. Mas não era amiga da governança, e não queria despertar suspeitas do pessoal da recepção e reserva, uma equipe conhecida pelo gosto por fofoca.
Ela abriu o notebook e pesquisou Pierre Breckman no Google, só encontrou informação suficiente para confirmar o que estava descrito no arquivo. Estranhamente nenhuma das ocorrências incluía fotografias.
Pesquisar Silke gerou centenas de ocorrências. Embora Acacia não a reconhecesse, havia fotos de mademoiselle Rainier espalhadas pela internet, inclusive imagens recentes dela fazendo topless no deque de um iate com um astro do cinema americano. O jeito como acariciava o rosto sem marcas de seu novo parceiro parecia calculado, talvez uma forma de punição para monsieur Breckman, que sem dúvida veria as fotos.
— Que ostentação cruel — cochichou Acacia.
Claude respondeu esfregando a cabeça em sua barriga, como se concordasse. Enquanto monsieur Breckman estava ocupado comprando presentes para a namorada, ela fazia topless com outro homem. Acacia fechou o navegador.
Monsieur Breckman não era o tipo de homem que lidava bem com piedade. Ficou bravo quando ela se desculpou por olhar para a cicatriz. É claro, devia ter visto as fotos da ex-namorada. Por isso estava tão irritado.
Mas o interesse de monsieur Breckman pelo ataque a Marcel tinha parecido pessoal, assim como as perguntas sobre os contatos de Marcel. Mais uma vez, ela estudou as anotações na reserva em busca de informações sobre uma reunião, mas não encontrou nada.
Acacia tratava com grande seriedade sua associação ao Les Clefs d’Or, e nunca desonraria a organização participando de nada ilegal. Nem todos os concierges eram escrupulosos assim. Nunca surpreendeu Marcel cometendo uma infração, mas como ele era seu superior e extremamente discreto, era bem possível que acordos tivessem passado despercebidos.
Acacia enfiou a mão na gola da camiseta e puxou o amuleto hamsá que sempre usava. Nunca tirava seu pingente de proteção. No entanto, por causa da hostilidade quanto a símbolos religiosos na França, tomava o cuidado de manter o colar escondido.
Muito mais tarde, ela estava na cama com Claude encolhido nos cobertores, perto dos pés. Sonolenta, olhava para uma gravura de uma de suas telas favoritas, Crepúsculo em Veneza, de Monet, na parede em frente à sua cama.
O Museu de Arte Bridgestone em Tóquio tinha a pintura original. Embora nunca a tivesse visto pessoalmente, Acacia se apaixonou por ela quando começou a estudar o movimento impressionista.
A pintura mostrava a igreja de San Giorgio Maggiore, uma ilha paradisíaca cercada por água e céu. Monet tinha usado tons de laranja e rosa para retratar a luz do sol poente, escurecendo para azuis e verdes nas beiradas da pintura. A igreja parecia uma cidade flutuante, escura e sombria contra a luz quente.
Ela estudava as pinceladas, admirando como Monet usava as linhas onduladas aqui e ali para dar a impressão de ondas em suave movimento. Se prestasse muita atenção, podia esquecer tudo à sua volta e desaparecer na pintura. Podia sentir a luz do sol desaparecendo, dançando em sua pele. Podia sentir o cheiro do mar.
Acacia não era uma idealista. Os ideais que poderia ter morreram anos atrás em Amã. É claro, ninguém que era parte de sua vida atualmente, sabia disso.
Estava determinada a manter as coisas assim, por isso se escondia atrás de um uniforme azul-marinho, atendendo a uma clientela transitória, sem nunca deixar ninguém se aproximar muito – nem mesmo Luc, seu ex-namorado.
Acacia fechou os olhos. Não gostava de pensar em Luc e em como tudo entre eles tinha terminado. Não gostava de pensar em ficar deitada ao lado dele nessa mesma cama, sentindo a mão acariciar sua pele nua e ouvindo seus sussurros. Não teve outro amante depois dele.
Por mais que tentasse negar, Acacia era uma pessoa solitária. Raramente admitia isso, e ainda mais raramente lidava com a situação. Mas, como muitas pessoas, desejava ter amor e companhia. Desejava honestidade e intimidade, embora tivesse vivido por anos sem isso tudo.
Acacia abriu os olhos e virou de lado. Claude miou sua reclamação por ter de sair do lugar.
O trabalho no hotel era bem remunerado, recebia milhares de euros em gratificações além do salário, o que permitia que sustentasse a mãe em Recife. Além disso, aos poucos ia construindo suas economias — sua estratégia de saída — e esperava um dia poder trabalhar em uma galeria.
Por acaso, os olhos encontraram a agenda de trabalho sobre a mesinha de cabeceira.
Todo concierge bem-treinado mantinha um registro das solicitações feitas pelos hóspedes do hotel. Ela carregava sua agenda o tempo todo, e era por isso que a deixava sobre a mesa de cabeceira. Os contatos e comentários dentro dela eram confidenciais demais para serem deixados na mesa de concierge ou em seu armário no hotel.
Se monsieur Breckman tivesse pedido para Marcel marcar uma reunião, Marcel teria registrado os detalhes. De fato, qualquer trabalho que ele tivesse feito para Breckman teria sido anotado, com uma possível exceção para atividades ilegais. Sem dúvida, Marcel carregava sua agenda quando foi atacado, o que significava que ela poderia ter ficado na rua perto do hotel. Talvez a polícia não a tivesse visto.
Acacia resolveu procurar a agenda antes de ir trabalhar no dia seguinte.