O Contrato de Natal - Primeiros Capítulos

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1ª EDIÇÃO – 2021 RIO DE JANEIRO

COPYRIGHT © 2021. O CONTRATO DE NATAL POR MALU SIMÕES.

COPYRIGHT © 2021. ALLBOOK EDITORA.

Direção Editorial

BEATRIZ SOARES

Preparação e Revisão

CLARA TAVEIRA

RAPHAEL PELOSI PELLEGRINI

Projeto de capa e Ilustrações

DJEANNIPHER DIETRICH

Capa

FLAVIO FRANCISCO

Projeto Gráfico e Diagramação

CRISTIANE SAAVEDRA [SAAVEDRA EDIÇÕES]

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ

Camila Donis Hartmann – Bibliotecária – CRB-7/6472

S615c Simões, Malu

O contrato de natal / Malu Simões. - 1. ed. – Rio de Janeiro:

AllBook, 2021.

296 p.; 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-86624-66-3

1. Ficção brasileira. I. Título.

21-74633

2021

PRODUZIDO NO BRASIL.

CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

CDD 869.3

CDU: 82-31(81)

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Dueto de Almas... O que dizer dessa cidade interiorana?

Ah, se você não quiser se apaixonar, não a visite, porque lá os cupidos acertam os mais desavisados corações com suas flechas certeiras, além de ser um lugar onde os casais firmam seus laços mais duradouros.

E o Natal? Sua magia perdura o ano todo.

Mas se você estiver disposto a conhecer a cidade dos cupidos, embarque na leitura de O Contrato de Natal comigo, Marko e Kirsi.

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À minha mãe, Marylena, que me ensinou a comemorar o Natal, com a magia do nascimento do amor em nossas vidas.

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Prólogo

LONGE DE MIM ESPIONAR ALGUÉM OU FICAR CURIOSO SOBRE

uma determinada pessoa, pensando em como era e o que fazia… Mas é que o rumo que a minha vida poderia tomar infelizmente dependia de o contrato ser assinado. Então é claro que eu precisava saber o mínimo para ao menos sondar o terreno onde pisaria.

Soprei o ar com tanta força, que chegou a embaçar o vidro do carro. Bom, explicarei melhor o meu tormento… Eu o repudiei quando li; o contrato, é claro. Não me passava nem remotamente pela cabeça que eu teria de trabalhar com alguém tão sonhador — me desculpe, sonhadora. Com que direito aquela mulher ousou impor uma mudança radical na empresa e, por conseguinte, em minha vida? Meus planos não incluíam voltar a morar no interior, muito menos assumir o negócio favorito do meu avô. Eu tinha motivos para não querer voltar à cidade pacata de Dueto de Almas.

Apoiei o cotovelo na porta do carro e amaldiçoei a mulher que roubava minha liberdade e paz.

— Você achou a senhorita Kirsi receptiva? Ela foi educada, Carson? Acha que posso ter problemas com ela? — bombardeei com perguntas o mordomo da família, com o qual eu nutria certa afinidade.

— Se o senhor me permite dizer de novo, meu nome é Danton. Quase revirei os olhos diante da resposta dele. Eu sabia que Carson era um nome comum para mordomos em filmes, e como ele era sério demais, provocá-lo era minha diversão. Será que ele não percebia?

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— Pode me dizer algo? — pedi novamente e ouvi o som leve da porta se fechando.

— Ela pareceu agradável, embora eu pense que terá sérios problemas com ela, senhor.

Ele me olhou pelo retrovisor e notei as rugas ao lado dos olhos se pronunciarem com o sorriso.

“Sérios problemas?”

Só podia ser uma insinuação sobre a mulher ser bonita. Cocei o queixo, sentindo que aquilo fugia do meu controle. Se ela fosse boa de conversa, agradaria minha mãe, o que não seria nada benéfico para mim.

No instante seguinte, Danton acelerou o carro e permaneci pensativo. Eu não sabia o que seria da minha vida num futuro próximo, mesmo que contabilizasse mentalmente formas e mais formas para me livrar do problema feminino que me bombardearia por um tempo — um precioso tempo que eu não pretendia gastar de forma tão desnecessária.

Bati com uma mão em punho na palma da outra.

Eu necessitava ter o controle sobre a administração do grupo empresarial a todo custo.

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Capítulo 1

UM CERTO ALGUÉM AFIRMOU CATEGORICAMENTE QUE PARA

sermos nobres devemos acordar cedo e vislumbrar o amanhecer no horizonte — diariamente — no horário mais belo do dia, quando o crepúsculo pinta o céu de rosa e laranja e a gratidão por estarmos vivos nos é concedida. Basta mentalizar.

Bonito, não?

Pois é!

Mas é balela! Pura balela! Primeiro porque o crepúsculo também acontece ao entardecer, e eu poderia vê-lo mais tarde, não acham? E, segundo, porque eu não me considero menos nobre só por não acordar tããão cedo assim.

Ainda não descobri o autor desse brilhante pensamento — ah, porque eu cobraria dele, podem acreditar, que se situasse no tempo, no espaço e na realidade. Como pode sugerir que todos acordem de madrugada, sendo que os nossos trabalhos sugam nossas energias? E por que acordar cedo significa agradecimento, gente? Significa vida? O sono, sim, é reparador — as minhas olheiras que o digam. E as empresas não entendem a necessidade de uma mulher se olhar no espelho e não ver as inimigas manchas escuras sob seus olhos como resultado da opressão do mundo moderno, sempre com horários marcados para tão cedo!

Parei os pensamentos para eles se acalmarem.

O fato é que sempre admirei de sobremaneira as corporações que adotam o trabalho em home office.

Muuuito melhor!

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E faz bem para a pele.

Então eu diria ao sábio uma frase mais frutífera: “Nobreza é ter paz interior e fazer o que gostamos, ainda assim dormindo muito.”

Há.

Meus olhos pesavam, o corpo fazia súplicas e mais súplicas por mais instantes maravilhosos de sono durante a virada da noite para o dia.

Quando o despertador tilintou às 6 h da manhã — digo, um som estridente avançou pelo meu ouvido e me convidou para a realidade —, levei a mão à testa, lamentando, enquanto meu namorado pulava de súbito da cama, assoviando e indo ao banheiro. Isso porque ele não abriu a janela e soprou para o céu o seu famoso: Bom dia, vida!

Sabe, talvez ele fosse o autor do pensamento! Talvez escondesse em algum armário da casa os livros sobre como encontrar “seu eu” mais belo e sagrado com o nascer do sol.

Mas eu apenas ouvia o ruído de tudo à minha volta, porque meus olhos não se refrescavam com a beleza da manhã, muito menos saudavam mais um dia em que eu trabalharia no emprego dos sonhos.

Sonhos? Sei.

— Hora de acordar, Kirsi. O dever nos chama. Bom dia! — Com uma toalha na mão, ele brincou comigo, batendo uma única vez o tecido felpudo em meu pé.

Até que fiz uma força tremenda para responder de maneira esfuziante, no mesmo tom que o dele, mas apenas um sussurro escapuliu entrecortado dos meus lábios.

Suspirei.

Se eu estava de mau humor? Hum… Posso dizer que só um pouquinho?! Ou é óbvio que estava, sim, e muito? Mas eu era mestre em esconder isso.

Olhei meu reflexo no espelho do banheiro enquanto Theo tomava uma ducha. O que vi foi uma mulher à beira de um colapso de nervos, embora incapaz de esboçar uma reação. Eu tinha ficado no escritório até tarde, debruçada sobre pilhas de papéis e mais papéis — ops, documentos importantes — para finalizar uma fusão de duas empresas, com meu chefe me alertando a todo instante sobre o prazo a ser cumprido. E o pensamento recorrente na cabeça não me abandonava… “Isso não é vida!”

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O fato é que eu havia chegado tarde da noite na casa do Theo, e ele dormia num sono profundo. Nada de sexo para aliviar a tensão. Nem o banho relaxante na banheira pôde apagar os pensamentos que não se calavam. Parecia que meu cérebro não pisava no freio mesmo depois de ter me deitado.

Números, números e mais números giravam como esguichos de água em um jardim, molhando a vontade de dormir e cintilando problemas a serem resolvidos com o toque dos raios solares na manhã seguinte. Vamos combinar, quem teria ânimo para acordar com um sorriso fazendo uma curva satisfeita em seu rosto sabendo o que aguardava no trabalho?

A coragem começou a emergir em meus poros, então saí arrastando as pantufas pelo chão e fui à cozinha. Meus olhos vagavam pelo ambiente, fazendo um reconhecimento básico ainda com as retinas embaçadas. Havia bilhetes por todos os lados. Eu não suportava mais avistar o colorido dos Post-Its que meu namorado colava na geladeira, no micro-ondas, na parede… Meu chefe fazia o mesmo em seu computador, então era como se eu vivesse em um arco-íris eterno e tormentoso.

I Reunião às 13 h com a empresa Ajamix. Jantar com meus pais na quarta-feira.

I Sair com Kirsi na quinta-feira.

I Treinar na academia segunda, terça e sexta.

I Pegar o terno na lavanderia e deixar o edredom na sexta-feira.

Estremeci. Pisquei várias vezes para recompor as cores no meu fundo de visão sem chegar ao final do suplício de lembretes.

Vi meu nome ali em meio ao cronograma da semana, como o compasso de um piano, ou de um relógio fazendo o seu tique-taque seguro. Como sempre, eu o veria somente na quinta. Às vezes, o dia mudava, mas era sempre calculado. Eu representava para Theo um item qualquer de sua lista, que era encaixado precisamente em sua agenda.

Fiquei muito tentada a sair arrancando tudo em um ato de desabafo. Por que tanto controle sobre a vida, se ela deve seguir com a leveza de uma calda de caramelo caindo sobre um sorvete de creme, doce, suave e convidativa para ser lambida?

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Mas a vida não é assim, e talvez o Theo tivesse razão em ser organizado. Talvez ele não se perdesse no trem desgovernado de obrigações que o mundo nos impunha, porque o mundo é chato, e aqueles gurus vivem afirmando o contrário, que o nosso interior deve viver num mar de tranquilidade. Como, se uma pilha de documentos me esperava sobre a mesa e a palavra PRAZO piscava como um outdoor na porta da sala do meu chefe? Eu não gostava deles, os documentos. Eu tinha raiva da muralha de trabalho que não me permitia ver além do retângulo não tão fantástico que era a minha mesa. Para quem ainda estava com sono, os pensamentos fervilhavam como a água do chá que borbulhava na chaleira do Theo. Bocejei e… Droga! Eu me mantive tanto tempo lamentando em pensamento, que a água praticamente evaporou por completo.

Quer saber?! Ah, que se dane o chá. Eu nem gosto de beber chá. O Theo que cismou que seria melhor para secar a barriga, além de muito melhor que o achocolatado que eu tomava todos os dias — antes de conhecê-lo —, que poderia me fazer mal se eu tivesse intolerância à lactose. E quem disse que eu tinha intolerância à lactose, meu Deus?

Isso era coisa da cabeça controladora dele. Talvez Theo não fosse tão diferente do meu chefe, porque ele também queria a todo custo ter as rédeas de parte da minha vida em suas mãos. Eu me sentia como uma bola de borracha sendo jogada para todos os lados e sempre se mantendo firme e inabalável, fingindo uma satisfação que não existia.

Então abri aquele sorriso, o de sempre, quando vi Theo atravessar a porta da cozinha.

Respira, Kirsi.

— Kirsi, hoje não posso te levar ao trabalho. Tenho que passar antes na universidade para uma reunião com meu orientador do doutorado. — Após informar, ele arrancou da geladeira o lembrete verde-limão.

Menos um.

Senti os braços malhados rodilhando minha cintura enquanto eu jogava a vitamina dele no copo e pingava um pouco no meu. Volteei entre os braços musculosos, os meus abertos, com os copos nas mãos. Meus seios tocaram o peitoral másculo dele e se eriçaram, o cabelo castanho resvalou em seus braços. Olhando-me de cima, seus olhos faiscaram desejo. Lábios se encontraram num beijo promissor.

Apenas isso, porque o fogo logo cessou, assim como a água na chaleira.

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A chaleira!

Girei sobre os pés, não sem antes largar os copos sobre a bancada, e finalmente desliguei o fogão. Mais um pouco e eu seria a responsável pelo fogo lamber a cozinha, ou a casa, se eu me esquecesse dela ali. Misericórdia!

Eu seria culpada no mesmo instante, e Theo repetiria o quanto eu não era organizada quanto à arrumação da casa e dedicada às tarefas do lar. Realmente, eu não arrumava meu armário de roupas por cores, muito menos organizava os materiais de limpeza por tamanho dos produtos.

— Não posso me atrasar — ele disse, se afastando de mim, já com a vitamina na mão, e voltou o olhar para o relógio da parede. — Você chegou muito tarde ontem. Hoje tenho que sair cedo — disse em tom de desculpas.

Creio que meu olhar revelou a decepção que senti quando captei que o meu fogo não seria domado como o do fogão.

— Tudo bem — falei.

Mas não estava nada bem.

Acho que vocês perceberam também.

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Capítulo 2

ÀS VEZES, É MELHOR DEDICAR UM SEGUNDO DE ATENÇÃO E

abandonar velhos hábitos para evitar problemas.

Era fato que eu não me cansava de checar de minuto em minuto os e-mails que lotavam a caixa de entrada — e, se querem saber, não eram poucos — quando fiz a pior escolha daquele dia.

Abaixei a cabeça e zapeei o celular sem pensar nas consequências do meu ato quando coloquei um pé na rua. Foi tudo muito rápido. Sério, quando dei por mim, o motorista largou a mão na buzina e meu coração bateu tão forte quanto o meu reflexo de dar um pulo para trás.

Meu Deus!

O sorvete de creme com cobertura de chocolate se estatelou no chão enquanto o som estridente e repreendedor se dissipou em meio ao caos urbano. Ah, não! A sobremesa foi por água abaixo, em breve se dissolveria no asfalto da avenida Paulista bem na hora do rush.

Mas o que importava é que eu estava de braços abertos, desolada, inconformada com a minha falta de sorte — ou talvez de prudência —, sob o céu nublado no inverno paulista.

O telefone vibrou em minha mão, fazendo uma cosquinha bem-vinda. Como eu era dependente desse aparelhinho! Tomei um susto. Tudo bem que o sorvete se foi e escorreu pelo asfalto, mas meu aparelho de última geração, minha segunda pele, permaneceu comigo. Ele era necessário para o contato com clientes e meu chefe.

Argh!

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No mesmo instante em que minha amiga me chamava para uma conversa, uma senhora ao meu lado perguntou:

— Tudo bem, minha filha?

— Tudo certo — respondi, desconcertada. — Foi apenas um susto — completei o raciocínio.

— Vocês, jovens, não largam esses celulares por nada. Muito cuidado daqui para frente. — Ela bateu de leve os dedos em meu braço para reforçar o que dizia.

Mesmo que a senhora estivesse me pagando um pequeno sermão, não deixava de ter razão, então aquiesci com a cabeça e esbocei um leve sorriso, em sinal de retribuição ao conselho.

No momento seguinte, nos despedimos com acenos de cabeça e o celular, que se mantinha firme em minha mão — apesar de o sorvete ter sido o escolhido para escapar do meu controle —, vibrou outra vez. Tudo bem que após o incidente eu até me lamentei por ter tido o reflexo de proteger o tombo do aparelho. E se ele fosse parar no chão e perdesse a vida por um dia e me libertasse de todas as tarefas?

Qualquer hora, eu vou cometer um assassinato, queridinho!

— Alô!

— Kirsi, onde você está? Nós combinamos de almoçar juntas.

Ah, caramba!

Inconformada e chateada pela gafe, dei uma espiada no relógio no pulso. Retirei o celular de perto da boca e estalei a língua, revirando os olhos em seguida.

Droga. Como pude me esquecer dela?

— Fernanda, se eu disser que quase fui atropelada, por isso me atrasei, você acreditaria?

— Não. Aposto que você se esqueceu mesmo.

— Tudo bem. A parte que quase fui atropelada não é mentira. A outra, que me esqueci, também não. Estou sufocada de tanto trabalho e acabei saindo para comer um sanduíche e tomar um sorvete.

— Pelo menos você teve a decência de não me enrolar. E não reclame de ter tanto trabalho. Quantas pessoas no mundo não estão…?

— Desempregadas, eu sei — completei.

— Então não seja injusta.

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Mal sabia a Fernanda o que acontecia na empresa. Apesar de sermos muito amigas, algumas coisas eu preferia guardar para mim.

— Ok — eu me limitei a dizer e extirpar o assunto. — Hoje vou ficar livre mais cedo. Que tal irmos àquela galeria de arte que abriu próximo ao seu trabalho? Estou com muita vontade de conhecer a exposição que está acontecendo no momento.

— Topo! Disseram que lá tem um bistrô maravilhoso.

— Às sete então?

— Combinado. Até mais, Kirsi. E não me deixe esperando de novo.

— Prometido.

Meus lábios sorriram enquanto checava se o farol avermelhara para os carros. Tudo certo. Desci a calçada com um passo seguro e atravessei a avenida, caminhando sobre os saltos finos em busca de atingir rapidamente o outro lado da via. Eu não poderia perder mais um minuto, a pilha de papéis me aguardava da mesma forma que eu sonhava com minhas férias, talvez eternas, apesar de eu ter apenas vinte e oito anos e meu pai dizer que ainda haveria muito tempo de recolhimento da previdência social até que eu me aposentasse.

Revirei os olhos.

Em seguida, joguei o celular na bolsa pendurada em meu braço. Respirei o ar da metrópole, e ele se infiltrou em meus pulmões, carregando a sensação de que eu não estava mais no lugar certo. Aliás, é fato que jamais estive.

Nasci no interior do estado e fiquei até meus doze anos em uma cidade ultrapequena, que minha mãe dizia que era o pesadelo da sua vida. Meu pai acabou migrando para a matriz da empresa, onde deu o sangue, porque trabalhar em corporação, gente, os glóbulos brancos e vermelhos são retirados do seu corpo até a última gota.

Bom, então após nos mudarmos para a cidade, minha mãe incorporou os delírios da Beck Bloom em seu cotidiano. Sabe aquela personagem da coleção de livros da Sophie Kinsella? Então, minha mãe se transformou na Silvana Beck Bloom, começou a estourar a conta bancária do meu pai e todos os dias chegava em casa com sacolas infinitas de compras.

Ai! A simples menção da palavra conta me levou ao mundo dos números e da pilha de documentos que me aguardava no trabalho e que precisava ser digitalizada. A estagiária que me assessorava estava doente, então sobrou para mim.

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Acabei tossindo com o ar denso que penetrou na garganta, mas tudo bem, era na cidade grande que eu ganhava meu dinheiro para a sobrevivência. Olhei para frente e avistei aquele mundaréu de concreto e vidro. Tão lindo! Perfeito. Ainda mais quando o sol se aconchegou entre os edifícios e incidiu seus raios poderosos sobre as vidraças, cintilando o teto imaginário da Avenida Paulista. Ela, sim, era poderosa e ostentava seu brilho, ao passo que o meu se perdera, comigo enfurnada naquele escritório junto aos atos insanos do meu chefe.

Ginguei o corpo para um lado e esbarrei em um engravatado. Ele olhou de cara feia para mim quando seu café do Starbucks quase respingou em sua camisa branca. Mas tudo bem, eu entendia a reação. O movimento na avenida no horário do rush humano matutino, se é que existe esse termo para designar a fila de gente que vai de um lado ao outro, estava intenso. Dei um sorriso acanhado para ele e continuei na minha batalha, me esquivando daqui e dali sobre o scarpin rosa que ganhei da Nanda no Natal passado, para chegar ao prédio da Effective Numbers Corporation.

Ah, sim, eu trabalhava em uma multinacional, e a Nanda era a minha melhor amiga e conselheira. Eu não concordava com ela em apenas um simples… Ah, vai, simples não, na verdade era um grandioso detalhe, se é que detalhe pode ser grandioso. Bom, o que quero dizer é que o meu emprego era o que havia de melhor e mais glamoroso no mercado da consultoria em contabilidade e administração, mas eu o ODIAVA, com letras em caixa-alta. E tinha os meus motivos.

Fiz careta.

Fossem quais fossem os meus sentimentos, aquela pilha de papéis, aquela que já mencionei antes, me aguardava.

Quando dei o primeiro passo para entrar no saguão do edifício… Genteee! Parecia que Anton, meu chefe, sentiu meu cheiro, sei lá o que poderia ser isso. Tentei me esquivar, mas ele estava me encarando da porta do elevador. Pensei até em dar meia-volta sobre o salto e sair voada dali, mas o cara me olhava com um ar superior. Típico dele. Isso me deixava possessa — por dentro, é claro. Nos lábios, um sorriso mínimo se esticou.

Caminhei

testando até quando ele seguraria a porta do elevador para mim, mas, nada, ele não desistiu.

Inferno!

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lentamente,
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Sorri para o porteiro, um senhor simpático que compartilhava a mesma opinião que a minha a respeito do ogro do meu chefe, e ele devolveu com um cumprimento de cabeça beeemmm breve, já que estávamos sendo observados.

Mordisquei o lábio e fui em direção ao meu suplício.

— Você já deixou na minha mesa o balanço patrimonial da Brinks & Toys?

Quase disse “Boa tarde para você também”, para checar se ele ainda possuía algum senso de educação, mas deixei para lá.

Fiz um “o” com os lábios, incrédula com o que ouvira. Como assim ele perguntou sobre o balanço se eu estava na equipe da fusão de empresas da área de cosméticos? Pensei em dizer a ele que entregaria em no máximo uma hora. Mas eu estava até acima da cabeça atolada de trabalho, tudo por culpa dele, então não achei justo colocar mais essa carga sobre meus nervos.

— Como o senhor sabe, estou fazendo outro trabalho no momento. Não seria possível fechar esse balanço patrimonial hoje — encorajei-me a dizer.

— Há quanto tempo você trabalha na empresa mesmo?

A frase que ele queria cuspir para cima de mim não era bem essa, mas sim “Você é incompetente, Kirsi.”

Eu já o conhecia o suficiente para saber que Anton não era um ser humano, mas sim um monstro. Talvez aquele do Lago Ness, história retrô que meu pai contava para mim na infância.

Fosse qual fosse o trabalho sem qualquer defeito que eu entregasse a ele, não adiantava o esforço, pois, para o Satanás, quer dizer, para Anton, nada estava adequado. Suas palavras na maioria das vezes tinham apenas a intenção de rebaixar as pessoas.

Pulei para o fundo do elevador, incapaz de encarar os olhos maliciosos, e me virei para o homem, que, infelizmente, parou diante de mim com um sorriso jocoso. Mantive a expressão impassível. Cínico. Longe de mim demonstrar uma certa ojeriza a ele. Meu salário era maior do que eu jamais imaginara receber antes dos trinta anos, então o certo seria engolir as insistentes tentativas de me tirar do meu nível de sanidade.

— Vá à minha sala depois e conversaremos sobre esse balanço — ele disse, insistindo no assunto.

Não hesitei em não o responder, muito menos aquiescer com a cabeça ou outra forma que denunciasse que eu iria à sala dele.

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Fiquei meio nervosa.

Meu rosto permaneceu imóvel, a não ser o olhar, que soltava faíscas na direção dos olhos verdes mais duros que já vi. Infelizmente, o cara era boa pinta, embora o interior não fosse lá essas coisas se comparado ao homem atraente que era por fora. Eu ouvia algumas estagiárias quase desmaiarem quando ele passava todo metido no corredor comprido da empresa, seguindo até sua sala. Mas Anton tinha um lance fixo com uma morena, ele até a levou à festa de confraternização da empresa no ano anterior.

Após minutos que jamais findavam em um silêncio proposital, as portas do elevador se abriram no décimo andar do edifício e revelaram uma sala ampla e comprida, onde trabalhavam no mínimo trinta profissionais sob o comando, argh, do loiro Anton.

Dei aquele meio-sorriso para ele, saí apressada do ambiente tóxico e entrei em outro tão pernicioso quanto. Ainda pude sentir um olhar denso sobre mim partindo do meu chefe, mas não fitei sobre os ombros — já bastava o olhar de especulação do povo curioso — e fui em direção à minha baia de trabalho, o toc-toc do salto reverberando na sala.

O cabelo da Nadja surgiu assim que ela se inclinou para trás e empurrou a cadeira, revelando-se parcialmente para mim.

— Veio com o chefinho da rua, hein? — disse ela com uma voz de insinuação.

Joguei a bolsa sobre a mesa, indignada, e me sentei.

— Não estou entendendo seu tom malicioso — respondi.

— Ah, entendeu, sim. Mas abra seus olhos, porque esse tem dona.

Quis dizer a ela que não era da minha conta se Anton tinha dona ou não, porque meu interesse nele era zero. Mas contive a língua. Minha resposta permaneceu somente no campo das ideias. Preferi engolir cada letrinha atrevida que poderia dizer e respirei fundo.

Eu não gastaria saliva para explicar a ela que as aparências enganam, como diz aquela frase popular. Tudo bem. Eu também não devia satisfação a Nadja sobre minha vida pessoal. Nem para minha mãe eu dava explicações, ué!

Lembrando da própria… Que dia!

— Fala, dona Silvana. — Atendi o celular sem demonstrar paciência, e querem saber, nem eu sabia ao certo em que diabos de lugar ela estava.

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Não minha mãe, mas a paciência. Ela que fugira de mim como um pássaro pequeno foge de um gavião. Gente, eu estava a ponto de ter um ataque de nervos. Theo, Anton, Nadja, dona Silvana…

— Kirsi, há quanto tempo você não vem me visitar! Abandonou sua mãe de vez? Só existe o seu pai para você? E aquela… …esposa dele mão-de-vaca, que não deixa seu pai continuar pagando pensão para mim depois que você terminou sua faculdade, completei a frase em pensamento enquanto ela falava da minha madrasta. Algo que aprendi nos meus vinte e oito anos de vida e que coloquei em prática com o passar dos anos foi deixá-la soltar o verbo e não retrucar.

— Mãe, mãe — interrompi depois que abandonei por alguns segundos o celular sobre a mesa e me acomodei na cadeira, resgatando-o logo depois.

— Você está precisando de alguma coisa?

Enfim as palavras suavizaram meu tímpano. “Alguma coisa” era meu código para dinheiro. Falar em dinheiro com minha mãe era o mesmo que dar drogas ilícitas a um viciado. Ela ficava doidona!

— Você sabe que o Samir, meu atual namorado, é um mão-de-vaca, assim como a sua madrasta, e eu andei comprando umas coisinhas para mim. Eu preciso de… — a voz dela desceu um tom — mil reais.

— Quanto?! — perguntei, me encolhendo entre as baias para ninguém se deparar com meu rosto envergonhado após o grito.

Eu ganhava bem, mas de mil em mil, meu salário ia embora para a conta dela!

— Nem pensar, mãe. Eu já dei mil reais à senhora há quinze dias. Eu vou precisar desse dinheiro.

E ela deu início a uma lamentação insuportável. Até chorou.

Minha mãe precisava de um tratamento psicológico urgente, estava doente. Mas meu problema em não conseguir expor o que pensava não me permitiu dizer isso a ela.

— Mãe, eu não vou lhe dar esse dinheiro. Não tenho no momento. Ah, como dizer a simples palavra negativa foi libertador. Sério! Para mim, que não conseguia dizer não com facilidade, foi a glória. Pelo menos por poucos segundos. Mas ela insistiu.

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E chorou mais.

E fungou.

Eu suspirei.

Liberei outro suspiro.

— Vou depositar metade disso na sua conta. E, mãe, isso é um aviso prévio. Eu não vou mais te dar dinheiro. Ok? Essa foi a última vez. Não posso pagar suas contas de roupas e acessórios da moda. Se precisar de remédios ou ir a um médico, se estiver com algum problema de saúde…

Ou precisar de um psicólogo, quase completei.

Nem eu gastava tanto com aparência quanto ela.

— Você é muito cruel comigo.

Sério isso?

— Mãe, agora preciso desligar. Beijos.

Cruel, eu? Não. Eu não era má com minha mãe, nem desrespeitosa, é que o trabalho me aguardava em todas as partes da mesa em forma de quê? Pilhas de papéis. Elas, sim, eram cruéis comigo.

Ah, eu tive vontade de pegar uma por uma e jogar para o alto e formar uma nuvem libertadora que voasse abaixo do céu de gesso branco com lâmpadas embutidas. Por sorte, um sopro forte do ar-condicionado espalharia os papéis, e eles cairiam em várias partes do setor. E eu encaixaria a bolsa no ombro e daria adeus ao povo e deixaria a Nadja arrancando os cabelos para colocar os balanços patrimoniais um a um em ordem de numeração das folhas. Seria a glória! Não custava nada sonhar.

Encaixei o queixo na palma da mão após apoiar o cotovelo na mesa e plantei o dedo no botão de ligar do computador. As três letras da logomarca se juntaram em elos. Effective Numbers Corporation, as palavras dançavam diante dos meus olhos. E todos os dias elas me lembravam há quanto tempo eu não ia a uma casa de shows. Eu amava dançar, mas Theo não colocava uma folha do Post-It na parede da cozinha com o recado: hoje é dia de me divertir com minha namorada.

Suspirei.

Corri com os dedos até o teclado e digitei a senha. Pensei em minha mãe, estava muito preocupada com ela. Mas minha realidade naquele momento era o trabalho.

Eu me ajeitei na cadeira quando Nadja parecia decidir não me deixar em paz.

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— Quando você terminar a análise contábil da Brinks & Toys, passa para mim, porque vou levar ao chefe. Ele pediu a mim que fizesse, mas você se antecipou e o roubou da minha vez.

Ela estava de Brinks com my face?

Era real o que eu ouvi ou foi apenas um delírio meu?

Há um mês, após uma reunião na qual o nosso chefe fez a distribuição dos trabalhos e me confiou a análise financeira e contábil da empresa de brinquedos, retornei à mesa com Nadja colada em mim. A conta era importante para Anton, sabe-se lá por qual motivo, e todos naquela reunião foram informados sobre isso em alto e bom tom. E ela me vem com essa de que a conta era dela?

Brinks com my face era pouco para ironizar a cara de pau da minha colega de trabalho.

Enquanto meus pensamentos já vagavam por lugares sombrios, meu colega do lado esquerdo da mesa me chamou para uma conversa no chat.

Ryan: Não deixe Nadja se aproveitar de você. Imponha-se.

Kirsi: Nossa, às vezes ela é uma sss… sss… sss.

Ryan: O que esse montão de esses significa?

Kirsi: Uma cobra, ué.

Ryan: Ahhh! Ela é mesmo. Kkkkk. Fico mais aliviado que você tenha entendido o jeito dela. Enfim sacou que aqui não pode ser boazinha com todo mundo, nem condescendente demais.

Por algum motivo, quem havia captado bem a minha essência havia sido ele, para minha surpresa.

Kirsi: Só que hoje estou a ponto de explodir. Espero que ela pare de me provocar.

Ah, eu esperava mesmo.

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Capítulo 3

PLIM!

No mesmo instante em que os ouvidos assimilaram o alerta do celular, o estômago se contraiu e o pescoço se retesou. Relutei para visualizá-la, mas não havia a menor chance de negligenciar a existência dela — da mensagem. Espalmei a mão no pescoço e fiz careta de dor.

A cabeça zunia de cansaço, os olhos ardiam de tanto fixá-los nas folhas com números pequenos, e eu levei uma vida para, enfim, entrever que o problema que tive de cervical, que me acamou por longos vinte dias, fora proveniente do meu estado emocional, e que as mensagens sem um pingo de respeito do meu chefe contribuíam para tamanho descontrole. Todas as vezes em que elas chegavam, meu pescoço se contraía.

Anton: Estou aguardando-a em minha sala há uma hora. Por que raios você ainda não trouxe o relatório da Brinks?

Por que raios? Essa era nova.

Kirsi: Me dá mais meia hora, e já entrego ao senhor.

Anton: Kirsi, você realmente é uma incompetente. Quinze minutos é o máximo que tem de bônus.

A última mensagem me deixou impactada.

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Calculei que sua mão devia ter batido na mesa e que ele me xingava para cacete. Opaaa! Desculpem. Mas meu chefe não dizia rosas para seus colaboradores, então por qual motivo, em meus pensamentos, eu o respeitaria? Da sua boca saíam espinhos dolorosos que, dia após dia, se espetavam em mim e me deixavam péssima. Tudo em mim vibrava pavor. Minhas mãos trêmulas — novidade! — alcançaram a caneta, que rabiscou as últimas informações em um rascunho do que teria de explicar a ele. Qual o motivo de eu me submeter a esse louco que surgiu das profundezas do inferno para azucrinar minha vida? É que eu ganhava bem, e, além disso, minha mãe dependia de mim. Eu ainda não havia tomado coragem de buscar outro emprego. Sei lá. O desânimo parecia me prender com amarras resistentes. Eu não saía do lugar. Não tomava iniciativa para nada. Minha vida estava afundada no mar da inércia.

Satanás, peste, monstro, todos esses adjetivos depreciativos se incorporaram em meu vocabulário mental antes tão sereno. A simples lembrança do nome desse homem provocava ardência nos olhos. Minha sanidade se foi depois de Anton entrar na minha vida. Nem se ele fosse o Tom Ellis, da série Lúcifer — ui! —, eu daria brecha para um xaveco com esse ser das trevas.

Cruuuz-credo!

Eu estava tendo delírios com o cara, que talvez envolvessem o uso de uma faca…

Bom, como ele era meu chefe, fazer o quê? Passados os quinze minutos, eu me levantei para ir ao meu suplício. Sem hesitação, retirei o pendrive do computador. Nele, eu armazenei todas as minhas considerações financeiras sobre a empresa.

Você pode se perguntar por que a pilha de papéis existia se todo o trabalho desenvolvido estava em um pendrive. É que era hábito meu imprimir o que analisava para poder fazer rabiscos que somente eu entenderia depois. Sei lá, parecia que eu raciocinava melhor trabalhando como nos tempos antigos. Mas o trabalho final seria entregue de forma moderna, claro.

Soprei o ar com toda a força que pude e me levantei, sem hesitação dessa vez. Eu tinha feito um bom trabalho, e fosse qual fosse o tratamento que ele me desse, eu tinha de enfrentar a situação. Eu era uma mulher adulta e independente que sabia se defender de um… de um assediador moral. Pronto, falei. Anton era um assediador moral corporativo. Assediador dos mais insensíveis e que havia me escolhido para ser sua mais adorável refém.

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Assediador dos infernos!

O celular vibrou sobre a mesa bem no momento em que me encorajei. Era minha mãe novamente.

Ah, eu bem sabia o que ela queria, me colocar contra parede, questionando se eu havia depositado o montante de quinhentos reais, como se quinhentos reais fossem cinco! Como se não bastasse pagar as despesas da casa que ela morava. Não atendi e fui em direção à sala com parede de vidro, embora a cortina estivesse baixa.

Toc-toc.

Bati na porta do meu chefe, apenas o bastante para ele ouvir sem muito alarde. O homem elevou a voz, dizendo um “pode entrar” que atravessou a barreira da madeira. Tudo bem. Eu conseguiria mais uma vez estar diante dele e suportar o lampejo dos olhares irônicos direcionados a mim.

Abri a porta, dizendo a mim mesma: “Muita calma nessa hora”.

Ele manteve a cabeça baixa, fitando sabe-se lá qual trabalho. O meu pendrive estava em situação de refém, fechado na mão. Era como eu me sentia em relação a Anton, o assediador moral.

— Você conseguiu ser competente alguma vez na vida e trouxe o trabalho finalizado?

Engoli em seco, a saliva desceu como um bolo quadrado, um hexagonal bem dolorido.

Quem daquela empresa faria um trabalho tão minucioso em tempo recorde?

Mas para ele eu era a funcionária incompetente, insubordinada e idiota. Sim, eu ouvi no último um ano e meio todas essas palavras que tinham como objetivo destruir minha imagem e autoconfiança.

Quantas vezes saí da sala dele com lágrimas nos olhos?

Quantas vezes chorei, escondida no banheiro, para que meus colegas não captassem minha fraqueza?

Ele queria que eu me sentisse fraca, incapacitada de executar qualquer tipo de trabalho. Era assim que ele agia. Anton tentava fazer com que eu me sentisse inútil, burra, sem qualquer condição de desempenhar meu trabalho. Mas, caramba, eu me formei em uma das faculdades mais conceituadas do Brasil, a USP, e pós-graduada em dois cursos complementares da área trabalhista e contábil. Eu me dedicava e fazia meu trabalho com excelência.

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Abri os ombros, empinei os seios e caminhei até a cadeira diante dele, onde me sentei, sem perder os olhos do meu chefe de vista. Tentei ter uma postura confiante, de quem domina o trabalho, o que era meu caso.

Então Anton indagou, após eu me sentar à sua frente, olhando em meus olhos:

— Qual é sua análise final quanto à empresa Brinks? Ela está em má situação financeira? Já está falida? A fusão com outra empresa maior do mesmo ramo é uma opção incontestável, a meu ver. — Seus olhos cintilavam cifras em dólares.

Decidi ser sincera.

— Não foi o que os números revelaram. Ela não está tão mal assim. Seus ativos estão maiores que os passivos e pode haver algum suspiro para um crescimento. Basta que o dono tenha um profissional competente o acompanhando, que o instrua da melhor maneira a administrar a empresa e eles terão prosperidade financeira.

— Merda! — esbravejou Anton, batendo o punho na mesa. Que isso?!

O gesto não era indício de que meu trabalho seria elogiado. Humpft, ele jamais faria isso mesmo…

Se a Brinks nos contratou para um veredicto, e se ele fosse positivo, eu tinha a mais absoluta certeza de que o dono pagaria a quantia para uma consultoria. Cliente satisfeito é dinheiro certo na conta bancária da empresa. Realmente não captei a reação esdrúxula de Anton.

— Você tem certeza de que analisou a Brinks?

— Absoluta — disse depois de um instante.

E eu mentiria para quê? Eu jamais seria antiética.

Era certo que não era o caso de a empresa ser vendida a preço de banana para uma outra ou ser executada uma fusão com uma multinacional, por exemplo. Independentemente da decisão do dono, ele precisava saber que suas finanças tinham recuperação.

— Você está demitida.

Hã?

Meu cérebro demorou um tempo para captar aquelas palavras enquanto o olhar se deslocou para os cabelos loiros no alto da cabeça alva diante de mim.

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Sentimentos conflitantes roubaram minha fala em um primeiro momento. No segundo… Ahhh! Eu avisei que estava prestes a explodir, não avisei?

— Quer saber de uma coisa? — Eu me encontrava em um momento de cólera. — Você é um idiota que se acha o dono dessa empresa, se acha a pessoa mais inteligente do mundo. Mas não é. Sinto dizer. Não, na verdade, não sinto, não.

— Ei! Abaixe o tom da sua voz. — Anton esmurrou a mesa, o rosto adquiriu um tom de fúcsia, mas eu não recuei, mesmo que meu peito fosse solavancado por batidas fortes.

— Você é um invejoso e um assediador moral dos piores que já conheci, se é que conheci algum antes.

— Você não sabe com quem está falando? Ficou louca?

— Não há motivos concretos para me demitir. Você tem medo de eu ficar no seu lugar porque sabe que sou competente e fui a indicada para assumir o cargo que você ocupa como gerente. Não sei o que fez para surgir do nada em nosso ambiente, mas você polui o ar da empresa com seu jeito autoritário, intransigente e arrogante.

— Você vai se arrepender de cada palavra que está dizendo. — As sobrancelhas claras se elevaram quase um dedo.

— Há-há-há. Não diga que você está me ameaçando! É isso mesmo?

— Até eu fiquei irritada comigo.

Dei dois passos para trás, já me preparando para o ataque final e para não receber a contrapartida dele, que viria com certeza. Coloquei o pendrive no bolso, e ele acompanhou o declínio do meu braço. Era hora de mostrar com quem ele havia mexido. Voltei com a mão na direção dos olhos verdes, que se fixaram no celular em minha palma. Ele fez menção de sair do lugar, então calculei que fosse contornar a mesa e vir em minha direção, mas se manteve imóvel.

— Aqui em meu celular estão todas as provas que preciso para o acusar de assédio moral. — Balancei o aparelho. — Agora eu que pergunto. Vai me demitir, Anton?

Ele engoliu em seco.

Eu me adiantei a ele mais uma vez e dei outro passo para trás.

— Você vai me demitir mesmo? — repeti, provocando-o. — Vai continuar me tratando como um rato?

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Ali estava eu, me orgulhando por ser enfim corajosa, me impondo. Tudo bem que eu o ameaçava, mas tudo era válido contra um ordinário.

— Não — ele respondeu entredentes, com os olhos mostrando ira.

— Perfeito. E não vai mais gritar comigo, nem me xingar, muito menos passar todos os trabalhos de uma vez só para mim, com a intenção de que eu me sinta incompetente?

Ele assentiu, parecendo surpreso.

Abri a porta atrás de mim sem dar as costas a ele. No instante seguinte que a fechei, pousei a mão em meu peito. Escorei o corpo do lado de fora da madeira e ouvi um desabafo de Anton em forma de palavrão.

Eu soube que meus dias estavam contados na multinacional, e eu precisava ter um plano B. Urgentemente.

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