A Escolha - Primeiros Capítulos

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1ª EDIÇÃO RIO DE JANEIRO

A EscolhA silmArA izidoro

copyright © 2020. AllBook EditorA

Direção Editorial

Beatriz Soares

Preparação e Revisão

Gabriela Peres

Capa

Flavio Francisco

Projeto Gráfico e Diagramação

Cristiane Saavedra | Saavedra Edições

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)

SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Camila Donis Hartmann - Bibliotecária - CRB-7/6472

I97e Izidor, Silmara

1.ed. A escolha / Silmara Izidor. – 1.ed. – Rio de Janeiro: Allbook, 2020

600 p.; 16 x 23 cm.

ISBN: 978-65-86624-11-3

1. Ficção brasileira. I. Título.

2020 PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM

CDD 869.3

CDU: 82-3(81)

AS REGRAS DO JOGO

Não me deixe, posso nunca mais voltar.

C LARICE L ISPECTOR

PRÓLOGO

CIDADE DE PINHAL – PARAÍBA

As pessoas estão agitadas dentro do Fórum Municipal de Pinhal, cidade pequena do interior da Paraíba.

O tédio quase me mata, e se não fosse a decepção estampada na cara de João Marcos, o dia de hoje poderia entrar na lista dos mais chatos nos últimos anos.

Continuo sentada ao lado do advogado, que pouco fez para me livrar das acusações de homicídio e ocultação de cadáver, ao contrário do promotor público e primo de João Marcos, que não poupou energia, dinheiro e conhecimento para provar a minha culpa.

Quero rir da cara deles, grandes idiotas cheios de prepotência, que se acham inteligentes.

A sala onde estamos é grande, mas pequena o bastante para que as conversas paralelas sejam ouvidas por todos que estão aqui. Cochichos, vozes furiosas, lamentos e os tão famosos “e se”, mas agora é tarde demais para arrependimentos.

O caos já foi instalado. O erro já tinha sido cometido. O crime já havia sido executado. Raquel está morta. João Marcos está sozinho. E eu... sairei daqui pela mesma porta que entrei e recomeçarei minha vida em outro lugar.

Ninguém vai provar a minha culpa. Não há evidências, testemunhas ou motivos.

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Tudo o que as pessoas sabem é que o senhor Excelentíssimo juiz, João Marcos Callado, manteve um caso extraconjugal com a sua funcionária, a pobre e inocente jovem que se apaixonou por ele. A esposa, dona Raquel Maria Callado, quinze anos mais velha do que a amante, descobriu sobre a traição do marido e, deprimida, cometeu suicídio.

A história perfeita que todos querem ouvir. Comovente e triste.

A porta se abre, o homem calvo coloca a cabeça para dentro e fala:

— Os jurados retornaram. Podem voltar.

Ouço a voz de João Marcos, exaltada do lado de fora.

— Como? Eles saíram há menos de dez minutos! São muitas provas para serem analisadas!

O promotor seca o suor, anda de um lado para o outro, balança a cabeça em negação. Ele sabe que perdeu e eu venci, como foi avisado que seria, desde o começo.

— Vamos, Adelina, dessa vez você se deu bem. — O velho que me defende por obrigação, sorri pela primeira vez em dois meses. — Se os jurados voltaram foi porque não tiveram dúvidas sobre a sua teoria de que ela estava emocionalmente abalada.

— Eu disse que tinha tudo sob controle. — Ajeito o vestido velho sobre o meu corpo e faço cara de inocente, dando de ombros. — Pena que ninguém acreditou em mim.

— Confesso que as conversas que você gravou da senhora Raquel foram fundamentais para contestar as alegações da Promotoria.

— Não tenho culpa se a velha ficou abalada quando soube que o marido estava trepando com uma mulher da idade da filha mais velha.

Meu advogado segura meu braço com firmeza e me conduz para dentro do Tribunal. O público foi impedido de assistir ao julgamento da suposta assassina da esposa do juiz mais conhecido do estado paraibano, devido à repercussão do caso na pequena e pacata cidade.

Mas antes que as portas se fechem, vejo João Marcos parado ao lado das duas filhas, me encarando com seus olhos castanhos. Parece cansado, arrependido, injustiçado.

Sorrio e pisco ironicamente sem que ninguém perceba, apenas ele, que avança entre as pessoas, querendo me matar.

Quanta ironia, não é mesmo, juiz?

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Quando quis me levar para cama, mentiu, me enganou e achou que seria fácil me descartar como se eu fosse um brinquedinho velho, mas agora sabe que mulheres determinadas não se entregam facilmente. Olho por olho, dente por dente.

Não presto atenção no blá-blá-blá que se estende em formalidades e palavras difíceis que o homem coberto por uma capa preta usa para dizer as tão esperadas palavras:

— O júri chegou a um veredicto unânime?

— Sim, senhor.

O policial pega o papel da mão do jurado e entrega ao juiz, que lê em silêncio e devolve com a cara amarrada.

— Pode ler em voz alta.

— O júri considera a réu, Adelina Cruz, inocente de todas as acusações.

O silêncio impera por alguns minutos, antes de a aglomeração de repórteres e curiosos invadir o local, enquanto sou conduzida pela porta lateral onde há um carro à minha espera, pronto para me levar à rodoviária da cidade.

Cortesia da minha tia, que não me quer mais em seu barraco, no meio da favela Marajoara, onde eu morava havia mais de cinco anos.

Estou livre depois de viver uma história de amor e ódio, que culminou na morte da esposa do homem que deveria ter feito a escolha certa e pagou caro pelo erro que cometeu.

Ele deveria ter me escolhido, mas preferiu me dispensar e continuar no seu casamento fajuto com a mulher que nunca seria digna de estar ao lado dele.

João Marcos não me deu opções. Fiz o que foi preciso e agora tenho que abandoná-lo, mas não irei sozinha, levarei comigo sua dignidade, sua honra, sua paz e, como prêmio de consolação, permitirei que fique com a culpa e o remorso.

O ônibus que me leva a São Paulo é grande e eu sinto com cada nervo esperançoso do meu corpo que ainda irei encontrar o homem certo.

Aquele que será o dono do meu coração e me fará a mulher mais feliz do mundo.

Depois de mais de vinte horas de viagem e algumas paradas, vejo a placa da cidade que servirá para que eu recomece a minha vida: São José do Rio Preto.

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Aqui serei apenas Adel, a jovem que saiu da cidade pequena no meio do nada e veio tentar a sorte. Inspiro profundamente o ar matutino e caminho para o bar de motoqueiros, onde pretendo conseguir meu primeiro emprego como garçonete.

A vaga foi oferecida por um site de empregos, e, se tudo correr bem, em poucos minutos estarei empregada.

A calçada está tomada por motocicletas parecidas e o grupo de homens, que veste o mesmo colete de couro, me deixa excitada. São muitos, estão distraídos conversando sobre o passeio do fim de semana. Não me notam.

Entro e sigo diretamente para o bar. Avisto a mulher robusta com longos cabelos roxos e me aproximo timidamente.

— Senhora Rubi?

Ela levanta a cabeça. Seus olhos cor de mel me examinam e seu sorriso se amplia, quando percebe quem chama o seu nome.

— Adel? É você?

— Sim. — Sorrio de volta. — Como eu disse, quando conversamos na semana passada, estou pronta para começar a trabalhar.

— Bem que meu filho falou que a internet é um bom lugar para arrumar funcionárias bonitas. — Ela dá a volta no balcão. — Tem certeza de que você é maior de idade? Parece uma menina...

— Tenho vinte e dois anos, senhora. Minha identidade pode comprovar.

— Vamos ter muito tempo para conversar sobre isso. Mas agora preciso que venha me ajudar com os preparativos para receber os motoqueiros que vão chegar para o encontro desse fim de semana.

— É só me falar o que preciso fazer — declaro, demonstrando disposição. Preciso de dinheiro e não posso me dar ao luxo de negar uma oportunidade como essa.

— Guarde sua mala no escritório e volte aqui. Não temos tempo a perder... Esses homens são exigentes e nada pode sair errado.

— Sim, senhora.

Rubi me mostra o caminho e em menos de dez minutos estou servindo café, cerveja e todo tipo de bebida para os mais estranhos clientes que entram no Bar Delinquentes MC. Em poucas horas, descubro que, uma vez ao ano, acontece o grande encontro dos principais motoclubes do interior de São Paulo.

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E foi nesse mesmo bar que eu o vi pela primeira vez, o homem que invadiu meus pensamentos, meu coração, entrou na minha vida e nunca mais saiu.

Alex demorou a me notar e permitir que eu entrasse em sua vida, mas desde o instante em que coloquei meus olhos nele, soube que daquela vez seria diferente.

Ele só tinha que fazer a escolha certa e nós ficaríamos bem.

O amor, finalmente, sairia como vencedor e ninguém me impediria de ser feliz ao lado do homem que nasceu para ser meu.

Não existiam regras naquele jogo, e todas as armas seriam usadas até que o último peão caísse e o vencedor recebesse o prêmio final.

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CAPÍTULO 1

Alex DIAS ATUAIS

— Não sei mais o que fazer, Alex...

A voz de Adriana é arrastada e profundamente irritante.

— Se você colocar gasolina de qualidade na moto isso não vai mais acontecer, Adriana.

— O que eu posso fazer se eu sempre me esqueço?

Ela está a poucos centímetros e posso sentir o cheiro que sua pele exala de onde estou. Minha oficina é a única da cidade, e nos últimos anos o número de mulheres que adquiriram um veículo de duas rodas aumentou em grandes proporções.

— Fale com o seu marido. — Fico em pé e aproveito para me afastar. — Tenho certeza de que ele pode cuidar do abastecimento da moto para você não correr o risco de perder o tanque, ou pior, ficar a pé.

— Por que você não me ajuda com isso, Alex?

Adriana é esposa de Cícero, um dos caras que fazem parte do nosso pequeno grupo de motoqueiros apaixonados por Harley-Davidson, que aproveita alguns fins de semana para fazer viagens pelo interior do estado para conhecer outros motoclubes.

O MC Sem Fronteiras está crescendo, e aos poucos ganhando novos integrantes, o que torna os passeios cada vez mais agradáveis. Apenas

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homens participam e, apesar de parecer um pouco machista, essas viagens se tornaram uma válvula de escape para todos nós.

— Porque eu não tenho tempo e, mesmo se tivesse, não posso ajudá-la com isso.

Adriana é uma mulher bonita, tem um corpo com curvas avantajadas e está se esforçando para me convencer a trair minha esposa, coisa que ela está acostumada a fazer por aqui. Mas não vai conseguir e, pelo jeito, terei que ser mais incisivo em minha negativa, que, ao que tudo indica, ela não se cansa de ouvir.

— E com outras coisas também, Alex. — Ela se aproxima por trás e encosta seus peitos siliconados nas minhas costas, por cima do macacão azul. — Pode me ajudar ou ainda vai ficar se fazendo de difícil?

— Aqui está sua nota, Adriana. — Ignoro sua pergunta indiscreta e entrego o papel com o valor da limpeza que fiz no tanque, voltando para o interior do balcão e me fingindo de burro. — É só pagar ao Zé antes de sair. Tome cuidado para que a sua moto não fique mais sem combustível. Ela me encara frustrada.

— Um dia você vai se render a mim, Alex, e eu vou garantir que não se arrependa. Nego com a cabeça.

— Eu gosto do Cícero, você sabe, mas amo a minha esposa. E se fosse você, começaria a procurar alternativas, porque o que você quer não vai acontecer.

Antes que ela possa retrucar, ouço a voz de Duda:

— Pai! Cheguei!

— Oi, filha, estou aqui atrás! — respondo sorrindo. Maria Eduarda atravessa a porta acompanhada de seu melhor amigo, Francisco. Eles ficam sérios quando se dão conta de que Adriana está comigo, vestindo um short jeans curto e uma blusa branca transparente, que mal esconde seus mamilos.

— Sua moto adora essa oficina, hein, Adriana? — o garoto pergunta, debochado.

— Não tenho culpa se a minha memória é fraca e eu sempre esqueço de abastecer a pobre coitada.

— Pelo jeito a sua memória se perdeu de vez, Adriana. Você se esqueceu de vestir uma roupa também — Duda fala emburrada e eu a encaro

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com os olhos apertados, sinalizando para que não continue com as provocações. Mas minha filha não se intimida e continua enfrentando a esposa do meu amigo: — Da próxima vez é mais fácil vir com os peitos de fora.

Sem se afetar, Adriana sorri com deboche e puxa o decote ainda mais para baixo.

— Sabe que é uma boa ideia, Duda? Acho que tem muita gente que vai gostar de apreciar a vista.

— É Maria Eduarda para você! E o seu marido com certeza vai adorar saber disso.

— Ah... ele vai adorar mesmo... — Adriana pega o capacete rosa e o enfia pela cabeça. — Obrigada, Alex, eu nem sei o que faria se você não fosse tão... prestativo comigo.

Ela monta na moto e sai dirigindo.

— Essa mulher é uma vagab...

— Duda, por favor, pare com isso! — repreendo minha filha, sem permitir que ela termine a ofensa. — Ela é uma cliente.

— Uma cliente que vem aqui uma vez por semana, quase pelada, e fica dando em cima do senhor na maior cara de pau! Tenha dó, né, pai?

Maria Eduarda tem catorze anos e a cada dia que passa fica mais parecida com a mãe dela. Pelo menos fisicamente, já que minha filha é muito parecida comigo em sua personalidade.

— Vamos esquecer isso, tudo bem?

Dou a volta no balcão e a puxo para um abraço. Minha garotinha cresceu muito nos últimos anos e o ciúme se tornou evidente no que diz respeito às mulheres que frequentam a oficina.

Eu não a culpo, pois os casos de assédio realmente aumentaram, mas ela também não pode me culpar. Nunca dei motivos para que minha esposa desconfiasse ou pensasse que tenho interesse em qualquer outra mulher.

— Eu não sei como a minha mãe aguenta essas coisas...

Beijo sua testa, prendendo seu corpo dentro de um abraço, o que a faz sorrir.

— Sua mãe sabe que eu nunca deixaria outra mulher se aproximar de mim, e é por isso que ela não fica pensando besteiras, como você.

— Se fosse comigo, colocava essa tal de Adriana no lugar dela. Isso sim.

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— E puta lá tem lugar? — Fran debocha. — Essa daí só falta dar em cima do padeiro, e o velho parece uma múmia de tão acabado...

— Estão indo almoçar? — pergunto, enquanto eles ainda gargalham da piada.

— Estamos, mas eu passei aqui porque o senhor me disse que hoje daria a resposta, pai.

Estou limpando minhas mãos sujas de graxa na estopa e preciso disfarçar para que Duda não perceba o quanto o assunto me incomoda.

— Duda...

— Por favor, pai! — Ela praticamente implora. — O senhor disse que ia pensar.

— Eu pensei e a resposta continua a mesma: não.

— Pai, pelo amor de Deus! Vai todo mundo da minha sala!

A voz de Duda já está bem acima do aceitável, e ela sabe o quanto fico irritado quando aborda assuntos particulares na oficina na frente de outras pessoas.

— Vamos conversar quando chegarmos em casa, Duda. — Continuo esfregando a mão na espuma branca sem olhá-la nos olhos, porque sei que ela está quase chorando e eu odeio quando isso acontece. — Aqui não é o lugar para discutir sobre isso.

— Não é uma discussão, pai! — Ela se aproxima com os braços cruzados na frente do peito, me desafiando a encará-la. — Eu mereço uma explicação convincente.

— Já disse que aqui não é o lugar para gente falar sobre isso, Duda. — Jogo a estopa fora, me controlando para não estourar. — À noite, no jantar...

— Pelo jeito a última briga com a minha mãe não adiantou nada, não é mesmo? — Estou de costas para ela, mas sei que está enxugando as lágrimas. — Acho que no fundo tudo que ela falou é verdade mesmo... você se arrepende e não aguenta pensar que pode acontecer a mesma coisa comigo.

— Nunca mais repita isso, Maria Eduarda!

— Ah... agora eu sou a Maria Eduarda?

— Você e a sua mãe são as coisas mais importantes da minha vida e eu nunca vou me arrepender de nada que aconteceu.

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— Tem certeza? — ela provoca. — Se o senhor tivesse a chance de mudar as coisas, continuaria aqui nessa cidadezinha ou teria seguido seu sonho de ser piloto? Responde a verdade, pai!

— Uma coisa não tem nada a ver com a outra, Duda!

— Claro que tem, e o senhor sabe disso. A diferença é que eu não sou a minha mãe e não pretendo cometer os mesmos “erros” que ela cometeu, se é isso que tanto te preocupa.

— Sua mãe não cometeu erro nenhum, Duda. Por favor, para com isso.

— Então, pai, olha para mim e fala, olhando nos meus olhos, se não é por isso que o senhor não quer que eu vá nessa excursão.

Levanto a cabeça, disposto a fazer o que ela quer, mas quando nossos olhares se cruzam, eu travo e não consigo falar. A verdade é que Duda tem razão e eu não quero que ela cometa os mesmos erros que eu e sua mãe cometemos, e com isso acabe presa a uma cidade como Iraruama por causa de uma gravidez que não foi planejada.

Duda é o meu maior tesouro, minha vida, mas tivemos que abdicar de todos os nossos sonhos quando soubemos que Mariana estava grávida. Éramos jovens demais, e pedir para que minha namorada fizesse um aborto com apenas dezenove anos não foi uma opção para mim.

— À noite, Maria Eduarda. — Encerro a discussão. — Agora eu preciso voltar ao trabalho.

— Claro que precisa... — Ela sorri, limpa o rosto molhado pelas lágrimas, e a raiva que vejo em seus olhos faz com que eu me sinta o pior pai do mundo. — Todo mundo sabe que a oficina é o seu lugar preferido, e isso sem falar das suas viagens com o motoclube, mas não esquece que a sede que dá no boi, uma hora vai dar na vaca. E quando isso acontecer, o senhor vai perceber que a minha mãe é muito melhor do que qualquer outra coisa na sua vida, mas vai ser tarde demais.

Fico boquiaberto e sem palavras. Quero colocar minha filha no colo e dar umas belas palmadas no seu traseiro pela falta de respeito, mas suas palavras me deixam petrificado e não sei o que fazer.

Quando foi que Maria Eduarda começou a entender sobre relacionamentos?

— Ela está crescendo, Alex, e pelo visto vai ser difícil controlar a boca da sua filha. — José Carlos aparece na porta que separa o balcão de peças e atendimento e a oficina mecânica.

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— Você ouviu o que ela disse?

— Não foi minha intenção ouvir, mas não consegui me esconder no banheiro a tempo.

Passo as mãos pelo rosto e olho para cima, talvez com a esperança de conseguir enxergar o céu e receber uma orientação divina de como educar filhas adolescentes.

— De onde ela tirou aquilo? — pergunto, exasperado. Meu melhor e único amigo não responde, mas não é o seu silêncio que me incomoda, e sim o seu jeito de olhar para os pés.

— O que foi, Zé? — Reformulo a pergunta, caminhando até ele. — O que você quer me dizer sobre o que a Duda acabou de falar?

Eu e o José Carlos nos conhecemos desde que nascemos. Nossas mães são melhores amigas desde a infância também, cresceram juntas e até se casaram no mesmo dia.

E para deixar a história ainda mais incrível, nossos pais também eram melhores amigos. A diferença é que meu padrinho não se arrependeu de ter escolhido se casar e ficou ao lado da família, enquanto meu pai decidiu realizar seus sonhos de garoto, quatro anos após o meu nascimento, em vez de cumprir o papel que assumiu, de marido e pai. Deixando minha mãe e eu sozinhos.

— Eu sei que você não admite, Alex, mas...

— É melhor você pensar bem no que vai falar, Zé! Meu amigo e funcionário coloca as mãos nos bolsos da calça jeans e sopra o ar.

— Acho que você sabe o que eu quero falar, mas, como sempre, não admite, e isso é um grande problema.

— Acha mesmo que eu não sou feliz no meu casamento e uso a oficina como desculpa? — Estou me sentindo péssimo por fazer essa pergunta em voz alta e tenho medo do que posso escutar do meu melhor amigo.

— Eu sei que ama a Mari, mas... às vezes é difícil entender por que sempre arruma uma desculpa para não voltar para casa quando nós dois sabemos que o serviço acabou.

De repente, o lugar fica pequeno e claustrofóbico.

Tento respirar normalmente, mas o ar não chega aos pulmões e minha cabeça começa a ser preenchida com um turbilhão de pensamentos e desculpas que serviriam para justificar minhas atitudes. A verdade é que

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na maioria das vezes eu sinto falta das coisas que não fiz, de tudo que não experimentei por ter me casado com apenas vinte e um anos.

— Eu só preciso de um tempo para mim, só isso.

— Já falou isso para Mari?

— Claro que não.

— Pois eu acho que deveria, Alex.

— Por quê?

— Porque talvez ela queira o mesmo.

— O quê? — Agora ele pegou pesado. — Está insinuando que a minha esposa também se arrepende de ter se casado cedo?

— Eu não falei que você se arrependeu, Alex.

A expressão de descrença no rosto de José Carlos me deixa abalado. Acabei de confessar que me arrependo e isso me enoja. Como posso ser igual ao homem que me abandonou?

— Eu nunca faria com a Mari o que meu pai fez com a minha mãe.

— Sei disso, e esse é o grande problema. Seu pai foi embora porque estava infeliz e sabia que, se não deixasse a família, transformaria a vida da sua mãe e a sua num martírio ao lado dele.

— Ele foi irresponsável, Zé!

— E você está sendo o que, Alex? — ele pergunta calmamente. — Há quanto tempo não leva a Mari para jantar? Não faz uma surpresa no dia do aniversário dela ou chega cedo em casa para passar mais tempo com a sua esposa só porque está com saudade?

— Eu não sei... Mas depois de quase quinze anos essas coisas acabam acontecendo, quer dizer, esse afastamento. Nós trabalhamos o dia todo e à noite estamos cansados. É normal, não é?

— Normal é o cara querer sair correndo assim que o expediente acaba para chegar em casa e encontrar a família, Alex.

— Como você sabe, se não é casado?

Estou alterado e não entendo por que preciso atacá-lo para me defender, mas é isso que faço. Ele dá de ombros e, antes de me deixar sozinho no meio da oficina, diz:

— É isso que eu faria se tivesse uma esposa como a Mari e uma filha como a Duda, mas, como você disse... eu não sou casado, então talvez o problema seja eu, e não você.

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Sempre desconfiei que meu amigo fosse apaixonado pela minha namorada de infância, e agora tenho quase certeza de que estive certo todo esse tempo. Mariana é uma mulher linda, e manteve o corpo em forma mesmo depois da gravidez.

Minha esposa é formada em Letras e conseguiu realizar seu sonho de trabalhar em uma editora, a única da região, que fica em Serrano Paulista, uma das cidades vizinhas de Iraruama. Todos os dias ela sai de casa às sete da manhã e só retorna no fim da tarde.

Mari terminou a faculdade quando Duda ainda era bebê e nunca deixou que a maternidade e o casamento atrapalhassem seus planos, mas comigo as coisas não foram tão simples.

Eu sonhava em ser piloto de motos e estava prestes a fechar meu primeiro contrato com uma equipe do Rio Grande do Sul quando recebi a notícia da gravidez da Mari. Nós namorávamos desde o ensino médio e eu decidi abdicar do meu sonho para assumir meu papel de homem, marido e pai.

Consegui montar a oficina de motos, alguns anos depois, com a ajuda da minha esposa, que ganhou uma bolada por ter sido a vencedora de um concurso literário nacional e teve seu trabalho publicado por uma das maiores editoras do país.

Mari não pensou duas vezes quando me ofereceu quase o valor total do prêmio para que eu pudesse trabalhar com o que amo, e usou o restante do dinheiro para quitar a casa onde moramos até hoje.

Jamais vou me esquecer do que ela fez por mim. Por amor.

Apenas para me ver feliz e satisfeito, e agora me sinto péssimo por ser tão ingrato com a pessoa que sempre esteve ao meu lado. Mariana me conhece melhor do que qualquer um e nunca cobrou nenhuma responsabilidade quando soube que estava grávida.

No começo foi difícil convencê-la a se casar comigo, pois ela não queria que eu desistisse do contrato com a equipe gaúcha, mas para mim era uma questão de honra, e nada no mundo me igualaria ao homem que eu sempre odiei por ter me abandonado quando ainda era uma criança.

Trabalhar com motos me ajudou a não me sentir totalmente frustrado, mas a sombra das possibilidades do que poderia ter acontecido na minha vida, caso a minha namorada não tivesse engravidado, ofusca muitas coisas, inclusive a minha vontade de voltar para casa, todos os

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dias, no final do expediente, como o Zé tinha jogado na minha cara sem qualquer cerimônia.

As horas passam voando, assim como os pensamentos desordenados na minha cabeça, e eu finalizo o conserto da CG-150cc, que pertence a um dos motoboys que trabalha na pizzaria do Centro, perto das sete horas da noite. A última do dia.

Minha mãe me liga e, antes de voltar para casa, decido passar para fazer uma visita rápida.

Dona Bernadete é uma senhora de quase sessenta anos, que viveu para cuidar das pessoas carentes da cidade. Ela se aposentou como assistente social e trabalha como voluntária em duas creches da cidade, incansavelmente.

Há alguns anos, meu pai procurou por ela e, para o meu espanto, minha mãe não demonstrou qualquer ressentimento por toda dor que ele nos causou quando foi embora.

Minha mãe nunca me contou sobre o que conversaram e ainda tentou me convencer a falar com o velho para que ele tivesse uma chance de me explicar o motivo para ter feito tudo que fez, mas não conseguiu. Depois de várias tentativas sem sucesso, o glorioso senhor Alexsandro Matias acabou desistindo.

Eu jamais quis nenhum tipo de contato com meu pai. Ainda não quero, e embora Mariana tenha pedido para que ele pudesse conhecer a neta, não fui capaz de aceitar suas desculpas tão facilmente.

Talvez um dia, foi tudo que consegui responder.

A casa da minha mãe está cheia e barulhenta.

Os vizinhos estão comemorando o aniversário de alguém que eu não conheço e resolvo tomar uma cerveja. Uma hora mais tarde, Cícero e sua esposa, Adriana, chegam para a comemoração e ele me avisa que na semana seguinte teremos uma viagem para comemorar os trinta anos de outro motoclube, Delinquentes MC, de São José do Rio Preto.

Depois de várias cervejas, acabo pegando no sono, e quando acordo o dia já está clareando. Pego o capacete e me preparo para sair da casa da minha mãe sem fazer barulho, mas quando estou prestes a passar pelo portão, a voz de dona Bernadete ecoa atrás de mim:

— É melhor tomar um banho e uma xícara de café antes de ir embora.

Abaixo a cabeça, soltando o ar pesadamente.

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— Posso fazer isso em casa. — Não tenho coragem para encarar a mulher que fez tudo que podia para que nada me faltasse. — Quero falar com a Mari antes que ela saia para trabalhar.

— Ela já saiu, Alex.

— São seis horas, mãe. A Mari só sai às sete.

— Ela disse que avisou sobre a entrevista dela hoje em São Paulo. A Duda ficou na casa do Francisco.

Puta merda!

Minha esposa foi convidada para dar uma entrevista em um programa de televisão e tinha me pedido para acompanhá-la, mas eu acabei esquecendo.

— Como a senhora soube?

— A Mari passou aqui e me contou.

— Por que ela não me chamou? — Merda! Merda! Merda!

— Entra, filho... depois que você tomar um banho a gente senta e conversa direito.

Faço o que minha mãe pede. Tomo banho e visto uma das roupas que ela guarda em sua casa para alguma emergência, como essa. Encontro dona Bernadete em pé na cozinha, encostada na pia enquanto beberica seu café.

— Por que não foi para casa ontem à noite? — ela pergunta enquanto me sirvo.

— A senhora viu, comecei a tomar uma cerveja e acabei pegando no sono.

— Sabe, filho, eu não entendo você.

— O que a senhora não entende?

— Por que você continua casado? Minha mão para no ar enquanto o olhar da mulher à minha frente vasculha cada gesto meu à procura de uma resposta convincente.

— Do que a senhora está falando?

— É uma pergunta difícil para você?

— É apenas sem sentido. — Finjo indiferença.

— Então me responda.

— Mãe...

— Por que você continua casado, filho?

— Porque eu...

— Você ama a Mari?

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— Claro que eu amo.

— Tem certeza?

“Claro que eu tenho!”, quero gritar, mas não grito. Amo minha esposa desde o sétimo ano. Mariana era a menina mais linda da escola, e a mais inteligente também. Nós nos conhecemos nas aulas de reforço no fim daquele ano, e ela foi a responsável por eu ter conseguido tirar dez em língua portuguesa.

Os pais dela não queriam que ela namorasse, mas, quando nos beijamos pela primeira vez, eu sabia que queria passar minha vida ao lado dela. Só não sabia que teria que largar tudo que sempre sonhei e, no fundo, mesmo sem motivos, acho que a culpo por ter engravidado.

— Eu amo a Mari, mãe.

— Alex, eu me lembro como se fosse, quando a Mariana descobriu que estava grávida, ela me disse que não queria se casar com você, e que ficaria te esperando até que o seu contrato acabasse. Mas você não quis seguir em frente, porque não queria ser igual ao seu pai, e agora... está agindo muito pior.

— Mãe, eu sei que não devia ter bebido ontem e errei de ter ficado aqui, mas isso não vai acontecer de novo, está bem?

— Não é para mim que você precisa explicar, Alex. Mas, do jeito que as coisas estão, eu não sei se vai adiantar muita coisa agora.

— Eu vou conversar com a Mari hoje à noite e tenho certeza de que ela vai entender.

Minha mãe me olha e sei que ela quer me falar alguma coisa, mas tudo que faz é terminar de tomar seu café e sair da cozinha em silêncio.

Meu celular toca e vejo uma mensagem no grupo do WhatsApp informando o horário de saída no sábado de madrugada. Um sorriso estampa meu rosto ao mesmo tempo em que penso na minha mulher.

Sei que estou agindo como um filho da puta com a minha esposa e prometo a mim mesmo que essa será a última viagem que farei sozinho. Mariana é a mulher que eu amo e de agora em diante não vou mais excluí-la da minha vida.

Ligo para ela, mas a ligação cai direto na caixa postal. Tento mais duas vezes durante a manhã, mas não consigo falar com a minha esposa.

Ao meio-dia, decido ir até a escola de Duda e levá-la para almoçar, mas para o meu espanto, a professora me informa que ela não foi à aula.

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Ligo dezenas de vezes para as duas, mas ninguém atende e quando chego em casa, antes das seis e meia da tarde, me deparo com a escuridão.

Tomo banho, peço uma pizza e ligo a televisão para assistir a uma programação especial sobre os novos modelos de motos que vão chegar ao mercado no próximo ano. As horas passam e, quase à meia-noite, ouço o barulho da porta.

— Onde você estava? — pergunto quando Mari gira a chave na fechadura.

Ela me ignora e segue para o quarto. Levanto-me e vou atrás dela.

A porta do banheiro está entreaberta e eu me encosto no batente. Minha esposa está linda, e por um momento fico deslumbrado com o que vejo. Está com um vestido preto que modela seu corpo magro e evidencia sua cintura fina, além de destacar sua bunda avantajada.

Não tem decote, renda ou transparência, e a barra chega aos joelhos.

É elegante, simples e desperta a imaginação de qualquer apreciador do corpo feminino. Seus cabelos castanho-claros estão presos em uma trança que cai sobre o ombro direito e chega acima do seio pequeno.

Ela limpa a maquiagem de frente para o espelho e parece concentrada em sua tarefa. Seus olhos esverdeados não brilham como antes, há marcas escuras sob eles e evidências de que ela andou chorando. Por minha culpa, certamente.

— Como foi a entrevista?

Mari apoia as mãos sobre a pia e solta uma risada irônica, mas continua quieta, me ignorando.

— Eu quero me desculpar, Mari.

— Pelo quê?

— Por tudo.

Ela joga o lenço branco no lixo, com força.

— Alex, eu fiz tudo que podia durante os últimos catorze anos, porque eu amo você mais do que a mim mesma, mas... — Meu coração acelera quando ela começa a falar e juro que nunca a vi do jeito que está nesse momento, tão fria e distante. — Estou cansada de fazer isso sozinha, e prolongar essa situação só vai me machucar mais. Eu vou conversar com a Duda amanhã e o meu advogado vai dar a entrada no processo de divórcio. Minhas pernas estão tremendo e parece que, a qualquer momento, o mundo vai desabar em cima da minha cabeça.

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— O que você está falando, Mari?

— Eu quero me separar de você, Alex. Preciso de alguém que me ame e não que fique comigo por obrigação só porque tem uma filha.

— Eu te amo, Mari!

Seus olhos encontram os meus e as lágrimas que escorrem pelo rosto dela agem como lâminas no meu peito; machucando, rasgando, ferindo. Estou me sentindo completamente ausente da minha própria vida.

— Não, Alex, você deixou de me amar há muito tempo. Se você me amasse, não me trataria como me trata.

— Mari, por favor, eu te imploro. — Aproximo-me e agradeço quando ela não se afasta. — Você está certa e tem toda razão para pensar que eu não te amo, mas juro pela nossa filha que você é a única mulher que eu amei, amo e vou amar até o fim da minha vida. Eu tenho sido um imbecil e agido feito um perfeito canalha, mas prometo que vou corrigir todos os meus erros e provar que estou sendo sincero. Por favor, Mari, me dá uma chance.

Estou olhando no fundo dos seus olhos; tão lindos, tão entristecidos e magoados. Eu causei essa dor e preciso de uma única chance para me redimir e mostrar à minha esposa que nenhuma mulher no mundo significará para mim o que ela significa.

— Eu preciso dormir, Alex — ela fala com a voz embargada. — Está tarde e acho que você precisa de um tempo para pensar no que realmente quer fazer da sua vida.

— Eu sei o que eu quero, Mariana — declaro com firmeza. — Eu sempre soube, mas acabei agindo como um babaca e tenho consciência disso.

Ela está tentando desabotoar o vestido, mas suas mãos trêmulas não ajudam. Com dois passos, me posiciono atrás dela e a encaro pelo espelho. Deslizo minhas mãos pelos ombros expostos, sentindo sua pele arrepiar sob meu toque.

O cheiro dela é único, familiar e especial. Não quero outro. Não preciso de outro. Nunca quis, desejei ou cobicei outra mulher, apenas a minha. Errei, mas vou me redimir e provar que ela é o amor da minha vida.

— Deixa que eu te ajudo a tirar o vestido, Mari.

— Alex...

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Ela sussurra meu nome sem forças. Beijo seu pescoço enquanto solto seus cabelos. Minhas mãos descem pela lateral do seu corpo e minha boca explora seus ombros, nuca e cervical. Pressiono meu pau na bunda dela, obrigando-a apoiar as mãos na beirada da pia para não cair.

— Não vou deixar você sair da minha vida, Mari. Eu te amo e quero me redimir. — Ela fecha os olhos quando minhas mãos levantam a barra do vestido e se deliciam com a maciez da sua pele.

Não sei em que momento deixei que minha esposa acreditasse que o meu amor por ela tinha acabado, mas não permitirei que ela ou qualquer outra pessoa continue duvidando do meu sentimento por essa mulher.

— Eu te amo, Mari, sempre amei.

— Para, Alex. Por favor, não!

Ela se afasta bruscamente, me deixando excitado e confuso.

— Mari...

— Não! — ela fala alto e me surpreende. — Sabe quanto tempo faz que você não me toca? Sabe quanto tempo faz que você chega em casa tarde só para não ter que conversar comigo? Sabe quanto tempo faz que eu ouço a Adriana me contar sobre as idas dela à oficina e o quanto você é educado e gentil com ela?

— Eu nunca tive nada com ela, Mari! — rebato, odiando saber que aquela vagabunda tentou jogar minha esposa contra mim.

— Não importa, Alex! Você falou com ela, conversou, falou sobre o motoclube, sobre os seus planos para oficina... falou até sobre os investimentos que fez. Ela sabia e eu não! EU, A SUA ESPOSA, NÃO SABIA QUE VOCÊ TINHA INVESTIDO DEZ MIL REAIS!

— Mari, por favor, me escuta...

— Não, Alex! É você que tem que me escutar. Nós estamos morando na mesma casa, mas não somos um casal há muito tempo, e eu não vou mais viver assim.

— Eu não quero me separar de você, Mari. Não quero, porque eu te amo!

Ela me encara e sei que não acredita em mim ou nas minhas palavras, mas não vou desistir. Nunca.

— Alex...

— Eu sei que você não acredita e não te culpo. Mas preciso de uma chance, Mari. É tudo que estou pedindo, só uma chance de provar que eu amo você e posso te fazer feliz de novo.

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Eu me aproximo dela e dessa vez não dou chance para que fuja. Beijo sua boca com força, agarro sua bunda e carrego minha esposa para a cama. Solto seu corpo sobre o colchão e mostro a ela como me sinto.

Muitas vezes temos perto de nós as coisas mais importantes da nossa vida, mas por egoísmo, acomodação e prepotência, colocamos tudo a perder. Mariana demorou a me mostrar que, só de cogitar sua partida, meu coração entraria em colapso e toda a minha segurança, por tê-la sempre solícita aguentando todas as minhas merdas, escorreria pelo ralo.

Eu imploraria se fosse preciso, mas não podia sequer imaginar uma vida sem ela ao meu lado. Mariana é única e minha. Só minha.

Durante a madrugada, passamos horas nos amando com paixão.

Sexo gostoso regado a lágrimas, amor e culpa, mas quando o dia amanhece, a razão invade nosso quarto, acompanhada pelo sol. Então, minha esposa me faz lembrar de todos os motivos que fizeram com que eu me apaixonasse perdidamente por ela.

Casamento exige respeito, companheirismo e dedicação.

Minha mulher quer ter certeza de que estou realmente disposto a manter o nosso relacionamento, e antes que ela saia para trabalhar, ajoelho na frente dela e faço uma promessa: “Eu juro que você não vai se arrepender de me dar essa chance, Mari, porque nenhum homem vai te amar como eu te amo.”

Família, amor, sonhos... Em alguns meses eu seria obrigado a me perguntar em que momento o nosso riso se perdeu e a resposta se tornou tão insignificante quanto a promessa feita de maneira relapsa e irresponsável.

Palavras nada representam quando suas ações não correspondem ao que sai da sua boca. Pena que aprendi isso tarde demais...

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CAPÍTULO 2

Mariana

Na vida, nem sempre podemos fazer somente o que queremos, pois o amor nunca vem acompanhado apenas de coisas boas. Ele machuca, fere, intimida e pode te destruir se não tiver forças para colocar o seu bem-estar à frente do que mais ama.

Não engravidei de propósito aos dezenove anos. Não obriguei meu namorado a se casar comigo. Não pedi, em momento algum, para que ele deixasse de seguir seus sonhos por mim ou pela nossa filha. Mas Alex precisava provar que não era um homem como o pai e praticamente me obrigou a aceitar seu pedido de casamento.

Meus pais não iriam permitir que eu recusasse a proposta de me tornar uma mulher casada, já que sua única filha tinha sido desobediente e começado a namorar o garoto bad boy com apenas quinze anos. E, desde então, adaptei todos os meus sonhos para que nunca faltasse nada a ele e à minha garotinha.

Mas o tempo foi passando e meu marido não agia mais como o homem companheiro e, aparentemente, feliz que era. Alex se afastou e construiu uma vida paralela que não incluía sua esposa ou sua filha.

Motoclube, oficina, amigos e outros passatempos ocupavam os espaços dos seus dias, não deixando sobras para as duas mulheres que sentiam falta da sua companhia e do seu amor.

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Depois de ter sido surpreendida com a postura de Alex na noite anterior, quando deixei claro que queria me separar — pois eu tinha certeza de que ele me agradeceria e deixaria nossa casa no mesmo instante para viver livremente —, fiz o que o meu terapeuta havia aconselhado e vomitei tudo que estava me incomodando, principalmente sua postura com as mulheres que frequentavam a oficina com a desculpa de levarem suas motos para o conserto, quando na verdade só queriam uma chance de levar meu marido para a cama.

Eu nunca fui boba, idiota e muito menos cega, mas confiava em Alex e cultivava a esperança de que, se algum dia ele se interessasse por outra mulher, teria a decência de me deixar antes de agir como um canalha traidor. A conversa foi franca e esclarecedora, mas muito difícil.

Não é fácil dizer em voz alta verdades que fazem seu coração sangrar, mas não havia outra forma de recomeçar senão daquele jeito. E por mais que as declarações de amor feitas pelo meu marido tenham sido surpreendentes, enchendo meu coração de alegria, ele precisava saber o quanto estava me magoando, mesmo quando jurava me amar.

Palavras bonitas inflam nosso ego e ressuscitam nossa autoestima, mas são as ações que determinam o nível de honestidade das coisas que saem pela boca. E eu vivia uma fase na qual a certeza de que as minhas apostas em um futuro com o homem que eu amava desde a adolescência iriam valer a pena.

— Como foram as coisas com o seu marido?

Cristiano, meu terapeuta, pergunta logo que me ajeito no sofá à sua frente.

— Bem diferentes do que pensei.

— Pelo seu sorriso, posso ver que sim. — Ele anota alguma coisa e percebo que não há o mesmo entusiasmo dos outros dias. — O que aconteceu, Mariana?

— Ele não aceitou o pedido de divórcio — respondo sem conseguir esconder o sorriso em meu rosto. — E pediu uma chance para mostrar o quanto está arrependido.

— E você acredita que ele possa mudar?

Cristiano não olha para mim, parece ocupado escrevendo e age como se as conversas que tivemos nos últimos meses não tivessem importância,

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agora que eu havia criado coragem para enfrentar toda a dor que um possível processo de divórcio causaria a mim e à minha filha, Duda.

— Ele disse que me ama e que sabe o quanto errou — falo, um pouco insegura. — Eu acredito nele, claro que acredito.

— Então você acha que seu marido ainda te ama?

Eu me sinto incomodada e me remexo no sofá. Por que ele está me fazendo essas perguntas?

— Alex não tem motivos para mentir, Cristiano. — Meu terapeuta me encara sem demonstrar nenhum tipo de sentimento. — Se ele não me amasse e quisesse me deixar, não teria uma oportunidade melhor do que a que lhe dei ontem. Não acha?

Havia insegurança na minha voz. Eu não queria estar errada sobre tudo que ouvi e senti na noite passada, mas a forma como o meu terapeuta agia suscitava certos questionamentos em mim.

— Mariana, eu não posso responder a essa pergunta. Tudo que eu faço é apresentar as questões que devem ser feitas para que você saiba o que fazer em cada passo que der. E isso pode ou não incluir o seu marido.

— Mas você não acha que eu tinha que dar uma chance a ele?

— Se você deu a chance que ele pediu foi porque acreditou nele. A minha pergunta é para ter certeza de que realmente acha que seu marido vai mudar ou por que é o que você quer acreditar?

Há tempos eu e meu marido não tínhamos uma noite como a de ontem. E, embora o sexo sempre tenha sido bom, pude sentir o desespero de Alex em cada beijo, abraço e gesto de carinho. Meu marido sentiu, pela primeira vez, o medo de me perder e essa foi uma das provas de que ele disse a verdade.

— Eu acredito nele — respondo com convicção. — Se Alex não me amasse, ele teria arrumado as coisas dele e ido embora.

— Se ele fosse embora, como acha que ficaria a questão em relação às atitudes do pai dele? Você me disse várias vezes que seu marido não admite ser como o seu sogro, certo?

— O que está querendo dizer com isso?

— Mariana, eu só quero que você pense na possibilidade de Alex ter ficado por se sentir culpado pela dor que está causando em você e na sua filha, e não por amor.

— Ele não seria capaz de mentir desse jeito.

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— Então, durante todo esse tempo em que ele ficou afastado, agindo como se não fosse um homem casado, foi apenas um ato de egoísmo e relapso? E quando percebeu que realmente poderia te perder, decidiu mudar?

— Sim, quer dizer, acho que sim...

— Certo. Você me disse que a conversa de hoje pela manhã foi muito boa. O que vocês decidiram fazer?

Sinto o baque de suas palavras, ditas com calma e uma falsa aceitação, e por um momento penso que Cristiano está decepcionado comigo. Talvez por ter passado os últimos dois meses me ouvindo relatar todas as atitudes de Alex e como eu me sentia sozinha, abandonada e infeliz.

— Alex pediu para que eu entrasse no motoclube e começasse a viajar com ele nos fins de semana.

— E isso é bom?

— Acho que sim. — Então me lembro de quando meu marido entrou para o grupo de motoqueiros e passou a fazer curtos passeios pelo interior, e como ele voltava radiante no dia seguinte por fazer o que tanto amava.

— Alex ama pilotar e o motoclube meio que trouxe de volta a chance de ele se sentir mais completo.

— Por que você acha que ele te convidou para fazer parte do grupo?

— Porque ele quer recuperar o que perdemos, e sei lá... me deixar mais segura em relação ao amor dele por mim.

— Você gosta de andar de moto?

— Claro que gosto.

— E por que nunca falou isso para ele?

— Porque no fundo eu sabia que ele precisava desse tempo para aproveitar sua paixão pela velocidade. E todas as vezes que ele voltava das viagens, era como se o meu namorado voltasse no lugar do meu marido.

— Então as viagens faziam bem para ele?

— Sim, muito.

— Ótimo. — Cristiano se levanta e caminha até a cadeira que fica atrás da mesa, abre uma gaveta e pega um pedaço de papel. — Aqui tem uma programação completa de todas as viagens que o motoclube Sem Fronteiras fará no próximo mês. Vai ser bom se você estiver ciente do que está à sua espera quando decidir ir com o seu marido em alguma viagem.

— Como conseguiu?

— Eu disse a você que também faço parte de um MC, não disse?

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— Obrigada. — Eu me levanto, notando que a sessão já acabou, e guardo o panfleto dentro da bolsa. — Sua esposa vai com você?

Cristiano sorri sem jeito, passa a mão pelo cabelo escuro e me encara, tentando disfarçar o constrangimento.

— As pessoas procuram os MCs por diversos motivos, Mariana, e o meu não foi apenas viajar para matar a saudade de andar sobre uma moto por mais de seis horas.

— Posso saber por qual motivo você entrou para o motoclube?

— As mulheres.

— As mulheres?

— Isso mesmo.

— Por quê? Você não é casado?

— Eu fui casado, mas em determinado momento percebi que precisava de mais do que tinha, e as viagens do motoclube me proporcionaram o que estava faltando na minha vida.

— Então você entrou para o motoclube para transar com as mulheres que viajavam com o grupo?

— Não. — Ele passa novamente a mão pelo cabelo e apoia os cotovelos sobre a mesa de madeira escura. — Eu encontrava o que eu queria nos bares das cidades pelas quais passávamos durante as viagens.

— Prostitutas?

— Nem sempre. — Ele dá de ombros. — Sexo casual com desconhecidas que não colocariam minha rotina ou meu casamento em risco.

Fecho minha bolsa, odiando o que meu terapeuta acabou de falar, e começo a entender aonde ele quer chegar.

— É isso que você quer que eu pense sobre o meu marido?

Cristiano fica me encarando por vários segundos sem piscar e, quando volta à realidade, sua postura está completamente diferente.

— Não, Mariana. — Ele se levanta e caminha até a porta. — Por favor, esqueça o que eu acabei de falar. Foi um erro e... não vai acontecer novamente.

Ele abre a porta e espera que eu passe, para então fechá-la atrás de mim sem sequer se despedir. Passo na recepção e deixo uma consulta agendada para a próxima semana.

Volto para a editora no meio da tarde, encerrando o expediente com a cabeça cheia de pensamentos inoportunos e inconvenientes, mas decidida

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a esquecer tudo e dar a Alex a chance que ele pediu. Eu o amo e quero muito que meu marido tenha se dado conta de que também me ama.

No caminho para casa, envio uma mensagem para a minha filha, que está na casa de Francisco. Eles são amigos desde pequenos e vivem grudados um no outro. Duda entra no carro e colocamos a conversa em dia. Somos amigas e ela sabe tudo que venho passando com seu pai, inclusive sobre a minha decisão de pedir o divórcio.

Passa das sete quando entramos pela garagem e, para a nossa surpresa, Alex está nos esperando com a mesa de jantar posta e um lindo sorriso no rosto.

Duda aperta minha mão, indicando que está feliz e eu retribuo o gesto, com a mão suada, deixando que saiba que eu também estou muito feliz.

A noite foi perfeita, desde o jantar em família até os momentos que passei nos braços do único homem que tive na minha vida. Mais uma vez, acreditei que o amor fosse o sentimento mais precioso que existia, e o único capaz de unir um homem e uma mulher.

Mas, como eu disse anteriormente, o amor nunca vem sozinho, e é quando descobrimos o mal que ele pode causar a uma pessoa que nos damos conta de que a vida é um jogo. E, sobre esse tabuleiro vivo, não é necessário conhecer as regras para jogá-lo.

Basta que a vida de quem você mais ama seja colocada em risco para que você se torne um exímio jogador, capaz de fazer qualquer coisa para vencer.

O amor de uma mulher por um homem pode ser irracional, louco e até enlouquecedor, mas o amor de uma mãe é irracionalmente incondicional, e por um filho ela poderá morrer e até matar com a mesma facilidade com que respira.

Nunca duvide disso quando estiver jogando o jogo da vida... pois o adversário que subjugar esse amor, tão estranho e imortal, fatalmente perderá. E isso eu garanto.

Alex

Saio de casa e sigo para a oficina com um grande sorriso no rosto. Não consigo entender como pude ser tão idiota durante tanto tempo e

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pensar que minha esposa não sentia minha falta ou não ligava para a minha ausência.

Logo que entro, encontro José Carlos conversando com Adriana, e evito falar com os dois, mas a esposa de Cícero vem atrás de mim.

— Bom dia, querido...

Olho para ela sem nenhum humor e odeio seu jeito pervertido.

— Não sou seu querido, e de agora em diante não quero mais que venha aqui sem o seu marido.

— O que aconteceu?

— Desde quando você conversa com a minha esposa?

— Desde sempre, Alex, ou você esqueceu que somos amigas?

— Amigas? — pergunto, debochado. — Se fosse amiga da Mari, não viria aqui quase todos os dias se insinuar para o marido dela. Isso não é amizade.

— Você nunca reclamou.

— Estou reclamando agora.

— Ela ficou com ciúmes? — Ela se aproxima e tenta passar a mão em meu braço, mas eu me afasto antes que consiga.

— Não, Adriana. Minha esposa não tem motivos para sentir ciúme de você ou de qualquer outra mulher.

— Você não parece feliz no seu casamento, Alex, e tudo que eu quero é passar alguns momentos me divertindo ao seu lado.

— Esquece. Já falei que não vai acontecer. E se insistir, serei obrigado a falar para o seu marido que você está proibida de vir aqui.

— Não pode me proibir de vir à sua oficina!

— Mas posso contar para ele o que você vem fazer aqui.

— Já sei... quer me punir por eu ter falado para a sua esposa que sei mais sobre a sua vida do que ela. É isso?

— Saia daqui, Adriana! — explodo, assustando-a.

Faço sinal para que saia da oficina de uma vez e, mesmo contrariada, ela me deixa sozinho, sem olhar para trás.

— O que aconteceu? — José Carlos pergunta quando vê a mulher subindo na moto e indo embora com a cara emburrada.

— Nada.

Depois de dois dias em casa, com minha esposa e filha, percebi que não tenho amigos, apenas colegas. Adriana é uma mulher acostumada a

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trair o marido e, embora todos saibam, ninguém tem coragem de contar ao Cícero sobre as escapadas da esposa.

José Carlos sabe que nunca traí Mariana, mas agora, pensando em tudo que fiz nos últimos anos, consigo enxergar que ele só estava esperando uma oportunidade para me ver pelas costas e tentar se aproximar da minha mulher.

— Você mandou a Adriana embora?

— Não. Eu a proibi de vir aqui sozinha.

— Por quê?

— Porque eu me cansei dessa palhaçada e não quero mais nenhuma mulher enchendo a cabeça da Mari com merdas a meu respeito.

— Achei que você gostasse do assédio feminino.

Ele tinha razão. Eu gostava. Mas não com a intenção de fazer alguma coisa. Sempre foi por vaidade e ego machista.

Um homem casado há muito tempo, que vive em uma cidade pequena do interior e sem grandes expectativas de um futuro profissional brilhante, encontra em mulheres como Adriana, e em várias outras que esbarramos durante as viagens com o MC, uma maneira de alimentar o instinto de macho alfa que acaba pegando no sono depois de anos com a mesma mulher.

Tenho quase trinta e cinco anos e saber que desperto o interesse de mulheres de todas as idades é um grande estímulo pessoal. Sempre me preocupei com meu corpo, pratico atividade física e me alimento bem, mas nada como um olhar feminino de cobiça, demonstrando interesse sexual, para elevar a estima e me deixar mais confiante.

O problema é que as coisas estavam passando dos limites e só de imaginar que Mariana pudesse se sentir da mesma forma, fui corroído pelo ciúme, e por isso decidi que não permitiria mais aquele tipo de assédio descarado, como o de Adriana.

— Algumas mulheres ultrapassam os limites, perdendo o bom senso, e Adriana é uma delas. Não quero mais que ela venha aqui sem o Cícero.

— Está tudo bem entre você e a Mari?

José Carlos está com o ombro apoiado no batente da porta, relaxado como se nada fosse capaz de tirá-lo do sério, mas eu o conheço bem e todas as vezes que o nome da minha esposa sai da boca dele, sei que seus sentimentos por ela vão muito além de carinho e preocupação.

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Mas, para manter nossa amizade de infância sem rasuras, ele finge não sentir e eu finjo não perceber. Só preciso descobrir se a minha esposa também sabe e apenas ignora, ou se realmente nunca notou.

— Está tudo ótimo.

— A boate nova é muito boa, qualquer hora você podia ir comigo até lá.

— Vou falar com a Mari e podemos marcar de ir juntos, acho que ela vai gostar de sair um pouco.

Começo a arrumar as ferramentas sobre o balcão e empurro a CBX 350 cc para averiguar o motor de arranque.

— Pensei que fosse querer ir sozinho. O ambiente é bem badalado, e muitas mulheres das cidades vizinhas frequentam o lugar.

— Zé, as coisas mudaram e eu não vou mais sair sem a minha esposa.

— O que aconteceu para você mudar assim de um dia para o outro?

Sei que está curioso, mas não pretendo dizer a ele que minha esposa estava disposta a me largar e precisei implorar para que ela me desse uma chance. Mariana merece muito mais e eu sei que posso ser o homem que vai dar isso a ela.

— Eu abri os olhos e decidi ser o marido que a minha esposa merece.

— Está fazendo isso por ela ou por você?

— Do que está falando?

— Você acabou de dizer que quer ser o marido que a Mari merece, mas não disse que é o marido que você quer ser. Está fazendo isso porque a ama e não quer perdê-la ou porque está se sentindo culpado e quer se redimir?

Eu me aproximo dele e o encaro.

— Eu amo a Mari. Sempre amei. Sei que nos últimos anos não demonstrei o que sinto e deixei que outras mulheres se aproximassem apenas para elevar meu ego, mas daqui para frente as coisas serão diferentes. Quero ser um homem melhor para ela e farei isso por mim também.

— E como vão ficar as viagens do motoclube?

— Ela vai comigo.

— Sério? — Agora meu amigo está espantado de verdade.

— Sério. Já falei para ela que eu quero que vá comigo nas viagens.

— Alex, nós dois sabemos como as coisas funcionam durante as viagens. Vai deixar que ela saiba o que acontece com a maioria dos homens que sai com o motoclube?

— Eu não sou a maioria, Zé. Nunca fiquei com nenhuma mulher.

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— Mas...

— Mas, o quê?

— Não comer ninguém não significa que não deu a entender que queria comer, Alex. O que acha que vai acontecer se em uma das viagens você se encontrar com aquelas garotas que dançaram com você? Sentaram no seu colo ou até aquelas que chegaram a te tocar na frente de todo mundo? Como acha que a Mari vai reagir?

— Nenhuma mulher vai chegar perto de mim novamente, porque vou deixar que todos saibam que a Mariana é a minha esposa e que não estou disponível.

— Se está dizendo...

Um barulho chama a nossa atenção e um grupo de cinco motoqueiros, do motoclube Sem Fronteiras, entra na oficina. Todos estão vestindo seus coletes personalizados, calça jeans e botas.

— Como está, Alex? — pergunta Bolívar, o mais alto e forte, enquanto desce da moto. — Preciso que dê uma revisada na minha garota para que ela aguente a viagem de sábado até São José do Rio Preto.

Nós nos cumprimentamos e todos formam um círculo em volta das motocicletas.

— Pelo jeito essa viagem é importante, todos os integrantes estão ansiosos — José Carlos comenta.

— Esse é o maior encontro de motoclubes do interior de São Paulo. São mais de quarenta na mesma cidade e a festa vai ser foda demais!

— Eu não sabia que a comemoração de trinta anos do Delinquentes MC era tão importante dentro do circuito — falo, admirando a Harley 883 Superlow 2013 de Bolívar.

— Caralho! Da última vez que fomos a um encontro desses, tivemos que emendar mais dois dias porque ficamos sem condições de voltar para casa. Foi tanta bebida e boceta que perdemos as contas!

Todos gargalham e começam a contar as histórias sobre o último encontro que tiveram na maior cidade do Circuito de Motoclubes de São

Paulo, e enquanto eu trabalho, o dia passa voando.

Mal consigo pensar em qualquer outra coisa senão o próximo sábado e a primeira viagem que farei ao lado de Mariana. Por um momento, me arrependo de ter convidado minha esposa para ir junto, pois o número de participantes será dez vezes maior do que o de costume, e não estou certo

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de que ela aprovará tudo que normalmente acontece quando um bando de motoqueiros se junta para curtir o fim de semana.

— Cara, eu duvido que dessa vez você vai resistir a uma boceta — Bolívar fala, segurando uma cerveja. — É tanta mulher que a gente fica até zonzo, brother.

— Eu acho que vou levar minha esposa.

Há um silêncio seguido de mais gargalhadas quando assumo o que pretendo fazer. Bolívar apoia uma mão sobre o meu ombro e me puxa para frente do balcão, longe dos outros caras.

— Tu só pode estar maluco, Alex! — comenta, preocupado.

— Eu já falei com ela... — admito com desânimo.

— Dá um jeito de deixar sua lady em casa, brother.

— Não posso. Nós tivemos um problema sério e eu quero que ela vá comigo nas viagens.

O cara é alto, todo tatuado e barbudo. É casado há mais tempo que eu, e a esposa dele viaja algumas vezes com o grupo. Mas sempre que ele está sozinho, passa a noite com alguma puta que encontra disponível nos bares ou hotéis em que paramos para descansar.

— Eu te entendo, cara. — Bolívar me encara. — Já passei por isso e sei como é, mas vou te dar um conselho de amigo. Não leva a lady nesse encontro e aproveite para fazer o que tu sempre quis e nunca fez, pelo menos uma vez.

— Eu nunca quis fazer nada... Falo baixo, sem querer chamar a atenção dos caras, mas vejo que Zé está atento à nossa conversa particular.

— Alex, eu sempre admirei o teu autocontrole, mas se você não fizer o que sempre teve vontade, todo o teu esforço não vai adiantar nada, caralho!

— Eu não vou trair a minha esposa.

— E quem disse que comer outra boceta é traição, porra?

— Isso é ridículo!

— Não é — declara me olhando nos olhos e posso jurar que ele realmente acredita no que está dizendo. — Eu sei que se casou cedo e dá para ver o quanto se segura quando as mulheres chegam se atirando no teu colo, mas uma hora essa vontade vai aumentar tanto que nenhum santo vai te ajudar, e aí, sim, vai dar merda. Sabe por quê?

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Não respondo, sentindo meu coração acelerar dentro do peito enquanto meu cérebro absorve as palavras dele.

— Porque todo homem precisa comer uma boceta desconhecida de vez em quando para não comer uma conhecida e foder com o casamento. Uma puta de MC nunca vai te incomodar ou pedir seu telefone ou ficar no seu pé. Mas se você comer uma das professoras da tua filha, a empregada que trabalha na tua casa ou uma das tuas cunhadas, aí, sim, vai se foder de verdade.

— Eu amo a minha esposa e não quero comer outra mulher.

— Vai por mim, brother. Comer uma puta qualquer pode ser a salvação do seu casamento. Mas enquanto você não experimentar outra boceta, essa dúvida que você carrega aí dentro não vai te deixar em paz. O pior que pode acontecer é você foder uma mulher e perceber que a tua esposa é muito melhor — ele fala e gargalha da própria piada sem graça. — Mas até aí ninguém precisa ficar sabendo. Pense nisso antes de levar a lady contigo. Só pense.

Ele sai e me deixa sozinho na oficina. Todos estão eufóricos com a viagem e garantem que será inesquecível. Minha cabeça está pesada e as palavras de Bolívar vão e voltam a todo o momento, fazendo meu cérebro fritar.

Chego em casa e encontro Mariana tomando banho.

Encosto-me na porta do banheiro e fico em silêncio apreciando minha mulher sem que ela perceba. Eu a amo e não tenho dúvidas a esse respeito, mas talvez Bolívar esteja certo; sexo nada tem a ver com amor, e permitir que alguma coisa aconteça com uma mulher desconhecida pode fazer bem ao nosso casamento.

— Está aí há quanto tempo?

Ela pergunta quando me vê. Seu corpo está úmido e, sem conseguir me controlar, puxo Mari para mim, sem me preocupar com a resposta para a sua pergunta.

— O que aconteceu, Alex? — ela sussurra contra minha boca, notando minha necessidade repentina de tocá-la.

— Nada... só quero você...

Beijo a boca da minha esposa enquanto minhas mãos passeiam pelo seu corpo molhado, me perdendo em suas curvas perfeitas. Ela joga a

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cabeça para trás quando meus dedos acariciam sua boceta e minha língua desliza por seu pescoço e seios.

Mari apoia um pé em cima do vaso sanitário, se abrindo ainda mais para mim. Ajoelho-me à sua frente e devoro a parte do seu corpo que apenas eu conheço e tenho o prazer de desfrutar. Não consigo pensar em outro homem dando prazer para minha mulher.

Naquela noite eu prometi a mim mesmo, mais uma vez, que não permitiria que nenhuma outra mulher tivesse aquilo que, ao me casar, prometi dar apenas a ela: minha fidelidade.

Tive algumas mulheres antes de me casar com a Mariana, mas não posso me gabar de ser o cara mais experiente do mundo, apesar de saber o que fazer entre quatro paredes. Minha mulher nunca foi inibida ou recatada e sempre aprovou todos os tipos de brincadeiras que propus ao longo dos anos. Mas, depois de tanto tempo, a vontade somada à curiosidade e às oportunidades que as viagens ofereciam, estava desempenhando um ótimo papel de tentação ambulante e perigosa.

Tudo começou quando decidi ingressar no Motoclube Sem Fronteiras para garantir um tempo sozinho e um pouco de liberdade, mas agora as coisas estavam se complicando e as influências pareciam mais como desculpas do que justificativas.

Eu sabia o que deveria fazer, mas como todo homem, arrogante e prepotente, permiti que um momento de ilusão determinasse o resto da minha vida. E eu pagaria caro por aquela escolha errada.

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