Tradução CAROLINA CAIRES COELHO
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© 2018. NO TOMORROW BY CARIAN COLE © 2021. ALLBOOK EDITORA
Direção Editorial Beatriz Soares
Tradução
Carolina Caires Coelho
Preparação e Revisão
Clara Taveira e Raphael Pelosi Pellegrini
Modelos de Capa
Brandon Katz e Cherry Albrecht
Fotógrafa
Regina Wamba [MaeIDesign]
Adaptação de Capa e Diagramação
Cristiane Saavedra | Saavedra Edições
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
DADOS INTERNACIONAIS DE CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP) SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Leandra Felix da Cruz Candido – Bibliotecária – CRB-7/6135 C655c
Cole, Carian
Como se não houvesse amanhã / Carian Cole; tradução Carolina Caires Coelho. – 1. ed. – Rio de Janeiro: AllBook, 2021. 504 p.; 16 x 23 cm. Tradução de: No tomorrow ISBN: 978-65-86624-44-1 1. Romance americano. I. Coelho, Carolina Caires. II. Título. CDD 813 CDU: 82-31(73)
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2021 PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM
NOTA DA AUTORA Este livro toca em alguns pontos sensíveis, como depressão, transtornos mentais e uso de drogas. Se esses assuntos são gatilhos para você, peço desculpas desde já, e aconselho você a ler com cuidado. Obrigada por ler e por seu incentivo! Seja gentil com outros leitores! Favor deixar críticas sem spoilers!
Para Sherry… Enquanto lia este livro, você me mandou esta mensagem: “Amo você como amiga e te venero como escritora!” Eu gostaria de poder dizer que eu te amo como amiga e te venero como leitora. Você foi muito mais do que uma amiga e uma leitora beta para mim. Você foi minha salvação de muitas maneiras. Acho que você nunca se deu conta do quanto sua amizade e seu apoio significavam para mim. Amo você, minha amiga. Estou perdida sem você. Vou pensar em você a cada palavra que escrever, e nunca me esquecerei de você.
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1998 UM CARDÁPIO CRUZA MINHA MESA E DERRUBA MEU PORTACLIPES.
— Terra chamando Piper Karel — diz minha colega de trabalho, Melissa, ignorando a destruição que acabou de causar. — O trabalho de recepção é interessante assim? Eu disse seu nome umas três vezes! Vou pedir almoço em breve e vou buscá-lo. Você quer alguma coisa? São 10h30, e ainda estou enrolando com o chá que fiz hoje de manhã. Eu estava ocupada demais ordenando minha caixa de entrada para sequer tocar em minha barra de granola, quanto mais para pensar sobre o que eu quero para o almoço. Eu me pergunto o que está acontecendo na caixa de entrada de Melissa para o almoço ser sua prioridade. Devolvo o menu quadriculado para ela e coloco meus clipes de papel na caixinha magnética retangular. — Não, obrigada. Não quero nada. — Talvez, se você almoçasse de vez em quando, não fosse tão chata, Piper. — Eu almoço, Melissa. Só que gosto de comer no parque e tomar um pouco de ar fresco em vez de ficar neste escritório nove horas seguidas todos os dias. — Você perde toda a diversão saindo do escritório para almoçar todos os dias. Todas as coisas acontecem no refeitório neste lugar. Ah, sim. A fofoca do escritório. Na semana passada, perdi algum babado. Se algum dia eu concorrer a uma promoção, posso garantir que não parabenizaria minha concorrente jogando salada em seu colo. COMO SE NÃO HOUVESSE
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— É que gosto de passar um tempo com tranquilidade e sozinha, às vezes — eu respondo. — Certo. Aproveite o seu almoço tranquilo então. Sozinha. Como sempre. Ela joga o cabelo e se afasta com o cardápio debaixo do braço. Tenho 21 anos, sou a pessoa mais jovem do escritório. Trabalho para uma pequena empresa de design de moda. Nossa linha de roupas esportivas é muito popular em todo o país e, duas estações atrás, fizemos uma parceria com um estilista famoso para algumas calças de yoga, que deu visibilidade à empresa. Comecei a trabalhar aqui como recepcionista e assistente de escritório em meio período no meu último ano do ensino médio e em período integral depois de me formar. Atender telefonemas e digitar e-mails não é exatamente minha ideia de carreira, mas paga as contas. A empresa cresce de forma constante e sempre há vagas novas. Estou apenas esperando a vaga certa para despertar meu interesse, de preferência em marketing ou desenvolvimento de produto. Por enquanto, estou feliz em aprender o máximo que posso sobre os produtos e a empresa. Quando aceitei este trabalho, esperava que fosse um começo para mim em todos os sentidos Eu estava ansiosa para estar perto de pessoas que não sabiam quão estranha eu sempre tinha sido, e pensei em fazer novos amigos. Eu fui a garota que vomitou no primeiro dia da primeira série e que tropeçou usando sapatos pretos e minissaia no primeiro dia do ensino médio. Eu caí como um filhote de veado, de pernas esparramadas, e mostrei minha calcinha com gatinhos para metade da escola. Eles nunca esqueceram que fui eu quem vomitou, e com certeza não esqueceram que eu era a única com calcinha de gatinho. Os meninos ronronaram e miaram para mim por meses, e as meninas me apelidaram de Vomitadora. Tempos divertidos. Eu tinha grandes esperanças de ingressar no mercado de trabalho — um verdadeiro clima profissional. Não esperava estar rodeada de homens casados que flertavam com todas as mulheres. Ou viciados em café estressados que gritavam por causa de suas planilhas. Ou mulheres que fofocavam e provocavam dramas como se fossem pagas para isso. Bem-vindo à idade adulta. E eu certamente não esperava que Melissa, que se formou no ensino médio um ano antes de mim, começasse a trabalhar aqui alguns meses atrás. Ela era uma das garotas populares da elite da escola. Tinha as roupas mais 8
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bonitas, o carro mais bonito, amigos que ouviam cada palavra sua e todos os caras mais atraentes correndo atrás dela. Minha estranheza e tropeços eram uma grande fonte de diversão para ela naquela época. Ela zomba de mim com mais sutileza agora, mas ainda é bem irritante. Pouco antes do meio-dia, saio no pátio do prédio, quando algo acerta minha cabeça. Duro em algumas partes, macio em outras e... com asas? Eu estendo a mão e toco um pequeno ponto dolorido acima da minha têmpora. Um pequeno pássaro azul voa desordenadamente no chão próximo aos meus pés antes de ir para uma árvore próxima. Que isso? Eu aperto meus olhos ao sentir uma dor incômoda na minha têmpora, me perguntando o que diz sobre mim o fato de um pássaro ter voado contra minha cabeça. Ouço risadas à minha direita. Melissa e uma mulher da contabilidade estão fumando e balançando a cabeça para mim. Tenho quase certeza de que ouvi alguém gritando cérebro de pássaro. Livrando-me do meu constrangimento, pego um espelho compacto na minha bolsa. O parque tranquilo fica a apenas alguns quarteirões de distância, mas quero ter certeza de que não estou com um corte na cabeça, o que só aumentaria minha humilhação. O que presumo que seja o ponto de impacto do bico dói, mas após observar, não vejo sangue — apenas uma leve vermelhidão... e uma pequena pena azul presa na minha testa. — Pássaro maluco... — murmuro enquanto limpo as evidências. Uma buzina toca, e eu me sobressalto, derrubando meu espelho, que se estilhaça aos meus pés. Merda. — Preste atenção, sua idiota! — a motorista grita. Meu coração dá um salto quando percebo que, sem saber, entrei na faixa de pedestres movimentada. A mulher desvia seu sedan marrom em torno de mim e dos pedaços do meu espelho quebrado enquanto eu corro para o outro lado da rua, murmurando um pedido de desculpas. Malditas segundas-feiras. Se um gato preto cruzar meu caminho, eu vou desistir de tudo e vou para casa me esconder e me sentir segura embaixo do meu edredom fofo. Ao me aproximar do banco do parque que habitei durante minha hora de almoço nos últimos três meses, há algo diferente no ar fresco que não consigo determinar. Os sons de sempre de crianças rindo e das folhas farfalhando COMO SE NÃO HOUVESSE
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parecem abafados, como se tivessem desaparecido no fundo. Estou intrigada com algo que nunca ouvi antes — música acústica suave. A melodia convidativa fica mais alta a cada passo. A fonte não está longe do que considero o meu banco. Estou surpresa por ver que não é um rádio tocando, como pensei a princípio, mas um cara que parece ter cerca de vinte e poucos anos sentado no chão com um violão. Ele está encostado em um murinho de alvenaria. Um pequeno cachorro marrom de orelhas caídas usando uma bandana preta está sentado ao lado dele. Quando passo por ele para chegar ao meu banco, noto que quase todo o seu corpo, com exceção de seu rosto, é coberto de tatuagens. Desenhos tribais pretos aparecem pelos furos em seus jeans gastos. Rostos, flores e nuvens cobrem seus braços, e os desenhos se espalham pelo topo de suas mãos e ao longo de seus dedos talentosos. Caramba. Eu tenho uma tatuagem no meu pulso — uma pequena joaninha sobre uma folha —, que doeu demais fazer. Ser espetado com uma agulha nos joelhos e cotovelos devia doer muito. Talvez ele seja uma daquelas pessoas que gostam de sentir dor. Olho para o músico com o máximo de curiosidade e discrição que consigo reunir e me ocupo tirando meu sanduíche de salpicão de frango de uma lancheira térmica. Eu me atrapalho com o filme plástico, que agora está todo amassado e grudado tão desesperadamente quanto um ex-namorado louco. O músico olha para baixo, longos cabelos castanhos caindo sobre o rosto e passando pelos ombros. Ele está profundamente imerso na música. É uma melodia onírica e hipnotizante que quase soa como vários violões, e não apenas um. Não sei nada sobre tocar um instrumento musical, mas posso concluir que ele é incrivelmente talentoso. Eu mastigo meu sanduíche enquanto uma pequena multidão se forma ao redor dele. Ele continua tocando, sem olhar para a frente. O único sinal de que ele está ciente de seu público vem quando ele dá um aceno sutil para alguém jogando dinheiro no pote de vidro colocado na frente dele. Acho que ele não precisa agradecer, porque seu cachorro está acenando com a pata gordinha para cada pessoa que contribui. Normalmente, eu esperaria que as pessoas passassem a mão na cabeça peluda do adorável cachorro por ser tão talentoso, mas não o fazem. O cão tem o mesmo ar intocável de seu companheiro, como se houvesse uma marca invisível em ambos que dissesse: olhe, escute, aproveite, mas não encoste em mim. 10
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Estou curiosa e provavelmente mastigando com a boca aberta enquanto espio entre duas mulheres carregando enormes sacolas de compras pretas. Sou inexplicavelmente atraída por sua voz e seu olhar. Ele parece único, difícil de descrever, mas atraente de um jeito bruto. Seu sorriso melancólico carrega um toque de sensualidade. Ele é como um eclipse — escuro e claro ao mesmo tempo, e não é seguro olhar por muito tempo sem sofrer uma queimadura. Eu franzo a testa quando as mulheres com as sacolas de compras jogam trocados no pote e caminham em direção à saída do parque. Jogar moedas em uma fonte de água é aceitável, mas dar a uma pessoa de verdade? Isso parece errado para mim. Eu quero que eles deem a ele notas de cinco, dez ou vinte — não apenas moedas. Embora ele pareça totalmente imperturbável, estou ofendida por ele. Tomando um gole da minha garrafa de água, tiro meus saltos pretos de sete centímetros e recolho os pés embaixo do corpo. Pego um livro da minha enorme bolsa de couro falso. Essa hora do meio do dia é minha hora de relaxar e me perder na história que estou lendo. Para esquecer que ainda moro com meus pais e minha irmã adolescente, que tem mais vida social do que eu. Às 12h50, volto a calçar meus sapatos, desejando poder ficar aqui pelo resto do dia, terminando o romance que estou lendo e ouvindo o que o músico vai tocar a seguir. Sua música levou embora meu aborrecimento sobre o pássaro que bateu na minha cabeça e a motorista gritando. Relutantemente, pego minha lancheira e volto para o escritório, sorrindo para o homem ao passar. Ele bate seus anéis de prata contra o corpo de seu violão enquanto faz a transição para tocar a próxima música — uma popular música de rock. Não consigo me lembrar o nome dela, mas sei que vai ficar na minha cabeça pelo resto do dia.
Na tarde de terça, o músico com suas tatuagens está no parque novamente. Desta vez, ele está tocando um tipo diferente de música, com uma vibe espanhola. É rápido e cativante — uma explosão de música animada sob as nuvens escuras que pairam ali. Estou um pouco inquieta quando me sento no banco. Este é o lugar para onde venho para relaxar todos os dias, e agora ele o invadiu com seu pano de COMO SE NÃO HOUVESSE
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fundo musical e sua estranha atração magnética. Eu meio que queria ceder à escuridão hoje, ficar triste com a ausência do sol. Mas sua música, junto com o movimento oscilante de sua cabeça e a bandana tropical extremamente brilhante em volta do pescoço de seu cachorro tornam isso impossível. Ele olha para a frente e encontra meus olhos enquanto eu mastigo meu sanduíche. A maneira como ele me encara compete com a habilidade do meu gato. Me sentindo um pouco hipnotizada e tonta, afasto os olhos dos dele e jogo um pequeno pedaço de pão para um pombo impaciente. Alguns segundos depois, eu olho novamente e o pego sorrindo para mim enquanto ele tira o cabelo do rosto, como se ele soubesse que me fez sentir trêmula por um momento. Meu estômago revira um pouco, e jogo o resto do meu pão para o pombo. Eu olho para o músico mais uma vez, e meu coração se acelera. Ele ainda está me olhando. Ele pisca, abre o sorriso mais adoravelmente sexy que já vi um homem abrir, e volta sua atenção para seu violão. Determinada a esconder meu interesse no que parece ser um flerte sutil, eu puxo meu livro da bolsa. Mas nem mesmo o clima me permite uma distração do músico. Uma garoa leve começa antes que eu possa abrir o livro. A menor quantidade de umidade possível é suficiente para parecer que fiz permanente nos cabelos, o que não me cai bem. Conforme a chuva cai mais forte, agarro meus pertences contra meu corpo para mantê-los secos e corro para o gazebo próximo dali. Eu me repreendo por não ter trazido um guarda-chuva hoje. Sempre levo um comigo — tenho uns vinte em casa, cinco em minha mesa e dois em meu carro. Nenhum deles comigo quando preciso. Uma vez sob o abrigo do gazebo, passo os dedos por meus cabelos longos, que já estão úmidos e começando a ondular nas pontas. Ugh. — Merda — eu digo baixinho. O contorno do meu sutiã e de meus mamilos está claramente visível através da blusa de seda branca. — É só uma chuvinha. — A voz profunda e abafada me assusta, e eu giro e vejo ninguém menos do que o músico e seu cachorro parados atrás de mim no abrigo do gazebo. Ele coloca no chão de madeira seu velho e surrado estojo de violão e uma mochila esfarrapada, em seguida passa as mãos no pelo do cão, falando baixinho. Não consigo ouvir o que ele está dizendo, mas gostaria de poder. 12
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Tremendo, eu cruzo os braços sobre meus seios. — Se é só uma chuvinha, por que você está aqui? Você tem medo de que seu cabelo fique armado também? — Eu digo isso de brincadeira, mas meu coração está batendo forte enquanto as perguntas correm pela minha mente. Ele me seguiu até aqui? Por quê? Ele está apenas tentando sair da chuva ou eu me tornei um alvo fácil para sabe Deus o quê por estar sozinha em um gazebo? Ele seca as mãos na calça jeans suja e gesticula para o cachorro. Em voz baixa, como se estivesse me contando um segredo, ele diz: — Ele não gosta de se molhar. Meus instintos de lutar ou fugir relaxam enquanto observo quanto cuidado ele dedica ao cachorro dele. O cara parece inofensivo, mas eu sorrio e me afasto dele de qualquer maneira, olhando para o meu relógio enquanto faço isso. Minha hora do almoço está quase acabando. Meu parceiro de gazebo olha para o céu. — Vai parar em alguns minutos. É apenas uma chuva rápida. Eu aceno em resposta, minha atenção voltada para o brinco que ele está usando. A pequena pena azul balança em um gancho de prata e se aninha em sua juba de longos cabelos castanhos. O efeito é muito legal e me lembra do pássaro que voou em direção ao meu crânio ontem e deixou sua pequena pena felpuda na minha testa. Eu me pergunto se foi algum tipo de premonição ou um sinal. — Você trabalha aqui perto? Ou faz faculdade? — ele pergunta. — Eu trabalho em um escritório algumas quadras para aquele lado. — Eu aponto para a direita, embora meu escritório fique à esquerda. — E você? Ele inclina a cabeça. — Você está olhando para meu local de trabalho. — Então você…? Com um aceno de cabeça, ele puxa um maço de cigarros amassado do bolso da camisa e remove um cigarro com os lábios. Volta a colocar a mochila nas costas e pega um isqueiro preto do bolso da frente da calça jeans. — Sim. Trabalho e moro aqui. Ele curva a mão cheia de tatuagens ao redor do cigarro, protegendo-o do vento enquanto o acende. Oh. Nunca conversei com um sem-teto. Eu os vi por aí, sim. Falado com um? Não. Outro arrepio sobe pela minha espinha. Cruzando os braços com COMO SE NÃO HOUVESSE
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mais força ao redor do meu torso, eu me inclino contra a grade, esmagando minha bolsa para que ele não possa pegá-la. Ele provavelmente precisa de dinheiro para comer, ou pode ser um viciado precisando de droga. Dane-se a chuva e o cabelo armado, eu deveria correr agora antes que... — Esta é uma das melhores cidades em que já estive. — Sua voz interrompe meus pensamentos acelerados. — As pessoas são amigáveis. Elas não me tratam como lixo. — Ele exala uma nuvem de fumaça e apaga o cigarro pela metade com a sola do sapato de couro. Espero que ele jogue a ponta na grama, mas ele a enfia no bolso. Um nó de culpa se forma na minha garganta. Eu relaxo os braços enquanto ergo o olhar para o dele. Não há ameaça, nenhuma obsessão naqueles olhos. Eu vejo azul — a cor do céu pouco antes de virar noite, aquela transição sutil que marca uma hora do dia para a outra. Talvez seus olhos sejam muito reveladores e ele também esteja em uma espécie de transição, passando de uma fase da vida para outra. Assistimos à chuva cair, esperando que ela parasse, mas eu não quero que pare. É suave e calmante, e traz quietude. O parque está vazio, exceto por esse morador de rua com olhos incríveis, eu seu cachorro. Quando a chuva parar, estarei quinze minutos atrasada para voltar ao trabalho, mas não estou com pressa para voltar. Estar com esse silencioso desconhecido é surpreendentemente reconfortante. Deixamos o gazebo juntos, seu cachorro nos seguindo pela passarela que leva de volta ao meu banco, o lugar em que ele toca violão e a entrada de ferro forjado cheio de ferrugem. — Nada mais promissor e bonito do que céus cinzentos e arco-íris — ele diz enquanto caminhamos. Eu franzo as sobrancelhas e espero para o caso de ele esclarecer o que quer dizer. Ele se recosta na parede de tijolos, em frente ao meu banco. Ele se senta no chão molhado, e eu me pergunto se a água da chuva escorrendo por seu jeans vai incomodá-lo ou se ele apenas sabe lidar com coisas como roupas úmidas. Ele não diz nada, eu dou uma última olhada nele e volto para o meu escritório sem dizer adeus. Ao passar pelo portão e esperar para atravessar a rua movimentada, vejo um arco-íris se formando no céu nublado. E ele está certo. É lindo e cheio de esperança.
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