Inimigos - Primeiros Capítulos

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inimigos TIJAN TRADUÇÃO: ANA CAROLINA CONSOLINI

1ª EDIÇÃO – 2022 RIO DE JANEIRO

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Direção Editorial BEATRIZ SOARES Tradução ANA CAROLINA CONSOLINI COPYRIGHT © 2019. ENEMIES BY TIJAN. COPYRIGHT © 2022. ALLBOOK EDITORA.

Preparação e Revisão CLARA TAVEIRA, RAPHAEL PELOSI PELLEGRINI E ALLBOOK EDITORA . Adaptação de capa e diagramação CRISTIANE | SAAVEDRA EDIÇÕES

Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Meri Gleice Rodrigues de Souza – Bibliotecária – CRB-7/6439 B886c Bromberg, K. Crashed / K. Bromberg ; tradução Clara Taveira. – 1. ed. – Rio de Janeiro: AllBook, 2022. 428 p.; 16 x 23 cm. (Driven ; 3)

FICHA CATALOGRÁFICA

Tradução de: Crashed Sequência de: Fueled Continua com: Raced "Conteúdo: Colidindo com o amor ; Correndo para o felizes para sempre" ISBN: 978-65-86624-80-9 1. Romance americano. I. Taveira, Clara. II. Título. III. Série. 22-76897

CDD 813 CDU: 82-31(73)

2022 PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA .COM

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Eu tenho um primo chamado Dusty. Ele não se parece em nada com a Dusty deste livro e não inspirou essa personagem. Eu não a chamei de Dusty por causa do meu primo Dusty, mas, porque eu conheço meu primo, este livro é dedicado a ele. Lá vai você, clamando direitos, Dud. Porém, você não foi o primo que tirou um fino do carro de um policial e conseguiu uma multa por isso.

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PRÓLOGO

A JANELA QUEBROU.

Eu ouvi. Supostamente eu deveria fugir ou lutar. Eu não fiz nenhum dos dois. Eu congelei. O engraçado é que, quando vi sua silhueta se aproximar da porta do quarto, uma parte da minha mente se desligou, e tudo em que pensei foi em como havia corrido da primeira vez. Fugir. Esta foi a segunda vez. Se houvesse uma terceira, talvez eu lutasse. Ele entrou, e meu olhar mudou. Deixei meu corpo, meu quarto, mas me lembrei do peso de papel na minha cômoda. Nunca parei de olhar para aquele peso de papel.

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CAPÍTULO 1

AQUELA ERA UMA CASA DE FESTA.

Clichê completo. Sem exceções. Era totalmente uma casa de festa. Cada cômodo estava iluminado. As pessoas estavam no jardim da frente. A porta estava constantemente se abrindo e fechando. As pessoas entravam e saíam. Garotas. Garotos. Todos os tipos de homo sapiens com aqueles copos vermelhos nas mãos. Uma pessoa não precisava ser uma pária social como eu para saber o que havia nesses copos. Cerveja. Bebida. Álcool. Licor. Eu verifiquei meu e-mail novamente, e sim. Não foi para isso que eu havia me inscrito. O anúncio do aluguel dizia: Chata! Perfeita para estudos! Quieta! Eu cliquei nele, e uma pessoa chamada Char parecia muito ansiosa para que eu chegasse logo, dizendo que eu era “perfeita para aquilo”, e o resto era história. Quer dizer, não totalmente. Havia o histórico de crédito, e o meu não era tão bom, já que ajudava com as coisas da família, e ela não tinha sido tão certinha ao me devolver o dinheiro, mas o resultado era tudo o que importava. Certo? Certo. Eu estava falando comigo mesma e respondendo também. Isto era certo. Mas, não, olhando para a casa que combinava com o endereço e com as fotos, aquilo não estava certo. inimigos

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Mesma casa. Contexto diferente. As fotos que ela me enviou diziam que era uma casa tranquila. Chata, como dizia o anúncio. Persianas brancas. Tinta vermelha fresca. Uma maldita porta azul. A porta pode ter sido o que me vendeu a ideia, ou pode ter sido a promessa de que eu teria minha própria entrada separada. Minha própria vaga de garagem. Ela disse quieta, boa para estudos, chata! Chata. Olááá. Era uma festa com copos vermelhos e pessoas entrando e saindo, e essas nem eram as que eu consideraria pessoas normais das festas. Eu estava olhando para elas mais atentamente. Eu conhecia pessoas dos círculos mais altos, e essas definitivamente faziam parte deles. Menos eu. Sem chance. Tive um pequeno lance com alguém daquele mundo e fui embora totalmente arrepiada. Bem. Eu estava arrepiada de novo. O corpo todo, com direito a espasmos também. Eu ainda tinha dois anos pela frente. Dois malditos anos. Uma coisa aconteceu, e eu tomei a decisão de que a vida era curta. Eu estava indo fazer o que realmente amava, e, aparentemente, o que eu realmente amava me afastou por quase cinco estados do meu pai e da minha madrasta. Tomei minha decisão, me inscrevi, e quando fui aceita uma semana depois, embora estivesse atrasada no processo de inscrição, procurei um lugar para morar enquanto colocava as malas no carro. A casa ficava a quatro quarteirões da faculdade. Eu estava mudando minha especialização de Direito para Biologia Marinha, então precisava de silêncio, de um lugar calmo para estudar, entediante, porque sabia como seriam meus próximos anos. Eu não teria vida. Por mim, tudo bem. Completamente. Totalmente. É o que eu sempre quis. Soltei um suspiro e tirei minhas chaves da ignição. Era isso. Ou vai ou racha. Bem, não que eu vá rachar. Na verdade, não. Isso era muito — eu estava tremendo de novo — mórbido. Meu celular tocou. Pegando na minha bolsa, vi que era minha madrasta, então apertei o botão para recusar a chamada. Gail precisaria esperar, mas eu sabia que ela estava preocupada, já que fiz todo o caminho dirigindo. Eu não queria me 8

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separar do meu carro. Meu carro significava independência, e eu não podia me dar ao luxo de mandar alguém trazê-lo, então mandei uma mensagem de volta. Eu: Acabei de chegar. Sã e salva. A casa parece aconchegante e pitoresca.

Mentiras. Eu joguei o telefone de volta na bolsa, peguei minha mala e precisei de mais um momento para me recompor. Eu odiava conhecer pessoas. Tipo, realmente odiava. Eu era o que você chamaria de extrovertida introvertida. Eu ficava muito tagarela quando conhecia alguém, mas vamos ser honestos aqui, por causa de um certo incidente, eu estava farta disso. Novamente. Sinto um tema recorrente aqui. Quanto menos interação com as pessoas, melhor, e era por isso que eu estava tendo dificuldade para me obrigar a sair do carro. Eu estava segura ali dentro. Eu não estaria segura lá fora. Eu estava me atirando para fora da minha zona de conforto, mas tinha de sair e enfrentar isso. Eu também precisava fazer xixi. Muito. O café tamanho família do último posto de gasolina tinha sido uma ótima ideia… Naquele momento. Não tanto agora. Meu cabelo estava uma bagunça no estilo “viagem de carro com a janela aberta”. Tentei prendê-lo em um rabo de cavalo, mas sabia que alguns fios se recusavam a obedecer. Eles continuavam escapando, e eu provavelmente estava fedendo. Acho que estava definitivamente fedendo. Eu estava dirigindo desde às cinco da manhã, e já era noite. Eu queria apenas chegar, e minha parada de seis horas em um motel não foi a decisão mais tranquila que já tomei. Mas, infelizmente, foi necessário. Eu estava quase adormecendo ao volante, então fui forçada a encostar. Eu tinha certeza de que o quarto ao meu lado era cenário de um filme pornô — ou estavam fazendo um teste para um —, mas eu estava tão exausta, que dormi mesmo com esse cenário. Até que acordei. Às cinco. Porque meu corpo decidiu que era hora de ir, mas agora eu estava cansada de novo. Com uma mochila, minha bolsa pendurada na curva do cotovelo e uma caixa na mão, me dirigi para a casa. inimigos

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Eu estava me sentindo em sintonia com Baby do filme Dirty Dancing carregando aquela melancia. — E aí, cara! Um veículo parou alguns metros à minha frente enquanto eu trotava pela calçada. Um monte de caras se dirigiu para o carro. Eu esperei, prendendo a respiração, pensando que eles me olhariam de forma estranha ou diriam algo que direcionaria sua atenção para mim. Eles passaram bem ao meu lado. Alguns deslizaram na minha frente ou atrás de mim, me dando uma olhada, mas para a maior parte, eu era um fantasma. Ou algo como uma névoa. Eles foram até o carro e bateram os punhos com os dois caras que saíram. Algumas garotas foram com eles, passando por mim, os mesmos copos vermelhos nas mãos. Uma das garotas quase trombou comigo. Sua amiga gritou, apontando e rindo da outra amiga. — Cuidado! — Oh. Desculpa. Tentei ser invisível, queria ser, pelo menos. Em seguida, ambas foram embora, ainda rindo e quase tropeçando em seus próprios pés. Outro grupo de garotas permaneceu perto da casa, bebendo alguma coisa, segurando-as perto da boca. Elas literalmente formaram um círculo, mas estavam observando os caras. Era óbvio que a festa não era uma ocorrência comum para elas. Algumas estavam com olhares famintos. Algumas tinham um leve pânico nos olhos, como eu. E algumas outras pareciam irritadas. Elas não estavam com roupas minúsculas quanto as duas garotas risonhas. Elas realmente usavam roupas. Jeans. Camisas. Sandálias. Cabelos esvoaçantes. As risadinhas estavam apenas de biquíni e minissaia, claramente embriagadas em seu estado de quase nudez. Estava quente no Texas, especialmente no final de agosto. Era escaldante, mesmo tarde da noite, então a parte de cima do biquíni fazia sentido. Mas com minissaia? Não muito. Eu. Eu ainda estava com minha camisa de manga comprida. Vinda da Dakota do Sul, também estava calor lá, mas não era a mesma coisa. Mesmo assim. Mangas compridas eram minha zona de conforto. Passei pela reuniãozinha de garotas, e como os outros, elas mal me notaram. As meninas em pânico me observaram, quase com inveja. Eu não 10

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sabia por que, então mantive meus olhos baixos. Parando na porta, não tinha certeza se deveria tocar a campainha, bater ou apenas entrar. A porta se abriu na minha direção. — Uff! — Consegui me afastar para trás quando mais dois caras saíram correndo de lá. Um era grande e musculoso e tinha um bronzeado dourado. Ele olhou para mim quando passou, os olhos frios, mas nenhum deles parou. O outro, eu nem vi. Ele correu para perto dos amigos, fora de vista, e minha decisão de tocar a campainha ou bater foi tirada das minhas mãos. Eu entrei direto. — Para onde Wyatt foi? Uma garota com pernas de gazela, cabelo de deusa grega e a pele mais linda que eu já vi estava vindo em minha direção. Ela estava conversando com alguém atrás dela, e quando sua amiga deu um passo para o lado, ela me viu e agarrou a Gazela Grega. — Presta atenção! Muito tarde. A Gazela Grega deu um passo à frente… E em cima de mim. Bem, mais especificamente, no meu pé. Ela enrijeceu e se virou. Eu estava bem ali. Seus braços bateram na minha caixa, a derrubando, e seu corpo colidiu comigo. Ambas caímos. Ela gritou. Eu ofeguei de novo. E me encolhi ao ouvir algo estalar. Então a porta se abriu atrás de mim. Eu estava deitada de bruços agora, e olhando para cima ao mesmo tempo, o cara bronzeado com olhos frios olhou para mim. Ele olhou, seus lábios curvados em um sorriso malicioso quando falou lentamente: — Sempre caindo aos meus pés, Mia. Seus olhos estavam em mim, nenhuma emoção aparecendo, mas a Gazela reclamou: — Cale a boca, Wyatt. Me ajuda aqui. Ele a ajudou, descendo rapidamente em minha direção. Quase pensei que ele fosse me ajudar a levantar primeiro, mas ele se aproximou de mim, agarrou a mão dela e simplesmente a levantou. inimigos

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Era como se ele estivesse levantando um cachorrinho ou algo assim, com uma mão, pela nuca. Mas em vez de um pescoço fofo e macio, ele segurava um braço esguio, e em vez de um cachorrinho bonitinho, a Gazela estava espumando pela boca. Se ela pudesse me matar com um olhar, eu já teria morrido, reencarnado e recebido a mensagem para morrer de novo. Foi bem ruim assim. — Com licença? — ela retrucou quando o cara a colocou de pé, então jogou o braço em volta dos ombros dela. Ela quase não percebeu. — Esta é uma festa privada. — Hum. — Sua amiga estava mordendo o lábio. Ela estava olhando minha caixa, que agora estava espalhada por todo o cômodo que nos rodeava, porque tudo de dentro dela havia se esparramado. Porra. Merda. PORRA! Ok. Respira fundo. Eu estava calma de novo enquanto catava o conteúdo da caixa. A amiga mordedora de lábio se ajoelhou, pegou um dos porta-retratos. Ela o ergueu, parando antes de entregá-lo. — Sua mãe? Eu o peguei dela, então corri para pegar o restante. Isso foi tão constrangedor. Eu estava ali literalmente há menos de dois minutos e já havia caído de bunda no chão e levado uma chamada de uma garota malvada. Meu pior pesadelo ganhou vida. Bem, tecnicamente, eu vivi meu pior pesadelo, daí toda a razão de eu estar aqui no calor escaldante do Texas, mas você entendeu. Uau. Que divertido. Eu não respondi a pergunta, embora essa garota parecesse mais legal. Ela falou com uma voz suave, seu cabelo era um pouco mais puxado para o loiro-escuro em comparação com o meu e caía em enormes cachos ao redor de seu rosto. E ela era quase tão bonita quanto a maldosa gazela grega. Olhos azuis da cor do céu, um punhado de sardas nas bochechas e um queixo em formato de coração. Ela não era tão alta quanto a Gazela, mas quando um 12

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cara contornou o casal de ouro, ele se ajoelhou e ajudou a pegar o restante das minhas coisas do chão. — Aqui, baby. Ele entregou meus papéis de transferência e meu anuário do ensino médio para a garota legal. Não me pergunte por que eu tinha o meu diploma naquela caixa. Coisas aleatórias foram agarradas e guardadas com pressa. E eu só peguei a caixa porque senti que segurar uma mochila na minha frente seria um pouco demais, mas, sério. Eu precisava de um escudo entre mim e essas pessoas. A garota suspirou, entregando minhas coisas e em seguida apoiando as palmas das mãos nas pernas. — Você é a Dusty, não é? Minha mãe tinha um primo chamado Dustin. Ele tinha muitos problemas, daqueles do tipo de beber até cair e simplesmente continuar na festa. O tipo que conseguiu uma multa de um policial porque estava dirigindo perto demais de um carro da polícia, tirando um fino dele. De qualquer forma, o tipo de problema que ele entrava o matou quando ainda jovem. Ele e minha mãe tinham uma conexão especial. Eles se meteram em alguns problemas algumas vezes, e quando eu saí de dentro dela, ela disse que eu tinha seus olhos cinzentos e seu cabelo loiro sujo, então me tornei Dusty. Não Dustin. Dusty Gray. Ela sempre disse que eu parecia com ele também, embora estivesse mais para o lado esguio, ao contrário dele. Dustin era grande, musculoso, mas aqueles olhos cinza eram distintos. Nós tínhamos o mesmo espírito. E ele era bonito. Minha mãe dizia que eu era bonita, cílios longos, lábios carnudos, bochechas rosadas, mas como nunca recebi muita atenção masculina enquanto crescia, estava inclinada a acreditar que era seu amor a cegando. Ela era uma boa mãe. A melhor mãe. — Sim. Oi. O cara lindo ao lado dela se levantou, ajudando-a com uma mão gentil atrás de seu cotovelo. Eu estava supondo que esses dois estavam juntos, mas ao contrário do casal de ouro, que ainda estava de pé, ela olhando para mim com punhais no olhos e ele me encarando, ambos me transmitiam vibrações amigáveis. Eu acrescentei. — Char alugou seu quarto para mim. Conversamos e tudo. inimigos

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— Puta que pariu! — A Gazela ergueu os braços, afastando-se. — Char fodida! Eu estremeci, literalmente. Seu acompanhante de ouro ficou parado, e seus olhos permaneceram um pouco mais interessados, mesmo que ele ainda apenas sorrisse. — Cara. — Depois ele saiu, erguendo o queixo para o outro cara. — Eu me chamo Savannah. — A menina legal estava estendendo a mão enquanto colocava um cacho atrás das orelhas. O cara me deu um sorriso preguiçoso. — Noel. — Eles até tinham nomes lindos. Claro. Enquanto isso eu era só o pó. Literalmente. — Oi. — Eu apertei minha caixa, agora olhando ao redor. Estávamos parados na entrada que ficava entre dois cômodos. Um era uma sala de estar, uma enorme televisão de 60 polegadas na parede. Havia dois sofás em frente a ela. Parecia quase uma sala de cinema, e do outro lado havia outra televisão. Mais sofás. Algumas cadeiras gamer colocadas em frente aos sofás, e bem nessa hora, um rugido enorme de algum lugar próximo rasgou o ar. — TOUCHDOWN, REEEEEEEEEVES! Quatro caras se levantaram, punhos no ar, bebidas erguidas, cabeças inclinadas para trás com os uivos e gritos. Algumas garotas gritaram, batendo palmas junto com eles. Alguns outros foram mais lentos, olhando para a tela de onde estavam parados conversando. Ambas as televisões estavam ligadas no mesmo jogo. Eles estavam assistindo ao time de futebol profissional local, os Kings, e havia alguma certeza no mundo era por qual time eles estavam torcendo. — Isso! — Um cara ergueu o punho no ar, jogando sua bebida para cima. Ele não se importou. Os amigos que ele cumprimentou também não ligaram. Uma garota que recebeu a maior parte dos respingos, no entanto, se importou. Ninguém se importou com isso também. — Stone Reeves, esse fodido. Ele é o cara! Stone Reeves. Sim. Até eu sabia quem ele era. Escolhi a Texas C&B porque era conhecida por seu programa de biologia marinha, mas também era conhecida por abrigar um time de futebol americano em alta popularidade, e estávamos bem no início daquela temporada. 14

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Eu entrei direto em uma festa comemorativa de futebol. Olhando para Savannah, perguntei: — Vocês fazem essas festas com frequência? — Minha caixa estava escorregando, então a transferi para o quadril e a levantei. Antes que ela pudesse responder, Noel abaixou a cabeça em direção a sua orelha, dizendo algo. Ela acenou em resposta, sorrindo, e se afastou. — Até mais tarde. — Ele me deu um sorriso educado antes de se dirigir a um dos sofás. Os caras o cumprimentaram como se ele tivesse sido declarado desaparecido, com direito a pôsteres e um resgate organizados pela comunidade. Eu pensei que era um pouco demais, mas ninguém mais achou aquilo estranho. Eu era a minoria. — Eu vou te mostrar o seu quarto, tá? Savannah abaixou a cabeça, indicando o local além das duas salas e o que parecia ser a cozinha. Eu a segui, com a caixa ainda apoiada no quadril. Eu queria ter uma mão livre. Você nunca sabe quando teria que empurrar outra Garota Malvada para o lado para que ela não te atropelasse. Mais algumas pessoas estavam na cozinha. A sala de jantar adjacente. Podia ver um pátio externo de onde eu estava. Savannah foi na frente, passando pelas pessoas que estavam perto da pia. Uma era uma garota mais baixa, com cabelos castanhos lustrosos, olhos castanhos brilhantes e um sorriso largo. Ela viu Savannah, o sorriso permaneceu, então seus olhos seguiram para mim, para a caixa, para minha mochila, e o sorriso esmaeceu. Dramaticamente. Estava quase desaparecendo quando Savannah passou por ela, estendendo a mão, uma mão tocando o braço da garota em forma de saudação. A garota estava conversando com outro cara, outro tipo bombado. Ele estava de short cáqui, camisa polo e uma cerveja na mão. Ele estendeu a mão, tocando a cintura da garota, mas ela enrijeceu. E sibilando, passou por nós como uma tempestade, aqueles olhos gelados em mim. Ela quase me acertou no ombro, mas eu estava pronta. Mão livre e tudo. Foi uma coisa boa ela ter saído do caminho no último segundo, ou eu a teria empurrado direto para o cara dela. Savannah se virou para o que parecia ser a porta da garagem. Meu quarto era na garagem? Sério? Ela acenou para mim, seu sorriso agora forçado e plastificado no rosto. inimigos

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— Aqui embaixo. Havia uma porta que dava para o porão, e uma vez que descemos lá, era muito mais silencioso. Quase desmaiei de alívio. Ela percebeu, seus olhos enrugando. — Não é muito de festas? — Não sou de festas em que as pessoas não me querem por perto. Eu acabei de…? Merda. Sim, eu acabei. Eu pressionei a mão livre — viu, eu sabia que havia um uso prático para ela — sobre minha boca. Eu estava culpando a falta de sono e a força de vontade que me fez dirigir por cinco estados em dois dias. — Me desculpa — eu disse com minha mão ainda sobre minha boca, então ela se moveu desajeitadamente sobre os lábios. — Não foi isso que eu quis dizer. Savannah riu, virando-se para a direita. — Por que não? Eu teria dito pior. — Ela apontou para irmos em frente. — Vamos. Vou te mostrar seu quarto. Ela passou pelo que parecia ser uma seção do porão que havia sido transformada em um apartamento. Havia uma área de cozinha. Uma geladeira de tamanho médio. Uma pequena pia. Um pequeno forno, que minha avó pode ter usado nos anos 30. Havia duas mesas. Uma estava decorada com uma toalha de mesa vermelha de plástico xadrez e a outra era simplesmente uma mesa redonda e marrom. Algumas cadeiras ao redor de cada uma. Ela apontou para um cômodo anexo à cozinha, à esquerda da escada. — Esse é o quarto de Lisa. — Seus olhos se moveram para cima. — Aquela por quem acabamos de passar. Oh. Adorável. Trançaríamos o cabelo uma da outra e trocaríamos pulseiras de melhores amigas, disso eu tinha certeza. Então Savannah continuou passando pela cozinha até chegar a outro cômodo. Não era separado por uma porta, apenas uma divisória de meia parede, e esta sala era obviamente uma sala de jogos. Uma velha mesa de bilhar. Uma mesa de totó. Até mesmo um bar enfiado no canto. Ela se manteve em linha reta, continuando até uma porta do outro lado da sala. 16

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O medo preencheu minhas entranhas quando ela abriu a porta e entrou. Não havia mais casa. Eu não poderia ficar naquele quarto. Era literalmente bem ao lado de uma sala de jogos. Havia um bar, caralho. Mas eu fui até a porta e espiei. O quarto estava vazio. Uma cama no canto. Uma mesa de cabeceira vazia. — Entre. Eu entrei, e ela fechou a porta. Uma mesa foi construída na parede atrás da porta com prateleiras acima dela. Uma cômoda estava ao lado. Outra porta estava na outra extremidade do quarto. Achei que fosse o armário. Não era. Ela abriu e entrou. — Ok. Então. Eu sei que este quarto é uma merda. De verdade. Char saiu e todos mudaram de quarto. Você ficou com este. E eu gostaria de dizer que nunca usamos essa sala, mas usamos. E eu sei que não respondi sua pergunta antes, mas nós fazemos esse tipo de festa, sim. Muitas vezes. Nós somos fãs de futebol. — Ela pareceu hesitar, mordendo o lábio antes de seguir em frente. — Mas aqui está o lado bom deste quarto. Ela saiu do caminho, apontando para a frente. — Você tem seu próprio banheiro. — Ela bateu na porta à sua esquerda. — Esta é a sala da caldeira/sala do aquecedor/seu armário. — Ela abriu a porta e havia uma haste suspensa lá dentro. Um lindo armário. Quase. — Mas… — Ela fechou a porta e havia uma última (eu esperava) atrás dela. Ela abriu, e eu estava olhando para um lance de escadas. — Você tem sua própria entrada e saída, conforme prometido, e logo além dessa porta, descendo pela cerca, há uma vaga de estacionamento que é toda sua. Nicole, uma das nossas colegas de quarto que você não conheceu, tem um tio que é dono desta casa. Vivemos aqui desde o primeiro semestre. E com Char partindo, afetou todo mundo. Ela nunca nos disse que não voltaria até ligar na noite passada. — Noite passada? Essa era a minha voz? Esse guincho agudo? inimigos

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Savannah concordou com a cabeça, os olhos pesados. — Sim. E ela nos informou que tínhamos uma nova colega de quarto, Dusty (não devemos zombar do nome dela porque ela parece adorável), e deveríamos encaminhar todas as suas correspondências. Parece que ela decidiu passar um semestre no exterior com um namorado que nenhuma de nós conhece. Eu engoli em seco. — Eu me inscrevi para alugar o quarto há duas semanas. Ela fez uma careta. — Quando você conheceu a Char? Oh. Adorável. Novamente tão sarcástica. — Eu não a conheci. Eu respondi a um anúncio. Seus olhos saltaram. — Um anúncio? — Sua voz estava aguda como a minha. Eu concordei. Isso não era bom. Isso não era nada bom. — Eu não sabia que seria assim. Savannah cruzou os braços, segurando as pontas dos cotovelos. — Nós também não. E as reações de Lisa e Mia se deram porque Char era mais próxima delas. Elas não estão bravas com você. Elas não te conhecem. Elas estão bravas com Char. Você entende. Eu fiz que sim. Coloquei minha caixa no chão, sentando na beira da cama. — Olha. Eu não conheço mais ninguém aqui. Estou me transferindo. Eu entendo que vocês não me querem aqui, mas eu estou aqui. Estou com o aluguel e já paguei a Char pelo primeiro mês. Sua boca se fechou e suas bochechas ficaram vermelhas. Oh, não. — Me diz que ela passou o valor para vocês… — Não. Ela não passou. Não. Não. Eu não conseguia falar. — Então, eu paguei… — Eu parei com o olhar dela, novamente. — Char nunca nos mandou dinheiro. Ela mentiu para você. Acho que ela ficou com o dinheiro. Oh, agora eu estava com raiva de Char também. Eu gemi. Que sorte a minha. Puta que pariu. De novo. 18

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— Hum. — Savannah se dirigiu para a porta. — Então, é isso. Você terá que pagar novamente. E eu vou, uh, vou deixar você se acomodar. Vou pegar sua chave também. — Ela fez uma pausa, olhando para baixo. — Desculpe por Char ser uma vadia e uma ladra. Desculpas. Tá certo. Isso não seria muito útil para conseguir o aluguel deste mês. Outro rugido soou de cima, e pudemos ouvi-los gritando: — INTERCEPTOU! SIM! Ela me deu um sorriso quieto, apontando para cima. — Sinta-se à vontade para vir para a festa. Temos muita pizza e cerveja. Então ela foi embora. Eu tinha quase certeza de que a vi deixando um rastro de poeira atrás de si, o que é um trocadilho não intencional com meu nome. Ela saiu correndo. E até certo ponto, eu entendia. Eu entendia mesmo. Eu sentia o mesmo que ela, e assim que foi embora, fechando a porta, e eu soltei o maior suspiro da minha vida. Ou o segundo suspiro mais longo da minha vida. Mas acho que foi melhor do que lágrimas. Ali estava eu. Em uma universidade que não conhecia. Em uma casa que nunca vi. Vivendo com pessoas que nunca conheci. Em um estado que nunca pensei que fosse visitar. Pooooorra. Meu telefone tocou naquele momento. Gail: Você deveria procurar Stone, já que está aí. Eu vi a mãe dele no supermercado, disse a ela que vocês estavam na mesma cidade agora. Ela não parecia muito interessada, mas aposto que Stone adoraria te reencontrar.

E, oh, sim. Eu mencionei que conhecia Stone Reeves? Pessoalmente. Não? Bem, não importa. Eu o odiava ainda mais do que odiava Char neste momento.

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CAPÍTULO 2

FOI UMA NOITE LONGA, SEGUIDA POR UMA NOITE AINDA MAIS LONGA.

Pegando o caminho da minha entrada privada até a vaga de estacionamento, parei nos fundos, onde ela ficava. A caminhada foi um pouco mais curta, e percebendo quão grande era essa comemoração de futebol, fiquei surpresa por ter conseguido aquela vaga. O quintal estava cheio de gente. Dois grupos menores, mas a mesma coisa que no jardim da frente. Ninguém prestou atenção em mim. Quer dizer, isso não é verdade. Alguns caras me observaram. Um começou a se aproximar para ajudar, mas Mia, a Gazela Malvada, agarrou o braço dele e balançou a cabeça em um movimento rápido e selvagem. Ele se resignou a se sentar à mesa de piquenique e apenas me observar. Cada vez que eu ia e voltava, ele tomava um gole. Percebi que a mesa inteira fazia isso. Excelente. Eu fui transformada em um jogo de bebida. Essa foi a única vez que a Gazela Malvada sorriu de verdade. Ela estava gostando da minha humilhação. Que seja. Eu me arrastei, indo e voltando enquanto carregava minhas caixas e bolsas. Eu não tinha uma tonelada de coisas, mas o suficiente para

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fazer cinco viagens diferentes, de modo que quando terminei, olhei para o chuveiro e para a cama. Eu estava moída, mas meu estômago roncava. O café tinha sido meu café da manhã e almoço, e eu me conhecia. Se eu tomasse banho ou me deitasse, não gostaria de levantar até muito mais tarde, mas aí passaria um dia inteiro sem comer. Suspirando, me lavei um pouquinho, depois peguei minha bolsa e saí para pegar um pouco de comida. Havia uma lanchonete a alguns quarteirões de distância, então fui até lá. Eu teria de encontrar uma mercearia amanhã para conseguir comida de verdade, mas até então eu tinha dois sanduíches de frango para me equilibrar. Depois disso, com todas as vaias e gritos lá de cima, me acomodei. Tomei banho. Comi. Fiz minha cama. Comecei a desfazer as malas, e por volta das dez daquela noite, sentei-me à minha mesa, ouvindo um silêncio abençoado lá de cima. Bem, isso foi depois de um monte de gritos, batidas de pés, portas abrindo e fechando, vozes do lado de fora e portas de carro batendo. Eles haviam deixado a casa. O que eu fiz? Fiquei no meu quarto como uma boa coisinha indesejada. Parecia errado subir e verificar o restante da casa quando eu sabia que pelo menos duas das meninas não me queriam aqui, então peguei meu mapa da escola e planejei meu dia para amanhã. Era o primeiro dia de aula, e eu estava matriculada, mas ainda precisava fazer todas as coisas extras, como tirar uma foto para minha carteirinha do campus. Na verdade, pegar minha carteirinha, criar um plano de refeições, já que eles estavam exigindo um por causa da minha transferência tardia. Pegar meus livros na livraria. Encontrar a biblioteca, isso era o mais importante. E então apenas caminhar pelo campus, descobrir onde todas as minhas aulas seriam. Como estava mudando para biologia marinha, fiquei animada com a parte das aulas em laboratórios. Eu cumpri os pré-requisitos na faculdade comunitária perto de onde cresci, então tudo estava pronto e certo, mas eu sabia que seria mais difícil agora. Eu ainda estava surpresa por ter entrado na Texas C&B, mas não iria olhar os dentes de um cavalo dado. Eu estava aqui. Eu estava fazendo o que queria. Sempre quis ser bióloga marinha, desde pequena, e este era o momento certo para isso. Minhas outras opções de carreira desmoronaram. Assistente inimigos

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social. Tradutora. Fonoaudióloga. Essas não eram as escolhas que eu realmente queria, e a vida era curta. Eu já tinha aprendido isso algumas vezes, então estava me segurando com as duas mãos, mas deixando meus pés firmemente plantados no chão. Cansada, mas sentindo um contentamento estranho, me arrastei para a cama à meia-noite.

Bum! Pá! — Porra — alguém gritou. Mais pés se arrastando acima de mim. Eu podia ouvir as risadas. Eles estavam de volta. Eu estava supondo que eles tinham ido a uma festa ou ao bar mais próximo. Rolando na cama, puxando meu lençol, meu ventilador virado diretamente para mim, eu esperei e tive esperanças. Talvez eles comessem, fizessem o que quer que bêbados faziam e depois fossem para a cama. Bum, bum, bum! Eles ligaram a música. O som alto do baixo martelava nas tábuas do piso. Eu quase podia ouvi-lo chacoalhando, então rolei e fiz o que qualquer garota no meu lugar faria. Eu abafei um grito no meu travesseiro. Foi um grito de corpo inteiro também. Até meus dedos dos pés entraram nisso, enrolando. Eu precisava dormir. Demais. Eu ia ficar doente se passasse muitas noites seguidas sem oito horas completas de sono, e não vamos explicar por que não estava conseguindo dormir. Isso está relacionado com o motivo pelo qual vim para o Texas, mas sei que as pessoas diriam que poderiam sobreviver com quatro horas por noite. Sim. Eu também poderia, mas não por cinco noites seguidas. Eu estava entrando na noite número seis. Eu. Precisava. Dormir. Mas, de verdade, o que eu faria? Eu era a intrusa. Eu teria de suportar, e resistir. Até as quatro da manhã. E mesmo depois disso, o volume da música diminuiu, mas ainda era uma batida suave, até que finalmente adormeci. Eu juro, adormeci sonhando com Stone jogando sua bola de futebol na 22

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minha cabeça a cada vez, e isso correspondia com a música techno tocando no meu despertador. Meu despertador. Estava tocando. E ao acordar, percebendo que aquele sonho em particular tinha sido desagradável, me sentei e descobri que estava com dor de cabeça. Um cochilo supersônico seria necessário mais tarde. De verdade. Urgente. Não vou nem começar a reclamar. Eu estava me sentindo um pouco enjoada. Depois de tomar banho e me vestir, o telefone tocou. Era Gail. De novo. Desta vez, aceitei a chamada, já sabia que demoraria um pouco. Eu me sentei. Eu precisava preservar minhas reservas de energia aqui. — Oi, Gail. — Docinho! — Sua voz soou alta, e ela estava forçando um sotaque sulista. Eu não sei por quê. Ela não era sulista. Nunca foi. — Como tu tá? Essa era Gail. Eu não precisei responder. Ela já estava na próxima pergunta. — Como foi a viagem? Eu esperava que você pegasse leve. É um longo caminho para dirigir sozinha. Seu pai saiu para tomar café na cidade. Você sabe como é. Ele adora a hora do café. E como você está se sentindo hoje? Animada? Suas aulas começam hoje. Você já entrou em contato com Stone? Ele é um menino importante aí. Tenho certeza de que ele ficaria feliz em mostrar a você o que fazer, mostrar alguns lugares, talvez os melhores lugares para comer. Você sabe. Um, Stone era importante em todos os lugares deste estado. Dois, ele não ficaria feliz em me mostrar as coisas. Ele me odiava mais do que eu o odiava, e isso era bastante. E três, eu tinha um pressentimento de que meu pai estava sentado ao lado dela. Ele detestava ir tomar café na cidade tanto quanto eu e Stone nos desprezávamos. Mas havia um lado positivo em meu relacionamento com Gail. Eu mal tive de falar. Era principalmente uma dinâmica unilateral, e para provar isso, Gail continuou batendo papo. Ela iria se exaurir, fazer as duas partes da nossa conversa, para que tudo corresse como ela queria. Quando ficasse feliz, terminaria a ligação. Que é o que ela estava fazendo agora. inimigos

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— Stone é um menino tão doce. Ele era um idiota arrogante. — E você sabe, aquela família. Eles passaram por tempos difíceis também. — Sua família era rica, e porque ele podia, seu pai despediu o meu logo depois de transformar sua mercearia em uma franquia. — E Barb, ela parece tão incrível. A pele estava brilhando. Parece que ela se arrumou um pouco. Barb estava com uma aparência abatida. A mãe de Stone era magra porque fumava e bebia champagne todos os dias. Uma vez a cada dois dias, ela comia um pedaço de frango, talvez uma salada para acompanhar. E eu sabia disso porque éramos vizinhos até sermos forçados a vender a casa, e, era uma vez, Stone e eu éramos grandes amigos. Eu estive muito na casa deles enquanto crescia. Tudo isso mudou quando chegamos à puberdade, é claro, mas Barb continuava ficando mais magra e com uma aparência mais esquelética. E as pessoas falavam sobre isso. Quer dizer, não Gail (nesta circunstância). Ele era quase a anti-fofoca aqui. Ela estava literalmente vomitando o oposto do que era verdade, mas se ela queria acreditar em tudo isso, quem sou eu para corrigi-la. Era isso o que ela estava escolhendo pensar. Que assim seja. E, no final, depois que foi perdendo velocidade, eu apenas murmurei. — Que bom, Gail, preciso ir. — Oh. Ok. Tenha um ótimo dia, docinho! Seu pai e eu pensaremos em você hoje. Ligue hoje à noite. Nos conte como Stone está quando o encontrar. Eu não faria nada disso, e ela sabia. Meu pai sabia. E ela ligaria amanhã, repetindo as mesmas coisas, até que se convencesse de que eu havia procurado Stone, que ele e eu éramos amigos de novo, e então ela continuaria pensando em como eu estava me saindo muito bem no Texas.

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CAPÍTULO 3

— VOCÊ PRECISA DE UM PLANO DE REFEIÇÕES MAIOR.

A senhora atrás da mesa não estava entendendo. Óculos de armação vermelha, assim como os lábios, franzidos em uma leve carranca. Eu imaginei que ela já estava de saco cheio de novos alunos, e eram apenas nove da manhã. Eu empurrei o papel de volta. — Isso é tudo que posso pagar. Seus olhos se voltaram para os meus, mas não houve nenhum lampejo de emoção. Ela empurrou o papel de volta. — Você está no terceiro ano da faculdade e tem moradia fora do campus. Tudo bem, mas como é o seu primeiro semestre aqui, você ainda precisa seguir as diretrizes dos calouros. Você precisa fazer o plano de refeições acima do que escolheu ou algo próximo disso. Você não pode escolher a opção de obter uma refeição por mês no campus. — Eu moro fora do campus. — Estou ciente. Está em seu arquivo. Você também foi aceita tardiamente, e por causa disso, foi colocada no programa de calouros. Um plano de refeições diárias é sua única opção. Ela. Não. Entendeu. Eu me inclinei para frente, perfeitamente ciente de quantos alunos irritados estavam atrás de mim porque eu estava demorando mais do que inimigos

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a média de dois minutos, ou talvez estivessem espionando e se divertindo com minha humilhação. De qualquer forma, eu não estava aceitando o plano de refeições porque não podia pagar. Abaixei minha voz, minhas mãos segurando as alças da minha mochila que estava em meus ombros. — Não posso pagar por outro plano. Ela se inclinou para frente, baixando a voz também. — É apenas um período. Você pode optar por não ter um plano de refeição no próximo semestre. Fechei meus olhos, imagens de bater minha testa no balcão piscando em minha mente. — Eu não posso pagar — eu disse isso com os dentes cerrados, minha mente já passando pelas minhas opções, um novo sentimento de impotência irrompeu dentro de mim porque eu sabia que o que teria de fazer ia doer. Bastante. Mais do que muito. — Você não pode ser uma estudante aqui se não seguir as regras. Você pode passar por uma semana de aulas, provavelmente, mas a lista é atualizada, e as reuniões do corpo docente acontecem. Você será chamada em todas as aulas e orientada a voltar aqui para cumprir seu programa de alimentação. Marque esta opção. — Ela fez isso por mim e estendeu a mão. — E me dê uma forma de pagamento, então você pode ir se divertir. Isso ia doer. Tanto. Engolindo um caroço do tamanho de uma pedra na minha garganta, peguei minha bolsa e tirei minha carteira. Eu tinha um cartão de crédito. Ele estava lá apenas por motivos de emergência, e eu odiava usar cartões de crédito. Odiava com paixão. Tantos anos ruins atolada em dívidas estavam passando pelas minhas memórias, mas suprimindo um arrepio, eu o puxei e entreguei. Ela pegou, olhando para mim. — Esse vai passar? Eu não conseguia falar, mas abaixei a cabeça em um aceno. — Okay. — Com os lábios apertados, ela passou o cartão. Passou. Eu ouvi o bipe e fechei os olhos novamente para conter as lágrimas. Elas não podiam aparecer, de novo, não. Eu não iria permitir que elas caíssem. E, foda-se. Eu estava ferrada. Eu teria de conseguir um segundo 26

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emprego apenas para pagar esta conta, e agora a procura de emprego estava sendo adicionada à minha lista de coisas a fazer hoje. — Ok. — Ela devolveu meu cartão e tirou minha carteirinha atualizada. Eu já tinha tirado a foto e dado um sorriso brilhante e forçado. — Bem-vinda à Texas C&B. Eu agarrei as coisas, olhei para ela e esperei até que estivesse pelo menos fora do escritório antes de murmurar “vadia” baixinho. — O que você disse? Eu olhei para cima. Era a Gazela Malvada, e vendo que era eu, seus olhos se tornaram frios, mas a luta acabou. — Esquece. — Havia outras pessoas com ela e com seu namorado, mas eu não reconheci nenhuma das meninas. Não que eu fosse capaz disso. Só conheci Savannah e Lisa. Sabe aqueles momentos da vida, aqueles em que você está caminhando, vivendo sua vida e, de repente, todo um rebanho de pessoas bonitas passa por você? Eles estão olhando para você como se você fosse um animal do zoológico em exibição ou a aberração do circo que está em sua própria barraca. Bem, isso simplesmente aconteceu, e a Gazela Malvada era um dos líderes. Se eu fosse chutar, tinha certeza de que alguns deles estavam na casa ontem à noite. Um dos caras se arrastou, ficando para trás, e se virou, olhando para mim, a boca franzida em um sorriso estranho, como se estivesse se divertindo, enquanto continuava andando com o grupo. — Você sobreviveu a um confronto com Mia Catanna. Virando, eu vi uma garota aleatória que tinha assistido à cena toda, e ela se aproximou, ajustando sua própria mochila. Estava pendurada em um dos ombros. Cabelo loiro. Óculos. Ela era pequena, e como eu, não estava usando maquiagem. Embora alguns usassem para realçar a beleza, essa garota poderia usar maquiagem para não parecer ter doze anos. — O sobrenome dela é Catanna? — Sério? Eu grunhi. — Tínhamos uma casa de idosos chamada Catanna onde eu morava. Seus lábios se contraíram. — Eu me chamo Siobhan. Siobhan. Jesus. Acenei. — Meu nome não parece o de uma modelo irlandesa. Eu me chamo Dusty. inimigos

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— Dusty? — Outra contração labial. — Sim. Dusty Phillips, para ser mais exata. — Entendi. Se isso te faz sentir melhor, minhas irmãs se chamam Silver, Sinead e Shavonia. — Mesmo? Shavonia? Ela riu. — Sim. Minha mãe gostava de cocaína depois dos partos. Não quando estava grávida. Essas foram as únicas vezes em que ela ficou sóbria, mas não se preocupe. Não precisa ter pena. Ela abandonou o vício quando eu tinha 12 anos. Nós nos mudamos para um acampamento hippie e sóbrio, de modo que passei o restante dos meus anos formidáveis comendo principalmente alimentos à base de plantas. — Sério? Sim. Isso foi tudo que eu consegui dizer naquele momento. Ela assentiu com a cabeça, movendo-se para ficar mais perto, enquanto um grupo de alunos enxameava ao nosso redor. — Se você precisa começar uma fogueira usando apenas um clipe de papel e um fósforo, eu sou a garota certa para isso. — É bom saber. Da próxima vez que for acampar, procurarei por você. Ela riu. — Você acampa muito? — Nunca. — Pois é. — Ela balançou a cabeça. — Isso é bom, porque eu estava mentindo sobre tudo. Eu levantei uma sobrancelha. — Você realmente não tem uma irmã chamada Shavonia? — Eu tenho, na verdade. Os nomes são a única coisa sobre a qual eu não estava mentindo. Meu nome realmente é Siobhan. Você está entrando no programa de Biologia Marinha? Eu inclinei a cabeça para o lado. — Você soube disso só de me ver parada aqui? — Não. Eu percebi porque estava três pessoas atrás de você quando você estava no prédio da administração. Então eu vi você sair do escritório que resolve os planos de alimentação e percebi que deveria me apresentar. 28

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Estou no mesmo programa. — Ela estendeu a mão, e fizemos as apresentações formais mais uma vez. Nós duas estávamos sorrindo no final. — Eu me transferi, então não sei se teremos as mesmas aulas. Ela encolheu os ombros. — Teremos algumas e estaremos no mesmo prédio. As aulas de nível avançado acontecem na marina. Quem é seu orientador acadêmico? Eu olhei para minha agenda. — Diz Anna Anderson. — Hmmm. Ela é uma quenga. Espero que você tenha se transferido de uma boa faculdade. Meu coração afundou. — Faculdade comunitária. Ela fez uma careta. — Bem. Se você é uma estudante independente, a boa notícia é que ela não vai se importar muito em ajudá-la. Más notícias, se você é uma estudante que precisa de um bom relacionamento com seu orientador, talvez queira fazer uma transferência agora. — Transferir para outra faculdade? — Minha voz falhou. Eu não poderia ter ouvido direito. Eu acabei de chegar aqui. — Não! — Ela soltou uma risada. — Um novo orientador. É péssimo dizer isso, mas a dra. Anderson é uma daquelas professoras que só quer ser mentora dos alunos mais brilhantes e promissores. Se você está vindo de uma faculdade comunitária, ela vai descartá-la como uma aluna nota D, talvez C. Ela não vai perder seu precioso tempo. — Oh. — Isso é péssimo. — Bom saber, acho. Quem é seu orientador? Ela sorriu. — Dra. Anna Anderson. Eu sou a professora assistente dela. Eu quase engasguei. — Você está de brincadeira! — Não, por isso eu sei dessas coisas sobre ela. Ela vai sorrir na sua cara e fazer você se sentir apreciada, então vai entregar sua pasta para mim e me instruir a redigir uma carta genérica de recomendação para você dois anos antes. Já fiz oito para alguns alunos do curso de verão na semana passada. inimigos

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— Droga. Pois é. Aquela pilha enorme de sentimento de impotência e desesperança estava crescendo. Mas, não. Eu não tinha passado pelo que passei e decidido ir atrás do que eu realmente amava apenas para ser desviada do meu caminho por uma funcionária da administração cansada do planejamento de refeições e uma orientadora arrogante, ou até mesmo colegas de quarto malvadas que faziam festas todos os dias na casa. Eu suportaria. Essa é qualidade que nós, Phillips, tínhamos em abundância. Nós suportamos coisas piores. Este foi apenas um pontinho na minha vida. — Ok. — Decisão tomada. — Onde eu peço por uma transferência de orientação? — Vamos. — Ela acenou com a cabeça em direção ao prédio de onde acabei de sair. — Eu vou te mostrar. Susan Cord é muito legal, e ela tem uma queda pelos alunos menos favorecidos, já que ela se considera uma. Deus. Sou uma azarão. Eu já fui descrita dessa forma. Acho que foi muito melhor do que o que aconteceu na minha última faculdade. Eu suprimi um arrepio. Qualquer coisa é melhor do que o que aconteceu lá.

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