TRADUÇÃO:
ANA CAROLINA CONSOLINI
1ª EDIÇÃO – 2022 RIO DE JANEIRO
Direção Editorial BEATRIZ SOARES Tradução ANA CAROLINA CONSOLINI Preparação e Revisão CLARA TAVEIRA e RAPHAEL PELOSI PELLEGRINI COPYRIGHT © 2017. THE PLAYER BY K. BROMBERG. COPYRIGHT © 2022. ALLBOOK EDITORA.
Projeto de capa original HELEN WILLIAMS Adaptação de Capa e Diagramação CRISTIANE | SAAVEDRA EDIÇÕES
Todos os direitos reservados e protegidos pela lei 9.610 de 19/02/1998. Nenhuma parte deste livro, sem autorização prévia por escrito da editora, poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem os meios empregados: eletrônicos, mecânicos, fotográficos, gravação ou quaisquer outros. Os direitos morais do autor foram declarados.
Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa (Decreto Legislativo nº 54, de 1995)
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ Leandra Felix da Cruz Candido – Bibliotecária – CRB-7/6135 T411c Throsby, Lynda 1.ed. Chef / Lynda Throsby ; tradução Alline Salles. - 1. ed. – Rio de Janeiro: AllBook, 2022. 280 p.; 16 x 23 cm.
FICHA CATALOGRÁFICA Tradução de: Chef ISBN: 978-65-86624-61-8
1. Ficção inglesa. I. Salles, Alline. II. Título. CDD 823 CDU: 82-3(410.1)
21-74517
2022 PRODUZIDO NO BRASIL. CONTATO@ALLBOOKEDITORA.COM
ESSE LIVRO É DEDICADO ÀS MULHERES QUE AMAM ESPORTES.
Aquelas que não pensavam duas vezes quando o assunto era se sujar na grama quando eram pequenas e agora que estão crescidas, não têm vergonha de se sentar e assistir a um jogo com os homens. Eu sempre fui uma dessas meninas. Esse livro é dedicado às meninas consideradas nerds. Aquelas que gostam de ficar em casa numa sexta à noite e se perdem nas páginas de um bom livro. Aquelas que sempre querem aprender coisas novas. Nunca sinta vergonha de ser inteligente. Eu sempre fui uma nerd. Esse livro é dedicado às meninas fortes. Aquelas que preferem ajudar uma companheira a alcançar o sucesso do que diminuir suas conquistas. Eu sempre fui forte. Esse livro é dedicado às meninas inseguras. Sim, você. Eu te vejo. Já fui como você. Eu sou você. Está tudo bem querer abrir suas asas de vez em quando e ver quão longe pode chegar. Se você não se aventura, não conquista. Veja meu exemplo, eu consegui.
PRÓLOGO
EASTON A EMOÇÃO ME ATINGE.
A adrenalina percorre meu corpo. O rugido da multidão nos ouvidos. A mistura de aromas — sujeira, pipoca, couro, alcatrão — alcança meu nariz. Eles são minha tábua de salvação. Minhas constantes. A única religião em que fui ensinado a acreditar. A única coisa que me foi permitido ser. Por alguns momentos antes da dor chegar — a dor cegante, excruciante e interminável –, quando a poeira está dançando ao meu redor e posso sentir a areia deslizando sob meu corpo, lembro por que amo o jogo. Tudo o que diz respeito a ele. E então olho para cima. Nossos olhos se encontram. É uma conexão feita em uma fração de segundo. Mas eu me lembro de algo. De alguém. 7
E então acabou. Porque agora só há dor. Ela assume o controle. Rouba meu fôlego. Mata minha jogada. E espero que não estrague meu futuro.
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K. BROMBERG
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SCOUT
Quatro meses depois
— COMO VOCÊ ME QUER?
Olhos amendoados. Um sorriso arrogante. Essas são as duas primeiras coisas sobre Easton Wylder que chamam minha atenção quando ele coloca a cabeça pela fresta da porta da sala de treinamento. Abro a boca para falar, mas fico em silêncio quando ele passa pela soleira e fica totalmente visível. E não é apenas porque está sem camisa — isso é normal no meu trabalho –, mas porque tudo sobre ele faz com que as palavras desapareçam. O peito nu, bronzeado e muito tonificado. O short de ginástica de cintura baixa com um V perfeito de músculos. O caminho da felicidade ligeiramente visível, que atrai os olhos para onde eu não deveria estar olhando. Mas eu estou olhando. E isso é um problema. Porque mesmo que seja apenas por um momento, ainda é tempo demais para que Easton perceba. Eu olho rapidamente para 9
cima e em seguida de volta para seu rosto para mais uma vez ser saudada por aquele sorriso presunçoso que eu posso jurar que me provoca e pergunta se eu estou gostando da vista. Outro dia. Outro paciente. Outro jogador. Eu não deveria esperar nada menos que isso. Ele é gostoso. Eu vou admitir isso. Gostoso do tipo de dar água na boca, parar o trânsito, atrair todos os olhares quando passa. E não só isso, Easton é a droga de um deus quando está no campo. Um dos melhores apanhadores que já vi. Média de rebatidas, porcentagem na base, porcentagem de arremessos, pick-offs, bolas de passe — todas as suas estatísticas dizem que se continuar nesse caminho, ele será um dos grandes um dia. O pacote completo. Mas se as primeiras impressões dão uma indicação de algo — o levantar arrogante de sobrancelhas e a postura convencida de seus ombros –, eu já sei que ele será como qualquer outro pacote completo com o qual já trabalhei. É ótimo para olhar, mas chato para trabalhar. Vaidoso e com um só tipo de pensamento. Se não é sobre ele, não quer falar sobre isso. Espero estar errada, ou então serão três longos meses. Isso não é tudo, também admirei sua carreira nos últimos anos e preferiria continuar admirando o homem que imaginei que ele fosse. — De costas? — ele reformula a pergunta antes que eu possa recuperar meus pensamentos e dá um passo para mais perto. — De bruços? — Ele para e esfrega uma toalha no rosto e com isso seu cabelo castanho escuro aponta para todas as direções possíveis, mas de alguma forma isso só aumenta seu apelo. Dê uma chance a ele, Scout. Ele é a realeza do beisebol. Além disso, ele não pode ser tão ruim. Realmente importa se o cara é um idiota presunçoso? Ainda há um contrato, um prazo definido, e ele ainda é seu paciente. Então vamos lá. Vá em frente e faça seu trabalho. — Ahn — eu digo enquanto olho para baixo novamente, tentando não deixar esse corpo — duro, tonificado, perfeito dele — dispersar meus pensamentos e minar meu profissionalismo. — Ahn? — Easton repete, enquanto seus olhos multicoloridos riem de uma piada que só ele parece entender. — Desculpe, você me distraiu. — Assim que as palavras saem, percebo como elas soam, dando a entender que seu corpo é o culpado. 10
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— Distraí? — Uma elevação de sobrancelhas. O fantasma de um sorriso. Eu recomeço. — Eu sou a nova fisioterapeuta que o clube contratou para ajudá-lo a voltar ao campo. — O clube contratou você? Achei que eles tinham contratado o Doc… E você definitivamente não é o Doc. — O Doc foi quem me designou para o seu caso. — Meu tom é defensivo, a alma cedendo sob o peso do porquê eu estar aqui e ele não. — Doc Dalton? Esse Doc? — A descrença tinge seu tom. — Sim, Doc Dalton, esse Doc. Eu sou a sócia dele. — Sócia? Doc costuma trabalhar sozinho. — Easton estreita os olhos e me estuda descaradamente por um momento. O escrutínio silencioso me faz mudar o peso entre os pés, e quando estou prestes a falar, ele ri baixinho de algo que obviamente não estou ciente. — Qual dos caras contratou você? — Seu gerente-geral. Cory Tillman. — Cory? — Sim. Cory. — Por isso é tão difícil para ele entender? — E ela até acertou o nome — ele murmura, mais para si mesmo do que para mim, apenas aumentando minha confusão. — Boa tentativa, no entanto. Minha aposta está em Drew ou Tino. Eles cobriram todas as bases com você, não é? Do que diabos ele está falando? — Não que você se importe, mas eu não preciso cobrir minhas bases. Eu realmente gostaria de começar. — Não. — Não? — Easton está falando sério? — Você achou que eu deixaria qualquer um tocar meu braço? — Desculpe? — O insulto me atinge com mais força do que deveria. É algo que aprendi a esperar (a suposição de que eu não posso ser tão boa quanto Doc) e ainda assim minha temperatura continua a subir. — Garanto que meu toque é tão mágico quanto o do Doc. Idiota. — Tenho certeza de que é — ele murmura, arrastando as palavras, enquanto os olhos percorrem todo o meu corpo. O olhar dele — de apreciação masculina pura — deixa meus nervos já tensos em alvoroço. E eu não quero que eles fiquem alvoroçados. Não 11
quero que eles sintam nada quando se trata de Easton e o quanto ele está provando ser um idiota agora. — Experimente isso com outra pessoa, garanhão. Seu papo não vai funcionar comigo. — Meu papo? — Eu amo o pequeno recuo que seu pescoço faz. Aquele que me diz que não está acostumado com ninguém chamando atenção pelas merdas que faz — Sim. Seu papo de “eu sou um babaca arrogante”. Você realmente consegue alguma mulher quando age assim? — Eu não sabia que estava tentando conseguir uma. — Seus olhos se fixam nos meus. Há humor em suas profundezas cor de avelã, mas tudo que consigo sentir é como estou estupidamente magoada, como se Easton tivesse acabado de me rejeitar, mesmo que em primeiro lugar eu não quisesse ser desejada por ele. — E só para constar, funciona o tempo todo. O que eu daria para tirar esse sorriso presunçoso de seu rosto agora. — E aí? Você apenas caminha até uma mulher e fala sobre estatísticas aleatórias do jogo? “Ei, amor, eu estou tendo uma temporada de matar, rebatendo três e setenta e cinco com uma sequência de rebatidas de vinte jogos. Quer sair?”. — Nah. — Ele luta contra uma risada, e odeio que, embora eu saiba que estou sendo ridicularizada, esse sorriso tímido de Easton me compele a dar um passo para mais perto. — Eu só digo a ela que tenho um bastão grande e que sei exatamente como usá-lo. — Sério? Ele encolhe os ombros. — Não, mas você vai pensar o que quiser de qualquer maneira, não é? — Com certeza. — E você tem alguma coisa contra bastões grandes, eu suponho? Ele está me provocando. Vendo até onde pode me pressionar. Mal sabe ele que eu pressiono de volta. — Nada contra bastões grandes, mas eles não valem nada a menos que você saiba usá-los. E caras que mandam a conversinha cafona como a que você acabou de soltar, definitivamente não tem tempo para aprender a usá-los corretamente. — Você está falando por experiência? Muitos homens tentam frases como essa com você? — Nossos olhos lutam na pequena distância. 12
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— Não homens que eu daria a mínima. — É uma pena. Talvez você não tenha encontrado o certo então. — Ele apenas me encara com um olhar implacável, que faz perguntas e suposições que eu preferia que ele não fizesse. Esta conversa mudou o rumo de onde eu precisava estar concentrada. Nele. Focada nele. E a ironia não me passou despercebida: isso é exatamente o oposto do que eu queria momentos atrás. — Olha, estou aqui para trabalhar. Provavelmente é melhor se nos concentrarmos nisso — eu digo em uma tentativa de reiniciar a conversa pela segunda vez. — Tem certeza? Sua hostilidade grita o quanto está gostando da minha companhia. — Gostar de você não é um requisito para o trabalho. Sou boa em ignorar as pessoas que me criticam. — Eu pontuo a frase com um sorriso doce que chega a enjoar. — Vamos lá. — Aponto para a mesa acolchoada atrás dele. Easton olha para a mesa e depois de volta para mim. — E se eu agradecer, mas recusar? Então, obrigado, mas não. — E se eu te contar que você não tem escolha quanto a isso? Estou sendo paga para fazer um trabalho e pretendo realizá-lo. — Dou alguns passos para mais perto dele e me certifico de que minha voz seja o mais autoritária possível. — Deite de costas. — Adoro uma mulher que sabe o que quer. — Não há como confundir a insinuação de suas palavras, que é reforçada pela intensidade na maneira como Easton me encara, como se a cada segundo outra camada da minha roupa estivesse sendo retirada. — Mas você aprenderá em breve: eu raramente faço o que mandam. — Ah, por favor. — Sarcasmo ressoa em minha voz enquanto travamos uma guerra silenciosa, mas não tenho certeza do motivo. Estou aqui para dar a ele exatamente o que deseja, voltar ao campo, e, portanto, sua teimosia é frustrante e confusa. Porque embora eu possa ter sido questionada por jogadores no passado — subestimada porque sou uma mulher, testada porque não sou tão experiente quanto Doc —, é muito diferente desta vez. 13
Desta vez, eu tenho a carreira de referência de Doc Dalton como trampolim para trabalhar na recuperação de Easton Wylder. Tenho os últimos desejos do meu pai a cumprir. Tenho minha reputação para solidificar. — Teimosa, linda, inteligente e educada — ele reflete, cruzando os braços sobre o peito para que os bíceps se flexionem com o movimento. Com as sobrancelhas levantadas, ele me dá um sorriso de matar. — Por causa disso, vou obedecer… Mas só desta vez. Pare de olhar para mim. — Vamos lá. — Pare de sorrir para mim. — Na mesa. — Pare de flexionar os bíceps. — Tira a camisa. — Pare de me enervar. — Já estou sem ela. — Ah, sim. Desculpe. — Porcaria. Nada como mostrar que você é capaz e está no controle ao não perceber o óbvio. — Você quer me dizer onde dói mais para que eu possa começar por aí? — Estou com muitas dores. — Ele ri, e me irrita que eu ache o som de sua risada sexy. — Mas estou curioso, como você planeja me consertar se tocar nas pessoas está fora dos limites? — Eu toco nos pacientes, Wylder. Não há limites. Uso as mãos e corpo no paciente até que a dor suma. Em seguida, passamos para a próxima e começamos o processo todo outra vez. — Ignorando a descrença em seu rosto, aponto para a mesa atrás dele. — Você não disse que ia obedecer apenas dessa vez? — Com uma condição. Condição? Ele está falando sério? Não tenho escolha a não ser jogar junto. — Qual? — Pare de fingir que sabe o que está fazendo quando se trata do meu braço. — Ele arqueia uma sobrancelha em desafio. A maneira mais certeira de irritar uma mulher é questionar suas habilidades, e ele vai lá e faz isso de novo. — Não seja idiota. Você está me irritando. E perdendo meu tempo. — Eu levanto as sobrancelhas. — Não gosto de perder tempo. — O cliente não tem sempre razão? — Senta. Agora. — O que a senhora quer, a senhora consegue. — Resignado, mas com um sorriso torto que diz que de alguma forma está conseguindo o que deseja de qualquer maneira, Easton desliza a bunda pela mesa acolchoada, os olhos ainda fixos nos meus. — Mais uma condição? 14
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— Sem mais condições. — Esse homem é positivamente frustrante. — Qual é o seu nome? — Scout — eu respondo, já exausta deste jogo no qual sou uma participante, mas que não entendo muito bem. — Scout? — Sim. Scout. — Eu opto por omitir meu sobrenome. Não há necessidade de Easton questionar mais minhas habilidades. — Esse não é exatamente o tipo de originalidade que eu esperava. O que aconteceu com Star, Trixie ou Kitty? Já tinham sido todos escolhidos? Do que diabos ele está falando? — Desculpe desapontá-lo, mas é apenas Scout. — Droga. Eu estava apostando em Kitty. — Não. — Scout. Hmm. — Ele acena com a cabeça, estreitando os olhos como se estivesse tentando descobrir alguma coisa. — Eu estava errado. Não foi o Tino. Foi Drew. Foi ele quem te contratou, te treinou sobre o que dizer e te disse o que fazer, não foi? — Ele balança as pernas para cima da mesa, e eu juro que diz algo sobre não haver velcro, mas quando ele se apoia no cotovelo e encontra meu olhar perplexo, tudo o que faz é me dar um sorriso perfeitamente inocente de menino da igreja. — Desculpe, tem alguma informação aqui que eu esteja perdendo? — Estou bastante confusa. — Não preocupe essa sua cabecinha bonita — diz ele com um sorriso malicioso. — Você não está perdendo nada. Eu o ouço — a zombaria em sua voz, os alarmes me dizendo que algo que eu não entendo muito bem está acontecendo —, mas estou momentaneamente distraída com nossa proximidade. Pelo cheiro do xampu em seu cabelo. Pela visão das cicatrizes desbotadas em seu corpo, mais visíveis agora que estou mais próxima a ele. Pela cor única de seus olhos, que são uma mistura de marrom e cinza com um anel azul ao redor da íris. Mas é o estremecimento de Easton que me tira da terra da fantasia. É um movimento simples, levantar o braço atrás da cabeça, mas percebo a careta em seu rosto. Meus olhos pousam em seu ombro. Na vibração de seus músculos enquanto ele muda e se ajusta para ficar confortável, e a máscara de volta ao lugar, tentando fingir que não doeu. 15
Todo meu treinamento vem à tona. Assume o controle. Taco longe aquela pontada indesejada de luxúria instantânea. Eu me coço para colocar minhas mãos nele, para que eu possa amassar, e esticar, e tentar dar a Easton alívio de sua dor persistente. Mas bem quando estou prestes a tocar seu ombro, ele se vira para olhar para mim e pergunta. — Você não precisa de música ou algo assim? Minhas mãos congelam quando suas palavras quebram minha concentração. Elas atingem meus ouvidos, e minhas sinapses disparam pelo que parece ser a primeira vez desde que Easton entrou aqui. Tudo se encaixa no lugar. As indiretas que estavam incomodando em um canto da minha mente de repente se ligam e fazem sentido. O lançador. O benfeitor tipicamente norte-americano. E famoso pelas pegadinhas. Como eu poderia não ter conectado os pontos antes? Que o homem que é conhecido nos vestiários de todo o país por pregar peças em seus companheiros — como os mencionou antes, Tino e Drew — pensa que eles estão devolvendo as brincadeiras. Dando o troco para as lendárias pegadinhas que ele fez. E ele acha que faço parte de uma dessas brincadeiras. Velcro. Música. Os nomes artísticos ridículos. Sim. Ele acha que sou uma stripper. Ou uma prostituta. Muito amável. E embora eu devesse me sentir insultada por ele pensar que estou aqui porque seus amigos me contrataram para dançar para ele, pelo menos nossa conversa faz algum sentido agora. Por que o pensamento me alivia? Isso o redime? Nem um pouco. Mas talvez Easton não seja o idiota que eu imaginei que fosse. Talvez, apenas talvez, ele esteja reagindo à situação que imaginou e não a mim. Mas, novamente, ele ainda está deitado, ainda deixando que a situação prossiga, ainda me deixando — a mulher que ele pensa que está aqui para se despir para ele — tocá-lo. E embora eu possa ter trabalhado com atletas o suficiente para saber que essa pegadinha é inofensiva, de modo geral, também sei que não há 16
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maneira melhor de fazer alguém que faz tantas pegadinhas levá-lo a sério do que dar o troco. Então eu tomo a decisão em uma fração de segundo de montar esse estratagema. Eu vou interpretar o papel e quando chegar a hora certa, direi a verdade. Talvez sua decepção por eu não ser uma stripper tire um pouco da arrogância de seu sorriso. Quando eu encontro seus olhos novamente, sustento o olhar um pouco mais, sorrio um pouco mais sedutoramente. — Se eu quero música? É a sua escolha. Você prefere que eu… faça isso com música? Ou você prefere que façamos um treino primeiro, para ver o que é bom para você, o que não é, e então podemos continuar a partir daí? — Não creio que minha voz já tenha soado como um ronronar antes, mas agora sinto que mereço Kitty como nome artístico. Os cílios grossos se abrem em choque frente à minha repentina mudança de comportamento. Easton olha para mim e depois para fora das janelas da sala de treinamento, para o vestiário vazio lá fora. Ele deve estar se perguntando onde Drew e Tino estão, porque sem dúvida eles estariam esperando para assistir essa pegadinha. Sem plateia, Garanhão. A piada é você. — Não há mais ninguém aqui, Easton. Só você. E eu. — Eu coloco o dedo em sua testa e empurro para que sua cabeça repouse na mesa. — E o pequeno treino que estou prestes a fazer com você. — Um treino? É assim que você chama hoje em dia? — A risada diz tudo. O mesmo acontece com a inspiração rápida e a tensão de seus músculos sob meus dedos enquanto pressiono a pele acima de seu manguito rotador, sentindo a presença de tecido cicatricial: o primeiro passo para tentar avaliar o motivo do seu braço estar demorando tanto para cicatrizar quando já deveria ter passado do estágio do estremecimento. A pele é lisa. Quente. E há uma descarga elétrica — um zumbido de algo — quando nossos corpos se conectam da maneira mais inocente. É tão inesperado e diferente de tudo que eu já senti antes, que preciso me impedir de puxar minha mão em reação ao toque. — Agradeço você fingir saber o que está fazendo e tudo o mais, mas… — Ah, eu sei o que estou fazendo, não se preocupe — sussurro para interromper seu protesto. — Vamos tentar isso agora. Isso dói? — Ele resiste quando tento levantar o braço sobre sua cabeça. Pelo menos ele tem bom 17
senso para questionar a possibilidade de uma stripper tentar mexer em seu braço de um milhão de dólares. — Não. É só que… Eu não acho que você deveria… — Garanto que sou mais do que qualificada. — Há pânico em seus olhos, medo de quão longe essa stripper vai continuar com a mentira de “eu sou uma fisioterapeuta”. Então eu continuo. — Um labrum* rasgado não é brincadeira. Só um profissional saberá como fazer essa dor melhorar. E fique tranquilo, sou uma profissional. — Lidar comigo é uma coisa, Scout — diz ele com um pouco de perplexidade. — Mas meu braço é um assunto totalmente diferente. — Você não confia em mim para consertar isso? — Eu passo os dedos por seus bíceps, e seu pomo de adão balança em reação enquanto pensa o que fazer a seguir. — Eu duvido muito que seja para isso que você esteja aqui. — Não? — Eu finjo inocência. — Então por que não explicamos exatamente para que estou aqui? Em um movimento que eu uso diariamente para alongar meus jogadores, e antes que perca o elemento surpresa, eu pulo na mesa para que meus joelhos prendam os lados de seus quadris. — Espera. Uau. — O rosto de Easton é a personificação da surpresa: olhos arregalados, boca abrindo e fechando, sobrancelhas arqueadas. — Estou pronta, e você? — O ronronar está de volta quando eu me inclino para frente, então estou de quatro, com nossos torsos paralelos e meus olhos fixos nos dele. — Sim. Não. — Easton pisca rapidamente como se isso o ajudasse a entender o fato de que o que era diversão e brincadeira um minuto atrás agora é muito real. Uma parte de mim gosta que ele esteja hesitante e nem um pouco ansioso ou cheio de mãos bobas para qualquer mulher. A outra parte se pergunta se eu realmente fosse uma stripper em uma pegadinha o quão longe ele deixaria seguir. — Meu fisioterapeuta, o Doc. Ele vai aparecer aqui a qualquer minuto. — Easton gagueja o protesto. — Não, ele não vai. — Ele não vai? — Sua voz aumenta um pouco. — Não. — Eu balanço a cabeça e levanto minhas sobrancelhas. * Uma parte da anatomia do ombro.
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— Eu sabia. Eu sabia que Drew e Tino estavam por trás disso. — Ele solta uma risada que é parte descrença, parte alívio, mas quando começa a se sentar, eu permaneço onde estou. — Não. Não é uma pegadinha. — Isso o paralisa. — O que você quer dizer? Você é uma… — Uma fisioterapeuta — eu termino por ele. — Essa é boa. Que bonitinha. Mas eu estou dizendo que é mentira. — Na verdade, não é. — Eu estendo uma mão, e quando estou prestes a tocar em seu ombro, ele o puxa para fora do meu alcance. Seu assobio de dor, a reação automática, é audível. — E você precisa de mim. Seus olhos perfuram os meus — avaliando, julgando, questionando — antes daquele sorriso presunçoso retornar. — Tenho certeza de que muitos outros caras precisam de você… Scout, não é? Mas eu não sou um deles. Não preciso pagar para ver um pouco de pele. — Primeiro, você não está me pagando, seu clube está. E em segundo lugar, estou totalmente vestida. — Pare de brincar, querida. O clube não está te pagando nada. Eles estão pagando o Doc, e agora ele está em algum lugar esperando por mim, e eu preciso encontrá-lo. Então, acabou o tempo. Foi fofo, você me enganou por um momento, mas é hora de você ir embora. Eu aceno com falsa resignação enquanto lentamente desço da mesa, mas meus olhos nunca deixam os dele quando me inclino perto de seu ouvido. — Você ganha uma folga hoje, apenas para que você possa botar nessa sua linda cabecinha o fato de que eu sou sua nova fisioterapeuta. Esteja aqui amanhã. Mesma hora. Mesmo lugar. Não se deixe enganar pela minha aparência, porque vou resolver o problema, mas só para colocá-lo de volta no campo. — Eu dou um passo para trás, observo sua expressão de olhos arregalados enquanto ela se transforma lentamente de arrogância para a materialização de que eu poderia estar dizendo a verdade. Eu sorrio. — Oh, e deixe suas suposições em casa. Posso não ser o Doc, mas com certeza sou uma Dalton. Foi um prazer. E com isso eu viro de costas e sigo para a porta. Minhas mãos estão tremendo e meu corpo está nas nuvens com algo semelhante à adrenalina, mas estou satisfeita porque Easton vai me levar a sério de agora em diante. — Ei, Kitty. 19
Apesar do desejo em meu corpo de continuar andando e não atender ao pseudônimo de stripper, meus pés param. E eu odeio que eles façam isso, mas pelo menos não dou a ele a satisfação de me virar para encará-lo. — Meu nome é Scout. E, para que conste, não tenho certeza se devo ficar lisonjeada ou chateada por você achar que aceitaria dinheiro para dançar para você ou dormir com você. — Então você faria de graça? — A risada que se segue é suave como seda, cheia de sugestões, e me contorce por dentro como uma potente combinação de nojo e luxúria. — Dificilmente — eu minto. — Que bom que eu não mordi a isca, então. Eu estava pronto para te beijar até desmaiar apenas para você desistir desse teatrinho e provar que você é uma stripper. — Que bom que eu não dei uma joelhada em suas bolas por você ter tentado fazer isso. Sua risada é mais quente desta vez. — Sorte a minha, eu aprendi um pouco sobre restrição. — Lembre-se disso: restrição — digo, sentindo que fiz algum progresso. — Não vou facilitar, você sabe. — Vou contar com isso. E Scout? Eu sabia que você não era uma stripper. — Que jeito de tentar salvar sua cara, garanhão. — Homens e seus egos. — Mas se esse é o caso, então por que me deixou continuar com o teatro? — Só um homem estúpido pararia uma mulher bonita quando ela está sentada em suas coxas. — E aqui eu pensando que você tinha se redimido — murmuro por entre o sorriso que ele não consegue ver. — A redenção é entediante. Eu prefiro a emoção — ele incita. — Até amanhã, Scout. — Sim. Sim. Eu saio do vestiário, o eco dos meus passos no corredor de concreto não é tão alto quanto sua voz repetida em minha mente. Eu estava pronto para te beijar até desmaiar apenas para você desistir desse teatrinho. Se essa fosse minha punição por estar errada, por que diabos eu iria querer estar certa?
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