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LEITE

CERATOCONJUNTIVITE INFECCIOSA BOVINA (CIB)

Mayara Campos Lombardi, doutoranda em Clínica de Ruminantes, cocoordenadora do Grupo de Estudos em Medicina de Produção (GEMP, EV-UFMG); Bruno Miranda de Paula, graduando em Medicina veterinária, membro do GEMP (EV-UFMG); Pedro Henrique Vieira Germano e Gabriela Anteveli, residentes em Clínica de Ruminantes, EV-UFMG e Rodrigo Melo Meneses, professor de Clínica de Ruminantes, coordenador do GEMP

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A ceratoconjuntivite infecciosa bovina (CIB) é uma afecção ocular que conduz a processo in amatório da conjuntiva (conjuntivite) e da córnea (ceratite) em bovinos, observada, principalmente, em rebanhos em que há maior densidade de animais. Embora de ocorrência comum em algumas fazendas de leite e de corte, a CIB não é vista como uma doença grave e, raramente, resulta em óbito. Contudo, é de alta morbidade, ou seja, quando aparece no rebanho, afeta muitos animais. A CIB pode levar à cegueira e trazer complicações e prejuízos para o desempenho animal. Se essa doença está presente na sua propriedade,  que atento a essas informações e, se não está,  que mais atento ainda para que, no futuro, isso não seja um problema!

A CIB é uma infecção bacteriana que se desenvolve na mucosa ocular e superfície da córnea, uni ou bilateral. Causada principalmente pela bactéria Moraxella bovis, a CIB acomete, com maior frequência, animais jovens, nas fases de aleitamento e recria, além de animais imunossuprimidos em qualquer idade. A M. bovis é constituinte comum da microbiota ocular, e pode ou não ser patogênica. Por isso, é preciso estar sempre atento ao rebanho para identi car situações de risco e os primeiros sinais de doença rapidamente. A infecção é autolimitante, mas, em geral, não se soluciona antes do surgimento dos sinais clínicos, e sua progressão pode levar à perda da visão.

Os principais fatores de risco

Bezerro com área extensa de opacidade da córnea e hifema (acúmulo de sangue na câmara anterior dos olhos) para surgimento e ocorrência de CIB estão relacionados ao grau de higiene do ambiente e presença de moscas. As moscas são o principal vetor carreador da M. bovis; assim, ambientes mal higienizados e com acúmulo de matéria orgânica, além de funcionarem como fonte de contaminação de diversos agentes, contribuem para o aumento da população desses vetores. As mãos, utensílios e equipamentos contaminados com a bactéria também são considerados fômites, e podem levar a infecção a animais sadios quando em contato com os olhos.

A CIB pode ocorrer em qualquer estação do ano, embora, em muitas fazendas, possa ser vista com maior frequência no verão, quando a população de moscas aumenta devido às condições de temperatura e umidade. Por outro lado, o tempo seco, ventos e poeira podem se somar aos fatores de risco por ressecar a superfície ocular e as mucosas, deixando a atividade palpebral e a lacrimação ine cientes para hidratação e limpeza dos olhos.

Doenças e condições pré- -existentes relacionadas ao sistema visual também podem atuar como fatores predisponentes.

Tumores de terceira pálpebra e de ciência de vitamina A podem causar lesões no epitélio da córnea, enquanto área periocular despigmentada em animais de pelagem e pele branca os deixa mais susceptíveis aos demais fatores de risco. Assim, em situações desfavoráveis para os animais, as bactérias têm maior facilidade para iniciar o processo de infecção. Além disso, propriedades que compram animais devem ver essa prática como fator de risco, de forma que, em um surto, deve- -se considerar a entrada de novos animais como fator preponderante para introdução e disseminação da doença.

A CIB pode ser aguda, subaguda ou crônica. A lesão inicial provocada pela M. bovis é agravada pela instalação da resposta in amatória local e pode favorecer infecções secundárias. Os sinais clínicos mais comumente observados são: secreção ocular, fotofobia (sensibilidade à luz), blefaroespasmo (aumento na frequência de contração palpebral) e opacidade e ulceração da córnea. Com a progressão da doença, a ulceração e a opacidade da córnea variam em grau e severidade, e as lesões mais extensas podem recobrir toda a córnea, podendo resultar em perfuração. Tanto a expansão da opacidade quanto a perfuração podem ser responsáveis pela cegueira permanente. A úlcera de córnea é de mais difícil visualização nos estágios iniciais, por isso é importante manter uma rotina de observação e acompanhamento de índices de saúde dos animais, a  m de identi car os primeiros sinais da doença.

“Os principais fatores de risco para surgimento e ocorrência de CIB estão relacionados ao grau de higiene do ambiente e presença de moscas e pode ocorrer em qualquer estação do ano, embora, em muitas fazendas, possa ser vista com maior frequência no verão, quando a população de moscas aumenta devido às condições de temperatura e umidade”

Uma ferramenta simples que pode auxiliar nessa identi cação precoce é a avaliação bilateral do escore ocular, a  m de veri car a presença ou ausência de secreção. De forma simpli cada, pode- -se trabalhar com pontuações de escore de 0 a 3: 0- sem secreção, 1- secreção aquosa, translúcida, lacrimejamento, irritação das mucosas e 3- secreção viscosa, opaca, coloração branco-amarelada e mucosas avermelhadas. Graus de opacidade da córnea também podem ser usados como forma de avaliação, mas, nesse ponto, a infecção já se encontra em estágios mais avançados.

A CIB pode ser confundida com outras doenças, normalmente causadas por processos traumáticos ou de outros agentes infecciosos virais e algumas bactérias, o que torna essencial o correto diagnóstico. O diagnóstico é realizado com base no exame clínico completo e exames complementares. O colírio de  uoresceína, usado diretamente sobre a superfície ocular, auxilia na identi cação de úlceras na córnea. Lesões ulcerativas  cam coradas de verde  uorescente, indicando sua localização e extensão. A con rmação do agente infeccioso pode ser feita em laboratório pelo envio de material, contendo secreção ocular, de preferência de animais na fase inicial da doença, coletado de forma asséptica.

A M. bovis é relativamente sensível aos antimicrobianos, sendo o tratamento mais indicado a antibioticoterapia local. Antes de realizar o tratamento, é importante fazer a limpeza local e remover toda a secreção com auxílio de gaze estéril e solução  siológica. O antimicrobiano pode ser feito via injeção subconjuntival ou intrapalpebral, ou ainda, aplicação tópica de soluções oftálmicas no saco conjuntival. Devido às contrações palpebrais e produção de lágrima, as soluções oftálmicas têm pouco tempo para agir e, por isso, devem ser utilizadas pelo menos quatro vezes ao dia, até a melhora dos sinais clínicos. Dessa forma, o tratamento com produtos injetáveis, pelas vias citadas, pode ser considerado mais prático por alguns produtores.

Quando comparada ao uso

de antibióticos sistêmicos (via intramuscular, subcutânea ou intravenosa), as vias subconjuntival e intrapalpebral podem ser, economicamente e funcionalmente, bastante atrativas. A economia se deve principalmente ao volume necessário para essas vias, que não ultrapassa 1 ml do antimicrobiano em cada olho afetado. Essas formas de aplicação contribuem para manter uma concentração maior do medicamento próxima ao local da lesão e facilitam a ação do fármaco sobre o tecido infectado. Havendo necessidade, novas aplicações podem ser realizadas com intervalo de três dias. Estudo recente mostrou que o uso de antimicrobiano, independentemente da classe, é mais efetivo na resolução dos sinais da CIB do que o não tratamento. São citados  orfenicol, ceftioufur, tulatromicina, tilmicosina, sulfonamidas potencializadas, nitrofuranos, penicilina e oxitetraciclina, sendo

“As principais medidas de prevenção e controle são a manutenção de rotina de higienização e o controle de moscas. Reduzem a contaminação por fômites não só para a CIB, mas também muitas outras doenças”

estes dois últimos os que apresentaram menor efeito sobre a resolução dos quadros. Complementar à antibioticoterapia, o uso de anti-in amatórios injetáveis, via subconjuntival ou intrapalpebral, tem sido preconizado por alguns

Bezerro com opacidade da córnea e lacrimejamento excessivo pro ssionais como ferramenta auxiliar.

Além do prejuízo à saúde e ao bem-estar animal em decorrência da dor e incômodo durante o curso clínico da doença, animais tratados e que tiveram sequelas podem ser prejudicados no rebanho. As consequências a longo prazo podem reduzir o desempenho produtivo, com baixo ganho de peso e redução na produção de leite, decorrentes da menor capacidade de competir por alimento, menor interação social e di culdade para se locomover.

Diante disso, algumas medidas podem ser adotadas para controlar e prevenir a ocorrência da CIB na propriedade. As principais medidas de prevenção e controle são a manutenção de rotina de higienização (ambiente, utensílios, equipamentos e mãos) e o controle de moscas. Práticas de limpeza e desinfecção geral de instalações, utensílios, equipamentos e colaboradores (principalmente mãos e calçados) reduzem a contaminação por fômites não só para a CIB, mas também muitas outras doenças. Contudo, para o sucesso na prevenção, é necessário o auxílio de um médico-veterinário para de nir os fatores de risco predominantes em cada propriedade e se alguma medida deve ser acrescentada.

A utilização de sistema de tratamento de dejetos é uma das principais medidas para manutenção da higiene, pois leva à redução do acúmulo de matéria orgânica e do risco de contaminação para diversas doenças. Além do efeito positivo para o meio ambiente, a remoção dos dejetos, com destino adequado, reduz o

Injeção de antibiótico por via subconjuntival

ambiente favorável à proliferação de moscas. O tratamento de dejetos varia em cada propriedade, sendo que, por exemplo, a simples raspagem de um curral e utilização de esterqueira são considerados tratamento. Atenção também deve ser dada aos restos de alimento à beira dos cochos. Além da higiene, quando possível, o isolamento de animais acometidos é recomendado para reduzir seu contato com possíveis vetores e outros animais.

Até o momento, as vacinas disponíveis apresentaram resultados controversos sobre a resolução do quadro clínico em curso, mas alguns pesquisadores mostraram que sua utilização pode reduzir a incidência da CIB e a gravidade dos casos. Com isso, as medidas de controle são as mais indicadas, e as vacinas podem ser utilizadas como ferramenta auxiliar na prevenção de surtos.

Embora não contribua para a taxa de mortalidade, a CIB está associada ao descarte involuntário de animais jovens e adultos com sequelas visuais permanentes; portanto, responde por perdas  nanceiras para o sistema. Lembre-se de praticar a Medicina de Produção, com observação recorrente do rebanho para diagnosticar problemas precocemente. Só assim podemos ter conhecimento e condições de atuar sobre medidas de controle de doenças com maior e ciência e assertividade.

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