Teologia bíblica i

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IGREJA EVANGÉLICA ASSEMBLEIA DE DEUS DE BRASÍLIA PRESIDENTE: Pr. Orcival Pereira Xavier

Faculdade Teológica da Assembléia de Deus de Brasília – FATADEB: Diretor: Pr. Prof. Izidro Milton Gomes de Oliveira Vice-Diretor: Pr. Prof. Altair Rodrigues Machado Conselho Consultivo: Pr. Manoel Pereira Xavier Pr. Geraldo Teodoro de Sousa Pr. Antônio Cláudio Negromonte Botelho Pr. Job Cardoso Pr. Vanderly Tavares Ferreira Tiragem da 1a Edição: 500 exemplares. É expressamente proibida a reprodução total ou parcial desta obra. Direitos reservados à FATADEB


Sumário INTRODUÇÃO .................................................................................................. 3 I. TEOLOGIA BÍBLICA: FONTE E DEFINIÇÃO ..................................................... 6 II. AS FONTES DA TEOLOGIA BÍBLICA .............................................................. 9 Definição ................................................................................................... 11 Relação da teologia bíblica com outras disciplinas .................................. 12 Relação da Teologia Bíblica com a Teologia Dogmática ........................... 13 Relação da Teologia Bíblica com a introdução ao Antigo Testamento e ao Novo Testamento ..................................................................................... 14 Relação da Teologia Bíblica com a história de Israel ................................ 15 Relação da Teologia Bíblica com a Exegese .............................................. 16 Um pouco da história da teologia bíblica ................................................. 16 III. TRATAMENTO DA TEOLOGIA BÍBLICA ..................................................... 25 O pacto – definição, função e modelo...................................................... 26 Os pactos .................................................................................................. 28 A circuncisão ............................................................................................. 45 Afunilamento do pacto Isaque e Jacó....................................................... 50 Instrumentos especiais de pacto .............................................................. 55 José ........................................................................................................... 56 Moisés....................................................................................................... 57 O pacto sinaítico ....................................................................................... 58 Atributos de deus ..................................................................................... 61 Prelúdio do pacto mosaico – a páscoa ..................................................... 62 Os dez mandamentos ............................................................................... 64 Pecado ...................................................................................................... 67 O pacto é com o povo ............................................................................... 68 Palavra e espírito ...................................................................................... 69 Instituições................................................................................................ 70 O sumo sacerdote..................................................................................... 72 Coisas sagradas ......................................................................................... 73 Sacrifícios .................................................................................................. 74


Festividades .............................................................................................. 75 Ano sabático e ano do jubileu .................................................................. 77 Instituição profética.................................................................................. 78 Outras atividades dos profetas................................................................. 81 Profecias messiânicas ............................................................................... 83 Salmos messiânicos .................................................................................. 88 IV. A IDÉIA DO RENOVO ................................................................................ 92 O servo do senhor .................................................................................... 93 V. PROFECIAS ESCATOLÓGICAS .................................................................... 99 Problemas do sofrimento ....................................................................... 100 O pacto das profecias ............................................................................. 105 VI. SABEDORIA (HOKMA) ............................................................................ 111 A promessa da vida................................................................................. 116 O servo ideal do pacto mosaico (salmo 119).......................................... 117 VII. PERÍODO INTER-TESTAMENTÁRIO ....................................................... 122 A literatura do período ........................................................................... 122 Os livros apócrifos .................................................................................. 122 A situação política do período ................................................................ 124 Seitas, grupos e instituições ................................................................... 128 Fariseus ................................................................................................... 128 Saduceus ................................................................................................. 128 Essênios .................................................................................................. 129 Zelotes .................................................................................................... 130 Herodianos ............................................................................................. 130 Escribas ................................................................................................... 131 Samaritanos ............................................................................................ 132 Publicanos............................................................................................... 133 O templo ................................................................................................. 134 A sinagoga............................................................................................... 135 O sinédrio ............................................................................................... 137 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................. 138



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INTRODUÇÃO A Bíblia não é somente um livro interessante, de relatos da vida de um povo antigo, portador de ideias religiosas, ou de um credo multissecular, e por isso útil, como muitos outros, no estudo da antropologia ou qualquer ramo das ciências sociais. A importância do seu conhecimento e estudo se prende a razões maiores. Daí porque o interesse pelo seu conteúdo não morre inteiramente, mas se renova e se acentua em épocas diferentes. A sua pertinência se faz sentir a cada novo grande impulso do pensamento humano. Embora se trate de um livro, ou coleção de livros, que apresenta vários tipos de literatura, escrito por homens de épocas diferentes e de variada experiência, nas situações mais diversas, em períodos de sucessos e de crises, esse livro – a Bíblia - exibe uma surpreendente unidade que não escapa à observação nem mesmo do leitor leigo, que atentamente o estude com carinho e sem preconceitos. A grande “economia da salvação” conforme diz Oehler, se desdobra e se evidencia em suas páginas como um sistema continuo como quer Bengel. Desde o primeiro dia da criação no Gênesis até o amém final do apocalipse, descobre-se a revelação divina presente, a linha mestra da qual é o plano da redenção, cujo autor é o mesmo Deus de toda a Bíblia. Como um filete d’água, tênue, quase imperceptível no início, vai se tornando aos poucos caudaloso, até desaguar nos umbrais da eternidade. O autor de tudo é o mesmo, Deus – o Deus da criação, do Monte Sinai, o Verbo Encarnado do quarto evangelho, o Leão da tribo de Judá, nas revelações do apocalipse – o Alfa e o Ômega; o Princípio e o Fim, o que fecha e ninguém abre, abre e ninguém fecha.

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Daí a importância da Teologia Bíblica, que muito posterior à formulação dos sistemas doutrinários, surgiu como fruto de uma necessidade natural imprescindível para preencher uma lacuna sentida por muitos. Percebeu-se que a História Bíblica e os ensinamentos nela contidos eram campo próprio para o estudo sério da revelação divina, tão evidente nos acontecimentos que cercaram o povo de Israel, acontecimentos que são parte integrante e antecedente necessário à revelação do NT, revelação esta que se dirige a toda humanidade, no cumprimento das promessas feitas, não somente a Israel, mas á posteridade de Adão, à semente da mulher. Aceito o desenvolvimento da revelação através desse processo histórico, fazse necessário, não apenas o estudo dos acontecimentos e mensagens da Bíblia, mas do seu conteúdo teológico, da sua significação prática. Resulta desse estudo a verificação da unidade perfeita que essa revelação apresenta. Abandona-se no estudo da Teologia Bíblica a atitude prejudicial ao entendimento das Escrituras de se considerar a religião no antigo testamento, a sua história, apenas como uma curiosa fonte de informações, em pé de igualdade com outras religiões antigas, pagãs. Faz-se por isso mesmo, necessário distinguir a religião do Antigo Testamento do judaísmo, que dela derivou posteriormente e inclui elementos que nada têm a ver com a revelação divina. O NT se entende à luz do AT. Convém dizer e repetir que não há dois deuses – um do Antigo testamento e outro do Novo Testamento. O Emanuel que vem tabernacular entre os homens, no dizer do quarto evangelho, é o mesmo Deus dos exércitos de Israel. Israel é instrumento eleito, escolhido, para a revelação ao mundo, do plano salvífico de Jeová a todas as gentes. Por isso, a história desse povo, como se 4


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vê nas escrituras do antigo testamento, é a história da revelação divina ao mundo. É o terreno onde se procura conhecer o caráter desse Deus e o seu propósito.

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I. TEOLOGIA BÍBLICA: FONTE E DEFINIÇÃO Faz-se teologia do antigo e do novo testamento, obedecendo a natural divisão da Bíblia nessas duas grandes partes da revelação. Objeções têm-se levantado quanto à prosperidade do nome Teologia Bíblica. Não sofre contestação de nossa parte a alegação de que toda Teologia evangélica deve ser Bíblica e estar alicerçada na Bíblia, nas Sagradas escrituras. Teologia que não se assente na revelação do cânon sagrado das Escrituras, deixa de ser Teologia. O que acontece é que, embora não tão pertinente, a denominação, como ocorre em outros casos, se firmou no uso e preferência geral, de tal modo que adquiriu foros de direito; consagrou-se pelo uso e, todas as tentativas de substituí-la por outra que sabe mais lógica, resultaram em fracassos. É pois a denominação que figura na enciclopédia teológica. Alguns a tem considerado parte da teologia histórica dada a sua íntima relação com a história de Israel. Segundo G. Vos, a primeira feição característica da revelação sobrenatural, que se encontra na Bíblia é o seu progresso histórico. É através dos acontecimentos marcantes da história de Israel que Jeová vai se tornando conhecido; o seu propósito e plano salvífico vão tendo o seu desenvolvimento normal, progressivo e dinâmico. Até os ensinos, mandamentos, instituições, literatura, vão aparecendo dentro do 6


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contexto histórico desse povo, onde tudo é revelação. A história é nada mais que um dos veículos de sua revelação. Justifica-se, pois a preferência de alguns em denominar a Teologia Bíblica do antigo testamento de História da religião de Israel. Como insiste G. Vos, em não poucos casos, a revelação se identifica com a história. O que parece acertado, no entanto, é manter a separação dessas duas importantes disciplinas do currículo teológico, dando a cada uma seu lugar próprio, sem confundi-las, sem eliminá-las. Como veremos adiante, elas se ajudam mutuamente, cada uma exercendo uma função peculiar. Tratando-se de Teologia Bíblica do Antigo Testamento, é fácil ver-se que é muito mais do que simples história de Israel. É pelo menos a filosofia da história de Israel. Não é meramente narrativa, mas é interpretativa. Justificado e louvável é o esforço com que modernos estudiosos do assunto têm-se empenhado para evitar essa confusão, dando a ambas as disciplinas o seu devido e importante lugar. A história, como simples história, ocupa-se da apresentação dos fatos,

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sem a preocupação de analisá-los ou atribuir-lhes significação ética ou filosófica ou teológica. A teologia Bíblica, no entanto, busca o sentido dos acontecimentos históricos verificados na vida do povo de Israel, descobre-lhes o propósito divino, providencial, no plano redentor de Deus; divisa a ação desse Deus em relação ao homem e o universo, no que o caráter desse Deus se torna evidente. Nesse empenho utiliza, naturalmente, os instrumentos adequados, tais como a hermenêutica, a exegese e o estudo das línguas originais das escrituras. Se, como afirma W.C Kaiser Jr., a teologia de Israel e a nossa está arraigada na história, cabe a essa teologia, valendo das ferramentas próprias, libertar-se dela. E é o que faz.

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II. AS FONTES DA TEOLOGIA BÍBLICA Insistimos em afirmar que as fontes da Teologia Bíblica do Antigo Testamento se encontram no cânon das escrituras sagradas do antigo testamento, conforme aceito pelas autoridades judaicas e pela igreja evangélica ou protestante, evidentemente excluídos os chamados apócrifos, que o concílio de Trento incluiu em seu cânon. Essa explicação se faz necessária hoje, em virtude da tendência moderna de recorrer aos apócrifos e até mesmo documentos como os pergaminhos de Qumram ou comentários de rabinos célebres. Estamos preocupados em apresentar nessa primeira parte, a Teologia do Antigo Testamento, e por isso, nos cingiremos apenas à revelação das escrituras judaicas, as quais Jesus apontou como tais, sem recorrer a outras fontes , que embora possam oferecer um valioso subsídio para o estudo e compreensão da Bíblia em outros aspectos , estão fora do nosso campo de investigação no presente caso. É bem possível que o despertamento nos meios católicos, da parte de alguns teólogos, pela teologia Bíblica – matéria que é fruto do movimento protestante e dos apegos à Bíblia, e que esteve até recentemente fora da cogitação católica – tenha provocado no lado protestante uma tendência para sair dos limites do cânon no estudo dessa disciplina. É possível. Tal tendência liberalizante deixa de ser 9


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coerente com a posição dos reformados com respeito ao cânon e expressa nas suas confissões de fé. Alegramo-nos, contudo, em ver alguns teólogos católicos, nomes alguns respeitáveis, possuídos de um interesse sério pelo estudo dessa importante disciplina. A inclusão de outro material, ainda que paralelo ao antigo testamento, no campo de investigação da teologia bíblica do AT criara de revelação, tão necessária à verdadeira Teologia Bíblica. Por que não manter a posição histórica que conferiu à teologia bíblica a função que Bengel muito bem lhe atribuiu, de buscar a doutrina na bíblia, só na Bíblia, nada fora da Bíblia? Kaiser J. na sua teologia do AT, sente séria dificuldade com o problema e afirma que sair dos livros canônicos para buscar matéria fora , em outras fontes, frustraria o propósito de descobrir a unidade e o centro do AT ou sua relação com o NT. Está certo. Com ele concordamos que dificilmente um teólogo protestante, fiel à definição do cânon aceita pelos cristãos reformados ter outra posição no caso. Bem firme nesta linha é Oehler, quando justifica a sua exclusão dos Apócrifos das fontes da teologia Bíblica do AT. Deve-se limitar aos livros do AT, tais como recebidos pelos escribas da 10


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Palestina e reconhecidos pela igreja protestante, dessa forma excluindo os apócrifos. Pois os escritos canônicos, somente, são registro da história da revelação e a produção genuína da Espírito de dominou, como princípio de vida e economia do AT. E continua Oehler, para assumir uma posição bem claramente evangélica e reformada: “De acordo com as declarações de Cristo em Lc 24:44, Mt 11:13, e toda doutrina apostólica, não pode haver dúvida concernente aos limites das santas escrituras do Antigo Pacto.”

Definição De propósito deixamos de responder até agora o que é Teologia Bíblica, pois os esclarecimentos dados atrás tornam mais compreensível a definição. Teologia Bíblica é o ramo da teologia exegética que busca descobrir, conhecer, explicar a revelação de Deus ao homem, conforme se entende das escrituras sagradas do AT e do NT – A Bíblia Sagrada – A teologia Bíblica assume um caráter histórico, pois busca conhecer a revelação gradual e progressiva, através do desenrolar da história, na vida do povo escolhido.

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Diríamos que a teologia Bíblica do AT, por exemplo, estuda e pesquisa as relações de Deus com seu povo, na dispersão Vetero-testamentária. Dentro do contexto histórico, Deus se revela na vida da nação de Israel por seus órgãos especiais, por meio das instituições bem com pela ação providencial nos eventos históricos daquela nação. As diferentes e progressivas manifestações com que Deus desenvolve o seu plano de trazer ao mundo um salvador, em Cristo e que se descobrem nas mais variadas formas de sua revelação e a resposta que essa revelação multiforme encontra, da parte do homem, são detectadas e estudadas pela teologia Bíblica do AT.

Relação da teologia bíblica com outras disciplinas A Teologia não se constituiu em um estudo isolado, sem relação com outras disciplinas do currículo teológico. Nem é ela um substitutivo para qualquer delas. Como já dissemos anteriormente, o seu aparecimento deve-se a uma necessidade sentida por muitos. O seu papel distinto é muitas vezes ancilar com relação a outras matérias como seria o caso com respeito á dogmática. Por outro lado, recebe valioso subsídio de outras disciplinas.

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Relação da Teologia Bíblica com a Teologia Dogmática É comum ouvir a pergunta: qual a mais importante, a teologia Bíblica ou a teologia sistemática? Evidentemente nenhuma delas deve ser menosprezada em favor da outra, o que aliás tem ocorrido, infelizmente. Se a Teologia Bíblica surgiu de uma necessidade, essa necessidade não foi de substituir a Teologia Sistemática, que existiu antes dela e da qual se distingue, não como rival, mas como importante aliada. Um currículo teológico que houvesse falta de qualquer delas sofreria lacuna sensível. As polêmicas, que historicamente agitaram a igreja e propiciaram a formulação de dogmas e sistemas de teologia, puseram em evidência a necessidade daquilo que hoje se chama Teologia Bíblica. Houve tempos em que a teologia dogmática ignorava o caráter progressivo da revelação e indiscriminadamente se valia de textos provas para abonar suas doutrinas; sem levar em conta a época ou estágio da revelação em que estavam situados. A teologia Bíblica veio mostrar que tal proceder não fazia justiça ao caráter progressivo

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da revelação e deve ser evitado a bem da sólida, séria e correta argumentação. O estudo da Teologia Bíblica resultou na agradável e gratificante verificação de que doutrinas cardinais do cristianismo, que apenas se encontram em germe nos primeiros estágios da revelação, tiveram posteriormente um desenvolvimento progressivo, à medida que nos desígnios de Deus se fazia necessária e pertinente a sua mais clara apresentação. Tanto a teologia sistemática como a Bíblia depende basicamente da mesma fonte – a Bíblia -. No entanto, a Teologia Bíblica se limita ao estudo da doutrina como ela se encontra progressivamente revelada nas Escrituras Sagradas, sem sair delas. O seu campo é a Bíblia e somente a Bíblia. A teologia sistemática busca outros recursos na filosofia, na história, na revelação natural, etc. O campo da teologia Bíblica é, pois, mais restrito, mais definido do que o da teologia sistemática ou Dogmática.

Relação da Teologia Bíblica com a introdução ao Antigo Testamento e ao Novo Testamento Por uma razão natural, a introdução aos livros da Bíblia deve preceder aos estudos da Teologia Bíblica. Tratando-se do estudo da revelação progressiva, a Teologia Bíblica depende dos dados que a 14


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introdução Le fornece, com respeito

a data , autoria e contexto

histórico e geográfico do livro de que estiver tratando. Por outro lado, a crítica de que o estudo da introdução vale na falta de outros elementos, tem que prestar a devida atenção ao grau de desenvolvimento da doutrina, de modo a estabelecer a época do texto e pelo menos conjeturar a respeito á sua autoria. As modernas descobertas arqueológicas têm trazido muita luz aos registros bíblicos e confirmado muitas das afirmações da Bíblia antes postas em dúvida. Daí verificar-se como a Teologia Bíblica encontra na arqueologia excelente auxiliar. As relações sociais, econômicas e mesmo hábitos religiosos, encontram nos achados da arqueologia revelações e explicações úteis ao melhor entendimento da história Bíblica, de quem a teologia Bíblica tanto depende.

Relação da Teologia Bíblica com a história de Israel Já dissemos que em tempos passados houve a tendência de se confundir essas duas matérias. Tendência que ainda não desapareceu de todo. A história de Israel tem a tarefa de apresentar todos os fatos da vida e das instituições do povo do pacto com fidelidade científica, zelo e imparcialidade. Desse modo, oferecerá à teologia do 15


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velho testamento valioso subsídio ao mais claro entendimento da revelação aí contida. Por outro lado, a Teologia Bíblica se aplicará à apresentação dos fatos da revelação exibidos pela história, fatos esses que apontam para a função de Israel no plano salvífico de Jeová.

Relação da Teologia Bíblica com a Exegese Já dissemos que a Teologia Bíblica é uma matéria de cunho significativo da Teologia Exegética. A razão é clara: a Exegese é a ferramenta indispensável do teólogo bíblico, sem a qual não poderá obter o sentido exato do texto e, consequentemente errará sua interpretação. E como formular a doutrina que o texto contém sem atinar com sua mensagem? Daí, munido da boa Hermanêutica, com conhecimento das línguas originais das Escrituras, estará habilitado a trazer à luz a revelação nele contida.

Um pouco da história da teologia bíblica Toda ciência tem sua história. É essa história que mostra os entraves, as lutas e óbices vencidos, as descobertas que, por vezes, fortuitamente se fizeram e o sentido real da tarefa empreendida e dos alvos alcançados. Onde começa a história da teologia Bíblica?

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Costuma-se

dizer

que

teologia

bíblica

é

ciência

relativamente nova, que não esteve na cogitação dos homens da igreja dos primeiros séculos e demorou um pouco a surgir, mesmo depois da intensa atividade teológica desenvolvida pela reforma do século XVI. Faltou aos teólogos antigos a possibilidade de ver, não somente o desenvolvimento gradual da revelação, mas também a distinção clara entre a lei e o evangelho; o que o apóstolo São Paulo expõe com grande lucudez. Todavia, alguns episódios da história da igreja serviram para ir preparando o caminho, através de uma longa jornada, afim de que a teologia Bíblica viesse a ter o seu ligar distinto na Enciclopédia Teológica. Em certo sentido podemos dizer que, no modo como os escritores do NT trataram o VT, encontram-se os primeiros lampejos de uma Teologia Bíblica da revelação Vetero-Testametária. O apóstolo São Paulo é, sem dúvida, o mais significativo expoente dessa atividade. As epístolas aos Romanos, Gálatas, Efésios, etc., são exemplos da sua exposição clara e lúcida com respeito ao sentido e relação entre a lei e a graça. A sua insistente proclamação da universidade do Evangelho, buscando para isso apoio no VT, o elo perfeito que 17


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estabelece entre o antigo e o novo pacto, o fazem credor do título de grande teólogo das escrituras Sagradas do antigo testamento. O autor da epístola aos Hebreus é outro exemplo disso, seja ele quem for. Todavia a unidade da Bíblia sofreu alguns ataques que continuaram por algum tempo. Marcion, rico dono de navios que viveu no segundo século (morreu em 170 a.D) é exemplo saliente dos que dentro da igreja rejeitaram a unidade dos dois testamentos, e com isso obrigaram os mestres da igreja antiga a uma verificação e comprovação dessa unidade. No seu trabalho, Atithese, Marcion estabelece o que julga um conflito entre o Velho e o Novo Testamento. Daí a sua guerra aberta ao judaísmo; rejeição de todos os apóstolos – menos São Paulo – por julgá-lo todos comprometidos com o judaísmo; seu repúdio à Epístola aos Hebreus e as cartas pastorais;o seu expurgo, do evangelho de São Lucas, de tudo que tivesse relação com o Velho testamento. A controvérsia com Marcion e outros que esposavam ideias semelhantes de oposição do velho Testamento levou a igreja a firmar-se na unidade das escrituras , posição básica para o estudo da Teologia Bíblica.

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Ao Teólogos as Escola de Alexandria não percebiam ainda qualquer distinção entre a revelação do Velho Testamento e do Novo. O método alegórico utilizado por Orígenes, o grande corifeu da escola, se constitui em sério obstáculo ao entendimento do caráter progressivo da revelação. O seu método atribuía vários sentidos ao texto. Um literal, que no seu entender , era de importância secundária e o místico que era mais importante. A escola de Antioquia se dedicava ao estudo mais exegético do texto, bscando uma interpretação mais exata e fiel dele. Nesse caso, se aproximava dos métodos que mais tarde viriam favorecer á teologia Bíblica. Agostinho, talvez o maior teólogo da antiguidade, chega a ser considerado por alguns, um dos precursores da Teologia Bíblica. Apesar da sua exegese nem sempre profunda e do desconhecimento das línguas originais das escrituras, a sua obra monumental DE CIVITATE DEI, oferece pelo menos em algumas de suas partes, um exemplo de tratamento da revelação mais consoante aom as idéias de uma revelação progressiva.

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A reforma do século XVI imprimiu um novo impulso no estudo das escrituras: o seu princípio de suprema autoridade em matéria de fé e prática atribuída à Bíblia; a divulgação da palavra de Deus, tornando-a ao alcance de todos, com as traduções em língua vernácula; os estudos da doutrina paulina, em que a distinção entre a lei e a Graça se faz sentir tão claramente, dando à lei o seu papel de pedagogo, para nos conduzir à Cristo; a apresentação do plano da salvação com base nos dois testamentos; a apreciação e utilização da mensagem vibrante dos profetas, com aplicação aos problemas práticos. Tudo isso foi preparando o terreno para um novo interesse no estudo mais acurado e mais científico da palavra de Deus. Os reformadores, como Lutero, Melanchthon, Calvino, Beda e outros, se entregaram à tarefa de expor a Bíblia exegeticamente, utilizando as ferramentas da hermenêutica e buscando nas línguas originais da escritura o sentido exato do texto. Calvino não tem dúvida em apontar a Vulgata – texto aprovado oficialmente pelo concílio de Trento – como cheia de erros, e por isso mesmo, indigna de ser utilizada para estudo sério da doutrina. Pó-se dizer que a reforma preparou o berço para a teologia bíblica.

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Convém notar ainda que os reformadores fizeram amplo uso tanto no velho como do novo testamento, estabelecendo assima unidade da Bíblia. A liturgia de Calvino, preparada para a sua igreja em Estrasburgo e posteriormente levada para Genebra, incluía o cântico de salmos por ele mesmo metrificados. Jamais passaria pela mente dos reformadores a idéia errada, esposada por alguns, de que o velho testamento é velho e, por isso mesmo, ultrapassado ou obsoleto Em face no novo. O que eles aceitavam era o pensamento de Agostinho, nesse sentido tão bem formulado na conhecida expressão latina: “Novum testamentum in vetere latet, Vetus testamentum in novum patet”. (O novo testamento é escondido no velho. O velo testamento é feito claro no novo). Considera-se que foram J.S. Semeler (1725-1729) e J.G. Eichhorn (1753-1826) os principais fundadores do tratamento crítico o velho testamento e sua literatura, ponto de partida para o surgimento da teologia Bíblica. O discípulo de Eichhorn, J.P. Glaber (1753-1826) naturalmente sob a influência do seu nome, foi o primeiro a levar a idéia de teologia dogmática, que se 21


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propusesse ao estudo da doutrina presente no texto bíblico. Glaber é considerado racionalista, daí dizer-se que a teologia Bíblica nasceu em mau berço. Aliás, Kaiser Jr., aponta a dubiedade com que a teologia Bíblica se movimentou durante algum tempo, sem contudo, poder dissimular a sua tendência modernista, em grande parte. G.L.Buuer (1755-1806) defendia uma teologia do Velho Testamento distinta da do Novo testamento (1796). O primeiro homem a dar um tratamento decisivo à teologia do velho testamento foi Henstenberg (falecido em 1869). Embora não levasse em conta o desenvolvimento histórico das doutrinas principais do Novo testamento no texto do Velho Testamento. Posteriormente muitos estudos de teologia bíblica surgiram, tanto no campo liberal como ortodoxo, enquanto ia se tornando mais forte a sua posição como disciplina distinta e necessária no currículo teológico. Gustave Friedrich Oehler, com seu alentado volume de Teologia Bíblica do Velho Testamento, publicado em alemão e logo depois traduzido para o inglês, imprime um notável impulso no estudo da teologia bíblica e estabelece uma posição moderada e firme, evitando exageros do misticismo de homens como Stier e, outrossim, o dogmatismo excessivo de Henstenberg. A sua obra origianl foi 22


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publicada em Alemão, em 1873, traduzida em inglês em 1874, em francês em 1876, em holandês em 1879 – o que mostra o alcance do trabalho de Oehler. Geehardus Vos foi o grande impulsionador da teologia Bíblica no seminário de Princeton, para onde foi conduzido no princípio deste século e onde prontificou quase por três décadas, escrevendo vários livros relacionados com teologia Bíblica, entre eles a sua apreciada teologia Bíblica do velho e novo testamento. Firme na sua posição teológica, VOS reúne a erudição e cultura a um profundo zelo pelas escrituras e uma atitude de devocional respeito para com a verdade revelada. Walter Eichordt, professor de velho testamento e história da religião na universidade de Basiléia, publicou uns volumes sérios da teologia do velho testamento; é considerado um dos clássicos sobre o assunto. Eichrdt procura abrir novas perspectivas para a teologia bíblica e faz do pacto a idéia central do seu trabalho, pois entende que mesmo onde a palavra “beriht” (pacto) não aparece no texto, é muitas vezes implícito o seu conceito e seu significado. Tem-se firmado que a teologia bíblica é matéria essencialmente protestante, pois o seu surgimento, como já vimos, deveu-se em grande parte, á atitude dos reformadores para com a 23


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palavra de Deus. Por outro lado, surgiu ela no meio protestante e dominado pelo modernismo teológico. Recentemente, porém, autores católicos têm se dedicado ao estudo da teologia bíblica, reconhecendo o seu valor e legítimo lugar entre as disciplinas teológicas. Evidentemente o campo dessa teologia bíblica de concepção católicoromana há de incluir os livros apócrifos, em obediência ao cânon do concílio de Trento.

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III. TRATAMENTO DA TEOLOGIA BÍBLICA Kaiser Júnior, menciona quatro tipos de teologia Bíblica dos tempos mais modernos: 1) O que ele chama de tipo estrutural, que se cinge aos pensamentos centrais da religião no velho testamento, utilizando os nomes das unidades utilizadas pela teologia sistemática, da sociologia, e depois estabelecee a relação com conceitos secundários. 2) O tipo diacrônico, que se ocupa da teologia nos sucessivos períodos da história de Israel. 3) O tipo lexicográfico, que se orienta pelo estudo de alguns homens da Bíblia, explorando os seus vocábulos do ponto de vista teológico. 4) O tipo dos temas bíblicos, que se centraliza num tema considerado chave , a ele subordinado outros secundários, mais importantes. Sem entrar na crítica de Kaiser e os métodos aí apresentados, nem mesmo do seu método – a escolha de um centro diretor, como ele o chama – vamos partir para a apresentação de nossa escolha. Até se identifica com a escolha de Eichrodt – da idéia de pacto, ou “berith”, com o tema subordinado a todo arcabouço religioso 25


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da revelação do velho testamento e que se proteja irreversivelmente no novo testamento através da esperança messiânica para o novo pacto. Embora em outros aspectos a posição de eichrodt nos parece inaceitável, a sua centralização da teologia do velho testamento na instituição do pacto entre Javé e Israel é valiosa contribuição que torna, ao nosso ver, muito mais fácil o caminho para a teologia Bíblica.

O pacto – definição, função e modelo A palavra “Berith”, tão repetidas vezes encontrada no velho testamento, é ora traduzida por aliança, ora por pacto ou testamento. Trata-se de uma instituição, muito antiga, em uso entre os povos dos tempos bíblicos e outros. É, sem dúvida, o antecedente dos modernos contratos firmados entre indivíduos e entidades, com finalidades comerciais, sociais, políticos e outros. O pacto, ou “berith” era feito entre indivíduos ou grupos, de pessoas, ou entre um indivíduo e um grupo. Esse pacto era selado com um juramento e um cerimônia que assinalava o acordo, quando não havia outras pessoas que servissem de testemunhas.

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Não raro se levantava um monumento à guisa de testemunha, como no caso do pacto ente Jacó e Labão ( Gênesis 31.43-55). Quase

sempre,

como

nesse

caso,

uma

refeição

acompanhava o acordo, pois o ato de comer juntos já tinha em si um significado de acordo ou amizade. Modernamente se tem definido a idéia de que o pacto estabelecido entre Deus e Israel tinha todas as características dos pactos antigos celebrados entre um soberano e seus vassalos. George E. Mendenhall, menciona os seguintes elementos encontrados no texto de um trabalho hitita. É um pacto entre o soberano e seus súditos. Primeiro: uma introdução histórica na qual se mencionam circunstâncias em que esses vassalos foram objetos da proteção do soberano. Segundo: estipulação das obrigações atinentes aos vassalos, inclusive tributos a serem pagos, deveres de fidelidade, etc. Terceiro: provisão para que o tratado ou cópia dele fosse guardada no templo, e sua leitura pública fosse feita periodicamente a todos os súditos envolvidos. Quarto: invocação de testemunhas divinas, de ambos os lados. Quinto: bênçãos e maldições a serem invocadas respectivamente, sobre os que guardavam ou quebravam o pacto.

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Tem-se procurado encontrar um paralelo entre o modelo hitita e o pacto mosaico de Êxodo 20 e 23. Pergunta-se, à vista disso, se a instituição do pacto teria sido tomada, de empréstimo, do paganismo, para uso da religião de Israel. Nada impediria de que algo em uso entre os povos vizinhos pudesse ser adaptado e utilizado para os fins religiosos da divina revelação. Aliás, não seria esse o único exemplo. O sacrifício, o sacerdócio, as invocações eram de uso entre outros povos. Muitas práticas litúrgicas adotadas por Israel eram também correntes entre outros povos. O modelo político, em que um soberano presidia sobre os destinos da nação, foi também emprestado de outros países. E as profecias messiânicas, em muitos casos, giram em torno da esperança de um rei ieal, como veremos mais tarde.

Os pactos a) O pacto com Adão Antes de fazer uma comparação entre o modelo dos antigos pactos, conforme apresentado atrás, e os pactos bíblicos, notadamente o sinaítico, vamos nos remontar ao início de Gênesis e daí partir para esse exame.

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Convém lembrar, de antemão, que a palavra “testamento” com a qual se designam as duas partes da Bíblia – Velho e Novo Testamento, é a mesma “berith”, que, como vimos afirmando, significa pacto, aliança muito mais do que testamento, no sentido com que

a

palavra

se

emprega

modernamente.Verificaremos

oportunamente as razões porque a palavra foi escolhida e consagrada para denominar os dois tomos da revelação divina que se compõe a Bíblia. Entendido que o VT, é, desde o início , a história de revelação do Deus do pacto à humanidade de Israel – seu especial instrumento – convém observar como esse Deus se nos apresenta no limiar da história bíblica. Em Gênesis 1.1, diz-se: “No princípio criou Deus os céus e a terra”. Não se sente o escritor na obrigação ou necessidade dizer quem é Deus; nme de descrever

seus atributos; nem mesmo de

explicar qualquer coisa sobre o seu propósito de criar. Tomando por certo que o leitor sabe quem é Deus e que é que essa palavra significa. Elohim, o vocábulo utilizado para designar esse Criador, é a forma plural da palavra Eloah, e provém de uma raiz que significa força e poder.

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Há aqueles que pretendem ver nessa forma plural, bem como na expressão do versículo 26 deste mesmo capítulo, “façamos o homem à nossa semelhança”, uma indicação inicial da trindade. Outros, como Calvino, rejeitam essa idéia e a consideram apenas um plural de majestade – pluras majestatis. Algumas das qualidades deste ser, no entanto, se entendem do texto. Esse Deus é criador e faz surgir do nada a sua obra; cria sem material preexistente, pois é isso que o verbo “barah”, empregado pelo escritor, significa. Esse Deus é Deus da ordem – tudo faz com ordem absoluta. Esse Deus é possuidor de senso estético e moral, pois no versículo 25 se diz que, depois de criar os animais conforme a sua espécie, “viu que isso era bom”, e no versículo 31 se afirma que Deus viu tudo que fizera, “e eis que era muito bom”. Como aqui a criação já inclui também o homem, parece justo concluir que esse “muito bom” tem, não apenas um sentido estético, mas também moral, ético. Afirma-nos ainda a história da criação que Deus fez o homem à sua imagem e semelhança e entregou a ele o governo e o uso da criação. Estabeleceu, no entanto, uma restrição, a qual, não 30


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observada, lhe traria severa punição: a proibição de comer do fruto da árvore do conhecimento do bem e do mal – “porque no dia em dela comeres, certamente morrerás”. Entende-se, pois, que, a criação do homem fez surgir um ser semelhante a Deus, com o qual o criador poderia manter relações do nível intelectual, moral e espiritual. Aliás, é isso que significa ter Deus feito o homem AA sua imagem e semelhança; a imagem e semelhança de Deus no homem indica a sua capacidade de relações morais, espirituais e intelectuais com o criador – jamais uma semelhança física, de vez que Deus não tem forma física, material. Não parece demais afirmar que aqui se encontra o primeiro pacto de Deus com o homem, pacto que evidentemente não assume a forma dos pactos posteriores, com todo o protocolo a eles ligados. Trata-se de oferecimento de grande privilégios aos quais se junta uma exigência, que embora aparentemente simples e fácil de cumprir, uma vez não cumprida, terá consequências tremendas e desastrosas. A narrativa do Gênesis prossegue para nos dar conta de como o homem não cumpriu a condição estabelecida – no caso, a ordem de não comer o fruto proibido – e atraiu sobre si a pena estatuída no pacto para si e sua descendência: “morrerás”! 31


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Logo após q queda do homem, Deus vem ter com ele, expulsa-o do paraíso, retira-lhe os privilégios maiores e proclama a luta que há de travar, entre o tentado, que induziu o homem à queda e a semente da mulher (sim, da mulher , que fora o instrumento para levar o homem à desobediência), com a vitória final do último contendor. Gênesis 3:15 diz: “Porei inimizade entre ti (serpente) e a mulher , entre a tua descendência e o seu descendente. Este te ferirá a cabeça, e tu lhe ferirás o calcanhar”. Estas

palavras,

conhecidas

pela

denominação

de

“Protoevangelhos”, são o embrião do Novo pacto que Deus haveria de estabelecer com o homem, o qual sendo da semente da mulher viria travar a luta com o grande inimigo e alcançar a vitória completa para sua raça. b) Os piedosos – Abel, Enoque e Noé: A promessa do pronto evangelho é o que alguns chamam de início da graça. De Adão a Noé, um período longo da história, duas tendências se observa entre os descendentes de Adão: de um lado, a proliferação do mal e um afastamento de Deus por parte da maioria dos homens, que, deslocados dessa corrente ímpia, procuram agradar a 32


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Deus e são constituídos em suas testemunhas e objetivos de Seu favor especial. É o que Charles Oliver em seu livro Preparação de Professores da Escola Dominical chama de “sucessão dos piedosos”. Sucinto, como é o registro bíblico nessa fase da história, pouco nos diz sobre Abel; no entanto, diz o suficiente para que destaquemos como um dos “piedosos”. Tanto seu irmão Caim com Abel apresentam a Deus uma oferta, um culto. A oferta de Abel obteve aceitação da parte de Deus, o que não aconteceu com a de Caim. Disso resultou a ira de Caim contra o irmão, Abel, e o primeiro homicídio perpetrado por um filho de Adão. Não temos informes suficientes para conhecer, nas suas minúcias a explicação deste acontecimento. Parece-nos plausível supor que naquela altura, já era do conhecimento do homem a natureza do sacrifício que Deus se fazia agradável, bem como outros elementos indispensáveis à prática da religião A informação que temos é que Abel ofereceu o sacrifício que agradou a Deus. A epístola aos Hebreus nos informa que o elemento motivador do sacrifício de Abel foi a fé, que deu qualidade e prosperidade a esse sacrifício. (Hb 11.4).

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João em sua epístola primeira 3:12 diz que as obras más de Caim, em contraposição às obras justas de Abel, provocaram conflito entre dois irmãos. Alguns elementos no culto de Abel sugerem uma atitude de zelo e obediência que são, sem dúvida, sinais de uma fé sem a qual ninguém pode agradar a Deus, no dizer do autor aos hebreus. 1) Abel ofereceu das primícias do seu rebanho, o primigênio – uma qualificação posteriormente estatuídas nas exigências do ritual judaico. 2) A oferta de Abel foi o sacrifício de uma animal, notadamente um cordeiro. Hebreus nos informa, baseado no ritual levítico, que “Sem derramamento de sangue não há remissão” (Hb. 9.22). Foi necessária a vítima de sangue para que Deus descobrisse a nudez de nossos primeiros pais, indicando a eliminação das consequências do pecado. (Gn 3,21; Hb 9.22, Lv. 17.11). Outro marco distinto nesta sucessão é Enoque. (Gn 5.2124). Maiores informações nos são oferecidas, no Cânon Sagrado sobre esse interessante personagem de tão longa vida e do qual se diz que após gerar Matusalém – o homem de vida mais longa de que se tem notícia – ele mesmo, Enoque, prolonga a sua existência por mais 300 anos de idade. E não morre, mas é tomado por Deus, 34


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pois andara com Deus e Deus o tomara para si. É ainda o autor da epístola aos Hebreus que vem nos suprir a exígua informção a respeito desse homem, dizendo: “Pela fé Enoque foi trasladado para não ver a morte; não foi achado porque Deus o trasladara. Pois antes da sua trasladação, obteve testemunho de haver agradado a Deus” (Hb 11.5). Judas na sua epístola, adiciona uma informação no v.14, dizendo ser ele o sétimo depois de Adão e, citando uma profecia “ Eis que veio o Senhor entre suas santas miríades...”. A citação parece ser extraída do livro apócrifo de Enoque, que contém muitas e curiosas informações sobre esse notável personagem. De Enoque se diz o mesmo que se afirma sobre Noé, “andou com Deus”. Segundo o autor de Hebreus, é a fé a grande qualidade de Enoque, a qual o leva a uma nova vida de aceitação diante de Deus. c) O pacto com Noé: A história da humanidade continua para nos oferecer o quadro da total degenerescência da raça, destacando, no entanto, a figura de Noé, um outro dos piedosos eu era varão justo e reto em sua gerações: Noé andava com Deus. Por isso mesmo alcançou graça aos olhos do Senhor (Gn 6.8,9). Entende-se que esses homens não se 35


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encontravam inteiramente isolados na sua atitude religiosa. Eles – Enoque e Noé – eram líderes e lídimos representantes de um grupo que alimentava no coração o temor de Deus, os quais, segundo alguns, seriam os filhos de Deus referidos no cap. 6:1,2 e que, através do casamento com as filhas dos filhos dos homens – parte ímpia da sociedade – também se degeneraram. O pacto com Noé vem, pois, em consequência do dilúvio, pelo qual Deus resolveu exterminar a raça humana que chegara a um estado irreversível de corrupção, salvando apenas Noé e sua família, para assim permitir um novo começo da humanidade. Como no caso dos outros piedosos, Noé é um homem distinto da sua geração no que concerne à vida de Deus para a realização de seu plano. É um novo representante da raça, com a qual, por seu intermédio, estabelecerá

uma aliança. Noé é avisado do

castigo que virá sobre a humanidade e incumbido por Deus de uma grande e séria tarefa – de construir a arca para a salvação sua e de sua família. Seja pela sua obediência ao dever de construir a arca e explicar a razão dela; seja pela sua vida reta em meio àquela geração corrompida; ou seja porque juntasse a tudo isso palavras

de

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advertência aos homens de sua geração, Noé é chamado por Pedro de pregador da justiça (II Pe 2.5). Ainda aqui, é a carta aos hebreu que nos vem informar que foi a fe o grande móvel da obediência de Noé na construção da arca, pelo que se tornou herdeiro da justiça que vem da fé (Hb 11.7). Noé vais ser o novo cabeça da raça humana, e por isso Deus faz com ele, ou por intermédio dele, um novo pacto com a humanidade. Aliás, diríamos que há aqui dois pactos. Um inicialmente com Noé antes do dilúvio (Gn.6.18) pelo qual ele e a sua família seriam salvos. A palavra pacto (Berith) aparece aqui pela primeira vez. Há aqui uma ordem que exige obediência. Da obediência dependeria necessariamente a salvação de Noé e sua família. Noé cumpre fielmente a ordem de Deus, e o faz num ato de fé, a qual deve ter suportado duras e severas provas, durante o tempo longo da construção da arca. Deus , então cumpre a sua promessa. Noé é salvo com a sua família, torna-se o iniciador da nova humanidade, e, com ele, Deus vem fazer uma aliança de âmbito universal. Esse novo pacto é agora mais amplo e mais semelhante aos apctos que se tornaram comuns entre os povos antigos (Gn 9.1137


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16). Deus, nessa aliança, promete que não vai destruir outra vez a raça humana pelas águas. Como testemunha dessa promessa, põe nas nuvens o seu arco – uma lembrança perpétua para todas as gerações, do compromisso assumido. Discute-se a existência anterior do arco-íris ou não. Se novas condições climatéricas e meteorológicas resultaram o dilúvio, como querem alguns , é possível que o arco-íris existisse antes e é isso que o texto, na sua interpretação mais natural, parece favorecer. A humanidade de novo se degenera e se rebela contra Deus. Babel é o resultado mais uma vez do atrevimento do homem contra as ordens de Deus; é a expressão daquele sentimento que produziu a queda e trouxe a corrupção generalizada – ambição, o desejo de ser grande e superior, segundo seus próprios desígnios, contrariando o propósito divino. Deus, porém, permanece no seu plano. Ele tem um compromisso inicial com a semente da mulher, e ele vai cumprir o seu grande propósito. d) O pacto com Abrão (Gn 12: 1-3).

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e) Em Abrão a história do Velho Testamento e do pacto atinge uma nova e importante fase de desenvolvimento. Abrão é, sem dúvida, um importante elo nessa corrente da revelação. Em Abrão, o propósito de Deus para a humanidade vai se tornando mais claro. Embora o pacto com Abrão pareça, inicialmente, dirigir-se a sua descendência, o seu alvo final e o seu cumprimento pleno se dirigem à raça humana e se ligam indiscutivelmente ao Proto-Evangelho. Da Mesopotâmia Deus chama Abrão. Seja qual fosse o método utilizado por Deus para emitir esse chamado, Abrão o entendeu e obediente a Ele, deixou sua terra e parentela, conforme a ordem que exigiu um grau de fé substancial. A ordem inicial estava ligada a uma promessa de bênçãos muito grandes para Abrão e sua família, e que resultaria em bênçãos para outros, e para todas as famílias da terra. Cumprida a primeira ordem de Deus, seguindo Abrão para uma terra, a qual Deus somente após a sua saída mostraria, chega a terra de Canaã, onde recebe a promessa de que aquela terra seria dada à sua descendência. Ali Abrão edifica a Deus um altar.

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Uma nova visão traz Abrão à presença de Deus (Gn 15) agora na terra de sua peregrinação, e um pacto se estabelece entre Deus e Abrão. Como sempre, a iniciativa é divina. É Deus quem estabelece ou propõe os termos do pacto. O pacto contém asseverações de que Deus mesmo é grandíssimo galardão do patriarca, a fonte de todas as suas bênçãos e garantia delas. A descendência de Abrão, apesar de não ter ele ainda um filho, será tão numerosa quanto as estrelas do firmamento. Abrão não duvida das promessas, crê no que Deus está lhe prometendo, e isso sim o qualifica definitivamente para receber as bênçãos. Evidentemente, o exercício de uma fé vigorosa se fazia necessário para não duvidar do que Deus lhe estava prometendo. Uma grande nação sairia de seus ombros. No entanto, Abrão já velho, avançado em idade; Sarai sua mulher, que sempre fora estéril, já excedera os limites naturais da procriação, conforme as leis conhecidas da natureza. (Gn 15.4, 5;17.17-19). Abrão , no entanto, não duvida da palavra do Senhor. A fé adquire nesse ponto uma importância vital – crer em Deus quando tudo parece desaconselhar essa crença. É um gesto que agrada a Deus.

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Ganhava alguns pontos nessa difícil prova. Entende-se pqorque mais tarde, ele é chamado de amigo de Deus. Vós sereis meus amigos se fizerdes o que eu vos mando, dizia Jesus aos discípulos. O pacto é, então, formalizado por um ritual comum nos antigos pactos. (Gn 15.9-11). Alguns animais são mortos, divididos em duas porções, colocadas de modo a permitir a passagem por entre elas dos dois pactuantes. O sentido desse ritual, segundo alguns, era: cada uma da partes aceitava as condições do contrato feito e se sujeitava a ser tratada como aqueles, isto é, quem quebrasse o pacto, seria cortado, seria morto. Daí a expressão comum cortar o pacto. Em Jeremias 34:18,19, o profeta fala em nome de Senhor, dizendo: Farei aos homens que transgrediram a minha aliança e não cumpriram a palavra da aliança que fizeram diante de mim, como eles fizeram com o bezerro que dividiram em duas partes , passando por eles por meio das duas porções: os príncipes de Judá, os príncipes de Jerusalém, os oficiais , os sacerdotes e todo o povo da terra, os quais passaram por meio das porções do bezerro. No caso presente, do pacto de Abrão com Deus, não apenas um animal, mas três são requeridos e uma rola e um pombinho.

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Delizsch entende que o número maior de animais significava que não apenas Abrão, mas sua descendência estava envolvida. E as aves que tentavam comer as partes (v.11) significavam os inimigos que tentariam tragar a semente de Abrão. A idade dos animais – três anos - seria as três gerações no cativeiro do Egito; ou três séculos de cativeiro estrangeiro. Abrão enxotava as aves de rapina (v.11) a sua fé seria a defesa contra os inimigos do seu povo (Sl. 105.42). A passagem do fogo pelos pedaços dos animais era como se Deus passasse , ratificando a aliança feita. Em muitas outras passagens, Deus se manifesta como Deus do Pacto, por sinais de fogo. (Ex. 13.21; 19.18). Oehler contesta q interpretação dada á passagem entre os animais divididos como se fosse a indicação de que o infrator do pacto estaria sujeito à mesma sorte dos animais. Para Oehler o pacto ainda significa: 1- O ato divino do qual o pacto procede – a divina eleição; 2- A obrigação do homem, que Deus mesmo prescreve e que se encontra na revelação da divina vontade, na lei; no caso particular de Abrão, no rito da circuncisão imposto a todos que assumem as obrigações do pacto; 3 – A retribuição virá determinada por Deus, 42


TEOLOGIA BÍBLICA I

sobre a nação conforme o cumprimento de suas obrigações. O pacto é assim levado a efeito de modo a cumprir o propósito de Deus que é a eleição. Note-se que o fogo não consumia as partes dos animais. O que se torna significativo, comparado com a visão da sarça ardente por Moisés. A descendência de Abrão passaria pelo fogo das aflições, mas não seria consumida (Gn 15.13,14; Ex 7.4; 12.12). No presente caso, somente o Senhor, em forma de fogo passou por entre as partes animais. Nos pactos antigos, ambos os contratantes passavm pelas partes dos animais. Aqui, no entanto, Abrão não está em relação de igualdade com Deus. Deus é quem toma a iniciativa; Abrão e seus descendentes receberão todas as vantagens desse pacto. A condição será a obediência pela qual se qualificarão aos privilégios e vantagens dessa aliança, conforme as promessas de Deus, graciosamente. Essa obediência teria a sua expressão objetiva e concreta no rito que Deus mesmo iria apontar e que deveria ser praticado por Abrão e seus descendentes e todos os participantes do pacto – a circuncisão.

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No pacto com Noé, um sinal foi estabelecido por Deus – o seu pacto nas nuvens. Era o testemunho permanente, eterno, da promessa feita por Jeová de que jamais traria a destruição da raça humana por meio das águas. Abrão está agora com noventa e nove anos de idade. No desejo de ter um descendente, um grave erro tinha sido cometido contra as promessas de Deus, pela insistência de Sarai, pois era estéril. Oferece Sarai à Abrão sua serva Hagar, afim de obter por meio dela um filho – uma prática perfeitamente aceitável na época – Abrão consente e o filho nasce, trazendo sérios aborrecimentos para ambos. Sarai e Abrão aprendiam a lição de que Deus não precisa de nossos atalhos para cumprir as suas promessas. Ele não falha, mesmo quando, segundo o entendimento humano estreito e limitado, tudo parece indicar o impossível. Abrão toma conhecimento de que o seu Deus é muito mais poderoso do que ele pode imaginar. Não existem impossíveis para Ele (Gn 18.14). Comparemos essa expressão com a palavra do anjo Gabriel à Maria: “Pois para Deus não haverá impossíveis nas suas promessas” (Lc 1.37). 44


TEOLOGIA BÍBLICA I

Deus agora apresenta a Abrão com um nome que dá especial destaque ao seu poder ilimitado e sua capacidade de cumprir o que promete, sem restrições – mesmo contra a ordem natural das coisas – “Quando atingiu Abrão a idade de noventa e nove anos de idade, apareceu-lhe o Senhor e disse-lhe: Eu sou Deus, TodoPoderoso. Não seria necessário Abrão desviar-se por atalhos perigosos e insensatos. Ele, o El Shadai, o Abrão só cumpria fazer: “Anda na minha presença e sê perfeito”. Apesar da velhice de Abrão e da esterilidade de Sarai e do seu ventre já amortecido, El Shadai iria cumprir a sua promessa. Quatorze anos após a cerimônia do pacto, vem agora o sinal dEle que devia ser guardado em todas as gerações ( Gn 17.114). Primeiramente , a promessa é repetida com maiores minúcias – Deus lhe promete

grande fecundidade – Ele será pai de muitas

nações. Em segundo lugar Deus muda o nome de Abrão para Abraão – pai de multidões.

A circuncisão A prática da circuncisão parece ter existido entre outros povos. Eichrodt, afirma que o rito é de uso universal e era praticada na puberdade, para garantir a fertilidade do casamento, como ato de

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TEOLOGIA BÍBLICA I

consagração do jovem esposo; e que em Israel fora transferido para a infância, algo relacionado com a abolição do sacrifício de crianças. Oehler aceita que o rito tenha sido praticado entre povos pagãos antes de ser adotado pela família de Abraão, pois o próprio texto (Gn 17) parece indicar isso. No entanto não acha que o significado dele tenha sido tomado do paganismo. A sua origem parece obscura e pode ter vindo de várias fontes. Duas explicações procuram esclarecer isso. Primeiro: seria um costume já vigente entre outros povos, podteriormente adotado e imitado por Israel. Segundo: seria uma prática comum que, por ordem de Deus, fora adotada por Abraão e seus descendentes como sinal do pacto. Deus tinha em vista, como no caso de Noé, um sinal exterior do pacto, que jamais fosse esquecido. O versículo 13 o denomina de aliança da carne . Esse sinal devia ser estendido não somente aos filhos de Abraão e seus descendentes, mas todas as crianças do sexo masculino nascidas em suas casas, inclusive dos servos. O rito era praticado oito dias após o nascimento da criança, vencido assim, o período de impureza da mãe, e segundo se entende, da própria criança (Lv 12: 2,3).

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Os árabes circuncidavam os filhos aos treze anos de idade, a mesma idade que Ismael foi circuncidado (Gn 17: 25). Há aqueles que rejeitam qualquer relação entre a circuncisão e o batismo cristão. Calvino, porém, não tem qualquer dúvida de fazer do batismo infantil o continuador legítimo da circuncisão, o qual chama ele de sacramento, aplicando-lhe a definição de Agostinho: Sinal visível de uma graça invisível. Qual seria o sentido real da cerimônia da circuncisão? Nós, filhos da cultura ocidental, acostumados a uma maneira discreta e reticente no tratamento dos órgãos de reprodução, temos por vezes, dificuldades em entender porque se escolhesse um rito assim, diretamente relacionado à vida sexual para sinal de um pacto de caráter profundamente religioso. Não era assim com os orientais, pelo menos daquele tempo. Pelo próprio registro bíblico ficamos sabendo que era uso naquele tempo, sela-se o compromisso de um homem para com outro, com um ato para nós muito estranho: é o caso raro, mas também muito significativo, em que Abraão prendeu seu servo, possivelmente o mordomo mor de sua casa , o damasceno Eliezer , a um compromisso 47


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de que não tomaria mulher canatita para Isaque; resguardando assim para ele, a benção prometida por Jeová, segundo a sua posteridade. Para solenizar a promessa feita pelo servo, temendo Abraão a morte próxima, antes que Isaque se casasse, fez com que o servo colocasse a sua mãe por baixo da coxa do patriarca – “Põe tua mão por baixo da minha coxa, para que eu te faça jurar pelo Senhor Deus do céu e da terra....” – uma maneira eufemística encontrada pelo tradutor, pois que realmente se tratava da fonte do seu poder gerador de filhos (Gn 24. 2,3 ,9). Segundo Delitzcht, os comentadores judeus antigos relacionavam esse acontecimento ao rito da circuncisão. O outro único exemplo disso se encontra no capítulo 47:29 quando Jacó, pelo mesmo modo, faz com que Jose jure que há de levar os seus despojos para a terra de Canaã, não os sepultando no Egito. A circuncisão era um corte circular para remoção do prepúcio. As explicações variam com respeito ao sentido real do rito. Chegam alguns a pensar que era um contrato de núpcias do recémnascido com Jeová; o que outros negam, pois a relação matrimonial em Israel era não do indivíduo mas da coletividade com Jeová. 48


TEOLOGIA BÍBLICA I

Segundo Ewald, a circuncisão significa uma oferta do corpo ao Senhor, de modo que os filhos era consagrados a Deus logo após o nascimento. O juramento feito era denominado juramento do corpo (Gn 24.1-9). A relação da circuncisão com o pacto se entende, segundo alguns, da idéia de que o pecado se manifesta de maneira mais forte geralmente na vida sexual do indivíduo. Daí a santificação do órgão da propagação da espécie tornar-se uma exigência do pacto. Outros significados secundários, tais como, dietético, higiênico, têm sido apontados, mas sem importância religiosa. Que a circuncisão adquiriu mais tarde um sentido simbólico, espiritual, verifica-se em várias passagens bíblicas tais como Dt. 10.16; Lv.26.41; Jr 4.4; Ez 44.7. A circuncisão foi naturalmente, aplicada a pessoas do sexo masculino,

sendo

que

as

mulheres

participavam

do

pacto

efetivamente, quando assumiam a condição de esposa. Algo mais deveria assinalar o pacto de Jeová El Shadai com seu servo Abraão: o nome de Sarai também deveria ser mudado. Aquela que duvidara das promessas de Deus e cometera o erro de buscar um filho através de Hagar – o que lhe custara amargura e 49


TEOLOGIA BÍBLICA I

tristzas – devia para sempre guardar a lição. Seu nome não seria mais Sarai. Passaria a ser chamada Sara – princesa – pois deveria ser mãe de muitos príncipes e reis. Como parte de termos desse pacto que Deus oferecia a Abraão e sua descendência estava a posse da terra de suas peregrinações. Ló, o sobrinho ingrato não tivera a menor deferência para com o tio, que o criara e protegera. Ambiciosamente escolhera a parte mais fértil das terras em que se encontravam as cidades das campinas. Abraão que tão generoso s houvera com Ló, recebia a promessa De Deus de uma herança maior. Deus lhe oferecia a vastidão imensa das terras por onde passara (Sl 16:5,6).

Afunilamento do pacto Isaque e Jacó Embora as promessas feitas por Deus a Abraão se estendam a tods os seus descendentes, o pacto se orienta em um snetido seletivo de modo que, através de circunstâncias, por vezes alheias ao propósito divino, até mesmo adversas a ele, a eleição do representante do pacto, vai se emoldurando de modo a recair no indivíduo certo conforme os desígnios de Deus.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

O herdeiro imediato das promessas feitas a Abraão e seus descendentes, pelo qual a benção viria a todas as famílias da terra, não será Ismael, o filho de Abraão com Hagar, gerado por iniciativa de Sara com a convivência do patriarca. Embora Deus concedesse a Ismael uma bênção, pela intercessão de Abraão (Gn 17.18-22), a aliança, o pacto, ficava com Isaque, nascido de modo sobrenatural, conforme Deus mesmo propusera , e que fora objeto de grande expressão de fé por parte de Abraão. As narrativas bíblicas não se ocupam longamente de Isaque, da descrição dos eu caráter. Adivinha-se-lhe a piedade, por alguns passos de sua vida, (Gn 24.63); a sua paciência e espírito pacífico (Gn 26.15-22). Sobre ele repousava a bênção do Senhor; a ele foram repetidas as promessas feitas ao seu pai (Gn 26.1-12,23-15). Em alguns aspectos, Isaque se apresenta como o modelo mais próximo do servo perfeito de Jeová. A sua paciência e espírito pacífico já mencionados, a sua vida conjugal monogâmica, diferente de seu pai, de seu filho Jacó desperta a atenção dos escritores , como Tertuliano; o seu espírito perdoador revelado, tanto nas relações com os estranhos, como no 51


TEOLOGIA BÍBLICA I

incidente pelo qual foi enganado Jacó e Rebeca, o faz como um anjo enviado à terra em forma de homem. E Isaque no entanto nasceriam dois filhos. O representante do pacto não é o primogênito Esaí, o herdeiro natural das bânçãos, coforme o costume vigente então, a quem o direito de primogenitura coferia especiais prerrogativas, tais como,

uma parte maior de

herança paterna (Dt 21.17) e a chefia da família (Gn 27. 2; 28.4). Além disso, as preferências de Isaque recaíam sobre Esaú, mas “O Senhor não vê como vê o homem”. O escolhido eleito de Deus é Jacó. Aqui, Jacó imitando a sua avó Sara, seguindo o pendor de sua mãe para transações pouco limpas, faz um atalho e sofrem as conseqüências do erro, tanto o filho quanto a mãe. Jacó tem que fugir, deixando a vida calma e confortável do lar onde uma mãe parcial lhe fazia todos os gostos, para uma dura peregrinação, na qual tem que enfrentar a desonestidade de seu tio – um mal de família. A benção do pacto continua com Jacó e Jeová que o escolheu vai trabalhar o seu caráter, utilizando até mesmo os seus erros para aperfeiçoá-lo à missão que lhe cabe. 52


TEOLOGIA BÍBLICA I

Os erros dos homens não invalidam os planos de Deus, antes , até mesmo desses erros , Ele tira recursos para executá-los. Muitos comentadores afirmam que Jacó sabia, tanto quanto Esaú, que ele, Jacó, seria o herdeiro do pacto. Todavia, ambos, por escolha pessoal erraram. Jacó, tomando a iniciativa, inspirado por sua mãe, de usurpar a bênção paterna, utilizando um embuste vergonhoso. Esaú, por tratar com leviandade e pouco caso so direitos que lhe pertenciam, vendendo-os por um prato de lentilhas. Observa Lelizch que Esaú se desqualificara para ser representante do pacto, por sua atitude frívola. Deus vais submeter Jacó a experiências que o modificam e o amoldam à função que lhe reserva. A visão da escada é um encontro inesperado com Deus. Foge da casa paterna onde enganou o pai e provocou a ira do irmão, mas não pode fugir de Deus que vem encontrá-lo ali no deserto. Jacó adquire a consciência da inevitabilidade da presença de Deus, ao mesmo tempo que lhe assegura a condição de herdeiro do pacto que fizera com seu avô Abraão e seu pai Isaque. Deus não o abandonará até que o tenha feito capaz de exercer essa função.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Os votos que Jacó faz em Betel revelam a sua inclinação comercial, disposto a fazer transações vantajosas até com Deus. É que Jacó tem muito a prender ainda. A luta que mais tarde enfrenta no vale de Jaboque transforma a sua vida e muda o seu nome de Jacó – usurpador – para Israel – príncipe com Deus. Ia voltando para a terra da promessa, mas o pensamento de encontrar-se com o irmão ofendido o enche de pavor. A bênção roubada do pai não lhe bastava . Precisa de bênção de Deus. Na luta que durou uma noite, da qual Jacó saiu manquejando, recebeu a bênção que precisava receber. Saiu mutilado no corpo, mas um novo homem. De Jacó, usurpador passou a Israel, o príncipe com Deus, um novo nome que se perpetuaria

por seus

descendentes. Um sinal de transformação se verifica, quando Jacó volta a Betel. Ali lança fora os ídolos de suas mulheres, os quais tinham sido trazidos com seu consentimento e ergue um altar ao Senhor, como prometera, quando teve a visão da escada.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Novamente o Senhor lhe aparece, confirma a mudança do seu nome, declara-se El Shadai e repete a promessa feita a Abraão e Isaque (Gn 35.9-11).

Instrumentos especiais de pacto Além daqueles que poderíamos chamar de cabeças do pacto, como Abraão , Isaque e Jacó, Deus elege outros instrumentos que

ocupavam

significativamente

e

importante

função

no

desenvolvimento do seu plano. Segundo o sábio porpósito de Deus, era preciso retirar a descendência de Jacó do convívio com os cananitas, no meio dos quais passara a viver depois da volta de Padã Arã. Vivendo com aquela gente, os descendentes de Jacó adquiriram os seus costumes e religião. Isso se verifica no exemplo de Judá, filho de Jacó, que se casou com mulher cananita (Gn 38.1-10). Elementos aparentemente ocasionais e fortuitos – uma fome desoladora – obrigam os filhos de Jacó a recolher aos celeiros do Egito.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

José Antes, porém, Deus já enviará para lá, através de caminhos estranhos, José, filho de Jacó – instrumento de principal importância na transferência dos Israelitas para o Egito e sua preservação. José é o grande vocacionado por Jeová para essa importante missão. A sua formação religiosa, seu caráter forte e sua fidelidade aos princípios que abraçara o fazem digno de tão alto destino. No entanto, entra nessa dramática história a preferência de Jacó pelo filho dileto da esposa dileta; a inveja maldosa dos irmãos de José contra ele; os sonhos repetidos de José que firmaram no seu íntimo a convicção de uma grande missão á sua espera, no futuro; e a lascívia da mulher de Potifar que se constitui na grande prova de seu caráter;o encontro no cárcere com o copeiro mor de Faraó , que resultou de sua saída da prisão. Foram estranhos degraus para a sua ascensão do alto posto de primeiro ministro do Egito, cargo em que seria eficiente instrumento do propósito de Deus para cumprimento das promessas feitas a Abraão, Isaque e Jacó.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Moisés Há um período longo em que o povo de Israel, no Egito, a princípio goza de favores especiais, dada a influência e prestígio de José. Posteriormente , sob pressão crescente - em virtude do temor que sua posteridade inspirava aos governantes – cresce, adquire costumes da terra de sua peregrinação, ao mesmo tempo conserva as tradições dos seus antepassados e as esperanças das promessas feitas aos patriarcas. Entende-se que a história dos patriarcas, passada de pais para filhos, havia de alimentar, especialmente em dias de angústias a esperança de uma libertação. O instrumento para essa libertação veio, na pessoa de Moisés, em cuja preparação entram, uma vez mais, elementos humanos, aparentemente estranhos e até adversos ao plano divino. Criado na corte do Egito, como um príncipe, sendo instruído em toda a ciência dos egípcios, haveria de ter recebido de sua mãe, a pajem providencial, o conhecimento da história do seu povo e a fé nas promessas de JEOVÁ. Um ato intempestivo de sua parte o põe em fuga, no deserto de Midiã, onde agora se prepara para as agruras de líder de seu povo, após a saída do Egito que ele mesmo há de conduzir por eleição divina. 57


TEOLOGIA BÍBLICA I

A vocação de Moisés se efetiva em Êxodo 3.1-14 e está diretamente ligada, como se vê aí, com um pacto estabelecido por Deus com os patriarcas.

O pacto sinaítico A saída do Egito foi acompanhada de sinais prodigiosos, os quais tinham como função, não somente castigar a obstinação de faraó em manter escravo o povo hebreu, mas também confirmar o poder de Jeová e legitimar perante os líderes do povo, a divina vocação de Moisés para libertá-lo. O deserto de Sinai é o lugar próprio

para o

estabelecimento do pacto de Deus com o povo de Israel, pacto que é ao mesmo tempo uma ampliação e uma regulamentação do pacto feito com Abraão, Isaque e Jacó; pacto que é um passo decisivo para o cumprimento das promessas do proto-evangelho. Alguns preferem chamar o pacto com Abraão de pacto patriarcal das promessas. É o que agora se vai verificar, do pacto mosaico ou da lei, ou pacto sinaítico. Estamos, pois num ponto distinto da história da revelação, e parece-nos conveniente, antes de entrarmos no tratamento desse pacto, verificar algo sobre a revelação de Deus - o Deus do pacto. 58


TEOLOGIA BÍBLICA I

Quem é mesmo esse Deus? Já vimos anteriormente que o seu nome comum é Elhim, uma forma plural de Eloah. Às vezes é usado com o artigo definido outras vezes não. Encontra-se 2.555 vezes; destas 2.310 referem-se ao verdadeiro Deus, ao Deus vivo. Embora a forma seja plural, o verbo correspondente quase sempre vem no singular. Este nome também aparece na composição de outros nomes, tais como: El Shadai, Deus todo-poderoso, Betel, Casa de Deus; Emanuel, Deus conosco, etc. Um outro título atribuído a Deus é Shadai, como vimos na forma de El Shadai (Gn 17.1; 28.3; 35.11). Um terceiro título é Adonai , que significa Senhor ou meu Senhor. Ainda um quarto título, Elion, que se traduz por Altíssimo. (Gn 14.22; Sl 18.13) Ainda um quinto título é Jeová ou Javé. A dificuldade de se saber a forma verdadeira desse nome, que parece 5.500 vezes no velho testamento, provém do grande respeito que os judeus tinham com esse nome, o qual consideravam inefável, de modo que , quando 59


TEOLOGIA BÍBLICA I

o vocábulo ocorria

no texto, usava-se a forma Adonai para não

pronunciá-lo. Quando se acrescentaram os sinais massoréticos que representavam os sons vogais , essa palavra ficou em esses sinais por causa do mesmo respeito. Dizia-se que o Sumo Sacerdote somente o pronunciava uma vez por ano quando entrava no santo dos santos. É fácil verificar desse modo como a pronúncia exata foi se perdendo. Alguns dos grandes estudiosos preferem a forma Javé em vez da tradicional Jeová. O significado dessa palavra parece ser encontrado em Ex 3:14 Quando Deus mesmo diz a Moisés: “Eu sou o que sou. Assim dirás aos filhos de Israel: Eu sou me enviou a vós outros” de modo que a afirmação parece dizer que Deus é o que é – a verdade, a única realidade, e o único ser que subsiste por si só. Entende-se que Jeová é o Deus que se revelou aos patriarcas, o Deus do pacto. Temos ainda em sexto nome: Senhor dos Exércitos ou Sabaoth. Esse nome aparece muitas vezes no velho testamento. A indagação que se faz é: Quais são os exércitos de quem Deus é o Senhor? Pensam alguns que são anjos, pois há referência às hostes celestiais em algumas partes da Bíblia. Pensam alguns outros que são os exércitos de estrelas, que também estão referidos na Bíblia, como no Sl. 148.2,3. Uma interpretação mais razoável, parece ser a de que Deus como Rei dos reis e Senhor dos Senhores, é o Senhor de todos os exércitos da terra, os quais estão sob seu domínio. 60


TEOLOGIA BÍBLICA I

Atributos de deus A Bíblia nos apresenta Deus com atributos especiais de sua pessoa. Eternidade 9 Dt 32.40, Is. 44.6, 48.12). Eternidade significa imutabilidade, sem começo e sem fim. 1) Vida, o Deus vivo – é um atributo que amiúde se menciona, especialmente comparado com os deuses pagãos que eram mortos (Dt 5.26; Js 3.10; Jr 23.36). 2) Santidade, Deus é santo – Kadosh. Essa palavra que inicialmente significa separado, indica que Deus está acima dos outros deuses – é um Deus diferente, é o verdadeiro Deus, não como os deuses falsos.Por outro lado indica a sua pureza ou o que chamamos na nossa linguagem de hoje – santudade (Is 57.15). 3) Onipresença Significa que Deus esta em toda a parte ao mesmo tempo (Sl 130.1; Gn 16.3; 28.15-17). 4) Onipotência Onisciência (Sl 139) 5) Justiça - (Dt 32.4; Os 11.9) 6) Shekiná – frequentemente a Bíblia se refere a glória de Deus ( Ex 40. 34). Parece que a glória de Deus é algo que

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TEOLOGIA BÍBLICA I

se manifesta de maneira sensível, como luz ou coisa semelhante e que indica a presença real de Deus

Prelúdio do pacto mosaico – a páscoa O pacto vai se transferir para o povo descendente dos patriarcas, após longo período de peregrinação e escravidão no Egito. Todavia, em coerência a promessa feita à Noé, dele se beneficiará toda a humanidade, pois é a raça human o grande alvo final ao qual o pacto se dirige. É um momento de grande significação na história da revelação, e dve ser marcado com uma cerimônia especial, capaz de transmitir de geração a geração o sentido desse grande acontecimento. O povo vai ser arrancado de sob o jugo de faraó, com a mão forte de Deus e Moisés como instrumento de Deus para isso; vai ser disciplinado

do deserto; vai receber leis , governo e terra e se

transformarão em nação. Daí a instituição da páscoa, memorial que seria perpetuado na vida do povo de Israel. Lembraria a passagem do anjo da morte que visitara os lares egípcios ceifando a vida dos primogênitos, enquanto passara ao largo dos lares hebreus , que tinham nos umbrais das portas o sangue de cordeiro aspergido.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Esse cordeiro deveria ser comido e consumido tôo, em cada lar hebreu. Os ossos não deveriam ser quebrados;o cordeiro não poderia ter defeito e deveria ter um ano . O fermento deveria ser retirado das casas e o pão da refeição seria asmo – sem levedura – para início da refeição deveriam comer ervas amargas. Cada um destes atos tinha um significado especial. O cordeiro apontava para o sacrifício vicário, pois a sua morte salvara a vida do primogênito. As ervas amargas lembravam o sofrimento do cativeiro. A ausencia de fermento tinha o sentido da purificação, já que o fermento era símbolo de maldade e impureza. A páscoa deveria se repetir todos os anos, pois lembrava o nascimento da nação israelita. A sua celebração era oportuna para que o chefe de família ensinasse aos filhos o sentido exato do grande memorial. Moisés conduziria o povo até o sopé do monte Sinai, onde Deus estabeleceria um pacto com os israelitas, que nada mais era do que uma confirmação , codificação e ampliação do pacto feito com os patriarcas . Por outro lado era um passo avantajado para que na plenitude dos tempos se cumprisse a promessa feita á mulher, no Proto-evangelho (Gn 3.15).

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Deus se manifestaria por meio do fogo, como fizera com Abraão. Não cabe aqui discutir a divisão mais apropriada dos mandamentos que lhe ia entregar, assunto sobre o qual existe divergência e que não se reveste de maior importância.

Os dez mandamentos Os primeiros mandamentos se referem à atitude do homem para com Deus , no que diz respeito ao culto, adoração e reverência. Alguns pontos são aqui estabelecidos: 1) Não terás outro deuses diante de mim – estabelece o monoteísmo. Alguns autores afirmam não haver aqui nenhuma afirmação de monoteísmo, mas apenas a exclusividade do culto oferecido a Jeová. Cremos que existe abundância de textos

que vêm

ratificar a idéia de que o mandamento

estabelece não apenas exclusividade de culto, mas também de divindade. É verdade que se encontram referências freqüentes à outros deuses , em contraposição com Jeová, o Deus vivo e verdadeiro. É assim no Sl. 115, Is. 45.19-25. 2) O segundo mandamento estabelece a espiritualidade de Deus, que não deve ser cultuado em forma material – uma proibição taxativa do pecado da idolatria

praticada

pelos povos 64


TEOLOGIA BÍBLICA I

vizinhos. A proibição se faz acompanhar de uma ameaça de castigo para os infratores e uma promessa de benignidade até mil gerações daqueles que obedecem. 3) O terceiro mandamento estabelece a necessidade de respeito e reverência para com o nome de Deus, evitando usá-lo levianamente, empregá-lo em juramentos (Lv 19.12). Existe uma ameaça vinculada a esse mandamento: Pois o Senhor não terá por inocente aquele que tomar o seu santo nome em vão. 4) O quarto mandamento se refere à santidade do sábado, que tem dois aspectos: a necessidade do descanso corporal, que diz respeito ao cuidado com o homem para com seu próprio corpo; e a santificação do sábado que torna um dia especial de culto e adoração. 5) O quinto mandamento está relacionado com a estabilidade da família, a honra que os filhos devem aos pais e que interessa à própria segurança nacional. A estabilidade na terra que iam possuir os israelitas dependia da obediência dos filhos aos pais. Entende-se que em uma nação onde falta obediência no lar, caminha para a desordem, a obediência para com as autoridades há de faltar e se constituirá em presa fácil para o inimigo.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Os quatro mandamentos seguintes - não matarás , não adulterarás, não furtarás, Não dirás falso testemunho contra o teu próximo – têm um alto sentido ético e dizem respeito às condições de uma sociedade feliz, sólida e tranqüila . Não se deve tirar a vida que é sagrada. Não se deve tirar a honra que também é sagrada. Não se deve tirar a propriedade, o direito da qual é também sagrada. Não se deve caluniar, pois é um atentado contra a integridade moral, que também é sagrada. O último mandamento diz respeito à cobiça que é o fruto da inveja , a quel por sua vez é resultado do egoísmo de onde quase todos os males provém. O cumprimento dos deveres inerentes a esse pacto traria como resultado grandes recompensas, expressivas bênçãos divinas, as quais o livro de deuteronômio resume na palavra vida ( Dt 30.15,16; Dt 4.40). Outras bênçãos vêm especificadas em Lv 26, tais como a chuva no tempo próprio, a boa colheita, a proteção contra os inimigos . Em Dt 28, outras bênçãos são acrescentadas: serão abençoados nas sua cidades e nos seus campos; as suas sementes serão abençoadas e a proteção de Deus fará sentir sobre as suas vidas.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Pecado A desobediência à lei de Deus e à sua vontade se constitui em falta, que tem nome de pecado. Pecado é a quebra de qualquer item do pacto. Há várias palavras para designar pecado na Santa Bíblia.  Chatha – significa errar o alvo e expressa exatamente aquilo que o homem fez quando desobedeceu a ordem de Deus, caiu do seu estado de inocência contraindo a pena de morte. O seu correspondente no grego é amartia. (Lv 4.13).  Avual – falta de integridade ou justiça (Sl 43.1)  Avar – transgressão ou ultrapassar os limites da proibição ( Sl 17.3; Os 6.7).  Ra – geralmente traduzida como mau, perverso. Indica um mal feito, a quebra da harmonia.  Pesha – revolta, transgressão e é traduzida por pecado (Pv 10.12).  Rasha – refere-se em geral a uma atividade que produz confusão e agitação (Is 57.20,21) E outras palavras que poderiam ser citadas.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

É conveniente estabelecer aqui que o pecado é resultado de um ato livre do homem, pelo qual, no uso da sua liberdade , se sobrepõe à vontade de Deus. NOTA: A idéia de que o pecado resultou do ato sexual de Adão e Eva não encontra nenhum apoio nas escrituras. Deus fez o homem e a mulher e os uniu no primeiro ato de matrimônio; ordenoulhes que crescessem e se multiplicassem; os filhos são considerados bênçãos de Deus; a esterilidade é considerada um infelicidade ou ausência da confiança de Deus nos pai (Gn 30.23).

O pacto é com o povo O pacto feito inicialmente com Abraão e com outros patriarcas se transmitia agora ao povo de Israel, uma nação em perspectiva. A vocação de Abraão era agora a vocação de Israel; diríamos que a escolha e a eleição de Abraão se cumpriam agora na escolha e eleição de seu povo. O pacto é o documento máximo comprobatório dessa escolha. Inclui os seguintes fatos:  É um ato de iniciativa divina - foi Deus quem tomou a iniciativa (Os 11.1) e um ato de amor;

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TEOLOGIA BÍBLICA I

 Israel não é uma finalidade em si mesma, mas um instrumento pelo qual Deus cumprirá a promessa feita à mulher de que sua semente esmagaria a cabeça da serpente;  Ainda que Israel como nação não cumpra sua parte, Deus realizará o seu propósito através de uma relíquia que será fiel a Ele;  Israel deve ser pura e santa, pois é possessão de Deus, de um Deus santo ( Dt 14.12);  O pacto é simbolizado pela figura do casamento. Jeová é o esposo e Israel a esposa e por isso mesmo a idolatria é considerada como pecado de adultério. Essa figura encontrase ricamente ilustrada em Oséias e referida com freqüência em Isaías e outros profetas. Algumas figuras são usadas nas relações de Deus com o povo de Israel, por exemplo: a figura do pai: Deus é o pai e Israel é o seu primogênito – a figura do rei e: Deus é rei e Israel o seu súdito – Deus é o Senhor e Israel é o seu servo.

Palavra e espírito Verifica-se logo no início da história da criação que a palavra é o meio criador: Deus disse: Haja lua, e houve luz.

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Entende-se então que na revelação de Gênesis, o verbo, a palavra é a representação da segunda pessoa da trindade, que só mais trade com a encarnação se tornará evidente. A palavra continuará a ser o meio de revelação de Deus quando transmitir sua revelação através dos profetas. Uma referência se faz ao Espírito Santo de Deus quando se diz em Gn 1:2 que: “O espírito de Deus pairava sobre as águas”. Compreende-se que o Espírito ali estava para trazer a ordem ao caos em virtude da declaração do salmo 104:30 que afirma: “Envias o teu espírito, são criados e renovas a face da terra”. E ainda em Jó 26:13 quando se diz que o sopro - Espírito – aclara os céus. O espírito de Deus energiza os profetas os quais são chamados homens do espírito.

Instituições Verifica-se que logo após

a entrega da lei dos dez

mandamentos por meio de Moisés recebe ele a ordem de Deus para construir o que nós chamaríamos de igreja do velho testamento, com o seu lugar de culto, que seria o tabernáculo – com o seu sacerdócio e ritual. É evidente que, a maneira pela qual o povo do pacto haveria de manter viva as suas relações com Deus Jeová, seria através de uma 70


TEOLOGIA BÍBLICA I

religião que tivesse o seu culto e ao mesmo tempo se expressasse na vivência humana de cada dia ; de modo que um conjunto de regras e leis foi estabelecido para atingir essas finalidades. Moisés recebe por revelação divina a orientação para construir o tabernáculo e providenciar todos os utensílios necessários ao seu equipamento. Após, recebe e também a minuciosa regulamentação como respeito ao sacerdócio e os atos de culto. Constituía-se pois o sacerdócio e seria da tribo de Levi e especialmente da casa de Arão. Arão seria nesse caso o sumo sacerdote. Qual a função do sacerdote? Representar a nação diante de Deus como autoridade divina, por Deus mesmo constituída ( Dt 18.15). Era também o sacerdote o mestre intérprete da lei (Lv 10.11; Dt 33.10), onde aparece mais explícito. A vocação sacerdotal era hereditária, isto é , se circunscrevia aos da tribo de Levi que para isso se qualificassem . O sacerdote era consagrado para o seu ofício em uma cerimônia especial (Ex 29.1-37; 28.40-42) essa cerimônia

se constituía

de

lavagem, vestidura e unção. 71


TEOLOGIA BÍBLICA I

As vestes de linho fino significavam a pureza e a dignidade da função. A unção era símbolo da comunicação com Deus. Três ofertas se faziam necessárias:  Oferta pelo pecado (Lv 8;14);  Oferta queimada;  Oferta de gratidão (Lv 8.22-28); Em seguida havia a cerimônia de aspersão do sacerdote:  Nas orelhas para que pudesse ouvir bem a voz de Deus;  Nas mãos para cumprir as ordens de Deus;  Nos pés para andar em santidade no cumprimento dos seus deveres (Ex 29.35-37); Exigia-se do sacerdote consagração integral do seu tempo. Daí a tribo de Levi não ser contemplada na distribuição das terras em Canaã. Receberam dos dízimos às primícias da terra e algumas partes do sacrifício.

O sumo sacerdote O sumo sacerdote era autoridade suprema, usava vestes especiais. A ele competia além de sacrifícios regulares, oferecer

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TEOLOGIA BÍBLICA I

sacrifício no lugar santíssimo no grande dia da expiação nacional. (Ex 29.5-9; Nm 26-28; Lv 21.10).

Coisas sagradas Jeová, Deus do pacto, é santo, por isso, tudo que com ele se relaciona deve ser santo e santificado. Israel deve ser seu povo santo: (Lv 20.8) Deus mesmo o santifica: (Dt 7.6) O sacerdote deve ser santo ( Lv 21.6; Sl 106.16). O lugar do culto santo deve ser santo, aliás o tabernáculo e posteriormente o templo, eram divididos em partes com graus difrentes de santidade. O monte de Sião onde o templo foi colocado era o santo monte. O templo era santo, a parte onde se encontrava o altar era santa e havia o santo dos santos, o lugar santíssimo, onde se encontravam a arca e a vara de Arão (Nm. 17.8); a amostra do maná do deserto; as tábuas da lei. Essa arca era coberta pelo propiciatório, o lugar especial da manifestação de Deus, por isso mais santo de todos. Ali entrava o sacerdote uma vez por ano para oferecer sacrifício no dia da expiação. As festividades e o dia de sábado eram chamados santos, santas convocações (Lv 23). Todas as coisas relacionadas com o lugar de culto eram santas.

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Sacrifícios A idéia de sacrifício e central no VT. O pecado tem que ser resgatado. O povo de Deus deve ser um povo santo e como não há quem não peque, é preciso haver um meio de reabilitação do pecador perante Deus. E a reconciliação se faz com satisfação; e a satisfação é feita com sacrifícios. De modo que os sacrifícios

tinham vários

sentidos: 1) confissão de pecados; 2) reparação de faltas; 3) cumprimento de votos; 4) intercessão; 5) ação de graças. Daí haver as ofertas pacíficas que representavam uma expressão voluntária de gratidão e regozijo pela manifestação especial da vontade de Deus; ou por um sentimento geral de agradecimento, dada a ação providencial de Deus na vida de cada dia ( Lv 7.12-17).

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TEOLOGIA BÍBLICA I

Festividades Israel era o povo eleito de Deus e a nação se constituía sob a proteção do pacto de Deus; Deus mesmo se propusera estabelecer com Israel um pacto; Deus mesmo

lhe dera leis,

mandamentos e líderes e ordenara sei código civil e moral; Israel era uma teocracia no mais completo sentido da palavra ; Deus é quem governava , era o seu rei – os salmos estão cheios de expressões relativas a esse fato – Jeová era também o criador de todas as coisas e o sustentador de tudo pela sua ação providencial. Dá porque as festividades religiosas nacionais era reguladas de acordo com o calendário das estações e das variações de tempo. Havia uma íntima relação entre os fatos da natureza e a celebração do culto. Por outro lado, lembrando que o povo era essencialmente agrícola, esse fato se tornava perfeitamente natural. Jeová é quem fazia cair a chuva e aparecer o sol nas estações propícias, para que crescesse a erva do campo e das plantas nas searas e pomares. Os atos de cultos diários - os sacrifícios de manhã e da tarde - se realizavam ao romper do dia e ao anoitecer. Quando os primeiros clarões começavam a surgir no horizonte iniciava-se a

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TEOLOGIA BÍBLICA I

cerimônia solene no templo e, quando o sol ia se encobrindo, realizava-se o sacrifício da tarde ( Dn 9.21; At 3.1). O sacrifício de oferta queimada era acompanhado de cantos e de instrumentos de música: (2 Cr 29. 20; 27.30). O sábado e o mês lunas eram marcados por cerimônias: (Nm. 28.9-15). O tocar da trombeta na cerimônia significava que Deus se lembrava do seu povo: (Nm, 10.10). Embora a festa

da páscoa

tivesse um significado

especial – libertação do Egito – estava ligada ao começo das colheitas : (Lv 23.11). Faziam-se ofertas das primícias. Os primeiros cachos de trigo que amadureciam na seara e os primeiros frutos da vinha eram trazidos ao sacerdote. A festa de pentecostes era celebrada sete semanas depois da páscoa - 50 º dia - daí o nome pentecostes. Era a festa do final das colheitas em que se faziam as ofertas de manjares. A ordem dada em Levítico é que se contassem sete semanas desde o dia em que as foices começassem a cortar os alimentos nos campos (Dt 16.9) Daí a festa de pentecostes também ser chamada festa das semanas.

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Havia uma provisão muito especial de sentido humanitário nesta festa: os cantos das searas não eram ceifados e as espigas caídas eram deixadas para os pobres estrangeiros (Lv 23.15-22). A festa dos tabernáculos lembrava os dias no deserto, habitando em tendas. Durante sete dias o povo passava a viver em barracas improvisadas, lembrando ou comemorando a vida incerta no deserto sob a proteção de Deus. Era uma festa de muito regozijo, de muita alegria e sociabilidade. Posteriormente aos acontecimentos narrados no livro de Ester, acrescentou-se a festa de Purim relacionada com o livramento especial dos judeus por intermédio da rainha Ester. Acrescentam-se

às

festas,

duas

instituições

muito

importantes de sentido econômico, social e também religioso : O ano sabático e o ano do jubileu.

Ano sabático e ano do jubileu No ano sabático, o sétimo ano, a terra descansava, não havia cultivo de lavouras (Lv 2.2-7). No ano do jubileu, que era o 50º ano, não se cultiva a terra. As propriedades vendidas voltavam ao seu primitivo dono. Era também o ano da libertação (Lv 25.8-29, 39-49). 77


TEOLOGIA BÍBLICA I

Convém assinalar a importância do número sete e a recorrência desse número no cerimonial judaico. O sábado era o sétimo dia, o ano sabático era o sétimo ano, o pentecostes era celebrado sete semanas depois da páscoa e durava sete dias, e o ano do jubileu era o sábado dos anos: vinha depois de sete vezes sete. O número sete era essencialmente sagrado para os judeus. O ano de jubileu sugeria o reino ideal do Messias para o qual as profecias apontavam no futuro: era o ano da restauração, do perdão e do descanso. A não observância dessas cerimônias eram castigadas com severidade (Lv 26.1-46). Todo adulto do sexo masculino, a menos que estivesse impossibilitado por motivo de enfermidade, devia comparecer às três grandes festas: páscoa, pentecostes e a festa dos tabernáculos ( Dt 16.1-17).

Instituição profética Vistas as funções dos sacerdotes, verificamos que eram eles os homens, segundo instituição divina, consagrados para orientar a vida espiritual do povo de Israel.

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Diríamos mais do que isso, pois havia funções que embora não tivessem relações diretas com o culto ou religião, eram exercidas por eles. Era o sacerdote que fazia a verificação da existência de lepra e declarava leprosa a pessoa acometida dessa doença afim de que fosse segregada fora da cidade. Era o sacerdote também quem verificava a cura, quando essa se dava, permitindo a volta do exleproso ao convívio da família e da sociedade. Exerciam os sacerdotes, ás vezes, as funções do ministro do rei, de comandante da guarda real (II Sm 8.18, 20.26; I Cr 18.17); Às vezes, os sacerdotes eram uma espécie de capelão do rei, íntimo do palácio, e por isso era chamado de amigo do rei (I Rs. 4.5; Am 7.1-17). Aconteceu que o sacerdócio, com o passar do tempo corrompeu-se, perdeu a sua autoridade e tornou-se conivente e participante dos pecados do povo (I Sm 2.12-17). Foi então que a instituição profética se tornou evidente, pois surgiram grandes homens de Deus que, em momentos de crise se constituíram porta-voz de Jeová ao seu povo. A função profética foi exercida por alguns patriarcas do passado. Noé foi chamado de profeta pois apregoava antes do dilúvio. 79


TEOLOGIA BÍBLICA I

Jacó profetiza antes de sua morte o futuro das tribos que resultariam dos seus filhos. Diferente do sacerdócio, o ofício não era hereditário. O profeta não vinha de uma tribo ou de uma família determinada. Nem era o profeta nomeado pelo rei ou outra autoridade. O profeta era um homem vocacionado por Deus que recebia um chamado divino e, em muitos casos, se julgava incapaz de realizar a missão. É o caso de Jeremias, Isaías e Moisés. A palavra do Senhor vinha através de visões ou sonhos (Dn 7). O profeta devia proclamar a mensagem de Deus mesmo quando os seus ouvintes não quisessem aceitar: (Zc. 1.4-6). A palavra hebraica para significar profeta é Nabi e quer dizer, aquele que anuncia. Os profetas eram ensinados pelo espírito de Deus, por isso eram chamados de homens do espírito: (1 Rs 22.24; 2 Cr 15.1; Ne 9.30; Ez 11.1 ; Mq 3.8);

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TEOLOGIA BÍBLICA I

O profeta era também chamado vidente porque, como vimos, em muitos casos recebia a mensagem por visão: (1 Sm 10.9 – 12). Dois grandes assuntos ocupavam as mensagens dos profetas: 1) A condenação do povo pela quebra do pacto, e em muitos casos,

pelo

pecado

da

idolatria,

que

sempre

vinha

acompanhado de outros males. Todos os vícios, como a bebedeira, as imoralidades, a desonestidade nos negócios, a opressão do pobre pelo rico, a falsidade e tudo aquilo que se constituía na quebra dos mandamentos eram para eles condenados. 2) Anunciando a oportunidade de arrependimento para receber o perdão de Deus e acima de tudo a mensagem do reino messiânico futuro, do reino ideal do Messias.

Outras atividades dos profetas Verifica-se também que o profeta exercia a função literária, escrevia crônicas da história do seu povo e também as mensagens que proferia (I Cr 29.29).

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O chamado do profeta era uma vocação direta de Deus e ele entendia, sem a menor dúvida esse chamado e mantinha convicção dele (Am 7.15). O profeta era qualificado para o seu cargo e o povo o reconhecia como tal (I Sm 3.1). Às vezes o profeta se distingue pela maneira de se vestir. Os profetas viviam de contribuições das pessoas e também dos frutos da terra que estavam á sua disposição (1 Sm 9.8). Depois de Samuel, a função profética passou a ser regulamentada, institucionalizada (II Rs 2.7-16). Continuou assim até Malaquias. O profeta uma vez chamado por Deus era ungido para a sua missão. Como no caso do sacerdote, essa unção significava o recebimento do espírito de Deus ( I Rs 19.15,16). Como havia falsos sacerdotes, também haviam falsos profetas - onde há o verdadeiro sempre há de aparecer o falso, o embuste (I Rs 18.19; Jr 23.16-32; Ez 13.17; Mq 3.11; Zc 13.4). O verdadeiro profeta era reconhecido: 1) Pelos sinais que realizava (Ex 14.15 – 22; Is 7.11-14); 2) Pelo cumprimento das suas predições (Dt 18.17-22); 82


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3) Pelo seu ensino (Is 8.20; Dt 13.1-5). Em muitos casos, profecia era predição do futuro.

Profecias messiânicas O propósito de Deus com o pacto era oferecer ao homem caído e à sua raça uma segunda oportunidade, uma vez que Adão perdera a primeira com toda a sua posteridade. Após a queda de Adão no Éden, Deus mesmo faz a promessa conhecida por Proto-Evangelho q que se encontra em Gn. 3:15, pela qual a semente da mulher esmagaria a cabeça da serpente. Isto é, um descendente da raça de Adão haveria de derrotar o inimigo que induziria os nossos primeiros pais à desobediência e, consequentemente à queda. Para cumprimento dessa profecia divina, Jeová chamou Abraão de Ur dos Caldeus, estabeleceu com ele um pacto , prometeulhe descendência, por meio da qual a benção viria para todas as famílias da terra. A promessa foi repetida a Isaque e Jacó e se tornou em herança dos filhos de Israel, os quais desceram do Egito e através de um duro cativeiro se prepararam para tornar-se em nação, sob as ordens de Moisés. 83


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Por meio dessa nação haveria de vir a benção prometida a Abraão e a toda a humanidade. Após a saída do Egito, na planície do Sinai, Deus faz um novo pacto com o povo de Israel, pacto que era nada mais que um longo passo em direção ao cumprimento da promessa feita a Abraão e outros patriarcas. Providencialmente Jeová dirigia os acontecimentos para o fiel e exato cumprimento das suas promessas na plenitude dos tempos. A lei dada a Moisés , por meio dele aos filhos de Israel , continha as normas desse novo pacto que, uma vez observadas , resultariam em grandes bênçãos para a nação inteira que desse modo se prepararia para o cumprimento da sua grande missão. As prescrições referentes à vida social, ao culto, à liturgia eram a forma pela qual Deus ensinava à nação de Israel os deveres constantes das duas tábuas da lei – deveres para com Deus e deveres para com o próximo. Codificaram-se os estatutos para reger as relações na vida em sociedade, como povo, como família, como indivíduos. Tudo apontava para o grande alvo da promessa inicial de Deus.

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Formava-se uma nação, uma teocracia na qual a suprema autoridade era o próprio Deus. Todos os instrumentos do culto, todas as cerimônias, todas as festividades tinham de uma forma ou de outra um sentido simbólico e apontavam para um reino futuro que Deu , segundo as suas promessas havia de estabelecer por meio de um representante da raça. Criou-se a instituição profética pela qual o povo ia recebendo de Deus a admoestação, a correção quando se desviava, e também os vaticínios com respeito ao futuro. O profeta falava em nome de Deus e em muitos casos apontava para acontecimentos futuros. O tema central dos profetas era o Messias, mesmo porque toda a história caminhava para manifestação dele. Messias A palavra Messias provém do Mashach, traduzida na septuaginta, na maioria dos casos como Kyrios, Senhor, especialmente no sentido cerimonial. A palavra Messias, no entanto, significa ungido, que se traduz no grego por Cristo.

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A primeira unção de que se tem notícia no velho testamento ocorreu em Gn 28:18 e logo depois em Gn 31.13. Trata-se da unção de uma coluna de pedra por Jacó à guisa de testemunha de voto que fazia ao Senhor. O costume de erguer um monumento como testemunha se verifica quando Jacó e Labão entram em pacto (Gn 31.44). Era costume ungir as coisas que adquiriam um sentido solene ou que se destinavam ao serviço divino. Esta unção significava separação e consagração, e por isso, foram ungidos os utensílios do tabernáculo (Ex 30.22-33). Com a mesma finalidade foram ungidos os sacerdotes (Ex 30.30). Assim além do sentido da consagração, da separação, havia o sentido de santificação. Algumas funções como a do sacerdócio exigiam essa consagração pela cerimônia da unção com óleo. É o caso do rei que também era ungido (I Sm 9.16). Daí o rei se tornar o servo de Deus e objeto especial da divina proteção (Sl 2.2). Esse fato tornava a pessoa do rei digna de especial respeito como se vê em I Sm 24.4-15. Eram ungidos: o sacerdote, o profeta e o rei. 86


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Parece então natural que o prometido fosse o Messias, o que significava não apenas um dos ungidos, mas o ungido, aquele que reunira em si as três funções: sacerdote, profeta e rei. O Messias seria um sacerdote eterno, segundo a ordem de Melquisedeque (Sl 110:4; Hb 7.1-3,17). Por outro lado ele seria rei acima de todos os reis (Sl 2.612) Seria também a expressão máxima do ofício profético, pois não apenas falaria a palavra do Senhor, como seria o próprio verbo encarnado. A respeito dele, Moisés se pronunciara: “O Senhor teu Deus te suscitará um profeta do meio de ti, de teus irmãos, semelhante a mim: a ele ouvirás”. Dt 18.15. Convém lembrar que Moisés foi um tipo de Cristo, (Deuteronômio 34.10) pois Moisés reunia em si as três funções: o sacerdote , antes da instituição do sacerdócio de Arão, foi profeta e foi supremo líder de Israel no seu tempo. As profecias messiânicas vão gradualmente apontando as características do prometido. Essas profecias permeavam quase todos os livros do Velho Testamento direta ou indiretamente, são

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abundantes nos salmos e se tornam mais abundantes e mais claras em Isaías. Vejamos como se desenvolveu a ideia do rei ideal, aliada à esperança messiânica. Em 2 Samuel encontramos Deus fazendo uma aliança com Davi, pela palavra do profeta Natã na qual Deus promete estabelecer o seu reino para sempre por meio de um descendente de Davi (2 Sm 7.12-17). Davi bem entende a profecia e Natã e a repete com gratidão em 2 Sm 7.26-28. Profeticamente fala Davi pelo espírito do Senhor (2 Sm 23.2,5) é o seu canto de cisne, e reafirma a grande promessa da perpetuidade do seu trono.

Salmos messiânicos A esperança messiânica se torna um tema preferido dos Salmos; daí o grande número de Salmos chamados messiânicos que de uma forma ou outra fazem referências ao seu reino. O Salmo 2, por exemplo, que aponta a revolta dos reis da terá contra o ungido do Senhor, em vão, pois o Senhor deles se ri. 88


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Termina o Salmo com uma exortação aos reis da terra para que a Ele se submetam. Única maneira de alcançar a bemaventurança. E o salmo 72 pelo qual a justiça se estabelecera universalmente com o Messias proclamado como rei de Israel, bendito para sempre. E o salmo 110 em que o rei é também o sacerdote, segundo a ordem de melquisedeque, que com o cetro do seu poder, julga todas as nações. Considerando que esses salmos eram utilizados na liturgia do culto – no templo e no tabernáculo – é fácil de ver-se como ia se arraigando no coração do povo essa gloriosa esperança alentadora. É bom aqui esclarecer até onde esses Salmos eram alusão a um passo histórico relativo a Davi ou a outro dos grandes reis de Israel, ou a uma predição futura do Messias. Alguns preferem entender que eles nada têm a ver com o futuro, são apenas expressões poéticas de um momento histórico. Parece-nos, no entanto, razoável uma posição pela qual se aceite que o poeta sacro usou a linguagem figurativa para exaltar um 89


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acontecimento do presente e também apontar para o rei futuro, o rei ideal que teria o seu cumprimento na vinda do Messias. As profecias em muitos têm mais de um sentido: referem-se a uma situação atual mas apontam para alguma coisa mais grandiosa no futuro. Alguns salmos , embora não tenham como tema principal o Messias, fazem referências a certos aspectos do seu reino, da sua pessoa, dos seus sofrimentos, etc. São assim os Salmos 16, 18, 17, 22, 40, 41, 50, 55, 102, 105, 118, 132, 135, 136. O rei prometido e às vezes chamado Davi em alusão ao pacto de Deus com ele - Davi meu servo. Esse rei é maravilhoso – operará maravilhas – é maravilhoso, conselheiro; é um ser divino – pai forte e eterno – o seu reino será pacífico – ele será o príncipe da paz; ele será justo porque estabelecerá justiça e juízo (Isaías 9.6-7). Esse rei será sábio, justo, restabelecerá a harmonia perdida no Éden, entre homem e a natureza de modo que haverá paz e entendimento entre os homens e os animais. Esse rei descendente de Jessé, pai de Davi.

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Esse rei será um renovo da casa de Davi – regerá com justiça os povos (Jeremias 23.5-6, 33.15).

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IV. A IDÉIA DO RENOVO É muito viva a figura usada por mais de um profeta para indicar o Messias – ele será um renovo da casa de Davi, (Isaías 4.5 e 33.15). A idéia é de uma terra que foi fustigada pelo fogo, devastada, queimada e deixada como uma verdadeira mortalha; depois vem a chuva e começa a surgir o broto tenro, forte, viçoso, que cresce trazendo esperança de uma nova planta. Assim o Messias havia de nascer de um povo que fora humilhado pelo cativeiro, empobrecido pelo sangue do inimigo, devastado pelas invasões, mas que trazia consigo a promessa de um futuro grandioso. Isaías 7 acrescenta dois pontos importantes nas profecias messiânicas. 1) Ele nascerá de uma virgem, um nascimento sobrenatural, miraculoso; 2) Ele será Emanuel, que quer dizer Deus conosco. Quanto á promessa de Emanuel, significa um grande avanço na ideia messiânica, uma vez que a companhia de Deus, a sua presença era o mais alto bem que o verdadeiro israelita

poderia

desejar. 92


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Nos Salmos, especialmente, esse desejo de estar na presença de Deus se faz sentir muitas vezes. Deus prometera a Moisés que havia de se manifestar no tabernáculo, no lugar de culto que posteriormente passou a ser o templo. Por isso o desejo de estar no templo e permanecer no templo era uma aspiração dos grandes servos de Deus. Os salmos 42, 15 e 116 dão testemunho desse fato. A promessa de Deus conosco era a promessa da consumação da mais alta expectativa do crente no Velho Testamento, era como a promessa da própria vida. O Messias seria também pastor de Israel, uma figura muito própria para um povo que tinha como uma das ocupações principais a criação e o pastoreio de ovelhas. O cuidado de Deus para com os seus filhos (Ez 34.1-16).

O servo do senhor Um ideal muito significativo se desenvolve em íntima relação com as promessas messiânicas. É a figura do servo do Senhor.

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Uma vez que o Messias vinha preencher o ideal do homem perfeito em obediência a Jeová, nada mais natural do que ser ele um servo dócil, paciente, que em perfeita dedicação realiza o seu ministério. A figura aparente do Salmo 22; é um quadro vivo em que esse servo como que se vê abandonado por Deus, ridicularizado pelos seus inimigos; no entanto permanece fiel, conformado e submisso. Não ergue a voz contra Deus; não tem qualquer dúvida de que Deus é santo, que seus preceitos são retos; por isso aguarda paciente, com humildade, a manifestação do poder e da glória do Senhor. O Salmo coincide em muitos passos com a paixão de Jesus , de modo que se torna inevitável, para os cristãos, a identificação do servo como o Messias. O quadro do servo sofredor pintado com vivas cores em Isaías 52.3; 53.12 é ainda mais impressionante na coincidência na descrição aí encontrada com o sofrimento de Cristo. Aí está, pois, o pináculo das profecias messiânicas. Pensam alguns que o servo do sofredor é a nação israelita e que a ela se aplicam as passagens mencionadas.

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Nada impede que haja uma aplicação geral dessas passagens , não à nação em si mesma, mas àquela parte fiel de Israel. Isso porém não exclui, antes ratifica a aplicação do texto ao Messias real do qual aquela parte seria apenas um tipo imperfeito. O apóstolo São Paulo se refere a Jesus, no seu estado de humilhação, dizendo que ele tomou a forma de servo e se humilhou até a morte e morte de cruz (Fp 2.5-11). Não é Jesus a expressão do servo autêntico , que em toda a linha, preenche a figura do varão completo e preenche a figura do varão completo e perfeito? Weidner e outros, crêem que a profecia com respeito ao servo do Senhor começa com a nação e culmina com o indivíduo. Pois Is. 53 só pode se aplicar a um indivíduo, nesse caso o Messias. Em resumo, diríamos que o Messias é, conforme o vaticínio dos profetas: um rei ideal, justo, sábio, filho de Davi; o rebento de uma terra ressequida; o restaurador da ordem natural e da harmonia do homem com a natureza; o príncipe permanente da paz; o sumo sacerdote e , ao mesmo tempo, a vítima vicária. Ele é o próprio Deus; É o pai da eternidade – o Emanuel – Deus conosco.

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Tudo isso se enquadra perfeitamente na promessa de Gênesis 3.15 e no seu desenvolvimento posterior como aparece feita aos profetas e a nação do pacto mosaico. Ele, o Messias é rei universal. A universalidade do pacto com Abraão se encontra na promessa de que em seu descendente seriam benditas todas as famílias da terra. Está igualmente claro, no pacto mosaico, desde o início, essa universalidade. Israel porém, não entende bem isso. E não iriam entender nem mesmo os judeus cristãos no início da igreja , no Novo Testamento. Até que se levantasse um homem do calibre

e da

autoridade de Paulo para expor com clareza e riqueza de argumentos essa verdade revelada. Primeiramente o Proto-Evangelho foi dirigido à mulher – era a promessa de vitória da sua semente. Promessa de conseqüências universais, uma vez que a queda atingiria a posteridade inteira do primeiro casal. A vitória da semente da mulher teria como efeito anular a sentença de morte resultante do pecado cometido. A promessa deita a Abraão incluía uma benção à sua geração; benção cujo alvo final seria todas as famílias da terra. 96


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Os salmos apregoam, frequentemente o reino universal do Messias, bem como os profetas , e, acentuadamente Isaías. Outras lições nesse sentido aparecem na revelação do Velho Testamento. É o caso de Nínive, uma cidade fora dos limites do povo de Israel, de gente incircuncisa mas que é, no entanto, objeto de uma oferta de arrependimento da parte de Deus. O profeta Jonas não entende como é que Deus possa se interessar na salvação de gentios, como eram os ninivitas. Gente má, inimiga do povo escolhido e gente idólatra. Mas o livro ensina ao profeta que Deus se interessa pela sorte dos que não são judeus. O belo romance do livro de Rute vem mostrar uma moabita que se insere na genealogia de Jessé. E Jessé se torna pai de Davi, o grande servo do Senhor e depositário das promessas especiais à casa davídica com respeito ao Messias. Isso tudo encaminha o pensamento do povo de Israel para a ideia da relíquia espiritual que há de se tornar no verdadeiro Israel.

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Deus vai realizar a sua parte no pacto e o fará mesmo quando a grande massa do povo de Israel se desviar; pois a relíquia lhe será suficiente , uma vez que para ele não faz diferença salvar com pouco ou com muitos – Is 10;20-22; 65:8,9. A relíquia que confia no Senhor, o santo de Israel, e da qual fala Oséias 1.9-11 cumprirá a parte do pacto que cabe aos verdadeiros servos de Deus e será objeto das promessas desse pacto. A parábola da videira em Is 5 mostra a falta absoluta de Israel como nação, no cumprimento de sua parte da aliança. Mas isso não perturba os planos de Jeová e Ele irá à frente, exaltado em juízo e santificado em justiça.

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V. PROFECIAS ESCATOLÓGICAS O VT desde o início aponta para o futuro. O ProtoEvangelho é um exemplo disso. Os pactos firmados, tanto com os patriarcas como com o povo do Sinai, têm também um sentido futuro. Embora as profecias não sejam exclusivamente predições, são em grande parte previsões. Daí o seu caráter escatológico. As profecias messiânicas, a vinda do Messias ao mundo, a sua missão, o seu triunfo, o seu reino futuro perfeito, tudo isso faz parte da grande mensagem com respeito aos dias que hão de vir. Para um povo que passava por muitas aflições a expectativa de uma situação diferente no futuro tinha muito sentido e muito valor. O “Dia do Senhor” frequentemente referido nos profetas seria um dia de tristeza, de julgamento para os desobedientes, mas um dia de alegres expectativas e consoladoras esperanças para aqueles que fossem fiéis. Convém lembrar que a expressão “Dia do Senhor” não tem o sentido restrito de um período de vinte e quatro horas. Significa uma época, caracterizada por determinados acontecimentos. O “Dia 99


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do Senhor” seria o grande dia da Graça que teve o seu início co a encarnação de Jesus; dia que há de se estender até o seu triunfo completo sobre o mal – o estabelecimento do reino de Deus. No correr desse período chegarão julgamento e castigo para os infiéis; será um dia de lágrimas e desespero; mas será dia de alegria e de triunfo para os verdadeiros servos do Senhor. As profecias com respeito a esse dia tem aspectos catastróficos (Joel 2.28-32). As profecias escatológicas, no entanto, contém sempre um convite ao arrependimento (Oséias 6.1-6). Apontam essas profecias para os acontecimentos que virão no futuro quando Israel, segundo a carne, será substituído pelo Israel espiritual – Mq 4 – Essas promessas geraram a esperança de um futuro certo, feliz, baseado unicamente na fé – Hc 2.3-5.

Problemas do sofrimento O sofrimento é uma experiência universal que acompanha o homem caído por toda a parte, em todo o tempo. Esse sofrimento pode resultar de causas internas ou externas ao homem.

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Os filósofos têm procurado obter resposta da questão: O universo éamigo do homem ou inimigo? Coopera com ele ou está sempre contrariando os seus intentos? A resposta naturalmente varia conforme a filosofia adotada. O sofrimento está presente no Velho Testamento. A triste história da queda em Gn 3 parece responder sumariamente a pergunta: Por que sofremos? A queda, segundo o texto de Gn 3.14-21 trouxe consigo a pena de morte. O homem se tornou vulnerável. O sofrimento é, pois, parte inerente da existência humana. Mesmo as grandes alegrias que o ser humano experimenta não podem deixar de ser acompanhadas de sofrimentos de alguma natureza. A paternidade e a maternidade são motivos de grande alegria, mas o nascimento de um filho estará sempre, necessariamente,

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cercado de sofrimentos, pois que Deus mesmo declarou à mulher após a queda: Com dores terás filhos. Ao homem o anúncio foi de que, com o suor do teu rosto comerás o teu pão. O trabalho lhe será árduo para obter alimento da terra. Os espinhos e cardo virão para sufocar a planta e tornar o seu esforço mais difícil, o suor do rosto que o trabalho requer é o sinal de fadiga. Cremos que umas das conseqüências do pecado foi a alteraçã, não apenas da natureza do homem, mas do seu habitat. Sem que possamos entender bem, a queda alterou o regime da natureza com a qual o homem tem que lutar , pois lhe parece adversa e hostil. Por outro lado foi alterada no homem a sua própria constituição que ficou sujeita a decadência e a morte, tornando-se vulnerável ao desgaste e ao sofrimento, tanto do corpo quanto do espírito. Uma vez que há uma interação entre ambos , tão íntima, os sofrimentos do corpo perturbam o espírito e enfraquecem o ânimo, tornando mais suportáveis as dores. Qualquer perturbação do espírito, da consciência, afeta o corpo trazendo enfraquecimento e até a morte.

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Como se pode ver na própria história em Gênesis, o trabalho se tornaria em instrumento de disciplina do homem, preparando-o para enfrentar a luta crescente. Em 2 Samuel 12.12 temos um exemplo típico relacionado com a falta. Davi tomou a mulher de Urias e, para cobrir o mal feito, o expôs à morte pela espada. O profeta Natã vem avisar Davi, da parte de Deus que a espada não se apartará de sua casa....tomaste a mulher de Urias...tomarei as tuas mulheres e darei aos teus próximos. Note-se que a atitude certa em face de castigo, de aceitação humilde, reconhecendo a culpa, não atribuindo a Deus injustiça alguma, traz bons resultados. Davi confessa : pequei contra o Senhor. E Deus na sua misericórdia atenua a pena. Davi não morre, mas morre o seu filho que é fruto do pecado. Vejamos o caso de Acabe, a quem o profeta Elias vem dizer: Mataste e ainda por cima tomaste a herança? Assim diz o Senhor: no lugar em que cães lamberam o sangue de Nabote, cães lamberão o teu sangue, o teu mesmo. A quebra dos mandamentos do pacto está evidente nesses casos e por isso as conseqüências vieram logo.

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O livro de Eclesiastes retrata a condição do homem que tendo tido tantas bênçãos de Deus, as usou mal, e mergulhou–se no pessimismo. Ao final porém, reconhece que só há um mal no mundo: esquecer-se de Deus e, chega a conclusão de que convém ao homem lembrar-se de Deus nos dias da mocidade, pois é o temor de Deus o dever de todo homem. O livro de Jó trata especialmente do sofrimento. E aqui o sofrimento toma outro sentido. O quadro é de um homem justo, temente a Deus , de vida piedosa, cumpridor dos seus deveres de cidadão e de chefe de família – um fiel observador do pacto. No entanto, o sofrimento cai sobre ele de forma variada atacando-o em três pontos vulneráveis: nos seus bens, nas suas afeições e no seu corpo. De onde provém esse sofrimento todo?Qual é o agente? O agente é satanás, o inimigo, o caluniador do homem perante Deus. Mas a permissão vem de Deus, a quem Jó teme e cultua. A atitude de Jó perante isso tudo é de aceitação permanente, compreendendo que Deus, que tudo nos dá, tem direito de tomar. Naturalmente Jó passa por períodos críticos, em que a sua fé é assaltada por dúvidas, principalmente quando acossado pela repreensão dos amigos. Jó permanece fiel e o seu sofrimento se torna em bênçãos maiores. O sofrimento pode ser permitido por Deus como 104


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disciplina ao seu servo, mas uma vez suportado com fé resultará em bênçãos maiores. A grande figura aparece no sofrimento, de que Jó é, até certo ponto um símbolo. O sofrimento tem um aspecto vicário – um sofre pelo outro para a expiação da culpa. A ideia de sofrimento vicário aparece em várias formas no Velho Testamento e o servo do Senhor conforme no-lo apresente Isaías é a expressão máxima desse sofredor substituto que profeticamente aponta para o Messias. O sofrimento é a prova da fé e é com a fé que nos sustentamos, pacientemente, em meio às dificuldades, aguardando pacientemente a intervenção providencial de Deus, quando ela sabiamente quiser interferir. Hc 3.1-14 é o cântico daquele que vive pela fé e , em meio a desolação, espera pacientemente confiante no seu Deus.

O pacto das profecias Parece-nos de bom alvitre nesta altura dar uma ligeira olhadela nas profecias do velho testamento e, a título de resumo, verificar co a promessa messiânica aparece e se desenvolve no decorrer da história de Israel.

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Inicialmente veremos como a entrada na terra prometida se deu em cumprimento exato das promessas feitas aos patriarcas e, posteriormente ao povo, por meio de Moisés. A experiência de Israel, com a entrada na terra de Canaã foi excelente. Deus cumprira o prometido. Jeová agora habitava no meio do seu povo, conforme Ele mesmo predissera – Ex 29.42-46. O tabernáculo havia sido construído, de acordo com as especificações dadas por Jeová mesmo, e, ali Ele se encontrava com o seu povo (Ex 25.22). Deuteronômio registra a promessa de um grande profeta, semelhante a Moisés, a qual convinha aguardar no cumprimento dos tempos (Dt 18.15 – 19). O livro de Josué traz a afirmação de que agora, na terra de Canaã, o povo achara repouso, pois o Senhor não falhara

em

nenhuma de suas promessas (Js 21.44,45). Deus escolhera ali, lugar para por seu nome (Dt 12.1114).

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Depois de Josué o desvio que se iniciou muito cedo atingiu a uma situação calamitosa, das promessas feitas em Siquém de absoluta e permanente fidelidade ao Senhor e sua palavra ( Js 24.1 28). Segue-se o período negro dos juízes em que aqui e ali ainda se verificam sinais de piedade e, Deus por intermédio de líderes esporádicos intervém em favor de seu povo. Samuel surge então como restaurador e depois de um período de paz e prosperidade, prepara o povo para o estabelecimento da monarquia davídica. Com a subida de Davi ao trono a história de Israel entra em uma nova fase de grande prosperidade. Davi, a despeito de suas falhas, é homem temente a Deus e servo eleito para receber as promessas, as quais agora se fixam na indicação de um rei da casa de Davi que se assentará no seu trono para sempre. O capítulo 7 do segundo livro de Samuel contém essa promessa repetidamente. O Salmo 89 recorda essa promessa com ênfase.

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O desvio de Israel que haveria de resultar no cativeiro, fez surgir grandes profetas que vaticinaram a ruína e o castigo que havia de vir sobre o povo do pacto; mas em todos ele há de se encontrar alguma referência ao Messias e ao cumprimento das promessas a respeito dele. O plano divino caminha para sua final consumação. Joel talvez seja o mais antigo profeta, datando as suas profecias do século nono. Nele se encontram as promessas da restauração de Jerusalém; da abundância de víveres; do ensinador de justiça e a promessa da efusão do Espírito que Pedro haveria de evocar no dia do pentecostes, como prova do cumprimento das profecias do Messias. Com o profeta Jonas, assina-se a Graça estendida ao gentio, tal como ao povo de Nínive - um aspecto também do reino messiânico. Amós termina as suas mensagens de severa repreensão e ameaças de castigo, com a promessa divina de restauração de tabernáculo caído de Davi, bem como a promessa de fartura – uma figura freqüente da era messiânica.

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Oséias dramatiza a dissolução e fustiga o pecado, mas proclama o amor de Deus perdoador e, anuncia, no final, a cura, a restauração e a glória de que há de se revestir Israel. Miquéias anuncia a vocação dos gentios e prediz o nascimento em Belém Efrata do Senhor de Israel, além de anunciar o cumprimento das promessas feitas a Jacó e Abraão. Vem então Isaías, o grande profeta messiânico falar do Renovo, do Emanuel, da Luz dos gentios, e pintar num quadro de grande beleza e ternura o servo sofredor. O ministério público de Jesus que proclama no capítulo 61 é por Jesus mesmo apontado, como tendo o cumprimento em sua pessoa. Jeremias que vem no século seguinte é profeta parcialmente do exílio. Consola o seu povo com o vaticínio do Renovo Justo e com a vinda do Messias. Ezequiel, no exílio, é portador de grande mensagem de ressurreição espiritual, na visão do vale de ossos secos. A figura do Bom Pastor que o Salmo 23 apresenta e que Jesus mesmo há de aplicar a si, aparece ainda em Ezequiel num dos grandes textos de significado messiânico: Eis que eu mesmo

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procurarei as minhas ovelhas... em bons pastos as apascentarei....a perdida buscarei, a desgarrada tornarei a trazer. Ez 34. Os

profetas

pós-exílio

continuam

a

anunciação:

proclamam a vinda do desejado das nações que encherá de Glória a casa do Senhor. Zacarias vaticina a volta do Senhor a Sião, restauração da glória de Jerusalém, a paz e felicidade do seu povo. Uma fonte aberta para lavar as impurezas da casa de Davi. Malaquias encerra o velho testamento com a anunciação da vinda do Senhor precedida pelo anjo preparador do seu caminho. Assim em cada profeta há um novo aspecto da anunciação do Messias prometido e do novo pacto.

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VI. SABEDORIA (HOKMA) Incluiu-se no Cânon sagrado do velho testamento uma literatura que se tem chamado de sabedoria (Hokma) e que abrange o livro de Jó, Provérbios, Eclesiastes e segundo outros como Kaiser Jr.. Também o livro de Cânticos de Salomão. Além disso há um número de Salmos que pelo seu teor , estilo, forma epigramática e caráter didático são também incluídos nesta categoria, yais como o Salmo 119, 89, etc. Destaca-se a Hokma, pela atitude reflexiva, introspectiva, de considerações e preceitos práticos, de valor moral e ético. A observação do mundo natural e dos fenômenos que nele se verificam, e dos fatos da vida, em comparação com os ensinos da revelação, leva o autor a conclusões que se aplicam às normas da vida diária. Os sábios autores e compiladores dessa literatura até certo ponto filosófica, eram reis , como no caso de Salomão, que, segundo nos informa o livro de reis (1 Rs 4.29-34) se colocavam acima dos demais em conhecimento. Ou eram homens reconhecidamente entendidos que, pela sua palavra exerciam influência na vida da sociedade. Esses sábios não eram como os sacerdotes e profetas oficialmente escolhidos e consagrados para uma unção específica ,

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mas ganhavam o reconhecimento público e, acabavam exercendo o papel de importância considerável. Supõe Oehler que as palavras de Jó 29.7-11 e 21-25 se refiram ao costume, pelo qual os sábios se postavam num lugar público –como faziam os juízes – para emitir seus conceitos e, desse modo influir no comportamento dos indivíduos. Os homens da Hokma segundo Oehler, não se arrogavam a posse de inspiração divina, como os profetas e sacerdotes, mas se orientavam pela lei e a profecia na formulação de seus postulados, os quais ilustravam, muitas vezes, com comparações tiradas do mundo natural e dos fatos da vida. Verifica-se, no entanto, que em Pv 8.22-36 , por exemplo, a sabedoria é a personificação de Deus, ou pelo menos de um de seus atributos. Seria pois essa sabedoria algo tão fiel aos ensinos de revelação e tão feliz na interpretação desses fatos, em relação à vida se tornou digna de ser incluída na revelação mesma como parte indispensável dele? Aliás, a verdadeira religião busca a inquirição honesta da coerência entre a vida e o mundo natural, os quais têm sua origem em Deus. Se aparentes contradições surgem á mente, se dedica à tarefa de dirimi-las de modo a aplicar a revelação à vida.

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TEOLOGIA BÍBLICA I

A palavra Hokma deriva de uma raiz que significa segurar, fixar, tornar estável. Daí a sabedoria ter como propósito traçar um padrão firme, para a conduta do homem na sociedade, como resultado da procura de uma coerência entre a revelação e a vida, à luz da natureza e dos ensinos da palavra de Deus. Observa-se ainda Oehler que embora haja muita semelhança entre a sabedoria e a filosofia grega , por exemplo, falta a esta última o ponto de partida supernaturalista em que se apóia aquela. A última explicação do propósito da existência , para a filosofia

grega se encontra

aqui mesmo, ao passo

que para a

sabedoria do velho testamento tudo provém do conhecimento de Deus vivo, transcendente, todo-poderoso, criador, governador do mundo, santo, doador da lei e do reto juízo. Cremos que poderíamos estabelecer uma íntima relação entre a sabedoria do Hokma e a lei do pacto, do decálogo. Aliás, as ordens ali encontradas

se encontram frequentemente, direta

ou

indiretamente abonadas. Inicialmente se verifica que o princípio da sabedoria se assenta no temor de Deus, o que está em estreita relação com os três 113


TEOLOGIA BÍBLICA I

primeiros mandamentos do decálogo, os quais se prendem ao temor de Jeová direta ou indiretamente – Pv 1.7 -29. As freqüentes considerações sobre o trabalho honesto e digno que se encontram na Sabedoria podem ser ligadas ao mandamento que ordena o descanso semanal, pois a ordem , é tanto para trabalhar seis dias como para descansar um. Pv 6.6-9. O quinto mandamento que requer honrar pai e mãe é abundantemente corroborado pelos ensinamentos da sabedoria em passagens como: Pv 4.1; 10.1; 13.1; etc. O sexto mandamento - não matarás – encontra apoio indireto, no combate à violência, seja nas palavras ou nas ações, pois a violência, é a mãe das mortes e homicídios . A tolerância é frequentemente postulada (Pv 15.1; 17.19). O “Não adulterarás” do sétimo mandamento encontra nos livros da sabedoria reiterado apoio. Assim como nas relações sexuais dentro dos limites certos é exaltada (Pv 5.3-10; 18-20.7.5-27; etc.). O oitavo mandamento recebe aí consideração direta e indireta, pois a honestidade nas relações comerciais é postulada como ênfase e louvor (Pv 11.1,25; 16.11; 20.23; 22.16).

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O novo mandamento é por sua vez sobejamento aplicável em sua relação á honestidade do falar, e na condenação da mentira e do falso testemunho (Pv 12.17,18,19,22; 13.5; etc). Finalmente os preceitos repetidos contra a cobiça e ambições ilícitas têm apoio do décimo mandamento (Pv 15.27). Diríamos que os livros da sabedoria procuram espelhar o servo ideal do pacto . Assim, o livro de Jó de que já tratamos apresenta como seu herói a figura do patriarca de Uz , paradigma do servo sofredor , obediente, que se mantém no temor de Deus, mesmo em meio aos sofrimentos, até que o socorro lhe venha da parte do Senhor. O livro de Eclesiastes é o retrato do homem que, agraciado com bênçãos especiais de Jeová, deixa-se levar pelos enganos de seu coração, para terminar na constatação de que o fim da coisa é : “Teme ao Senhor, e guarda os seus mandamentos, porque isso é o dever de todo homem” (12.13). Cremos que alguns Salmos se propõem à apresentação do retrato fiel do homem do pacto, cumpridor dócil das exigências desse pacto, por isso mesmo objeto das bênçãos do Senhor.

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Tal é o Salmo primeiro que declara “Bem aventurado o homem que não anda no conselho dos ímpios, antes o seu prazer está na lei do Senhor e na sua lei medita de dia e de noite”. É assim o servo ideal do pacto. O Salmo 15 aponta as virtudes daquele que alcança o alto privilégio de poder morar no monte santo e desfrutar da excelsa bênção da comunhão íntima com Deus. O Salmo 119 será tratado separadamente como retrato do servo fiel dedicado à lei de Deus e na sua meditação. Evidentemente esse servo ideal somente Serpa encontrado na pessoa do filho do homem, Jesus Cristo, a sua mais perfeita expressão.

A promessa da vida No livro de Deuteronômio a grande opção oferecida àqueles que fossem obedientes aos mandamentos do Senhor seria a vida (Dt 30.15-20). Vida tem um sentido amplo. Embora no estágio em que se encontravam os homens do velho testamento, não lhes fossem possível alcançar toda a extensão das bênçãos prometidas com a vida, Jesus mesmo haveria de trazer essa mesma promessa aos homens do pacto da Graça: “Eu vim para que tenham vida e tenham em abundância” Vida e vida abundante...perfeita...redimida...eterna.

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O servo ideal do pacto mosaico (salmo 119) Já nos referimos à literatura dos Salmos e sua íntima relação com o pacto mosaico e suas esperanças. Vimos a abundância de Salmos messiânicos , nos quais há visões proféticas do reino messiânico. No entanto, nada nos parece mais típico dessa proclamação da excelência dos preceitos que subordinam o verdadeiro servo de Jeová aos seus deveres de filho da aliança, do que esse peculiaríssimo Salmo 119. Peculiar em sua forma, extensão e ênfase. Diríamos que aqui se encontra o retrato do servo ideal do pacto ideal, não porque seja perfeito observador dos mandamentos, preceitos, estatutos, ou outros nomes que tão artificiosa e inteligentemente o escritor aplica aos oráculos do Senhor. Mas porque reconhecendo com diáfana sinceridade as suas limitações e até mesmo desvios das veredas do Senhor, deslumbra-se cada vez mais com a sua excelência: alegra-se na meditação deles; assume o propósito de persistir sem desfalecimento no seu maior conhecimento; na prática diária dos seus ensinamentos, acima de qualquer coisa, pois não há bem-aventurança maior. Segundo se observa, apenas dois versículos, 122 e 123, deixam de fazer explícita menção à palavra do Senhor embora o façam implicitamente. 117


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Spurgeon, o notável pregador e apreciado comentador dos Salmos nos seus “tesouros de Davi”, trata deste salmo separadamente, dada a peculiaridade do e mesmo, e o intitula: “O solilóquio de uma alma piedosa, diante de uma Bíblia aberta”, e seguindo um costume dos alemães que ele mesmo menciona, ainda o denomina “ABC de OURO do Cristão, no louvor, amor e força, pelo uso da palavra de Deus”. Dá ao seu comentário devocional deste salmo o título de “Alfabeto Dourado”, alusão à forma acróstica do Salmo. Quem teria escrito esse precioso poema de inspiração divina, harmonioso na forma, profunda na sua conceituação da palavra de Deus; suave e melodiosa na delicadeza de sua cadência. Embora Spurgeon e outros entendam que se trata de mais um salmo de Davi, há indicações, que não escapam aos críticos, de que a sua linguagem e seu tema bem se ajustam ao período pós-exílico. O cativeiro tinha mostrado sobejamente as amargas conseqüências do desvio infiel do pacto; da quebra dos estatutos e preceitos do Senhor. Outrossim tinha posto em evidência a bemaventurança dos que natural à solene introdução , cantando a felicidade dos que guardam

a lei do Senhor, dos que trilham

caminhos retos, têm prazer na lei do Senhor.

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Daí autores como A.R. Fausset atribuí-lo a Esdras, o restaurador das nações após o cativeiro. Querem outros que sejam o autor um piedoso sacerdote anônimo, pós-exílico que julgou seu dever exortar seu povo à obediência filial à palavra de Deus, a única forma de evitar o cativeiro. A rotura do pacto por parte do povo produzira o grande mal que devia não ser repetido. O personagem que o autor representa seja ele mesmo, ou a nação ou outro indivíduo, reconhece a sua fraqueza e incapacidade para guardar, por si mesmo a lei do Senhor; por isso suplica o divino auxílio; “de todo coração te busquei; não me deixes fugir dos teus mandamentos” (v.10). “Sê generoso para com teus servos, para que eu viva e observe a tua palavra” (v.17). Nem mesmo a sua capacidade para penetrar nas maravilhas da lei do senhor é suficiente. “Desvenda os meus olhos, para que eu contemple as maravilhas da tua lei” (v.18). Alguns males sempre presentes no coração do homem o desviam da lei do Senhor tais como a cobiça e a vaidade: “Inclina-me o coração aos teus testemunhos e não à cobiça. Desvia os meus olhos para que não vejam a vaidade...” (vv. 36,37). O cantor do Salmo se sente peregrino, o seu alvo é além, mais adiante: “sou peregrino na terra: não escondas de mim os teus 119


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mandamentos... Os teus decretos são motivo dos meus cânticos, na casa de minha peregrinação” (19 e 54). Reconhece como Daniel e outros profetas que os sofrimentos que lhe advieram, não são frutos da injustiça de Deus ou do estremado rigor, mas das suas culpas: “Bem sei, ó Senhor que os teus juízos são justos, e que com fidelidade me afligiste” (75). A imutabilidade da palavra do Senhor e a sua graciosa bondade são a garantia da salvação dos seus servos (59,90). O salmista clama como ovelha desgarrada, mas espera a salvação do Senhor (174, 176). Esse é o tratado do servo fiel, não perfeito, mas amoroso, dedicado ao Senhor, cioso de fazer sua vontade, feliz por poder nele confiar. A experiência do sofrimento o convenceu de que nada há melhor do que a lei do Senhor: que há no favor do Senhor reservas de misericórdias para os que o temem. Esse é o retrato do homem do pacto, conforme um desconhecido poeta cantor do saltério.

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VII. PERÍODO INTER-TESTAMENTÁRIO A literatura do período Um intervalo de quatrocentos anos separa o Velho Testamento do Novo Testamento. Nem por isso se quebra a sequência. A história continua. A ação providencial de Deus vinha ordenando os acontecimentos e utilizando-os aos fins do seu alto propósito.

Os livros apócrifos Nesse período uma literatura surgiu, que não pode, de modo nenhum se colocar a nível de revelação. Pode, no entanto, fornecer dados que corroboram informações outras de sentido histórico. Por outro lado aponta modificações sensíveis que se operaram no pensamento e costumes de uma porção do povo do pacto. Acontecimentos políticos de real importância tiveram nesse período e alguns desses livros

contém informações valiosas sobre esses

acontecimentos. A produção literária, de caráter religioso não cessou, no chamado período inter-testamentário. A qualidade porém, dessa literatura sofre na comparação com os livros aceitos pelas autoridades judaicas, como inspirados e canônicos. Embora os livros pertencentes a esse período fossem lidos 122


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e divulgados e, consequentemente, exercessem ponderável influência sobre o pensamento religioso do povo judeu, nunca foram aceitos no cânon judaico. O nome “apócrifo” atribuído a essa literatura e, que inicialmente significa “oculto”, posteriormente passou a “espúrio” ou de autoria duvidosa. Quinze livros ou partes de livros

se incluíam nessa

literatura inicialmente. Esse número, todavia, pode ser acrescido de muitos outros do mesmo gênero. Alguns desses livros são históricos , como Macabeus, que dão conta da luta desencadeada pelo sacerdote Matatias e seus cinco filhos contra o despotismo dos dominadores Sírios. Outros desses livros são moldados na literatura intitulada Sabedoria. Outros, como os livros de Tobias e Judite, são de caráter novelesco e lendário. Um estudo desses livros parece aconselhável a todos os estudantes da Bíblia à guisa de informação e comparação com os livros canônicos dos quais emprestam muito material, na postulação de virtudes que se encontram nos livros de Sabedoria. Sustentam em geral, as esperanças messiânicas, como nos livros apocalípticos, tornando enfáticas algumas doutrinas do velho 123


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testamento tais como pecado original e suas conseqüências. Exaltam a justiça e equidade, mencionam os demônios e os anjos.

A situação política do período Os exércitos de Nabucodonozor arrasaram Jerusalém em 586 a.C. Muitos dos judeus foram levados cativos, especialmente os intelectuais e artífices, ficando para trás a classe mais pobre e menos instruída. Medos e Persas, 50 anos mais tarde derrotaram os babilônios e anexaram os seus domínios à terra dos judeus. Mostraram-se no entanto benignos , dos persas , para com os judeus e permitiam-lhes a volta à sua terra , a reconstrução dos muros da cidade e do templo, sob o estímulo dos profetas Ageu e Zacarias , sob a supervisão de Neemias (de 537 – 445 a.C). Alexandre conquistou o mundo conhecido, de então, derrotou Dário, o persa, e anexou a Palestina aos seus domínios. A morte prematura de Alexandre, aos 32 anoS, deixou o seu vasto império à mercê de seus generais e, na divisão a que procederam , a governada por sacerdotes , na qualidade de vice-governadores, por 122 anos – num período de razoável tranqüilidade e relativa liberdade.

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Em 198 a.C, porém, Antíoco III, da Síria, anexou a Palestina em seus territórios, tomando-a do Egito. Helenizantes como eram os Selêucidas (a dinastia a que pertencia Antíoco) a situação piorou para os judeus principalmente para os ortodoxos, que resistiam às inovações. Um grupo Hasidianos – os pios – considerava todos os aderentes à influência helenizadora traidores da pátria, e resistiam a tudo que, segundo eles era um quebra de profanação da Cidade Santa e do seu território. A situação tornouse ainda mais insuportável em 175 a.C, quando Antíoco Epifânio assumiu o poder. Falhando em 169 a.C, na sua tentativa de conqusitar o Egito , voltou as suas iras contra a Palestina. Tomou a cidade de Jerusalém, saqueando-a e o templo, massacrando muitos judeus. Numa investida especial contra os judeus ortodoxos, principalmente os Hasidianos, fez tudo para esmagá-los. Punia de morte quem guardasse o sábado, ou praticasse o rito da circuncisão, ou tivesse uma cópia dos pergaminhos do Velho Testamento. Para culminar suas atrocidades e sacrilégio, mandou sacrificar uma porca (167 a.C) no altar das ofertas queimadas do 125


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templo e aspergir com o seu sangue os objetos sagrados. Era o cúmulo da provicação. Antíoco estava longe de calcular a força de um povo ferido nas suas mais sagradas crenças. Matatias, um velho sacerdote, com seus cinco filhos fugiu para as montanhas e iniciou um movimento de resistência, escondendo-se durante o dia e fazendo assaltos de surpresa durante a noite, ajudados por um grupo de fanáticos que a eles se aliaram. Matatias não viveu muito, pois veio a morrer um ano depois , mais ou menos. Ao morrer, porém, concitou os filhos a continuar a luta por amor ao pacto que seus antepassados firmaram com Deus. Judas o terceiro filho, assumiu o comando. O grupo recebeu o apelido de Macabeus (o martelador), nome por que passou a se denominar. Surpreendentemente esse punhado de homens alcançou extraordinárias vitórias sobre os Sírios, os quais, em virtude de outras dificuldades, após a morte De Antíoco, acabaram fazendo com os Macabeus um acordo de paz. Assim, em 165 a.C, o templo foi purificado e rededicado, do que resultou a festa da dedicação mencionada em João 10.12.

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A luta porém ainda continuou por algum tempo, em que os vários irmãos Macabeus foram se sucedendo no comando, até que a liberdade foi totalmente alcançada. Vem então o período de liberdade política que durou cerca de 80 anos até o ano de 63 a.C. quando, após dissensões internas, os romanos sob o comando de Pompeu dominaram os judeus e a Judéia se tornou então uma província romana. Surgem então os Herodes, uma família de Idumeus protegidos pelos imperadores romanos, Antônio e Otávio Herodes, que obteve o título de rei, sob juramento em 40 a.C. Procurou subjugar os focos de rebeldia até que se tornou rei de fato, dominando Jerusalém em 37 a.C. Esse é Herodes, o Grande, que iniciou a dinastia poderosa dos Herodes. A história dos Herodes um tanto complicada está ligada ao período antecedente ao nascimento de Jesus, ao período de sua vida terrena e ainda um pouco depois. Os nomes de alguns aparecem no NT, bem como a influência poderosa deles na vida do povo judeu.

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Seitas, grupos e instituições Fariseus Ignora-se a origem desta seita e até mesmo a razão do seu nome. Supõe-se que o nome fariseu signifique separado. Embora possa ter existido mitos tempos antes, a seita aparece com esse nome durante o período do domínio de João Hircano, na última metade do século II a.C. Zelosos na interpretação e observância da lei mosaica tronaram orgulhosos de sua posição e fanáticos , por vezes extremados . Criam na imortalidade da alma e na ressurreição do corpo. Criam nos anjos e demônios. Acreditavam na revelação do Velho Testamento e na tradição acumulada de decisões dos rabinos através dos séculos.

Saduceus Não se sabe exatamente a origem do nome saduceu. Supõe-se que o nome originou-se de Zadoque, um sumo sacerdote dos tempos de Davi, ao qual liga-se a origem da seita. A família deteve em seu poder o sumo sacerdócio até os tempos dos Macabeus. Aproveitando-se da posição, esse sumos sacerdotes se meteram na política e perderam o ardor religioso; tornaram-se complacentes com o processo de helenização, que teve seu grande

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impulso com os selêucidas . Daí porque os Macabeus os consideravam no seu tempo , infiéis às tradições dos antepassados. Os saduceus negavam a ressurreição e a imortalidade da alma. Negavam a ação providencial de Deus na história, faziam o indivíduo responsável pela orientação da sua vida livremente. Rejeitavam a tradição, aceitando somente as escrituras do velho testamento, embora tivessem sua própria interpretação delas. Não criam em anjos e demônios. Pequena em número, a seita se constituía de gente rica e concentrada em Jerusalém, razão porque não gozava de muita popularidade.

Essênios Era uma seita de tendências místicas, em alguns aspectos extremada. Era celibatária, praticava ritos de ablução; dedicava-se à oração e ao estudo das escrituras. Criam os essênios serem representantes legítimos do pacto, e aguardavam o cumprimento das promessas feitas por Deus através dos profetas. Rígidos na guarda do Sábado, mais até do que os fariseus; vestiam-se de branco, viviam em colônias, tinham as propriedades em comum. 129


TEOLOGIA BÍBLICA I

Zelotes Eram mais um partido de tendências políticas estremadas do que uma seita. Foi fundada por Judas Galileu em 6 a.C. Opunham-se ao pagamento de tributos ao poder estrangeiro pagão, já que só reconheciam a soberania do Deus de Israel – Jeová. Doutrinariamente não se diferenciavam muito dos fariseus. Reviviam de quando em quando o zelo e rebeldia dos Macabeus, dos quais Judas era um imitador. Foram chamados mais tarde de sicários – assassinos – porque armaram-se de facas que traziam ocultamente. Mesmo depois da queda de Jerusalém em 70 a.D, grupos de zelotes continuaram sua resistência em alguns lugares. Entre os apóstolos de Jesus figura um membro desse grupo – Simão, o zelote ( Lc 6.15; At 1.13).

Herodianos Discute-se a origem dos herodianos , os quais não se constituíam em seita religiosa, nem mesmo num partido político. Parece natural a suposição de que fossem um grupo de judeus de certa influência, que aderiram, por razões de conveniência ao governo de Herodes e por sua vez aceitavam pacificamente o domínio romano. 130


TEOLOGIA BÍBLICA I

Tornaram-se opositores de Jesus e chegaram mesmo a se aliar aos fariseus de quem eram adversários, para tentar envolver Jesus em uma cilada, conforme S.Marcos 12.13.

Escribas Referências freqüentes nos evangelhos, mostram a influência de que gozavam estes homens - que não se constituíam em partido político nem em religião. Inicialmente os escribas eram profissionais copistas ou amanuenses. Adquiriram posteriormente importância maior como copiadores da lei mosaica. A sua familiaridade com os escritos sagrados resultantes disso conferiu-lhes a condição de mestres – de modo que o escriba se tornou rabi, que literalmente significa meu grande mestre ou meu grande senhor. Os fariseus eram muitas vezes escribas, daí referências constantes no NT aos escribas e fariseus. Por outro lado eram os escribas convocados, quando se tratava de difíceis interpretações da lei- daí também serem chamados de doutores da lei – uma espécie de consultores de grande tribunal judaico.

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Samaritanos Frequentemente se encontram no novo testamento referências aos samaritanos. Referências que indicam a distância em que os mantinham os judeus, considerando-os estrangeiros. Como se formou a raça dos samaritanos? Quando Sargon, rei da Assíria conquistou Samaria, para evitar que os que lá ficaram se revoltassem contra o poder dominador, providenciou a localização ali de gente de outros lugares conquistados , para que assim se misturassem com os da terra e enfraquecesse o espírito nacionalista aguerrido e rebelde. Com o tempo isso se deu. Não somente casamentos entre dois grupos, mas também a adoção por parte dos israelitas de costumes e até de práticas religiosas dos novos habitantes da terra, dando o resultado esperado por Sargon. Produziu mais que isso – uma aversão do povo judeu contra o povo híbrido que ali se formou, os samaritanos. Quando se empreendeu a reconstrução do templo de Zorobabel sob a influência dos profetas Ageu e Zacarias, os samaritanos se ofereceram para participar na construção mas foram rejeitados, o que produziu um grande empenho da parte deles para sustar a obra. Influiu sem dúvida para essa rejeição o zelo da parte de

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Esdras e Neemias em manter a pureza da raça, evitando a mistura com gente como os samaritanos. Judeus e samaritanos sofreram sob o jugo romano. Embora a divergência sobre o lugar de culto – os samaritanos adoravam em Gerizim – nos tempos de Jesus, as diferenças doutrinárias entre os dois povos não eram tão grandes . Como os judeus, alimentavam a esperança messiânica (Jo 4.25,29). Os judeus, principalmente os fariseus, mantinham tal desprezo pelos samaritanos, que insultavam Jesus chamando-o de samaritano (Jo. 8.48) Jesus no entanto mostrou simpatia para com eles em vários episódios de sua vida : manteve conversa com uma mulher samaritana, e entrou em sua cidade, permaneceu ali por dois dias , fazendo muitos discípulos; fez de um samaritano o herói de uma de suas mais lindas parábolas (Lc 10.30-37) Elogiou o samaritano que curado de sua lepra voltou e agradeceu-lhe, e, convenceu a este bênção especial.

Publicanos Com o condomínio romano surgiram os publicanos – prepostos dos coletores de impostos do império – ou sub-coletores. Desde que não havia uma taxa fixa para esses impostos e tendo o subcoletor que dar entrda no tesouro de uma soma estipulada, ficava até 133


TEOLOGIA BÍBLICA I

certo ponto a seu critério o quanto cobrar dos contribuintes. Daí a facilidade com que muitos deles, avarentos e cobiçosos, extorquiam o povo (Lc 3.1 – 13; 19.8). Especialmente os fariseus os detestavam, não apenas pela extorsão que praticavam, mas porque os consideravam traidores, já que arrecadavam para poder estrangeiro contra a sua própria nação. Jesus no entanto se fez amigo de alguns deles e comia com eles ( Mt 9.10-15); convocou um publicano para o apostolado (Mt 9.9;10.3); Muitos deles foram batizados e se tornaram discípulos de João Batista e possivelmente de Jesus (Lc 15.1). Em uma de suas parábolas Jesus mostra a humildade de um publicano em contraste com o orgulho de um fariseu, e com a oração penitente daquele foi aceita e não a deste (Lc 18.9 – 14).

O templo O templo era o centro do culto nacional dos judeus. Nos tempos se Jesus esse templo era uma construção – ou reconstrução – alargada e enriquecida do que fora anteriormente, nos tempos de Neemias, enriquecida por ordem de Herodes. Dois atos de culto diário se constituíam na principal atividade do templo: o sacrifício da manhã, ao romper do dia e o da 134


TEOLOGIA BÍBLICA I

tarde , que se iniciava

às três horas da tarde. Essas cerimônias

consistiam do sacrifício de uma vítima, pelo sacerdote e seus auxiliares, os quais eram para isso sorteados. Além do oferecimento da vítima, havia a queima do incenso, cânticos de salmos acompanhados por harpa ou outro instrumento como a lira. O povo era despedido com a bênção sacerdotal.

A sinagoga A origem da sinagoga não se conhece com certeza. Parece provável que no período de exílio os piedosos judeus tivessem instituído um lugar separado para as suas reuniões, onde interesses sociais, educacionais e religiosos fossem atendidos. Daí surgir a sinagoga, onde as questões dos exilados são julgadas por um concílio – o concílio da sinagoga -. Aí também funcionava a escola para ensino da leitura, e também os atos de cultos aos sábado. A lei e os profetas eram lidos e, se havia ágüem que fosse capaz de dar uma explicação ao trecho lido, havia um pequeno sermão. Se houvesse um visitante que pudesse expor um texto das escrituras, era convidado a fazê-lo. O serviço religioso terminava com a bênção de Arão – Nm 6.24-26 – pronunciada por um sacerdote ou mesmo por um leigo na 135


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falta de um sacerdote, o qual a fazia em forma de oração a que toda a congregação respondia com o Amém. A sinagoga não foi apenas um instrumento para manter a fé e a piedade dos judeus, mas também um fator de proselitismo, pois muitos gentios aderiram à fé judaica. Abraçavam o judaísmo e passavam a fazer parte da sinagoga. Durante a semana, havia também as reuniões abreviadas na quinta- feira. O número mínimo de dez homens era requerido para a formação de uma sinagoga. Havia um chefe da sinagoga, que se incumbia da ordem do culto, do cuidado da propriedade e de indicar cada semana os participantes da cerimônia. As sinagogas se multiplicaram de modo a se encontrarem por toda parte, e até haver nas grandes cidades, várias sinagogas. Em muitos casos reunia grupos homogêneos, conforme a sua origem. Sabemos que Estêvão discutiu com os da Sinagoga da Cilícia , possivelmente onde encontrou Saulo de Tarse, que era da Cilícia. Com o surgimento da obra missionária as sinagogas se constituíram no lugar de preferência para os mensageiros do evangelho começar o seu trabalho, como fazia Paulo na Ásia Menor. 136


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O sinédrio O sinédrio era o supremo tribunal judaico, uma corte de apelação em última instância. Não se conhece exatamente a origem dessa instituição. Compunha-se de setenta e uma pessoas, inclusive o preseidente e o sumo sacerdote. Trata-se de uma instituição que teve grande variação, quanto ao limite dos poderes que lhe eram atribuídos, dependendo das condições políticas. Por exemplo, os romanos restringiram esses poderes uma vez que não era concedido ao sinédrio decretar a pena de morte. Embora as questões religiosas fossem as principais de que ocupasse, verifica-se até mesmo à luz do Novo Testamento que os poderes do sinédrio eram bem amplos, incluindo a área civil e administrativa. Parece que pequenos sinédrios locais apelavam para o grande sinédrio de Jerusalém, quando questões de maior monta não podiam ser resolvidas em seu.

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BIBLIOGRAFIA Almeida, Ferreira – Bíblia Sagrada - CPAD Kaiser Jr; Walter - Teologia do Antigo Testamento – Editora Vida. Vos, Geerhardus – Teologia Bíblica de Geerhardus Vos – Editora Cultura Cristã. Eichrodt, Walter – Teologia do Antigo Testamento. Editora Hagnos.

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