Edição de Pessach 5778 - 70 Anos de Israel
ANO 10 No 12 ABRIL DE 2018 ISSN 2527-0826
ISRAEL 70 ANOS
TANTO EM TÃO POUCO TEMPO Isaac Essoudry
O ÚLTIMO CABALISTA DO RECIFE
A Hagadá de Moacyr Scliar
UM SEDER PARA NOSSOS DIAS 1
Parabenizamos Israel pelos 70 anos e desejamos Pessach Sameach a todo Am Israel
Congratulamo-nos com Medinat Israel pelos 70 anos de criação e desejamos um Feliz Pessach a toda a Kehilá 2 AJ No 12 - ABRIL 2018
EDITORIAL
Editores David Salgado Elias Salgado Diretor de Arte e Design Eddy Zlotnitzki Projeto Gráfico Thiago Zeitune Revisão Mariza Blanco Arte e diagramação Eddy Zlotnitzki Colaboradores Henrique Cymerman Benarroch Jane Bichmacher .Joice Santos Renato Athias Simon Romero Portal e Arquivo Amazônia Judaica www.amazoniajudaica.org Amazônia Judaica No Facebook Amazônia Judaica Email portal200anos@gmail.com contat@amazoniajudaica.org Conselho Editorial HOMENAGEM ESPECIAL Prof. Samuel Isaac Benchimol z”l Andre de Lemos Freixo Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Benarroch Ilana Feldman Isaac Dahan Jeffrey Lesser Michel Gherman Monica Grin Regina Igel Renato Athias Wagner Bentes Lins
“ ...descobri que minha arma é o que a memória guarda... ...em volta desta mesa velhos e moços lembrando o que já foi... ... em volta dessa mesa existem outras falando tão igual...” (Trecho da música Conversando Num Bar de Milton Nascimento e Fernando Brant)
Bem que estes belos versos de Nascimento e Brant poderiam ser um trecho fazendo referência ao Pessach e seu momento clímax: o Seder e a leitura da Hagadá. Afinal, estes dois elementos centrais da nossa tradição, são uma verdadeira arqueologia da memória. É também e principalmente, do que nosso saudoso Moacyr Scliar z”l fala em seu magistral texto (ver as colunas “Imagem da Capa” e “Matéria de Capa”) “ Um Seder para o nosso tempo”. É de memória que nos fala Pessach. É da preservação da sua memória que vem falando, vivendo e vivenciando o povo judeu há milênios. É guardando tais elementos e com eles aprendendo, todo este tempo, que seguimos adiante. E memória é um dos temas centrais desta edição. O outro é renascimento. O júbilo de nosso povo na celebração dos 70 anos do Estado de Israel. (ver matéria de Elias Salgado sobre o tema) Amazônia Judaica, há mais de 15 anos vem contribuindo ao colocar tijolos neste edifício tão sólido que é o judaísmo, o amazônico em particular e os vários judaísmos, na Diáspora e em Eretz Israel. E nesta missão tão importante, nos acompanham, na presente edição, grandes estudiosos do tema e grandes amigos-colaboradores da nossa revista: Moacyr Scliar z”l, Henrique Cymerman Benarroch, Renato Athias e os luxuosos estreantes por aqui: Jane Bichmacher, Joice Santos, entre outros. Enfim um time de craques do qual nos orgulhamos muito, porque razões não nos faltam. Pois na sua companhia, é que lhes propomos que atravessem mais
este Pessach, e que celebrem conosco, a passagem de mais um ano de independência da única nação judaica do mundo. Boa leitura e Chag HaPessah VeYom Haatzmaut Sameach.
Os editores,
David e Elias Salgado 3
A IMAGEM DA CAPA
UM SEDER PARA OS NOSSOS DIAS* (“A HAGADÁ DE MOACYR SCLIAR”) “Esta mesa em torno à qual nos reunimos, esta mesa com as matzót e com as ervas amargas, esta mesa de Pessach com sua toalha imaculada, esta mesa não é uma mesa: é a mágica embarcação com a qual navegamos pelas brumas do passado, em busca das memórias de nosso povo. A esta mesa sentemo-nos, pois. Somos muitos, nesta noite. Somos os que estão e os que já foram: somos os pais e os filhos, e somos também os nossos antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para dar testemunho. Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram para que deles se extraia o presente a sua lição”... Entendemos que o autor faz aqui uma referência clara ao imperioso dever a que nos encarregaram nossos sábios: “Be chol Dor VaDor chaiav haadam lirot et atzmó kehilú hu iatzá miMitzraim” – “ A cada geração deve o homem ver-se a si mesmo, como se ele próprio, tivesse saído do Egito”
4 AJ No 12 - ABRIL 2018
A festa, 1925, Marc Chagall, coleção privada
* Este é um pequeno trecho da abertura de um texto escrito há muitas décadas pelo escritor judeu gaúcho, Moacyr Scliar z”l. Por anos a fio era lido no Seder Comunal das chaverot do Grupo Feminino Chaviva Reich e ficou conhecido como “A Hagadá de Moacyr Scliar”.
AMAZÔNIA JUDAICA No 12 - ABRIL 2018
70 ANOS DE ISRAEL | 6 NOSSOS SABIOS | 12 Israel: Tanto em tão pouco tempo
O Marroquino Chacham dos retornados em Recife
CAPA | 30
Um Seder para os Nossos Dias
EDITORIAL A IMAGEM DA CAPA ETNO-ARQUEOLOGIA HISTÓRIA
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MEMÓRIA DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA TRAÇOS
26 40 44
CRÓNICA PELO NOSSO PORTAL MENSAGENS
48 50 54
Sepultura Nazista no Brasil
Presença Judaica na Língua Portuguesa
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ESPECIAL 70 ANOS
ISRAEL: TANTO EM Por Elias Salgado
Para muitos, a criação do moderno Estado de Israel
O logotipo comemorativo para os 70 anos de Israel
T
alvez tal pensamento lhes ocorra dada a emoção consequente da grandiosidade do fato histórico para o povo de Israel disperso pelo mundo em diáspora, desde 70 da Era Comum; bem como certas circunstâncias e ocorrências
6 AJ No 12 - ABRIL 2018
na trajetória das lutas e adversidades pelas quais passaram os judeus, nos quase 2000 anos que viveram como párias sem a existência de um estado nacional próprio, à mercê da boa e da má vontade dos demais povos. A justificativa sobre a qual está
alicerçado o direito dos judeus a um estado próprio, em nossa opinião, na de vários pensadores, na maior parte do povo judeu e boa parte das nações e povos do mundo, na verdade são duas: desde o surgimento do nacionalismo na Europa, existe o conceito e o consenso de que a cada povo cabe o direito de viver numa nação soberana e independente. E ao povo judeu que havia perdido sua independência e soberania, caberia, então, o direito a readquiri-la. E a outra, certamente a mais premente, advém da tragédia pela qual passaram os judeus - a Shoá. Já o direito a um país na histórica Terra de Israel (Palestina), tem
TÃO POUCO TEMPO em 14 de maio de 1948, foi um verdadeiro milagre
Vista panorâmica da costa de Tel Aviv quase a mesma idade da existência do povo judeu na História – cerca de 4.000 anos. Os laços entre a nação judaica e seu território original, não são apenas sentimentais, religiosos, como descritos na Torá. Há registro arqueológicos e históricos da presença do povo hebreu, vivendo de forma independente ou não, na antiga Terra de Canaã, posteriormente denominada Terra de Israel e que no período romano, passa a ser chamada, de Palestina, até a criação do moderno Estado de Israel. É portanto, em nosso entendimento, indubitável a relação histórica ininterrupta do povo judeu
com a Terra de Israel. Porém longo foi o percurso histórico e das lutas travadas a nível ideológico e político, até que se logrou, finalmente, a independência do moderno Estado de Israel.
Antissemitismo e o surgimento do Sionismo Desde os primeiros séculos da experiência judaica na diáspora que o povo judeu convive com a existência de preconceito, baseado em ódio contra seu histórico étnico, cultural e/ou religioso. Na era moderna, este ódio passou a ser denominado antissemitismo.
O antissemitismo é manifestado de diversas formas, indo de expressões individuais de ódio e discriminação contra indivíduos judeus a violentos ataques organizados (pogrom), políticas públicas ou ataques militares contra comunidades judaicas. Entre os casos extremos de perseguição estão a Primeira Cruzada de 1096, a expulsão da Inglaterra em 1290, a Inquisição Espanhola, a expulsão da Espanha em 1492, a expulsão de Portugal em 1497, diversos pogroms, o Caso Dreyfus e o Holocausto perpetrado pela Alemanha Nazista. No século XIX, na Europa do Leste, 7
ESPECIAL 70 ANOS o antissemitismo ganha força, consequência do surgimento do capitalismo e vários pogroms são perpetrados e como consequência, se dá uma onda migratória rumo ao ocidente – América e também para a Palestina. Várias iniciativas surgiram visando dar solução às perseguições sofridas naquele continente. As principais foram: compra de terras para criação de colônias agrícolas na Argentina, pelo Barão Hirsh e na Palestina, por Edmond Rotchild. Na França surge a gota d’agua, com o conhecido Caso Dreyfus – a condenação de um oficial judeu do exército francês, acusado injustamente de espionagem e traição, como foi comprovado posteriormente. O fato teve imensa repercussão em todo o continente europeu e teve como maior consequência, o surgimento do movimento nacional judaico, o Sionismo, criado por iniciativa de Theodor Hertzel, que concluiu, diante do antissemitismo, que a solução para a “questão judaica” era a criação de um estado
A Declaração Balfour
Manchete do jornal jerusalem post sobre o nascimento de Israel 8 AJ No 12 - ABRIL 2018
judeu soberano, na histórica Terra de Israel. O termo “sionismo” é derivado da palavra “Sion”, que é o nome de uma das colinas que cercam Jerusalém, e dela se tornou sinônimo. Na Torá os hebreus são também chamados de Bnei Tzion. Porém, somente muitas décadas e vários Congressos Sionistas depois, é que o sonho de Hertzel, de vários líderes sionistas e de grande parte do
1o. Congresso Sionista povo judeu pôde se concretizar. Infelizmente, somente após o extermínio de 6 milhões de judeus no Holocausto, na Europa, durante a 2ª. Guerra Mundial, foi que a ONU
se sensibilizou e votou a criação de dois estados - um judeu e outro árabe, no território da Palestina. A liderança dos judeus, que desde fins do século XIX e primeiras
décadas do século XX, haviam imigrado e formado o chamado Ishuv da Palestina, declararam, sob a liderança de David Ben Gurion, a criação do Estado de Israel, em Tel Aviv, no dia 14 de maio de 1948. Assim nasceu a única nação judaica do mundo: cercada de vizinhos árabes que sempre tiveram dificuldade de aceitar sua existência (exceto Egito e Jordânia, que décadas após, assinaram acordos de paz com Israel, que permanecem em vigência até os dias de hoje). Os demais países árabes que não reconhecem Israel, mantém ativo um conflito que não parece ter fim. Originário deste conflito com os árabes, nasceu outro: o chamado conflito israeli-palestino, no qual o cerne do desentendimento, está na disputa pela criação de um estado palestino na Cisjordania.
Alta tecnologia agrícola
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ESPECIAL 70 ANOS
A Arrow 2 israelense intercepta um míssil de superfície a ar Sirai S-200-1
E assim, surgido como consequência de uma longa trajetória de sofrimento e luta do povo judeu na diáspora e apesar dos conflitos políticos e militares com seus vizinhos e que mantêm sempre elevado o perigo de segurança e a sua luta pela soberania, esta jovem nação, chega aos 70 de independência, como uma das grandes economias do planeta.
Economia Israel é considerado um dos países mais avançados do sudoeste da Ásia em desenvolvimento econômico e industrial. O país foi classificado como o de nível mais elevado da região pelo Banco Mundial, bem como, no Fórum Econômico Mundial. Tem o maior número de empresas cotadas na bolsa NASDAQ fora da América do Norte. Em 2008, Israel tinha o 41º produto 10 AJ No 12 - ABRIL 2018
interno bruto (PIB) mais alto e o 22º maior PIB per capta do mundo (em paridade de poder de compra), com 199,5 bilhões de dólares e 33.299 de dólares, respectivamente. Em 2007, Israel foi convidado a aderir à Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), que promove a cooperação entre os países que aderem aos princípios democráticos e explorar economias de mercado. Apesar dos limitados recursos naturais, o intensivo desenvolvimento industrial e da agricultura ao longo das últimas décadas fez com que Israel se tornasse amplamente autossuficiente na produção de alimentos, especialmente grãos e carne. Entre os produtos muito importados por Israel, totalizando 47,8 bilhões de dólares em 2006,
incluem-se combustíveis fósseis, as matérias-primas e equipamentos militares. Os produtos que Israel mais exporta são frutas, vegetais,
Israel o Paraíso da Alta Tecnologia em Haifa
produtos farmacêuticos, softwares, produtos químicos, tecnologia militar, diamantes. Em 2006, o volume de exportações do país
Em Israel o Turismo é um grande motor da economia, Cidade Velha de Jerusalém
atingiu 42,86 bilhões de dólares. Em 2010, Israel foi classificado pelo “IMD’s World Competitiveness Yearbook” no 17º lugar entre
as nações mais desenvolvidas economicamente. Também foi qualificado, nessa mesma publicação, como a mais durável economia em tempos de crise e em 1º lugar no nível de investimentos em pesquisas e em centros de desenvolvimento. Israel possui o segundo maior número de companhias start-up no mundo, logo depois dos Estados Unidos. O turismo, especialmente o turismo religioso, é outra importante fonte de renda em Israel. Com um clima mediterrâneo, praias, sítios arqueológicos e históricos, além da única geografia, o país atrai milhões de turistas todos os anos. Problemas de segurança de Israel afetam a indústria do turismo, mas o número de turistas continua em alta. Em 2008, mais de 3 milhões de turistas visitaram Israel. 11
NOSSOS SÁBIOS
Isaac Essoudry: O MARROQUINO CHACHAM DOS RETORNADOS EM RECIFE Por Renato Athias (*)
Foi a minha amiga e colega Tania Kaufman que me apresentou a Isaac Essoudry ainda nos finais do anos noventa.
F
oi a minha a amiga e colega Tania Kaufman que me apresentou a Isaac Essoudry ainda nos finais do anos noventa, e depois eu acompanhei sua trajetória através de alunos do Programa de Pós Graduação em Antropologia que fizeram várias entrevistas sobre diversos assuntos do judaísmo para suas dissertações de mestrado vinculadas ao programa de Pós-graduação em Antropologia, todos eles ligados ao Grupo Interdisciplinar de Estudos do Judaísmo, coordenado pela Profa. 12 AJ No 12 - ABRIL 2018
Tania, que estava vinculado ao Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade (NEPE) que coordeno até hoje na Universidade Federal de Pernambuco. Não se trata aqui de fazer uma biografia ou história de vida de nosso Chacham Isaac, de abençoada memória. Eu me propus com este texto [1] delinear alguns elementos de sua pedagogia, que eu tive o prazer de acompanhar de muito perto nesses últimos anos, e assim compreender seu pensamento sobre o judaísmo. Eu devo dizer que Isaac foi, de fato, o meu mestre. É
com muito orgulho, que digo sempre, que grande parte do judaísmo que possuo, eu recebi através de seus ensinamentos. Durante a organização da celebração de seu aniversário de 80 anos, no Recife, eu iniciei uma longa entrevista com ele, buscando entender um pouco mais de sua trajetória de vida. Sem dúvida, acumulei muitas páginas de anotações. Mas, foi somente em 2017, ano passado, que tive a oportunidade de conhecer duas irmãs de Isaac. A Célia, a sua irmã mais nova, que mora em uma
cidadezinha perto de Toulouse, na França, e, Alegria, sua irmã mais velha que mora atualmente em Montreal. Foi através dessas duas senhoras cultas, ambas artistas, uma professora de música, e, a outra, artista plástica, que com muita sensibilidade e emoção me relataram fatos sobre Isaac que eu desconhecia, e que pelo sabemos, de seu jeito de ser, ele jamais contaria, pois falava muito pouco de sua vida para nós. Esses fatos me que fizeram admirá-lo ainda mais. No Marrocos, a família Essoudry estava sempre muito unida. A figura paterna foi importante para todos. Samuel Essoudry, de abençoada memória, seu pai foi um grande exemplo de vida. Certamente, pelo que sabemos foi seguido por todos os filhos. Max Essoudry Z”L, irmão de Isaac, foi rabino em Israel e em Montreal apoiando sempre as atividades de Isaac no Recife. Célia e Alegria viam Isaac como uma pessoa dedicada a família, e que até a sua juventude esteve voltado para o estudo da Torá a exemplo de Samuel, que exerceu uma enorme influência na trajetória de vida de Isaac. Ele deixou a Yeshivá no Marrocos para ir à Israel, e lá no exército Israelense esteve presente nos conflitos do Suez em 1956, com 21 anos de idade. Alegria e Célia me falam, para a minha surpresa, que a língua materna, ou seja, a língua falada em casa, quando todos ainda estavam juntos no Marrocos, sempre foi o Djudéo-Espanyol por várias gerações. Essa era língua falada entre os judeus em Sefarad, e, como sabemos, essa era a língua de muitos sábios, cujos livros nós
lemos até hoje. Certamente esses e outros fatos farão parte de outros textos sobre Isaac, mas, interessame aqui comentar sobre as bases de sua pedagogia, que sem dúvida faz, parte do que costumo de chamar de Judaísmo Marroquino. Até 1958 cerca de 250 mil judeus deixaram o Marrocos. Foi quando a família Essoudry deixa o Marrocos. A diáspora do judaísmo marroquino é imensa, podemos encontrar grupos deles em muitos países do ocidente. Talvez a maior dessa diáspora, ou
junta a essa diáspora no final dos anos cinquenta, em Belém do Pará, quando a grande maioria dos Judeus do Marrocos já tinham deixado o país, para nunca mais voltarem. Deixaram pra trás, além das suas lembranças e histórias de longínqua data os inúmeros imóveis e bens. Não foi difícil a sua adaptação em Belém, na realidade ele não se encontrava “desterritorializado”, tal como Deleuze & Guatari (1977) [3] vão discorrer e desenvolver esse conceito em sua obra sobre Kafka.
Tocando o Shofar na Beit Shmuel 2012
quem sabe, talvez a mais organizada, encontra-se na região Amazônica, no Brasil e no Peru, ao longo das margens do Rio Amazonas. Uma diáspora que se iniciou ainda nos anos de 1810 de acordo com os principais historiadores como o General Ramiro Abraham Bentes e o Prof. Samuel Benchimol, de abençoadas memórias [2]. Isaac se
Na realidade, nem pela língua e muitos menos pela cultura, pois muitos falavam o Djudéo-Espanyol, pois em Belém a cultura marroquina estava sempre fortemente presente nas comunidades de judeus da capital e dos interiores no Pará e no Amazonas. Em nossas conversas, eu descubro 13
NOSSOS SÁBIOS que ele conhecera meu avô Jacob Athias e ambos estiveram juntos durante as festas de Rosh Hashaná e Yom Kipur no início dos anos sessenta, Issac, nunca foi bom em precisar as datas. Ele me disse que era sempre chamado para fazer o papel de Baal Koré durante as celebrações na sinagoga da Travessa Campos Sales, em Belém pela qualidade de sua leitura da Torá e sobretudo pela sua voz, esses momentos foram testemunhados por Isaac Dahan, atual Shaliach Tsibur da Comunidade de Manaus, quando era ainda jovem iniciante na leitura da Torá, em Belém. Quando o nosso Chachan completou 80 anos, Isaac Dahan enviou a seguinte mensagem:
que fez de Recife sua morada, sedimentando um judaísmo idealista, onde a vontade de servir e manter as tradições sempre falou mais forte. Eu sempre o vi assim, felizes os membros da comunidade de Recife por contar com um judeu deste quilate dirigindo sua orientação religiosa”. (Trecho de e-mail enviado a Renato Athias em 25 de agosto de 2015). Isaac lia muito, e sempre comentava o que mais gostava de suas leituras conosco, com comentários diretos e certeiros. Em geral eram livros escritos em castelhano, francês, inglês, ou seja, as línguas que ele dominava além do português, mas escrevia pouco. Ele gostava mesmo era de fazer traduções. Aliás esse é um elemento da pedagogia que ele usava. Não eram simplesmente traduções de palavras, eu diria que eram traduções culturais,
pois com ele tinha viajado muito passado por muitos lugares, as traduções eram exemplos repletos de fatos interessantes. Porém existe uma tradução que ele fez para o português, de um dos famosos livros do professor Jaime Barylko[4] judeu, filósofo e escritor argentino, cujo o texto foi bastante usado em suas aulas. Em julho de 2017, eu estava em Belém, e conversando com o Chazan Inácio Obadia, da Esnoga Eshel Abraham, ele me falou que Isaac logo que chegou do Marrocos, antes de se casar, morou na casa do avô dele, o estudioso rabino Levy Obadia, de abençoada memória. Inácio lembra que seu avô e seu pai Eliezer Obadia Z”L, tinham longas conversas com Isaac. Nessa ocasião, Inácio me pediu para perguntar ao Isaac Essoudry o título de um livro sobre a Cabala que seu avô, o famoso cabalista Ribi Levy Obadia Z”L se referia muito,
“Lembro-me bem da passagem do Isaac Essoudry por Belém, eu ainda era novinho e já estava dando os primeiros passos para leitura da Torá e Chazanut. O papai, q.e.p.d. me colocava para ouvir a perashá dele (sempre foi um exímio Baal Korê), tudo na Esnoga Eshel Avraham, da Campos Sales. O pessoal se atrapalhava com o sobrenome dele e chamava Isaac “Sodré”. De certa forma, ele também participou no início da minha formação como Chazan, porém depois deixou Belém. Claro, a minha cópia e espelho foi o Leon Bengió (mejorado 120 anos), hoje morando em Israel. E, mejorado 120 anos também para Em Israel em 2010, na Knesset falando em nome dos Bnei Anusim do Recife. o querido Essoudry, 14 AJ No 12 - ABRIL 2018
Uma página impressa do Talmude contém: (1)Mishnah, (2) Guemará, (3) Comentários de Rashi, (4) Tosefot (5) Mesoret haShas, (6) Ein Misphat, Ner Mitzvá, (7) Torah Or, (8) Glosário, (9) Outros comentários
e que certamente Isaac lembraria o título de tal livro. Era um livro muito precioso para seu pai. Voltando ao Recife, na conversa que tive com o Isaac, ele lembrava muito bem desta
época. Relatou as suas discussões e o quanto aprendeu e assim foi me dizendo vários títulos de livros sobre os quais os dois debatiam. Um deles,
o “Agadoth Shlomo Hamelech” era o mais discutido e que teria sido esse que fora enterrado junto com Ribi Levy Obadia Z”L. 15
NOSSOS SÁBIOS “A memória do passado foi sempre um componente central da experiência judaica”, conforme assinala o grande historiador judeu Yosef Yerushalmi [5]. É exatamente com esse sentido que trago essas lembranças, quando temos a oportunidade de lembrar a pedagogia e a espiritualidade de Isaac Essoudry.
ocasiões ele falou longamente sobre o seu pensamento. Presenciamos inúmeros depoimentos de Isaac e existem, todos sabemos, muitos escritos sobre essa questão. Uma definição de Marrano, talvez a mais interessante a qual tive acesso, é aquela do Antropólogo Shmuel Trigano (1992) que o aponta com
sendo o pioneiro da modernidade. Ele diz o seguinte: “O Marrano é, por definição, um ator — um paradoxo — na história. Nisto, não é apenas o resíduo fossilizado de um mundo desaparecido no qual o novo mundo seria construído. O que é o marrano, aquele que está condenado a desaparecer
Ele será sempre visto, por todos nós, que convivemos com ele, como “o Chacham dos Retornados”, daqueles judeus que fazem a “grande viagem da volta”, da Teshuvá como ele costumava dizer. Ele certamente foi o primeiro a abrir as portas na Sinagoga da Martins Junior e depois manteve essa porta sempre aberta na Sinagoga Beit Shmuel, para todos aqueles que desejavam retornar aos caminhos da Torá, como ele mesmo se expressava para nós. O que Isaac pensava a respeito desse grupo de Bnei Anussim, significativo e importante na cidade do Recife? Acredito, que ele depois de muito ler e refletir, e, sobretudo pela sua vivência em muitos lugares, deu a ele um amplo entendimento sobre essa questão dos Marranos. Ele teve a oportunidade de falar claramente, sobre essa questão em vários momentos: Na Knesset, em Israel em 2010, e, publicamente em seu discurso no Recife logo que recebeu o diploma de Honra ao Mérito por serviços prestados a comunidade, outorgado pela Universidade Federal Rural do As lamparinas que Isaac acendia na Esnoga Beit Shemuel no início de Shabat antes de ler o Shir Hashirim e iniciar a tefilá de Cabalat Shabat Pernambuco, em 2014. Nessas 16 AJ No 12 - ABRIL 2018
estruturalmente e essencialmente, é compromete-se a sobreviver e graças a ele continuar em seu desaparecimento. Assim, o judaísmo marrano é mais que o laboratório do homem moderno num estado-nação emergente: chamado de dupla identidade, novo cristão por fora e judeu por dentro. O Marrano é cidadão no público, mas vive em dualidade no domínio privado. Assim, o mito judeu da América é algo além de um testemunho enterrado no inconsciente. O Marrano é um dos primeiros pioneiros da modernidade (1992: 349) [6].
com a perashá hashavuá. Ele já havia lido e estudado durante a semana.
Lia uma frase em hebraico e, em seguida fazia a tradução para o português diretamente. Era a sua tradução, a sua interpretação baseada em inúmeros comentários que ele havia lido. Parava olhava para o grupo sentado ao redor da mesa e explicava a frase. Explicava com poucas palavras o essencial da Parashá, diretamente, sem rodeios como era seu estilo. Ora usando as interpretações apoiadas nos mestres comentaristas da Torá, como Rashi, Or Hachaim Hakadosh, Ba’al HaTurim entre outros, ora usando também a Guemátria, que ele usava de uma maneira brilhante, para dar uma interpretação a partir dos significados escondidos das Mas, no campo do palavras hebraicas. Ele ia fundo judaísmo, para Isaac nos termos das raízes das palavras o Marrano, que fazia do texto em hebraico. Explicando a viagem da volta não detalhadamente à sua maneira a precisa se “converter”, sua compreensão da narrativa em pois, sempre foi judeu. questão. Em seguida, com o seu Ele pensava de acordo jeito, ele perguntava ao grupo que com Yossef Obadia, estava escutando se havia questões Grão Rabino Sefaradita e aspectos que poderiam ser ainda por muitos anos em comentados com outras palavras Israel, basta o retorno e outros textos. Essa era a maneira sincero para a Torá, se que ele havia aprendido ainda garoto apresentar documentado no Marrocos. Eu, pessoalmente em um Beit Din e denomino essa metodologia passar pela Mikvé, presente na pedagogia de Isaac, aliás recebendo assim uma bastante antiga na tradição judaica, Teudá de Retornado.A e sempre presente nas Yeshivot de imagem que sempre “A pedagogia dialógica”, na qual vem a minha memória é perguntas e respostas estão presentes aquela de Isaac sentado ao mesmo tempo, e aí podia-se ir na cabeceira da grande longe como se fosse uma bola de e importante mesa da neve desenvolvendo argumentos Beit Shmuel, iniciando e análises dentro do contexto da o estudo da Torá. Sempre começando frase, no atual contexto histórico, ou
seja, do mundo e a sua vinculação com a narrativa da perashá. Esta pedagogia está presente também no texto Talmúdico, pode ser até visualizada nas páginas impressas onde aparece os nomes de inúmeras pessoas que comentaram determinado texto da Torá ou de uma questão temática. É a construção de um saber moldado através de uma uma pedagogia dialógica, ou seja, no sentido profundo da pergunta e nas respostas baseadas em diversas interpretações. Esse diálogo promovia o conhecimento na contemporaneidade seria como estivéssemos escrevendo hoje uma nova página do Talmude. Qual era a base dessa fórmula na pedagogia, no jeito de Isaac ensinar? O que ele possuía de especial que as pessoas o procurarem sempre? De um lado eu percebia a sua grande abertura para com outro, e de outro lado a sua maneira firme, sem rodeios, tanto no falar quanto no perguntar. Recentemente, eu tenho me debruçado a entender um pouco mais sobre um dos sábios de Salé, Marrocos, cidade onde nasceu meu avô Jacob Athias Z”L e vários outros conterrâneos que conheço que vivem na Amazônia, nessa grande diáspora do judaísmo marroquino. Este sábio é conhecido no mundo como Or Hachayim Hakadosh, o famoso Ribi Haim Ben Attar, de iluminada memória, que aliás me foi introduzido por Isaac em nossas conversas. Eu, lendo sobre a vida desse sábio, vejo elementos para refletir sobre o jeito de Isaac, a sua maneira de ler, interpretar e falar dos caminhos da Torá. O que existe em comum com esses dois sábios? 17
NOSSOS SÁBIOS Seria talvez, o fato deles aceitarem de serem de fato, o “intermediário” de unir o Criador à Shechiná. Não seria a tarefa de um simples tradutor. É na realidade fazer uma intermediação. Isso, os místicos do judaísmo, Simon Bar Yochai, entre outros, por exemplo chamam de “Unificar o Criador” da unidade do povo de Israel, proveniente da essência da Neshamá. Cada ato, cada cumprimento de uma Mitzvá, em um tempo e em um espaço, provoca um fragmento desta unidade, nos dizia Isaac. Isso seria, de fato, proclamar a unidade do “lugar” com a presença do Criador. Isaac sabia fazer isso. Presenciamos muitas vezes, ele conhecia profundamente o seu principal guia: as palavras da Torá. Para ele o acendimento das velas de Shabat em seguida a recitação do Shir Hashirim no início do Shabat, a tefilá de Cabalat Shabat, o kidush de shabat, a Shaharit, a leitura da Perashat Hashavuá, em seguida até a Havdalá, na saída do Shabat Isaac se transforma, é, na realidade, a sua Neshamá Ieterá comandando todos os seus movimentos no Shabat, para fazer essa unidade com o Criador. Evidentemente, isso na realidade, são os princípios cabalísticos presentes, ou seja, a “recepção” na sua mais profunda pureza. Cabala é uma única palavra, que na realidade expressa na concretude do momento e do lugar, um duplo movimento aquele do Criador inclinando-se em direção das pessoas, e, as pessoas, a criação unindo-se ao Criador. No espírito da cabala, o Criador, a Criatura e o Mundo estão intimamente ligados com esse movimento. Este gesto, 18 AJ No 12 - ABRIL 2018
esse movimento apenas uma palavra pode resumir tudo: o Amor. O espírito da cabala se recriando. Isaac dizia que a Cabala estava presente desde o ato mesmo da criação, mas que só foi revelada no Sinai, o lugar onde aconteceu a unificação do criador com a criatura e de onde vem a Shechiná que falamos hoje. Moisés, apenas introduziu na história de Israel. Portanto eu diria que procurar manter essa shechiná no Shabat, era de fato a fórmula, o jeito de Isaac. O espírito da cabala, nos dizia o nosso Chacham Isaac, inspirado nos místicos do judaísmo, é, na realidade, a compreensão plena da Torá pelo Amor do Criador. Ou seja, sua presença está no interior da Torá, a sua neshamá. A Torá, Luz que ilumina tudo. As fontes, os córregos, os rios e os mares, se espalhando em todas as direções. “Quem pode revelar os mistérios que tu escondes?” (Zohar III, 166 b.). Sim! Realmente Isaac Essoudry foi e, sempre, será visto como o “Chachan dos Retornados”, mas na realidade, parafraseando outros autores, eu penso, sinceramente, que ele foi também o “Último Cabalista de Recife”.
[1] Texto inicialmente preparado para o II Congresso de Estudos Antropologia da Religião, promovido pela Cátedra Anita Novisnky da UFRPE, Recife. Gostaria de agradecer a Caesar Sobreira pelo convite, ao Guilherme Zaikaner e a todos os organizadores deste evento a
oportunidade de poder falar um pouco mais sobre nosso Chacham Isaac Essoudry. [2] RAMIRO ABRAHAM BENTES escreveu “Das Ruinas de Jerusalém à Verdejante Amazônia” em 1983 e o Prof. Samuel Benchimol publicou“Eretz Amazônia” cuja primeira edição impressa em 1998 e saiu uma outra edição em Hebraico em 2013. [3] DELEUZE & GUATARI, Kafka: por uma literatura menor. Trad. Júlio Castañon Guimarães, Rio de Janeiro: Imago, 1977. [4] Tradução do livro:“A Tora: Livro da Vida” de Jaime Barylko em 2000. [5] YERUSHALMI, Y. H. Zakhor: história judaica e memória judaica. Rio de Janeiro: Imago Ed, 1992, p. 18. [6] TRIGANO, S. publicado na revista L’HOMME, no.122 em 1992 pp.349
(*) Renato Athias é Doutor em Antropologia, do Departamento de Antropologia e Museologia Professor no Programa de PósGraduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco.
Parabéns à Israel pelos 70 anos e Chag Pessach Kasher VeSameach
חג פסח כשר ושמח יום עצמאות שמח 19
ETNO-ARQUEOLOGIA
ESTUDOS NA MAIOR NECRÓPOLE JUDAICA DO CICLO DA BORRACHA EM GURUPÁ (PA) Joice Santos
(Fonte:. Informativo do Ciam)
Agência Museu Goeldi – Os pioneiros chegaram entre 1810 e 1820, na sequência dos tratados assinados entre Portugal e Inglaterra, que abriram os portos e o comércio
A
entrada na Amazônia foi a cidade de Belém do Grão Pará e as primeiras famílias judaicas eram, na maioria, sefarditas, originários da Península Ibérica e do norte da África, provenientes especialmente, do Marrocos. Coordenado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi, um estudo etno-arqueológico no município paraense de Gurupá, arquipélago do Marajó, traz evidên20 AJ No 12 - ABRIL 2018
cias da forte presença de judeus na história amazônica, a partir de estudos na maior necrópole judaica do Ciclo da Borracha. A pesquisa no cemitério judaico de Gurupá, o maior em número de túmulos até agora identificado, está sendo feita pela bioarqueóloga Claudia Cunha, bolsista do Programa de Capacitação Institucional do
Museu Goeldi, e pelos arqueólogos Fernando Marques, pesquisador do Museu Goeldi, e Diego Fonseca, doutorando da Universidade Federal do Pará, com o envolvimento da comunidade local, principalmente escolares, professores e historiadores. Esse primeiro levantamento etnoarqueológico, ocorrido entre 3 e 10 de julho, faz parte do projeto Origens, Cultura e Ambiente (OCA),
coordenado pela arqueóloga Helena Pinto Lima, do Museu Goeldi. Até o momento foram inventariados 29 túmulos, mas este número pode crescer, pois ainda não foi feito levantamento na totalidade da necrópole – há áreas que estão tomadas pelo mato, além da possibilidade de existirem sepulturas soterradas ao longo do tempo. “É necessário limpar a vegetação totalmente e talvez fazer a análise geofísica do espaço – uma técnica de imagem que não implica em escavação”, explica Claudia Cunha. A equipe de arqueólogos e voluntários fizeram a limpeza dos túmulos e do cemitério, recolheram informações nas lápides e com os moradores da redondeza. Também cuidaram do levantamento gráfico e fotográfico do cemitério. Cunha ressalta que “toda a abordagem não foi invasiva e resultou em maior visibilidade do local, além de um trabalho de conscientização junto à comunidade do seu entorno para a proteção da necrópole”. Segundo os especialistas, o levantamento etno-arqueológico aponta que, ao contabilizar o número de túmulos inventariados, o cemitério de Gurupá é a maior necrópole judaica do Ciclo da Borracha no Pará – a mais antiga necrópole judaica da Amazônia está localizada em Belém, onde também se encontra a mais antiga sinagoga em funcionamento no Brasil. “Nesta campanha, já foram resgatados túmulos cobertos por vegetação, todavia, existem áreas no cemitério onde prováveis sepulturas estejam em sub-superfície, o que
irá requerer futuras intervenções para o correto mapeamento do cemitério. A maioria das sepulturas cujas datas ainda são visíveis são de fins do século XIX e inícios do século XX, embora alguns túmulos em tijoleira artesanal possam remeter a meados ou mesmo ao início do século XIX”, acrescenta Claudia Cunha. Amazônia Judaica – Com a rota iniciando no Marrocos, os imigrantes judeus chegaram a Amazônia nas primeiras décadas do século XIX através da cidade de Belém, indo trabalhar, inicialmente, no comércio de produtos industrializados da capital para o interior e de produtos do extrativismo florestal do interior para Belém. Era época dos famosos regatões que percorriam largas extensões dos rios amazônicos. Na década de 1840, esse comércio passou a ser dominado pelo extrativismo e exportação da borracha. A dependência do comércio de produtos originários da floresta motivou a presença judaica para o interior da região, propiciando a instalação dos imigrantes nas proximidades das áreas de captação dos produtos a serem exportados. Até1850 chegariam à Amazônia cerca de 300 famílias judaicas.
Elas fugiam da pobreza, super população, epidemias de cólera e peste bubônica, de perseguições e sofrimentos diversos como apedrejamento, além de destruição de sinagogas, como relatam em seus trabalhos Elias Salgado e Samuel Benchimol. A arqueóloga Claudia Cunha pontua que “ainda na fase pioneira, jovens imigrantes recém chegados ao Brasil, que trabalhavam para casas comerciais de judeus estabelecidos em Belém, partiram para a região de Gurupá. A cidade tornou-se nesse período posto avançado destes comerciantes que logo mandavam buscar suas famílias ou noivas em Belém, na Espanha ou no Marrocos. Em Gurupá fixaram-se as famílias: Azulay, Serfaty, AbenAthar, Sicsú, Dabilla, Alcaim, Castiel, Levy, entre outras”. No Brasil atual vive a segunda maior população de praticantes da religião judaica na América Latina, mas a quantidade de descendentes dos pioneiros judeus sefarditas e asquenazes é muito maior. Segundo Simon Schwartzman, no final do século XX, os portadores dessa história seriam cerca de 400 mil brasileiros. 21
ETNO-ARQUEOLOGIA
Hoje, em Gurupá, os pesquisadores do Museu Goeldi contam que existem descendentes das famílias judaicas, mas, até onde sabem, esses já não praticam a religião judaica. Cássia Benathar, professora e historiadora do município, é uma das descendentes das famílias pioneiras que estão engajadas como voluntária na pesquisa e na limpeza da necrópole judaica e estará envolvida nos futuros estudos sobre o espaço. A população sabia do local, mas as visitas normalmente restringiam-se a pessoas de fora que ouviam falar do cemitério e visitavam o espaço. Claudia explica que há uma certa resistência a visitar cemitérios, quando a maioria das pessoas não reconhece um parentesco com os mortos. Muitas das lápides estão escritas apenas em hebraico e não havendo quem as leia, não reconhecem o morto como 22 AJ No 12 - ABRIL 2018
familiar. As sepulturas que estão em português ou nas duas línguas suscitam mais memórias. “Até há algumas décadas, D. Raimunda Sabá tomava conta do cemitério na sua vizinhança, mas já está idosa. Esporadicamente, descendentes tentam cuidar dos túmulos de familiares”, explica Claudia Cunha. Por sua vez, a prefeitura de Gurupá cortou recentemente parte da vegetação invasora da necrópole a pedido dos vizinhos, que o viam se tornar um local de consumo de álcool e drogas. “No nosso primeiro dia para conhecer e investigar o cemitério, retiramos montes (literalmente) de folhas e galhos cortados pela prefeitura durante a última capina do local e três sacos de 100 litros de lixo composto na sua maioria de plástico, papel e vidro”, relembra a arqueóloga.
Dominando fluentemente o inglês e o francês, os imigrantes judeus se tornaram exportadores, liderando negócios no exterior, participando de congressos e exposições. Segundo Samuel Benchimol, “na época da crise da borracha, quando os exportadores ingleses, alemães e franceses abandonaram Manaus e Belém, coube aos judeus marroquinos brasileiros substituílos nessas funções, fornecendo à sociedade local a liderança econômica e social necessária para sobreviver nas décadas de depressão e débâcle da borracha”. Com as escavações na necrópole judaica do município de Gurupá teremos a chance de conhecer e entender mais um pouco da saga dos imigrantes pioneiros que ajudaram a escrever a história recente da Amazônia.
Parabéns à Israel pelos 70 anos e Pessach Sameach à toda a Kehilá Diretoria do Comitê Israelita do Amazonas – Chag Sameach
À Israel, a nossa Kehilá e a todo o povo judeu – Parabéns pelos 70 anos de criação e um Feliz Pessach
Parabéns a Medinat Israel pelos 70 anos, e ao nosso Kahal Kadosh, Pessach Kasher VeSameach
A Esnoga Beit Shmuel do Recife congratula-se com Israel pelos 70 anos e deseja à todos Feliz Pessach 23
HISTÓRIA
SEPULTURA NAZISTA NO BRASIL RESISTE COMO REGISTRO DE PLANO SECRETO DE COLONIZAÇÃO POR SIMON ROMERO (Postado em 11 de fevereiro de 2017 por FIQUE POR DENTRO)
Um persistente ar de mistério cerca uma grande cruz com uma suástica gravada em um cemitério próximo da remota cidade brasileira de Laranjal do Jari, no Amapá
U
Uma inscrição na cruz diz, em alemão: “Joseph Greiner morreu aqui de febre em 2 de janeiro de 1936, a serviço da pesquisa alemã”. Por que há um túmulo nazista no interior distante da floresta Amazônica brasileira? Pesquisadores documentaram meticulosamente como criminosos de guerra nazistas fugiram para a América do Sul após a Segunda Guerra Mundial. Mas muito menos se sabe sobre um plano que se enraizou antes e durante a guerra: os nazistas esperavam estabelecer uma cabeça de ponte alemã na América do Sul, conquistando um trecho da bacia do rio Amazonas. O plano secreto, chamado Projeto
24 AJ No 12 - ABRIL 2018
Guiana, teve sua origem em uma expedição à Amazônia liderada por Otto Schulz-Kampfhenkel,
um zoólogo de Berlim, cineasta documentarista e membro da SS de Hitler. Por 17 meses, de 1935 a 1937, exploradores nazistas guiados por Schulz-Kampfhenkel percorreram as florestas próximas da fronteira do Brasil com a Guiana Francesa. Eles coletaram crânios de animais e joias indígenas, assim como estudaram a topografia ao longo do rio Jari, um afluente de 790 quilômetros do rio Amazonas. “A expedição teve início com as habituais pretensões científicas”, disse Jens Glusing, um antigo correspondente no Brasil da revista alemã “Der Spiegel”, que escreveu um livro sobre o Projeto Guiana. “Mas ao voltar para a Alemanha,
“Joseph Greiner morreu aqui” diz inscrição na cruz com suástica com o início da guerra, SchulzKampfhenkel fez uso da ideia para fins da expansão colonial nazista.” Schulz-Kampfhenkel apresentou seu plano em 1940 para Heinrich Himmler, o chefe da SS e da Gestapo. Ele via o empreendimento como uma forma de reduzir a influência regional dos Estados Unidos, ao assumir o controle da Guiana Francesa e das colônias vizinhas holandesa e britânica (atualmente os países independentes do Suriname e Guiana).
Mas o sonho de forjar uma Guiana Alemã fracassou. Talvez isso tenha acontecido porque a Guiana Francesa já tinha caído nas mãos amigas do regime colaboracionista de Vichy. Ou talvez tenha sido devido à própria expedição malfadada ao Jari. A expedição contava com um hidroavião Heinkel He 72 Seekadett, que era promovido como um exemplo da inovação industrial nazista. Mas o avião virou após atingir madeira flutuante algumas poucas semanas após o início da expedição.
Ao longo de toda a jornada, os exploradores da autodescrita “raça superior” tiveram que depender das tribos indígenas para sobreviver e encontrar seu caminho na selva. Os alemães sofreram com a malária e outras doenças. SchulzKampfhenkel enfrentou uma difteria severa, e uma febre não especificada matou Greiner, o capataz da expedição. Seu túmulo permanece até hoje como testamento da desafortunada incursão nazista na Amazônia. 25
MEMÓRIA
O DIA MUNDI Henrique Cymerman Benarroch. Especial para a AJ
“Visitar Auschwitz-Birkenau com meus filhos, meus netos e minha bisneta, todos eles seres livres em Israel, significa que vencemos os nazis. É o doce sabor da vitória” 26 AJ No 12 - ABRIL 2018
IAL DA SHOÁ D
declarou emocionada faz poucos ias Tzecha Reichman, de 90 anos, que acaba de visitar o lugar no qual assassinaram a sua mãe nas câmaras de gás, e do qual estava segura que tanto ela como sua irmã gêmea, Amália, não sairiam com vida. Sua filha Ofira Azrieli, de 47 anos, a mira com carinho e lhe promete que ela, membro da segunda geração da Shoá e que cresceu com pais que
venceram o horror nazista, promete fazer todo o possível para perpetuar a lembrança da maior tragédia da história da humanidade. “Eu não sou uma historiadora, porém decidi dedicar minha vida a contar todas as terríveis vivencias que minha mãe, minha tia e meu pai me explicaram por primeira vez só quando meu irmão e eu já éramos adultos”. Porém esclareceu: “durante toda minha infância sentimos que havia
uma nuvem sobre nosso lar, porém eles não queriam nos dar detalhes”. Tzecha e sua irmã gêmea Amalia, nasceram na Polônia perto da cidade de Lodge, num pequeno povoado chamado Pabianitze. Antes da eclosão da II Guerra Mundial, sua família, que possuía várias fábricas, viveu uma vida confortável, na qual Tzecha cresceu rodeada de seus 8 irmãos. “Um dia chegaram 27
MEMÓRIA os nazistas e obrigaram a todos os judeus a mudar para um gueto, onde vivemos apinhados durante anos. Muita gente começou a morrer de frío, fome enfermermidades”. Em1944, as duas gêmeas, a irmã mais velha e sua mãe foram levadas ao campo da morte nos trens que transportaram milhões de judeus para seu fim. Ao descer do vagão, o instinto materno salvou as vidas das jovens. Imediatamente escutou que os nazistas buscavam“zwillinge” (gêmeos). A última coisa que a mãe disse a Tzecha y Amalia foi que a partir daquele estavam proibidas
voltar a estar no mesmo lugar em Auschwitz, e tinham que se distanciar uma da outra. Mais tarde entenderam que o doutor Mengele, apelidado “Anjo da morte”, levava a cabo impiedosos experimentos com humanos, transformando o campo de concentração num laboratório de macabras experiências. Os gêmeos eram um de seus objetivos, já que pretendia descobrir a sequência completa do DNA humano para clonar uma nova raça ariana. Para isso, infectavam gêmeos judeus com
todo tipo de bactérias, lhes faziam provas de resistência de dor, ou os costuravam uns aos outros para “criar siameses”. A mãe foi levada de imediato as câmaras de gás, e as meninas sobreviveram durante longos meses separadas sem ser descobertas por Mengele.
Tzecha, a gêmea sobrevivente e sua filha Ofira 28 AJ No 12 - ABRIL 2018
No momento da liberação do campo, as jovens de 17 anos pesavam cada uma 20 kilos. Foram trasladadas a Suécia, onde durante dos anos as trataram e curaram antes de partir para Israel em 1947, as vésperas da declaração de independência do estado judeu. Ofira Azrieli, a filha de Tzecha, conta que ela foi a única menina de sua turma a quem os pais nunca permitiram participar de acampamentos dos“boy scouts” no bosque, já que para eles a natureza equivalia a morte. “Eu não conseguia entender porque
todos meus companheiros de turma passavam duas semanas acampados durante o verão fazendo atividades juvenis, e eu não tinha permissão. Tampouco entendia porque em minha casa todos comíamos tanto, era uma autêntica obsessão pela alimentação, e eu dizia a meus pais que nossa casa parecia um supermercado. Muito mais tarde eles me explicaram que quem passou fome como eles, convertem a comida em uma autêntica prioridade para seus seres queridos”. A cada ano, em 27 de janeiro a comunidade internacional comemora a jornada em memória do Holocausto, e este ano o Congresso Mundial Judaico reúne as fotos de ao menos 6 milhões de pessoas que empunham um cartaz com o lema “We Remember” (nós recordamos). Ofira, que dedica sua vida à memória, já fotografou centenas de
pessoas em Israel e enviou as fotos aos responsáveis pelo evento: “me estremece pensar que no futuro alguém diga que não pode ser que algo assim aconteceu a meados do século XX. Me preocupa quem fato como a Shoá volte a afetar não somente ao povo judeu, mas também a outros povos do mundo. Temos a missão de contar as histórias reais vividas então, apesar de não sermos historiadores”. Em Israel vivem cerca de 200.000 sobreviventes do Holocausto. Cada dia falecem em média uns 40 sobreviventes por velhice ou doenças. Se temos em conta que a II Guerra Mundial terminou em maio de 1945, a idade mínima dos sobreviventes é de mais de 670 anos e a maioria já passou dos 80, ou mesmo 90 anos. Nos últimos tempos, se ampliou o termo
“sobrevivente da Shoá”, incluindo todos os países que estiveram sob o regime nazista, como por exemplo países do norte da África como Líbia, Tunísia ou Marrocos, a pesar de que ali não foram construídos guetos. Do que não cabe dúvida é que também os filhos e inclusive os netos dos sobreviventes, levam consigo a herança do extermínio nazista: “ minha avó tinha 17 anos quando esteve com sua irmã gêmea em Auschwitz. A primeira coisa que pensei ao visitar este lugar foi que eu provavelmente não teria conseguido sobreviver como elas”, afirma seu neto Yair. A filha de Tzecha, Ofira, acrescenta que sua mãe sempre lhe disse que o fato de que lograra trazer filhos ao mundo com tudo o que passaram “lá”, é po si mesmo um milagre. Eu vivo sabendo que não faltou muito para que eu não pudesse nascer”, reconhece Ofira. 29
CAPA
O saudoso escritor judeu gaúcho, Moacyr Scliar
UM SEDER PARA O
(A Hagadá de Moacyr Scliar Z”L 3 30 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2018
Esta mesa em torno à qual nos reunimos, esta mesa com as matzót e com as ervas amargas, esta mesa de Pessach com sua toalha imaculada, esta mesa não é uma mesa: é mágica embarcação com a qual navegamos pelas brumas do passado, em busca das memórias de nosso povo
OS NOSSOS DIAS
*
30 anos depois)
31
CAPA
A
esta mesa sentemo-nos, pois. Somos muitos, nesta noite. Somos os que estão e os que já foram: somos os pais e os filhos, e somos também os nossos antepassados. Somos um povo inteiro, em torno a esta mesa. Aqui estamos, para celebrar, aqui estamos para dar testemunho. Dar testemunho é a missão maior do judaísmo. Dar testemunho é distinguir entre a luz e as trevas, entre o justo e o injusto. É relembrar os tempos que passaram para que deles se extraia o presente a sua lição. Olhemos, pois, a matzá que está sobre a mesa. Este é o pão da pobreza que comeram os nossos antepassados na terra do Egito. Quem tiver fome – e muitos são os que têm fome, neste mundo em que vivemos – que venha e coma. Quem estiver necessitado – e muitos são os que amargam necessidades, neste mundo em que vivemos – que venha
e celebre conosco o Pessach. É o legado ético de nosso povo, a mensagem contida neste simples alimento, neste pão ázimo que sustentou no deserto, e o que o vem sustentando ao longo das gerações. 32 AJ No 12 - ABRIL 2018
É preciso ser justo e solidário, é preciso amparar o fraco e ajudar o desvalido. O deserto que hoje temos de atravessar não é uma extensão de areia estéril, calcinada pelo sol implacável. É o deserto da desconfiança, da hostilidade, da alienação de seres humanos.
Para esta travessia temos de nos munir das reservas morais que o judaísmo acumulou das poucas e simples verdades que constituem a sabedoria do povo. Ama teu próximo como a ti mesmo. Reparte com ele teu pão. Convida-o para tua mesa. Ajuda-o a atravessar o deserto de sua existência. Tu me perguntas, meu filho, porque é diferente esta noite de todas as noites. Porque todas as noites comemos chamets e matzá, e esta noite somente matzá. Porque todas as noites comemos verduras diversas, e
esta noite somente maror. Eu te agradeço, meu filho. Agradeço-te por perguntares. Porque, se me perguntas, não posso esquecer: se indagas, não posso ficar calado. Por tua voz inocente, meu filho, fala a nossa consciência.
Tua voz me conduz à verdade. Por que esta noite é diferente de todas as noites, meu filho? Porque esta noite lembramos. Lembramos os que foram escravos no Egito, aqueles sobre cujo dorso estalava o látego do Faraó. Lembramos a fome, o cansaço, o suor, o sangue, as lágrimas. Lembramos o desamparo dos oprimidos diante da arrogância dos poderoso. Lembramos com alívio: é o passado. Lembramos com tristeza: é o presente. Ainda existem Faraós. Ainda existem escravos.
Os Faraós modernos já não constroem pirâmides, mas sim estruturas de poder e impérios financeiros. Os Faraós modernos já não usam apenas o látego: submetem corações e mentes mediante técnicas sofisticadas.
Seus escravos se contam aos milhões, neste mundo em que vivemos. São os negros privados de seus direitos,
na África do Sul; os poetas que, em Cuba, não podem publicar seus versos; os imigrantes a quem, na Europa, está reversado o trabalho pesa e a hostilidade dos grupos fascistas; os refuseniks soviéticos que clamam por sua identidade; as mulheres e os jovens fanatizados pelo regime do Aiatolá, os prisioneiros políticos do Chile, os famélicos do Sahel e do nordeste brasileiro, as populações indígenas lentamente exterminadas em tantos lugares;os operários explorados e os camponeses sem terra. Para estes, ainda não chegou o dia da travessia. Estes ainda não encontraram a sua Terra Prometida. Para eles, a vida ainda é amarga como o maror. É a eles também que lembramos nesta noite, meu filho. Com eles repartirmos, em imaginação, o nosso pedaço de matzá. Não sejas como o ingênuo, que ignora os dramas de seu mundo. Não sejas como o perverso, que os conhece, mas nada faz para mudar a situação. Pergunta, meu filho, pergunta tudo o que queres saber 33
CAPA – a dúvida é o caminho para o conhecimento. Mas quando te tornares sábio, procura usar a tua sabedoria em benefício dos outros. Reparte-a, como hoje repartirmos nossa matzá. Segue o conselho de nossos sábios, e lembra a saída do Egito, não só na noite de Pessach, mas todos os dias de tua vida. Falemos deste povo, então. Falemos dos judeus: pequeno grupo humano que viria a desempenhar um grande papel na história da humanidade. Um povo inquieto. Um povo que não buscava o repouso, nem para si, nem para os outros povos. Há cerca de 4000 anos a trajetória deste povo teve início – quando Abraão deixou o seu lugar de origem, na região entre o Tigre e o Eufrates, para ir a Canaan. Pois disse-lhe o Senhor: “Sai de tua terra, e da terra de tua gente, e da casa de teu pai, e vem para a terra que eu te mostrarei; Eu farei de ti uma grande nação, e te abençoarei, e farei grande teu nome; e serás uma benção; E eu abençoarei quem te abençoar, e amaldiçoarei quem te amaldiçoar; e em ti serão todos os povos da terra abençoados.” (Gênesis 12, 1-3) Mas não cessou com a chegada a Cannan e peregrinação judaica. Povo nômade, os hebreus deslocavam-se constantemente. E por isso não construíram grandes cidades, nem monumentos comparáveis às pirâmides.
grãos de areia das praias do mar. Mas então nuvens negras surgem neste céu tranqüilo. Um novo Faraó reina no Egito; ele teme que os filhos de Israel, agora numerosos, se rebelem contra ele. E decreta: toda criança judia, de sexo masculino, deve ser morta ao nascer. Mas um menino escapa. O destino poupa-o para ser o libertador de seu povo: é Moisés, que a filha do Faraó salva das águas para dele fazer um príncipe. Moisés, Príncipe do Egito, Moisés, poderoso entre os poderosos.
Há um instante na vida de cada homem em que ele se vê diante de seu destino. Um instante em que lhe é dado fazer a escolha transcendente, a escolha que será o divisor de águas de sua existência. Este instante O que os hebreus levavam consigo, em suas chegou para Moisés. migrações, era a sua tradição, era a palavra do Diante do feitor que espancava cruelmente o escravo ele não hesitou: tomou o lado do fraco contra o Senhor, da qual eram guardiães; a palavra que deu judeu, forte, do oprimido contra o opressor. Jogou sua sorte origem ao livro sagrado, a Bíblia, seu grande legado com a sorte pobre, desprotegido povo. para a humanidade. E então que D’us lhe fala. Não antes do gesto de coragem, De Abraão nasceu Isaac, de Isaac Jacob, e de Jacob, José e seus irmãos. José, o vidente; José, que se tornou vizir do Faraó. Com José foram ter seus ingratos irmãos, quando a fome assaltou as terras de Canaan. Na terra de Goshen foram viver, e ali se multiplicaram como as estrelas no céu e os 34 AJ No 12 - ABRIL 2018
mas depois: é como se a divindade só se pudesse revelar depois que Moisés descobriu a si mesmo. Este é o Deus de Abraão, o Deus de Isaac, o Deus de Jacob; o Deus que fala da sarça ardente, como a indicar que é preciso manter viva a chama da fé e da dignidade. Este D’us estende Sua mão para Moisés, e acena-lhe
com a promessa que desde então tem animado a todos os povos: terra e liberdade, liberdade e terra. A doce liberdade, a fértil terra da qual fluiria o leite e o mel. E então, acompanhado de Arão, que por ele falava, Moisés foi ter com o Faraó e disse: Deixa meu povo sair. Deixa meu povo sair. Era a primeira vez que ecoava esta frase no reduto do poder, mas não seria a última. Nas masmorras dos romanos: deixa meu povo sair. Nos guetos medievais: deixa meu povo sair. Nas aldeias ameaçadas pelos pogroms: deixa meu povo sair. Na Alemanha nazista: deixa meu povo sair. Na Rússia, na Síria, na Etiópia: deixa meu povo sair. Este apelo desesperado não encontra eco. A insensibilidade dos poderosos torna-os surdos e cegos. O sofrimento dos oprimidos clama aos céus. E
Castigos terríveis, mas que nos soam estranhamente familiares. Pois hoje, como ontem, seres humanos fazem da natureza palco de luta contra outros seres humanos. A casa do homem é uma casa dividida. Punhos se erguem ameaçadores, vozes bradam iradas. A ganância e a especulação sobrepujam a solidariedade e a compensação. E de novo as pragas nos ameaçam. As águas já não se transformam em sangue, mas nos rios poluídos e nos mares envenenados os peixes boiam mortos. As pragas que devoravam as colheitas foram repelidas, mas ficam nos frutos da terra os resíduos dos venenos usados. Indiscriminadamente. As feras que os homens temiam hoje são pobres criaturas em extinção. Mas o tigre com dentes atômicos faz ouvir o seu rugido, os submarinos nucleares percorrem os mares como sinistros Leviatãs. Enquanto enormes contingentes humanos vegetam na mais espantosa miséria, há nas metrópoles uma minoria que busca no consumismo desenfreado, no álcool e na droga, a satisfação que jamais encontra.
As trevas reinam sobre a Terra, mas não são as trevas resultantes de um sol eclipsado; são, isto sim, as trevas do obscurantismo, que alimenta o fanatismo e arma o braço do terrorista. As pestilências de outrora deram lugar às doenças da civilização, igualmente mortíferas; e de outra parte, se perpetuam entre aqueles que não têm acesso às conquistas da medicina. Dir-se-ia que os homens não aprendem. Que a escalada do erro – e do castigo – não tem fim.
os céus respondem com fúria. Mas a divindade poupa a seu povo o ódio. Minha é a vingança, diz o Senhor. Só Deus pode dosar o castigo do ímpio, de maneira a não pagar injustiça com injustiça. São as forças da natureza que Adonai mobiliza para punir os pecadores; como a sugerir a própria natureza se revolta contra a iniquidade E vêm as pragas. As águas se transformam em sangue. Feras atacam os homens. Gafanhotos devoram as colheitas. Pestilências ceifam vidas. O granizo cai sobre as plantações. As trevas reinam sobre a Terra.
A paciência do Senhor chega a seu término. Decide dar ao faraó a prova definitiva de Seu poder: os primogênitos serão exterminados. Mas pelas portas das casas judaicas, untadas com o sangue do animal sacrificado, a ira do Senhor passará sem se deter. É a Páscoa: a passagem. Mais uma vez Deus avoca a si o castigo. Pois somente a um desígnio insondável tão espantosa punição pode ser atribuída. E o Faraó cede. Por fim, o Faraó cede. Podeis partir, ele diz a Moisés e Arão. E os judeus partem. Às pressas: o pão que levam sequer pode fermentar. É da matzá que eles agora comerão. E há razão para a pressa. Os poderosos não costumam honrar compromissos. O Mar Vermelho se abre... Promessas são esquecidas, 35
CAPA tratados são rasgados. E os exércitos do Faraó vão no encalço dos fugitivos, surpreendem-nos às margens do Mar Vermelho. Mais uma vez Deus protege seu povo. Mais uma vez um prodígio da natureza dá testemunho da aliança sagrada. As águas do mar se abrem diante dos hebreus e se fecham sobre as armadas do Faraó. É o castigo definitivo. É um castigo, mas não é um ato de ódio. Pois, conta o Talmud, depois que os judeus atravessaram o Mar Vermelho, entoaram um hino de agradecimento ao senhor – que Ele recusou dizendo: “Não cantareis enquanto meus outros filhos se afogam”. A violência? Sim, é permitida, como resposta à violência. Mas não é
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permitido a ninguém alegrar-se na violência. Ao fim e ao cabo, somos todos irmãos. Mesmo quando um destino trágico nos coloca face a face, armas na mão. Uma lição que vale para o Oriente Médio de nossos dias.
Esta é a narrativa do Êxodo. Dela, o que é lenda? O que é História? Impossível saber. Na poeira do tempo confunde-se fantasia e realidade, fato e imaginação. Não importa, porém. Não é o fato histórico que conta, mas sim a lição que dele se extrai.
Como diz o Seder: “Em toda geração deve o homem considerar como se tivesse saído do Egito”. Neste, como está sintetizada toda a gama de possibilidades que a tradição, mais que o frio relato dos acontecimentos, proporciona aos seres humanos. A possibilidade de evocarmos, por uma noite que seja, o terror da escravidão. A possibilidade de vivermos, por uma noite que seja, a glória da libertação. Como se é suficiente. Uma noite é suficiente. Foi numa noite que Jacob lutou contra o anjo, e, vencendo-o, tornou-se Israel, legando-nos esta lição: que um povo tem de lutar por sua identidade, ainda que desafiando os mensageiros do Senhor. Foi numa noite que Daniel foi salvo da cova dos leões, mostrando que o justo nada tem a temer, nem mesmo as feras selvagens. Foi numa noite que o perverso Haman foi condenado e o povo judeu foi salvo. Porque a justiça brilha na escuridão da noite como a luz do dia. Sentem-nos, pois, em torno à mesa nesta noite, e tomemos o vinho de Pessach, doce
como a liberdade. E falemos da doçura de ser livres; falemos principalmente aos jovens. Sigamos o que diz o nosso Seder: “contarás a teu filho”. Porque a mensagem de Pessach é dirigida sobretudo às crianças e aos jovens. Como sentinelas na noite, temos de velar por eles, velar para que recebam a mensagem de liberdade.
Pessach é a festa das gerações. É a festa em que os pais falam a seus filhos. E é por isso que a festa do Pessach é celebrada em família. Não num templo, mas em casa.
Em torno a uma mesa, de modo que as pessoas se possam olhar, de modo que o filho possa ouvir do pai o simples, eloquente relato. A saga de um pequeno povo de incultos nômades que ensinou a um poderoso império uma lição de justiça e de dignidade. Esta é a lição que os judeus vem repetindo ao longo de muitos e muitos séculos. Nos dias esplendorosos do Templo de Jerusalém e nos amargos tempos da dispersão. No Galut e agora, em Israel. Os prodígios da saída do Egito ficaram reverberando pelos séculos afora. Pois tantos foram, e tão notáveis, que evocá-los leva-nos ao limite do suportável: daienu, diz o Seder: bastar-nos-ia. Se nos tirasse do Egito e não os justificasse, bastar-nos-ia. Se não abrisse o mar, se não nos desse o maná, se não
nos desse o Sábado, se não nos desse a Torá – bastarnos-ia. O primeiro agradecimento ao Senhor é pela liberdade: se nos tirasse do Egito, bastar-nos-ia.Todo o resto é consequência. O maná, a Lei, a Terra prometida, tudo é decorrência da libertação do povo. Falemos da luta pela liberdade. Falemos do gueto de Varsóvia. No começo da Segunda Guerra, Varsóvia era um centro judaico de primeira grandeza, célebre por suas ieshivot, seu teatro ídiche, seus centros culturais, seus artistas e escritores. Mas então veio a invasão nazista, e com ela a fria deliberação de transformar a cidade num portal para o inferno. Quase meio milhão de pessoas foram confinadas na minúscula área do gueto, cercado e isolado. Logo a fome, a falta de higiene, as doenças começaram a fazer suas vítimas. A um ritmo que não era satisfatório para os nazis: em julho de 1942 começaram as deportações para os campos de Treblinka, Auschwitz, Maidanek e Belsen. Foi então que as organizações juvenis adotaram uma decisão: a de resistir até o fim. Armas e munição começaram a ser contrabandeadas para o gueto…Na madrugada de 19 de abril de 1943 um tiro ecoou na 37
CAPA
rua Nalewki. Era o sinal para a rebelião, que oporia 40.000 remanescentes da população judaica, lutadores famintos e mal armados, contra a poderosa máquina de guerra nazista. Durante semanas os combatentes resistiram. O comandante do levante, Mordechai Anielewicz E seus companheiros, morreram lutando no quartelgeneral da Rua Mila, 18. Ninguém se rendeu.
Não podemos falar em liberdade sem falar no Gueto de Varsóvia. Não podemos falar em liberdade enquanto outros guetos existirem em nosso mundo. Agora, meu filho, vamos colocar vinho neste copo, e vamos abrir a porta. Perguntas se estamos esperando alguém. Sim, esperamos alguém. Esperamos Eliahu Hanavi, o Profeta Elias, o precursor do Messias. É um hóspede ilustre, aguardado há ‘séculos. Até hoje não veio, e não é certo que nos visite esta noite. Não tem importância. O importante é que nossa porta esteja aberta. Para o profeta ou para o nosso vizinho; para o Messias ou para o pobre que nos vem pedir um pouco de comida. Que espiem, os de fora, por estar a porta aberta. Que vejam uma família reunida em torno à mesa, celebrando. Que
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constatem: eles nada têm a esconder. Eles não praticam rituais secretos, eles não são uma seita misteriosa. São gente como a gente. Os cristãos, os judeus, os muçulmanos, os budistas, somos todos iguais. Nossas festas têm nomes diferentes, ocorrem em datas diferentes, mas no fundo, une-nos a alegria da celebração. Eu sei, meu filho, que nem todos pensam assim. E é por isso que a porta precisa ficar aberta. Para que o profeta Elias venha, anunciando a paz entre os povos. A travessia do Mar Vermelho não pôs fim aos infortúnios do povo judeu. Muito teriam eles de vagar, ainda, na desolação do deserto. Foi uma dura prova, a que nem sempre resistiram. Quando mais forte se tornou o assédio da fome e a sede,
foram queixar-se a Moisés: tu nos trouxeste ao deserto, disseram, para que aqui morramos à míngua. E em seu desespero, chegavam a lembrar com saudade os tempos do Egito: éramos escravos, mas tínhamos o que comer. Como Esaú, estavam dispostos a trocar sua dignidade por um prato de comida. Deus não os castigou. Ao contrário: deu-lhes o manjar do céu. O Maná, e as tábuas da lei. Nesta ordem: o alimento e depois o mandamento. A nutrição para o corpo, seguida do dever espiritual. E esta é mais uma lição que o judaísmo, na sua sóbria e milenar sabedoria, nos transmite: não se pode exigir deveres morais de quem tem fome.
Os direitos humanos começam pelo simples, e pelo elementar. Os direitos do homem começam por um pedaço de pão, ázimo ou não. Vejo, meu filho, que encontras o afikoman que escondi. Muito bem, tens direito a uma recompensa. O que queres? É uma história, que queres? Muito bem. Deixa que te conte então uma história muito curta. É a história de um homem e de sua mala. O homem já não vive; a mala, que eu saiba, já não existe. Mas a mala estava com a família desse homem há muitas gerações. Nesta mala ele colocou todas suas coisas
quando, jovem ainda, deixou sua casa, numa aldeia da Rússia czarista, e foi para a Polônia, onde esperava viver. Lá ficou alguns anos, até que teve de fugir de novo, por causa da ameaça de bandos antissemitas. Pegou a mala e foi para a Alemanha, a civilizada Alemanha, pensando encontrar a paz. Mas o ano era 1939… Conseguiu fugir para o Brasil, sempre com sua mala. Trabalhou duro, no comércio; conseguiu juntar alguma coisa e já estava até esquecendo as privações que passara quando, por ocasião dos distúrbios de rua que se seguiram ao suicídio de Getúlio Vargas, sua loja foi depredada. Ficou tão assustado, que decidiu: daí em diante, nunca mais desmanchou a mala. Estava sempre pronto para partir, a qualquer hora do dia e da noite. Várias vezes pensou que o momento tinha chegado: quando Jânio renunciou, em 1961; quando houve o golpe militar, em 1964, e os policiais prenderam os filhos de seu vizinho. Não chegou a ser necessário. Aparentemente, ele era considerado um homenzinho inofensivo; ninguém se preocupava com ele. No entanto, continuava preparado. Para o Êxodo. Como seus antepassados no Egito, que constantemente evocava. Uma noite um ladrão entrou na casa e roubou-lhe a mala. E de repente, ele se deu conta: já não podia mais fugir. E assim ficou. Até que uma noite o Anjo da Morte veio chamá-lo; e as pessoas que estavam a seu lado, no quarto do hospital, ouviram-no murmurar baixinho: Eu não fugi. Eu estou aqui. Nós estamos aqui. E podemos saborear em paz nosso manjar, nosso afikoman. Nós o merecemos, como tudo mereceste. Tu, porque o encontraste; nós, porque nos encontramos. Chag Sameach, meu filho. *Esta Hagadá foi escrita por Moacyr Scliar há exatos 30 anos, em março de 1988, sob a atmosfera pesada da ditadura militar. Foi publicada naquele mesmo ano pela antiga Revista Shalom dirigida por Patrícia Finzi. É parte do legado humanista e imortal que Moacyr deixou para as futuras gerações. Todas as iluminuras e manuscritos desta matéria, são da Hagadá de Sarajevo- Espanha, século XIV 39
DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA
DE UMA JUDIARIA EM MARROCOS NASCEU UM IMPÉRIO NOS AÇORES (Fonte: www.sabado.pt)
O clã dos Bensaude dos Açores
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Os Bensaude partiram de Marrocos no século XIX em busca da terra prometida. São hoje a família com mais poder na economia dos Açores
N
ão era fácil a vida dos judeus sefarditas que habitavam as cidades costeiras de Marrocos, para onde haviam fugido do Santo Ofício. Os sultões toleravam os judeus, que lhes enchiam os cofres. Mas sempre que mudava o monarca, eram alvo de violência e extorsão. Obrigados a viver em judiarias tinham ainda de usar vestuário distintivo. O conhecimento dos movimentos sociais europeus dos finais do século XVIII, mais favoráveis à tolerância religiosa, alimentou a esperança numa existência diferente. Abraão Bensaude e outras famílias judaicas
Alfredo Bensaude, fundador do Instituto Superior Técnico de Lisboa que sempre se consideraram peninsulares”. Porque Espanha continuava fechada, no início do séc. XIX, “os judeus aventuraramse por terras portuguesas e alguns desembarcaram no arquipélago dos O relato da epopeia é escrito por Açores”, lê-se na tradução francesa Alfredo Bensaude, no livro “A da obra. Vida de José Bensaude”, seu pai. Aquele que foi o fundador do A mudança não era isenta de riscos. Instituto Superior Técnico, em A Inquisição continuava a existir, Lisboa, acrescenta como motivo embora sem o poder e prestígio de a recuperação do prestígio que o outros tempos. Seria abolida pela povo hebraico tivera em Espanha Assembleia Constituinte a 24 de e Portugal. “A lembrança da época Março de 1821. Isso não impediu brilhante da civilização hispano- que os “judeus marroquinos”, luso-judaica nunca se perdeu como eram nomeados, tivessem na memória dos descendentes, enfrentado uma forte oposição dos chegam à ilha de São Miguel em 1819. É a viagem inaugural de um percurso que levaria à criação do império Bensaude, o maior grupo privado dos Açores.
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DIÁSPORA JUDEU MARROQUINA
comerciantes locais e discriminação pelas autoridades municipais. Abraão Bensaude foi o primeiro a estabelecer-se nos Açores, em Ponta Delgada. Os negócios arrancam em 1820, ano que o Grupo Bensaude fixa como data da sua fundação. Tal como as outras famílias de judeus que chegaram, Abraão dedicava-se ao comércio de tecidos importados do continente e de Inglaterra, mais finos e vendidos mais baratos que os feitos no arquipélago. Os barcos que traziam os tecidos levavam laranjas, então o principal sustento económico das ilhas, e cereais.
A sorte diferente dos Bensaude Abraão não foi o único Bensaude a partir para os Açores. Poucos anos depois chegam também o irmão Elias e o primo Salomão. Se Abraão acabaria por não ser bem sucedido nos negócios, falecendo com dívidas por pagar, como relata a historiadora Fátima Sequeira Dias no artigo “Quando as Ilhas se Tornavam Demasiado Pequenas”, os outros dois haveriam de vingar. Em particular Elias Bensaude, que segundo a mesma historiadora “conseguiu uma posição de domínio no comércio de redistribuição insular”, com negócios em São Miguel, Faial, Terceira, Lisboa, Manchester e Londres. José Bensaude, filho de Abraão, há-de vingar o infortúnio do pai. Envereda pela área industrial. É ele 42 AJ No 12 - ABRIL 2018
José Bensaude que desenvolve o cultivo do tabaco em São Miguel, com a fundação da Fábrica de Tabaco Micaelense, em 1866. Actividade que se revelaria fundamental para a economia e o
emprego nas ilhas após o declínio acentuado da “economia da laranja” que ocorre a partir dessa altura. Esse iria também o primeiro grande teste à capacidade de adaptação da família,
que respondeu com a diversificação dos negócios.
década de 30, ainda hoje a unidade mais emblemática do Grupo no turismo.
Assim nasce a maior empresa dos Açores
Seguem-se a aquisição da Companhia de Seguros Açoreana e do Banco Micaelense. Os Bensaude são também fundadores da Sociedade Açoreana de Estudos Aéreos (hoje SATA), em 1941. A mais antiga companhia aérea portuguesa nasce da visão de que o transporte aéreo iria passar a ter mais relevo que o marítimo. Os negócios corriam de feição, mas a família haveria de enfrentar um novo e decisivo teste.
O Grupo Bensaude nasce da junção das empresas de Elias e Salomão, negócio precedido da união das famílias pelo matrimónio – a filha de um casa com o filho de outro. Após a morte dos primos é constituída em 1873 a Bensaude & Co., criando aquela que é desde então a maior empresa dos Açores e uma das maiores do país. A criação da sociedade é acompanhada da mudança da sede para Lisboa. O grupo aposta no armazenamento de carvão e no transporte marítimo, com a Companhia Insulana de Navegação. No Barreiro é fundada, em 1891, a Parceria Geral de Pescas, que se tornaria no maior armador português da pesca ao Bacalhau. Acabaria por entrar em declínio após a adesão de Portugal à CEE, em 1986, devido à introdução das quotas.
A entrada no turismo A dinastia segue com Vasco Bensaude, neto de José, que herda quotas pertencentes aos vários ramos da família e torna-se o detentor único do património familiar. A diversificação de actividades do Grupo prossegue ao longo do século XX. Vasco Bensaude é o principal investidor na construção do Hotel Terra Nostra nas Furnas, durante a
Nacionalizações levam banco e seguradora Com as nacionalizações do pós25 de Abril os Bensaude perdem grande parte do património: o banco e a seguradora (hoje parte do Banif) passam para o Estado. Assim como a fábrica de tabaco. Poucos anos depois, o Grupo é também “convidado” a vender a SATA. A família não abandona o País, mas sai da capital. Filipe Bensaude, filho primogénito de Vasco, muda a sede do Grupo para Ponta Delgada em 1976. “O regresso a São Miguel resulta de uma solicitação insistente feita pelos trabalhadores”, conta António Castro Freire, sobrinho de Filipe e vice-presidente do conselho de administração. Desnatado de alguns dos seus principais activos, Filipe fica com a difícil tarefa
de assegurar a sobrevivência do negócio da família. “Seguiram-se anos de recuperação depois das perdas sofridas. Foi um processo longo para o qual concorreu o trabalho dos membros da família activos na empresa e o apoio dos restantes accionistas familiares”. O armazenamento e comercialização de combustíveis assume-se como uma das âncoras do renascimento do Grupo. Área ainda hoje central na actividade da Bensaude, parceira da Repsol desde 2005, e que é alargada com a integração dos postos da BP por efeito da aquisição do Grupo Nicolau Sousa Lima em 2007. É no entanto outra a principal maisvalia daquela compra. Os Bensaude herdam a parceria com a Sonae Distribuição nos Açores, o que vem aumentar em muito a dimensão e o número de trabalhadores do Grupo. A fase mais recente é marcada pela saída da família da gestão executiva e a aposta na profissionalização. Luís Bensaude, filho de Filipe, cede em 2009 o seu lugar a Victor Cruz, antigo líder do PSD Açores. O Grupo faz 195 anos. António Castro Freire atribuiu esta longevidade em primeiro lugar “à forte ligação aos Açores, que sempre foi uma orientação estratégica ao longo de várias gerações”. Uma longevidade que “não pode nunca ser considerada um dado adquirido”.
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TRAÇOS
PRESENÇA JUDAICA NA LÍNGUA PORTUGUESA EXPRESSÕES E DITOS EM PORTUGUÊS DE ORIGEM MARRANA Jane Bichmacher de Glasman *
O objetivo do presente trabalho é apresentar alguns exemplos de influência judaica na línguaportuguesa, a partir de uma ampla pesquisa sócio-lingüística que venho desenvolvendo há anos
A
opção por judaica (e não hebraica) deve-se a uma perspectiva filológica e histórica mais abrangente, englobando dialetos e idiomas judaicos, como o ladino (judeu-espanhol)
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e o iídiche (alemão), entre os mais conhecidos, além de vocábulos judaicos e expressões hebraicas que passaram a integrar o vernáculo a partir de subterfúgios e/ ou corruptelas, cuja origem remonta à
bagagem cultural de colonizadores judeus, cristãos-novos e marranos. A base histórica para tal é a imigração maciça de judeus expulsos da Espanha, em 1492, para Portugal, devido à contigüidade geográfica
e às promessas (não cumpridas) do Rei D. Manuel I, que traziam esperança de sua sobrevivência judaica como tal. Mesmo com a expulsão de Portugal em 1497, os judeus (além dos cristãos-novos e dos cripto-judeus ou marranos) chegaram a constituir 20 a 25% da população local. Sefaradim (de Sefarad, Espanha, da Península Ibérica) procuraram refúgio em países próximos no Mediterrâneo, norte da África, Holanda e nas recém-descobertas terras de além-mar nas Américas, procurando escapar da Inquisição. Até hoje é controversa a origem judaica ou criptojudaica de descobridores e colonizadores do Brasil, para onde imigraram incontáveis cristãos-novos, alternando durante séculos uma vida como judeus assumidos e marranos, praticando o judaísmo secretamente (fora os que permaneceram efetivamente católicos), de acordo com os ventos políticos, sob o domínio holandês ou a atuação da Inquisição, variando de um clima de maior tolerância e liberdade à total intolerância e repressão. A citada alternância entre vidas assumidamente judaicas e marranas, praticando judaísmo em segredo, com costumes variados, unificados pela “camuflagem” de seu teor judaico, gerou comportamentos e aspectos culturais (abrangendo rituais, superstições, ditados populares, etc.) que se arraigaram à cultura nacional. A maioria da população desconhece que muitos costumes e dizeres que fazem parte da cultura brasileira têm sua origem em práticas criptojudaicas. Apresentarei alguns exemplos bem
como suas origens e explicações, a partir da origem judaica “marrana”. “Antes de exemplificar a contribuição lingüística marrana, convém ressaltar que a vinda dos portugueses para o Brasil trouxe consigo todos os empréstimos culturais e lingüísticos que já haviam sido incorporados ao cotidiano ibérico, desde uma época anterior à Inquisição, além de novos hábitos e características; muitas palavras e expressões de origem hebraica foram incorporadas ao léxico da língua portuguesa mesmo antes de os portugueses chegarem ao Brasil. Elas encontram-se tão arraigadas em nosso idioma que muitas vezes têm sua origem confundida como sendo árabe ou grega. Exemplo: a “azeite”, comumente atribuída uma origem árabe por se assemelhar a um grande número de palavras começadas por “al-” (como alface, alfarrábio, etc.), identificadas como sendo de origem árabe poresta partícula corresponder ao artigo nesta língua. O artigo definido hebraico é a partícula “a-” e “azeite” significa, literalmente, emhebraico
“a azeitona” (ha-zait). Apesar da presença judaica por tantos séculos, em Portugal como no Brasil, as perseguições resultaram também em exclusões vocabulares. A maior parte dos hebraísmos chegou ao português por influência da linguagem religiosa, particularmente da Igreja Católica, fazendo escala no grego e no latim eclesiásticos, quase sempre relacionados a conceitos religiosos, exemplos: aleluia, amém, bálsamo, cabala, éden, fariseu, hosana, jubileu, maná, messias, satanás, páscoa, querubim, rabino, sábado, serafim e muitos outros. Algumas palavras adotaram outros significados, ainda que relacionados à idéia do texto bíblico. Exemplos: babel indicando bagunça; amém passando a qualquer concordância com desejos; aleluia usada como interjeição de alívio. O preconceito marca palavras originárias do hebraico usadas de forma depreciativa, como: desmazelo (de mazal – negligência, desleixo), malsim (de mashlin – delator, traidor), zote (de zot / subterrâneo, inferior, parte de 45
TRAÇOS baixo – pateta, idiota, parvo, tolo), ou tacanho (de katan – que tem pequena estatura, acanhado; pequeno; estúpido, avarento); além de palavras relacionadas a questões financeiras, como cacife, derivada de kessef = dinheiro. Há ainda algumas palavras e expressões oriundas do misticismo judaico, tão desenvolvido na idade média. O estudo do Talmud e da Cabalá trouxe também contribuições do aramaico, como a conhecida expressão “abracadabra”, que é tida pela nossa cultura como uma “palavra mágica” (num sentido fabuloso), mas que, na realidade pode ser traduzida como “criarei à medida que falo” (num sentido real e sólido para a cultura judaica). Algumas palavras também designam práticas judaicas ou formas de encobri-las, especialmente observável nos costumes alimentares. Por exemplo: os judeus são proibidos pela Torá de comer carne de porco, porque tem os cascos fendidos e não rumina, sendo, portanto, impuro. Para simular o abandono desse princípio e enganar espiões da Inquisição, os cristãos-novos inventaram as alheiras, embutidos à base de carne de vitelo, pato, galinha, peru – e nada de porco. Após algumas horas de defumação já podem ser consumidos. Da mesma forma, peixes “de couro” (sem escamas) não serviam para consumo. Passando às expressões, apresento alguns exemplos, sua origem e explicação: “Ficar A Ver Navios” Em 1492 foi determinado que os judeus que não se convertessem teriam 46 AJ No 12 - ABRIL 2018
de deixar a Espanha até ao fim de julho. Centenas de milhares então se fixaram em Portugal. O casamento do rei D. Manuel com D. Isabel, filha dos Reis Católicos, levou-o a aceitar a exigência espanhola de expulsar todos os judeus residentes em Portugal que não se convertessem ao catolicismo, num prazo que ia
catolicismo, alegou que não havia navios suficientes para os levar e determinou um batismo em massa dos que se tinham concentrado em Lisboa à espera de transporte para outros países. No dia marcado, estavam todos os judeus no porto esperando os navios que não vieram. Todos foram convertidos e batizados
Uma característica do comportamento de cristãos-novos“suspeitos” foi procurar ser “mais católicos do que os católicos”, buscando sobreviver à intolerância e determinando práticassócio-culturais e lingüísticas de Janeiro a Outubro de 1497. O rei Dom Manuel precisava dos judeus portugueses, pois eram toda a classe média e toda a mão-de-obra, além da influência intelectual. Se Portugal os expulsasse logo como fez a Espanha, o país passaria por uma crise terrível. Na realidade D. Manuel não tinha qualquer interesse em expulsar esta comunidade, que então constituía um destacado elemento de progresso nos setores da economia e das profissões liberais. A sua esperança era que, retendo os judeus no país, os seus descendentes pudessem eventualmente, como cristãos, atingir um maior grau de aculturação. Para obter os seus fins lançou mão de medidas extremamente drásticas, como ter ordenado que os filhos menores de 14 anos fossem tirados aos pais a fim de serem convertidos. Então fingiu marcar uma data de expulsão na Páscoa. Quando chegou a data do embarque dos que se recusavam a aceitar o
à força, em pé. Daí a expressão: “ficaram a ver navios”. O rei então declarou: não há mais judeus em Portugal, são todos cristãos (cristãos-novos). Muitos foram arrastados até a pia batismal pelas barbas ou pelos cabelos. “Pensar na morte da bezerra”: frase tão comumente dita por sertanejos quando querem referir-se a alguém que está meditando com ares de preocupação: “está pensando na morte da bezerra”. Registram as denunciações e as confissões feitas ao Santo Oficio, a noção popular, naquele distante período, do que seria o livro fundamental do judaísmo: a Torá. De Torá veio Toura e depois, bezerra, havendo inclusive quem afirmasse ter visto em cara de alguns cristãos-novos, o citado objeto, com chifres e tudo. “Passar a mão na cabeça”, com o sentido de perdoar ou acobertar erro cometido por algum protegido,
é memória da maneira judaica de abençoar de cristãos-novos, passando a mão pela cabeça e descendo pela face, enquanto pronunciava a bênção. Seridó, região no Rio Grande do Norte, tem seu nome originário da forma hebraica contraída: Refúgio dele. Porém, não é o que escreve Luís da Câmara Cascudo, indicando uma origem indígena do nome da região, de “ceri-toh”. Em hebraico, a palavra Sarid significa sobrevivente. Acrescentando-se o sufixo ó, temos a tradução sobrevivente dele. A variação Serid, “o que escapou”, pode ser traduzido também por refúgio. Desse modo, a tradução para o nome seridó seria refúgio dele ou seus sobreviventes. Passar mel na boca: quando da circuncisão,o rabino passa mel na boca da criança para evitar o choro. Daí a origem da expressão: “Passar mel na boca de fulano”. Para o santo: o hábito sertanejo de, antes de beber, derramar uma parte do cálice, tem raízes no rito hebraico milenar de reservar, na festa de Pessach (Páscoa), um copo de vinho para o profeta Elias (representando o Messias que virá, anunciado pelo Profeta Elias). “Que massada!” usada para se referir a uma tragédia ou contratempo, é uma alusão à fortaleza de Massada na região do Mar Morto, Israel, reduto de Zelotes, onde permaneceram anos resistindo às forças romanas após a destruição do Templo em 70 d.C., culminando com um suicídio coletivo para não se renderem, de acordo com relato do historiador Flávio Josefo.
“Pagar siza” significando pagar imposto vem do hebraico e do aramaico (mas = imposto, em hebraico de misa, em aramaico). “Vestir a carapuça” ou “a carapuça serve para ...” vem da Idade Média inquisitorial, quando judeus eram obrigados a usar chapéus pontudos (ou com três pontas) para serem identificados. “Fazer mesuras” origina-se na reverência à Mezuzá (pergaminho com versículos de DT.6, 4-9 e 11,13-21, afixado, dentro de caixas variadas, no batente direito das portas). "Deus te crie" após o espirro de alguém é uma herança judaica da frase Hayim Tovim, que pode ser traduzido como tenha uma boa vida. “Pedir a bênção” aos pais, ao sair e chegar em casa, é prática judaica que remonta à benção sacerdotal bíblica, com a qual pais abençoam os filhos, como no Shabat e no Ano Novo. “Entrar e sair pela mesma porta traz felicidade” bem como o costume de varrer a casa da porta para dentro, costume arraigado até os dias de hoje, para “não jogar a sorte fora” é uma camuflagem do respeito pela Mezuzá, afixada nos portais de entrada, bem como aos dias de faxina obrigatória religiosa judaica, como antes do Shabat (Sábado, dia santo de descanso semanal) e de Pessach.
público e denunciadas à Inquisição, pois o dia judaico começa no anoitecer do dia anterior, ao despontar das primeiras estrelas, dado necessário para identificar o início do Shabat e dos feriados judaicos. Para concluir, gostaria de mencionar um tema polêmico decorrente deste intercâmbio cultural-religioso: sua influência no português, em vocábulos que adquiriram uma conotação pejorativa e negativa. Os mais discutidos são: judeu, significando usurário, o verbo judiar (e o substantivo judiação) com o sentido de maltratar, torturar, atormentar. Seja sua origem a prática de “judaizar” (cristãos-novos mantendo judaísmo em segredo e/ ou divulgando-o a outros), seja como referência ao maltrato e às perseguições sofridas pelos judeus durante a Inquisição, o fato é que, sem dúvidas, sua conotação é negativa, e cabe a nós estudiosos do assunto e vítimas do preconceito, esclarecer a população e a mídia, alertando e visando à erradicação deste uso, não só pelo desgastado “politicamente correto”, que leva a certos exageros, mas para uma conscientização do eco subliminar de um longo passado recente, Pelo qual não basta o pedido de perdão, se não conduzir a uma mudança no comportamento social.
* Doutora em Literarura Judaica. Professora da UERJ
“Apontar estrelas faz crescer verrugas nos dedos” era a superstição que se contava às crianças para não serem vistas contando estrelas em 47
CRÔNICA
SÓ COM MINHA
CONSCIÊNCIA (Elias Salgado, da série contos de Jerusalém 1997-8)
Quantas e quantas vezes, me perguntei, se é a vida que alimenta as histórias dos escritores ou se são eles que precisam persegui-las?
R
ealmente, não sei a resposta. Portanto, levanto a questão perante vocês e os convido a respondê-la, se for de sua vontade. Numa segunda-feira, como qualquer segunda-feira de verão em Jerusalém, fui “arrastado” para o centro da cidade, por razões que não cabe explicar agora, pois é uma outra história... Ali estava eu no ponto, à espera do próximo ônibus para o Monte Scopus, um dos campi da Universidade de Jerusalém. Foi quando se aproximou de mim um jovem em seus 15 anos no máximo, ortodoxo – a esta conclusão cheguei pela obviedade da sua aparência externa: solidéu na cabeça, peiot (costeletas longas) e franjas para fora da camisa – que me perguntou: -- Você estuda na Universidade, não? Respondi que sim, num misto de desconfiança e curiosidade sobre quais seriam suas intenções. No Brasil, quando alguém nos aborda 48 AJ No 12 - ABRIL 2018
assim de forma súbita como ele o fez, logo pensamos no pior: “vai pedir alguma ou me assaltar”. Assim pensei também na minha paranoia de cidadão carioca. E no mesmo instante em que buscava uma desculpa para me livrar dele, chegou o ônibus da linha 9 e então eu disse, aliviado: -- Sinto muito, meu ônibus chegou -- e corri na direção do coletivo.
Presumi precipitadamente: -- Ufa! consegui me livrar dele com facilidade, que sorte! Porém, para minha surpresa, não aconteceu assim: o jovem correu em minha direção, segurando na mão uma nota de 50 shekalim (plural de shekel, moeda corrente em Israel) e um pedido que me surpreendeu totalmente: -- Por favor, você poderia levar este dinheiro para a sinagoga da universidade? Eu não soube como reagir e tampouco poderia, pois o ônibus já estava de saída: -- Onde, na sinagoga? Na caixa de tzedaká (doações)? -- Sim -- me respondeu o jovem, enquanto o ônibus zarpava bem à moda sabra (israelense) e eu dentro dele, atônito, com a nota de 50 shekalim na mão, enquanto, ainda estupefacto, tentei acompanhá-lo com o olhar. Ele já havia dado meia volta e seguido o seu caminho... Caminho? Mas, qual era o seu caminho? Que intenções teria? Seria
vieram à cabeça, lembrei-me da breve conversa que tivera aquela manhã com Karmia, a professora de hebraico, sobre o significado e valor da palavra “consciência”. Se não me falha a memória, eu disse a ela que consciência, na minha opinião, é algo que todos nós possuímos: só que a de alguns é positiva e a de outros, nem tanto... E agora estou eu aqui, sentado frente à minha consciência e uma nota de 50 shekalim... E pensando: - Neste mundo não faltam histórias para alimentar histórias. E que
Prédio da Sinagoga Hecht - Universidade de Jerusalém Monte Scopus ele real? O quê significava tudo aquilo? Imaginem vocês em que situação constrangedora ele me colocou, aquele rapaz! Eu que imaginei que ele queria me pedir, ou até mesmo me roubar – aquele mesmo jovem enigmático entrega a um estranho, na rua, dinheiro para uma boa ação?! Entre todas as coisas que me
Interior da Sinagoga Hecht - Universidade de Jerusalém Monte Scopus
Linha 4 para a Universidade de Jerusalém
tudo pode acontecer – até mesmo o time do Betar Jerusalém vencer a Bélgica no futebol, quando todos os prognósticos eram contrários... Mas o quê fazer com a minha consciência e os 50 shekalim daquele jovem misterioso? O que ambos me pediram, tanto minha consciência, quanto ele: procurar a caixa de doações da sinagoga na universidade e meter lá dentro a nota. E foi o que fiz. 49
Olá, li na newsletter de vocês sobre a história do cemitério municipal de Manaus e os judeus ali enterrados. Sou historiadora, venho acompanhando a história dos cemitérios das polacas aqui em São Paulo e em Cubatão. Recebi indicações da Chevra Kadisha que no cemitério de Manaus haveria 70 sepulturas deste grupo. Comecei a ler Eretz Amazonia, gostaria muito de conhecer o cemitério, conhecer o autor, o algum descendente que posso conversar comigo aí. Gostaria de ir para Manaus no feriado do dia 12 de outubro. Será que é possível. Grande abraço e boas festas. Paula Janovitch Gostaria de saber sobre Jaime Benlolo, se há algum registro sobre ele. Daniela Benlolo Procuro informações sobre a família do meu pai, emigrada para Belém do Pará, onde o meu bisavô foi rabino. Meu avô David Bibas, morreu antes do meu nascimento e a minha avó não contou-me muita coisa sobre ele. Poderiam ajudar-me?
Olá, bom dia. Gostaria de saber como faço para participar das reuniões na sinagoga. Tenho parentes que são judeus praticantes e eu sempre tive vontade de ir visitar, mas nunca fui. Moysés Abraham Larrat Fróes
Procuro curso de hebraico na cidade Manaus. Att, Márcio Pinheiro Bom dia! Gostaria de saber onde poderia ter mais informações sobre o meu avô materno que era judeu, nascido em Tanger e que veio para o Amazonas na época do ciclo da borracha. O seu nome era Samuel Toledano e ele viveu em Fonte Boa, vindo a falecer nesta cidade em 1956. Onde posso solicitar mais informações sobre ele? Fico no aguardo de uma resposta. Obrigado! Luis Carlos Toledano Pereira luistoledano@ig.com.br
Ola, gostaria de obter informação sobre a possibilidade de eu me juntar ao judaísmo. Atualmente sou evangélica e meu sobrinho é judeu. Gostaria também, de saber onde posso Como faço pra obter algumas revistas , que encontrar uma sinagoga em Manaus nas falem sobre os judeus na Amazônia, pois eu estou proximidades do Alvorada e se posso visitar, fazendo um projeto falando sobre isso. conhecer melhor. Aguardo uma resposta. Nádia Freitas Grata pela atenção Heliana Bibas
Maria Lima 50 AJ No 12 - ABRIL 2018
Na publicação “História e Memória” de Elias e David Salgado não vem quase nenhuma referência à firma B.Levy & Cia da qual meu avô, Rafael Benoliel foi Presidente. Porquê? Apenas uma referência de uma linha sobre uma empresa que foi grande no seu tempo. Agradeço resposta Marcos Benoliel Zagury
Elias, Super! A revista está SUPER MARAVILHOSA! Parabéns! Extraordinária mesmo! Digna dos 15 anos, digna de vocês e seu trabalho extraordinário! Parabéns, infinitas vezes! Seu trabalho e de seu irmão é algo que ficará na história do judaísmo brasileiro! Regina Igel, Maryland University, USA
Gostaria de saber onde poderia fazer um curso de hebraico em Belém do Pará? Odete Vanzeler Sabá
Oi Elias, parabéns pela revista! Adorei a capa! Monica Grin – Coordenadora do NIEJ/ IfCS/UFRJ
Bom dia! Como faço para conseguir a edição N.04/2011 da revista Amazônia Judaica, que traz na capa a sinagoga Shaar HaShamaim de Belém? Att. Danielle Moramay
Gostaria de receber os newsletter da AJ Izaak Vaidergorn
Elias querido que maravilha...acabei de ver...está excelente... queria colocar a matéria na página de Brimas com a capa da revista ..ou mesmo a revista toda... como é isso? Posso? Gratíssima pela matéria linda, Bjs Chag Sameach
Brima Beth P.S. Vou mandar pros brimos Simone e Luiz. Elias e David, Adorei... e já enviei para um montão de gente. Recebi alguns elogios da edição de Rosh Hashana... está muito boa. Renato Amram Athias , Etnólogo, UFPE Caro Elias, muito obrigada. Eu li a matéria do pesquisador Eliahu Birbaum, achei muito interessante. Primeiro porque é um rabino olhando para esta questão de uma maneira generosa e de integração, depois porque a pesquisa dele é muito boa mesmo. Estamos aqui em São Paulo lutando para integrar esta história no percurso da imigração. Abraços. Paula Janovitch 51
DESTAQUES
2018
EM PERSPECTIVA Após 15 anos de atividades, Amazônia Judaica segue nadando contra a maré e acreditando que contra a crise só há um remédio: seguir em frente sempre A seguir apresentamos a nossos amigos colaboradores, leitores de sempre e os que estão chegando; nosso programa de atividades e novidades para o ano de 2018.
O selo “Talú”, passa agora a denominar-se “Talú Cultural” com previsão de 5 novos lançamentos de ficção e não ficção: 02 novos livros de contos e crônicas de Elias Salgado; o livro “Força e coragem” de autoria do historiador André de Lemos Freixo, sobre os 70 do Hashomer Hatzair, que nos foi encomendado por aquele movimento. A criação de duas novas coleções: “Postagens 52 AJ No 12 - ABRIL 2018
Sagazes” (título provisório), composta de títulos de autores que fazem sucesso com seus posts nas redes sociais. A coleção será criada com o lançamento de livro do historiador Michel Gherman, em fase de edição e com publicação prevista para o 2º.
Semestre deste ano. Em fase de planejamento, também, uma Coleção de Clássicos nacionais e internacionais, de autores cuja obra encontra-se em domínio público. E diversos outros projetos editoriais, para o futuro próximo. A “Talú Cultural”, passará a ser a marca e o setor que cuidará da realização dos eventos culturais de nossa empresa, a nível nacional e internacional, tais como: lançamentos, exposições, ciclos, seminários e afins.
Sefarad Universo
Foi criado um novo segmento em nossa empresa, o “UNIVERSO SEFARAD”, cujo objetivo
maior é abordar temáticas variadas do judaísmo sefaradi, na diáspora e em Israel, exceto o judaísmo amazônico, que seguirá sendo abordado por
AMAZÔNIA JUDAICA segue encarando novos desafios: * Excursão ao Marrocos em outubro de 2018 * 02 novos projetos de pesquisa com edição de livros – “Judeus no Pará” e “Diáspora Amazônia”, ambos com previsão de
lançamento para 2020 * Atualização e ampliação do Portal Amazônia Judaica e do Arquivo Histórico Digital AJ (2018 – 2020) * Publicação de 02 números da Revista Amazônia Judaica * Lançamento da coletânea “Amazônia Judaica, 15 anos de travessia” em espanhol, na Espanha, Israel e Argentina * Manutenção do atendimento aos acessos ao Portal Amazônia Judaica * Elaboração da Exposição: “Os judeus na Amazônia”, com previsão de inauguração em 2020
Amazônia Judaica. Universo Sefarad será composto, num primeiro momento, por: * REVISTA UNIVERSO SEFARAD, que será lançada no 2º. semestre deste ano. * Um blog (já existente), o BLOG UNIVERSO SEFARAD * Está sendo estudado a criação de um site de nome UNIVERSO SEFARAD.
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Saul Benchimol e família Desejam a todos Feliz Pessach e Parabéns ao Estado de Esrael pela passagem de seus 70 anos de criação Noêmia, Ari Zugman e familia Desejam à querida Comunidade Paraense um Pessach Kasher Ve Sameach onde as famílias se encontrem e festejem a liberdade material e espiritual em paz e harmonia e Parabéns a Medinat Israel pelos 70 anos 54 AJ No 12 - ABRIL 2018
Marcos Nahom e família Desejam a todo o Ishuv Pessach Kasher Vesameach e se juntam a todo nosso povo na passagem dos 70 anos de Israel
Jaime e Anne Benchimol e família
Congratulam-se com Medinat Israel pela passagem dos 70 anos de sua fundação e desejam a todos um Feliz Pessach “Quem jamais ouviu tal coisa? Quem viu coisa semelhante? Poderia nascer uma terra num só dia? Ou nascer uma nação de uma só vez? Pois Sião, antes que lhe viessem as dores, deu à luz seus filhos” (Ieshaiahu 66:8) Shalom al Israel! Israel bat 70!
Yosef&Miriam Freitas Elarrat e familia
David Samuel Israel e família parabenizam Israel pelos 70 anos de criação e desejam Pessach Kasher VeSameach à todos. 55
Clara Nahon Mendes e Elias Mendes, Congratulam-se com todo o Ishuv amazônida nas comemorações dos 70 anos de Estado de Israel e desejam a todos um Pessach Kasher VeSameach
David Mendes
Congratula-se com todo Am Israel pela passagem dos 70 Anos de Medinat Israel e deseja a todos um Feliz Pessach Moisés Salgado e família desejam a toda nossa amada kehilá um Feliz Pessach e manifestam seu júbilo pelos 70 anos de criação do Estado de Israel
Vidinha Salgado, filhos, noras e netos parabenizam Israel pelos 70 de fundação e desejam a todos um Feliz Pessach 56 AJ No 12 - ABRIL 2018
Isaac Dahan e família formulam votos de Pessach Kasher Vessameach e congratulam-se com todos os judeus do mundo pelos 70 anos de Medinat Israel
Passe um Pessach ou Yom Haatzmaut 70 Anos, com “Israel em boa companhia” CONTATOS E CONSULTAS:
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PARABÉNS À ISRAEL PELOS 70 ANOS E PESSACH SAMEACH A TODOS NOSSOS LEITORES