Amazônia Judaica - N.10/2017 - Pessach 5777

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Edição de Pessach 5777

ANO 9 No 10 ABRIL DE 2017

PESSACH 2017

EDIÇÃO ESPECIAL 15 ANOS


Saudamos a AmazĂ´nia Judaica pela passagem de seus 15 Anos e desejamos a todos

PESSACH KASHER VESSAMEACH


”Duas vezes é bom demais“!

Editores David Salgado Elias Salgado Gerente Artístico Eddy Zlotnitzki Projeto Gráfico Thiago Zeitune Revisão Mariza Blanco Arte e diagramação Eddy Zlotnitzki Colaboradores Heliete Vaitsman Henrique Cymerman Ilana Feldman Moacyr Scliar z”l Regina Igel Renato Amram Athias Sultana Levy Rosenblatt z”l Portal e Arquivo Amazônia Judaica www.amazoniajudaica.org Amazônia Judaica no Facebook Amazônia Judaica

Email contato@amazoniajudaica.org portal200anos@gmail.com Amazônia Judaica no Issuu www.issuu.com/aj200 Campanha Amazônia Judaica 15 anos no Catarse.me www.catarse.me/amazoniajudaica15 anosdetravessia

Como é gostoso ter uma boa razão para festejar. Agora, duas boas razões, ah! isso é bom demais. A primeira delas é que chegamos a mais um Pessach, o que já é motivo de muita alegria. A segunda, é que, foi no Pessach de 2002, em Belém do Pará, que o jornal Amazônia Judaica foi criado. E aqui fazemos jus ao ditado hebraico: “Paamaim Kitov” (Duas vezes é bom), pois como no Bereshit (Gênesis), D’us, no sexto dia da criação, ao observar sua obra, diferente dos demais dias, ele a elogiou duas vezes. Algo muito parecido se passou conosco ao admirarmos nossa obra e ver que 15 anos se passaram desde sua criação e o AJ é hoje muito mais do que pudemos imaginar e sonhar! Falta de modéstia? Que nada! É apenas o mesmo combustível que nos impulsiona desde sempre: a empolgação, o amor ao que fazemos e a consciência da importância, sem falsa modéstia, do nosso trabalho para a preservação deste judaísmo singular e bicentenário. O jornal se transformou em seu oitavo ano de fundação, na Revista Amazônia Judaica. Um projeto editorial e gráfico primoroso que vem angariando elogios de seus leitores. Hoje Amazônia Judaica é um “mix” de comunicação único na comunidade amazônica. Ele agora é uma editora, um site e um arquivo histórico digital, localizados no Portal Amazônia Judaica (www.amazoniajudaica.org). Amazônia Judaica não só é único em seu gênero, como também, edita o periódico de vida mais longa, nos mais de 200 anos de história da presença judaica na Amazônia. Todo este sucesso não é só nosso. O mérito é de toda uma comunidade formada de leitores fiéis, patrocinadores e colaboradores que nos acompanham nesta exitosa travessia. E falando neste ponto alto da nossa revista- seus brilhantes colaboradores destacamos aqui a luxuosa participação dos seguintes articulistas, ensaístas e cronistas, nesta Edição Especial e histórica de 15 anos: Fazendo sua luxuosa estreia na AJ, o Jornalista internacional e premiadíssimo correspondente para o Oriente Médio, Henrique Cymerman, em entrevista ao chefe dos Peshmergas, general Sirwan Barzani, no front de batalha do Curdistão iraquiano. Uma deliciosa crônica da saudosa Sultana Levy Rosenblatt z”l, para registrar a passagem dos 10 anos de seu falecimento e outra do querido Moacyr Scliar z”l, para comemorar seus 80 anos de nascimento – ele que nasceu num Pessach. Além de ensaios e artigos de: Regina Igel, nossa especial colaboradora da Maryland University, USA, que faz um maravilhoso apanhado da ficção judaica amazônica; Renato Amram Athias, da UFPE Nossa colaboradora de primeira hora, a jornalista e escritora, Heliete Vaitsman, volta a nos prestigiar, assinando nossa matéria de capa, uma retrospectiva sobre nossos 15 anos de atividade. E também fazendo sua primorosa estreia na AJ, a maravilhosa ensaísta, Ilana Feldman, assina um artigo delicioso sobre a haquetia. Enfim, caros leitores, uma festa para jamais ser esquecida. Por muitos 15 anos mais de boa leitura. A todos, nosso sincero desejo de um Pessach Kasher VeSameach David e Elias Salgado

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A IMAGEM DA CAPA

AMAZÔNIA JUDAICA 15 ANOS

UMA EXITOSA TRAVESSIA

Facsímile do Editorial da primeira edição do Jornal Amazônia Judaica, lançado em Belém do Pará, no Pessach de 2002, por David Salgado

Edição de Pessach 5777

ANO 10 No 10 ABRIL DE 2017

PESSACH 2017

EDIÇÃO ESPECIAL 15 ANOS

10--ABRIL ABRIL2017 2017 4 AMAZÔNIA AMAZÔNIAJUDAICA JUDAICANNoo10


EDIÇÃO ESPECIAL DE 15 ANOS PESSACH 5777 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

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10

LITERATURA ESPECIAL ORIENTE MÉDIO ESPECIAL Os igarapés literários da Amazônia

Herói do Curdistão

38 CRÔNICA ESPECIAL

Como viemos parar na Amazônia

EDITORIAL A IMAGEM DA CAPA

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4

CULTURA E TRADIÇÃO

20

CAPA

24

HISTÓRIA

30

IDENTIDADE

34

CRÓNICA ESPECIAL

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CARTAS DOS LEITORES

48

MENSAGENS

50

“Comida e Religião: Um banquete na Amazônia”

“Amazônia Judaica 15 Anos: Respeito pelo passado, fé no futuro” “Iz shverr tzu zain a id” “O Nosso hakitia de todos os dias” “É duro ser judeu"


LITERATURA

Os igarapés literários da

AMAZÔNIA Regina Igel (Especial para Amazônia Judaica) In memoriam: Sultana Levy Rosenblatt (1910-2007)

Seria plausível pensar em dois universos na Amazônia: o vivido por seus moradores e colocado à vista por pesquisas e análises científicas, como também pela gente revolvendo lendas, ilusões e até alucinações; e um outro universo, o da escrita criada pela memória, experiência e imaginação daqueles que nele convivem ou conviveram

A

estes dois mundos, que se mesclam em várias áreas, dedicaram-se homens e mulheres, pesquisadores, contadores de histórias, escritores. Entre os últimos, há aqueles que levaram para a arte literária, em vários graus de estética, suas lembranças, seu conhecimento prático e suas faculdades imaginativas. É a estes, os escritores, que se dirige este artigo, entrando pelos igarapés das letras. Este ensaio vai se referir aos escritores de origem judaica que abarcaram o mundo florestal na sua escrita. Tais pessoas são descendentes de imigrantes ou são expatriados que se estabeleceram na região. A chegada de imigrantes na Amazônia em volumoso número deu-se principalmente a partir de 1850, quando a extração do látex e 6 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

a consequente transformação deste produto em borracha passou a ter papel significativo na economia brasileira e mundial. Coincidiu com quedas brutais no rendimento de muitos países e seus habitantes procuraram trabalho no Brasil, nas plantações de açúcar, café, algodão, juta.. muitos se dirigiram ao norte, ao ‘inferno verde’, como era qualificada a floresta. Mas ainda antes daquele ano, o Marrocos, liderado por uma monarquia corrupta e colérica, passou a cuspir seus habitantes judeus, os que viviam nas ‘melás’, como se chamavam os vilarejos pelo campo e cortiços nas cidades, onde se aglomeravam os sefarditas, principalmente os que eram descendentes da ‘gente da Nação’, que se mantiveram no norte da Africa por gerações desde a Inquisição.

Foram seus descendentes que trouxeram para a região amazônica o ladino e a haquetía, idioma e dialeto respectivamente, falado pelos judeus marroquinos (além do árabe, do francês e do espanhol). Com esta distinta bagagem linguística e quase nada mais, os imigrantes marroquinos se instalavam pelas cidadelas encravadas entre ou na confluência de rios. Sobre essa população, Samuel Benchimol, Sultana Levy Rosenblatt, Paulo Jacob, Leão Pacífico Esaguy e os irmãos Salgado escreveram, expondo como foi o desenrolar da vida para os pioneiros nos labirintos hídricos da extensa floresta amazônica. Também sobre um casal de imigrantes judeus búlgaros, um romance foi publicado por Ilko Minev, abarcando os estados Pará e Amazonas.


Seria difícil, se não impossível, elaborar sobre os inúmeros trabalhos publicados sobre a bacia amazônica desde que Vicente Pinzón a viu, tendo sido ele o primeiro europeu, historicamente, a se extasiar (e, talvez, se amedrontar) com o espetáculo da pororoca e pela imensidão do ‘mar dulce’. Portanto, do bioma amazônico que se alastra por nove países da América do Sul, vamos nos ocupar da nossa, da Amazônia brasileira e, dentro desse mundo telúrico-hídrico, nosso foco é a sua parcela literária judaica, precisamente os moradores que escreveram sobre seu ‘modus vivendi’. Pouco, muito pouco se sabe da literatura amazônicajudaica e nesta classe incluo escritos por judeus e nãojudeus que abordaram a vivência hebraica naquela imensidão. Começo nossa incursão literária na região pela porta leste, isto é, pelo Pará.

Foi com Dona Sultana Levy Rosenblatt, paraense, judia descendente de marroquinos, conhecida como Dona Sussu, que passei a saber mais sobre os judeus na Amazônia, região onde nasceu, se

criou, estudou, trabalhou e morou até casar-se com Martin Rosenblatt e mudar-se do Pará (mas que visitava com frequência). Ele, americano a serviço do seu país como meteorologista, ao procurar por um centro judaico em Belém, encontrou uma sinagoga, onde transcorria uma celebração. Nessa, Sultana, a moça que se tornou sua esposa dois anos depois, declamava poemas com temas sionistas. Casaram-se por volta de 1943 e se mudaram para Honduras, onde Martin recebeu outro posto. Seu sogro era Eliezer Levy, não só co-fundador de uma das sinagogas em Belém do Pará, mas também governador da província do Amapá, mas também dono de um jornal sionista (Kol Israel) no qual aparecem as primeiras manifestações pró-Israel (então chamado ‘Palestina’) em língua portuguesa. Sultana me contou muito sobre sua vida em Belém do Pará, seu berço de nascimento. Falou-me da casa em que moravam, onde recebiam forasteiros judeus que por ali passassem e quisessem o aconchego de uma família para celebrar o Sábado (como Noel Nutels); confidenciou-me um dado do envolvimento místico de sua família com uma moça marroquina que tinha ajudado sua mãe a criar os 12 filhos e que, ao falecer, pedira que não invocassem seu nome, a não ser por grande necessidade. E foi quando Sultana dava à luz 7


LITERATURA um dos seus três filhos, desta vez já morando em Honduras, que lhe apareceu o espectro da sua parente, como a lhe dizer que tudo iria terminar bem. Daí se germinou uma ligação espiritual entre Sultana Levy e aquela moça, já do outro lado, que se perpetuou até o falecimento da escritora (quem sabe se seus espíritos se encontraram...). Ela, o marido e os filhos também moraram brevemente em Porto Rico antes de se mudarem para McLean, na Virginia, e foi naquela casa térrea, espaçosa, com um jardim na frente e um imenso quintal atrás (onde ela plantou uma pitangueira com sementes levantadas em Israel), que ela viveu, recebendo visitas de amigos e amigas, judeus e nãojudeus, convidando-os para suas maravilhosas ceias de Shabat, de Ano Novo judaico, e outras festividades. Sua casa tinha a porta aberta para todos, e dizia que este era o costume que aprendeu na casa do seu pai. Tinha um coração tão imenso ou maior do que toda a floresta amazônica... São seus livros publicados: Uma grande mancha de sol, Chavito Prieto, Reviravolta, Barracão e As virgens de Ipojucama. Além destes, escreveu inúmeros contos e crônicas, impressos em jornais do Pará e também na revista Morashá, para a qual passou a colaborar já nas últimas décadas da sua vida. Em seus livros aparecem muitas cenas da vida judaica na sua cidade e na sua casa – o que ela repetia na sua residência nos Estados Unidos, na 8 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

medida do possível. Por exemplo, a festa da Mimona quando, ao terminar o período do Pesach (que celebra a libertação do povo judeu da escravidão egípcia, liderados por Moisés), dá-se entrada aos ingredientes que estavam proibidos de ser consumidos durante a semana. Havia cantos e comidas típicas na sua casa, como se fosse uma extensão da sua vivência em Belém. Também contava a respeito dos seus irmãos, principalmente sobre Judah Levy, que fez edifícios (um deles chamouse “Esther”) naquela cidade, e o preconceito antissemita de um padre que quase chegou a excomungar quem se aproximasse do prédio... Contou também sobre a morte de um irmão, afogado em Copacabana, formado em Medicina... e quando seus irmãos começaram a falecer em idade avançada, me disse de um sonho que teve, em que via uma mangueira carregada de mangas (como é comum pelas ruas de

Belém), e da árvore caía ora uma manga, ora outra, e assim a árvore ia se separando de seus frutos. Ela, que interpretava também meus sonhos, disse que aquela árvore e a queda das frutas representava a vida e a morte de seus irmãos. Entre todos, ela foi a última a ir-se. Seu corpo está enterrado num cemitério judeu em Maryland, Estados Unidos, junto ao corpo do seu marido, que faleceu poucos anos depois dela.

Pelas histórias que ela me contava, penetrei pela literatura amazônica e conheci outros autores judeus. Foi com seu incentivo que conheci e passei a ler (e a consultar) Eretz Amazônia (1998), de Samuel Benchimol (1923-2002). Neste livro, o

economista e professor universitário examina a comunidade judia da região desde os tempos da imigração,


proveniente em sua maior parte do Marrocos, acompanhando-a analiticamente ao longo da coexistência com os amazonenses e paraenses, seu isolamento e sua assimilação, os que progrediram e os que não, os que ficaram e os que se foram. Dados surpreendentes são encontrados em suas páginas: judeus que tiveram cargos políticos e de responsabilidade social, como os que foram prefeitos de cidades iminentes, outros que pertenceram à liderança industrial e comercial de muitas regiões, além de tantos que se organizaram para a fundação de escolas, clubes e bibliotecas estes de interesse judaico tradicional. Sua obra é uma enciclopédia, que abre caminho para muitas pesquisas, com indicações de fontes e trajetos percorridos na sua investigação infatigável sobre os judeus na região amazônica. Desta obra, passei para outras mais, agora entrando pelos

relatos ficcionais. Assim, dei com o romance escrito pelo amazonense Paulo Jacob (1921-2004), que escreveu, entre outros romances sobre grande variedade de aspectos amazonenses, Um pedaço de lua caía na mata (1989, três edições desde então). O desembargador Paulo Jacob foi também professor universitário, desempenhou cargos políticos mas, principalmente, foi viajante assíduo por toda a região amazônica. Neste romance, o autor apresenta uma família de sefarditas, liderada pelo pai e marido, empenhado em conservar as tradições judaicas, ainda que sua esposa e dois filhos, embrenhados todos na cidade de Parintins, estivessem isolados dos correligionários. A narrativa expõe como a vida amazônica deste diminuto grupo de pessoas se equlibrou como ponto de confluência de tradições judaicas e locais, expostas de forma explícita tanto pelas descrições dos afazeres familiares e o empenho em cumprir as regras religiosas, como pela convivência com as pessoas fora de casa. Embora a maior parte do tempo tudo corresse em harmonia, o pai temia que seus filhos se casassem com pessoas fora da religião, o que era quase inevitável, dada a situação em que viviam, mas ele não podia fazer nada, pois a vida de todos dependia do seu trabalho entre os ribeirinhos. A luta deles era adaptarse ao meio ambiente sem perder o fio da sua personalidade genética, étnica ou religiosa... O perigo da assimilação podia ser constante entre os que queriam manter a si e a sua família leais à religião ou a tradições. Mas havia

também os perigos encontrados entre os habitantes das selvas, os animais, apropriadamente chamados ‘selvagens’. E quando um deles se solta, estando com fome, por uma cidade ou vilarejo, o pavor se apossa de todos.

Foi o caso de uma onça que perambulava pela cidade de Leão Pacífico Esaguy (1918 2010) até que este resolveu, acompanhado de um amigo, acabar com o bicho que aterrorizava a população. A onça se escondia na floresta, claro, quem quisesse acabar com ela teria de procurá-la no seu habitat. E foi o que fizeram. A aventura está relatada no conto “Satã, o Felino Maldito”, incluído no seu livro Contos amazonenses (1981). Eu o consegui por pessoas generosas, que conheci durante minhas pesquisas em Manaus, há muitos anos – eles me trouxeram cópia deste conto, dizendo-me que seu autor se tinha mudado para S.Paulo, para ficar perto de um filho. De volta a S.Paulo, me comuniquei com o sr. Leão Pacífico ao telefone, quando me contou muitas passagens da sua vida na selva. Nasceu em Itacoatiara, cresceu como um menino da floresta, em contato constante com o mundo verde, as águas e os índios, caboclos e estrangeiros. Sabia e se reconhecia como judeu e também assim o viam seus amigos, vizinhos e outros, ainda que sua família próxima fosse assimilada. Era um homem cultivado, apreciava sua vida na floresta e na sua cidade natal e exaltava a selva, aquele mundo extraordinário que fez dele quem ele sempre foi: corajoso, destemido, amante da natureza e seu fiel servidor. No conto acima 9


LITERATURA mencionado, que tem traços autobiográficos, ele se refere ao perigo de ver-se morto pela onça, que lhes apareceu de surpresa, bem perto, num momento de descanso, quando seu rifle estava distante dele. E naquele momento que lhe pareceu ser o fim da sua vida, gritou “Shemá Israel”. O amigo que viera com ele para a caça conseguiu dar o tiro fatal no animal, daí que Leão Pacífico escapou da morte. O conto mostra, indireta e também diretamente, como todos os anos de convivência e assimilação ao meio ambiente não secaram sua fonte primeira, daí o grito ‘Shemá Israel,’ que salta da garganta de judeus diante de um momento fatal e iminente. Também é autor de O aleijadinho (1982) e Enxuga as lágrimas e segue o caminho que te determinaste (1999), este último uma longa e vibrante apoteose à floresta amazônica como sendo presente de Deus, pelos rios, pela flora e fauna, como se toda a natureza estivesse deslizando de uma cornucópia divina. Outros imigrantes também se encantaram com a região florestal. Não era do Marrocos, mas sim da Bulgária, um casal de sefarditas de remota origem espanhola, que chegou por acaso ao porto de Belém. É que seu navio, que estava destinado à cidade portuária de Santos, no sul do país, sofreu grande avaria e a espera por outro barco não encontrou paciência no casal, que resolveu desembarcar e ficar no Pará.

Tal é narrado no livro E onde estão

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as flores? (2014), de Ilko Minev, sobrinho do casal, ele

incursão literária nos leva aos irmãos Salgado, David e Elias, fundadores da editora e revista Amazônia Judaica que, com um noticiário variado e publicação de artigos, ensaios, reportagens e fotos, retirou a região norte do país do isolamento artístico. Como ninguém melhor do que David e Elias para comentar sobre a revista, passo para um dos livros de Elias, cuja contracapa leva texto de minha autoria. Tratase da coleção de contos O fim do mundo e outras histórias de beirario (2015), sobre acontecimentos que tiveram lugar no decorrer da vida infantil e de adolescente de Elias Salgado no lugarejo que lhe parecia estar localizado no fim do mundo, chamado Boca do Acre, “no entroncamento entre os rios Acre e Purus”.

também búlgaro e morador de Manaus. No seu romance de estreia (outro se seguiria), Minev faz com que seu tio, Licco Hazan, conte a história dos percursos que ele e Berta, sua esposa, fizeram desde que conseguiram escapar dos nazistas durante a Segunda Guerra e se entregaram à beleza e às possibilidades econômicas da região, onde se estabeleceram para o resto da vida. Como era então o tempo da Guerra, as habilidades de mecânico de automóveis e, depois, de aviões, deram um meio digno de vida aos refugiados. Daí se ergueram para outras empreitadas, nem todas coroadas de sucesso, mas quase todas fincadas na alegria da vida recuperada e no futuro deles e dos filhos, que já podiam planejá-lo, Nas longe da Europa ensanguentada pelos nazistas. Finalmente, nossa

narrativas sobre a


família Elmaleh-Salgado, Elias descreve passagens informativas e inéditas sobre vários aspectos da convivência com os demais amazonenses, com os quais

a família constituída por seu pai conviveu em termos de igualdade, apesar das diferenças religiosa e étnica. O escritor revela episódios sobre o caráter religioso e conservador do David-pai, apesar de se ter casado, por duas vezes (ao enviuvar, casou-se com a irmã da esposa falecida), com moças não-judias (a quem ensinou certas práticas judaicas). No ambiente isolado em que vivia, não havia instruções formais da religião judaica, mas seus filhos foram educados como judeus conhecedores e orgulhosos de sua ancestralidade. O pai, figura de vulto no conjunto das histórias, foi um daqueles homens que não se atemorizavam diante das inundações locais, nem das batalhas financeiras, nas quais ora perdia, ora ganhava, nem dos inimigos comerciais que proliferavam entre os ‘regatões’ e seus ajudantes. A amizade do pai com um sírio-líbanês é um dos exemplos para a abertura mental dos filhos, que não distinguem religião nem etnicidade entre seus amigos. Os relatos se referem a todos os habitantes com quem conviveu nas suas experiências tanto reais quanto suprarreais, todas expostas em tom íntimo e amigável no livro. Uma vez visitados, os contos são lembrados pela Vidinha, mãe de Elias, mulher devotada à família, que começou a formar ainda em sua fase de adolescência. Tampouco será possível esquecer o Martins Bruzugu, homem que tinha receio

obsessivo da morte e que chegou a se proteger dela, quando espalharam que estava chegando a data do fim do mundo. História triste, mas também cômica, pois enquanto mostra uma fixação doentia de parte do Martins, também expõe o quanto pode chegar o crédito que pessoas simples dão para rumores, principalmente os apocalípticos. Também estão expostos episódios tensos, como quando o menino Elias fora levado por uma empregada a participar de uma procissão católica, às escondidas do pai...

amazônica não se restringem a judeus religiosos, pois grande parte delas é povoada por judeus laicos, e também por descendentes dos pioneiros que tiveram filhos com moças não-judias. No entanto, estes últimos, mostrando interesse, podem sentir-se judeus, mesmo não afiliados a sinagogas ou a clubes fundados por judeus. Há que constatar que o universo judaico amazônico é tão variado quanto sua flora e sua fauna. Os humanos que o compõem, sendo de ascendência hebraica, são também os que mantêm o mundo judeu ativo, dinâmico, com pessoas interessadas no Sionismo (chegando a enviar seus filhos para completarem seus estudos em Israel, onde muitos se estabeleceram e constituíram família). Aos irmãos Salgado muito se deve pela repercussão de sua gente em todos os quadrantes do Brasil. Quinze anos de manutenção da revista, com contribuintes de vários setores (comerciais, industriais e culturais) provam o quanto a revista é bem vinda e benquista! Como dizemos, entre os judeus, que vivam, eles, a revista e a editora até os 120 anos!

Elias e David têm inúmeras obras publicadas, algumas a solo, como os artigos, entre muitos outros “A comunidade israelita de Pedra Pintada” e “Reescrevendo a História dos Judeus no Amazonas”, por David Salgado, e até uma obra a ‘duas mãos’, como o denso livro História e Memória: judeus e Industrialização no Amazonas (2015), composta pelos dois irmãos. [Para

minha entrada nos igarapés literários, além de Como o título indica, a obra examinar todos os livros e artigos enuncia o trabalho da formação mencionados acima, consultei: da base industrial no estado de literaturarogelsamuel.blogspot. Amazonas, por iniciativa de com/2008.04/paulo-jacob.html judeus ali estabelecidos. Fotos e contei com informação de Sula de vários aspectos da vida dos Esaguy. (R.I.)] pioneiros da indústria enriquecem o registro de episódios até então anônimos quando não inteiramente *Regina Igel dispensa apresentações, mas elas desconhecidos do público. nunca são demais... PhD em Literatura Portuguesa, Algumas palavrinhas finais a este professora e coordenadora do Programa de língua da Maryland University, USA. E artigo que entrou pelos igarapés Portuguesa colaborado de primeira hora da nossa revista literários da Amazônia: As várias comunidades judaicas na região 11


ORIENTE MÉDIO - ESPECIAL

O HERÓI DO

CURDISTÃO Henrique Cymerman Benarroch* – (Mahmour, Curdistão, Iraque – Especial para a AJ)

Ao chegar ao front de combate na região curda do norte do Iraque, os Peshmerga, as forças armadas locais, dão sinais de nervosismo

N

os numerosos chekpoints militares próximos a Mahmour, os Peshmerga, que em curdo quer dizer: “aqueles que estão dispostos a morrer”, nos dizem: “ Até alguns meses atrás, os milicianos paranoicos do Estado Islâmico, ainda estavam aqui. Porém, graças à determinação de nossos homens e de nosso general, conseguimos recuperar quase 20.000 km2 de território”. Ao chegar à base do front, vemos como trabalhadores curdos apagam pixações do E I. Quando dissemos que nos aguardava o general Sirwan Barzani, todos se enquadraram. Trata-se do neto do legendário líder curdo, Mustafá Barzani(1903-1979), cujos descendente estão na vanguarda deste estado embrionário. O general nos mostra no mapa, em detalhes, a ofensiva curda. Um de seus homens lhe conta que acabam de capturar 5 milicianos do Estado Islâmico que estavam numa casa de um povoado recém recuperado pelos Peshmerga, tendo como prisioneira uma mulher nua.

12 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

“ Ocupem-se da moça, interroguem os sujeitos e mandem-nos para a cadeia em Erbil”, ordena.

explosivos que foram encontrados em dezenas de casas, de onde os islamitas fugiram diante da ofensiva curda. “ Eles pensam que tudo lhes é permitido, principalmente com os cristãos e os yazidis que se negam a converter-se ao Islam. Sirwan Barzani tem 45 anos. Estudou na academia militar curda “Muitos deles são jovens que buscam de Zahu, e aos 29 anos já era general. aventura e mulheres, já que quando Casado, pai de três filhos, disse que ocupam um lugar se sentem livres seu grande hobby é o Barcelona, para matar os homens, violar as e que sempre que pode vai ao mulheres ou vende-las no mercado Camp Nou ver as partidas. Nos como se fossem um objeto”, afirma últimos anos, montou um império o general Barzani, enquanto nos econômico de telecomunicações mostra uma bandeira negra da com várias companhias do ramo de Da’esh, e celulares conectados a celulares. Até que seu tio, o atual


quilômetros de largura, incluindo os ataques aéreos da coalizão internacional formada por 69 países”. Em seguida nos mostra as armas capturadas ao inimigo, entre elas tanques, mini tanques, mísseis e rifles automáticos de fabricação russa e norte americana. “O Da’esh tem tudo o que quer, porque os americanos investiram 30 milhões de dólares no exército iraquiano na última década, cifra igual à investida pelo governo iraquiano. Muitos generais de Saddam Hussein se Até agora, o general Sirwan tornaram líderes do EI, por convicção perdeu milhares de seus ou interesse, e se apropriaram de homens da área 6, a que parte dos equipamentos”. protege a capital, de um Porém, não somente o EI tem total de 1200 Peshmerga combatentes que chegam do exterior. mortos. O Estado Islâmico Também entre os Peshmerga, se presidente, Masoud Barzani, lhe chamou e pediu que a situação. “ Os bárbaros do Estado Islâmico, ocuparam a cidade de Mosul, a segunda mais importante do Iraque, e estavam a 25 quilômetros de nossa capital, Erbil, sobre a qual lançaram também, numerosos mísseis. Não pude dizer não ao presidente e a meus colegas Peshmerga. E agora, estou há meses aqui no front e quase não posso ir em casa. Apesar de que quando podemos, relaxamos com as partidas do Barça”.

controla um terço do território iraquiano, e um terço do território sírio, o que representa uma área similar à Inglaterra. “ Nós matamos milhares de homens do EI, mesmo estando melhor armados que nós, de um total de 8500 mortos no seu lado por todo nosso front de 1050

pode escutar idiomas diferentes, destacando-se entre eles o alemão. Sardar, que viveu duas décadas na Alemanha, nos mostra um tanque que seus homens conseguiram abater. Havia 7 homens do Da’esh escondidos dentro e atrás do tanque, que tentaram nos surpreender.

Porém nossos homens com muito sangue frio, conseguiram vence-los”. Quando lhe pressiono a respeito, confessa que também os Peshmerga sofreram várias baixas e que a luta é muito sangrenta.

Entre seus combatentes há numerosas mulheres. Uma delas, que nega se identificar, afirma: “Os do EI temem que nós os matemos, porque acreditam que se uma mulher os liquida, não subirão ao paraíso e ficarão sem as 72 virgens. Por isso quando eles nos veem, muitas vezes, fogem”. O general surpreende a seus combatentes quando de repente propõe me levar a fazer um recorrido no front de Mahmour em seu jeep militar. Nenhum de seus homens se atreve a protestar. Porém seus rostos delatam sua preocupação. Na véspera, no centro da capital Erbil, um carro-bomba havia provocado a morte de vários civis. Mike o assessor do general, sussurra em meu ouvido: “Sirwan é o objetivo número um do Da’esh”... Quatro jeeps nos rodeiam, assim como um caminhão com 10 soldados armados até os dentes. Dois dos jeeps impedem que os carros que vem em sentido contrário ao nosso, possam aproximar-se do jeep do general. De repente, este decide parar e mostrarnos um lugar em construção. E em meio a ordens e contraordens, os soldados fazem um cordão 13


ORIENTE MÉDIO - ESPECIAL

“Não necessitamos que hajam botas estrangeiras no terreno para lutar contra o inimigo. Nós somos capazes de fazê-lo, porém necessitamos que a comunidade internacional nos ajude urgentemente com a melhor tecnologia militar”, diz. Seus homens

humano em torno do lugar. “Esta é a futura Praça dos Mártires”, disse. Eu mesmo perdi vários amigos de toda uma vida e devemos honrar sua memória”. O gigantesco mastro é branco com manchas vermelhas, “que simbolizam seu sangue”. No caminho de volta á base se escuta explosões distante, porém Barzini continua falando impassível. Uns são ataques das forças combatentes. Os

afirmam que todos se preparam para um assalto contra Mosul, situada a uma hora de distância, destinado a outros são os estrondos provocados recuperar a cidade conquistada pelo pelos drones norte americanos que EI. atacam de dia e de noite, bases do EI. O general nos mostra no seu celular Barzani não esconde que seu grande um vídeo de ataques noturnos nos sonho é que após um século de quais operadores dos aviões sem luta, esta se converta na guerra de piloto controlam o joystick a 12000 independência curda. “Penso que kms de distância no Texas e Nevada. o Iraque já não existe e que há que Ao fundo se escuta suas vozes: “Estão balcanizar o país: criar um estado se movendo. Corre. Tentam fugir”. De chiita, outro sunita e um Curdistão repente se vê uma explosão seguida de soberano”. “Tomara que logo eu possa um grito: “Os pegamos em cheio” abandonar este uniforme e voltar ao mundo dos negócios. Enquanto isso temos que vencer aos novos bárbaros do Estado Islâmico”

* Jornalista Internacional consagrado, Henrique Cymerman é autor de vários livros de sucesso e inúmeros prêmios, títulos e comendas internacionais Com Licenciatura em Ciência Política e Sociologia pela Universidade de Tel Aviv e mestrado em Ciências Sociais pela mesma universidade, é correspondente no Oriente Médio para o jornal espanhol La Vanguardia, para o canal espanhol Telecinco, para o canal de televisão português SIC, para Univision dos EUA, para GloboNews Brasil, para CCTV da China, para Channel 2 News, Israel, para o jornal Português Expresso.

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UM JORNALISTA, ANTES DE TUDO UM HOMEM SEMPRE NO FRONT (Por Elias Salgado)

A vida é sim uma caixa de surpresas. Para muitos ela pode até ser aquela dada a tragédias, a dita da mitologia grega, a famosa Pandora. Não é o meu caso. A grande maioria das surpresas com as quais a vida tem me brindado, são maravilhosas. E Henrique Cymerman Benarroch é, certamente uma delas, em vários aspectos.

Lembro como se fosse não ontem, mas agora. O filme me passa com total nitidez: Henrique adentrando o portão principal do nosso colégio, o Instituto Mosinzon na pequena Magdiel, no coração de Israel, naquele longínquo ano de 1976, trazido por nosso coordenador, o brasileiro Tzvi Yampolsky. Mesmo tendo chegado um ano depois de todos nós, Tzvi , em hebraico e para os seus colegas e amigos de secundário, doravante e para sempre, o nosso querido “portuga”; não tardou a se enturmar e ganhar a simpatia de todos nós. Eis uma de suas inúmeras e boas características. Não tardou para que todos da turma percebêssemos que estávamos diante de alguém diferenciado. Mas tanto? Sim, nosso Tzvi, o “portuga”, já naquela época era visto como um jovem para além do seu tempo. Tempo? Mas que tempo que nada, seu tempo e ritmo sempre foi diferente daquele das pessoas comuns: rapidamente tomou ciência do conteúdo escolar, correu contra o atraso e

finalizou o “bagrut” (exame de conclusão do ensino médio israelense) com louvor. E com louvor seguiu e segue sua jornada. Chegou longe nosso querido amigo português. Tornou-se de longe um dos mais premiados correspondentes para o Oriente Médio, do mundo. Seu currículo é um reflexo de sí mesmo: brilhante. E como se não bastasse tudo isso, nosso Tzvi Cymerman, é também um Benarroch. Ou seja, um autêntico descendente de judeus marroquinos, como nós. É dele para mim, a seguinte e pitoresca história de família, que contou ao me descobrir de origem marroquina, como ele e da comunidade da Amazônia. “ Elie, então tu és de origem marroquina? Sabes que eu também? Pois vou te contar uma passagem engraçadíssima que ocorreu com uma parenta nossa: Um antepassado meu emigrou para a Amazônia buscando melhorar de vida. Foi sozinho deixando a mulher e os filhos no Marrocos, prometendo que assim que melhorasse de vida os mandaria buscar. Como o tempo passava e ele nada de mandar buscar a família, ela deu seu jeito e partiu com os filhos em direção à Amazônia. Lá chegando, foi direto ter com ele no interior, lá no igarapé onde ele vivia e trabalhava. Ao chegar no barracão onde ele morava, foi recebida por uma mulher de origem indígena e perguntou por ele. A índia quis saber quem queria falar com ele, e ela respondeu: sua esposa. E teve como reação: mas sua esposa sou eu, senhora... E aí você há de imaginar o barraco que se armou naquele longínquo barracão, perdido no coração da selva” Esta é apenas uma das centenas de histórias pitorescas, que este gigante do periodismo internacional, costuma contar de forma saborosa e com propriedade incomum, seja um gracioso chiste ou um furo de reportagem premiado. Henrique, querido amigo, é uma honra para nós da Amazônia Judaica, tê-lo em nossa Edição Especial de 15 Anos.

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CULTURA E TRADIÇÃO

COMIDA E RELIGIÃO

UM BANQUETE JUDAICO NA AMAZÔNIA

Por Renato Athias*

A diáspora coexiste com a história do povo de Israel, e parafraseando o Salmo 137, também, junto aos rios da Amazônia encontra-se uma comunidade judaica, sefardita, que desde 1810, se instalou formalmente naquelas terras, de acordo com os principais estudiosos dessa migração para o norte do Brasil

É

exatamente essa aceitação do próprio destino diaspórico, no qual o exílio torna-se o único elo com a força divina, e, onde a distância da Terra Prometida se transforma numa força motriz, dando assim, sustentação para manter a identidade de povo escolhido em um país de acolhimento. Essa comunidade judaica, hoje totalmente identificada com a Amazônia, mantém uma estreita relação com a Terra Prometida, principalmente através dos rituais, que se realizam ao redor da mesa, pois é através da comida e dos banquetes realizados nas margens desses rios, que cruzam a região Amazônica, que essa comunidade se relaciona com o divino. Banquete e ritual estão juntos e fazem parte da reafirmação de um sentimento, pois a comida compartilhada, não os ingredientes, a define como um grupo específico. Essa comunidade com o decorrer dos anos, foi sendo ampliada de maneira contínua com representantes oriundos da região norte-africana, principalmente do

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Marrocos, que não chegavam com a intenção de ali se radicarem, ao contrário, esperavam retornar ao Marrocos. Porém, com o tempo, e desenvolvendo os seus campos de atividades, de modo a abranger não somente o comércio interno e o de exportação e importação, mas também o setor de navegação e da exploração de seringais, afora a participação nas atividades públicas e no exercício de cargos oficiais, eles foram criando raízes e permanecem até hoje na Amazônia.

Eles procuraram se localizar nos pontos estratégicos da bacia do grande rio, desde Sena Madureira no Acre até São Luís do Maranhão, desempenhando um papel relevante no desenvolvimento econômico da região. A culinária é uma elaboração social e cultural relacionada às pessoas de uma comunidade. Participar de um banquete ritualizado significa fazer uma escolha em relação a um determinado grupo. É nesse sentido, que as comidas étnicas permitem o olhar sobre as relações


entre as pessoas de um grupo social específico. Com relação aos banquetes preparados pelos judeus na Amazônia, diz respeito a uma comida, com características distintivas e uma capacidade simbólica de definição das relações sociais criando vínculos de pertencimento a um grupo determinado. A culinária da comunidade judaica da Amazônia, devido às interdições religiosas sempre teve características populares e os ingredientes utilizados são simples e baratos. As tradições de origem, em geral migrantes proveniente dos países árabes do norte da África, deram as bases das receitas utilizadas pelos judeus da Amazônia, mostrando assim a engenhosidade da adaptação e transformação de produtos simples em pratos deliciosos. Tradicionalmente a história da alimentação do povo judeu está fundamentada na Torá, o Pentateuco do Livro Sagrado, que descreve a permanência do povo eleito no deserto após a fuga do Egito, e a entrega das tábuas das leis

para Moisés. Durante esse período, o povo se alimentava basicamente de pássaros e do Maná que D’us enviara ao deserto, surgindo depois entre os judeus as principais interdições alimentares. Atualmente estão agregadas ao Kashrut: que representa um conjunto de leis sobre a alimentação e culinária, que vai desde o abate de animais, conservação e preparação de alimentos impostos a todos os judeus. Atualmente, essa dieta alimentar é controlada através de selos de qualidade, estabelecidos pelos rabinatos dos países onde as comunidades estão instaladas. Esses alimentos são rotulados como alimentos Kosher (ou Kasher). Este termo quer dizer: adequado em hebraico, capaz a uso correto. Essa noção aparece na literatura rabínica para designar o que está em conformidade com a lei. Portanto, aquilo que é permitido de ingerir sem desrespeitar as tradições. Mesmo que, na Torá, esses termos (Kasher, Kashrut) não se apresentam com exceção a uma rápida referência ao Livro de Ester, o sentido desses termos e as permissões alimentares

foram construídos e continuamente re-elaborados na observação diária, no conhecimento e dos povos durante a diáspora. Todas as prescrições alimentares estão baseadas nas interpretações da Torá e estão baseadas na noção do que é tahor (puro) e tamé (impuro). Ambos os termos são utilizados para caracterizar uma determinada condição espiritual e moral, do povo, do indivíduo, do Templo, porém nunca são utilizadas para descrever limpeza ou sujeira. A comida propriamente, tal como a descrita na Torá, especificamente do Livro de Levítico, apresenta com detalhes esse ideal de pureza e impureza imposto nas práticas culinárias. E nesse sentido, observa-se que essa alimentação é legitimada e procura fortalecer uma identidade étnica. E assim, ao redor da mesa, a aliança estabelecida no deserto, se repete nas casas de famílias judaicas. Os animais que são permitidos e não permitidos na alimentação judia estão divididos e classificados em quatro categorias apoiados 17


CULTURA E TRADIÇÃO nos textos dos Livros de Levitico e do Deuteronômio da Torá. A primeira categoria se refere aos mamíferos considerados puros e, portanto, permitido a preparação de alimentos: são aqueles que têm a pata fendida e que ruminam. Portanto, as carnes de boi, ovelhas, cabras, carneiro são permitidas, enquanto que a carne de porco é completamente proibida, pois este não rumina. Não se pode também comer o quarto traseiro de animais, mesmo daqueles considerados puros. É completamente proibida a utilização de sangue de espécie alguma, precisa-se remover de forma efetiva o sangue da carne. Esta deve ser deixada de molho para abrir os poros e, logo, salgada, a fim de extrair todo o sangue. O princípio vital da vida humana, o Néfésh, se encontra no sangue, e essa substância não pode ser misturada ao sangue dos animais. A segunda categoria representa as aves ou animais que voam. Na Torá estão nomeadas duas dezenas de pássaros que são considerados impuros. Porém, a identificação desses nos dias atuais é um problema, e por isso se considera permitido o uso na preparação de alimentos aqueles conhecidos através da tradição oral, em geral são aves mais comuns e que voam baixo. Existem divergências entre as tradições judaicas com relação aos pássaros considerados puros. A terceira categoria constituise de animais aquáticos que devem ter escamas e nadadeiras para ser considerado puro e, portanto, pode fazer parte da alimentação humana. Tudo o que é classificado como frutos do mar pertencem a categoria daqueles não apropriados para fazer parte da alimentação judia. A quarta categoria são aqueles dos insetos 18 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

e outros animais que pulam e que são todos considerados impuros. Não se permite também a absorção de alimentos à base de carne e de leite misturados num mesmo prato durante uma mesma refeição. Tanto para a conservação e como para a preparação existem outras leis, determinadas no Kashrut, que se referem aos utensílios usados na preparação de alimentos. E como estes devem ser usados e guardados no sentido de garantir a pureza plena dos alimentos. Essas são algumas das recomendações básicas, para manter uma dieta estritamente kasher. É importante dizer ainda, que uma das características distintivas do judaísmo é a contínua incorporação de novas determinações e costumes ao seu código, determinando o que faz parte da pureza; e que permite aos judeus, principalmente os religiosos a se beneficiarem sem se contraporem a Halachá, ou seja, os mandamentos rabínicos posteriores, relacionados aos costumes e tradições, servindo como guia do modo de viver. Chegar até aí foi necessário um amplo conhecimento da sabedoria oral transmitida através das gerações, como também todos os arranjos que se estabeleceram para evitar as transgressões. Tudo que está escrito no Talmude sobre as leis dietéticas judaicas, estas se encontram estabelecidas no tratado de Houline. De acordo com os depoimentos, de famílias judaicas que vivem na Amazônia, a principal preocupação foi a de adaptar-se àquela realidade, sem perder a própria identidade. Eles estão vivendo numa região onde não existe um chefe religioso próximo e, portanto, buscam na tradição oral, apoiando-se mutuamente, adaptar

os princípios básicos da culinária judaica dos países de origem, mantendo uma relação com os alimentos amazônicos que pudesse fortalecer suas identidades e renovar aliança divina. Para esses judeus marroquinos, em sua maioria, tornava-se central a relação familiar, pois é o núcleo a partir do qual se constroem a identidade judaica em plena Amazônia. E pode-se perceber através dos depoimentos dessas famílias, que essa identidade amazônica está profundamente enraizada, e é admitida com orgulho e alegria. Diferentemente de outras partes do mundo, os judeus da Amazônia, de uma cidade do baixoamazonas, por exemplo, se reuniam ao redor da mesa entre várias famílias. E essa celebração semanal os unia, pois no banquete do Shabat se renovava a tradição e a identidade. Na sexta-feira à tarde, nas cidades do interior da Amazônia, onde havia judeus, depois de fecharem suas lojas, enfim deixar o trabalho iniciava-se os preparativos para a celebração ritual do Shabat o principal banquete. Todos bem vestidos, alinhados, iam reunir-se na casa de uma determinada família. As mulheres já estavam na cozinha, preparando os alimentos e


esperando a hora de fazer a oração sobre as duas velas que formalizava o início formal do Shabat. Os filhos, na calçada, procurando no céu a primeira estrela que ia aparecer, para anunciar o início do Shabat. A partir daí, não mais se pegava no fogo para acender. Os homens reunidos em outro local da casa, cobertos com as seus Talitot (acessório religioso em forma de um xale feito de seda, lã ou linho, tendo em suas extremidades as tsitsiot (franjas), usado como uma cobertura na hora das preces) estavam realizando as orações sobre vinho, o kidush. A mesa está posta cuidadosamente, com uma toalha branca. No meio as duas velas e na cabeceira, um prato com dois pães traçados e uma taça de vinho. Ao redor da mesa, estão todos inclusive as crianças. Um dos homens, o chefe da casa, segura a taça com vinho e pronuncia a bênção, em seguida a taça passa entre os presentes e cada um toma um gole do vinho, seguido de cantos. Os homens passam também o vinho para os meninos molharem a boca. E quando não se tem vinho, procuram fazer com cachaça, alguns disseram. Depois, o mesmo homem, chefe da casa, onde se realiza o shabat, segura a halla, o pão caseiro feito em forma de tranças, simbolizando a unidade e pronunciando a bênção, partindo-o em pedaços, e com umas pitadas de sal distribuía entre os presentes. O Shabat é festejado do pôr-dosol sexta-feira até o pôr-do-sol do sábado. E, portanto, fazer o Shabat é realizar três refeições, todas elas com o pão. No jantar da sexta-feira se come geralmente vários pequenos pratos na entrada preparados com os legumes locais, tendo o azeite de oliva como base na preparação.

Esses pratos atualmente todos eles adaptados a cultura Amazônica tiveram por base as tradições marroquinas. Em seguida um prato de peixe que simboliza a abundância. Vários peixes amazônicos passaram a fazer parte do cardápio tradicional das refeições do Shabat. No almoço do dia seguinte só podem ser consumidos alimentos quentes, embora seja proibido acender o fogo durante o Shabbat. Assim surgem as receitas de pratos de cozimento muito lento (de até 15 horas de duração), tais como a adafina cuja preparação é feita em uma única panela e, sobretudo a receita leva sem dúvida as características de cada família que a prepara. Em linhas gerais a preparação é a seguinte: O prato deve ser preparado na véspera do Shabat. Na noite de quinta-feira, deixa-se 300 g de grão-de-bico de molho em água fria. Substituído na Amazônia por feijão branco ou fava, cuja receita é a seguinte: Colocase de molho o grão de bico (ou o feijão branco), escorra-os na sexta de manhã. Corte 1 kg de peito de boi em cubos e 500 g de osso com tutano em rodelas. Numa panela grande, refogam-se no óleo duas cebolas cortadas em fatias finas. Adiciona-se a carne e o osso, e então o grão-debico. Lava-se 400 g de arroz em água fria, coloca-se num saco de algodão e em seguida na panela. Descasca-se e amassa-se o alho, e colocando-o na panela junto com duas colheres de café de sal, uma de páprica, uma de cúrcuman, meia de cominho, meia de pimenta e uma colher (sopa) de mel. Cobrir com água fria e deixa-se cozinhar por cerca de vinte minutos. A panela deve estar repleta de molho. Tampar e deixar cozinhar no forno bem baixo (ou numa placa elétrica),

na temperatura mínima, até a hora de servir os ovos cozidos com casca de cebola acompanha e pode ser colocados no meio do grão-de-bico, cozinhando com casca durante toda a noite, na panela. As principais festas judaicas podem ser agrupadas em dois blocos. De um lado as três grandes festas históricas de peregrinação que tiveram lugar e tem como lembrança o templo de Jerusalém, ou seja, a comemoração dos três episódios importantes da história dos judeus: a saída do Egito (Pessach), a promulgação da lei e aceitação dos mandamentos (Shavuot) e a proteção divina durante o período de vida no deserto (Sucot). Como estas datas correspondem a períodos significativos da vida agrícola também estão associadas a um lado festivo de celebração de colheita. Do outro lado estão as festas mais austeras, como Rosh-Hashana e Yom Kipur que impões gravidade sem deixar de ser celebradas ao redor da mesa. O que distingue a culinária dos judeus amazônicos é de fazer parte de um sistema simbólicoritual que constrói o mundo cotidiano onde os atores sociais fortalecem uma identidade e uma filiação religiosa e de um passado. Na realidade, na sua forma mais simples de se expressar, as leis de pureza e impureza presentes na culinária dos judeus amazônicos constituem um exemplo de como o ato mais rotineiro, como o de comer, torna-se parte essencial de uma expressão religiosa. *Renato Athias, Doutor em Antropologia pela Universidade de Paris X (Nanterre), professor no Programa de Pós-Graduação em Antropologia da Universidade Federal de Pernambuco e Coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas sobre Etnicidade.


MATÉRIA DA CAPA

Há 15 anos atrás, no Pessach de 2002, na cidade de Belém do Pará, o chazan, pesquisador e jornalista, David Salgado, fundava o jornal Amazônia Judaica

TUDO COMEÇOU N

ABRIL 2017 2017 20 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 10-- ABRIL 20


NAQUELE PESSACH Com sua ação corajosa, ele entrava para um pequeno rol de iniciativas do gênero, na História da Imprensa Judaica Amazônica e Brasileira 21 21


MATÉRIA DA CAPA

RESPEITO PELO PASS

Por Heliete Vaitsman* - Especial para a AJ

Muitas histórias foram contadas, para nosso deleite

C

Muitas histórias foram contadas, para nosso deleite e informação, nesses 15 anos de Amazônia Judaica. Cada leitor aprecia o que lhe fala à sensibilidade – eu, por exemplo, admiro os relatos de sucesso dos que construíram indústrias, empresas e escolas, mas gosto ainda mais das memórias pessoais que se estendem, dos fatos cotidianos sendo recuperados sobre o pano de fundo sócio-econômico, com o apoio de referências literárias e históricas. Meu encantamento maior vai para narrativas como a do ribi Shalom Imanu El Muyal, cujo túmulo de “santo” é motivo de peregrinação em Manaus, ou a do venerado rabino marroquino Abraham Azulay, do século 16. Entre muitos outros, também são encantadores os relatos sobre a Mimona em Pessach; o Talaman, para a proteção do bebê e da parturiente; as delícias da culinária norte-africana; os segredos e sabores da língua haquetia; e as aventuras reais e fantásticas vividas entre as árvores e águas da Boca do Acre, a Macondo dos Elimaleh/Salgado. É enorme o papel dessa coleção

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na preservação das narrativas Zona Franca de Manaus. Agora, que, depois de recuperarem os a velocidade da informação, que primórdios da presença dos judeus poderia reduzir estereótipos, no Brasil, chegam aos dias de hoje. produz uma difusão superficial, Nas revistas editadas pelos irmãos anedótica, contra a qual surge David e Elias Salgado, aprendi outra espécie de divulgação, tanta coisa que ignorava! Para os aquela feita a partir de dentro, judeus ashkenazim do “sul maravilha”, assim como para As promessas de liberdade muitos brasileiros, a Amazônia significou e riqueza que atraíram por muito tempo o ciclo da borracha, a os primeiros judeus do referência geográfica Marrocos para a Amazônia, cortada por rios cujos nomes no início do século 19, decorávamos para os exames foram em boa parte de admissão ao cumpridas; se nem todos ginásio. A região também nos foi enriqueceram, pode-se apresentada como o “inferno verde” dizer que todos, do mais quase desabitado humilde balconista de – ou habitado por “selvagens” armazém ao industrial mais –, como a floresta que seria cortada pujante, viveram sem sofrer por uma estrada restrições ao seu ir-e-vir e majestosa – que nunca ficou pronta aos seus costumes – ou, ainda, como a


SADO, FÉ NO FUTURO e informação, nesses 15 anos de Amazônia Judaica. como nas revistas da Amazônia Judaica. Um projeto capaz de resgatar por meio impresso e virtual uma saga em que convivem o sagrado e o profano, o místico e o empresarial, a fé no futuro e o respeito pelo passado. As promessas de liberdade e riqueza que atraíram os primeiros judeus do Marrocos para a Amazônia, no início do século 19, foram em boa parte cumpridas; se nem todos enriqueceram, pode-se dizer que todos, do mais humilde balconista de armazém ao industrial mais pujante, viveram sem sofrer restrições ao seu ir-e-vir e aos seus costumes. Integraramse, sem perder a identidade. Ao assumir, em 2004, uma cadeira na Academia Amazonense de Letras, o professor Samuel Benchimol, autor de Eretz Amazônia, foi saudado pelo poeta Thiago de Melo como “etnicamente hebreu, culturalmente caboclo”. A identidade é uma questão instigante para quem se debruça sobre os encontros que o mundo propicia. Os mascates que percorreram incansavelmente os 3.800 quilômetros de rios que ligam Manaus a Belém

não optaram pelo isolamento. Ao contrário: instalaram-se em distintos povoados, incorporaram hábitos locais, construíram famílias, prosperaram. O legado que deixaram (tenacidade, participação comunitária, diálogo) é transmitido na prática. Houve intensa atividade nas últimas décadas, com notável insistência no sentido de manter a tradição ancestral: sinagogas e centros culturais foram construídos, eventos e festas foram patrocinados, livros e teses foram escritos. Por outro lado, quem diria que, como li numa das revistas, cerca de 60 mil “caboclos” de origem judaica habitam a região? Traços indígenas e nomes e sobrenomes sefaradim portados com orgulho por famílias cristãs fazem parte do cotidiano de um Brasil que não nega a mistura e que continua a ser, apesar dos problemas, uma pátria de acolhida. O igarapé do Isaac, a rejeição da carne de porco, o acendimento das velas às sextasfeiras são marcas observadas por muitos pesquisadores das raízes do povo brasileiro. Também foi interessante ler aqui

as expressões de amor à terra manifestadas pelos descendentes daqueles imigrantes que se espalharam pelo Brasil e pelo mundo. A paisagem amazônica que ficou para trás jamais pode ser esquecida, o que evoca outros exílios: conforme o Salmo 137, “às margens dos rios da Babilônia, sentávamos e chorávamos, lembrando de Sion”.... A lembrança, para quem está longe, é afetuosa, limada de asperezas, muitas vezes idílica, remetendo a 200 anos de integração e paz. Os judeus -- religiosos ou seculares, de direita ou esquerda, sionistas ou antissionistas – não costumamos esquecer os “Sions” metafóricos. Um dos privilégios que compartilhamos é o de manter a memória e a persistência, o que nos permite preservar as raízes profundas enquanto miramos o céu em busca de novos horizontes. Até a próxima comemoração, Amazônia Judaica!

Jornalista, editora, escritora e agente literário na HV Agência Literária. Amiga de primeira hora da AJ, Heliete é co-idealizadora do projeto editorial de nossa revista.

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MATÉRIA DA CAPA

AMAZÔNIA JUDAICA 15 ANOS

MELHORES MOMENTOS

Pessach 2002 - Fundação do Jornal Amazônia Judaica – Capa da 1ª Edição do AJ

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Eretz Amazônia – O Filme - foto do dvd

Lançamento do Filme Kehilat Kedoshim, Os Judeus No Marrocos –

2010 – 200 Anos Da Presença Judaica Na Amazônia: Logo Oficial. Criação: Denis Minev

Surgimento da Coleção “Ner” de livros religiosos 25 25


MATÉRIA DA CAPA

Edição Do Calendário/Luach Comemorativo Dos 200 Anos

Lançamento da Revista AJ (O Jornal AJ, transforma-se na Revista AJ)

Criação e Lançamento do Portal Amazônia Judaica – www.Amazoniajudaica.Org 26 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017


Criação do Arquivo Histórico Digital Aj

Excursão Marrocos 200 Anos

Lançamento do Livro “Judeus do Eldorado”, De Reginaldo Jonas Heller

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MATÉRIA DA CAPA

Diversos eventos que marcaram a passagem dos 200 Anos, no Brasil e em Israel

Por Iniciativa de David Salgado, o clássico “ Eretz Amazônia, Judeus na Amazônia” de Samuel Benchimol, é Editado em Israel em Hebraico

David Salgado lança a primeira Hagadá de Pessach de rito Sefaradí-Marroquino transliterada e traduzida ao português 28 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017


Lançamento do livro “História e Memória: Judeus e Industrialização no Amazonas, pelo selo “Amazônia Judaica”, em Manaus, no Rio e em São Paulo (USP) Criação Do Selo Editorial “Talú” com o lançamento do Livro de Contos e Crônicas “O Fim Do Mundo E Outras Histórias De Beira-Rio”, de Elias Salgado

Amazônia Judaica: 15 Anos de Travessia, O Projeto 29


HISTÓRIA

‫איז שווער צו זיין א ייד‬

"IZ SHVERR TZU ZAIN A ID" Judaísmo e crise econômica na Amazônia – anos 50 a 60: o caso comparativo das comunidades de Belém e Manaus. Por Elias Salgado

Os judeus de origem ashkenazita possuem um ditado em seu dialeto, o iídiche, bem antigo e muito expressivo, como costumam ser os ditados deste ramo étnico do judaísmo: “Iz shverr tzu zain a id” - É pesado ser judeu.

T

omo a liberdade para parafrasear esta peça milenar da cultura ashkenazita e pergunto ” Es iz tayer tsu zeyn idishe ?“ – “É caro ser judeu?”. E o que pretendo com isso, além do trocadilho em si, qual o seu significado? Refiro-me ao fato de que para além dos momentos trágicos a que se submeteu o povo judeu ao longo da sua história, a prática judaica, a guarda das tradições religiosas, o cumprimento de todos os rituais da vida de um judeu, a manutenção das estruturas de ação sócio comunitárias e mesmo estar e conviver em comunidade; demanda um alto custo financeiro. Como todo dito tem seu fundo de verdade e encontra seu espelho na realidade onde nasce, seria então evidente concluir, que o mesmo acontece com o presente jogo de palavras; que ele também reflete uma verdade.

em vários períodos históricos de centenas de comunidades através de todo o mundo judaico, tanto o ashkenazi, o sefaradi e o mizrahi; mesmo vivendo adversidades de toda ordem, inclusive financeiras, bem ou mal sobreviveram por séculos de diáspora, não sem grandes sobressaltos que ameaçaram sua existência a exemplo da expulsão de Espanha em 1492, no caso do mundo sefaradi ; da tragédia sem precedentes na história que foi o Holocausto que dizimou mais de 6 milhões de judeus da Europa na 2ª Guerra Mundial , e o fim do judaísmo nos países árabes, que de lá foram expulsos ou viram sua integridade ameaçada, consequência da fundação do moderno Estado de Israel.

Até que em casos extremos, quando não lhes restava outra alternativa, só a emigração, o alto nível de deslocamento constante de grandes contingentes populacionais, salvou tais comunidades, como o caso das imigrações dos séculos XIX e XX, para as Américas e para a Palestina e depois Israel, quando de sua fundação, em 1948.

O povo judeu, de forma alguma, é o único povo do mundo a passar por percalços históricos. Tampouco só ele elaborou elementos de preservação que o levaram a sobreviver. Na história há vários outros casos de sobrevivência e preservação e também de desaparecimento de grupos e povos. Os diversos grupos de imigrantes e migrantes, tais como Sim que como já citamos, os judeus, árabes, portugueses, houveram inúmeros cearenses, entre outros, que hoje momentos difíceis. E nestes, conformam o mosaico de população somente o alto nível de branca que colonizou o norte do resiliência, autopreservação Brasil, a partir do século XVIII, são coesão comunitária exemplos do gênero. Neste caso caberia a seguinte e pergunta: como apesar da penúria, puderam ajudar. 30 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017


JUDAÍSMO E CRISE ECONÔMICA NA AMAZÔNIA O caso dos judeus oriundos do Marrocos que migraram para a Amazônia ao longo do século XIX, se insere no contexto das grandes migrações daquele período, ocasionadas por transformações sócio econômicas relacionadas ao advento da industrialização e o surgimento do capitalismo na Europa, e de problemas específicos enfrentados pelos judeus no Marrocos, tais como, perseguições e massacres e empobrecimento da população dos melahs, os bairros judeus. A história desta imigração tão singular, as diversas fases do seu estabelecimento na Amazônia brasileira; a adaptação, aculturação e assimilação destes judeus, bem como sua evolução e contribuição para a sociedade, a cultura e a economia da região amazônica, já vem sendo estudada desde os anos 80 pelos pesquisadores do tema, sem é claro que se haja esgotado o tema. Visando contribuir com tais estudos é que apresentamos a seguir, um recorte temático retirado deste universo histórico. Trata-se de uma análise comparativa das consequências da crise econômica que abateu a região amazônica durante as décadas de 50 e 60, em particular, as comunidades estabelecimento judaico na região, em quatro gerações: judaicas de Belém e Manaus. Quem primeiro analisou “a fase dos pioneiros que se internaram e comparou estas duas e se expandiram ao longo dos rios, vilas, comunidades à luz da crise povoados e seringais da hinterlândia; econômica do referido o período da prosperidade do efêmero período, foi o estudioso, boom da borracha; a época da crise Prof. Samuel Benchimol em do êxodo do interior que motivou a urbanização e concentração nas sua obra de referência “Eretz Amazônia, judeus na Amazônia” cidades de Belém e Manaus, incluindo uma nova diáspora para o Rio, São (1998). Benchimol o faz ao dividir o Paulo e exterior e, finalmente, o tempo

dos doutores e professores, em que os jovens judeus buscam alcançar uma nova imagem e status social” (Benchimol:14 ). Ao tratar de crise econômica, ele destaca dois períodos críticos. O primeiro de 1911 a 1940, que corresponde a derrocada do Ciclo da Borracha e as suas consequências imediatas, bem como seus reflexos mais tardios, que seriam: o êxodo do interior para as, capitais 31


HISTÓRIA Belém e Manaus; a primeira onda migratória judaico-amazônica para o sudeste do país e o surgimento da comunidade judaica de Manaus. Este período corresponde ao que ele chamou de terceira geração. Já o segundo período de crise, que vai de 1950 a 1960, foi consequente do fim dos Acordos de Washington de 1942 e o seu programa de recuperação dos seringais, visando a renovação da extração da borracha e o auxílio no esforço de guerra.

Agora tudo isso havia ficado no passado e os americanos abandonado a região e a economia mostrava fortes sinais de decadência.

por um novo êxodo para o sudeste e grave crise comunitária em Belém e em Manaus, porém nesta última, ele afirma ter sido de menor escala.

vida comunitária, principalmente de Belém, onde teria sido mais aguda. Tal fato, nos leva a pensar que somente uma comunidade de empresários ricos e bem-sucedidos, pode ficar de pé e manter os seus serviços. Sobre Belém ele afirma:

ANALISANDO COMPARATIVAMENTE OS EFEITOS DA 2ª. CRISE ECONÔMICA NAS COMUNIDADES DE “Esta quarta fase do judaísmo amazônico, centrada nas profissões, MANAUS E BELÉM Ao analisar comparativamente as consequências da crise econômica do período entre 1950 e 1960, parece haver, em nossa opinião,

empobreceu as comunidades judaicas, sobretudo a de Belém, pois esta perdeu poder econômico para sustentar os serviços necessários e requeridos pela comunidade local...”

Nem mesmo os incentivos fiscais da SPVEA foram suficientes, agravado pelo fato de que muitos recursos foram drenados para fazendas de gado no sul do Pará, Rondônia e norte do Mato Grosso, além de empreendimentos inviáveis. Segundo Benchimol:

“As exportações de borracha passaram a constituir monopólio federal do Banco da Borracha e, com isso, desestruturou-se toda a economia das empresas judaicas aviadoras e exportadoras desses produtos. O Bancrévea, antecessor do Banco de Crédito da Amazônia e do atual Banco da Amazônia, uma tendência do autor a tratar a Tal sensação é reforçada, quando foram os coveiros da economia opção daquela geração, de se tornar Benchimol afirma que Manaus, extrativista regional...” “doutores”/”profissionais”- opção diferente de Belém, em função da Restou, segundo ele, apenas a castanha e outros produtos regionais, que ainda conseguiam manter uns poucos empreendimentos de pé. Esta segunda crise regional, que ocorreu no período da quarta geração dos judeus na Amazônia, a qual Benchimol denomina, “geração de doutores e professores”, foi marcada 32 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

esta que ele avalia como consequente de uma vontade e também de uma necessidade dos judeus da 4ª. geração de ascenderem socialmente, e assim se livrar do preconceito e do estigma do judeu rico e usurário e, não tão somente, consequência da situação econômica- como sendo a razão para a crise que se abateu sobre a

criação da Zona Franca naquela cidade, conseguiu manter a comunidade e fazê-la crescer. Vale ressaltar aqui, que o crescimento a que se refere o pesquisador, não é o de membros, mas sim de estrutura comunitária (“uma grande sinagoga e um grande clube e melhoria serviços comunitários”).


Além da Zona Franca, ele cita que o sucesso da comunidade de Manaus, também se deve, a existência naquela comunidade de uma “liderança de qualidade, que revelou muito dinamismo”, que diferente de Belém, onde, apesar da crise, a comunidade viu surgir mais uma sinagoga (do movimento Chabad), além das duas já existentes, Essel Abraham e Shaar Hashamaim, as quais mantém com imensa dificuldade, demonstrando assim, pouca coesão e grande dificuldade de ação da liderança daquela comunidade.

Já a comunidade judaica manauara, ele lembra, soube melhor responder aos sinais da crise e unificou as duas sinagogas existentes anteriormente (a dos megorashim, exilados de Espanha) e a dos toshabim (forasteiros), na atual Esnoga Beit Yaacov-Rebi Meyr, já que não havia mais minyan(quórum mínimo) para as cerimonias religiosas. Além disso, foi criado o Clube Hebraica de Manaus.

“DIALOGANDO” COM O GRANDE MESTRE SAMUEL BENCHIMOL Z”L: APENAS ALGUNS CONTRAPONTOS

É fundamental reafirmar que qualquer grupo ou comunidade, diante de crises financeiras, à exemplo das que abalaram as diversas Acaso, além da crise comunidades amazônicas e também a econômica, da opção judaica, provavelmente teria abalos e profissional, não existiriam dificuldades como as que registramos anteriormente.

necessariamente relação com a sua situação econômica ou sua escolha profissional. Acaso só comunidades ricas sobrevivem?

outros fatores em jogo, tais como, a aculturação, a forte Mas acreditamos que não seria assimilação e até mesmo a econômicos foram a única razão para modernidade judaica, que as crises comunitárias ao longo da

afastou contingentes da prática religiosa, um dos pilares do judaísmo na Amazônia, cuja vertente é tradicional – conservadora. E todas as pequenas e pobres comunidades e de todos os gêneros étnicos, em particular, as judaicas, que sobreviveram séculos à fio, apesar de crises econômicas, no mundo ocidental e no Oriente Médio, compostas, em sua absoluta maioria, por pequenos artesãos e seres economicamente marginalizados? Outra questão, acaso a comunidade de Manaus é mesmo mais “forte” do que a de Belém? Em quais outros aspectos, além da estrutura comunitária coesa, se dá tal supremacia?

A comunidade de Belém, diferente de sua coirmã de Manaus, ao optar por um judaísmo conservador de tendência mais ortodoxa, não estaria, Uma estrutura comunitária com seus por isso mesmo, encontrando serviços religiosos e sócio culturais é dificuldades de aproximar e manter bem possível que sim se veja abalada adeptos, já que a realidade é que a diante de problemas financeiros prática religiosa ortodoxa há muito de seus membros, consequência da deixou de ser seguida pela maioria. situação econômica da região onde TENTANDO CONCLUIR aquela kehilá esteja localizada. É bem verdade que o judaísmo é uma Fica claro que concluir não é de religião eminentemente coletiva. Mas maneira alguma esgotar o tema, a judaicidade coletiva e individual apenas dar um ponto final temporário de um grupo, sua identificação e os ao mesmo, na tentativa de lograr elementos de pertinência, não tem contribuir e avançar um pouco mais.

História, em particular a da presença judaica na Amazônia, e muito menos acreditar que uma opção profissional – deixar de ser uma comunidade de empresários e comerciantes, para se tornar uma comunidade de classe média, composta por profissionais liberais, como no caso da comunidade judaica da Amazônia– tenha sido a causa maior da crise pela qual passou aquela comunidade no período aqui analisado. Apesar de analisar brilhantemente as causas que teriam levado os membros da quarta geração de judeus da Amazônia a tal opção- as advindas da história judaica mundial e as específicas da história dos judeus na Amazônia, o grande estudioso, em certa medida chega a nos levar a pensar assim. E se assim for, se era como pensava Benchimol, parece que ele, mesmo tendo sido um ilustre “sfata” (sefaradí autêntico), provavelmente, conhecia aquele antigo ditado íidiche e com ele comungava. E quero acreditar, que ele também concordaria com o jogo de palavras aqui feito, por este seu discípulo que vos escreve. Imensas saudades, querido mestre.

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IDENTIDADE

O NOSSO HAKITIA DE TODOS OS DIAS Por Ilana Feldman* - (Fonte: Nossa Voz)

Mistura de espanhol, hebraico e árabe, o hakitia tem sido o dialeto usado por nossa família há algumas gerações, desde que meus tetravôs, Belizia Levy Pinto Benoliel (Mãe Vida) e David Benoliel (Pai Vu), aportaram no Pará na segunda metade do século XIX − ela era ainda uma criança de colo

C

omo tantos outros judeus sefaradim vindos de Tanger, Tetuan e outras cidades ao norte do Marrocos, nossos antepassados chegaram à Amazôniaenfrentando a indignação – não desprovida de humor – de suas respectivas mães. Que vas hacer em Brasil, mi hijo? Non beberás caldo, comerás harina edormirás colgado [na rede]! Após a diáspora de Portugal e Espanha imposta aos judeus da Península Ibérica, ou Sefarad, apartir de 1492, os sefaraditas que emigraram para o norte da África, especialmente Marrocos, lá desenvolveram o hakitia, que a norma culta chamaria de “a” hakitia (mas que em nossa família sempre foi masculino): língua para uso doméstico, imersa na cultura árabe local, da qual pouco restou na forma escrita. Diferentemente do ladino, criado da junção de hebraico e espanhol, principalmente na Turquia e Grécia, dialeto que produziu um extenso legado cultural, acultura do hakitia sobreviveria, quem diria, no Brasil, ainda que precariamente. Em meio a seringais, aldeias indígenas, animais da floresta, doenças tropicais, estrangeiros de todo lugar e um intenso comércio local motivado pelo Ciclo da Borracha (1850-1910), o hakitia resistiria em plena Amazônia, usado 34 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

nas casas das famílias judias enquanto comiam maniçoba, açaí com farinha de tapioca, pato no tucupi, pirarucu (dentre tantos outros peixes), farinhas de mandioca, castanhas, dezenas de frutas locais e o valorizado doce de cupuaçu. Quem ajudava a preparar as iguarias eram as caboclas, geralmente dedicadas ao trabalho doméstico, chamadas de empleadas ou sachenás – categoria que os judeus da Europa central e do leste, falantes do iídiche (dialeto composto pela junção do hebraico com o alemão), conhecem por chicser. O curioso é que, após tantos anos de convivência com as famílias, as sachenás entendiam e ainda passavam a usar o hakitia. Nessa altura, de nada adiantavadizer shkêt, a sachená... Entre preconceitos de classe, piadas de salão, histórias de abu, expressões enfáticas e maledicências inofensivas sobre gente chosmin e soté, o hakitia, mais o que uma língua falada pelas comunidades judaicas marroquinas em sua diáspora amazônica, era um dialeto a ser usado em situações estratégicas. Poder se comunicar sem ser compreendido (sobretudo entre sachenás e sachenitos) e lançar mão da ênfase na expressão do medo, na afirmação da fé, na manifestação de zangas e queixas (sempre com muito

humor) e na proteção aos queridos (na verdade “adorados”, de acordo com a afetividade incontida da família), fazia do hakitia uma genuína manifestação de vida. Shkêt, a sachenita! ou shkêt, o sachenito! Meus irmãos e eu passamos a infância ouvindo isso, como se nós, os sachenitos, não soubéssemos que os adultos queriam era nos despistar de alguma conversa proibida.Também costumava ouvir só o shkêt!, dito diretamente a mim, para eu não falar o que não devia, em hora inadequada e diante da pessoa errada (já que era dada a falar demais).Mais tarde, na escola judaica, entendi que shkêt deveria vir da mistura entre sheket (silêncio, em hebraico) e shkat (silêncio em árabe). Mas foi minha tia-avó, a escritora paraense Sultana Levy Rosenblatt, quem melhor definiu a força da expressão: “Shkêt para um exército”. De qualquer modo, seja dito com humor ou brabeza, esse nunca foi um “cala boca” traumatizante. Mais traumatizante era, diante do desejo da boneca nova ou de qualquer outra bobagem, sentir a interrupção do sonho por um maôt esaf! É muito caro, não dá. Diante da iminência do choro infantil, minha mãe ou minha avó poderiam dizer, gesticulando com as mãos, ahláaas... palavra que comporta, aliás, vários sentidos: deixa para lá, deixa disso, não valea pena –


GLOSSÁRIO PARA O TEXTO:

Abu – mentira Abusero – mentiroso Ahlás – deixa para lá Caldo – canja de galinha Chalampão – ladrão Chosmin – cafona, vulgar Chosminaria – cafonice Colgado – pendurado Empleado / empleada – empregado /empregada Ferazmal – livre de mal Halamponice – ladroagem Hamor – burro Hamorice – burrice Hará – cocô Harear – fazer cocô Harina – farinha

Hijo – filho

Golor – mau cheiro, fedor Mahalear – comer

sempre dito por aquele ou aquela que quer apaziguar uma situação. Ahlás costuma também se associar a eventuais outras palavras, por exemplo, quando alguém quer comprar algo por um preço exorbitante e ouve um discreto e baixinho alerta do companheiro ou companheira: ahlás, chalampão! Também estratégico em alguma situação, e insubstituível, é o termo chosmin, usado por nós com frequência. De forma muito própria, a palavra podeindicar pessoa ou coisa de mau gosto, cafona, vulgar – independentemente do que valha ou de quanto possua. Isso faz do adjetivo chosmin, cujos substantivos derivados são chosminada e chosminaria (esse último invenção da nova geração), um termo mais interessante do que seu suposto sinônimoem iídiche, shleper. Diferentemente do primo shleper, sinônimo de maltrapilho e pobretão, a crítica à cafonice e à vulgaridade emitida por meio do chosminatinge pobres e ricos, com o mesmo impiedoso juízo de valor. Mira a chosminaria! Como não poderia deixar de ser, faziam a alegria das crianças as palavras usadas no lugar dos nomes feios, que perdiam em grosseria e ganhavam em

Maôt – dinheiro Mira – olhe, veja Sachen / sachená – homem/mulher (não pertencentes à família) Sachenazero – mulherengo Sachenito / Sachenita – menino /menina Safon – pum Safonear – soltar pum Shket – silêncio Sharbeado – bêbado Sharbeador – beberrão Soté – maluco, doido Soterice – doidice Taha/tahito–bumbum/bumbumde criança

EXPRESSÕES:

Maôt esaf – muito dinheiro, muito caro Shkêt, a sachenita... – não fale, a menina está ouvindo ou vendo... Shkêt, a sachená – não fale, a empregada está ouvindo...

graça. “O que tem a ver o taha com as calças?”, alguém perguntava e a gente apreciava a zombaria. Hará e harear era sempre útil saber, “fulano é um hará”, ou, bem mais raro, quando dito em fúria, “vai-te a hará!”. Mas era com as soterices da família (não eram poucas) e as histórias de safon que realmente nos divertíamos. Conta minha mãe que, na casa de sua avó em Belém, Alia Benoliel Sabat (conhecida como Vovó Lilita), estavam ela e os onze filhos reunidos na sala quando... escapa um flato. Benjamin, o mais velho, sempre severo e já advogado, faz então um grande discurso sobre a educação e a falta dela, terminando por se indignar a ponto de dizer, diante do silêncio respeitoso que imperava: “É por isso que eu vou para o Rio de Janeiro!”. Ao que a Vovó Lilita, decentemente, interrompe: “Meu filho, tu vais para o Rio de Janeiro por causa de um safon?”. E toda a eloquência do orador se esvaiu em risos mal contidos. Entre todo tipo de sachens e achenas, abuseros, sotés, chosmins, sachenazeros, chalampões, hamores, sharbeados e haras, é fato que o hakitia tem sobrevivido em famílias que não trocariam um mousse de cupuaçu por

nenhuma outra iguaria (à exceção, talvez, de um doce português). Como escreveu o rabino Abraham Anidjar, o hakitia foi para os judeus que se instalaram no norte do Marrocos, dispersos de Portugal e Espanha, uma forma de conforto, “folclore quente e aconchegante”. Para nós, já tão longe de Sefarad, já tão longe do Marrocos e até de Belém do Pará, ficam as palavras que nos singularizam, transmitidas por uma família que só pode ter sido inventada por algum narrador, tão diferente daquele do Velho Testamento, cheio de candura e bom humor. A grafia das palavras e expressões em hakitia pode mudar de acordo com os grupos falantes e com os usos, já que o dialeto sobreviveu, sobretudo, por meio da oralidade. Por essa razão, algumas expressões são usadas por determinadas famílias e não por outras, ganhando novos derivados. Esse texto não poderia ser escrito sem a memória da minha mãe adorada, ferazmal, Keyla Belizia Feldman Marzochi. *Ilana Feldman é doutora em Cinema pela USPe pós-doutoranda em Teoria Literária pela UNICAMP. É carioca de nascença e paulistana por opção, com ascendência paraense emarroquina, bessarábica e italiana, emborasaiba que toda identidade é também uma ficção.

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CRÔNICA ESPECIAL

NOSSA SAUDOSA HOMENAGEM PÓSTUMA AOS 80 ANOS DO MAIOR ESCRITOR JUDEU BRASILEIRO QUE NASCEU NUM PESSACH ASSIM ESPECIAL COMO ESTE

É DURO SER JUDEU Por Moacyr Scliar

Ladrão finge ser judeu ortodoxo, mas é preso. A tentativa de Reinaldo Rodrigues, 30, de se passar por um judeu ortodoxo não durou mais do que cinco minutos. Após roubar R$ 15 mil em dinheiro, relógios, telefones e equipamentos eletrônicos da casa de um rabino, o bandido apropriou-se de um chapéu da vítima e, achando-se com cara de judeu, tentou fugir. Foi preso em flagrante pelo sargento da Polícia Militar André Mario Destro. O sargento Destro notou que o homem do chapéu usava um terno claro -religiosos judeus usam vestimentas escuras-, não tinha barba nem peiót -cachinhos ao lado das orelhas. O PM apontou para a imagem de um candelabro de sete velas que aparecia em uma moeda encontrada em poder do ladrão. Perguntou qual o nome da peça. Rodrigues ficou mudo. “Eu disse: isso aqui é uma menorá, um dos símbolos mais fortes do judaísmo.” Segundo o PM, o ladrão, que portava um revólver de brinquedo, confessou o crime. Cotidiano, 13 de fevereiro de 2008 10--ABRIL ABRIL2017 2017 36 36AMAZÔNIA AMAZÔNIAJUDAICA JUDAICANNoo10

PIOR QUE UM FRACASSO, foi uma humilhação. A tentativa de passar por rabino resultara num fiasco, e em deboche por parte dos policiais e de outros presos. De modo que, tão logo cumpriu a pena, decidiu dar a volta por cima. Mostraria que podia, sim, desempenhar aquele papel. Mais: ganharia dinheiro com isso. Durante as longas noites de cadeia elaborara um cuidadoso plano. Não apenas passaria por judeu, como se intitularia chefe de uma seita judaica por ele próprio fundada. Com o dinheiro dos fiéis, faria fortuna. Para isto, naturalmente, teria de adquirir os conhecimentos cuja falta o levara à prisão. Mas sabia como fazê-lo: procurou um velho judeu, que não sabia de sua história, disse que pretendia se converter e que por isso precisava aprender mais sobre o judaísmo. O ancião ficou surpreso, e sua primeira reação foi a de recusar: o rapaz deveria recorrer a alguém mais autorizado. Ele insistiu: sei que o senhor é um homem culto, um sábio e é com o senhor que


quero aprender sobre judaísmo. O homem acabou concordando, e no dia seguinte começaram as aulas. E havia muito o que aprender. Muito mais do que ele imaginava. Para começar, toda a história do povo judeu, uma longa história, às vezes gloriosa, às vezes dolorosa, às vezes gloriosa e dolorosa ao mesmo tempo: os guetos, as perseguições, os massacres... Depois, os livros sagrados, a Bíblia, o Talmude. Ah, sim, e as prescrições religiosas: as orações, os alimentos que podia e não podia comer. Suspirou quando

circuncisão”, disse. A circuncisão. Como podia ter esquecido aquilo? Claro, a circuncisão era essencial: caso contrário, da primeira vez que ele estivesse com “É duro ser judeu”, dizia o mestre, e um fiel no mictório a farsa seria ele tinha de concordar. Mas era um descoberta. cara teimoso; agora que começara, Mas era demais. Circuncisão? Para ele, demais. De modo que desistiu iria até o fim. E ao fim ele chegou, meses depois. do plano. Está pensando em O velho e improvisado professor outras coisas. Arranjar um cartão disse que nada mais tinha a ensinar e corporativo, por exemplo. que o jovem, graças a seu esforço, se saíra muito bem. Sim, se ele quisesse, Segunda-Feira, 18 de Fevereiro De poderia se converter. “Só falta a 2008 se deu conta de que carne suína, daí por diante, seria apenas uma lembrança -o que, para quem adorava um lombinho, era um sacrifício não pequeno.

Moacyr Scliar e Elias Salgado, na ABL, em 2009

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CRÔNICA ESPECIAL

COMO VIEMOS PARAR NA AMAZÔNIA Por: Sultana Levy Rosenblatt* - (Fonte: Revista Morasha – Edição 30)

Parece incrível que pelo meio do século XIX meu bisavô materno fosse proprietário de canaviais situados na grande Ilha de Marajó, no norte do Brasil

P

arece incrível por vários motivos. Primeiro que tudo, ele era um jovem judeu e os judeus não gozam fama de aventureiros. Atribui-se à extremosa mãe judia o poder de impedir que os filhos se exponham a perigos... Em segundo lugar, supõe-se que os judeus preferissem estabelecerse nas cidades, perto de sinagogas, escolas, bibliotecas. Mas esse lugar a que meu bisavô entregou as primícias da sua vida não tinha sinagoga, nem biblioteca, nem sequer livraria. Era uma cidadezinha onde as facilidades, como condições sanitárias e assistência médica, ainda hoje são precárias. Então, pergunta-se, como se explica que um moço judeu, educado, nascido em Tânger, no Marrocos, apareça feito senhor de escravos no coração de uma ilha amazônica? 38 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

... que por esse tempo, os rapazes judeus eram encorajados pelos próprios pais a procurar nova vida, fosse onde fosse. Qualquer lugar seria melhor do que a existência em guetos rodeados de mouros inimigos. O Brasil, a essa altura, era uma espécie de Terra Prometida. Um país com imensas áreas e pouca população, atraindo imigrantes com promessas liberais por uma lei que não levava em conta credo ou nacionalidade, contanto que a raça fosse branca. Assim, os judeus marroquinos, considerados imigrantes brancos, zarparam para a região amazônica esperando lá encontrar o “El Dorado”. Liberdade, acima de tudo liberdade religiosa, e, quem sabe, ouro jorrando do solo. Cedo esse fascinante sonho se desfez quando eles compreenderam

que apenas haviam-se mudado do purgatório para o inferno. (A floresta amazônica é poeticamente cognominada “Inferno Verde”). Mas, esqueçamos a história e voltemos ao meu... devo chamá-lo “meu querido” bisavô? Nunca vi sequer um retrato seu, pois os judeus marroquinos da época não tinham o costume de se fazer fotografar. Apenas posso imaginá-lo parecido com qualquer homem marroquino. Pelo que ouvi contar, meu bisavô era moreno, esguio, um homem fino, muito querido pelos seus escravos por sua bondade, educação e maneiras polidas, atributos que o tornaram respeitado pela população local. Mas tenho a impressão de que, com o fim de se manter no mesmo nível social dos seus vizinhos, todos ricos fazendeiros, ele se teria mais ou


menos ou aparentemente assimilado, pois era conhecido como “José Luiz”. Seu filho mais velho, Samuel, ingressou no exército brasileiro, na Guarda Nacional. Quanto à minha bisavó, com a beleza combinava bem o seu nome, Graça. O casal veio para o Brasil já com três filhos, dois meninos, Samuel e José, e uma menina, Belízia, de apelido Vida. Os judeus marroquinos costumam dar às suas filhas nomes expressivos em espanhol, como Luna, Reina, Perla e, mesmo no Brasil, não os traduzem. Além do espanhol, esses judeus usavam na intimidade da família, o dialeto chamado haketía. Mas Belízia só falava português. Ela negava haver nascido em Tânger e afiançava ser brasileira. “Mãe Vida”, como os netos a chamavam, era pequenina, cútis cor de canela, vivaz; tinha os gestos, as maneiras,

por “Mana Vida”. Pelos padrões monetários da época, meu bisavô era rico. Senhor de próspera fazenda, chefe de família elegante, um homem realizado, enfim. Súbito tudo ruiu quando adoeceu gravemente, vítima de béribéri. Sem recursos médicos onde vivia, foi levado para Londres e nunca mais voltou. Morreu em viagem e seu corpo foi atirado ao mar. Ficou a viúva muito jovem, inexperiente, para arcar com a responsabilidade de dirigir o engenho. Os jotabs, corretores de casamentos, movimentaram-se e, mais que depressa, arranjaram-lhe o segundo marido. Esse homem, chamado Nahmias, veio a ser o destruidor dos negócios e da família. Para começar, os escravos, não se sujeitando às suas crueldades, fugiram. Os dois enteados, Samuel e

coisa que minha bisavó Graça sabia fazer na sua desgraça era chorar. Chorou, chorou, até não ter mais lágrimas. E cegou. Sempre a imaginei como uma dessas antigas bonecas francesas, rosto alvo de porcelana, olhos verdes brilhando, parados. Em realidade ela não era mais do que uma boneca. Era apenas umadoce, ingênua, submissa mulher. A pequena Belízia não herdara a beleza materna, mas era inteligente, viva, decidida. Seu padrasto era ríspido e continuava a desbaratar em viagens e jogatinas a fortuna da família. A fim de escapar do seu domínio e poder legalmente tomar posse da herança que lhe cabia - tinha apenas 13 anos - ela jurou casar-se com o primeiro homem que lhe pedisse a mão, fosse ele embora um “Zé ninguém”. Mas teve sorte. Em vez de um “Zé ninguém”, apareceulhe como num conto de fadas uma espécie de príncipe. Ele tinha 23 anos, era bonito, face rosada, olhos escuros, alto elegante. Era romântico. Falava vários idiomas e era versado no judaísmo. Além do mais, sabia cantar. O Kol Nidrei soava, na sua voz, com estranha e sentimental melodia. Chamava-se David Benoliel. Veio de Tânger, pertencia a uma geração de grandes rabinos e só devia casarCasamento em Belém do Pará-Noivos: Isaac se com quem tivesse semelhantes Benchimol-Orduenha Cohen. Rabino David Benoliel raízes. Belízia Levy era a perfeita Lendo a Ketubá noiva para ele. David era sobrinho do grande Rabino Shemtob e Belízia descendia do Chacham Haim Pinto. os hábitos e as expressões de um José, cedo deixaram a casa, casaram- Provavelmente o encontro de ambos paraense nato. Poderia muito bem se premidos por circunstâncias foi dos meio dos jotabs, pois ela passar por uma graciosa nativa. Seus especiais, e ficaram afastados de vivia em Muaná, no Marajó, e ele, companheiros de infância, filhos de parentes e correligionários. Ambos na área do Tocantins, para onde veio vizinhos fazendeiros, tratavam-na morreram muito jovens. A única reunir-se à sua irmã mais velha, 39


CRÔNICA ESPECIAL

Paloma, aí estabelecida com o esposo, Maximiliano Bensimon, e um filho, Abraham. ... neste ponto que se inicia a saga da minha família. David Benoliel, seu cunhado Maximiliano Bensimon e um primo, Abraham Larrat, estavam incluídos entre as dezenas de rapazes vindos de Marrocos, durante a segunda metade do século XIX, para a região amazônica. Aí eles aprenderam nova língua, ajustaram-se a uma vida diferente, aí se enraizaram. Aí tiveram e criaram seus filhos. Como sobreviveram às hostilidades do clima, às dificuldades do ambiente, como puderam manter, preservar, transmitir o mesmo judaísmo trazido do lar paterno aos seus descendentes, só pode ser explicado pelo fato de que eles estavam atados de alma e coração à “Árvore da Vida”, a Torá. Poderiam ter assimilado e esquecido tudo, se assim o desejassem. A vida ao longo do Rio Amazonas é isolada. Quilômetros e quilômetros de água separam uma casa da outra. No entanto, na intimidade do lar, eles mantinham a religião, com todos os seus requisitos. Antes do pôr-do-sol, às sextas-feiras, tudo parava. Não se podia tocar música (em geral, tocavam pequenos instrumentos como violino, flauta, bandolim), não se podia remar nem nadar, enquanto durasse o sábado sagrado. Casamentos e cerimônias fúnebres eram realizados severamente de acordo com as tradições e rituais, alguns místicos. Quando os livros de leitura religiosa escasseavam, eles os copiavam manuscritos, de modo que nada fosse esquecido ou omitido. Durante os dias sagrados, reuniam40 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

se na cidade mais próxima, numa sinagoga improvisada. Nessa ocasião aproveitavam a oportunidade para circuncidar os meninos nascidos nesse ano. Nem todos, porém, tinham possibilidades para tomar parte nessas reuniões. Desse modo, o menino seria circuncidado com qualquer idade, dependendo do momento oportuno que se apresentasse. Eu própria, por acaso, testemunhei um emocionante acontecimento em Belém. Estava de compras com uma prima de nome Piedade (o anjo benfeitor da nossa família), quando de repente ela lembrou-se que devia ir à sinagoga para assistir, no salão de recepções, à circuncisão dos sobrinhos de uma sua amiga, vindos do interior do Estado. A família vivia num lugar distante e só então tinham conseguido meios para trazer os meninos a Belém com o fim especial de os circuncidar, tornandoos parte de nosso pacto ancestral, desde Abraham Avinu. Para minha surpresa, tratavam-se de garotos entre 8 e 12 anos de idade. Eram três, e o trio mantinha-se unido em silêncio e pavor. Quando um velho contou o número de homens e anunciou - “Já temos minian, podemos começar” - imediatamente travou-se uma espécie de tourada. Os meninos corriam, gritando, proferindo palavrões, defendendo com as mãos a parte do corpo que devia ser operada, repetindo: “Não me capem!” - e os homens rindo, correndo atrás deles, cercando-os, até que conseguiram aprisionar os três. De pés amarrados, sem anestesia, em presença de todos, um a um foram circuncidados por

perito Mohel. Minha prima Piedade era uma verdadeira Tzadiká. Muito religiosa, descendente de Rabi Eliezer Dabela, de quem herdou poderes sobrenaturais, sua presença era requerida porque tinha o dom de abrandar dores e curar certas lesões. Quanto a mim, escondi-me em outra sala, assustada. Mas não ouvi gritos e em um momento, quando as rezas silenciaram, compreendi que tudo havia acabado. Quando fui convidada para tomar parte na festa, fiquei surpreendida ao encontrar os meninos entre os convidados, comendo e bebendo refrigerantes. Já então eles sorriam. Embora vivendo nas brenhas do Amazonas, eles desejavam aquela operação, desejavam ser parte do Brit Milá. Sentiam-se orgulhosos de ser judeus. Este orgulho, no entanto, não proveio da liberdade com que os imigrantes sonhavam. Eles tinham que lutar para manter o seu judaísmo. O estigma judeu seguiaos até as profundezas da selva. Meu avô e seus amigos eram comerciantes e suas lojas ficavam às margens dos rios, mas cercadas pela mata. E nesses lugares escondidos eles eram alcançados por pogroms. Assim acontecia. Esses armazéns forneciam comestíveis, roupas, remédios, utensílios, em troca de borracha, castanha, sementes oleaginosas, artigos que eram trazidos pelos nativos. Durante a estação chuvosa, o negócio declinava para ambas as partes. Os contemporâneos do meu avô David sempre lembravam, entre suas anedotas espirituosas, uma que se relacionava a essa situação. No tempo do movimento comercial,


ele costumava ir frequentemente a Belém para fazer transações com exportadores e bancos. Um amigo estranhou vê-lo na capital em pleno inverno e perguntou a que viera. “Vim fugindo da safra do ‘me ceda”. “Safra de que, nesta época?”. “Safra do ‘me ceda’, já disse, “me ceda um alqueire de farinha’, ‘me ceda um rolo de tabaco’, ‘me ceda uma manta de pirarucu”.... A verdade é que ele deixara sua casa não somente para escapar à “safra do me ceda”, mas sobretudo para livrar sua família de algum provável pogrom, ocorrido mais nessa época, e chamado pelo povo de “mata judeu”. Embora não fossem atacados fisicamente, as crianças e mulheres ficavam em tal estado de pavor que geralmente adoeciam. O pânico começava de manhã bem cedo, quando se suspeitava, pelo mutismo do ambiente, ausência de canoas, silêncio absoluto, que algo terrível estava para acontecer. Então às carreiras, a família escondia seus bens mais valiosos. As mulheres e as crianças trancavam-se no dormitório. O dono do armazém abria o Sidur e se concentrava em orações. Quando o cão ladrava anunciando aproximação de estranhos, o homem preparavase para o confronto. O pogrom, isto é, homens exaltados, invadiam o estabelecimento e procediam à pilhagem. O judeu fingia estar lendo e não se aperceber do que acontecia. Tão pronto os assaltantes se retiravam, a família reunia-se dando “graças a D’s por tudo”, que o mais importante era a vida, e procuravase esquecer o incidente. Quando os amigos encontravam-se

novamente, discutiam o ocorrido, já em gargalhadas. Cada qual exagerava o montante de sua perda e se jactava do modo como reagira, levando a ridículo uns aos outros. Outras anedotas surgiam dessa fonte nova. Uma das mais conhecidas era sobre um tal Issacar que teria decidido amedrontar os intrusos, recebendoos de rifle em punho. Quando os ladrões chegaram ele os fez recuar, gritando-lhes - “Aquele que der um passo a frente é homem morto”. Os homens se acovardaram e já iam retirando-se, quando Issacar, explodindo de raiva, falou para si mesmo, mas em tom bastante alto: “Ah, mamzerim! ... pena não ter uma bala, senão acabava com todos vocês!”. ... de se imaginar o que aconteceu depois dessa confissão... Pois bem. Apesar de todas as adversidades, estes jovens judeus decidiram ganhar a batalha contra a natureza e contra os homens. Permaneceram no mesmo lugar, trabucando no mesmo negócio durante anos, até haver poupado bastante dinheiro para se mudar para a capital, poder educar seus filhos e abrir caminho para gerações mais afortunadas. Na primeira década do século XX muitos deles já se encontravam em situação econômica folgada e pertenciam à alta camada da sociedade de Belém. Ituquara, Marariá, Cariri e outros “furos” cujos nomes nem aparecem no mapa do Pará eram só lembranças dos tempos idos. Meus avós paternos, Moysés Levy e Hália Dabela Levy, vieram respectivamente de Rabat e Casablanca. Eram imigrantes também - não de origem espanhola

e, por isso, falavam harbía. Eram muito respeitados pelos outros judeus porque minha avó Hália era nobre. Do ponto de vista dos judeus marroquinos, a nobreza é baseada no número ou magnitude de rabinos entre os ancestrais. Minha avó, Hália Dabela, era descendente de Rebi Eliezer Dabela, um rabino a quem se atribuíam milagres. Um deles foi fazer parar uma enchente, marcando com o seu bastão até onde as águas deviam chegar. Usava sempre esse bastão, que se encontra entre seus descendentes em Casablanca, e um colar de âmbar que minha avó Hália herdou e é conservado na nossa família. Esse colar era pendurado na cama dos enfermos e das parturientes pelos seus efeitos milagrosos. Eu não estaria aqui, agora, se não fosse pela decisão de minha avó, Belízia, de casar, aos 13 anos, com David Benoliel. Foi uma união feliz que ultrapassou as bodas de ouro e da qual houve vários filhos, inclusive Esther, minha mãe. Em sua juventude, Esther era considerada uma das mais belas moças de Belém. Tinha 18 anos quando se casou com Eliezer, único filho de Moysés e Hália Levy, o mais atraente e desejado solteirão (aos 24 anos!) da cidade de Belém. Casaram-se na cidade de Cametá, a 21 de março de 1900. *A escritora paraense, Sultana Levy Rosenblatt z”l,, faleceu em 2007, aos 97 anos. Seus escritos encantam familiares e várias gerações de paraenses e amazonenses. É com enorme alegria e saudade que Amazônia Judaica homenageia sua memória e seus 10 anos de partida, publicando esta Crônica Especial.

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SAUDAMOS A AMAZÔNIA JUDAICA POR SEU 15 ANOS DE TRABALHO INCANSÁVEL PELA PRESERVAÇÃO DO JUDAÍSMO EM NOSSA REGIÃO E DESEJAMOS A TODOS

PESSACH SAMEACH

Parabenizamos a Amazõnia Judaica por 15 Anos de luta pelo resgate da nossa história e saudamos a toda a kehilá com um

FELIZ PESSACH

42 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017


Parabenizamos Amazônia Judaica pelos 15 anos de tão importante trabalho em prol do judaísmo em nossa comunidade e saudamos a todos com PESSACH SAMEACH Diretoria do CIAM

Mazal Tov! Amazônia Judaica e parabéns pelo trabalho primoroso de preservação e difusão do nosso judaísmo.

CHAG SAMEACH Diretoria do CIP Saudamos A Amazônia Judaica pelos 15 anos de existência e desejamos a todo o ishuv

PESSACH KASHER VESAMEACH

A ESNOGA BEIT SHMUEL DO RECIFE PARABENIZA A AMAZÔNIA JUDAICA PELOS 15 ANOS DE ATIVIDADE

PESSACH SAMEACH

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CAMPANHA AMAZÔNIA JUDAICA 15 ANOS DE TRAVESSIA: Agradecemos à todos que compreenderam a importância do nosso trabalho e estão contribuindo com nossa campanha de financiamento coletivo, pelo CATARSE.ME

www.catarse.me/amazoniajudaica15anosdetravessia Alegria Salgado Bohadana Ariela Salgado Celeste Ainda Blanco Erbisti Celma Carlos Salgado Clara Nahon Mendes Claudia Jurberg Elias Carlos Zebulum Fabio Susteras Fernando Lattman-Weltman Heliete Vaitsman Henry London Joel Bogdanski José Tabacow Juarez Frazão Rodrigues Junior Luna Jurberg Salgado Mario Montañez Michel Gherman Moisés Salgado Rafaela Facchetti Tamara Jurberg Salgado Wanda Latmann Veltman

E DE TODOS AQUELES QUE NOS APOIARAM INCOGNITAMENTE 44 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

www.amazoniajudaica.org


Nicole, Rafaela, Paula, David, Sandra e Marcos Nahon

Desejam a Comunidade Judaica Amazônica um PESSACH KASHER VESAMEACH DINA SUA DOULA EM ISRAEL

‫ דרום אמריקאית‬- ‫דינה דולה‬

Meu objetivo •

Ajudá-la com o idioma, caso não fale hebraico para entender termos técnicos usados numa sala de parto.

Ajudá-la com suporte emocional (com muita paciência, carinho, atenção, encorajamento e conforto)

Te ajudar a entender a linguagem hospitalar e os procedimentos realizados durante o parto. Orientar sobre o parto e o pós-parto.

Orientar e ajudar com técnicas para um parto sem traumas e como encarar a dor, usando reflexologia, shiatsu, massagens e outras técnicas para aliviar o desconforto, muitas vezes chegando até, ao parto natural.

Seremos duas mulheres trabalhando juntas com muito carinho e respeito mútuo. Não esquecendo nunca o seu marido, companheiro e pai que também merece atenção e apoio.

Ajudar no bonding da mãe com o recém-nascido; o envolvimento do pai no parto, no corte do cordão umbilical.

E ajudar e orientar nos cuidados do bebê e na amamentação ou outra forma de nutrição que seja escolhida.

Dina Flint (Dinari Siqueira). Resido em Israel desde de 1988. Casada,duas filhas. Moro em Petach Tikva. Sou ganenet (educação de tres meses até três anos). Doula e doula pós parto. Doutora da Alegria. Amo crianças e animais, amo a vida. Creio no todo poderoso e sou m u l h e r.....

dinaflint17.5@gmail.com / 052-8082057 Contato no Facebook Dina Doula Flint ou na minha página Dola Dina

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PELO NOSSO PORTAL Ola Elias e David, Conheci agora o Portal Amazônia Judaica e com muita alegria escrevo a vocês. Sou paulista e trabalhava na criação do futuro Museu Judaico de São Paulo (www.museujudaicosp.org.br) e vim para Israel por alguns meses para trabalhar no Beit Hatefutsot. Aqui uma das coisas que faço e atualizar as informações da base de dados do museu e nesse momento estou à procura de informações, (história, atualidades, visuais) sobre a comunidade judaica na Amazônia. Vi que aqui no portal tem algumas informações e fotografias, contudo eu ainda precisava de informações sobre as comunidades atualmente, bem como fotografias e vídeos recentes para que possamos disponibilizar para os milhares de visitantes diários do museu. Conto com a colaboração de vocês e parabéns pelo trabalho do portal. Obrigada, Lyvia Stahl – Museu da Diáspora( Beit Hatefutsot) – Tel Aviv- Israel

Estou muito feliz de ter encontrado este blog, estou escrevendo meu TCC sobre as Famílias Judaicas no Amapá na década de 40 e 50, como o tema é pouco trabalhado estou pesquisando na internet materiais que possam me auxiliar na elaboração do trabalho. Eneida Damasceno Costa Borges – Amapá - Macapá

46 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

Sou o jornalista que dirige a revista do clube A Hebraica, de São Paulo e quero publicar uma nota a respeito do livro “Judeus e Industrialização no Amazonas”. e preciso, por favor, do e-mail de Wagner Bentes Lins. Bernardo Lerer – São Paulo

Boa Tarde. Meu nome é Mónica Martinez de Campos, sou professora universitária em Portugal, em Direito, e estou a colaborar com um aluno meu num projecto de investigação sobre os sefarditas e a aquisição (ou reaquisição) da nacionalidade portuguesa. Sabemos que houve famílias judaicas que, no ´seculo XIX, imigraram para os estados do Amazonas e do Pará, e que vinham do Norte de Africa. Encontramos várias referências à presença de famílias judaicas nestes Estados (Benchimol 1999 e 2008; Bentes 1987; Liberman 2009; Veltman 2008 etc.) Mas o que não sabemos, e gostariamos de saber, d´ai precisarmos de ajuda, é se ainda hoje, a comunidade que veio, nomeadamente de Marrocos, é numerosa no Estado do Amazonas. Há algum recenseamento ou uma estimativa? São de origem Sefardita? Fico-lhe muito agradecida se me puder ajudar a responder a estas perguntas ou indicar-me a quem me devo dirigir para obter informações. Na expectativa de breves notícias, Atentamente. Mónica Martinez de Campos - Portugal


www.amazoniajudaica.org Bom dia, Estou a procura da minha raiz ancestral judaica sefardita com a finalidade de cidadania portuguesa/ espanhola. Sou residente em Portugal e estarei atem dezembro em Belém. Gostaria de solicitar ajuda por onde devo iniciar minha pesquisa. Não sei se vale de informação, mas minha mãe me contou que seus avós (Silva) eram judeus, mas por medo não falavam sobre o assunto a estranhos. Meu pai também conta uma história semelhante sobre sua família (Barros). Gostaria muito da ajuda de vocês. Grata!! Liliane Silva Barros – Portugal

Sou pesquisadora do programa de História de pós graduação da UNICAMP (matrícula: 154065), e agora estou desenvolvendo um projeto que trata sobre a trajetória do engenheiro Judah Levy (Filho de Eliezer e Esther Levy). Como será um trabalho de doutoramento, gostaria de saber se o “Portal Amazônia Judaica”, poderia me ajudar e contribuir no meu trabalho com documentação sobre a família Levy. Vi ainda que Sultana Levy Rosenblatt escreveu um texto para o portal, acredito então que ela seja irmã de Judah Levy, teria como eu entrar em contato com ela? ou mesmo com integrantes da família? Desde já, agradeço a atenção! Atenciosamente, Bianca Vieira – Belém do Pará / UNICAMP

Sou produtor do programa Liberal Comunidadee estou produzindo um programa sobre imigração. Preciso falar com vocês a respeito. Favor mandar o telefone para contato. Obrigado. Eraldo Lima

Prezados, boa tarde. Sou pesquisadora, atualmente desenvolvendo uma série de TV para o Canal Curta! sobre a influência judaica no Brasil. Gostaria de solicitar algumas imagens do acervo do Portal Amazônia Judaica. Como procedemos? Cordialmente, Liliana Onozato – São Paulo

Boa tarde, sou Roberta, acadêmica do curso de ciências sociais, e estou pesquisando sobre a comunidade judaica nos vales do Madeira, Mamoré e Guaporé, no período dos anos 80 e 90. Gostaria de saber se vcs tem algum dados ou registro de Judeus nessa região e se podem me ajudar. Atenciosamente Roberta Mageski – Porto Velho - Rondônia

Mensagem: Boa tarde, estou à procura de algum registro judeu de meu bisavô Diogo de Carvalho Pinto e Souza. Ele veio de Portugal para o Brasil e viveu Belém do Pará até morrer de câncer. Muito grata pela atenção. Ana Claudia Mello Brazão Borges – Macapá Amapá 47


CARTA DOS LEITORES portal200anos@gmail.com Eita, que bacana! Nosso passado amazônico agradece! PhD Ilana Feldman – Ensaísta – São Paulo Elias, obrigado pelo envio da revista. Está realmente muito interessante, vou me deliciar com os artigos nos próximos dias. Um feliz Chanuká prá você, pro David e todos os seu. Henrique Veltman – Jornalista – São Paulo Opa!!! Linda revista !!! Posso botar no face? PhD Michel Gherman – Historiador – NIEJ/IFCS/ UFRJ Muito bonita. Parabéns !!! PhD Bernardo Sorj – Sociólogo – IFCS/UFRJ Olá Elias Comecei a ler e já fiquei encantada pela revista. Por coincidência havia acabado de ler o conto Baile do Judeu inserido em Os Grandes Contos Populares do Mundo de Flávio Moreira da Costa. Parabéns e grande abraço para vocês. Esther Largman – escritora – Rio de Janeiro Parabéns pela revista, pelo conteúdo e pela apresentação. Um exemplo! Chag Urim Sameach! Uri Lam 48 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

Bela revista, hein! Hilton Barlach Felicitaciones Eli, y gracias por la mención de los 40 años de Mosinzon!! Ata gadol javer!! Oev otja Horacio Grushkah – Buenos Aires Eu vi no email, ficou bem legal a revista. Chazak Ubaruch Claudio Goldemberg – Presidente da Sinagoga Shel Guemilut Hassadim – Rio de Janeiro Elias Que publicação linda. Vou ler tudo depois comento. Mas fiquei encantada com as obras de arte. Beijo e parabéns pela realização. Rafaela Facchetti – Petrópolis – RJ Parabéns Elias, dei uma olhada o visual está lindo. Adorei a capa e as artes. Vou ver com calma pelo computador. Bom trabalho, sei que não é fácil produzir revista judaica. Chanukah Sameach Shirley Farber – Jornalista e editora -EUA


amigos do

Amazônia Judaica possui uma dívida sem fim com centenas de leitores, amigos, instituições e empresas que nos viram nascer e que vem nos acompanhando e apoiando, nestes 15 Anos de Travessia. Seria difícil listar nominalmente a cada um deles. Portanto, agradecemos a todos de coração e pedimos que se sintam aqui representados, pelos Amigos do AJ abaixo destacados:

AGRADECIMENTO ESPECIAL BEMOL FOGÁS

CIEX

CAFÉ MANAUS

CIP

CEJURON

CLINICA DE OLHOS BENCHIMOL

CENTRO ISRAELITA DO AMAPÁ

I.B. SABBÁ

CIAM

SINAGOGA SHEL GUEMILUT HASSADIM

Alegria Salgado Bohadana

Marcia Sasson

Clara Naho

Marcos Serruya Z”L

Davis Benzecry

Mario Perel

Denis Minev

Mariza Moreira Blanco

Eddy Zlotnitzki

Moisés Sabbá

Eduardo Barreto

Nora Zibil Sanchez

Esther Dimenstein

Regina Igel

Fernando Lattman-Weltman

Rubem Serruya Z”L

Fortunato Chocron

Salomão Benchimol

Frank Benzecry

Salomão Mendes

Heliete Vaitsman

Saul Benchimol

Iehuda Benguigui

Sergio Benchimol

Jaime E Anne Benchimol

Thiago Zeitune

Jaime Salgado

Tova Sender

Licita Benchimol

Vidinha Salgado

Livio Assayag

Wagner Bentes 49


FORTUNATO E RAQUELITA ATHIAS Congratulam-se com Amazônia Judaica pelos 15 anos de atividades e desejam a todos

VIDINHA SALGADO E FAMÍLIA

Parabenizam Amazônia Judaica pelos seus 15 de criação e desejam a todos

PESSACH SAMEACH

PESSACH KASHER VESAMEACH

ANNE E JAIME BENCHIMOL E FAMÍLIA

MOISÉS SABBÁ E FAMÍLIA

Congratulam-se com o Amazônia Judaica pela passagem de seus 15 de fundação e estendem a todo o ishuv votos de um

Parabenizam Amazônia Judaica e desejam um

PESSACH SAMEACH

PESSACH KASHER VESAMEACH

JAIME SALGADO, FILHOS, NETOS E BISNETOS

DAVID SAMUEL ISRAEL E FAMÍLIA

Congratulam-se com Amazônia Judaica pelos 15 anos de atividade e desejam a todo Am Israel um

Juntam-se a todos os chaverim da nossa kehilá amazônica para parabenizar a Amazônia Judaica e desejar

FELIZ PESSACH

PESSACH KASHER VESAMEACH

JOEL BOGDANSKI E FAMILIA

ALEGRIA SALGADO BOHADANA E FAMÍLIA

Parabenizam a Amazônia Judaica pelos 15 anos de atividade e desejam a todos

CHAG HACHERUT SAMEACH 50 AMAZÔNIA JUDAICA No 10 - ABRIL 2017

Congratulam-se com a Amazônia Judaica por seus 15 anos de atividades e desejam a todo o ishuv

PESSACH SAMEACH


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15 Anos na vanguarda da preservação de uma história bicentenária

PESSACH SAMEACH www.amazoniajudaica.org

APOIE NOSSA CAMPANHA DE 15 ANOS, ACESSE www.catarse.me/amazoniajudaica15anosdetravessia


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