Revista Amazônia Viva ed. 36 / agosto de 2014

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REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

AGOSTO 2O14 | EDIÇÃO NO 36 ANO 3 | ISSN 2237-2962

A ORIGEM DA AMAZÔNIA NA REGIÃO DO

RIO XINGU Pesquisas arqueológicas na área onde está sendo construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte desvendam detalhes inéditos da pré-história amazônica

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO


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Nossa história de milhões de anos ASSUNTO DO MÊS, PÁG. 36

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JOCELYNS ALENCAR

Pesquisas arqueológicas na região do rio Xingu, onde há centenas de milhares de anos, habitavam animais, como a preguiça gigante, desvendam um passado pouco conhecido na Amazônia.


AGOSTO 2O14

AGOSTO 2O14 | EDIÇÃO NO 36 ANO 3 | ISSN 2237-2962

NOSSA CAPA O rio Xingu visto de cima FOTO: João Ramid

Maria Brasil

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

EDIÇÃO Nº 36 / ANO 3

A ORIGEM DA AMAZÔNIA NA REGIÃO DO

RIO XINGU Pesquisas arqueológicas na área onde está sendo construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte desvendam detalhes inéditos da pré-história amazônica

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO

IDEIAS VERDES, PÁG. 33

Intrépidos aviúzinhos CONCEITOS AMAZÔNICOS PÁG. 19

João Batista da Silva QUEM É?, PÁG. 18

O6 EDITORIAL Muitos anos atrás O7 PRIMEIRO FOCO Notícias 17 FATO REGISTRADO Belle Époque 17 CARTA ABERTA Comentários dos leitores 19 MUDANÇA DE ATITUDE Composteira 2O EM NÚMEROS Aquífero Alter do Chão 22 OLHARES NATIVOS Temas amazônicos 44 COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL Engenho do Murutucu 46 PERGUNTA QUE NÃO QUER CALAR A força do caribé 5O CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE Cuíca-lanosa 51 ARTE REGIONAL Estúdio Gotazkaen 55 NA LISTA Pontos Festas folclóricas 56 UM DEDO DE PROSA Gigi Furtado 6O MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS Giovanni Gallo 62 AGENDA DE EVENTOS Simpósios e artes 63 FAÇA VOCÊ MESMO Boneco reciclado 65 BOA HISTÓRIA Um par 66 NOVOS CAMINHOS Thiago Barros

CARLOS BORGES

E MAIS

Unidos pela formação musical Cerca de 200 crianças e jovens do Programa Vale Música amadurecem seus talentos por meio da dedicação pessoal e comunitária nas aulas de canto e instrumentos. VIDA EM COMUNIDADE, PÁG. 47

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DA EDITORIA

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA AGOSTO 2014 / EDIÇÃO Nº 36 ANO 3 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. JOCELYN ALENCAR

Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAN Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor Corporativo de Jornalismo WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA

Muitos anos atrás

A

ilustração acima representa dois espécimes de braquiópodes do gênero Lingula, seres invertebrados que habitaram as águas oceânicas da Amazônia entre 443 a 359 milhões de anos atrás. A história da formação dos rios, florestas e fauna da região do Xingu, no sudoeste do Pará, faz parte da descoberta de fósseis desses minúsculos animais em solo paraense, que um dia deu lugar a um mar de águas salgadas. Este é só um pequeno grande exemplo do vasto acervo catalogado por arqueólogos e paleontólogos que fazem um levantamento inédito e grandioso na área dos reservatórios da Usina Hidrelétrica Belo Monte. A pesquisa já obteve resultados satisfatórios com coletas de fósseis da fauna e flora na região do Xingu que chegam a quase 2.300 amostras, e que serão repassadas ao setor de paleontologia do Museu Paraense Emílio Goeldi, aumentando em 15,4% o acervo do patrimônio

arqueológico da instituição. Os pesquisadores usam alta tecnologia para desenvolver o trabalho na região, como o mapeamento das rochas na Volta Grande do Xingu, gerando imagens precisas de satélite e radar, mas sem descartar a boa e velha caminhada à moda dos antigos expedicionários dos séculos XVIII e XIX. Para a Amazônia, esses achados préhistóricos nos colocam no hall dos estudos mundiais sobre as eras geológicas na América do Sul, uma vez que as pesquisas na Bacia do Amazonas, onde se insere a obra de Belo Monte, pouco avançaram nos últimos anos. *** No próximo dia 10 de setembro, chegaremos à 37a edição, marcando o início do quarto ano da revista Amazônia Viva. Por isso, já estamos preparando uma edição especial de aniversário com algumas novidades na linha editorial.

Diretor de Novos Negócios RIBAMAR GOMES Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretores JOSÉ EDSON SALAME JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO WALMIR BOTELHO D’OLIVEIRA GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor chefe FELIPE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Vale, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Fundação Curro Velho (acervo); Thiago Barros, Camila Machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, Anderson Araújo, Moisés Sarraf, Abílio Dantas, Brenda Pantoja, Bruno Rocha, Natália Mello, Dominik Giusti (reportagem); Moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Janine Bargas (produção); Hely Pamplona, Fernando Sette, Carlos Borges, Roberta Brandão, Igor Mota (fotos); André Abreu, Leonardo Nunes, Jocelyn Alencar, Andrey Torres, Sávio Oliveira, Márcio Euclides (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO

FELIPE MELO Editor chefe

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AGOSTO 2014

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REVISTA IMPRESSA COM O PAPEL CERTIFICADO PELO FSC - FOREST STEWARDSHIP COUNCIL


MÁRIO GUERRERO / DIVULGAÇÃO UFRA

PRIMEIROFOCO PRIMEIROFOCO O QUE É NOTÍCIA PARA A AMAZÔNIA

Dinheiro na mão é adubo bom Projeto da Ufra transforma notas de real fora de circulação em fertilizantes sustentáveis

Zoologia Quatro novas espécies de cuícas são descobertas na Amazônia e Mata Atlântica. Pág.13

Parceria Vale e município de Marabá assinam convênio para investir em infraestrutura. Pág. 15 AGOSTO 2014

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PRIMEIRO FOCO

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DA TERRA Cédulas velhas são misturas com hortifrutis para adubar o solo. O pesquisador Carlos Costa (de branco), do Instituto Socioambiental e Recursos Hídricos, conversa com um agricultor sobre o precedimento.

FOTOS: MÁRIO GUERRERO / DIVULGAÇÃO UFRA

ode parecer inusitado, mas utilizar notas de dinheiro como adubo pode gerar lucro. Também é uma ótima alternativa para dar um destino sustentável aos mais de R$ 500 milhões em papel-moeda retirados de circulação pelo Banco Central (Bacen) todo ano. Mas um projeto da Universidade Federal Rural da Amazônia (UFRA) está reaproveitando cédulas velhas de real para produzir composto orgânico e é pioneiro no Brasil. A pesquisa começou há sete anos, através de um convênio entre as duas instituições. O próximo passo é a criação de um Centro de Compostagem, em Belém, destinado à pesquisa, treinamento e difusão da técnica. Só no escritório regional do Bacen na capital paraense, aproximadamente 16 toneladas de papel-moeda deixam de circular por mês. Em todo o país, mensalmente, são mais de 110 toneladas das chamadas “cédulas inservíveis”, que estão velhas, rasgadas e rabiscadas. Antes da criação da Política Nacional de Resíduos Sólidos, estas notas eram incineradas ou iam para lixões, mas agora podem ser combinadas


com capim, restos de frutas, verduras e legumes (hortifrúti) para formar um composto nutritivo que auxilia na agricultura. O coordenador do projeto, o professor Carlos Costa, do Instituto Socioambiental e Recursos Hídricos (ISARH/Ufra), aponta o baixo custo e a acessibilidade como as vantagens do adubo. “Chegamos a um composto de alto teor nutritivo para o plantio. Os componentes químicos do papel moeda não afetam as plantas, porque exames laboratoriais mostraram que a concentração de metais pesados é baixíssima. Essas substâncias são eliminadas no próprio manuseio das cédulas e durante a compostagem”, explica. A técnica elaborada pelo projeto, após 120 amostras analisadas, consiste em misturar 10% de notas de real trituradas, 50% de palhada (capim, palha comum) e 40% de hortifrúti. O material é umedecido e revirado a cada três dias, em um processo que leva até 75 dias para ser concluído. Além do benefício ao meio-ambiente, o projeto tem forte apelo social, pois pretende integrar os produtores locais e gerar capital. A iniciativa conta com 20 agricultores cadastrados, sendo que três já estão recebendo as cédulas e produzindo o adubo nos municípios de Capitão Poço e Irituia. “O esterco de boi ou galinha impactam a renda do produtor. Estimamos que o adubo orgânico represente 60% na diminuição dos custos, uma vez que as notas são levadas pelo Bacen, sem custo

para os agricultores, que utilizarão os restos de hortifrúti e de capina dos próprios terrenos”, observa. Eles estão em busca de parcerias para o projeto, a fim de atender a demanda, que o professor antecipa que será grande. “Teremos que produzir 160 toneladas de composto por mês, o que significa cerca de 80 toneladas de hortifrúti e mais 90 de palhada. Mas isso não deverá ser um problema, porque só a Ceasa descarta 30 toneladas de restos de alimento por dia e as redes de supermercado geram, em média, 700 kg diariamente”, afirma. Dentre as preocupações estavam encontrar um ambiente compatível para a produção e a logística adequada. Segundo Costa, ambas as instituições estão em fase de conclusão do projeto, que deve ser apresentado até o final do ano, e o Plano Diretor da Ufra define uma área de 2940 m² no campus de Belém para a implantação do Centro. O professor ressalta que a ideia do convênio é adotar o composto em todo o país, mas o centro será construído apenas na capital paraense. “Será um ponto de difusão tecnológica, reunindo alunos de iniciação científica e pesquisadores, inclusive de outros estados, bem como um centro de treinamento para os agricultores. Em todo o cinturão verde de Belém, incluindo a região das ilhas, existem muitos produtores rurais. O objetivo é fazer um diagnóstico dessas áreas e em seguida iniciar as capacitações”, comenta.

AMOSTRA O composto desenvolvido pela Ufra começa a ser usado nos municípios de Capitão Poço e Irituia

ENERGIA BNDES QUER ATRAIR INVESTIMENTO JAPONÊS O Brasil e o Japão podem estreitar o relacionamento comercial, principalmente na área tecnológica voltada para energia renovável e equipamentos de saúde. A observação é do presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), Luciano Coutinho, que participou de um encontro com mais de 100 empresários japoneses. “O Japão é um dos líderes na agenda de eficiência energética, enquanto o Brasil está defasado. O Brasil tem grande necessidade de poupança de energia. Há muitas oportunidades para substituição de equipamentos”, afirmou. Ele abordou, ainda, um panorama das oportunidades de investimentos em infraestrutura, óleo e gás, telecomunicações e outros setores no país. BIODIVERSIDADE INPA PLANEJA INSTALAR CENTRO NA VENEZUELA O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) abriu caminho para a criação futura de um instituto de pesquisas na Amazônia venezuelana. O assunto foi discutido durante o III Seminário Nacional da Comissão Nacional Permanente do Tratado de Cooperação Amazônica, Ciência e Tecnologia, que ocorreu em Puerto Ayacucho, na Venezuela. Para o coordenador de extensão do Inpa, Carlos Bueno, “os cursos de pós-graduação do Inpa e as tecnologias sociais disponíveis poderão ser um caminho importante, em curto prazo, de apoio à criação de um instituto de pesquisas amazônicas da Venezuela”. Ele destacou as semelhanças desse país com a biodiversidade da Amazônia brasileira, como as pesquisas de tratamento de doenças tropicais e potencial econômico.frutas. FOTOS: WILSON DIAS/ AGÊNCIA BRASIL / ASCOM INPA

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PRIMEIRO FOCO

Fundo Vale é destaque em estudo internacional

Veja a distribuição total dos recursos internacionais na região amazônica Total investido em recursos internacionais de 2007-2013 1,34 bilhão de dólares Colômbia US$ 72,1 milhões

Categorias de entidades Bilateral

Guiana US$ 88,7 milhões

Suriname US$ 23,5 milhões

REGISTRO Noélio conta aventuras em livro

ONGs

SURF

Fundações

Brasil US$ 668,5 milhões

Bolívia US$ 49,5 milhões

Equador US$ 60,8 milhões FONTE: FUNDAÇÃO GORDON & BETTY MOORE

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A Guia de Trânsito Vegetal (GTV) será implantada pela Agência de Defesa Agropecuária do Pará (Adepará) nos principais polos de produção de abacaxi do Pará. Até o fim do ano, a guia será utilizada nos municípios de Floresta do Araguaia e Conceição do Araguaia, na região sudeste do Estado, para obter dados da produção e trânsito de espécies do fruto de cada cidade. O objetivo é ajudar na criação de programas para intensificar a produtividade, além de identificar com precisão a origem dos produtos.

Multilateral

Guiana Francesa US$ 10 milhões

Peru US$ 212,6 milhões

PRODUÇÃO

zações Não Governamentais e Fundações (setor privado). O Fundo Vale, organização mantida pela Vale S.A com foco na promoção do desenvolvimento sustentável, aparece entre as dez instituições mais importantes do estudo, sendo também a maior de caráter privado na Amazônia brasileira. Dentre os temas apontados no estudo, ainda é baixo o investimento nos principais vetores do desmatamento, área na qual o Fundo Vale vem contribuindo por meio de iniciativas que buscam a construção de um modelo econômico mais sustentável, com significativa atuação no Pará.

INVESTIMENTO

Venezuela US$ 12,6 milhões

GUIA

CRISTINO MARTINS / AGÊNCIA PARÁ

A fundação norte-americana Gordon & Betty Moore, entidade dedicada à conservação ambiental e à pesquisa científica, divulgou no último mês um estudo intitulado “Análise do Financiamento Internacional para a Conservação da Amazônia”. No trabalho, feito no período de 2007 a 2013, são apresentados os países da Amazônia Internacional que recebem recursos, as áreas às quais o dinheiro é destinado e as instituições internacionais responsáveis pelas ações de conservação. O estudo analisa investimentos do tipo bilateral (governos e setor privado), multilateral (governos, setor privado e ONGs), Organi-

INFOGRAFIA: MÁRCIO EUCLIDES

FINANCIAMENTO

POROROCA

As manobras radicais e a história do surf na Pororoca estão retratadas no livro “Auêra-Auara”, publicado pelo surfista Noélio Sobrinho. A expressão indígena que nomeia a obra significa “tudo de bom”, segundo o autor. Ele pratica o esporte há três décadas e há 17 anos enfrenta as ondas provocadas pelo encontro das águas. O livro reúne textos do jornalista Paulo Silber e registros de fotógrafos paraenses e internacionais, além dos relatos de surfistas reconhecidos mundialmente, mostrando desde a descoberta do fenômeno pelos surfistas e as primeiras tentativas de domar a grande onda até a transformação em uma competição grandiosa, com repercussão econômica e social nas cidades onde ocorre.


HELY PAMPLONA

PROTEÇÃO Equipe de biólogos trata de uma fêmea de gavião-real,resgatada às margens do rio Xingu EXPOAMA

identificação e um radiotransmissor, que ajudarão na localização de ninhos e na preservação da espécie.

MINERAÇÃO

A importância dos minérios no dia a dia das pessoas e a prática da mineração sustentável foram abordadas no estande da Vale durante a Exposição Agropecuária de Marabá (Expoama). Os visitantes puderam conhecer, ainda, os principais projetos da empresa no município através de equipamentos multimídia como os totens informativos, além de acessar informações sobre os investimentos na logística de transporte da ferrovia Carajás, o projeto S11D e a unidade do Salobo, o maior projeto de cobre da mineradora. A Vale foi uma das patrocinadoras do evento, que recebeu cerca de 400 mil pessoas nos nove dias de realização.

PROTEGIDAS

ONÇAS

O Instituto Chico Mendes de Preservação da Biodiversidade (ICMBio) aprovou a criação do Grupo de Assessoramento Técnico do Plano Nacional de Conservação da Onça-Pintada e do Plano de Ação Nacional de Conservação da Onça-Parda (PAN Onça Parda). As iniciativas foram implantadas para monitorar e preservar as espécies. A ideia é reduzir a vulnerabilidade dos animais, ampliando a proteção e a qualidade dos habitats, assim como o conhecimento sobre sua conservação. Uma das preocu-

JAIME SOUZZA / NORTE ENERGIA / DIVULGAÇÃO

pações é diminuir o impacto sofrido pelas onças devido a atividades como pecuária e silvicultura. Os planos serão coordenados pelo Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Mamíferos Carnívoros (Cenap).

RIO+2O

DESENVOLVIMENTO

A Organização das Nações Unidas (ONU) escolheu Bogotá, capital da Colômbia, como a sede mundial para acompanhamento dos objetivos da Rio+20. Em função do compromisso do governo local com o desenvolvimento sustentável, a cidade foi nomeada para sediar os “Diálogos de Alto Nível sobre Cidades, Transporte e Turismo Sustentável”, encontro que acontece neste mês.

GAVIÃO-REAL Um gavião-real ( Harpia harpyja ) foi devolvido à natureza, após se chocar com um fio de alta tensão e ser resgatado às margens do rio Xingu, em Senador José Porfírio, no sudoeste do Pará. A ave de rapina recebeu cuidados veterinários durante 16 dias no Centro de Estudos Ambientais da Norte Energia, empresa responsável pela construção da Usina Hidrelétrica Belo Monte. O animal é uma fêmea adulta, com seis quilos e envergadura de asa a asa de 2,08 metros. Ela será monitorada através de anéis de

CARLOS BORGES / ARQUIVO O LIBERAL

RESGATE

PRESERVAÇÃO As onças-pintadas serão monitoradas por projetos apoiados pelo ICMBio AGOSTO 2014

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DIVULGAÇÃO / VALE

PRIMEIRO FOCO OURO

GARIMPO

Um novo projeto de ouro em Serra Pelada foi apresentado aos garimpeiros em uma reunião na cidade de Curionópolis, no sudeste do Pará, no mês passado. A ideia da empresa é concentrar as máquinas na parte mais baixa da área, próximo a um lago com aproximadamente 200 metros de profundidade. Todo o material retirado na lavra manual foi depositado ao redor, o que os garimpeiros chamam de montoeira. São exatamente esses sedimentos que ainda podem conter ouro. A Cooperativa de Garimpeiros de Serra Pelada (Coomigasp) tem direito a 44% da produção, parcela que será dividida entre os trabalhadores.

FLORESTA

CERTIFICADA

O Brasil tem 2,872 milhões de hectares certificados pelo Forest Stewardship Council (FSC), ou Conselho de Manejo Florestal, responsável por atestar o uso sustentável da floresta em todo o mundo. O Pará concentra a maior parte desta área, seguido por Acre e Rondônia. Apesar de ser considerada, pelo FSC, uma parcela pequena perto dos quase 350 milhões de hectares de vegetação nativa da Amazônia, o território certificado representa, aproximadamente, 500 mil m³ de cumaru, maçaranduba, cambará e cedrinho, entre outras espécies de madeira bruta disponíveis para consumo imediato por empresas intermediárias ou consumidores finais.

INCENTIVO

Crianças recebem livros do projeto Rodas de Conversa

As redes municipais de ensino de Marabá e Eldorado de Carajás ganharam 4.380 livros, doados pelo projeto Rodas de Conversa, realizado pela Fundação Vale. A iniciativa tem como objetivo contribuir para a alfabetização de crianças até oito anos de idade da rede pública de ensino e estimular nos professores a prática da leitura em sala de aula por meio de encontros com autores de livros infantojuvenis e doação de maletas com livros que abordam a temática étnico racial para reforçar o acervo das escolas. O projeto é um apoio ao Pacto Nacional pela Alfabetização na

Idade Certa (PNAIC) e para a execução das leis federais 10.639/03 e 11.645/08, fortalecendo os estudos sobre a cultura afrobrasileira, africana e indígena nas escolas. “É uma contribuição muito significativa para a educação de nossas crianças, preenchendo uma lacuna do conhecimento e permitindo que elas conheçam novos mundos por meio da leitura”, declarou o secretário de Educação de Marabá, Pedro Ribeiro de Souza. Até o fim do ano, serão entregues mais de 1.500 maletas e 15.000 livros nos estados do Pará, Minas Gerais, Espírito Santo e Rio de Janeiro.

PEIXES

ANIMAIS

ABELHAS

Ajudar a identificar as espécies de peixes do rio Xingu e rio Tapajós é uma das funções do Laboratório de Ictiologia, inaugurado pela Universidade Federal do Pará (UFPA). Localizado em Altamira, a instituição abriga cerca de 30 mil animais e supre uma demanda dos pesquisadores sobre a fauna aquática da região da Transamazônica. O espaço também será útil na orientação de ações e políticas públicas para o setor pesqueiro e para a pesca artesanal, proporcionando o ordenamento da atividade na área.

O uso de animais em pesquisas científicas pode diminuir com a adoção de métodos alternativos. O Conselho Nacional de Experimentação Animal (Concea), ligado ao Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação, divulgou algumas regras para validar outras formas de experimentação, que após aprovadas, devem ser adotadas dentro de cinco anos. Entre os métodos alternativos estão o uso de pele humana reconstituída e a verificação de aumento da temperatura corporal usando sangue de voluntários humanos.

O Instituto Mamirauá publicou o Guia Ilustrado das Abelhas Sem-Ferrão (Hymenoptera, Apidae, Meliponini) das Reservas Amanã e Mamirauá, Amazonas, Brasil. Rico em imagens, o livro reúne dados científicos e conhecimento popular, mostrando a região onde as abelhas foram coletadas, modos de vida e hábitos de nidificação, plantas visitadas, descrição taxonômica e indicação de técnicas de manejo. A obra está disponível para download no site www. mamiraua.org.br.

LABORATÓRIO

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PESQUISA

PUBLICAÇÃO


REAPROVEITAMENTO

TRILHOS

Quase cinco quilômetros de trilhos que foram utilizados pela Vale ganharam uma nova utilidade e serão usados para construir pontes em assentamentos rurais no interior do Pará. A doação faz parte de uma parceria firmada entre a empresa e o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra). A primeira remessa, de cerca de 330 toneladas do material, foi encaminhada para duas prefeituras do Sudeste do Pará. O superintendente regional substituto do Incra no Sul do Pará, Antônio Rego, afirma que “a iniciativa objetiva a melhoria na qualidade das pontes, viabilizando a locomoção dos assentados e o escoamento da produção destes agricultores familiares”.

CLIMA

TRANSFORMAÇÃO

A Amazônia que conhecemos se consolidou há dois mil anos. Antes, um quinto da bacia era uma savana, aponta um estudo publicado no periódico científico da Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos. Ele sugere que a floresta simplesmente não existia em algumas regiões e que ela foi povoada por agricultores em vez de somente povos caçadores-coletores.

PRÊMIO

INOVAÇÃO

O projeto “Esse Rio Coopera”, desenvolvido por acadêmicos do Centro Universitário do Pará (Cesupa) foi o grande vencedor do Campeonato Nacional Enactus Brasil 2014. Eles criaram uma cooperativa para a comercialização do açaí, potencializando a geração de renda para mais de 100 ribeirinhos. O grupo executou uma série de tarefas como a padronização da produção, eliminação de atravessadores, redução do custo logístico em 90% e o aumento no valor de venda do produto em 38%. As pessoas receberam, ainda, consultorias para a educação financeira, a fim de ajudar na gestão do projeto pelos cooperados. O time irá representar o Brasil na etapa global da disputa, em outubro, na China.

NATUREZA

Quatro novas espécies de mamíferos são descobertas

A cientista brasileira Silvia Pavan, junto com os pesquisadores Sharon Jansa e Robert Voss, divulgou no mês passado um estudo que comprova a existência de quatro novas espécies de cuíca-do-rabo-curto (Monodelphis domestica), um marsupial que pode ser considerado um parente do gambá e do canguru. Das espécies descobertas, três vivem na Amazônia e uma na Mata Atlântica. Segundo o artigo científico, publica-

do na revista especializada “Molecular Phylogenetics and Evolution”, as quatro novas espécies foram descobertas a partir da técnica de sequenciamento genético. De acordo com a pesquisadora, as espécies ainda não foram descritas, por isso ainda não possuem nomes científicos. Ainda não se sabe também se estão em risco de extinção. Com a descoberta, sobe para 25 o número total de espécies de cuíca-dorabo-curto no Brasil.

Regiões - As cuícas-de-rabo-curto podem ser encontradas desde o sul do Panamá, passando por vários biomas do Brasil, até a região central da Argentina. Três das espécies novas são nativas da Amazônia e uma é natural da Mata Atlântica. Habitat - De hábito terrestre, são bichos que vivem entre as folhagens de florestas, fazem ninhos em troncos ocos de árvores e podem ter capacidade de viver em tocas abaixo do solo. Fisiologia - Embora sejam marsupiais, as cuícas-derabo-curto não possuem a bolsa abdominal comum em animais dessa infraclasse, como os cangurus e mucuras. Tamanho - Seu comprimento varia de 7 cm a 20 cm, e chegam a pesar entre 6 g e 140 g. Alimentação - São animais que se alimentam de insetos, mas que também podem consumir pequenos vertebrados.

CUÍCA-DO-RABO-CURTO (MONODELPHIS DOMESTICA)

FONTE: G1 / FOTO: DIVULGAÇÃO / ADRIANO MACIEL / SILVIA PAVAN

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PRIMEIRO FOCO TECNOLOGIA

DESMATAMENTO

Celulares smartphones velhos podem ser grandes aliados no combate ao desmatamento. O projeto Rainforest Connection (RFCx) reconfigura os aparelhos para que eles funcionem como dispositivos de escuta autônomos movidos a energia solar. É possível identificar, a longas distâncias, sinais de atividades de destruição ambiental, como motosserras, tiros e animais em agonia por conta da caça furtiva. A partir daí, é transmitido um alerta para o servidor do programa, que envia uma mensagem SMS para os órgãos de proteção. Os desenvolvedores buscam apoio financeiro coletivo via internet para ampliar o projeto.

SISTEMA

BIODIVERSIDADE

CALENDÁRIOECOLÓGICO

9 DE AGOSTO DIA INTERNACIONAL DOS POVOS INDÍGENAS Quantos indígenas existem no Brasil atualmente?

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14 DE AGOSTO DIA DO COMBATE À POLUIÇÃO O armazenamento virtual de dados causa algum tipo de poluição? Segundo um estudo do Greenpeace de 2010, a demanda de energia elétrica para abastecer os sistemas de tablets, laptops e celulares no mundo é de 623 bilhões de kWh. De acordo com a pesquisa, os 2 bilhões de pessoas conectados na internet consomem mais energia do que grandes países inteiros, como Brasil, Índia e Alemanha. Como uma grande fonte de produção de energia elétrica ainda é a queima de carvão mineral das usinas termelétricas, contribuintes das mudanças climáticas no planeta, pode-se afirmar que o armazenamento virtual de dados também está associado à poluição.

ILUSTRAÇÕES: SÁVIO OLIVEIRA

De acordo com informações do Censo 2010, pelo menos 0,4% da população brasileira é formada por indígenas, um total de 800 mil índios vivendo no país. Criado através da resolução 49/214 de 23 de dezembro de 1994 pela Assembleia Geral das Nações Unidas, o Dia Internacional dos Povos Indígenas refere-se a populações tradicionais muito diferentes espalhadas por todo o mundo. Em comum, têm o fato de que cada um se identifica como uma comunidade própria, em conformidade com seus próprios padrões culturais, instituições sociais e sistemas jurídicos, independentes dos povos europeus que dominaram seus territórios no passado.

RIM / DIVULGAÇÃO

Mais de 30 mil registros de espécies, a maioria amazônicas, dos acervos das coleções biológicas do Museu Paraense Emílio Goeldi foram integrados ao Sistema de Informação sobre a Biodiversidade Brasileira (SIBBr), uma ação do Ministério de Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). São dados sobre sub-grupos de Aracnídeos e Coleópteros que agora estão ligados aos sistemas brasileiro e internacional e podem ser acessados no site www.sibbr.gov.br. O Museu é uma das instituições com maior número de dados no SIBBr. Já são dez coleções de invertebrados com 31.977 registros: Amblypygi, Aranae, Opiliones, Scorpiones, Ricinulei, Schizomida, Uropygi, Solifugae, Acari e Coleoptera. A previsão é que sejam integrados acervos da Zoologia, Botânica e Paleontologia, somando cerca de 800 mil registros.


ARQUIVO VALE

TRÊSQUESTÕES O CARIMBÓ GANHA A SÉTIMA ARTE

1 INFRAESTRUTURA

Vale e Prefeitura de Marabá firmam parceria para obras O município de Marabá receberá investimentos de cerca de R$ 30 milhões em infraestrutura urbana. O convênio fechado entre a Vale e a Prefeitura beneficiará cinco bairros com urbanização de ruas e construção de travessias para as comunidades próximas à Estrada de Ferro Carajás (EFC). As melhorias devem ser concluídas em até 36 meses. “Vivemos um momento de mudança e prosperidade, nossa cidade irá melhorar muito, já começou a melhorar. Temos na Vale uma grande parceira e queremos continuar essa parceria, e para isso precisamos es-

tar unidos, Vale, Prefeitura, Legislativo e comunidades”, destacou o prefeito João Salame. Ao todo, mais de 23 quilômetros de vias públicas receberão pavimentação, sinalização, drenagem e iluminação, além de um muro de proteção na área urbana da ferrovia e dois viadutos. “A Vale assume mais uma vez o seu compromisso em contribuir com as regiões onde mantém suas operações e o poder público municipal vem assegurar serviços públicos à população”, reforçou o diretor de Energia e Institucional da Vale no Pará, João Coral.

AUDIÇÃO

VEGETAL

As plantas são capazes de “ouvir” os seus predadores, aponta a pesquisa da Universidade de Missouri, nos Estados Unidos. Elas não só conseguem reconhecer a ameaça iminente, mas também preparam o contra-ataque. A conclusão veio depois que os pesquisadores expuseram um grupo de plantas a uma gravação em áudio de lagartas comendo folhas e mantiveram outra parte delas em silêncio. Os vegetais do primeiro grupo produziram em maior quantidade uma substância química repelente. Ainda não está claro como as plantas detectam essas vibrações, mas os estudiosos suspeitam que tenha a ver com os mecanorreceptores, proteínas de células animais e vegetais sensíveis a estímulos mecânicos contínuos ou vibratórios.

Como foi pensado o roteiro do filme?

Quando discutimos começar a fazer uma sequência de longa-metragem, resolvemos que seria sempre um tema amazônico, para divulgar cada vez mais as nossas riquezas. Em nossa montagem buscamos resgatar o mais próximo possível do local das gravações, onde a fotografia seria bem natural, o figurino retratando as mudanças entre o passado e o presente, e com sonoplastia ao vivo, sempre com o curimbó e a flauta.

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Como abordar esse tema no cinema?

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O que você acredita que falte para o tema ser cada vez mais divulgado?

Esse tema hoje é um processo de patrimônio, pois envolve grandes mestres da música, com letras que retratam a realidade do amor, da dança do lugar. Isto para nós é superimportante, tentar imortalizar algumas dessas figuras através do cinema, onde por muitos anos a sua música vai tomar e embalar corações e mentes.

Acredito que nos falta um local onde você possa sempre escutar a música, ver pessoas dando um show na dança, ter um acesso do passado, pois todos os municípios do Marajó e do nordeste tem seu mestre do carimbó e nós não sabemos bem disso, pois a divulgação praticamente não existe. Temos que saber divulgar, vestir a camisa da nossa cultura e mostrar para o mundo que é bom e merece ser conhecido nosso carimbó.

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ARQUIVO PESSOAL

A festa do Carimbó em todos os seus contextos é o tema retratado no filme “O Caboclo Carimbó”. O roteirista e diretor do longa, Fernando Rassy, explica um pouco das diversas etapas que são retratadas na festa tradicional e as consequências de suas dimensões sociais.


PRIMEIRO PRIMEIROFOCO FOCO

EUDISSE

“É impressionante ver como as florestas contribuem para as necessidades básicas da humanidade. As florestas também sequestram carbono e preservam a biodiversidade” FAO.ORG / DIVULGAÇÃO

JOSÉ GRAZIANO DA SILVA, diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO) (D24M)

“A China já é o maior parceiro comercial do país e agora procuramos ampliar as cooperações intelectuais em áreas avançadas de ciência e tecnologia” VIRGILIO ALMEIDA, secretário de Política de Informática do Ministério de Ciência e Tecnologia, sobre dois acordos do governo brasileiro com o governo chinês que visam às ações de cooperação na área digital. (SITE DO MINISTÉRIO DE CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO)

“O grande desafio da atualidade é produzir mais alimentos, para mais pessoas, em áreas menores de Terra, e ao mesmo tempo reverter a perda de florestas tropicais. O Brasil tem mostrado ao mundo que isso pode ser feito” DANIEL NEPSTAD, diretor do Earth Innovation Institute e principal autor do estudo que aponta um declínio de 70% no desflorestamento da Amazônia. (FONTE: SCIENCE MAGAZINE).

“Nossa meta é buscar um plano de reabilitação da orla que proporcione um espaço em que toda a sociedade possa usufruir de seus benefícios” NADIA BRASIL, representante da Associação dos Amigos do Patrimônio de Belém (AAPbel), sobre os impactos ambientais na orla de Belém. (FONTE: PORTAL DO TRIBUNAL DO ESTADO DO PARÁ.)

“As comunidades tradicionais podem e devem viver das florestas, produzindo em sistemas agroflorestais ou nos manejos, para que assim o solo não seja usado de forma incorreta, devastando e desequilibrando o meio ambiente” MARCIO NAGAISH, coordenador técnico da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater), sobre a importância dos projetos desenvolvidos pela Agência. (FONTE: AGÊNCIA PARÁ.

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FATOREGISTRADO

CARTA ABERTA PROTEÇÃO

MUSEU GOELDI

Não só a piracatinga, mas outras espécies de peixes da Amazônia devem ser protegidas para evitar que nossa fauna aquática continue a desaparecer (Primeiro Foco, julho de 2014, edição nº 35)

Mendel Miranda Belém –Pará

FRUTAS

BONS ARES A capital paraense com um toque francês em sua arquitetura e costumes

Belle Époque, uma cena em Belém Um jovem poeta chega a Paris, ainda no final do século XIX, e se apaixona por uma cortesã na efervescente capital francesa, exalando cultura por todos os lados, com uma intensa correria das noites com a Torre Eiffel ao fundo. Esse é argumento do filme Moulin Rouge, que se passa no berço do que ficou conhecida como Belle Époque. Esse foi um período em que explodira um clima intelectual e artístico, que, didaticamente, começa em 1871 e termina com o rebentar da Primeira Guerra Mundial. A fotografia é parte daqueles tempos. Esse charme parisiense foi almejado por muitas cidades, dentre elas a capital da nova República do Brasil e da capital do Estado do GrãoPará, Rio de Janeiro e Belém. Na arte, experimentavam-se as novas formas do Impressionismo e da Art Nouveau. O modelo se exportou: as artes e a arquitetura, noutros países, foram generalizadas sob a alcunha Belle Époque, que representava uma cultura urbana da busca pelo prazer, catalisada pelo vertiginoso avanço técnico da Humanidade, dos transportes à comunicação. Belém, que até aquele século era a

capital do Estado do Grão-Pará e Maranhão, uma das duas colônias portuguesas na América – a outra era o Brasil –, chega a uma “peculiar situação histórica”, como define o sociológo Fábio da Fonseca Castro, em sua obra “A Cidade Sebastiana”, que “deveu-se ao fato de concentrar-se em Belém, entre 1860 e 1920, a base logística de operação do comércio do látex amazônico”. Eis o panorama material para uma Belle Époque belenense, que também pode ser chamada de “Era da Borracha”. Na foto de 1910, um homem contempla o recinto de aves coberto por trepadeiras, no Museu Paraense de Historia Natural e Ethnographia, hoje parque do Museu Paraense Emílio Goeldi. A imagem é um indício daquele período: a arquitetura, representada pelo recinto de aves, e as vestes do personagem, já que eram modelos europeus importados pelas classes mais elevadas. À época, o Museu já se assentara como entreposto de intercâmbio com instituições de pesquisa da Europa e de outros países da América, sendo uma base para cientistas viajantes. O Museu ia como aquela Belém, que buscava – e conseguia – respirar brisas cosmopolitas.

Cada vez mais acredito no poder das frutas e ervas amazônicas. Parabéns à UFPA por pesquisar as propriedades químicas e nutritivas das nossas frutas regionais (Primeiro Foco, julho de 2014, edição nº 35)

Amália Pimentel Belém-Pará

FUTEBOL Belas fotos sobre o futebol na Amazônia. A do menino tomando banho de bica na chuva me lembrou muito a minha infância no bairro da Pedreira. (Olhares Nativos, julho de 2014, edição nº 35)

Aldo Passos Belém-Pará

SAUDADE Gostei muito de relembrar os bons tempos das festas de aparelhagem em Belém. A matéria sobre o Diamante Negro (“O som da saudade”, Arte Regional, julho de 2014, edição nº 35) me fez viajar no tempo.

Norberto Magalhães Belém-Pará Para se corresponder com a redação da Amazônia Viva envie comentários, dúvidas, críticas e sugestões para o email: amazoniaviva@orm.com.br ou escreva para o endereço: Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.

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QUEM É?

João Batista da Silva

ROBERTA BRANDÃO

Geólogo carioca aperfeiçoou estudos sobre a geofísica na região

H

á exatos 40 anos, depois de concluir a graduação em geologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o carioca João Batista chegava a Belém, para fazer parte da primeira turma de mestrado em geofísica da Amazônia. O convite para estudar e desenvolver pesquisas na Universidade Federal do Pará veio do paraense Haroldo Sá, que na época era professor da UFRJ e um dos responsáveis por montar a pós-graduação na UFPA. “Um amigo meu já tinha vindo para Belém, a convite do Haroldo, fazer a pós em geoquímica. Eu já estava trabalhando em uma empresa de exploração de caulim, mas quando recebi a carta do próprio Haroldo fazendo o convite para o mestrado fiquei tentado e resolvi vir. Estou até hoje” diz João. Sem saber direito o que viria fazer em solo paraense, o pesquisador só descobriu mesmo o que queria quando chegou

NOME: João Batista Correa da Silva 18

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por aqui. “A minha afinidade maior, entre os três projetos ofertados, foi mesmo com geofísica, com o processamento de dados aeromagnéticos, que foi meu mestrado. Eu calculava matematicamente e preparava os dados para o geólogo. Mas tinha um problema: eu não sabia fazer a interpretação desses dados e é isso que o geólogo, no fim das contas, quer. Saber qual a profundidade do petróleo, por exemplo. E é aí que entra o doutorado, já nos Estados Unidos”, lembra. Os quase cinco anos na Universidade de Utah, nos Estados Unidos, renderam “uma experiência muito boa, não só no ensino e pesquisa, mas subjetiva também, na formação do meu caráter mesmo. Me ensinou a ter independência científica, já que tudo eu tinha que fazer sozinho lá”, diz. Além de pesquisador, professor e coordenador do curso de geofísica, João Batista também foi editor associado da revista Geophysics e afirma que hoje em

IDADE: 65 anos

FORMAÇÃO: Geologia

dia a geofísica está em alta. Segundo ele “a maioria dos alunos já saem empregados do curso. Às vezes perdemos ótimos estudantes no mestrado por causa do mercado de trabalho, que está muito bom”. Ele não esconde o seu amor pela ciência e diz que é difícil destacar algum momento pontual que tenha sido marcante em sua carreira. “Por mais que eu me esforce eu não consigo. A gente não tem um único momento, tem vários. Cada vez que desenvolvo um método novo isso me marca de alguma maneira. A ciência é como se fosse uma escada e cada degrau que avanço nela me dá um enorme prazer”. “Sempre fui curioso e gostava muito de ficção-científica. Aí me apareceu a geofísica. Como diria Isaac Newton: ‘se eu vi mais longe, foi por estar de pé sobre ombros de gigantes’. Minha relação com a geofísica é mais ou menos assim, só que eu a uso para ver mais fundo. E é isso que me atrai”, diz João Batista.

TEMPO DE PROFISSÃO: 42 anos


Mudança de Atitude

CONCEITOS AMAZÔNICOS PRIMEIRO FOCO

Avante, aviú!

SÁVIO OLIVEIRA

Ninguém vai fazer churrasco dos minúsculos e nem é preciso descascá-los, como seus familiares mais avantajados, mas amontoados, em caldos, sopas e molhos, com muita ou sem farinha, foram – e são – a salvação alimentar de muitas populações ribeirinhas, além de terem lugar na sofisticada culinária gourmet. O famoso aviú é um crustáceo da família Sergitidae, camarão do gênero Acetes, que vive em águas de baixa salinidade e doce. Ou seja: do estuário ao rio Purus. Nas águas, geralmente são translúcidos quando vivos, com hábitos de vida pelágicos – animais que vivem em águas não profundas. O gênero Acetes é caracterizado pela perda dos quarto e quinto pares de pereópodes, as patas torácicas. São pequeninos, bravos e desconfiados: medem de um a quatro centímetros de comprimento, têm um par de olhos negros e um número de manchas vermelhas. Seus ovos são verdes, que incham ao dobro de seu tamanho; quando eclodem, nas primeiras chuvas de janeiro, as lar vas crescem e amadurecem rapidamente. Tão rápido que, no mesmo ano, as larvas tornam-se belos aviús a desovar um novo ciclo. Em todo o mundo, são conhecidas 17 espécies de desse camarão, três delas ocorrem na Amazônia: Acetes marinus , A. para-

guayensis e A. americanos , sendo a primeira mais abundante. Nas feiras em que são comercializados, quem olha de longe até imagina um saco de farinha baguda, mas é só se aproximar um pouco mais para ver os proeminentes olhos negros do aviú. O bicho é bem conhecido na culinária paraense e de outros estados amazônicos, com destaque para o município de Santarém, na região do Tapajós, em que a “safra” ocorre nos meses de abril e maio. Também são bem conhecidos das populações nos estuários dos rios Tocantins, Tapajós e Amazonas, com maior ocorrência logo após o período chuvoso. Os desafortunados camarões capturados para a alimentação passam por uma lavagem e, então, são misturados com cerca de dois quilos de sal por 45 quilos de aviú. Aí entra a ampla aplicação culinária: são utilizados secos, mas já se encontra, desde alguns anos atrás, o bichinho fresquinho. Além do tradicional arroz e feijão, são usados em molhos para massas, farofas e recheios para peixes. A pasta de aviú também vai parar em caldos curries, além do preparado de arroz, caribé, omelete, suflê, moqueca, mojica e bolinho com jambu e tucupi. Dizem que já foi avistado até em recheios de coxinhas!

Compostagem do lixo em casa Reaproveitar o lixo, separá-lo e reciclá-lo são deveres de todo cidadão. Mas, às vezes, surge a dúvida sobre o que fazer com o lixo orgânico, já que muitos postos de coleta seletiva restringem-se ao lixo seco. Neste caso, a composteira é uma excelente solução. Nela, é feita a manipulação da matéria orgânica até que esta esteja estabilizada e pronta para uso. Pode ser preparada no quintal de casa diretamente no solo. Em apartamentos, pode ser feita em recipientes plásticos. Segundo o agrônomo e professor da Universidade Federal Rural da Amazônia, Sérgio Gusmão, para aproveitamento do material orgânico pode ser preparada uma estrutura com três recipientes (latas de 20 litros de margarina, por exemplo) sobrepostos. A tampa e o fundo devem ser perfurados para liberação do excesso de líquidos. Na parte mais inferior, deve ser adaptada uma torneira para drenar o líquido acumulado. Os resíduos da cozinha devem ser depositados no recipiente superior e, semanalmente, repassados para o recipiente intermediário, até que este esteja completamente cheio ou que o composto tenha estabilizado. O tempo necessário para que o composto estabilize varia de 45 a 60 dias. O cuidado maior está em não umedecer muito a pilha de compostagem. Outro fator importante para adquirir esse hábito é a redução do descarte de resíduos domésticos, contribuindo para reduzir os impactos ambientais em lixões e em aterros sanitários.

DIVULGAÇÃO

RECICLAGEM Composteiras auxiliam no reaproveitamento do lixo doméstico

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EM NÚMEROS

Reservatório de água com

BEM A FUNDO

Conheça as dimensões do aquífero Alter do Chão

proporções amazônicas O quarto maior aquífero do mundo, em área, está na Amazônia: o Alter do Chão. Porém, o volume de água pode colocar o manancial na posição de maior do mundo, segundo os especialistas, que ainda estão estudando as dimensões do reservatório amazônico. O conjunto de formações geológicas de armazenamento de água subterrânea leva o mesmo nome da famosa praia de Santarém, abrangendo o oeste do Pará, passando por baixo de Manaus (AM) e o Estado do Amapá. Os municípios desses estados amazônicos são abastecidos pelas águas do Alter do Chão por meio dos muitos poços públicos ou privados nessas localidades.

Amapá

Depois das geleiras, nos polos terrestres, maiores reservatórios de água doce do mundo, a Amazônia é região com maior capacidade de armazenamento desse tipo de recurso, mas não apenas nos rios. O aquífero Alter do Chão, mesmo sendo o quarto maior em extensão territorial do planeta, tem volume maior que o Guarani, que abrange parte das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste do Brasil, além da Argentina, Uruguai, Paraguai. Este manancial fica situado sob uma camada rochosa, o que dificulta exploração e renovação da água; já o amazônico encontra-se sob terra arenosa, facilmente alcançado, sendo filtrado naturalmente pela constituição geológica.

Aquífero de Alter do Chão

Santarém Amazonas Pará

Aquífero Guarani

Mato Grosso

Mato Grosso do Sul

Goiás Minas Gerais

A área total é de

437,5 mil km²

As profundidades do manancial encontram-se entre

10m e 271m da superfície

São Paulo Paraná

Paraguai Argentina Uruguai

Santa Catarina Rio Grande do Sul

rio água subterrânea terra arenosa

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Sua espessura pode chegar a

O reservatório possui

As vazões variam de

12 m 340 m

600 metros

86 mil

3

km³

3

de água

por hora

A temperatura varia entre

25,0 a 29,6 C o

MAN TE N ANCIA A L ABUND Veja a capacidade do reservatório É capaz de abastecer

40% 294 mil Todos os

Mais de

100 3,5

vezes a população mundial, atualmente em torno de 7 bilhões de pessoas

milhões

da população de Manaus é abastecida por quase 10 mil poços

de pessoas vivem na área do Aquífero de Alter do Chão

habitantes de Santarém são abastecidos por essas águas

RANKING VOLUMOSO

Saiba quais são os oito maiores aquíferos em extensão territorial do planeta (em km²)

7

1º Arenito Núbia

2 milhões (Líbia, Egito, Chade e Sudão)

1

2º Grande Bacia Artesiana

1,7 milhão (Austrália)

4

3º Aquífero Guarani

1,2 milhão

3

(Brasil = Regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, Argentina, Uruguai, Paraguai) 5º Bacia Murray 4º Aquífero Alter do Chão

437,5 mil (Brasil = Pará, Amazonas e Amapá)

8

6º KalaharijKaroo

6

297 mil 135 mil (Austrália) (Namíbia, Bostwana e África do Sul)

2 7º Digitalwaterway vechte

7,5 mil (Alemanha e Holanda)

5

8º Praded

3,3 mil (República Tcheca e Polônia)

FONTES: RELATÓRIO DIAGNÓSTICO AQUÍFERO ALTER DO CHÃO NO ESTADO DO PARÁ BACIA SEDIMENTAR DO AMAZONAS; TANCREDI, A. C. F. N. S. RECURSOS HÍDRICOS SUBTERRÂNEOS DE SANTARÉM: FUNDAMENTOS PARA USO E PROTEÇÃO. 1996. 153F. TESE (DOUTORADO) - CENTRO DE GEOCIÊNCIAS, UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARÁ, BELÉM, 1996; E AQUIFERO ALTER DO CHÃO: ANÁLISES QUÍMICAS IN LOCO DOS POÇOS CONSTRUÍDOS PELA RIMAS (SGB-CPRM), IMBIRIBA JÚNIOR, MANOEL; MELO JÚNIOR, HOMERO REIS DE.

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OLHARES NATIVOS

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Entre a pedra e o ponteiro Nem tudo está no devido lugar. Não no lugar comum do olhar da paisagem de sempre, da expressão de sempre, das cores de sempre. Tudo é acontecimento. Depende do ângulo e o momento certo. O sorriso pousa meio tímido acompanhado de olhos desafiadores, curiosos, numa passada rápida na feira em busca do toc-toc. Noutra cena se junta à peçonha dissimulada dada às alegrias de perigos rastejantes. E o voo? Não era para pássaros? É também dos meninos que brotaram do barco entre o abrir o fechar o obturador. Cenho concentrado? Mas no barco? Diante do exuberante, senhor? Para que isso, sumano? Seria a tecnologia roubando o deslumbramento? Seria pressa das tarefas? Axiii! E quando a infância se traveste em seriedade mas o mico denuncia que a brincadeira está pertinho? Está a um passo do paraíso perdido da imaginação cercada de verdes verdades. Entre a pedra e o ponteiro é tudo: momento. FOTO: FERNANDO SETTE AGOSTO 2014

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OLHARES NATIVOS

INSTANTE A natureza é linda e surpreendente. Para o homem transita entre o desejo de ter e o medo da proximidade. A serpente? Enfeitada de verde, ri da nossa ambiguidade. FOTO: CESAR FAVACHO

DISTRAÇÃO É a tecnologia vencendo a natureza ou a paisagem naturalizada pela pressa? A concentração na tela otimiza a tarefa por cumprir, mas fecha a imensa janela para floresta e o rio. FOTO: CARLOS BORGES

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SEGREDOS Que mistテゥrio guarda as rochas de Alenquer, no Baixo Amazonas? Elas que nasceram com o tempo e fizeram dele o aliado maior para se tornarem testemunha do surgimento de tudo, inclusive dos primeiros homens da regiテ」o. FOTO: JOテグ RAMID AGOSTO 2014

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OLHARES NATIVOS

ALADOS Quem foi criança e nunca sonhou voar não foi criança. O Super-Homem ensinou, o sabiá se exibiu, o foguete e o avião prometeram. Nós sonhamos. E, de quando em vez, realizamos. FOTO: CARLOS BORGES

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TRAVESSIA A caminhada é longa. O sol é forte. Nem sempre o caminho é fácil e leve. A hora da brincadeira parece dar lugar à tarefa séria, de gente grande. Porém, amigo que é amigo permanece junto. Ali, ao fundo, viu? FOTO: HELY PAMPLONA

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OLHARES NATIVOS

SERVO Os relógios são muito mais servos do espaço do que do tempo. Sisudos, exigente, fazem questão de lembrar o que caminho é mais curto do que planejamos. Na imagem, dois símbolos de Belém: o Relógio, da Praça, e a chuva. FOTO: LEONARDO MAGNO

A revista Amazônia Viva abre espaço para a publicação de fotos com temáticas amazônicas na seção “Olhares Nativos”. Entre em contato e saiba como participar. amazoniaviva@orm.com.br

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IDEIAS VERDES

“Protegemos as pesquisas, mas protegemos também o saber popular” O Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará se debruça sobre a preservação da produção científica e cultural produzida na Amazônia. Para a professora Maria Brasil, o mais importante desse trabalho é proteger o conhecimento popular da região. Natália Mello

Roberta Brandão

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IDEIAS VERDES

É

incontestável que os avanços tecnológicos são essenciais para o desenvolvimento da Amazônia. Mas o acesso ao que é produzido na região ainda é um caminho pouco percorrido na busca pela informação sobre a cultura tradicional e também no que diz respeito aos estudos realizados pelos centros de pesquisa. Um dos desafios para garantir que essas descobertas alcancem a todos é proteger esse conhecimento, e esse é o trabalho do Instituto de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Pará (UFPA). O departamento acumula debates sobre a proteção do saber amazônico, e de tentativas para encontrar as ferramentas necessárias para este fim. Neste período, já foi possível avançar bastante em números: o setor conquistou três concessões, duas nos Estados Unidos e uma no Japão, dentre 17 pedidos de patente no exterior; e uma dentre 75 pedidos feitos em território brasileiro. Mas os passos ainda são pequenos diante do longo trajeto a ser percorrido. A propriedade intelectual, para a professora Maria Brasil, está além do saber científico. O conceito abrange todo e qualquer processo cultural característico da região, que deve ser protegido e transformado em acervo para as gerações futuras. É preciso vislumbrar além do viés econômico para enxergar o valor dessa informação no processo de desenvolvimento tecnológico. Como surgiu o setor de propriedade intelectual da UFPA? O início dessa discussão começou em 1998. A ideia era proteger o conhecimento, a propriedade intelectual como um todo, sensibilizar para a proteção no Pará. Assim, o setor foi alocado na Pró Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp), onde geramos toda a produção da Universidade, seja ela artística, científica, e também a que pode ser aproveitada na indústria. Aí veio a Lei de Inovação, em 2004, e surgiram os Núcleos de Inovação Tecnologica (NITS). A Agência de Inova-

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ção Tecnológica da UFPA – Universitec surgiu em 2009.

“Não acredito na proteção da propriedade intelectual como uma questão meramente econômica. Primeiro você tem como substrato a proteção da cultura”

É possível proteger a propriedade intelectual de comunidades tradicionais? O Iphan (Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural Nacional) tem feito um trabalho interessante. Eles têm instituído os livros das celebrações, os livros dos saberes. Mas temos que definir o que é proteger. É coletar conhecimento? Ir até as comunidades, fazer entrevistas, escrever sobre essas práticas e deixar isso para a geração futura? Podemos fazer isso. Mas nós temos várias formas de proteção. Temos como tomar a termo, inventariar, filmar. Tudo isso é proteger. Eu não acredito na proteção da propriedade intelectual como uma questão meramente econômica. Acho que primeiro você tem como substrato a proteção da cultura. Protegemos as pesquisas, mas protegemos o saber popular. Quais são os entraves nesse processo de proteção? Com as comunidades, eu acredito que fechar um contrato gera uma expectativa injusta de ganho econômico no imaginário popular. Você pede uma patente sem saber se vai ser concedida, se você vai ter condições de fabricar, se o consumidor vai querer aquilo, se você vai lucrar. O momento de conversar sobre repartição de benefícios é quando houver o uso efetivo da patente e comercialização do produto. Um cadastro poderia identificar quem está fazendo uso do patrimônio genético e acompanhar o retorno a essa comunidade, além de contribuir com uma gestão mais efetiva de acesso a recurso. O INPI (Instituto Nacional de Propriedade Industrial) tem inúmeros pedidos de patente parados porque o sistema jurídico relativo a isso hoje é anacrônico, inviável pra comunidade, para o titular da patente e para o pesquisador.


Quais os avanços da Amazônia nesse campo? Nós temos avançado bastante, na questão da proteção da cultura, as pessoas estão preocupadas mais em proteger seus direitos autorais. Só aqui na representação do escritório de direitos autorais, que funciona na UFPA, nós temos cerca de 1.800 registros, que envolvem filmes, poesia, e música e literatura, que são os carros-chefes. Então se está preservando mais a cultura amazônica. Isso, no Pará, basicamente com o trabalho na capital.

Para avançar ainda mais, é preciso o quê? Abrir espaço para discussão. Estamos cuidando da proteção, estamos cuidado para nos manter em destaque no plano nacional. Mas precisamos debater, pois ninguém faz nada sozinho. No banco de patentes dos Estados Unidos, quando você abre um banco de patente, são relacionadas todas as pesquisadas anteriormente para chegar até àquela, inclusive todos os ‘papers’ que o examinador leu para dizer que aquilo é novo. É você criar condições para que a cooperação flua, essa é a nossa função.

Como a propriedade intelectual pode garantir direitos? Nós temos garotos aqui do bairro do Guamá fazendo mangá. O mangá deles não é com o olho puxadinho, é com o olho redondinho do paraense. Eles chegam aqui com a historinha escrita à mão e registram o direito do autor. Quando recebem o certificado, a autoestima desses garotos aumenta. Ele pode ir a uma editora e falar: “eu tenho uma história, se você quiser podemos firmar um contrato para você publicar”. E esse direito vale até 70 anos após a morte dele, passa para os filhos. A propriedade intelectual é uma política de inserção social fantástica.

A proteção pode impedir a sociedade de ter acesso ao conhecimento? De forma alguma. O registro no Iphan é público. A patente fica um tempo em sigilo e depois ela é publicada na base de dados antes mesmo de ser concedida. Você pode entrar na internet e copiar, imprimir. Não pode fabricar e vender porque aí você está violando o direito do inventor e do titular, mas o acesso você tem. O INPI brasileiro disponibiliza um resumo e, a partir de um convênio com o escritório europeu, o documento é disponibilizado na íntegra em inglês e português. Isso é público, sempre foi assim.

O que a senhora destacaria como uma grande conquista? A gente pode chamar a atenção para o posicionamento da UFPA no âmbito nacional, que hoje figura em 17º lugar dentre 191 universidades brasileiras no quesito inovação, segundo o Ranking Universitário Folha. Se considerar que em 1999 nós não tínhamos nenhum pedido de patente no Brasil, e hoje temos em torno de 75 pedidos, com uma concessão, nós avançamos muito. No exterior são 17 pedidos, com três concessões, duas nos Estados Unidos e uma no Japão. De pedidos e registro de marcas, são mais 60 pedidos com mais de 30 concessões. O trabalho intelectual criativo pode ser protegido e o nosso maior avanço está na desmistificação no que seja propriedade intelectual.

Quais os desafios no trabalho com a propriedade intelectual no Pará? Trabalhar com a propriedade intelectual pensando no quanto pode contribuir com o avanço do ser humano. O respeito à individualidade e ao trabalho do outro é fundamental. A propriedade intelectual vem trazendo isso, e essa compreensão é essencial para o sistema evoluir. Se você desenvolve tecnologias que não agridem o meio ambiente, efetivas para a sociedade, é válido proteger. Se a gente incentivar a conscientização, eu acho que a gente muda de uma matriz tecnológica que agride o meio ambiente para uma matriz tecnológica que venha a se preocupar com a proteção ambiental. Esse é o grande passo.

“Nós temos avançado bastante, na questão da proteção da cultura, as pessoas estão preocupadas mais em proteger seus direitos autorais”

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ASSUNTO DO MÊS

O mar que virou floresta Na região do rio Xingu, no Pará, paleontólogos descobrem detalhes inéditos de como era a Amazônia pré-histórica na área onde está sendo construída a Usina Hidrelétrica de Belo Monte

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FOTO: REGINA SANTOS / NORTE ENERGIA

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ASSUNTO DO MÊS

ARQUIVO TERRAGRAPH

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ARQUIVO TERRAGRAPH

Q

uem vê a região do Xingu dominada pelo verde vivo das folhas e pelo rio de águas escuras e doces talvez não imagine que, no mesmo lugar, já houve um imenso mar gelado habitado por criaturas anteriores à presença do homem, como seres invertebrados e peixes pré-históricos. Há mais de 416 milhões de anos, a Amazônia no sudoeste do Pará não tinha nem de longe o cenário que tem hoje. Tudo estava submerso em água salgada e a floresta apenas surgiria há cerca de 145 milhões de anos, habitada por dinossauros e, muito tempo depois, por preguiças gigantes. Descobrir como essa transição se desenvolveu ao logo do tempo é o desafio dos paleontologistas que estão fazendo um levantamento inédito e volumoso de fósseis na área dos reservatórios da Usina Hidrelétrica Belo Monte, no Pará. A coleta de fósseis está sendo possível graças ao Programa de Salvamento do Patrimônio Paleontológico da Norte Energia, a empresa responsável pelas obras da usina

SALVAMENTO A equipe de paleontogistas coordenada por Henrique Zimmermann (ao lado) coleta fósseis no leito do rio Xingu, na área da usina de Belo Monte


JOCELYN ALENCAR

que está sendo construída no leito do rio Xingu. O paleontologista e geologista Henrique Zimmermann Tomassi, coordenador dos trabalhos, afirma que o Estado é palco de um esforço de alto nível desse tipo de pesquisa na região. “Desde o século XIX pesquisadores estudam fósseis no Pará, em expedições caracterizadas pela procura de pontos isolados. Na Amazônia, a cobertura da floresta dificulta o acesso a muitas áreas, muitos desses pontos não foram identificados. Nossa equipe coleta fósseis em número muito maior e em condições mais favoráveis, resultando num acervo de qualidade superior para pesquisas científicas”, diz. Os resultados das coletas na região do Xingu saltam os olhos. Até o momento são 2.239 amostras coletadas, incluindo macrofósseis e amostras para micropaleontologia. Zimmermann diz que cada peça corresponde, em praticamente todos os casos, a mais de um fóssil encontrado. “São blocos de rocha coletados e alguns têm mais de 70 fósseis agregados”, detalha. Para se ter ideia da contribuição para estu-

dos paleontológicos, o acervo de fósseis do Museu Paraense Emílio Goeldi (cujas atividades remontam ao ano de 1871) reuniu cerca de 15 mil peças em 143 anos de história, e o volume coletado em apenas três anos de atividade em Belo Monte corresponde a um incremento de 15,4% no material de estudo. E é para o Goeldi que serão encaminhadas as peças retiradas da área dos reservatórios da usina. O volume de amostras é possível porque o Programa cobre uma área de 296 km². O campo de pesquisa corresponde a 62% das áreas dos dois grandes reservatórios da usina, que somados terão 478 km². O primeiro dos grandes desafios da equipe é localizar as rochas sedimentares, onde estão depositados os fósseis. O caminho das pedras passa pelo mapeamento das rochas na Volta Grande do Xingu usando geotecnologias, como imagens de satélite e radar, e também com a boa e velha caminhada dos expedicionários nas áreas onde os mapas apontam a possibilidade de achar resquícios de outras eras geológicas.

HISTÓRIA DO MUNDO Os pesquisadores têm encontrado peças arqueológicas importantes e inéditas na Amazônia, correspondente ao período limite Siluriano-Devoniano, entre 443 a 359 milhões de anos atrás. Naquele tempo, os continentes, tal qual conhecemos hoje, ainda estavam em formação.

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ASSUNTO DO MÊS

JOCELYN ALENCAR

DIVULGAÇÃO NORTE / ENERGIA

TEMPOS ATRÁS As rochas mais antigas da região da Volta Grande do Xingu foram formadas em ambiente marinho profundo, que deu lugar à região de floresta atual. Nessas pedras, há registros da vida aquática da Amazônia.

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Quando se acha uma sequência espessa de camadas de rocha sedimentar, a equipe de paleontologistas e os auxiliares da logística e operação começam a escavar. “Fósseis são mais comuns do que se imagina, mas é necessário ter o olho treinado para reconhecê-los. A maioria é pequena ou tem formas que não chamam a atenção de leigos”, diz Zimmermann. Os mais abundantes são achados microscópicos e para observá-los é preciso uma lupa potente. Os achados são de importância fundamental para os estudos de Paleontologia no Brasil, sobretudo, para compreender as transformações ocorridas no que hoje é conhecido como Amazônia. Dentre as peças mais importantes e inéditas encontradas estão a impressão de peles de peixes marinhos do limite Siluriano-Devoniano, período entre 443 a 359 milhões de anos atrás, e conchas muito bem preservadas de braquiópodes do gênero Lingula. Ele acrescenta que, praticamente, todos os tipos de fósseis são encontrados na Amazônia. Na área da floresta já foram encontrados muitos tipos de plantas fósseis, seres unicelulares


ARQUIVO TERRAGRAPH

microscópicos, corais, conchas, animais e seus rastros. Para surpresa do público leigo, estão listados entre as descobertas fósseis de dinossauros e outros répteis, aves, preguiças gigantes e até de primatas.

EXPERIÊNCIA INIGUALÁVEL A experiência de escavar fósseis na Amazônia revela tesouros fósseis nunca vistos antes. Nunca a amostragem de fósseis no Estado do Pará pôde ser feita em área tão extensa como ocorre no projeto, diz o coordenador Henrique Zimmermann. “Com a experiência de coordenar este trabalho pude conhecer de perto fósseis com os quais não tinha trabalhado e até pela descoberta de fósseis que ainda são inéditos para a própria paleontologia”, conta o pesquisador. O resultado do trabalho nas áreas do reservatório de Belo Monte vai ser posto em um catálogo voltado para o público leigo, uma espécie de atlas que ilustra os fósseis mais comuns da região. A intenção é informar a comunidade local sobre o bem natu-

ral que a cerca e como o mar gelado de milhões de anos transformou-se em um mar mais quente até se chegar à configuração geológica de hoje. O catálogo vai orientar ainda os moradores da região a reconhecerem fósseis, caso os encontrem, e a contatar um profissional para fazer a coleta e levar a um centro de pesquisa. Os homens e mulheres que estão em campo na Amazônia tem a missão de dar continuidade às expedições científicas que começaram há cerca de 200 anos na região e começaram a revelar o ambiente pré-histórico. “Sabemos que as rochas mais antigas da região da Volta Grande do Xingu se formaram em ambiente marinho profundo, posteriormente este mar tornou-se raso e recuou até que o local tivesse terras emersas. Cabe às pesquisas atuais e do futuro dar a essa história uma descrição mais precisa. É isso que fazemos hoje”, diz Zimmermann. Sobre os próximos passos da coleta de fósseis, tudo é possível, diz o coordenador do Programa. “A paleontologia é uma ci-

“Cabe às pesquisas atuais dar uma descrição mais precisa. É isso que fazemos hoje” Henrique Zimmermann Paleontologista e geologista

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ASSUNTO DO MÊS INVESTIGAÇÃO De acordo com as pesquisas paleontológicas, a Amazônia, na região do rio Xingu, também foi habitada por dinossauros e outros animais gigantes. Na ilustração, um comparativo entre a diferença da altura média do homem e das preguiças pré-histórica e atual.

JOCELYN ALENCAR

ência incerta. Nunca sabemos o que as rochas nos reservam. Nas áreas da Usina de Belo Monte, podem aparecer qualquer tipo de fóssil marinho dos períodos Siluriano e Devoniano ou continentais do Período Cretáceo (145 a 66 milhões de anos atrás). Isso inclui dinossauros e até seres ainda não descobertos pela ciência”, comenta o pesquisador com um pé no passado e outro no futuro da região.

CONSERVAÇÃO A paleontologista e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, Maria Inês Ramos, explica que os estudos feitos na área de influência direta da usina hidrelétrica Belo Monte são fundamentais para ampliar

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o conhecimento da biodiversidade do passado da região amazônica e para entender a evolução da biota e dos ambientes associados. “É de fundamental importância que esse material seja tombado em uma instituição de referência em Paleontologia como o Museu Emílio Goeldi por este ter as condições físicas necessárias para que esse material se mantenha devidamente acondicionado e conservado para as pesquisas futuras”, afirma. Maria Inês diz que o material coletado será de grande incremento para o acervo que hoje consta de aproximadamente quatro mil exemplares de fósseis da região amazônica. Destes exemplares tombados, parte é proveniente da Bacia do Amazo-

nas, unidade estratigráfica que insere a área de Belo Monte. Embora seja volumosa a amostra coletada, ela diz que o registro ainda é pouco representativo em relação à riqueza fossilífera da bacia cujos estudos necessitam de continuidade, ampliação e aprofundamento. “As pesquisas na Bacia do Amazonas avançaram pouco nos últimos anos. Desta forma dar continuidade às pesquisas destes fósseis irá contribuir para o aumento do registro fossilífero de diversos grupos da biota, como também na identificação de gêneros e espécies novas, no refinamento da idade das camadas sedimentares e nas interpretações paleoambientais, principalmente, do período Paleozoico da Amazônia”, afirma Maria Inês.


Registro

Veja os números do resgate paleontológico na área da UHE Belo Monte

Amostras coletadas

2.239 peças Área da pesquisa

296 km² Abrangência

62%

das áreas dos dois grandes reservatórios da usina Incremento de

FAUNA AQUÁTICA Estudo desvenda fósseis de espécies marinhas que habitaram as águas da região de Altamira milhões de anos atrás

15,4%

no acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi

1 - Há cerca de 430 milhões de anos (Período Siluriano), um mar cobria o continente onde hoje é o Estado do Pará. Seres que viveram neste ambiente eram preservados nos sedimentos de fundo, na forma de fósseis. 2 - A medida que o tempo passou, a região foi

ocupada por outros seres, que também se preservaram em camadas superiores, que continuaram a se acumular no fundo do mar, há cerca de 410 milhões de anos (Período Devoniano).

3 - A elevação do continente americano, aliada ao acúmulo de sedimento, deixou o mar progressivamente mais raso, culminando no seu secamento.

4 - A progressão da elevação continental expôs as

rochas formadas no fundo do mar às intempéries, que promovem a degradação de rochas e fósseis pela formação de solo e pela erosão. O solo foi ocupado pela vegetação amazônica.

HISTÓRIA EM CAMADAS Veja como os fósseis na área dos reservatórios de Belo Monte foram descobertos

5 - Obras de grande porte, como a UHE de Belo Monte, escavam grandes quantidades de rocha, removendo o solo e permitindo a coleta de fósseis bem preservados, anteriormente inacessíveis, abaixo do solo. AGOSTO 2014

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COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL

Um pouco mais da nossa história Pesquisas nas ruínas do Engenho do Murutucu, em Belém, desvendam o uso da mão de obra africana e indígena na região amazônica Fabrício Queiroz

Igor Mota

N

o meio da mata, estruturas de pedra sobrevivem em um vasto espaço do bairro Curió-Utinga. São as ruínas do Murutucu, um dos mais importantes engenhos construídos na região para a exploração da cana-de-açúcar no século XVIII. Devido à sua localização

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estratégica foi um local de referência para Belém, servindo ora de moradia para o arquiteto Antônio Landi ora de acampamento para os cabanos que planejavam tomar a capital naquele período. Mesmo com a decadência de sua atividade econômica e o abandono, no século passado, o Engenho do Murutucu mantém um posto de relevância para a história da cidade. Tombado pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) em 1981, o local é palco de pesquisas e ações de conservação. Este ano, o projeto “SítioEscola Engenho do Murutucu: Uma Arqueologia dos Subalternos”, da Universidade Federal do Pará, em parceria com Embrapa Amazônia Oriental, Centrais de Abastecimento do Pará (Ceasa), Museu Paraense Emílio Goeldi e Iphan, busca tornar permanente o trabalho no espaço. Coordenado pelo professor Diogo Costa, do Programa de Pós-Graduação em Antro-

pologia da UFPA (PPGA), o projeto pretende investigar vestígios da cultura material dos grupos de mão de obra escrava indígena e africana que viviam no engenho, bem como estimular a capacitação de estudantes de diversos níveis para a pesquisa em arqueologia histórica por meio do sítio-escola. Para a realização do trabalho, o grupo se preparou desde o final do ano passado, quando visitaram o local e analisaram em laboratório as cerca de 5 mil peças encontradas no engenho em três escavações realizadas entre 1986 e 2000. O principal objetivo da atual pesquisa é investigar a área onde teria funcionado a senzala do engenho. Apesar da carência de informações, algumas evidências pesam a favor da pesquisa, como uma fotografia de Augusto Fidanza feita em 1860 que mostra uma estrutura paralela a capela que os pesquisadores acreditam ser a senzala. Em grupos, os arqueólogos tentam tra-


çar a dimensão do espaço e como ele se inseria na dinâmica do engenho. Aos poucos, pedaços de louças, amostras de piso e restos de paredes e telhados mostram que eles estão no caminho certo. O professor Diogo Costa destaca a importância do conhecimento sobre essas populações. “O que ocorre é que as sociedades escravas tanto indígenas quanto africanas deixaram pouco registro escrito. Então, a arqueologia entra nesse processo como uma forma de termos acesso a essas sociedades de forma a entender o cotidiano delas. Todos esses indícios diretos e indiretos fazem a gente chegar a esses grupos que eram ignorados pela historiografia oficial”, diz. A escavação realizada durante o mês de julho é apenas uma primeira etapa do projeto que deve continuar por, no mínimo, mais dois anos com o apoio do CNPq. A expectativa é que outras campanhas sejam realizadas para pesquisar diferentes aspectos do contexto do engenho. Diogo Costa ressalta o compromisso do projeto com a formação qualificada dos estudantes envolvidos. “A proposta é que essa área venha a ser um campo experimental para os alunos da UFPA não só em arqueologia, mas também em antropologia, arquitetura, museologia, estudos na área ambiental, então é fazer um trabalho interdisciplinar com várias outras faculdades e cursos”. Luciana Azulai, estudante do curso de museologia e bolsista da pesquisa, conta que o trabalho mostra os benefícios da relação entre diversas disciplinas. “São as partes fazendo um todo, constituindo um conhecimento que se torna mais consistente”. Com mais de 20 anos de experiência em pesquisas arqueológicas na Amazônia, Fernando Marques, do Museu Emílio Goeldi, acompanhou as pesquisas anteriores e a recorrente preocupação da sociedade com a preservação do Murutucu. O pesquisador avalia as contribuições que o projeto sítio-escola pode trazer. “Se esse local vier a ser aproveitado como local de referência sobre a exploração de cana-deaçúcar e que também fomente o aprendizado de pessoas, de alunos, isso é fundamental para manter, para conservar esse lugar. Acho que é uma oportunidade muito importante agora que esta sendo desenvolvida com esse trabalho que vai capacitar novos arqueólogos aqui na região”.

EM CAMPO O antropólogo Diogo Costa (à direita) espera que o trabalho no Murutucu possa contribuir com a história oficial de Belém no período colonial

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PERGUNTA QUE NÂO NÃO QUER CALAR

Caribé “levanta defunto”?

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laro que dizer que um mingau de farinha de mandioca, alho, manteiga e água tem propriedades necromânticas é um tremendo exagero, mas pode-se dizer que alguns dos outros benefícios declarados do alimento são minimamente verdade. Há propriedades na mandioca que de fato podem animar alguém indisposto, amenizar uma ressaca, reduzir o fluxo de uma diarreia e provocar outras reações benéficas graças ao alho cru. Quem explica que o caribé tem sim propriedades benéficas é a nutricionista Vanessa Lourenço Costa, professora mestre em Saúde, Sociedade e Endemias na Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA). Ela destaca que a mandioca, no estado natural é rica em carboidratos, elemento que fornece energia ao se transformar em glicose no organismo. Por isso, ao ingerir o alimento há a sensação de disposição e bem-estar, como outros alimentos que fornecem glicose proporcionam. “Quando alguém está muito embriagado, é levado ao hospital para tomar glicose na veia”, observa. Obviamente ingerir muitos carboidratos,

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principalmente à noite, pode resultar em excesso de peso. É o tipo de nutriente que deve ser colocado numa dieta balanceada e numa rotina que inclua atividades físicas. “Além dos carboidratos, a mandioca possui cálcio, magnésio, fósforo, pequenas quantidades de ferro, por ser de origem vegetal, e vitaminas do complexo B, vitamina C e fibras. Então é um alimento nutritivo. No processo de preparo da farinha se perde um pouco, mas não muito. E continua sendo um energético”, explica Vanessa. Quanto ao alho, que pode ser colocado ou não no caribé, dependendo de quem prepara, também é um nutritivo. Vanessa ressalta que alho, cru - não deve ser frito ou cozido -, é um alimento funcional, pois tem nutrientes que são importantes e fazem bem ao bom-funcionamento do organismo. “Consumir de um a dois dentes de alho por dia, que podem ser esmagados, baixam a pressão, reduzem o colesterol ruim, aumentam as resistências do sistema imunológico, tem ação anti-inflamatória, além de vitamina E e selênio. Tudo provado cientificamente. Então, o melhor é que o caribé tenha pedacinhos inteiros e crus”, orienta a nutricionista.

HELY PAMPLONA

Há quem coma caribé com frequência como acompanhamento em outras refeições, assim como farinha normal. Mas comer caribé em excesso, por ele ter tantos carboidratos, pode provocar a obesidade e levar às doenças relacionadas: hipertensão, diabetes, gordura no fígado, mal funcionamento do pâncreas e aí todos os benefícios se perdem. Ao invés de levantar defunto, como se fiz popularmente, o mingau pode fazer efeito contrário. Vanessa Costa diz que as pessoas podem continuar tomando caribé, pois de fato é um alimento com valor nutricional e energético, que melhora a disposição de quem está de cama. Contudo, não é por isso que o mingau vai substituir outras refeições completas e com outros nutrientes, principalmente café da manhã, almoço e jantar. Caribé precisa de equilíbrio com outros alimentos. E no caso de uma doença, o certo é procurar um médico para tratamento adequado e não confiar em milagres advindos de apenas um mingau de farinha de mandioca. “As pessoas podem tomar caribé normalmente. É só não exagerar, se cuidar, fazer uma alimentação balanceada e procurar um médico quando estiver doente”.


VIDA EM COMUNIDADE

Acordes dos ensinamentos Programa Vale Música ajuda a despertar novos talentos artísticos de crianças e jovens na Amazônia Abílio Dantas

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Carlos Borges

uem vê Maria Clara Esteves, de 14 anos, pela primeira vez pode pensar estar diante de apenas mais uma menina alegre e inteligente, como tantas dessa idade. No entanto, basta ela pôr em seus braços um violino para que seu rosto de menina ganhe traços de compenetração e seriedade. Notamos neste instante que estamos, na verdade, em frente a uma artista em formação. Tal como Maria Clara, cerca de 200 crianças e jovens em Belém, com idade entre 7 e 23 anos, participam do Programa Vale Música, uma iniciativa da Fundação Vale, em parceria com a Fundação

Amazônica de Música (FAM), que desde 2004, desenvolve um trabalho de arteeducação com estudantes da rede pública de ensino e tem como objetivo o ensino da música, tanto clássica como popular. Segundo a coordenadora do Programa Vale Música, Gloria Caputo, existem várias teorias sobre os efeitos da música na educação. Mas, a experiência de dez anos trouxe ensinamentos retirados da prática. “Acredito que a educação é um processo ininterrupto, quando iniciado, nunca deve terminar, pois modifica o ser humano”, afirma. De acordo com Glória, a mudança no comportamento dos alunos quando co-

ESTUDOS Maria Clara se dedica ao violino, instrumento que escolheu para aprender a tocar nas aulas de música

meçam a estudar é visível. “O trabalho em conjunto, ainda mais no caso da música, é disciplinador e dá a eles um grande senso de responsabilidade”, explica a educadora. Segundo ela, os próprios colegas estimulam a mudança daqueles que ainda não encaram as aulas com maturidade. Para Emelyn Lima, de 15 anos, o convívio com professores e amigos é ainda mais interessante por vir acompanhado de um enriquecimento profissional. “A oportunidade de ensino gratuito e também de receber os instrumentos é maravilhosa”, diz a estudante de violoncelo. A espontânea profissionalização dos alunos, segundo Glória Caputo, é um dos pontos mais tocantes do programa. E que, ao longo do tempo, vem acontecendo. “Não temos a ilusão de achar que todos aqui se tornarão músicos profissionais, mas estimulamos ao máximo que isso aconteça. Queremos dar oportunidades para esses jovens e crianças”, afirma.

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VIDA EM COMUNIDADE Ingridy Santos, de 14 anos, escolheu o violoncelo assim como Emelyn Lima e faz parte do grupo que ambiciona dar prosseguimento ao trabalho do Vale Música. “Como pretendo me formar em música, futuramente, fico muito feliz de estar aqui”, diz a jovem musicista. Para Isabel Boulhosa, do Vale Música, a busca de uma alternativa profissional dos alunos é também acompanhada por uma transformação comportamental. “A sensação que temos é que são coisas complementares. Eles vão adquirindo mais conhecimentos e se tornando pessoas mais focadas”, observa. Segundo Maria Clara, a jovem violinista apresentada no início desta matéria, por meio do Vale Música “todos se tornam pessoas melhores até na escola”. “Com o Programa Vale Música esperamos contribuir para a inclusão social de muitos jovens, além de desenvolver talentos na área musical. É uma iniciativa que privile-

gia a linguagem universal da música e seus reflexos tanto no desenvolvimento humano ou social, quanto na geração de trabalho e incremento de renda. Atualmente, o programa acontece na cidade de Belém, Pará, e em Serra, Espírito Santo”, diz Eduardo Maciel, da Fundação Vale.

O CAMINHO Todo o ano ocorre uma seleção para escolher as crianças e jovens que vão participar do Programa Vale Música. Essa triagem tem como base noções de ritmo e percepção musical. Após essa etapa, o estudante inicia o curso de musicalização, no qual estuda canto coral e flauta doce. “Quando eles ficam um pouco mais conhecedores, podem escolher entre 15 instrumentos para se aprofundar”, explica Isabel Boulhosa ao falar do violino, viola, violoncelo, contrabaixo, flauta

Ao som do violoncelo Em 2012, a paraense Gabriela Oliveira (à direita) representou o Programa Vale Música no Festival Internacional de Inverno de Campos do Jordão, em São Paulo. Na ocasião, a violoncelista de Belém foi selecionada como uma das bolsistas do festival, concorrendo com mais de 1.000 músicos de vários países. Ela participou de palestras e de um intercâmbio cultural com outros jovens músicos. Dois anos depois, aos 22 anos, Gabriela vive outro estágio em sua carreira profissional. Desde fevereiro deste ano, ela estuda em uma das instituições de ensino mais respeitadas dos Estados Unidos, a Universidade do Sul do Mississipi. Ela nos conta um pouco da sua trajetória e da importância do Programa Vale Música em sua formação. De que maneira você iniciou seus estudos no Vale Música? Eu já havia ouvido falar do Programa Vale Música, mas eu estavanoConservatórioCarlosGomes.Emumperíodo fiquei sem professor lá e soube que novos professores estavam ingressando na Fundação (Amazônica de Música). Recebi uma indicação e assim iniciei.

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Como o ensino da música do Vale Música influenciou na sua formação? De várias formas, pois, além da parte musical, vejo que me relaciono melhor com as pessoas e posso ajudar os outros por meio da música. Principalmente pelo fato da música trazer um enriquecimento cultural. Outra coisa importante que o programa me deu foi o convívio com os professores estrangeiros, que sempre são trazidos pela professora Glória Caputo e ampliam nossa maneira de ver a música. Como é estudar música nos Estados Unidos? Eu pretendo construir minha carreira no Brasil, voltar para cá, mas com certeza essa experiência está sendo muito importante. Tenho aprendido muito com o comportamento dos americanos. Eles me mostram a importância de ser mais independente em meus estudos.

transversal, oboé, fagote, clarinete, saxofone, trompete, trompa, trombone, eufônio, tuba, piano e percussão. O mergulho no aprendizado desses instrumentos prepara os estudantes para integrarem grupos e orquestras do Programa Vale Música; formados pela Big Band, a Banda Vale Música, o Grupo de Percussão, o Grupo de Percussão de Câmara, a Orquestra de Violinos e a Orquestra Jovem Vale Música, onde atuam, hoje, 67 alunos. Há também o grupo de percussão Gito, formado pelas crianças. Esses grupos e orquestra têm contribuído bastante para a formação de músicos no Pará. Basta saber que atualmente dez integrantes da Orquestra Sinfônica do Teatro da Paz (OSTP), a mais importante do Estado, participaram do Programa Vale Música. Outro fator para a valorização do músico local é o aperfeiçoamento


dos componentes da Orquestra Jovem Vale Música (OJVM) por meio do intercâmbio de instrumentistas e regentes internacionais. Segundo Isabel Boulhosa, o momento em que o trabalho do programa se tornou mais visível e provou seu sucesso se deu em 2007, quando a ópera “O Viajante das Lendas Amazônicas” estreou no Theatro da Paz. A obra, escrita especialmente para os alunos do Vale Música pelo poeta paraense João de Jesus Paes Loureiro e pelo compositor russo Serguei Firsanov, mostrou a competência dos jovens músicos. “A estreia foi muito emocionante para todos os pais, alunos e para nós, da direção. Ali nós percebemos que nosso empenho estava resultando em algo muito importante”, conta Isabel. A ópera foi também apresentada durante o Fórum Social Mundial em Belém, em 2009, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro e no Teatro Nacional de Brasília, em 2010. Embora o trabalho do programa já seja reconhecido no Brasil e em alguns países, como os Estados Unidos (leia a entrevista na página 48), o processo de educação pela música, como acredita Glória Caputo, deve ser contínuo.

DEDICAÇÃO A professora Glória Caputo (acima, à esquerda) orienta a aprendizagem dos alunos, como Beatriz Silva (à direita)

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

HELY PAMPLONA

MARSUPIAL

Cuíca, sim. Mucura, não.

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pesar ser confundido com filhote de mucura, o bichinho da foto é uma cuíca-lanosa (Caluromys philander). Esta espécie de marsupial (animais com bolsas abdominais para carregar os filhotes, como os cangurus) ocorre na Amazônia oriental, cerrado e parte da Mata Atlântica, utilizando quase todos os tipos de habitat encontrados nesses biomas. É um animal arborícola que raramente desce ao chão. De acordo com José de Souza e S. Júnior, da Coordenação de Zoologia do Museu paraense Emílio Goeldi, a cuíca-lanosa tem hábitos noturnos e frequentemente utiliza ocos de árvores onde constrói ninhos de folhas secas. O tempo de gestação é de cerca de 40 dias e a prole varia de quatro a seis filhotes. Os filhotes permanecem na bolsa da mãe (marsúpio, daí o nome da ordem de mamíferos Marsupialia) por

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aproximadamente oito dias. Em seguida, é deixado no ninho por cerca de 30 dias, sendo periodicamente visitado e amamentado pela mãe. De acordo com Souza Jr., uma fêmea de cuíca-lanosa pode produzir até três ninhadas por ano em regiões onde existe abundância de recursos, e uma ninhada por ano em áreas mais pobres. As interações entre adultos costumam ser agressivas, exceto quando um macho está cortejando uma fêmea. “Não são animais fortemente territoriais e as áreas de uso de diversas fêmeas podem ser sobrepostas. Não formam agrupamentos sociais permanentes, exceto aquele entre mãe e filhotes. Apesar de se alimentarem primariamente de frutos, também consomem resina, néctar, invertebrados e pequenos vertebrados”, diz o zoólogo. Enfim, é uma injustiça achar que esse bicho tão fofinho tem cara de mucura.


CARLOS BORGES

PENSE LIMPO PRIMEIRO FOCO ARTE | CULTURA | REFLEXÃO

Cheios de ideias Os publicitários Daniel Zuil e Diana Figueroa criaram o Estúdio Gotazkaen, um espaço onde a arte ganha mais liberdade em Belém. Página 52.

Música A potência vocal da cantora paraense Gigi Furtado tem raízes no canto lírico. Pág. 56

Legado Padre Giovanni Gallo saiu da Itália para fazer história nas comunidades do Marajó. Pág. 60 AGOSTO 2014

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ARTE REGIONAL

Lugar de criação colaborativa

CRIADORES Daniel Zuil e Diana Figueroa, do Estúdio Gotazkaen: “chega aí que tudo cabe”.

No Estúdio Gotazkaen, a imaginação dos artistas paraenses se sente em casa Bruno Rocha

O

Carlos Borges

projeto surgiu em 2008 e, ainda muito ligado a trabalhos gráficos, faziam logotipo, ensaios de moda, campanhas publicitárias. Mas não era bem isso que os idealizadores do Estúdio Gotazkaen, Diana Figueroa e Daniel Zuil, pretendiam fazer na vida, desde que se conheceram ainda na faculdade. No começo o “trabalho ainda era meio chato”, mas aos poucos a ideia foi ganhando contornos mais definidos e cada vez mais

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se encaminhando para o lado da produção e exibição de trabalhos na área das artes visuais. Foi quando surgiu a oportunidade de utilizar o bar do irmão de Diana como uma espécie de galeria, que abrigou exposições, projetos fotográficos e shows de bandas independentes de Belém, tudo promovido pela equipe Gotazkaen. Disso tudo ficou um importante material que mais tarde serviu de matéria-prima para a primeira edição da Revista Gotaz (leia mais na página 54). Depois de muito trabalharem e juntarem

dinheiro por um ano, até poderem largar seus empregos para se dedicarem inteiramente ao projeto, o Gotazkaen parece ter finalmente achado o seu espaço. Do bar do irmão para uma salinha, depois um quarto na casa da mãe de Daniel, até chegar ao prédio atual, um simpático porão com uma casa-escritório nos altos, onde moram os dois. E como eles mesmos dizem “chega aí que tudo cabe”, o local ainda é como uma segunda casa para o jornalista Elvis Rocha, que também participou da elaboração do


DIVULGAÇÃO / GOTAZ

projeto e está desde 2007 trabalhando com o casal de jovens empreendedores da arte em Belém. As mudanças físicas foram acompanhando o crescimento do estúdio e a escolha do local atual tem tudo a ver com o que eles imaginavam na concepção do projeto. O vão que abriga as exposições, também serve como pista de dança durante os eventos e pelo seu desenho arquitetônico possibilita a livre circulação do público e dos artistas, se esbarrando no mesmo espaço. Agora Diana e Daniel têm, além da galeria, uma lojinha para vender materiais de fotografia e ainda sobra espaço para realização de workshops como os mais recentes de grafite e xilogravura. Não se passam duas semanas sem que tenha alguma coisa nova acontecendo no local, sempre priorizando artistas que estejam fora dos circuitos tradicionais das artes. A curadoria é feita sempre com um olhar atento no que está acontecendo na rua. Esse direcionamento é muito ligado à questão de abrir espaço a artistas que normalmente não teriam como expor em galerias tradicionais. O processo é feito todo de maneira independente e, após fazer a curadoria interna, o próprio estúdio faz a assessoria de imprensa dos expositores, a cobertura e um catálogo com as obras, além de auxiliar na venda dos trabalhos. Além das artes visuais outro ponto forte do estúdio é a música. Quase todos os eventos, sejam exposições, workshops ou lançamentos de revistas, inserem de alguma maneira a música. É tanto que agora já existe um projeto exclusivo para trabalhar o cenário musical do Pará, chamado “Esquentando a Fita”, que traz bandas que tocam um som autoral. Ainda há projetos futuros seguindo essa mesma linha de criação colaborativa. E, na verdade, o que acontece no Gotazkaen tem muito a ver com esse sistema de “colaborativismo” que faz uso da chamada “Web 2.0”, pegando da internet ferramentas que permitem diferentes formas de interação e de produção intelectual, cultural e informativa, sem se prender a limitações temporais, geográficas ou de matéria-prima. De olho nesse novo movimento de reorga-

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ARTE REGIONAL

Arte em forma de revista

nização da cidade, através dessa rede que vai se formando, a curadoria para publicação de trabalhos na revista, por exemplo, é feita on-line. Às vezes o artista nem sequer pisou no chão do porão/galeria. Por tudo isso fica até difícil dizer se o Gotazkaen é um estúdio, galeria ou editora, já que até nas bandas da arte culinária eles já passearam. Essa vontade vital de fazer as coisas acontecerem e essa inquietação artística são reflexos da efervescência cultural e artística de Belém, e que fazem do Gotazkaen uma

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referência não só em divulgação, mas também em produção artística. Sempre pensando em se reinventar e alcançar novos horizontes o projeto segue firme e mesmo com pouco tempo, promete vida longa.

Visite o Gotazkaen

Rua Ó de Almeida, nº 755, Reduto. De segunda a sábado, das 10h às 19h. Contato: (91) 3222-6082 e 3347-6632 Na web: www.gotazkaen.com Flickr: flickr.com/gotazkaenestudio @gotazkaen

Depois de juntar um acervo material que ficou das exposições de artes visuais e apresentações de bandas independentes no bar do irmão de Diana Figueroa, e sem saber direito o que fazer com aquilo, os proprietários do Estúdio Gotazkaen resolveram então colocar tudo em uma revista. Assim surgiu, em 2008, a Gotaz, que teve as três primeiras edições publicadas somente em uma plataforma on-line. Para surpresa de seus idealizadores, o resultado foi muito positivo. A quantidade de leitores cresceu surpreendentemente e a maioria dos comentários sobre a revista era de incentivo e aprovação. Então por que não apostar em uma versão impressa também? Foi quando começou o processo de pesquisa e conversas com pessoas da área para poder entender como formatar um projeto desse tipo e saber qual o melhor caminho para colocá-lo em circulação. Depois de terem tentado pela Semear, conseguiram aprovar o projeto no edital da Fundação Nacional de Artes (Funarte), que tinha lançado o Prêmio de Estímulo as Artes Visuais, em 2010. No dia da inauguração do casarão que hoje abriga o Gotazkaen, saiu o resultado oficial do prêmio para financiar a publicação da revista. A Gotaz foi a primeira revista com esse tipo de linha editorial da região. A distribuição da versão impressa é gratuita e a página da versão on-line tem mais de seis mil curtidas. O pioneirismo e a diversidade de assuntos tratados na revista, que abarca artes visuais, cinema, música, literatura, fez com que ela ganhasse corpo e virasse hoje principal projeto do estúdio. Foi a única revista do Norte a participar, este ano, do Encontro de Revistas de Artes Visuais do Brasil, que conta com inúmeros colaboradores e que abre um importante espaço para que artistas exponham seus trabalhos. Hoje, com a certeza de quem faz o que gosta e uma grande ambição de sempre melhorar, a vontade de expandir a revista Gotaz para o restante da região amazônica já começa a ganhar seus planos iniciais.


NA LISTA

festas folclóricas com a cara da Amazônia

A diversidade cultural amazônica não está presente apenas no modo de falar, de vestir e de comer de cada habitante da região, mas está, principalmente, expressa em grandes manifestações culturais que reúnem milhares de pessoas todos os anos. Os eventos são de todos os tipos possíveis, de festas com música a procissões com orações. Cada uma com origens, influências e significados. Porém, mais do que expressões culturais, tais eventos são alicerces do turismo e da economia dos municípios onde são realizados.

Sairé, Santarém (PA)

TAMARA SARÉ / AGÊNCIA PARÁ

Ocorre em setembro, quando as águas do rio Tapajós baixam e se formam praias ao redor de Santarém. Com 300 anos, é a mais antiga manifestação da cultura amazônica. A festividade tem origem nas primeiras missões evangelizadoras dos padres jesuítas em busca dos índios tapajônicos. Até meados do século 20, o Sairé era exclusivamente uma manifestação religiosa, reunindo apenas ladainhas e cortejos católicos. Hoje, também possui o lado profano, quando começa a disputa entre os botos Tucuxi e Cor-de-Rosa, em apresentações cênicas, rodeados por duas grandes torcidas, narrando a saga de morte e ressurreição desses animais de forma mítica. Ao final da festa, se escolhe o boto vencedor daquele ano. PARINTINS / DIVULGAÇÃO

Boi-Bumbá, Parintins (AM)

SIDNEY OLIVEIRA / AGÊNCIA PARÁ

A primeira manifestação a se tornar um festival e hoje é um dos maiores do Brasil. O Festival Folclórico de Parintins ocorre no final de junho e é um misto de espetáculo cênico, procissão religiosa e ritual tribal, formando desfiles que lembram os grandiosos carnavais cariocas. Durante a apresentação, misturam-se lendas, rituais e danças, com carros alegóricos, trajes e toada, o principal ritmo do boi-bumbá. A disputa é entre o Boi Garantido (Vermelho) e o Boi Caprichoso (Azul), cada um com suas torcidas apaixonadas, que superam as rivalidades inflamadas do futebol. A apresentação ocorre no bumbódromo, onde se reúnem 35 mil espectadores, tendo cada boi três horas para se apresentar.

Festribal, Juruti (PA)

No início de agosto, o Festribal ressalta, em forma de espetáculo cênico, a cultura indígena amazônica. O palco é o Tribódromo, onde duas tribos disputam para ver quem faz a melhor apresentação cênica: a Muirapinima, de cores vermelho e azul, e a Munduruku, vermelho e amarelo. No centro do espetáculo, músicas e alegorias em alusão à cultura indígena, o modo de vida caboclo e aos rituais amazônicos, materializando toda a cultura regional em personagens, como o pescador e farinheiro. Surgiu da apresentação de cordões de pássaros, quadrilhas e bumba-meu-boi em Juruti.

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UM DEDO DE PROSA

Seu nome é Gigi 56

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Cantora popular paraense, com raízes na música erudita, Gigi Furtado se destaca no atual cenário musical do Estado Dominik Giusti

Fernando Sette

N

a adolescência rebelde, o canto lírico foi a rédea: Giselle Furtado Brabo aprendeu como mudar o próprio comportamento com o auxílio da música. Aos 16 anos, se achando “dona da verdade”, como ela mesma define, entrou no Conservatório Carlos Gomes, em Belém, com o objetivo de aprender a tocar violão. Mas acabou sendo selecionada para música erudita, ao cantar “Bem que se quis”, de Marisa Monte, e acabou aprendendo bem mais. O início do despertar musical já parecia dar sinais do que seria o futuro: acabou tornando-se cantora popular, opção mais identificada com seu estilo de vida boêmio, da noite. Tornou-se Gigi Furtado. Com talento já reconhecido em Belém, aos 33 anos, o 25º Prêmio de Música Brasileira, ocorrido em maio deste ano, com patrocínio da Vale, foi um divisor de águas na sua carreira. Ela foi a convidada especial para se apresentar ao lado de grandes nomes da música brasileira. Ao dividir o palco do Theatro da Paz com Beth Carvalho, Altay Veloso, Arlindo Cruz, Dudu Nobre, Mariene de Castro e Zélia Duncan, Gigi diz ter ficado nervosa. Reconhece na experiência ímpar a oportunidade de levar ao público o seu ofício e, principalmente, de poder compartilhar momentos da sua vida com grandes nomes do samba. Na entrevista a seguir, ela conta como sua relação com a música começou, de forma despretensiosa, aos domingos na casa da avó Dolores.

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UM DEDO DE PROSA

“Sou apaixonada pelo popular e o meu grande amor sempre foi e sempre será o erudito”

Como foi o seu primeiro contato com a música? O que levou você a buscar esse caminho? Eu era aquela neta que todo domingo estava na casa de vovó Dolores com os primos. Estávamos naquela fase de querer tocar um instrumento e íamos para lá tocar nosso violãozinho. Sabe aquela coisa feijão com arroz? Era o que a gente sabia fazer. Mas todo mundo se divertia. E sempre tem uma tia que está ali ligada, então ela me perguntou se eu me interessaria em entrar no Conservatório Carlos Gomes e disse que sim. Ela me inscreveu e entrei com intuito de aprender a tocar violão. Eu não queria cantar. Só que no conservatório eles querem criar concertistas. E a minha idade, 16 anos, já não era mais para classe de violão. E tinha o curso de canto lírico. Nunca, jamais pensava cantar ópera um dia na minha vida. Comecei a estudar e me apaixonei. O teste foi com a professora Malina Mineva, búlgara, uma pessoa doce, e Márcia Aliverti. Quando entrei na sala, ela com sotaque carregado me olhou e disse: “você pode cantar qualquer coisa, só não pode funk, rap, não

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pode cantar isso, aquilo, não pode cantar, não pode cantar...”. Daí pensei: o que vou cantar? Cantei “Bem que se quis”, da Marisa Monte. Aí ingressei. Devo minha formação à família Aliverti, são pessoas incríveis, criativas. Minha primeira professora foi Mavilda Aliverti. Ela tinha uma preocupação comigo quase de mãe para filha, era lindo. Ela foi tudo: professora, mãe, amiga, psicóloga... Depois fui orientada por Márcia e Madalena Aliverti, trabalhei com Mavildinha Aliverti, que me acolheu. Tenho hoje uma grande gratidão a essa família. Como foi o início a sua carreira e em que momento decidiu transformar o canto em profissão? Eu não esperava cantar, de forma alguma, não era meu foco. Mas o canto lírico é muito encantador. Eu só conhecia os três tenores (Plácido Domingo, José Carreras e Luciano Pavarotti). Eu era muito rebelde, me achava a dona da verdade e ai de quem me contrariasse. Não suportava teoria musical, só chegava 20 minutos para terminar a aula. Certo dia, estávamos numa turma

conversando e Mavilda disse que quem quisesse conversar, que saísse da sala. Não pensei duas vezes e saí. Bati a porta tão forte que caiu a maçaneta e deve ter rachado o caixilho da porta. Hoje, se pudesse voltar no tempo não faria isso de forma alguma. E no canto, quando escutei Adriane Queiroz, grande cantora lírica que saiu da Terra Firme e hoje mora em Viena, não sei dizer o que eu senti. De repente era um misto de tudo que era bom. Aquela mulher cantando sem nenhum recurso técnico, não existia caixa de som nem microfone. Ela conseguia encher o espaço só com a voz. Era ela e a voz, apenas. Disse: “meu Deus do céu”. E decidi, a partir daquele momento, fazer canto lírico. Quando cheguei em casa, procurei na lista telefônica o número da Mavilda. Liguei para ela e chorando disse: queria lhe pedir perdão por minha rebeldia, nunca mais vou repetir esta cena e serei sua melhor aluna de teoria musical. E acabei também me apaixonando por teoria, me entreguei ao canto lírico. Hoje sou cantora popular, mas em casa escuto Renée Fleming, Maria Callas, faz parte da minha vida. Nunca renunciei o erudito.


Você começou com canto lírico e tornou-se cantora popular. Como foi essa mudança? Me apaixonei pelo popular e o amor que eu sentia pelo erudito, que até então era meu primeiro, eu guardei no coração. Sou apaixonada pelo popular e o meu grande amor sempre foi e sempre será o erudito. Só que não posso fazer as duas coisas ao mesmo tempo. Para você ser cantora erudita é preciso de disciplina, dormir cedo. E eu sou muito boêmia. Não sou de beber, não fumo para não prejudicar a minha voz, que é meu instrumento. Até um tempo atrás ainda fazia alguns trabalhos de canto erudito, cantava em casamentos. Me resguardava por três dias. De repente o popular ficou tão frequente, que já não podia mais me apresentar de qualquer jeito. Eu gosto da noite e durmo tarde. O galo canta, Gigi dormiu. E no erudito não pode ser assim, tem que ter disciplina. Não quero fazer malfeito, nem um nem outro. Não quero me entregar pela metade. Então prefiro fazer um apenas.

sentido. Um dia conversando com amigos, eles me alertaram para frases que eu falava e poderiam entrar em músicas. Vamos escrever uma letra? Foi quando conheci Márcio Moreira, que escreveu alguns poemas e cheguei a musicar algumas coisas. Tenho algumas coisas que vou desenvolver, mas não agora. Como foi participar do 25º Prêmio da Música Brasileira, aqui em Belém, patrocinado pela Vale? Foi um divisor de águas na minha carreira. O patrocínio da Vale, essa empresa grandiosa, que apoia a arte, é muito importante. Que sorte a nossa, artistas. Depois de 25 anos eu ser chamada para um prêmio

com expoentes da nossa música e cantar de igual para igual, me senti lisonjeada. Que encontro lindo o meu com Altay Veloso. O que é você pisar no mesmo palco que Beth Carvalho, a diva do samba? Fiquei muito nervosa e feliz com o convite. Queria fazer bonito porque estava em casa, conhecia boa parte dos que estavam na plateia. E cantar “Flor de Lis”, do Djavan, com arranjo de Rildo Hora, foi lindo. Escutar seu nome ser chamado por Zélia Duncan... foi muito lindo, perfeito. Sei que boa parte do público foi ver os grandes nomes do samba e viram minha participação. Então, muita gente me conheceu ali. E foi engrandecedor enquanto artista, fã, pessoa.

O que mais a levou para a música popular? A identificação com os estilos musicais? Sempre ouvia amigos sugerindo que eu cantasse jazz, bossa nova, e realmente comecei a cantar. Em casamentos, por exemplo, cantava o erudito na igreja e na recepção já cantava o popular. Por um tempo fiz os dois, mas percebia que um sempre ficava mais ou menos. Foi quando comecei a pensar no jazz de outra maneira. Me apaixonei por Leny Andrade, Sarah Vaughan, Ella Fitzgerald, Frank Sinatra, comecei meu trabalho popular com muita improvisação. No meu primeiro show, Lucinnha Bastos participou e ela começou a escutar alguns trabalhos meus. E me aconselhou: você improvisa muito. Me sentia um bebê. Ainda me sinto perto de Alba Maria, Pedrinho Cavallero. Um falava: “você está gritando. Não está cantando”. E fui me orientando, moldando meu trabalho dentro das críticas. E realmente hoje devo este trabalho hoje a tanta gente. Como está sua carreira no momento? Você também compõe? Sabe quando você escreve alguma coisa, embola o papel e joga fora e no outro dia vai ver e pergunta-se: eu escrevi isso? Às vezes escrevo algumas coisas. Para mim não fazia

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Giovanni Gallo (1927-2OO3)

Um italiano do Marajó

De Turim a Cachoeira do Arari, padre revelou, com simplicidade e humanismo, a sensibilidade do homem marajoara

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ILUSTRAÇÕES: JOCELYN ALENCAR

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m homem simples e de sensibilidade incomparável. Giovanni Gallo nasceu em 27 de abril de 1927, na cidade de Turim, norte da Itália. Na adolescência, ele entrou para a congregação dos padres jesuítas. Giovanni se interessou pela atuação pedagógica e formação erudita. Ainda como noviço, bebeu na fonte de filósofos como Espinosa, Sócrates, Platão, Descartes, Santo Agostinho e Immanuel Kant. Passou por várias regiões da Itália e por países, como a Suíça e a Alemanha. Ganhou o mundo em missão pastoral, que parecia ser sua vocação. Em 1970, chegou ao Brasil, mais precisamente, em Salvador, designado por sua congregação. De Salvador foi para São Luís, cidade de contrastes sociais os quais ele chamou de “constrangedores”. No Maranhão, Giovanni interviu fortemente na realidade religiosa e social, fundando igrejas e até ajudando em partos de mulheres das comunidades. Dois anos depois chegou ao Marajó, à Vila de Jenipapo, próxima à Santa Cruz do Arari. Logo se deparou com situações precárias e, imediatamente, promoveu ações sociais. Segundo o mestre em Educação pela Universidade do Estado do Pará (Uepa), Darcel Andrade, que investigou em sua dissertação a relação entre o padre italiano e as comunidades marajoaras, tratou-se de uma intervenção ansiosa pela melhoria da vida daquele povo. “Percebendo as dificuldades locais, a falta de saneamento básico, de escolas e, até mesmo, de alimentação em tempo de escassez do peixe, ele resolveu criar uma cooperativa de pescadores, chegando a recrutar alguns voluntários para irem a Vigia para aprenderem o ofício da pesca em grande escala. Mas a cooperativa não vingou. Diante de

muitas reclamações do seu rebanho nas reuniões religiosas, Gallo estabeleceu metas e resolveu construir escolas, postos de saúde”, diz o pesquisador. Em 1972, criou o Museu do Marajó, em Cachoeira do Arari, ao qual atribuía muito mais do que a função de um local de registro. Para Giovanni, o espaço tinha uma função social. A criação do museu foi resultado de diversos achados de cacos de cerâmica e de um tear andino, rastros de que um povo viveu ali em outro tempo histórico. O acervo foi formado com objetos arqueológicos e por peças antropológicas, que revelam os hábitos culturais do caboclo. Riquezas sobre a quais Giovanni Gallo falava ao povo nas reuniões da igreja, com o objetivo de despertá-lo para seu patrimônio cultural. Os artefatos contam as histórias do local, as lendas e mitos; o que o padre chamava de “a cosmologia do caboclo”, a sua forma de interpretar o mundo. Giovanni também produziu filmes sobre o cotidiano da ilha e de sua gente. Materiais considerados fontes de pesquisa, registros históricos ricos em detalhes, obras de arte. “Os filmes eram relatos de uma realidade local, rica para nós que estudamos as ciências humanas, com fortes conteúdos e saberes, antropológicos; ao mesmo tempo denunciantes da ausência do poder público, da miséria e da desigualdade social. Esteticamente, eles têm um caráter artisticamente bem elaborado como obra, considerando os recursos disponíveis e as circunstâncias adversas. Para um homem somente, realizar o que Giovanni Gallo fez é, no mínimo, inspirador, revolucionário”, ressalta Darcel. Giovanni Gallo morreu em Belém, em 2003, aos 76 anos, deixando legado de humanidade, de valorização do homem e de seus saberes.


AGENDA DE EVENTOS

ALEMÃO

Até o dia 15 de agosto estão abertas as inscrições para o Curso Livre de Língua Alemã, da Universidade Federal do Pará (UFPA). Para participar, basta ter o ensino fundamental completo. A taxa de inscrição é única e custa R$ 220, mas para professores, alunos e técnico-administrativos da UFPA sai a R$ 180, enquanto para estudantes dos cursos de Letras/Alemão, Filosofia e Turismo da UFPA, fica em R$ 100. Mais informações no site www.proex.ufpa.br.

ANTROPOLOGIA ARY SOUZA / ARQUIVO O LIBERAL

HOMENAGEM Camillo Vianna e Camillo Salgado (abaixo) serão lembrados em evento regional

Congresso debate evolução da medicina na Amazônia De 14 a 17 de agosto, Belém vai sediar o XVII Congresso Médico Amazônico. O evento, que ocorrerá no Hangar, vai reunir mais de três mil pessoas, entre profissionais da saúde e estudantes, para debater o tema “A Evolução da Saúde na Amazônia: 100 Anos de História – De Camillo Salgado a Camillo Vianna”. O evento tem como objetivo intensificar os debates sobre as realidades regionais relacionadas à área da saúde e a atualização de profissionais. A programação contará com a III Jornada Médica dos Hospitais Militares da Guarnição de Belém; o Simpósio Paraense de Tratamento da Obesidade; o II Encontro Amazônico das Ligas Acadêmicas; o Con-

PESQUISAS

gresso Norte, Nordeste e Centro-Oeste de Cirurgia Torácica (Connect 2014), além de mesas-redondas, palestras e cursos ministrados por especialistas de referência local e nacional. O Congresso é uma realização da Sociedade MédicoCirúrgica do Pará (SMCP) e tem como presidente da comissão organizadora a professora da Universidade do Estado do Pará (Uepa), Cléa Bichara, além da participação de outros professores e alunos da instituição na programação. Mais informações sobre como participar do evento podem ser encontradas no site www.congressomedicoamazonico. com.br, ou por meio dos telefones (91) 3230-1688 ou 3230-4177.

Com o objetivo de estimular a execução de estudos que tenham como objeto peças e/ou coleções de valor histórico, artístico, científico ou cultural, sob a guarda da Universidade Federal do Pará, a Pró-Reitoria de Pesquisa e Pós-Graduação (Propesp), por meio de sua Diretoria de Pesquisa, lançou o Programa Especial de Apoio a Projetos de Pesquisa – Acervos da UFPA (PE-Acervos). Os interessados têm até o dia 14 de agosto para submeter as suas propostas. Informações por meio dos telefones (91) 3201-7657 e 3201-7527.

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Realizado pela primeira vez, o Encontro de Antropologia Visual da América Amazônica (EAVAAM) já está recebendo inscrições. A relação de grupos de trabalho e mesasredondas aprovados já estão disponíveis no site www.eavaam2014.com.br. Os resumos podem ser inscritos até 20 de agosto e para o Prêmio de Fotografia Arthur Napoleão Figueiredo e envio de trabalhos para Mostra de Filmes até 10 de setembro. Mais informações no site do evento, que será realizado de 4 a 6 de novembro, na UFPA.

CINEMA

O I Festival Internacional de Cinema de Caeté (FICCA) está com inscrições abertas até 30 de setembro. O evento pretende destacar o papel do cinema, do vídeo e da produção audiovisual. O espaço é aberto para filmes e/ ou vídeos, curtas, médias e longas metragens de qualquer gênero ou temática. As informações sobre o evento podem ser encontradas no site ficcafestival.blogspot.com.br.

INCUBADORAS

Estão abertas as inscrições para o XXIV Seminário Nacional de Parques Tecnológicos e Incubadoras de Empresas e XXII Workshop Anprotec. O evento, que tem como tema “Fronteiras do Empreendedorismo Inovador: Novas Conexões para resultado”, ocorrerá entre os dias 22 e 26 de setembro, em Belém. As inscrições podem ser feitas no site seminarionacional.com.br.

LINGUAGEM

O Grupo de Estudos Linguagens e Práticas Educacionais da Amazônia (GELPEA), da Universidade Estadual do Pará, promove o II Seminário Nacional de Linguagens, Tecnologias e Práticas Docentes, com o apoio de professores UFPA. O intuito é de discutir a prática docente e compartilhar referenciais teóricos que visem melhorar o ensino e a aprendizagem. O evento irá ocorrer nos dias 11 e 12 de setembro, no Centro de Ciências Sociais e Educação (CSSE) da UEPA. As inscrições podem ser feitas pelo site ccse.uepa.br.


FAÇA VOCÊ MESMO

Brinquedo alternativo Aprenda a fazer um boneco de pirata com materiais que iriam parar no lixo

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ocê tem materiais que iriam para o lixo? Há crianças cheias de energia em casa? Preste um serviço ao planeta: transforme esses dois fatores em um brinquedo. Nesta edição da revista Amazônia Viva, a Fundação Curro Velho mostra como utilizar a criatividade para construir diversos objetos com novas temáticas e formatos. Com materiais alternativos, aí vão as instruções para crianças e adultos se divertirem elaborando novas formas de se viver. Não é só um objeto com materiais recicláveis, é o aprendizado da sustenta-

bilidade desde cedo. São materiais simples e cotidianos, como jornais impressos, canudinhos, embalagens de papel e garrafas PET, matéria-prima para um novo brinquedo – e também para estimular reflexões sobre mudanças relacionadas ao meio ambiente e à busca por uma existência mais justa. Crianças e jovens podem participar dessas e de muitas outras atividades nas oficinas de Artes Visuais ofertadas pela Fundação Curro Velho durante o ano inteiro. Sigam o passo a passo e descubram qual o resultado!

DO QUE VAMOS PRECISAR? • Jornal

• Cola

• Canudinho

• Pincel

• Tesoura

• Palito pra churrasco

• Fita Crepe

• Caixa de laticínio ou

• Tinta Guache

remédio

INSTRUTOR: MARCELO LOBATO COLABORAÇÃO: DEUSARINA VASCONCELOS FOTOGRAFIA: DANIEL SOUZA MODELO: FELIPE NUNES

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Para começar, pegue uma caixa de laticínio ou de remédio, amasse ao meio e corte uma parte;

Pegue o jornal, corte uma tira no tamanho desejado, faça um canudinho e passe a fita crepe para fixar. Aí é só dobrar a ponta para fazer o pé;

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Recorte a mão no tamanho e formato desejado;

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Com uma caneta de tinta preta, faça os olhos e boca do boneco; camada de kraft no papelão

Para saber mais

Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que estejam acompanhadas por um adulto responsável

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Pegue a fita crepe, então, e monte o corpo de um pirata;

Feito isso, pegue um canudinho de plástico para fazer o braço do pirata;

Faça uma bola de jornal amassado e cubra com fita crepe até formar uma bolinha para a cabeça;

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Tome em mãos um pedaço de papel preto e corte o chapéu no formato desejado. Passe a cola nas laterais;

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Agora, coloque um palito e fixe no corpo do piratinha;

Cole um pedaço do jornal entre a fita crepe. Cole, por fim, no canudinho para fazer a mão do pirata;

Agora pinte as peças do corpo do pirata;

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Aí é simples: coloque o chapéu na cabeça do pirata. Seu “Jack Sparrow” está pronto, agora é só se “piratar”.

Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas da Fundação Curro Velho, do governo do Estado do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109.

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RECORTE AQUI

FAÇA VOCÊ MESMO


BOA HISTÓRIA

- Eu vou.

Anderson Araújo é jornalista, escritor e blogueiro

- Não vai. - Vou sim. - Já disse que não. - Só dessa vez. - Não. - Prometo não pedir mais. - N. A. O. Til: NÃO. - Mas se eu nunca mais pedir nada? - Não, não e não. - Só dessa vez, pai. - Já disse que não. - Mas, paiê. - Já chega. - Mas... - De castigo. - Juro que volto muito antes de amanhecer. - Ai, meu Deus. Tu nem idade tem. - Para, pai. Deixa... - Pede pra tua mãe. - Mas ela disse pra pedir pro senhor. - E eu disse pra pedir pra ela, ora. - Mas ela disse que não. O senhor sabe como ela é. - Eu também disse e eu também sou. - Vou perder, pai. - Vai. Já disse que não quero tu nessas coisas. Olha o que aconteceu comigo. - Mas, pai. Não tem nada a ver. - Tem sim. Eu sei como é. - São outros tempos, pai.

ILUSTRAÇÃO: LEONARDO NUNES

Um par

- Não, senhor. Os tempos são os mesmos. - Ninguém acredita mais nessas coisas. - Ram. Moleque atrevido. - Pai. Eu vou rapidinho, pai, nem vou demorar. Confia, confia, confia, vai. - Mas, enjoado. - Vai deixar? - Ok, vai, mas se amanhecer e eu não te ver aqui, já sabe... Saiu o mais ligeiro rumo ao trapiche. A música longe o entusiasmava. O tum-tum-tum do curimbó era como se fosse o coração dela. Ele imprimia força para chegar o quanto antes. À beira do cais, viu o povaréu. Muitos casais já suados. Pôs a cabeça para fora não era mais boto. Saiu devagar. O corpo lodoso ganhou a consistência de pele. O focinho encolheu para moldar um belo nariz. Do rabo vieram pernas, das nadadeiras os braços. Por mágica, o linho branco surgiu para assentar bem ao corpanzil. Pegou um chapéu de palha esquecido na canoa mais próxima e cobriu a fenda na cabeça. O vento secou e perfumou o novo homem. Cleiciane, filha do Pedro da Marlene, esperava o rapagão, risonha que só. Dançaram cadenciados, sem desgrudar os olhos, sorrindo sem dizer nada, porque ele não fala a língua da moça e ela, por sua vez, era envergonhada por demais. O pai? Só foi lembrado quando a música começou a cessar e o sol se enxeriu detrás das ilhas do outro lado do rio.

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NOVOS CAMINHOS

O salto da agroindústria na região amazônica

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as últimas décadas, a agroindústria tem se destacado entre as atividades econômicas mais desenvolvidas na Amazônia. Estados como o Pará e Amazonas se tornaram foco de investimentos privados e de financiamentos governamentais para o beneficiamento de produtos com base em espécies nativas ou adaptadas, mas dentro de uma estrutura que garante maior valor agregado. Estudos feitos com a chancela do Banco da Amazônia no início dos anos 2000, relacionados a investimentos do Fundo Constitucional de Financiamento do Norte (FNO), já apontavam a tendência que se consolida atualmente, de que a diversificação e a capilaridade da agroindústria proporcionam uma maior capacidade de geração de empregos em relação a outros setores produtivos. A dinâmica da agroindústria amazônica, ainda considerada emergente por grande parte dos especialistas, ganhou impulso com o desenvolvimento acelerado de inovações tecnológicas, mas o setor não alcançaria o estágio atual sem a aproximação com instituições de pesquisa como as universidades federais do Pará e do Amazonas, a Ufra, do Museu Paraense Emílio Goeldi, Embrapa, Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia, além de estudos produzidos por organizações não governamentais e instituições privadas. Atividades como a produção de insumos com base no guaraná ou dendê, dentre as mais destacadas, foram beneficiadas com o resultado de pesquisas sobre melhoramento genético de espécies, aplicação de novos sistemas

SAIBA MAIS

Dimensões Humanas da Biosfera-Atmosfera na Amazônia. Bertha Becker, Diógenes Alves e Wanderley da Costa (organizadores). Edusp (2007).

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de cultivo e de tecnologias para a intensificação do aproveitamento industrial dos recursos naturais com reduzido impacto ambiental e resultados positivos para o desenvolvimento de populações locais, de acordo com o doutor em Geografia Humana e professor da Universidade de São Paulo Wanderley Messias da Costa, autor de estudos sobre sistemas produtivos emergentes na Amazônia. O exemplo mais avançado desses empreendimentos é o polo de extratos vegetais concentrados e compostos, com o guaraná como carro-chefe, instalado na Zona Franca de Manaus, com vendas que tendem a se aproximar de 100 milhões de dólares anuais até 2020. O complexo, liderado por empresas internacionais, integra uma cadeia produtiva que envolve praticamente todos os estados da Amazônia Legal, segundo dados sobre a produção agrícola municipal elaborados pelo Instituto Superior de Administração e Economia da Fundação Getúlio Vargas (ISAE/FGV). Atualmente, as novas tecnologias têm surtido efeito intensivo sobre a agroindústria. O desenvolvimento de motores industriais e automotivos que utilizam combustível de base vegetal abre novas portas para a produção de óleo de dendê no Pará, que já atende à demanda de empresas de alimentos processados e da indústria de cosméticos. Juntas, as cinco empresas que atuam na produção de óleo de palma em seis municípios do Estado possuem capacidade instalada para o processamento de mais de 400 toneladas de cachos de frutos frescos por hora.

O Fundo Constitucional de Financiamento do Norte e o Desenvolvimento da Amazônia. Antônio Santana (coordenador). M&S/Basa (2002).

“A dinâmica da agroindústria amazônica ganhou impulso com o desenvolvimento acelerado de inovações tecnológicas”

THIAGO BARROS é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros


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