Revista Amazônia Viva ed. 39 / novembro de 2014

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MULHERES NEGRAS

QUILOMBOLAS ABREM O DEBATE SOBRE SEU PAPEL NA SOCIEDADE

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

NOVEMBRO 2O14 | EDIÇÃO NO 39 ANO 4 | ISSN 2237-2962

O CARIMBÓ É DE TODOS

O RITMO TIPICAMENTE PARAENSE CONQUISTOU O TÍTULO DE PATRIMÔNIO IMATERIAL DO BRASIL. AGORA, PRECISA LUTAR PARA SER MAIS CONHECIDO E RESPEITADO COMO CULTURA.

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4º Congresso de Mineração da Amazônia

17 a 20 de novembro de 2014 Hangar - Centro de Convenções daAmazônia Belém/PA - Brasil Informações e inscrições para o congresso no site:

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da editoria ROBERTA BRANDãO

puBlicação menSal DELTA PUBLICIDADE - Rm gRAPH EDIToRA noVemBro 2014 / edição nº 39 ano 4 iSSn 2237-2962 presidente LUCIDÉA BATISTA mAIoRAnA presidente executivo RomULo mAIoRAnA JR. diretor Jurídico RonALDo mAIoRAnA diretora administrativa RoSÂngELA mAIoRAnA KzAn diretora comercial RoSEmARY mAIoRAnA

bEm pARAENsE

A tradição cultural do carimbó é passada de geração a geração. Agora, o ritmo tipicamente paraense vai alcançar novos horizontes Brasil afora.

pRA fAZER bARuLhO NA TERRA ALhEIA

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe 4 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Acredito que todo paraense se

regional ganha o mesmo status de

sentiu especialmente tocado com

consagrados estilos musicais na-

a notícia do reconhecimento do

cionais, como samba e o baião.

carimbó como Patrimônio Cultural

A empreitada cultural, porém,

Imaterial do Brasil, oficializada pelo

está só no começo. Ainda é preciso

Iphan em setembro deste ano.

assegurar que o carimbó seja reco-

Apesar do anúncio ter sido feito

nhecido profissionalmente pelos

em um 11 de setembro, uma data

próprios “mestres”, os detentores

histórica, marcada pelo atentado

do conhecimento popular acerca

terrorista aos Estados Unidos há 13

dessa cultura, passando assim, a se

anos, aquele dia de 2014 se transfor-

valorizarem mais como artistas, não

mou em uma explosão de felicida-

permitindo que suas obras sejam

de para os apaixonados defensores

usadas sem o devido consentimen-

do ritmo paraense. Concentrados

to. Também se faz necessário que o

no mercado do Ver-o-Peso nas pri-

mercado fonográfico acolha, produ-

meiras horas da manhã, os envol-

za e divulgue o ritmo como música

vidos na “Campanha do Carimbó”

brasileira, garantindo os direitos au-

se alegraram ao ver um objetivo

torais a seus criadores. E ainda não

alcançado em favor da cultura na

se pode deixar de lado a formação

Amazônia.

contínua de novas gerações para

Mas o que muda com a oficiali-

que cultivem e propaguem a cultu-

zação do carimbó como patrimô-

ra musical do Pará. São tantos de-

nio cultural do Brasil? Num pri-

safios pela frente que, com certeza,

meiro momento, nossa música tão

daria para fazer um carimbó.

NOVEMBRO 2014

diretor industrial JoÃo PoJUCAm DE moRAES FILHo diretor corporativo de Jornalismo WALmIR BoTELHo D’oLIVEIRA diretor de novos negócios RIBAmAR gomES diretor de marketing gUARAnY JÚnIoR diretores JoSÉ EDSon SALAmE JoSÉ LUIz Sá PEREIRA conselho editorial RonALDo mAIoRAnA JoÃo PoJUCAm DE moRAES FILHo WALmIR BoTELHo D’oLIVEIRA gUARAnY JÚnIoR LázARo moRAES REDAÇÃo Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JoRgE DE mELo (Srte-pa 1769) coordenação geral LUCIAnA SARmAnHo editor de arte FILIPE ALVES SAnCHES (Srte-pa 2196) pesquisador e consultor técnico InoCÊnCIo goRAYEB Colaboraram para esta edição o liberal, Vale, agência pará de notícias, agência Brasil, museu paraense emílio goeldi, universidade Federal do pará, Fundação curro Velho (acervo); camila machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, anderson araújo, moisés Sarraf, abílio dantas, Brenda pantoja, Bruno rocha, natália mello, dominik giusti, Sávio oliveira, alan Bordallo, João cunha, Janine Bargas (reportagem); moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Janine Bargas (produção); hely pamplona, Fernando Sette, carlos Borges, roberta Brandão (fotos); thiago Barros (artigo) andré abreu, leonardo nunes, Jocelyn alencar, Sávio oliveira, márcio euclides (ilustrações); alexsandro Santos (tratamento de imagem). FoTo DA CAPA Carimbó por Eunice Pinto/Agência Pará AmAzônIA VIVA é editada por delta publicidade/ rm graph ltda. cnpJ (mF) 03.547.690/0001-91. nire: 15.2.007.1152-3 inscrição estadual: 158.028-9. avenida romulo maiorana, 2473, marco - Belém - pará. amazoniaviva@orm.com.br produção

realiZação

patrocÍnio

reViSta impreSSa com o papel certiFicado pelo FSc - ForeSt SteWardShip council


NOVEMBRO 2O14

neSta edição

EDIÇÃo nº 39 / ANO 4

cARIMbó bRASILEIRO O principal ritmo dançante do Pará agora é patrimônio cultural imaterial do País. O trabalho agora é divulgar a cultura no Brasil. ASSUNTO DO MÊS

FERNANDO SETTE

O médico e pesquisador

CARlOS BORGES

SAúDE

ROBERTA BRANDãO

ROBERTA BRANDãO

16

36

58 54 ARTESANAL

A arte de construir instru-

pESquISA

Hilton Silva, mestre em

TEATRO

mentos de corda, como

Doutor em Biologia de

saúde pública e doutor

Há 45 anos, o ator e dire-

violões e cavaquinhos,

Agentes Infecciosos,

em bioantropologia, fala

tor teatral Henrique da

com as próprias mãos

o biólogo Márcio Nu-

como é possível vencer os

Paz criou o Gruta, um dos

é passada de geração a

nes criou um centro de

obstáculos na atenção do

mais importantes grupos

geração por profissionais

inovação tecnológica no

bem-estar de comunida-

de arte cênica de Belém,

como Márcio luthier e

Instituto Evandro Chagas

des afastadas do centro

tendo os direitos huma-

professores da Fundação

para produzir ciência.

urbano da Amazônia.

nos como inspiração.

Curro Velho.

QUEM É?

OUTRAS CABEÇAS

DEDO DE PROSA

ARTE REGIONAL

4 6 7 11 13 15 17 17 18 19 19 20 20 21 21 22 24 46 49 49 50 60 62 63 65 66

E MAIS DA EDITORIA AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTõES AMAZÔNIA CONNECTION PERGUNTA-SE EU DISSE APPLICATIVOS COMO FUNCIONA FATO REGISTRADO DEU N’O LIBERAL CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE ELES SE ACHAM DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS EM NÚMEROS OLHARES NATIVOS COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL BONS EXEMPLOS MUDANÇA DE ATITUDE VIDA EM COMUNIDADE MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 5

OSwAlDO FORTE

38


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAs EDIÇþes ANTERIORes

fernando sette

cĂ?RIO Como leitor da revista AmazĂ´nia Viva conheci um novo olhar sobre o CĂ­rio de NazarĂŠ atravĂŠs das grandes obras dos nossos escritores (“Um CĂ­rio de muitas palavrasâ€?, Assunto do MĂŞs, outubro de 2014, edição nÂş 38). ClĂĄudia Meirelles o imponente som do cavaillĂŠ-coll

A entrevista com o pianista Paulo JosĂŠ Campos de Melo sobre o ĂłrgĂŁo francĂŞs CavaillĂŠ-Coll foi a mais comentada em nossa pĂĄgina do Facebook. Ele revelou detalhes preciosos desse instrumento raro no mundo, sendo que um deles estĂĄ guardado na Catedral de BelĂŠm

BelÊm-Parå A reportagem sobre as obras literårias que têm o Círio como inspiração nos apresenta uma outra faceta da nossa maior festa religiosa do Estado. Diana Ferreira BelÊm-Parå

oswaldo forte

Me emociono com tudo relacionado ao Círio de NazarÊ. ParabÊns, Amazônia Viva. Fåtima Andrade BelÊm-Parå Fiquei encantado com a revista Amazônia Viva, edição nº 38, face o conteúdo fantåstico sobre a cultura e as belezas que o Parå possui. De forma especial gostei muito da foto de capa da edição, o Glória da Basílica diversidade do povo brasileiro

de Nossa Senhora de NazarĂŠ. Almando JosĂŠ Storck

No Instagram, a foto com o maior nĂşmero de curtidas foi a das garotinhas Ă­ndia e ruiva correndo Ă beira do mar de Marapanim, no nordeste paraense. A foto fez parte da galeria produzida especialmente para a AmazĂ´nia Viva por Oswaldo Forte, durante os IV Jogos Tradicionais IndĂ­genas do ParĂĄ, realizados em MarudĂĄ, em setembro

Minas Gerais

�NDIOS As fotos de Oswaldo Forte sobre os Jogos Tradicionais Indígenas do Parå na edição passada (seção Olhares Nativos) estão fantåsticas. Stevenson Ribeiro tarso sarraf

BelĂŠm-ParĂĄ

fb.com/amazoniavivarevista instagram.com/amazoniavivarevista twitter.com/amazviva 6 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

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O QUE é NOTÍCIA PARA A AmAZÔNIA ICMBIO / DIVUlGAÇãO

PRImEIRoFOCO

pROTEÇÃO DAS fAMÍLIAS E DA NATuREZA

A cRIAÇÃO DE TRÊS uNIDADES DE cONSERVAÇÃO NO ESTADO ASSEGuRA A GERAÇÃO DE RENDA E AjuDA A pRESERVAR áREAS fLORESTAIS NO NORDESTE pARAENSE PágInA 8

TRATAmEnTo Veneno de vespas da espécie parachartergus fraternus começa a ser estudado no combate ao mal de parkinson. Pág.12

InVEnÇÃo Agricultor de Tucuruí inventa máquina para tirar açaí do alto das árvores, evitando risco de acidentes. Pág.14

DoR DE oUVIDo Se alguma vez na vida já lhe ensinaram a colocar leite materno para curar otites você precisa ler a matéria na Pág.15

NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 7


primeiro Foco

pAISAGEM AINDA MAIS cONSERVADA

C

ICMBIO / DIVUlGAÇãO

onciliar o uso sustentável dos recursos naturais com a proteção do meio de vida e a cultura das comunidades extrativistas locais. Esta é uma das finalidades das três novas Unidades de Conservação (UC) criadas na região do Salgado paraense, nordeste do Estado. As Reservas Extrativistas (Resex) Marinhas Mocapajuba, Mestre Lucindo e Cuinarana foram estabelecidas pelo governo federal e estão localizadas nos municípios de São Caetano de Odivelas, Marapanim e Magalhães Barata. A medida também ampliou a Resex Araí-Peroba, criada em 2005 em Augusto Corrêa, aumentando em 51% a área conservada da região, que agora chega a 322 mil hectares. As reservas foram propostas pelas comunidades locais, que participaram de audiências públicas, e o processo foi elaborado pelo Instituto Chico Mendes de Conserva-

8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

ção da Biodiversidade (ICMBio). De acordo com o órgão, que é vinculado ao Ministério do Meio Ambiente e irá administrar as unidades, a região já contava com outras nove Resex, onde 28 mil famílias viviam em comunidades tradicionais, que têm a pesca artesanal como principal atividade econômica. Com as novas áreas de uso sustentável aumenta para 34 mil o número de famílias beneficiadas. Das três novas unidades, a maior é a reserva Mestre Lucindo, com cerca de 26 mil hectares, seguida por Mocapajuba, com 21 mil hectares. A menor delas é a Cuinarana, cuja área é de 11 mil hectares. O litoral do nordeste paraense abriga o maior cinturão contínuo de manguezais do mundo. São 680 km de costa, que vão do Amapá ao Maranhão, correspondendo a 70% dos manguezais do Brasil. O objetivo é que o conjunto de UCs possa garantir a conservação da biodiversidade

dos ecossistemas de manguezais, restingas, dunas, várzeas, campos alagados, rios, estuários e ilhas. O presidente do ICMBio, Roberto Vizentin, destaca que a região conquistou uma condição muito especial para inaugurar a nova fase de desenvolvimento a partir do potencial produtivo dos ecossistemas locais e da sua extraordinária biodiversidade. “Mas a criação foi apenas o primeiro passo. O desafio agora é a elaboração de um planejamento e de um modelo de gestão integrada, envolvendo o conjunto das doze Reservas Extrativistas do Salgado, capaz de envolver e mobilizar agentes públicos e da sociedade civil para um mesmo propósito, que é cuidar da natureza e melhorar a vida da população”, afirma. O Instituto explica, ainda, que os mangues formam a base da cadeia alimentar marinha e que produzem em torno de 95% do alimento que o homem captura no mar.

bEm NATuRAl

O número de famílias beneficiadas aumentou para 34 mil com as novas áreas de uso sustentável no Pará

680 QuIlÔmETROs é A EXTENsÃO TERRITOrial do litoral do Estado, o que corresponde a 70% dos mangues na costa paraense


pesquisa sobre manejo de araras já foi concluída Pesquisadores concluíram as campanhas sobre a preservação da arara-azul-grande com comunidades da zona rural de Canaã dos Carajás. O objetivo era o de sensibilizar os moradores a promoverem a conservação da espécie, com visitas em escolas da zona rural em vilas como Bom Jesus, Planalto, Ouro Verde, Feitosa, Mozartinópolis e Umuarama, entre outras. O projeto AraraAzul-Grande monitora, desde 2012, as aves adultas, ninhos e filhotes, em um trabalho da Vale e Universidade Estadu-

al Paulista (UNESP), com o apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Nesta fase, eles coletaram novos dados na área de influência do Projeto S11D e ao longo do rio Itacaiúnas para aplicar nos planos de manejo da espécie. A pesquisa ajudará a compreender a biologia reprodutiva, locais de nidificação no território, contabilização de filhotes, mapas de ocorrência da espécie na área e a relação das aves com o ambiente como um todo.

CIÊNCIA

DESENVOLVIMENTO

A Semana Nacional de Ciência e Tecnologia promoveu mais de 35 mil atividades em 537 municípios, como foco no desenvolvimento social. O governo federal já anunciou o tema do próximo ano, que será “Luz, ciência e vida”, e o lançamento de um edital, ainda neste ano, com valor de R$ 2,5 milhões para a divulgação de projetos na temática “luz”. O objetivo é incentivar atividades para crianças na faixa de 4 a 10 anos. “Hoje, ciência e tecnologia são uma moeda muito importante para o desenvolvimento. Um país como o Brasil precisa desenvolver tecnologia de ponta, mas precisa também fazer com que os

PROTEÇÃO

frutos da ciência e da tecnologia melhorem

Dados coletados sobre as araras-azuis-grandes vão aprimorar os planos de manejo da espécie no Mosaico de Unidades de Conservação de Carajás, no Pará

a qualidade de vida dos brasileiros”, disse Douglas Falcão, diretor do Departamento de Popularização e Divulgação do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). arquivo vale

COMIDA

CONSCIENTIZAÇÃO

A Organização das Nações Unidas calcula que 1,3 bilhão de toneladas de comida são desperdiçadas por ano no mundo. No Brasil, o movimento Gastronomia Responsável é promovido pela Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza e conta com 51 restaurantes ao redor do país que fazem os “pratos responsáveis”, seguindo quatro princípios: aproveitamento integral dos alimentos, ingredientes orgânicos, comprar de fornecedores locais e não usar espécies ameaçadas de extinção. “Muitas pessoas não fazem esta ligação, mas a biodiversi-

andré abreu

MANGUES BRAGANTINOS

dade é a base para o desenvolvimento das atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras

De acordo com o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, o

e florestais, que dão origem ao alimento que

Brasil abriga 7% dos manguezais do planeta e possui os mais baixos níveis

consumimos”, comenta a diretora da Funda-

de perda porque mais de 70% deles estão em regiões protegidas. A cidade

ção, Malu Nunes. Ela observa que é preciso

de Bragança, banhada pelo rio Caeté, no nordeste do Pará, é exemplo ao

incentivar o consumo consciente e evitar as

manter 83% dos 13 mil habitantes sustentados pelo manguezal.

perdas desde o início da cadeia produtiva. FOTOS: agência Brasil / GiseleKoprowski NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 9


PRIMEIRO FOCO

CARTUM

divulgação / vale

AMAZÔNIA VIVA

O cartunista paraense André Abreu foi selecionado para a exposição World Press Cartoon 2014, que será realizada na cidade de Sintra, em Portugal. A mostra reúne os melhores desenhos publicados na imprensa mundial ao longo de um ano, que também concorrem a uma premiação. A charge escolhida foi publicada na edição da revista Amazônia Viva em dezembro do ano passado e brinca com a ideia de um Papai Noel preocupado com questões ambientais, como o desmatamento. “É um reconhecimento maravilhoso estar ao lado de publicações de renome mundial. É uma vitrine para o nosso trabalho”, comentou ele, que participa do salão pela quinta vez. andré abreu / arquivo amazÔnia viva

RAIZ

CRACK

A ibogaína é uma substância extraída da raiz da iboga, planta encontrada em países africanos. Pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) descobriram que ela é pelo menos cinco vezes mais eficiente para interromper a dependência química do que tratamentos convencionais, cujos índices variam entre 5% a 10% dos casos. No estudo, dos 75 usuários de crack, cocaína e álcool, 55% dos pacientes homens ficaram livres do vício por, no mínimo, um ano. Entre as mulheres, a taxa foi de 100%. 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

cooperação técnica reforça monitoramento O Instituto Tecnológico Vale (ITV) assinou acordo de cooperação técnica com a Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema) e a Agência Nacional de Águas (ANA) para atuação na área da bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas (tema de nossa reportagem da seção Comportamento Sustentável na página 46 desta edição), na região sudeste do Estado. O documento prevê a implantação de ações de integração e modernização da rede hidrometeorológica. O ITV será responsável pela operação e manutenção dos equipamentos das oito estações que irão coletar os dados no rio, que é

monitorado na região pelos pesquisadores desde o ano passado. “Projetos como estes, que enfocam recursos naturais, ganham força e passam a fazer parte da estratégia da Vale. O convênio nos permitirá desenvolver uma base de dados e ferramentas que vão contribuir para que possamos usar os recursos naturais de forma cada vez mais sustentável”, avaliou José Oswaldo Siqueira, diretor cientifico do ITV. O estudo possibilitará informações sobre a disponibilidade de água e previsão de cheias. Para o representante da ANA, Pedro Cunha, “a

ACORDO

Representantes do Instituto Tecnológico Vale, Secretaria de Meio Ambiente do Pará (Sema) e a Agência Nacional de Águas (ANA) participaram de workshop sobre a bacia hidrográfica do rio Itacaiúnas

importância do estudo se deve à precisão dos dados que serão coletados e medidos pelas estações hidrometeorológicas”, pontuou. Já José Alberto Colares, secretário de Estado de Meio Ambiente, declarou que “quando uma iniciativa como esta faz parte da matriz de custo de uma empresa, faz parte da estratégia do empreendimento, do seu plano de negocio, significa dizer que nós estamos mudando a cultura, estamos fortalecendo as instituições, significa dizer que criamos um ciclo virtuoso e isso transforma a sociedade, isto é construir a sustentabilidade”.


ARQUIVO VALE

TRÊSQUESTÕES

Conhecimento científico para todos Diversão aliada ao conhecimento é a proposta da “Exposição Itinerante de Biodiversidade Amazônica: A Ciência vai à Praça”, uma realização dos alunos e professores da Universidade do Estado do Pará. A professora doutora Ana Lúcia Nunes Gutjahr, uma das organizadoras,

marabá amplia atendimento à saúde mental Quem precisa de atenção à saúde mental agora conta com atendimento exclusivo na ala psicossocial do Hospital Municipal de Marabá (HMM). O setor, com seis primeiros leitos prontos para uso, foi entregue pela prefeitura, que firmou convênio com a Vale para realizar obras nas áreas de saúde, educação, cultura e infraestrutura. A reforma inclui, ainda, novas instalações nas alas do centro cirúrgico, da unidade de tratamentos especiais, enfermaria, refeitório, cozinha e

lavanderia hospitalares e ampliação do estacionamento. Também serão entregues ao município dois Centros de Atendimento Psicossocial (CAPS) e o primeiro Centro de Especialidades Médicas, com apoio da mineradora para aquisição de mobiliários e equipamentos. Ainda na área da saúde, passará a funcionar em Marabá, o primeiro Centro de Especialidades Médicas, com a aquisição de mobiliário e equipamentos também resultante de convênio com a Vale. Serão ainda reforma-

parceria

A ala psicossocial passa a funcionar no Hospital Municipal de Marabá com apoio da Vale e prefeitura municipal

vez mais a ciência das pessoas.

Qual o objetivo desse projeto científico e social? O projeto busca levar indivíduos da fauna amazônica para que as pessoas conheçam os animais, sua importância nos ecossistemas, seus papéis funcionais, ou seja, a sua

das cinco unidades básicas de saúde. As unidades localizadas nos bairros Laranjeiras, Liberdade e Morada Nova já estão com as obras em andamento. As unidades dos bairros Nossa Senhora Aparecida e Paz serão iniciadas após a conclusão do processo de licitação. Em agosto deste ano, foi realizada a entrega de três ambulâncias à prefeitura de Marabá também com recurso Vale, que contribuem para a melhoria no atendimento à saúde da população, por meio do Transporte Fora do Domicílio (TFD).

função na natureza. Aproveitando ainda para passar esses conhecimentos e desmistificar a repulsa que muitas pessoas têm a sapos, morcegos e cobras, por exemplo.

Quais os resultados da exposição nas praças? Há alguns anos existia uma mentalidade de que a ciência era produzida e ficava entre os cientistas. Todo o conhecimento gerado e as descobertas ficavam somente nas academias e instituições de pesquisa. Agora não. O enfoque é levar ao público o conhecimento, seja qual for a descoberta. O ponto-chave é justamente fazer com que o conhecimento gerado com a ciência chegue às pessoas.

Por onde o projeto ainda irá passar este ano? Nós vamos encerrar este ano com um evento na praça do Complexo do Oito, na Cidade Nova

andré abreu

TERREMOTO MANAUaRA

8, em Ananindeua. Em 2015 vamos chegar a Marituba e Benevides. Esse projeto é essen-

Em 1690, um terremoto a cerca de 45 km de Manaus (AM) alterou o sentido da

cial, pois acredito que ao saberem o que esses

corrente do rio Urubu, um dos afluentes do rio Amazonas, inundando várias

animais fazem de importante na natureza, as

aldeias indígenas. Com nível 7 na escala Richter, o desastre natural ocorrido

pessoas podem pensar diferente e até mesmo

há mais de 300 anos foi confirmado como o maior já registrado no Brasil,

entender a importância de se preservá-los.

aponta um estudo publicado revista da Academia Brasileira de Ciências. NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 11

bianca almeida

afirma que é preciso aproximar cada


primeiro Foco

TÚNEIS

A construção de quatro túneis do projeto Ramal Ferroviário, nas cidades de Canaã dos Carajás e Parauapebas, conta com o reforço da tecnologia de ponta. Por meio de um joystick e a dois metros de distância, o operário pode comandar robôs capazes de aplicar concreto nas paredes. O equipamento consiste em um braço mecanizado em um caminhão e garante a menor interferência ao meio ambiente, além de reduzir em 25 minutos a aplicação de cada betoneira de 7 metros cúbicos. Todos os túneis, com profundidade variando entre 500 a 960 metros, devem ser concluídos em 2015. A proposta de construção faz parte de estudo

VESpA uSADA NO cOMbATE AO MAL DE pARKINSON A perda de neurônios causada pelo mal de Parkinson pode ser combatida com um componente do veneno da vespa Parachartergus fraternus, de acordo com estudo desenvolvido no Laboratório de Toxinologia da Universi-

SUZY CARDOSO / MUSEU GOElDI

TEcNOLOGIA

dade de Brasília. A substância foi usada em ratos com lesão cerebral e impediu a progressão, preservando as células nervosas. O peptídeo encontrado foi batizado de fraternina, pois foi extraído da vespa.

TOXINAs

O veneno da espécie Parachartergus fraternus mostrou resultados animadores no tratamento de lesões cerebrais em ratos de laboratório

feito pela Vale para a definição do traçado do bém foi projetada a construção de passagens especiais para fauna, que irão reproduzir o habitat dos animais silvestres e facilitar a circulação deles. O Ramal é um investimento estratégico para a mineradora, ao criar condi-

ANTÔNIO GAUDéRIO / FOlHAPRESS / ARQUIVO O lIBERAl

Ramal, que terá 101 km de extensão, e tamAcOmpANhAmENTO Pesquisa coleta informações, como mortalidade e reprodução dos botos, para prevenir a extinção das espécies na região

ções logísticas necessárias para transportar e embarcar o minério de ferro que será produzido pelo Projeto Ferro Carajás S11D.

VALE E fIEpA cApAcITAM EMpRESáRIOS Ao todo, 18 fornecedores da região sudeste paraense participam de uma capacitação em gestão de Negócios, promovida pela

BISCOITO

vale e reDeS - Inovação e

pREMIAÇÃO

Sustentabilidade econô-

Um biscoito nutritivo para crianças em idade

mica, da Federação das

escolar feito a partir de matérias-primas

Indústrias do estado do

da Amazônia, dentre elas a mandioca, foi o

Pará (Fiepa).

projeto elaborado por alunos da Universidade

O conteúdo aborda a ges-

Federal do Pará (UFPA), que levou o grande

tão nas esferas estratégica,

prêmio no principal evento internacional da

financeira, de pessoas e

área de Engenharia de Alimentos. Os estudantes Ana Clara Vasconcelos, Ed Junior, lívia Martins e Thais Andrade venceram o IUFOST (International Union of Food Science Technology) Students Fighting Hunger, no Canadá.

POPUlAÇãO

pLANETA

A população mundial pode chegar a quase 11 bilhões até 2100, conforme um estudo feito pela Universidade de washington e pela Organização das Nações Unidas (ONU). As projeções anteriores apontavam o pico de 9 bilhões em 2050, estabilizando-se a partir daí. Para os estudiosos, a principal razão é o crescimento populacional da África, que continua subindo. 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

ESTuDO REGISTRA NúMERO DE bOTOS

O Instituto Mamirauá e o World Wide Fund for Nature (WWF) percorreram a Bacia do Tapajós para documentar a população de botos. A intenção é que o resultado fi nal forme uma importante base de informações para entender e acompanhar a saúde dos animais nos rios na região, inclusive em relação a alterações ambientais, como

desmatamento. Junto com outras informações, como mortalidade e reprodução das espécies, é possível estimar a probabilidade de extinção a curto, médio ou longo prazo. Até agora já foram observados 160 tucuxis (Sotalia fluviatilis) e 112 botos-vermelhos, também chamados botos-cor-de-rosa ( Inia geoff rensis).

sustentabilidade, com foco em segurança, saúde e meio ambiente. “esperamos contribuir para o desenvolvimento sustentável das empresas que atuam diariamente em nossas operações”, disse érika rosa, gerente de Desenvolvimento de Conteúdo local da vale. O treinamento será realizado até o dia 29 de novembro no Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SeNAI) de Parauapebas.


VAlE / CSIRO

AmAzônIACONNECTION

DE pORTuGAL pARA A fLORESTA AMAZÔNIcA Todas as línguas faladas no mundo possuem uma musicalidade própria. Pelos ritmos e melodias presentes em cada ObsERvAÇÃO

O físico Paulo de Souza monitora abelhas na Amazônia e na Austrália e tenta descobrir as causas do crescente desaparecimento desses insetos no mundo

AbELhAS pODEM RENDER pRÊMIO A pESquISA DO ITV O projeto de monitoramento de abelhas com microssensores, realizado pelo Instituto Tecnológico Vale (ITV) em parceria com a Agência de Desenvolvimento Científico da Austrália (CSIRO), concorre ao prêmio The Australian Innovation Challenge. O estudo, coordenado pelo físico e professor-visitante do ITV de Belém, Paulo de Souza, é executado na Amazônia e no estado australiano da Tasmânia, com o objetivo de descobrir por que de as populações de insetos estarem morrendo duas vezes mais rápido do que alguns anos atrás e en-

contrar as causas do chamado Distúrbio de Colapso de Colônias (CCD, na sigla em inglês). Nos Estados Unidos, o problema já provocou a morte de 35% desses insetos criados em cativeiro. A premiação é promovida pelo jornal australiano “The Australian” em colaboração com a Shell e o resultado será divulgado no dia 29 de novembro. Em julho deste ano, a pesquisa foi a reportagem de capa da revista Amazônia Viva, quando se mostrou parte da pesquisa desenvolvida na região, no município de Santa Bárbara do Pará.

uma delas é possível definir as chamadas famílias linguísticas, grandes grupos em que as línguas de mesma origem estão presentes. Para estudar esse fenômeno do campo da linguística, conhecido como prosódia, foi criado o projeto de pesquisa internacional Atlas Prosódico e Dialetal (Amper), coordenado na região Norte pela pesquisadora da Universidade Federal do Pará (UFPA), Regina Cruz. O convite partiu da pesquisadora portuguesa lurdes Moutinho, responsável pela pesquisa na Universidade do Aveiro. Além do Brasil e Portugal, França e Itália também participam do estudo, que tem como foco duas diretrizes: fornecer um panorama geral de como se comportam prosodicamente as línguas latinas e fornecer um banco de dados com amostras de fala comparáveis disponíveis on-line. “No caso específico do português, o projeto contempla três grandes variedades do idioma, o falado no Brasil, o falado em Portugal e o falado nas ilhas dos Açores e Madeira Insular”, explica Regina Cruz. De acordo com a estudiosa, o Pará não poderia ficar de fora deste mapeamento, devido a grande variedade de “sotaques” que existem e precisam ser catalogadas

ANDRé ABREU

XIXI pOLuENTE

no País. Até agora, o projeto Amper-Norte já possui

Os resíduos de medicamentos eliminados na urina humana chegam até os

amostras de fala de Belém, Bragança,

rios e impactam a vida selvagem. Estudos identificaram peixes machos que

Baião, Cametá, Abaetetuba, Mosqueiro,

adotam características femininas e até aves que perdem a vontade de comer

Curralinho, Mocajuba e Santarém, todos

por causa da poluição farmacêutica. As pequenas mudanças podem com-

no Pará.

prometer as espécies e geram discussão sobre o uso crescente de remédios. NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 13


primeiro Foco

ENERGIA

A Subestação de Parauapebas fornece

INVENTO INFOgrAFIA: MárCIO eUClIDeS

pARAuApEbAS

de desde que foram concluídas as obras

ApANhAR AÇAÍ AGORA fIcOu MAIS SEGuRO

de modernização e ampliação, realizadas

Os coletores de açaí esbanjam agilidade ao colocarem a peconha nos pés e escalarem as

em parceria pela Celpa e pela Vale. A nova

palmeiras, em uma tradição que passa de pai para filho nas comunidades ribeirinhas. No

subestação tem capacidade para 60 me-

entanto, tirar os cachos a 10, 15 metros de altura é uma atividade perigosa. Para reduzir o

gavoltamperes (MVA), trazendo melhorias

risco de acidentes, o agricultor e mecânico Trajano Alves, de Tucuruí (PA), desenvolveu uma

significativas nos níveis de tensão e na

máquina que auxilia a fazer a coleta com segurança. Ela tem uma base com roldanas e lâmi-

redução de oscilações e interrupções do

nas, que é fixada no açaizeiro. As hastes vão sendo fixadas até chegar à altura desejada. Um

fornecimento, deixando o sistema mais

sistema de alavancas e travas permite que o cacho seja cortado e trazido ao solo, moderni-

confiável. O convênio entre as empresas

zando o trabalho. A ideia surgiu há três anos, quando o inventor decidiu plantar açaí e pensou

permitiu um financiamento de R$ 31

na dificuldade que teria quando chegasse o tempo da colheita. Até agora, ele já fabricou três

milhões, disponibilizados pela minerado-

dispositivos e busca investimento para comercializar a invenção em larga escala.

energia elétrica para cerca de 250 mil habitantes, incluindo os moradores do município de Canaã dos Carajás. As famílias recebem um serviço de mais qualida-

ra, que permitira a construção de mais de 60 km de linha de transmissão em 138 kV entre Parauapebas e Canaã dos Carajas,

Sem peconha

ampliação e modernização da Subestação Parauapebas e construção de uma nova subestação em Canaã dos Carajas. Com essas obras será possível disponibilizar energia para a região com qualidade e confiabilidade compatíveis com o elevado crescimento do mercado consumidor da região, por um longo período.

OZÔNIO

AuMENTO Pela primeira vez em 35 anos, cientistas constataram um aumento significativo nos níveis de ozônio, o que indica que a

1

A base da máquina é feita de roldanas, que devem ser presas no açaizeiro ajustando à largura do tronco com um sistema de molas.

3

Quando a máquina chegar à base do cacho, o apanhador acionará uma alavanca que fará as lâminas localizadas na extremidade do equipamento se movimentarem como uma tesoura, cortando o cacho.

2

Após a fixação, é preciso encaixar uma haste que será ligada a outras em sentido vertical, a fim de atingir a altura onde se encontram os cachos de açaí.

frágil camada começa a se recuperar. A Organização das Nações Unidas apontou a progressiva eliminação, desde a década de 1980, de alguns elementos químicos de latas de refrigerantes e aerossol como um fator decisivo.

COSMéTICOS

pESquISA Para elaborar cosméticos inovadores à base de caulim, açaí e buriti, a perfumaria Chamma da Amazônia conta com parcerias em pesquisa e tecnologia, como a Universidade Federal do Pará, o Centro de Biotecnologia da Amazônia e a mineradora Imerys. 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

4

A máquina manterá o galho preso entre as lâminas , segurando o cacho. O apanhador puxará o cabo ligado às hastes, trará a extremidade do equipamento para baixo e poderá apanhar o açaí com segurança, sem risco de acidentes.

FONte: glOBO rUrAl

NOVEMBRO 2014


lOURIVAl TYSKI / PZV

ONÇAS SE chAMAM ThOR E pANDORA Mais de nove mil pessoas se mobilizaram para escolher os nomes dos dois filhotes de onça que nasceram no Parque Zoobotânico Vale (PZV) este ano. Os novos habitantes são irmãos, sendo a fêmea de pelagem preta, e o macho, pintada. Ela agora atende por Pandora e ele recebeu o nome de Thor. Os animais foram batizados depois de uma votação feita pela internet, em que os participantes podiam escolher entre várias opções, algumas como Mística e Wolverine ou Carajás e Cauê. As sugestões foram feitas por empregados diretos e terceirizados da Vale e os nomes vencedores receberam 2.387 votos. Em dez dias de concurso, um total de 9.185 votos foram computados. O Parque fica na Floresta Nacional de Carajás, onde os felinos recebem atenção especial e vivem com a mãe. Com mais de 15 quilos cada um, eles já estão chegando ao final da fase de amamentação e começam a se alimentar de carne.

PERgUnTA-SE

LEITE MATERNO pODE cuRAR A DOR DE OuVIDO? O leite materno é, indiscutivelmente, o melhor alimento para bebês e crianças pequenas, pois, além de nutrir, reforça as defesas do organismo. Mas daí a dizer que cura otites, aquelas dolorosas inflamações nos ouvidos é exagero. Porém, esse hábito é mais do que comum, apesar de não haver qualquer relação possível dos efeitos sobre sua eficiência. O médico Francisco Palheta, coordenador do Serviço de Otorrinolaringologia do Hospital Universitário Bettina Ferro de Souza, referência da área no Brasil, explica que a prática trata-se de mais uma lenda da nossa região. “Minhas raízes familiares vêm do município de Vigia de Nazaré e desde minha infância ouço falar no uso do leite materno, bem como na andiroba, copaíba, cabacinha e muitas outras

bATIZADAs

As onças nasceram este ano no Parque Zoobotânico Vale e os novos nomes foram escolhidos com 2.387 votos dos internautas

possíveis opções terapêuticas para a otite. Como médico, passei a lidar diariamente com esses relatos em meu consultório. No entanto, até o momento, nenhuma comprovação científica foi obtida”, afirma. “O tratamento da otite externa é o uso de gotas otológicas com antibióticos e corticoides, na maioria das vezes. Em alguns casos, analgésicos também podem ser utilizados. Uma alternativa de prevenção é o uso de protetores auriculares de silicone”, diz Palheta. PITER2K / SXC.HU

INTESTINO MINúScuLO Pela primeira vez, um grupo de cientistas norte-americanos conseguiu

ANDRé ABREU

cultivar um intestino humano em miniatura dentro de um rato, a partir de uma única célula-tronco. Segundo eles, o pequeno órgão seria capaz de realizar suas funções normais, o que pode tornar possível a

mANDE A suA pERguNTA

Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

criação de tecidos de substituição dentro do organismo do paciente. NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 15


Quem É?

MáRcIO NuNES

BIÓLOGO IDEALIZOU UM CENTRO DE INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NO INSTITUTO EVANDRO CHAGAS

ROBERTA BRANDãO

TEXTO BRUNO ROChA FOTO ROBERTA BRANdãO

G

raduado em biomedicina pela Univerisdade Federal do Pará, o pesquisador Márcio Nunes teve seu primeiro contato com o Instituto Evandro Chagas ainda no início da graduação. E foi lá que ele teve a noção do que realmente é “fazer ciência”. “Na fase acadêmica a gente pouco sabe aquilo que se quer fazer. Foi quando em um estágio voluntário, eu fui apresentado à seção de arbovirologia do Instituo e de lá jamais sai. Fui cientificamente criado no Evandro Chagas”, brinca o pesquisador, que teve um começo precoce na área. Por causa da dedicação às pesquisas e ao Instituto, Márcio teve grande apoio da gestão quando idealizou a construção do Centro de Inovação Tecnológica do Instituto Evandro Chagas em 2008. O projeto era ambicioso e abarcava a maior parte da biodiversidade e de animais envolvi-

16 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

dos no ciclo de manutenção de arbovírus e de vírus zoonoses. “Quando o projeto não pode mais ser financiado pelo BNDES quem nos amparou foi o Instituto”, conta o pesquisador. E assim começou-se a desenhar o Centro, que hoje tem um núcleo de genômica molecular, proteômica, bioinformática, nanotecnologia e genética por imagem. Além de coordenar o local, é no centro que Márcio Nunes desenvolve a pesquisa que analisa as patologias relacionadas às bactérias. “Através dos estudos nós conseguimos identificar o plasmídeo que carrega o gene da enzima KPC (Klebsiella Pneumoniae Carbapenemase), o fator que confere a resistência a antibióticos durante o tratamento de infecções”, explica. Isso significa que, entre outras coisas, agora é possível um tratamento clínico correto de pacientes de UTI, por exemplo, que comumente so-

frem de infecções de bactérias com o fator plasmidial de resistência. “Podemos dar uma sobrevida a esses pacientes e até reverter quadros antes irreversíveis”, afirma Márcio. Outra importante pesquisa é com as bactérias endofíticas do açaí. “Nós encontramos no fruto uma (bactéria) Lactococcus, que tem na sua via metabólica um direcionamento de ser um bom produtor de biocombustível. Ou seja, biocombustível produzido no Pará e de baixo custo”. O pesquisador assegura que “o Centro tem a missão de também trabalhar a questão socioeconômica da região e isso seria uma contribuição muito grande para a sociedade”. “Costumo dizer que minha história começa aqui no Instituto. Se eu continuei é porque é o que gosto de fazer. E durante esses anos, ainda em formação, cresci muito, tanto em valor científico quanto humano”, reconhece Márcio Nunes.

NOmE

Márcio Roberto Teixeira Nunes

IDADE 40 anos

FORmAÇÃO

Doutor em Biologia de Agentes Infecciosos

TEmpO DE pROFIssÃO 17 anos


eu diSSe

APPLICATIVoS

bOAS IDEIAS NuM TOquE DE DEDOS

“A solução está nas mãos de cidadãos e companhias privadas. Se houver uma chamada desses setores os governos vão realizar mais ações”.

SLEEPBOT - SLEEP CYCLE ALARM

Penny Davis, especialista em políticas climáticas da Fundação Ford, sobre a Cúpula do Clima realizada em Nova Iorque no dia

Não custa nada apelar para a tecnologia na

23 de setembro. (Cienciahoje.uol.com.br)

busca do sono. Este app cria um perfil com-

DIVUlGAÇãO

pleto do usuário para lembrá-lo do horário

“Temos muito a aprender com as experiências e as boas práticas daqui”.

certo de dormir e acordar de forma saudável, respeitando os ciclos de sono. Também há estatísticas de descanso, além de informações sobre roncos e débitos de sono. Plataforma: iOS Preço: Gratuito

Filipe Silvino Zau, reitor da Universidade Independente de Angola, em visita à UFPA

para iniciar um acordo de cooperação entre as duas instituições. (Portal UFPA)

“Durante o processo de produção do brinquedo de miriti é feita a elaboração das representações da cultura amazônica”.

DUOLINGO Aprender uma segunda língua é necessário para comunicação eficiente. E aprender brincando é o objetivo desse aplicativo. Várias lições de inglês e espanhol estão disponíveis

Ivamiltom dos Santos, pesquisador da UFPA, sobre os brinquedos de miriti como patrimônio cultural.

de forma progressiva e divertida através de

(Revista Eletrônica Educação, Cultura e Sociedade)

minijogos. Possui medidores de aprendizado e estatísticas para melhoria do app. DIVUlGAÇãO

Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito

TUNEIN RADIO Quem achava que as músicas em mp3 poderiam ameaçar o mundo das rádios, se enganou, pois elas estão muito operantes

“É evidente a importância de estudar todo tipo de vida, ainda mais em um país tão importante como o Brasil, pois não sabemos os segredos que podem ser revelados”.

e cada vez mais variadas. Com esse app, cerca de 100 mil rádios no mundo podem ser acessadas, mesmo as AM ou comunitárias, sem qualquer problema com sinal ou qualidade de áudio. E como a palavra de ordem no universo mobile é interação, é possível comentar e indicar programações. Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito

Martin Chalfie, Nobel de Química, sobre o estudo de proteínas em uma palestra no Rio de Janeiro. (Portal Uol) FONTES: PlAY STORE E ITUNES

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COMO FUNCIONA

O tipiti para secar a massa da mandioca TEXTO E ILUSTRAÇÃO SÁVIO OLIVEIRA

Em 1944, durante a II Guerra Mundial, o

mesmo tempo em que o objeto expelia

disse que não haviam, pois a prensa era

O causo, contado no livro Panorama da

oficial norte-americano Zacary Murray

um sumo pelas frestas, secava a massa

tecida por ela. Inconformado, comprou

Alimentação Indígena, de Nunes Perei-

visitava uma casa em Benevides, no

armazenada no seu interior, transfor-

o aparelho por 50 dólares e pediu um

ra, revela a engenhosidade amazônica

Pará, quando viu uma senhora extrain-

mada em farinha. Intrigado, o curioso

facão para cortar e verificar. Ao abrir o

que se desenvolveu para a produção

do mandioca com um instrumento

militar questionou onde estariam as

tipiti de dona Vininha, Murray só encon-

dos derivados da mandioca, como

que se comprimia e se expandia. Ao

molas do instrumento. Dona Vininha

trou massa de mandioca.

bolos, caldos, farinha e mingau.

ESPREME-ESPREME

O tipiti é uma máquina artesanal de torção típica da Amazônia

4 Segurando nas alças, é preciso fazer um

1

movimento gradual de

O tipiti, do tupi “tipi”:

pressão interna do tipiti,

espremer, e “ti”: líquido,

o sumo da mandioca

é um tipo de prensa indí-

é expelido através das

gena trançada com tala

aberturas do trançado.

de vegetais como arumã,

O caldo extraído é tóxico

cipó-imbé, jacitara ou

e precisa ser fervido

jaruari.

para ser usado como

compressão e distensão. Com o aumento da

tucupi.

2 De formato tubular e afunila-

5

do, o tipiti é usado depois da

É o formato de trançado

colheita e ralação da mandio-

que faz com que a parte

ca. Geralmente tem de um a

sólida da mandioca, a

dois metros de comprimento,

farinha, seja separada

com cerca de 15 centímetros

da parte líquida, o tu-

de diâmetro.

cupi. Ao mesmo tempo que dá elasticidade e

3

solidez para que o tipiti seja um objeto polivalente.

O primeiro passo é colocar a massa úmida, formada no processo inicial de preparo da mandioca, na boca do tipiti, até encher. O tipiti pode ser posicionado na vertical, fixado em um tronco ou haste, ou horizontal, se for usado por duas pessoas. 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

FONTE: A MANDIOCA NA AMAZÔNIA, SUPERINTENDÊNCIA DO DESENVOLVIMENTO DA AMAZÔNIA (SUDAM), MINISTÉRIO DO INTERIOR, MILTON ALBUQUERQUE; HILEIA AMAZONICA, GASTÃO CRULS; PANORAMA DA ALIMENTAÇÃO INDÍGENA - COMIDAS, BEBIDAS & TÓXICOS NA AMAZÔNIA BRASILEIRA. NUNES PEREIRA; REVISTA NOSSO PARÁ, Nº 7, DEZEMBRO 2000.


DEU N’o LIBERAL REPRODUÇãO / O lIBERAl

ACERVO / MUSEU GOElDI

Fato regiStrado

A pOlÊmIcA clONAgEm NA DÉCADA DE 90

Vida dura de um seringueiro no século XX A foto pertence ao acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, foi feita com negativo de vidro entre 1905 e 1910 e está relacionada ao acervo do botânico suíço Jacques Huber, da instituição, especialista também em seringa e borracha. Naquela época, muitos colonos dos interiores da Amazônia extraiam o látex das seringueiras por processo artesanal e sem cuidados com proteção. Observa-se a cabana feita com

varas e folhas de palmeiras que era utilizada para o trabalho de preparação das bolas de borracha. As matas eram mais conservadas e os seringueiros constantemente estavam vulneráveis à ação de insetos hematófagos, que se alimentam de sangue, como carapanãs, tatuquiras, maruins, piuns, mutucas e barbeiros. Com isso, eles tinham de suportar os incômodos de doenças como malária, febre amarela, viroses e

cIDADÃO DA mATA A mão de obra dos seringueiros foi muito importante para a economia na Amazônia

outras enfermidades. Para ser um seringueiros naquela época era preciso transitar de seringueira em seringueira floresta a dentro. Além de árdua, o ofício dependia de pessoas corajosas e destemidas para desbravar as matas virgens e a vida selvagem com sua rica biodiversidade praticamente intacta. Hoje, vislumbra-se que uma nova produção sustentável da borracha reviva na Amazônia contemporânea.

Há muito tempo presente nas histórias de ficção científica, a clonagem de seres vivos sempre foi considerada um dos mais altos graus da evolução da Ciência e também um grande tabu ético. Mas essa barreira foi quebrada e, no dia 5 de julho de 1996, nasceu na Escócia o maior dilema científico à época, a ovelha Dolly. Apesar de ter nascido em 1996, a experiência somente foi divulgada um ano depois e na quartafeira, dia 26 de fevereiro de 1997, O LIBERAL publicou uma extensa reportagem sobre os desafios éticos e os benefícios daquela experiência que dividiu o mundo. Com uma página exclusiva para o assunto, o jornal mostrou, com a repercussão dos paraenses, a discussão gerada pelo embriologista Ian Wilmut, do Instituto Roslin de Edimburgo, um dos responsáveis pela clonagem. Para ele, o progresso trazido por Dolly poderia permitir importantes avanços na compreensão de enfermidades humanas e animais. Naquela ocasião o debate sobre as possibilidades de clonar seres humanos também veio à tona.

NOVEMBRO 2014

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 19


CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

Diferente de muitas aves que gostam de se manter em pares ou colônias, o socozinho (Butorides striatus) prefere manter hábitos mais solitários. Exímio pescador e caçador, ele é retratado, por exemplo, no “Carimbó do Socó”, do cantor Pinduca. Trata-se de uma figura inconfundível, de pernas curtas, finas e andar agachado de passos largos, como se estivesse o tempo todo observando e preparando um bote aos incautos peixes, anfíbios, répteis, crustáceos e pequenos insetos dos quais se alimenta em quaisquer áreas que tenham água, entre elas, manguezais. O pescoço sempre encolhido também mostra um jeito desconfiado, de poucos amigos e como se esperasse que o perigo pudesse vir de qualquer lugar, mesmo de semelhantes. Durante quase todo o ano

é uma ave solitária, começando a se aproximar de outras da própria espécie no período reprodutivo. Mas, até na hora de fazer os ninhos, prefere ficar mais afastado. Quando os filhotes nascem, o período de solidão também é reduzido para cuidar das crias, porém, sendo ensinados a se virarem sozinhos. Curiosamente, o socozinho costuma migrar bastante. E também, como se curtisse uma “fossa amorosa” ou tristeza, gosta mais de dias frios, chuvosos e escuros. Só que Pinduca, em seu carimbó, usou de licença poética sobre o hábito do B. striatus ao contar a desventura de sete socós que chegam a ficar no mesmo ponto do rio esperando por peixes. Na realidade, eles não ficam tão reunidos assim numa mesma pescaria, ainda mais se ela “não dá boa”.

carlos borges

Socozinho, um solitário

pescador só

O socozinho é um hábil caçador, apesar da aparência desengonçada

ELES SE ACHAM

Insetos da espécie Cladonota são verdadeiras figuras, metidos a curadores das próprias obras de arte que carregam nas costas. Essa estrutura é chamada de pronoto, que varia de formato, tamanho e peculiaridade entre cada subespécie. Alguns têm formas de objetos, paisagens e de outros animais, mas algumas formas são tão abstratas que é difícil tentar encontrar a semelhança com alguma coisa, parecendo arte moderna, para nenhum Picasso, Ma-

20 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

tisse, Tarsila do Amaral ou qualquer premiado do Arte Pará botar defeito. Esses insetos pertencem à família Membracidae. O exemplar da foto é local, uma Cladonota amazonica, descrita em 1978. Se for observado com calma, o pronoto parece uma folha seca, mas a interpretação é livre. Tanto para humanos quanto para os animais, pois o inseto se camufla e fica imóvel para sugar a seiva dos caules de diversas plantas. Uma obra de arte da natureza.

abstrato

Insetos da espécie Cladonota se transformam em obras de arte da natureza

cesar favacho / museu goeldi

Metidos a artistas plásticos


deSenhoS naturaliStaS

ConCEIToSAMAZÔNICOS REPRODUÇãO / MUSEU GOElDI

sINcRONIA NA mARé DE sIZígIA DA REgIÃO Apesar de possuir ondas de poucos pés, a ilha de Mosqueiro, em Belém (PA), se torna a meta de surfistas habituados ao litoral de água salgada em um determinado período do ano. Chega a ser místico o momento, por ser resultado do alinhamento de uma estrela, um planeta e um satélite: é preciso que Terra, lua e Sol estejam em sintonia para que o fenômeno da maré sizígia ocorra. Como se sabe, as marés são diretamente influenciadas pelo ciclo lunar, mas não apenas isso porque a ida e a vinda das águas são

O jenipapo segundo a Flora Brasiliensis Pertencente à família Rubiaceae, a árvore chega a 14 metros de altura, com uma série de aplicações: sua casca tanífera serve ao curtimento de couros e como medicamento caseiro para problemas gástricos e pulmonares, além de servir ao combate da malária devido ao sulfato de quinina. A madeira é utilizada na feitura de gamelas; seu fruto, além da tinta, na produção de doces e licores. Afora o uso na recomposição florestal e no paisagismo urbano. Essa ilustração foi reproduzida pela primeira vez na Flora Brasilienses, que contêm 15 volumes sobre as plantas brasileiras, como diz o nome. A obra foi produzida na Alemanha, entre 1840 e 1906, além de

FRuTO bRAsIlEIRO

O jenipapo tem um cheiro forte e é bastante usado na gastronomia regional

principalmente lunar, mas também solar. No encontro dos três corpos celestes, há uma, digamos, “amplificação” desse campo, criando uma supermaré. Para o fenômeno, a lua também deve estar no seu auge, tanto na lua cheia quanto na lua nova. Por isso, o fenômeno ocorre, há geralmente duas grandes

von Martius, pelos editores August Wilhelm Eichler e Ignatz Urban, com um total de 65 especialistas de vários países. Os desenhos são do brasileiro Joaquim José Codina. Patrocinado pelos imperadores de Áustria e Brasil, além do rei do então reino da Baviera, o livro contém a marca de 27.767 espécies, sendo a maior parte do filo dos angiospermas. Os 15 volumes dividem-se em 40 partes, totalizando 10.367 páginas e, ainda, 3.811 litografias. E mais: as descrições taxonômicas são todas em latim. Uma edição completa da obra está guardada na coleção de obras raras do Museu Paraense Emílio Goeldi, em Belém (PA).

marés, de dois a três dias após o plenilúnio. Durante a maré sizígia, há um aumento da zona de espraiamento, já que a baixamar é muito mais “baixa” e a preamar é muito mais “prea”. Muita coisa se revela nesse período: a praia se agiganta! No trapiche do ribeirinho ou na embarcação do pescador de Salinas, o fenômeno tem outros nomes conhecidos: é água-viva, maré-de-lance, maré-de-lua. Água-ruim, água-tufada. é lançante!

SÁVIO OlIVEIRA

A ilustração da espécie Genipa americana faz parte da obra Flora Brasiliensis, até hoje considerada uma “bíblia” para os botânicos. Em 1817, o futuro imperador do Brasil, príncipe dom Pedro, casaria com a grã-duquesa Maria Leopoldina de Áustria. Durante os festejos, uma expedição científica (1817-1820) desembarcou na então colônia portuguesa, trazendo entre os naturalistas o botânico alemão Carl Friederich Philipp von Martius. Genipa americana é o nome científico do famoso jenipapeiro, não mais conhecido que um subproduto seu, a tinta de jenipapo, usada em grande parte das pinturas indígenas no Brasil.

também resultado do campo gravitacional,

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JANINE BARGAS

em nÚmeroS

pARá

TERRA DOS QUILOMBOLAS TEXTO VICTOR FURTAdO INFOGRAFIA MÁRCIO EUCLIdES

No Pará, existem 56 terras quilombolas

“O Pará tem identificadas 420 comunidades

abastecimento de água e fornecimento

tituladas, somando 48,7% dos 115 títulos

quilombolas, mas apenas 118 regularizadas

de energia, além de serviços de saúde. Há

distribuídos pelo Brasil, liderando o ranking

com títulos. O Estado é o que mais tem

inclusive algumas áreas que já têm projetos

nacional. Até 2011, foram expedidos pelo

terras regularizadas no País “, diz o coorde-

federais de habitação do governo federal.

Instituto de Terras do Pará (Iterpa) e pelo

nador administrativo da ONG Malungu, José

“Ao menos com o protocolo de titulação já

Instituto Nacional da Colonização e Reforma

Carlos Galiza.

conseguimos água e luz. Mas o importante

Agrária (Incra) 58 títulos de terras para 126

Para ele, o processo de titulação garante

é que o título é proteção e reserva das terras

comunidades do Estado.

proteção e acesso a políticas públicas, como

dos quilombolas”, afirma Galiza.

MuNIcÍpIOS NEGROS

As famílias quilombolas se dividem em comunidades no Estado ORIXIMINÁ

ÓBIDOS

comunidades

comunidades

13 6 432 445 famílias

ALENQUER

1 115

comunidade

famílias

famílias

GURUPÁ

9 332

comunidades

famílias

BAIÃO

2 28

comunidades

famílias

OEIRAS DO PARÁ E BAIÃO*

4 112

comunidades

CAMETÁ

2 99

comunidades

famílias

MOCAJUBA

ACARÁ

ABAETETUBA

comunidades

comunidades

5 11 266 1.005 famílias MOJU

7 11 400 536 comunidades

famílias

comunidades

famílias

famílias

ÓBIDOS E ORIXIMINÁ*

17 308

SANTA ISABEL DO PARÁ

1 33

comunidades

comunidade

famílias

famílias

INHANGAPI

3 84

comunidades

famílias

SÃO MIGUEL DO GUAMÁ

2 47

comunidades

famílias

famílias

ANANINDEUA

BAIÃO, OEIRAS DO PARÁ E MOCAJUBA*

13 565

comunidades

famílias

CAPITÃO POÇO

1 10

comunidade

famílias

1 53

MOJU E ABAETETUBA*

SANTA LUZIA DO PARÁ

comunidades

comunidade

CONCÓRDIA DO PARÁ

famílias

famílias

comunidade

famílias

1 100 comunidade

famílias

3 76

* Comunidades que abrangem mais de um município

1 27

TRACUATEUA

1 45

comunidade

famílias VISEU

2 22

comunidades

famílias

CACHOEIRA DO PIRIÁ

3 104

SANTA MARIA DO PIRIÁ

comunidades

comunidade

famílias

1 55 famílias

BAIÃO E MOCAJUBA*

2 146

comunidades

famílias

22 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

NOVEMBRO 2014

PARÁ


NEGRITuDE bRASILEIRA

Pará lidera em quantidade de títulos de terras quilombolas no País

Amapá

3

Pernambuco

Pará

56

2

Maranhão

23

Piauí

Rondônia

1

5

Goiás

1

Mato Grosso

4

Bahia

5

Sergipe

1

Minas Gerais

1

Mato Grosso do Sul

1

São Paulo

6

Rio de Janeiro

3

Rio Grande do Sul

3

Total

115

FONte: INStItUtO NACIONAl De COlONIzAçãO e reFOrMA AgrárIA (INCrA), INStItUtO De terrAS DO PArá (IterPA) e FUNDAçãO CUltUrAl PAlMAreS, COOrDeNAçãO DAS ASSOCIAçõeS DAS COMUNIDADeS reMANeSCeNteS De qUIlOMBOS DO eStADO DO PArá (MAlUNgU)

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OLHARES NATIVOS

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expedicaoamazonia.com.br

A estrita relação do amazônida com a água Os peixes-homens na densidade líquida, na rua-rio de todo dia, de toda tarde depois das duas, que na memória dos banhos ao léu de encharcar a alma, numa estrada para a ilha de Mosqueiro, com os cântaros despejados das nuvens cinza, quase pretas, de tão pesadas, de tão úmidas a envolver a cidade. À Amazônia, sinônimo; aos de fora, deslumbre; às palafitas, pavor; a quem espera, incerteza; a quem dorme, ruído; a quem casa, bênção; a quem vai, barreira; ao velho, lembrança; ao adulto, transtorno; à criança, brinquedo; à mulher, despenteio; ao homem, planta; a quem chora, disfarce; ao bebê, medo; a quem brinca, vida. Toró, temporal, aguaceiro, pau d’água, bátega, borrasca, dilúvio, ela, sempre ela, a nos cercar, a engravidar o chão, a encaudalar os rios, a voltar ao mar, a alimentar as árvores, a lavar as almas, a exalar um cheiro inconfundível quando vem e quando vai. Bem-vinda, querida, temida, assustadora: que a chuva nunca nos falte. FOTO: FERNANDO SETTE

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OLHARES NATIVOS

Purificação, mistério e dádiva Nela está a clareza das ideias, a pureza do corpo, o sal do mar. Significa maleabilidade para encontrar os caminhos, a perdição aos navegantes sem bússola, a tranquilidade na calmaria do lago e a alegria singela no encontro vulgar de um banho. E a floresta, como a Grande Mãe a proteger quem dela vive, a refrescar em umidade e sombra quem nela está, a filtrar o céu claro e se alimentar da luz para manter o planeta vivo e verde, pintado de suas copas erguidas e apontadas para o infinito. FOTOS: CARLOS BORGES

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Na noite anterior ao Círio Na espera da santinha, noite escura na capital em dia de Trasladação, o menino, erguido pelo pai, se perde em pensamentos, cena comum e tocante em tempos de beleza espalhada por toda cidade em que os anjos abençoam. FOTO: LEONARDO MAGNO

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OLHARES NATIVOS

Gigante dos rios da Amazônia Sob o sol alto, na pachorra das beiras, ele reina, bruto, bravo, silencioso, dono do pedaço, vestígio vivo de eras passadas, a couraça firme, os olhos de choro falso, as patas curtas e velozes, a cauda pronta e um sorriso fixo que impõe presença. FOTO: HELY PAMPLONA

Serpentes, símbolos dualistas A beleza viva das escamas esverdeadas, confundidas com o verde do mato, visão hipnotizante, biblicamente instigante, dos animais estigmatizados pelo pecado e o flerte com a sabedoria e desvendamento dos mistérios do mundo. FOTO: HELY PAMPLONA 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Viver uma fé sem medidas A medida da crença dependura no olhar profundo da Virgem e Santa, um sinal evidente da devoção presente dentro de casa, das muitas casas devotas, das muitas senhoras que rezam no fim de tarde pedindo perdão e agradecendo por graças alcançadas. FOTO: FERNANDO SETTE

Céu dourado sobre o rio Amazonas O sol, em movimento natural, esconde-se e vaidosamente e decide que as águas não terão mais suas cores do dia todo: a explosão de amarelos, laranjas, vermelhos, lilases cobrem a superfície para felicidade de quem testemunha o fim de tarde às margens do Amazonas. A foto foi enviada pelo leitor NELSON CHADA.

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OLHARES NATIVOS

O açaí nosso de cada dia Por trás do sumo vermelho, quase roxo, o trabalho duro dos homens que buscam nas palmeiras mais altas os pequenos frutos, atravessam os rios para regatear dos trapiches e feiras, tarefa diária até que o vinho espesso, símbolo da cultura paraense, chegue à mesa. FOTO: HELY PAMPLONA

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o email amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome do fotógrafo, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto da obra. As fotografias devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das imagens tem fins meramente de divulgação, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos fotógrafos. Participe!




99% da água utilizada no processo de produção do concentrado de cobre é reaproveitada na operação do Sossego.


Exposição

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OPINIãO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E sOluÇõEs OSwAlDO FORTE

IDEIASVERdES

NA RODA DO cARIMbó

O RITMO TIpIcAMENTE pARAENSE TORNOu-SE pATRIMÔNIO cuLTuRAL IMATERIAL DO bRASIL. AGORA, é pREcISO DAR cONTINuIDADE AO LEGADO pAÍS ADENTRO. PágInA 38

SAÚDE o médico hilton Silva apresenta propostas de como se vencer os desafios na atenção básica às famílias ribeirinhas. Pág.36

mEIo AmBIEnTE pesquisa do instituto tecnológico Vale monitora os recursos hídricos da bacia do itacaiúnas no sudeste do pará. Pág.46

DIgnIDADE mulheres que moram em áreas remanescentes de quilombos debatem sobre o papel nas negras na atual sociedade. Pág.50

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OUTRAS CABEÇAS

D

esenvolver um trabalho que atenda a população amazônica em sua totalidade é um desafio proporcional à extensão da região. Com milhares de quilômetros separando os centros urbanos dos povos tradicionais, se faz imperativo lançar um olhar particular e cuidadoso sobre esses grupos. Indígenas, quilombolas, ribeirinhos e famílias que sobrevivem do trabalho rural acompanham à distância o crescimento populacional vertiginoso das cidades e, apesar dos obstáculos, como a logística, a região já comemora alguns avanços no acesso à saúde pública. Atualmente, a cobertura de vacinações dos habitantes amazônicos é superior a 90%. Outros estudos dão conta que há uma redução significativa da mortalidade materna e infantil, um aumento da atenção ao pré-natal e atendimento médico de saúde primária e especializada, além do acesso a outros serviços de saúde, como exames preventivos e diagnósticos. No entanto, para garantir o que preveem os direitos constitucionais da legislação brasileira, existe um longo caminho a ser percorrido pelos órgãos municipais e estaduais. Para esclarecer os entraves e progressos do processo de implementação de programas que contribuam com o acesso à saúde das populações na Amazônia, o médico Hilton Silva, pesquisador da Universidade Federal do Pará (UFPA), mestre em saúde pública e doutor em bioantropologia, fala de como se vencer as dificuldades nessa área. Como garantir o acesso à saúde em comunidades distantes dos centros urbanos? É um grande desafio. Na Amazônia, o deslocamento é fundamentalmente via fluvial, e isso tem um custo extraordinário, porque não há um sistema público de transporte fluvial. Então as pessoas dependem de recursos próprios para chegar até os serviços. Temos uma 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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“Instituições de saúde estão se esforçando” Para o médico Hilton Silva, da Universidade Federal do Pará, assegurar o acesso de populações tradicionais à saúde é um desafio a ser vencido na região, mas os avanços começam a despontar no cenário LOCAl TEXTO Natália Mello FOTO roberta brandão


quantidade limitada de rodovias também, muitas sem transporte regular. Isso tudo faz com que o deslocamento seja ainda complicado para se ter acesso aos serviços de saúde. Quais políticas têm sido direcionadas para povos indígenas, quilombolas e caboclos? As populações caboclas não possuem nenhuma política específica. Quanto às quilombolas, há a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da População Negra, em fase de implementação no Pará. No ano passado, fizemos um seminário, onde o Estado se comprometeu com a implementação dessa política, o que é um passo importante. Quanto aos índios, existem os distritos sanitários especiais indígenas, e que agora estão recebendo suporte do programa Mais Médicos. Com isso, estão atingindo um número maior de comunidades indígenas e atendendo-os de maneira adequada. As populações do interior sofrem doenças consideradas urbanas, como hipertensão, diabetes e obesidade? Também é outro desafio que nós enfrentamos de maneira particular na região Norte. Há certa crença que eles sofrem de outras doenças, mas os nossos estudos têm demonstrado que há um aumento nos percentuais de hipertensão, obesidade, diabetes, depressão e outras doenças consideradas das áreas urbanas, nas populações rurais. Em paralelo a isso, você tem ainda a prevalência das doenças infecto-parasitárias, então a população amazônica, como grande parte da população rural do Brasil, carrega o que nós chamamos de carga dupla de doenças. Isso faz com que essas populações passem por um processo ainda mais difícil. O que tem contribuído para que essas populações contraiam essas doenças? Um conjunto de benefícios acaba chegando a essas comunidades com um impacto que não foi planejado. Quando começa a ter eletricidade nas comunidades, as pessoas compram, logo depois da televisão e do aparelho de som, a geladeira, a

inclusive as urbanas da região.

“As empresas podem dar apoio, desde a manutenção de praças para facilitar as atividades físicas das pessoas até a construção de unidades básicas de saúde” máquina de lavar, então há a diminuição do padrão da atividade física dessas pessoas. Elas deixam de cultivar sua comida tradicional ou ir pescar para comprar comidas processadas ou pré-processadas. Enquanto isso, as condições de saneamento mudaram muito pouco, existe a falta de acesso à água de qualidade, esgoto, convivência com condições sanitárias de insalubres. São contrastes que facilitam umas coisas e não facilitam outras. Os profissionais de saúde e a estrutura dos serviços estão preparados para atender as particularidades dos amazônidas? Eu acredito que as instituições de saúde da região estão se esforçando para preparar esses profissionais. Em 2013, um mestrado, que é o primeiro nessa área na região Norte, surgiu exatamente para formar pessoas que tenham condições de discutir, criar e implementar políticas públicas para a nossa região. Esse processo de formação é muito recente, um esforço que tem sido desenvolvido nos últimos cinco anos. Mas nós temos muito a avançar no que diz respeito à qualidade da saúde, para todas as populações,

Tribos indígenas ainda são vulneráveis a epidemias, especialmente viroses? O Brasil é um dos pouquíssimos países do mundo que tem algumas populações que ainda não foram oficialmente contactadas, sob risco de serem contaminadas por doenças fora do seu cotidiano. O que falta é encurtar a distância em termos culturais da sociedade ocidental, da percepção do significado dessas doenças. São populações que precisam ter todo um olhar especial quando se trata de contato com pessoas de fora, porque há sim a possibilidade de transmissão dessas doenças e podem apresentar altas taxas de mortalidade. Algumas doenças que existem entre os índios ainda se alastram nas populações ocidentais? Nós temos uma quantidade enorme de viroses que ainda estão sendo diagnosticadas, chamadas febres de origem desconhecida e que esses grupos mais tradicionais podem apresentar e transmitir quando eles entram em contato com a população ocidental, mas dados históricos mostram que, na maioria das vezes, eles sofrem muito mais os efeitos do contato do que as outras populações. Como empresas, ONGs e governos podem mudar a realidade dessas populações na Amazônia? A primeira coisa que a gente precisa fazer é informar sobre essas políticas a esses setores. Ainda há um grande desconhecimento da política nacional e do seu significado. Precisa haver um maior envolvimento das organizações governamentais, terceiro setor, associações quilombolas, de bairro, indígenas, comunitárias, nas estruturas do sistema de saúde, os conselhos de saúde, para que elas possam dialogar de perto com os seus gestores e cobrar deles essas demandas específicas. As empresas podem dar apoio na implementação de melhor infraestrutura na área da saúde, desde a manutenção de praças para facilitar as atividades físicas das pessoas até a construção de unidades básicas de saúde. NOVEMBRO 2014

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ASSUNTO DO MÊS

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oswaldo forte / arquivo o liberal

Carimbó PATRIMÔNIO

nacional Após a oficialização do ritmo paraense como patrimônio imaterial do Brasil, é preciso que os elementos dessa cultura não sejam vistos apenas como folclore regional TEXTO Alan Bordallo

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ASSUNTO DO MÊS

E

oswaldo forte / arquivo o liberal

ra manhã do dia 11 de setembro de 2014. No Ver-oPeso, o grupo Sancari, do bairro da Pedreira, saudava os primeiros raios de sol com pau e corda, dança e música, alegria e uma leve apreensão. O dia prometia ser especial: dali a poucas horas o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) reuniria seu Conselho Consultivo do Patrimônio Cultural, em Brasília (DF), para deliberar sobre um assunto relativo à ancestralidade cultural amazônica, mais especificamente paraense - mas que logo seria um assunto de importância nacional. Como se esperava, o carimbó teve seu registro aprovado, por unanimidade, como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil. A decisão coroou uma árdua campanha que começou em 2005, em Santarém Novo, nordeste paraense, quando se decidiu buscar reconhecimento e valorização para 40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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esta mistura de dança, música, espiritualidade e modo de vida. “Só não queremos que este seja o dia oficial do carimbó”, brincou Isaac Loureiro, coordenador da Campanha do Carimbó e presidente da Irmandade de São Benedito, ao desejar que um dia tão esperado pelos paraenses não seja atrelado ao fatídico 11 de Setembro, data conhecida pelo atentado terrorista às Torres Gêmeas nos Estados Unidos. Apesar do tom jocoso ao tentar desfazer a lembrança do triste acontecimento que abalou o mundo em 2001, a preocupação de Isaac era justa. Ao longo de uma vida ligada ao carimbó, a Irmandade de São Benedito sabia quantos atentados este componente da cultura paraense já havia sofrido. “Muitos mestres de carimbó morreram à míngua, sem qualquer valorização e reconhecimento. Muitos registros dessa cultura foram perdidos para sempre”, comentou o presidente da

associação, procurando não mais lamentar e sim crer na perspectiva que se abria para quem vive do carimbó no Pará. Junto com a Irmandade de São Benedito, de Santarém Novo, as associações Raízes da Terra, Japiim e Uirapuru, todas de Marapanim, também fizeram o pedido de reconhecimento do carimbó ao Iphan. Registrado como Patrimônio Cultural Imaterial do Brasil, o carimbó agora é um bem nacional. Mas que não sobreviveria até o ano presente se não fosse por seus “detentores”, termo que o Iphan utiliza para caracterizar os mestres de carimbó, compositores, músicos, dançarinos e todos aqueles que mantiveram vivas, por mais de 200 anos, as tradições que fazem dessa cultura um bem digno de orgulho nacional. Por isso, para o primeiro passo após o registro - a elaboração do Plano de Salvaguarda - estes detentores te-

alvorada

Antes do anúncio oficial do carimbó como patrimônio cultural imaterial do Brasil, o grupo Sancari já fazia festa no Ver-o-Peso nas primeiras horas da manhã de 11 de setembro de 2014


MESTRES

A participação do maior número de detentores e de comunidades diferentes, nas reuniões para a elaboração do plano de salvaguarda do carimbó, é a condição sem a qual não é possível começar um processo

roberta brandão

mistura de estilos

Luizinho Lins e Nego Ray, fundador do Coisas de Negro, defendem a “globalização” da cultura musical do Pará

cristino martins / arquivo o liberal

rão voz ativa. “O plano de salvaguarda é uma proposta de gestão compartilhada de ações que visam à conservação, valorização, proteção e garantia da implementação de ações que garantam a perpetuação do patrimônio registrado”, explica Cyro Lins, técnico em antropologia da área de patrimônio imaterial do Iphan no Pará. “O que se pretende fazer é reunir os detentores para estabelecer o modelo de construção do plano. Adotamos, na área imaterial, este modelo de encontros diagnósticos de alinhamento de proposições, para que os próprios detentores opinem sobre a melhor forma o processo pode ser conduzido”, completa. A elaboração do plano de salvaguarda, no entanto, esbarra no atual momento político do Brasil, com o encerramento das eleições no mês passado. De acordo com Lins, no que diz respeito à administração pública, o período de fim de ano também fará com que o orçamento só seja discutido, provavelmente, em março, quando começará a fase de planejamento de ações para 2015. Isso não impede, porém, a tomada de decisões emergenciais, já diagnosticadas durante o processo de pesquisa, ainda na fase da elaboração do dossiê que foi apreciado pelo Iphan para a decisão de tombar o carimbó. “Existem ações de salvaguarda que já foram desenvolvidas com recursos do Iphan, como oficinas para ensinar a fazer flautas artesanais. Os mestres que detêm esse conhecimento já estão em uma idade avançada e, pelo que vimos, existe dificuldade de passar esse conhecimento”, alerta o técnico do instituto.

popular

O carimbó é um ritmo quase que obrigatório nos salões de festa da capital e do interior

de gestão compartilhada dessa cultura. Uma das ideias do Iphan é que, para isso, seja criado um Conselho de Mestres de Carimbó, que funcionaria como um conselho consultivo para o órgão. A proposta é que o grupo seja o mais heterogêneo possível, abarcando detentores de regiões diferentes do Pará. É aí que volta à cena a Campanha do Carimbó. Segundo Isaac Loureiro, hoje os participantes da campanha já se organizam para que dela surja outra entidade, reunindo detentores de vários lugares do Estado. “Nossa campanha vai se transformar em uma sociedade que agregue todo este universo do carimbó, e se torne propo-

nente neste processo de elaboração do plano de salvaguarda. Seria uma ‘entidade guarda-chuva’, que represente todos os grupos. É um processo complicado, já que, só em Marapanim, há mais de 40 associações de carimbó”, afirma o presidente da Irmandade São Benedito. Isaac Loureiro diz que a prioridade nesse processo é a valorização dos mestres de carimbó. Ele afirma que é preciso garantir a transmissão de saberes fundamentais do carimbó, que estão se perdendo, inclusive a construção artesanal de instrumentos próprios dessa cultura, como as flautas, que hoje, segundo o coordenador da campanha, são usadas mais como suvenires e peças de decoração. NOVEMBRO 2014

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cristino martins / arquivo o liberal

ASSUNTO DO MÊS

RECONHECIMENTO

Reconhecer o legado dos mestres do carimbó do Pará, como Verequete, Lucindo e Cupijó e tantos outros, é outro ponto urgente. Apenas dando dignidade a quem fez e continua fazendo, a duras penas, muito pelo ritmo, se pode mostrar aos jovens de inúmeras comunidades perspectivas animadoras quanto ao futuro da cultura - e o próprio futuro. Aliás, o Dia Estadual do Carimbó, em 3 de novembro, é uma homenagem ao Mestre Verequete, morto naquela data em 2009. Mas, ainda assim, uma data que passa quase despercebida no Estado. Logo, para salvaguardar este reconhecimento, um passo é garantir condições aos mestres de registrar suas composições, dando respaldo jurídico para o recolhimento do pagamento, por exemplo, de direitos autorais. Segundo Isaac Loureiro, há, em municípios como Marapanim, no nordeste paraense, mestres que produzem carimbós constantemente, como Pelé, do Grupo Flor da Cidade, com mais de 400 composições. Este trabalho, porém, não é documentado, devido à falta de acesso dos mestres às gravadoras. Com a chancela do Iphan ao carimbó é natural que o ritmo seja agora visto com melhores olhos por músicos de todo o Brasil. “Uma artista de Brasília nos pediu para identificar o autor de duas composições que ela havia gravado em seu disco sem qualquer autorização. Ela conheceu as músicas depois de visitar comunidades e gravou vários grupos tocando. Escolheu duas e colocou no disco. Ela pelo menos procurou e tentou pagar os autores”, comenta Isaac. A proposta do movimento pelo carimbó também é fazer com que o conhecimento técnico, como o registro e gravação de suas músicas, chegue aos jovens das comunidades do Estado, criando assim um mercado fonográfico independente. “É possível fazer com que o conteúdo do carimbó seja registrado na própria comunidade. Criar uma TV Carimbó, uma rádio web. Difundir a cultura e incluir jovens na cadeia de produção, não necessariamente tocando, mas fortalecendo a cultura com divulgação”, 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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a luta continua Coordenador da Campanha do Carimbó, Isaac Loureiro defende a profissionalização dessa cultura no Estado

aposta o coordenador da campanha.

VANGUARDISTA

Colocar o carimbó para tocar nas rádios deve se tornar uma tarefa fácil após seu tombamento como Patrimônio Imaterial Cultural do Brasil. Mas nem sempre foi assim. Embora haja uma gama de composições de grandes mestres de carimbó de estilos variados, este trabalho raramente chega ao mercado fonográfico, que trabalha segundo um modelo musical moldado para agradar um grande público – e prover retorno financeiro. Documentar suas obras em boa qualidade sonora sempre foi uma meta dos mestres do carimbó pau e corda, que can-

tam o dia a dia do interior praiano e rural do Pará em suas letras. Mas quem chegou primeiro aos estúdios foram os artistas que adaptaram a ideia central do ritmo a instrumentos contemporâneos, estilizando o carimbó. O primeiro disco do ritmo chegou ao mercado nacional em 1972, com o cantor e compositor Ely Farias. Mas, quando se fala de carimbó no Brasil, inevitavelmente é lembrado outro nome, ou melhor, apelido: Pinduca. O sucesso do “Rei do Carimbó” se deu a partir da visão empreendedora desse paraense de Igarapé-Miri, que em uma viagem para Irituia, também no Pará, visualizou uma alquimia no ritmo. “Já ti-


tarso sarraf / arquivo o liberal

reprodução / tv liberal

Ouça o “Legítimo Carimbó”, de Verequete

Ouça Mestre Cupijó e o “Mingau de Açaí”

Ouça “Carimbó do Macaco”, com Pinduca

ícones

O cantor Pinduca e os mestres Verequete e Cupijó são os principais nomes do carimbó conhecidos fora do Estado. “Eu modernizei o carimbó e isso me custou caro. Fui muito criticado”, lembra Pinduca, que substituiu o curimbó, típico tambor do ritmo paraense, por instrumentos elétricos, como guitarras e teclados, com o objetivo de tornar o produto mais comercial.

nha um conjunto musical em Belém. Na época, viajava pelo interior tocando vários ritmos. Na época o twist fazia sucesso. E em Irituia resolvi incluir o carimbó no meu roteiro”, lembra. Para tornar o ritmo mais atrativo como produto comercial, ele iniciou um formato elétrico do carimbó, utilizando guitarras, saxofones e bateria no lugar do curimbó – tambor feito de madeira e revestido de couro. O nome do instrumento leva à origem que nomeia o ritmo: “carimbó”, em linguagem indígena, significa “pau que dá som”. O começo musical para Pinduca não foi tão animador. “Eu modernizei o carimbó e isso me custou caro. Fui muito critica-

do, muito mesmo. Lembro da primeira vez que recebi uma vaia. Mas recebi isso como um incentivo”, disse ele, lembrando da reação que sua música causava na ala conservadora do carimbó. “Hoje, até conjuntos tradicionais de Marapanim tocam o carimbó estilizado”, afirma. O sucesso e a aceitação nacional do carimbó de Pinduca apresentaram a quem vivia do ritmo uma perspectiva animadora. E, se no passado existiu de fato um ranço entre as vertentes tradicional e vanguardista, hoje a ressalva se encontra apenas na procura por um equilíbrio nesta equação. “Eu, sinceramente, não posso dizer ‘não’ às pessoas que fazem o carimbó

estilizado. É o jeito que eles sabem tocar. Eles pegaram esse espaço, colocaram um eletrônico, guitarras, metais. É uma roupagem diferente”, disse Manoel Agnaldo, que atendeu a Amazônia Viva por telefone após voltar de uma viagem de três dias pelo litoral de Marapanim, onde estava pescando. Além de pescador, Manoel é presidente da Associação Uirapuru – uma das quatro que propôs ao Iphan iniciar o estudo sobre o carimbó – e também percussionista no grupo. “A nossa preocupação é que não se perdesse a essência que estava se perdendo. Muita gente estava deixando o carimbó de raiz pelo estilizado”, afirmou. NOVEMBRO 2014

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ASSUNTO DO MÊS

Ouça “Santa Maria”, da banda Lauvaite Penoso

realidade ritmada

A banda Lauvaite Penoso usa o carimbó para falar do dia a dia de uma Belém urbana, com suas alegrias e dificuldades de cidade grande na Amazônia

roberta brandão

“Mas não sou contra. Até gosto de ouvir”, arrematou, citando o trabalho dos compositores paraenses Felipe e Manoel Cordeiro entre os favoritos. O presidente da Uirapuru participou ativamente da busca por reconhecimento que os detentores iniciaram em 2005, no Festival de Carimbó de Santarém Novo. Esteve na linha de frente, inclusive representando a Campanha do Carimbó na reunião do Conselho Consultivo do dia 11 de setembro, em Brasília. Por isso perdeu o ato comemorativo, que teve até a presença da Ministra da Cultura, Marta Suplicy, no Centur, em Belém. Como alguém que tem a vivência do carimbó acumulada em uma vida, Manoel Agnaldo quer agora manter a chama acesa, e ajuda a fazer da Associação Uirapuru um dos lugares propícios para tal. No espaço cultural, eles recebem as crianças da comunidade que se interessam por carimbó. “A gente passa a cultura para essas crianças. Tem alguns que se destacam em várias áreas”, diz. Para o pescador, o conservadorismo é algo que faz parte do passado. Por isso 44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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ele pede também que, com o tombamento, o carimbó pau e corda vire uma atração turística para os municípios que mantiveram a chama a cultura viva para não ficar restrito a Belém. “O carimbó de Belém tem o seu ritmo próprio”.

CARIMBÓ POP

“Vivência” é o termo que a maioria das pessoas utiliza para tentar explicar que o carimbó vai muito além do “ouvir”, “tocar” e “dançar”. As composições tradicionais evidenciam que o ritmo narra um estilo de vida, que, na raiz, é naturalista, sustentável, já que as comunidades que o originaram se situam em áreas rurais e litorâneas do Pará. Mas no cotidiano urbano de Belém, a vivência do carimbó é diferente. Para fugir de qualquer estereótipo, o carimbó da capital é híbrido: mantém componentes originais e os agrega a novidades na forma de tocar e cantar. E há, em Icoaraci, distrito de Belém, um “selo” de carimbó, criado com a ajuda do Coisas de Negro, espaço de cultura popular criado há 22 anos, e que nos últimos 14 tornou-se referência no assunto.

Seu idealizador é Raimundo Piedade da Silva, o Nego Ray, que costumava receber diversos grupos folclóricos no espaço. Desde 2000, após identificar uma carência na divulgação do carimbó, ele criou a Roda de Carimbó do Coisas de Negro. Na época o local serviu até como espaço de conciliação. “Havia uma certa rivalidade entre grupos. O Coisas de Negro serviu para apaziguar”, conta. Hoje a sede reúne grupos de diferentes regiões e abre espaço para a participação de músicos. “Temos o nosso carimbó de Icoaraci, que é estilizado, acrescentamos elementos contemporâneos. Hoje, o espaço é referência para quem quer ter a vivência do grupo de carimbó”, diz Nego Ray. Ele defende a globalização do carimbó, ciente de que agora muitas pessoas vão beber nessa fonte – longe da região metropolitana de Belém. Luizinho Lins, que toca banjo na roda de carimbó do Coisas de Negro, concorda. Ele é figura assídua da roda dominical, movimento que viu - e ajudou a – crescer. “Participo musicalmente e ajudo a fazer a transmissão on-line da roda de carimbó. A ideia era fazer uma web radio, mas


TARSO SARRAF

como o ‘livestream’ estava se popularizando resolvemos ampliar. Ficamos na dependência da internet, que às vezes é lenta. Mas quando conseguimos, avisamos no Facebook e sempre temos compartilhamentos”, diz o banjoísta, citando acessos de países como Polônia, Espanha e Portugal. “A ideia da transmissão ao vivo é que o espectador consiga ter a vivência através desse canal”, diz. Luizinho também é historiador e se interessa pelo estudo de culturas populares. Desejava, inclusive, que sua abnegação cultural fosse comum a vários outros paraenses e brasileiros. “A palavra Amazônia é mais buscada em inglês do que e português. Falam mais de nós do que nós mesmos. Para que a cultura do carimbó continue forte, nós temos que falar. Normalmente quando o carimbó é abordado por pessoas de outras regiões, é de uma forma icônica”, diz ele, propondo a apropriação livre e geral do carimbó, mas fiel à essência. Ele cita como exemplo a forma que o carimbó “urbano” é cantado. “Embora não se cante a paisagem rural, é possível fazer carimbó com a essência do povo da cidade”, defende. O Lauvaite Penoso é uma das bandas que canta o cotidiano, às vezes caótico, de Belém e da periferia nas músicas. Desde 2009 na estrada, a banda tem vários integrantes ligados ao carimbó, como o percussionista Rodrigo Etnos, um dos compositores. Com uma base musical formada a partir de ritmos populares brasileiros, Rodrigo, há dez anos, também bate curimbós no Coisas de Negro, onde teve o privilégio de conviver com mestres de carimbó. “Vi caras como Coutinho, Verequete, Lourival Igarapé e o próprio Nego Ray”, recorda. E é desse misto de influências que ele passou a dar ao carimbó que compõe uma pegada de cronismo social. “A gente vive hoje em um mundo conturbado, violento, precisando repensar criticamente nossa vivência. Isso está nas nossas músicas. Moramos na periferia e já passamos por diversas situações de assalto. Não deixamos de falar da realidade”, diz. Agora tombado, o carimbó deve se

sucesso garantido

Felipe Cordeiro acredita numa “fase de experimentação” do carimbó no Brasil, o que pode originar subgêneros do ritmo, a exemplo do samba, que hoje possui vários estilos

Ouça Felipe Cordeiro em “Problema Seu”

tornar uma fonte de inspiração para muitos músicos – e essa é uma perspectiva que pode encerrar de vez a discussão sobre o quanto se deve estilizar o carimbó. Ou então elevála à outra esfera. Para o músico Felipe Cordeiro, fã declarado do “carimbó elétrico”, terá início uma fase de experimentação do ritmo. “O carimbó não tem essa experimentação como o samba e o baião, tiveram”, diz ele, que levanta a possibilidade de o carimbó começar a originar subgêneros. “No caso do samba temos exemplos como o samba do morro, o dos cronistas, o das escolas de samba, os afrossambas, a bossa nova. E também algumas experiências subversivas, como o Jorge Ben Jor fez, juntando samba, rock, soul music”, enumera. Felipe, que é filho do músico e compositor Manoel Cordeiro, tem como vivência

de carimbó visitas aos estúdios onde o pai gravava desde a década de 1980, e experimentava, não só carimbó como lambadas, merengues, cumbias e guitarradas, ele gosta de contemplar as discussões que a dualidade entre o tradicional e o moderno suscita quando se fala em música em geral. “Existem discussões típicas de músicas que vêm de tradições fortes. Há quem defenda o purismo e há quem defenda a hibridização. Acho que o pau e corda e o estilizado são complementares. Mas o pop não pode perder a essência do pau e corda. E o pau e corda não pode se manter só na linha convencional”, diz. “Eu sou do olhar que a música brasileira não seja da tradição, e sim da contradição”, arremata Felipe Cordeiro, um dos muitos nomes da nova música paraense que têm tudo para tornar o carimbó uma explosão musical Brasil afora. NOVEMBRO 2014

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comportamento SuStentÁVel

EM fAVOR DA bAcIA

DO ITAcAIúNAS

PeSqUISA DO INStItUtO teCNOlógICO vAle MONItOrA OS reCUrSOS HíDrICOS e O USO e COBertUrA DO SOlO DA BACIA NO SUDeSte PArAeNSe TEXTO FABRíCIO QUEIROZ

A

paisagem de diversos municípios do sudeste paraense é cortada pelas águas do rio Itacaiúnas. A bacia hidrográfica abrange uma área de aproximadamente 42 mil km² e tem um papel fundamental para a economia e a geografia locais, porém as intensas transformações ocorridas na região nos últimos 40 anos levaram a um cenário de preocupação em torno da situação ambiental da bacia. Para pensar em como conter os riscos

NO SuDESTE DO pARá

que cercam o rio, é preciso, sobretudo, conhecer o que ocorre na região. É o que busca o projeto Itacaiúnas, coordenado pelo pesquisador Roberto Dall’Agnol, do Instituto Tecnológico Vale (ITV), que está realizando o monitoramento dos recursos hídricos da bacia e a análise da dinâmica de uso e ocupação do solo desde 1973. Para o monitoramento hidrometeorológico da bacia do Itacaiúnas, o projeto instalará plataformas de coleta de dados de temperatura, umidade do ar, precipi-

tação (chuva), nível dos rios, entre outras informações. Com a parceria da Secretaria Estadual de Meio Ambiente (SEMA) e da Agência Nacional de Águas (ANA), o ITV já instalou três estações e outras cinco devem estar em funcionamento até o final de 2015. Quando o sistema estiver completo, o projeto coletará e transmitirá em tempo real informações sobre as características e a disponibilidade de recursos hídricos no Itacaiúnas. Com isso, a comunidade científica e a população em geral serão benefi-

A demarcação de áreas protegidas na região da bacia do Itacaiúnas cresceu em paralelo ao desmatamento na área

TBR TANF

XIl

IGEPA

XIl

XIl

1973

1984

1994

Naquele ano, a floresta estava quase 100% preser-

Nesse período, já observa-se a presença de solo ex-

Marca a década de maior devastação na região,

vada. Mas a agricultura e as áreas de pastagem já

posto para pastagem e agricultura em áreas contínu-

impulsionada pela exploração madeireira e cresci-

apresentavam sinal de expansão. No extremo oeste

as. A mineração começa a ocupar, principalmente,

mento urbano. Reservas como a do Igarapé Gelado

da região já havia a demarcação do território indíge-

as zonas de canga, representadas pelos pontos azuis

(Igepa) e do Tapiraré (TBR) e a Floresta Nacional do

na Xicrin (XIl).

no mapa acima, onde a vegetação é menos densa

Tapiraré-Aquiri (TANF) também foram criadas

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FOTOS: RENATO SIlVA JR / ARQUIVO VAlE

ciadas, pois as informações poderão subsidiar o trabalho de órgãos como a Defesa Civil para a prevenção de eventos extremos. No aspecto do estudo da dinâmica do território o pesquisador Pedro Walfir, que integra a equipe de estudos do projeto Itacaiúnas, do ITV, aponta os dados mais preocupantes em relação à bacia. Com imagens do satélite Landsat,

fornecidas pelo serviço geológico americano, o pesquisador pode observar a sucessiva diminuição da cobertura vegetal ao longo dos últimos 40 anos, em que a floresta foi dando lugar principalmente às pastagens. Em cinco mosaicos diferentes se vê o avanço da devastação que já levou mais de 20 mil km², equivalente a 2 milhões de hectares, ou seja, metade da flores-

ta que existia na década de 1970. O ano de 1973 foi escolhido para pontuar a pesquisa porque marca o começo das atividades do projeto Carajás. Já 1985 foi quando iniciaram-se a produção e exportação do minério produzido na região. Nos intervalos entre cada década é possível notar o impacto que algumas atividades econômicas e políticas de preservação tiveram no local.

vIgIlANTEs

O monitoramento do ITV da bacia do Itacaiúnas é feito em estações hidrometereológicas, que coletam dados sobre a temperatura, a umidade do ar, o índice pluviométrico e nível dos rios na região

INFOGRAFIA: FIlIPE SANCHES

ENTENDA OS MApAS INF

TBR

TBR

TANF

TANF

IGEPA

INF

CNF XIl

IGEPA CNF

FlORESTA VEGETAÇãO DE CANGA

XIl PASTAGEM / SOlO EXPOSTO / AGRICUlTURA ÁREA DE MINERAÇãO ÁREA URBANA

2004

2013

A atividade mineral cresce de forma sustentável

No ciclo de 40 anos, a pesquisa do ITV aponta a

ocupando as mesmas zonas de canga de 20 anos

perda de metade da área florestal que existia. No

atrás, enquanto o desflorestamento ao redor das

interior das unidades de conservação, a perda

unidades de conservação, como as florestas na-

foi de apenas 3%. Ainda há atividades de explo-

cionais de Carajás (CNF) e Itacaiúnas (INF), avança

ração ilegal no extremo oeste dessas unidades

áREAS pROTEGIDAS

CNF - FlORESTA NACIONAl DE CARAJÁS INF - FlORESTA NACIONAl DO ITACAIÚNAS TANF - FlORESTA NACIONAl DO TAPIRARé-AQUIRI TBR - RESERVA BIOlÓGICA DO TAPIRARé IGEPA - ÁREA DE PROT. AMB. DO IGARAPé GElADO XIl - TERRA INDÍGENA XIKRIN NOVEMBRO 2014

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COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL

ROBERTA BRANDÃO

“Uma pergunta para o futuro é de que forma nós poderemos contribuir para a recuperação da floresta nessas áreas que foram degradadas” (Pedro Walfir, pesquisador do ITV) Walfir destaca, por exemplo, a década de 1990 quando “há um aumento nas taxas de uso e ocupação devido à exploração madeireira. É o período com maior redução de floresta”. Da mesma forma, a implantação de cinco unidades de conservação com apoio da Vale – Floresta Nacional do Tapirapé Aquiri, Reserva Biológica do Tapirapé, Área de Proteção Ambiental do Igarapé Gelado, Floresta Nacional de Carajás e Floresta Nacional de Itacaiúnas – contribuiu para frear a devastação. “A gente observa que há conservação da paisagem natural onde há unidades de conservação. São unidades de uso sustentável, onde ocorrem as atividades de mineração, porém o impacto que se tem das mudanças mais importantes do uso e ocupação se dão no entorno dessas unidades de conservação”, avalia o pesquisador. A avaliação está pautada nos dados históricos colhidos pela pesquisa. Segundo o estudo, em áreas não protegidas a cobertura florestal hoje chega a apenas 30%, enquanto que nas unidades de conservação esse índice é de 97%, mesmo com grandes projetos de mineração desenvolvidos em seu interior. “O fato de haver a atividade de mineração dentro de uma unidade de conser48 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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vação não significa que haverá grandes transformações do ponto de vista do uso e ocupação”, explica Pedro Walfir.

PREOCUPAÇÃO

De acordo com o pesquisador do ITV, a diminuição das áreas de floresta tem efeitos diversos a curto e longo prazo. Em um primeiro momento, a redução da cobertura florestal leva ao aumento da vazão do rio, devido à diminuição da taxa de infiltração da água no solo e para o lençol freático. Entretanto, sem a floresta aumenta o volume de sedimentos que o rio carrega, o que pode levar ao seu assoreamento. “Embora os impactos causados pelos diferentes atores sejam diferenciados, a responsabilidade de recuperação das bacias é responsabilidade de todos”, argumenta Pedro Walfir, que acrescenta: “Existe a necessidade de se recuperar áreas deflorestadas nessas áreas externas às unidades de conservação. Todas as atividades de uso e ocupação precisam ter compromisso com a conservação e recuperação de áreas degradadas”. Para o pesquisador, a abordagem integral de um território complexo

97%

É O ÍNDICE DE DA COBERTURA VEGETAL

protegida em unidades de conservação no sudeste do Pará, apontam dados da pesquisa do Instituto Tecnológico Vale

como este é inovadora, pois permite compreender melhor a importância da bacia do Itacaiúnas para toda a região. A pesquisa deve continuar coletando dados anuais, a contar de 2013, mas Pedro Walfir considera que a parceria públicoprivada que permite o uso sustentável da Flona Carajás em empreendimentos minerais já é bem-sucedida. Apesar disso, ele alerta para a necessidade de se pensar novas estratégias para a preservação deste recurso. “Uma pergunta para o futuro é de que forma nós poderemos contribuir para a recuperação da floresta nessas áreas que foram degradadas. Quais são os mecanismos? Quais são as políticas que nós podemos adotar para recuperação de áreas degradadas fora das unidades de conservação?”. Uma resposta que a pesquisa do ITV já começa a delinear na região.


A arte de ser solidário As cortinas se abrem e o cantor Walter Bandeira aparece dançando, seguido pelo coreógrafo Jaime Amaral que, de surpresa, começa a cantar, os dois acompanhados pelo pianista Paulo José Campos de Melo. A confusão proposital que pareceria não dar certo, aconteceu em 1996, no espetáculo que misturava música, teatro e dança em favor do ator e jornalista paraense Beto Paiva, vitimado pela Aids. A apresentação foi o pontapé inicial da organização Arte Pela Vida. A fotógrafa Maria Christina, que está desde o início no grupo, diz que “foi na maior descontração, mas a gente via naquelas pessoas que participaram do primeiro show, que não tinha

nome ainda, muito mais do que uma disponibilidade artística, mas uma disponibilidade de tornar real essa ideia da solidariedade. Então não era simplesmente o palco, era ser solidário. E o que vem costurando todas as ações do Arte é isso”. Desde aquele show, o Arte pela Vida organiza diversos eventos que vão da prevenção à ajuda no tratamento de pacientes com HIV. “Procuramos fazer o máximo para melhorar a qualidade de vida das pessoas soropositivas. Uma das nossas ações é o bazar. Com o dinheiro arrecadado conseguimos fazer doações de cadeiras de rodas e medicamentos”, conta o coordenador do grupo, o ator Chico Vaz. Ele, porém, ressalta que o principal be-

mUDAnÇAdEATITUDE SXC.HU

ROBERTA BRANDãO

BonS eXemploS

ElImINE O EsTREssE DA suA ROTINA

luZ

Chico Vaz com girassois, símbolo do trabalho voluntário que apoia

nefício do Arte pela Vida é o acompanhamento fraterno que tem com os pacientes, “ouvir essas pessoas e oferecer apoio de amigo mesmo, é o que melhor se pode fazer a elas”, afirma. Como muitos pacientes são do interior do Estado o Arte pela Vida consegue através de doações, aliás, como quase tudo que o grupo obtém, fazer a entrega de cestas básicas para as famílias de baixa renda. “Assim como nosso símbolo, o girassol, que sempre procura a luz, a vida, nós também tentamos fazer com que as pessoas soropositivas tenham essa vontade, essa alegria de viver”, enfatiza Maria Christina, com a certeza da atitude contagiante de partilha e amor que traz o Arte Pela Vida.

Estresse é um mecanismo fisiológico do organismo sem o qual nós, nem os nossos ancestrais teríamos sobrevivido, ou seja, é uma defesa natural que nos ajuda a sobreviver, mas o excesso do estímulo estressante acarreta em consequências danosas ao nosso organismo. Segundo a psicóloga e professora Niamey Costa, da Universidade da Amazônia, geralmente as mulheres tendem a ser mais afetadas pelas próprias questões hormonais, quanto pelas cobranças internas e externas, pois elas assumem muitas funções e papéis, ficando expostas a uma carga maior de fatores estressores. A psicóloga recomenda uma vida mais saudável, em todos os sentidos, dosando lazer, trabalho, prazer, estresse e relaxamento, sono, alimentação, atividade física, buscando o autoconhecimento e o autocontrole, refletindo sobre as formas que estão sendo usadas para enfrentar as situações, são medidas para lidar melhor com o estresse e uma forma de amenizá-lo. Porém, se o indivíduo não conseguir sozinho enfrentar o estresse é aconselhável que procure sempre a ajuda de um profissional. Porque mesmo o organismo com maior capacidade de resistência diante de uma carga contínua e intensa de estresse em algum momento pode adoecer.

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VIDA EM COMUNIDADE

quilombo com causa feminina

Mulheres CONSOLIDAM sua participação na defesa e conquista dos direitos dos afrodescendentes na Amazônia TEXTO e fotos Janine Bargas

O

realinhamento das relações sociais nas quais as distinções entre homens e mulheres não recaiam em inferiorização de um ou de outro tem sido a força motriz de muitos movimentos sociais espalhados pelo mundo na atualidade. Na comunidade de São Bernardino, no território quilombola de Jambuaçu, que abrange 15 comunidades do município de Moju, nordeste paraense, a sétima edição do Encontro de Mulheres Negras Quilombolas do Pará representou um processo de fortalecimento político em que as descendentes de escravos na Amazônia têm se tornado protagonistas de suas próprias histórias. Essa organização política se insere no contexto das cerca de 420 comunidades quilombolas presentes no Pará, segundo a Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu), e que, mesmo existentes em distintas realidades, têm lutas em comum. A titulação de seus territórios, a principal delas nos dias atuais, que também se constitui como direito constitucional, é o centro das mobilizações de lideranças que atuam para garantir sua 50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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concretização no Estado. Nesse percurso histórico que emergiu com a formação dos quilombos como território livres ainda no regime de escravidão, homens e mulheres quilombolas dedicaram suas vidas a lançar ao mundo sua própria existência, suas formas de vida, sua identidade, suas crenças e saberes, em contraposição a diversas formas de expropriação e discriminação a eles impostas. Mais recentemente, a articulação feminina tem ganhado destaque, se configurando como uma dos braços fortes das lutas quilombolas. Cada mulher com a sua história levou ao debate as conquistas já garantidas, como o próprio reconhecimento da mulher como liderança, o respeito nas relações familiares a ocupação de cargos institucionais e os desafios ainda a serem superados. Jociléia Costa da Silva, de 35 anos, é da comunidade remanescente de quilombos Rio Genipaúba, localizada na cidade de Abaetetuba. Nessa comunidade, que abriga cerca de 120 famílias, a produção de biojoias é liderada por quatro mulheres e envolve 14 famílias. Os materiais variam


desde a casca do coco e do cupuaçu, passando pelas sementes do açaí, os caroços do najá, do tucumã, do jupati, até as ostras do rio. “Fazer a biojoias é levantar nossa cultura, o nosso conhecimento, tudo o que sabemos sobre a nossa própria terra. Usamos os materiais que a natureza nos dá, aquilo que não poderia mais ser aproveitado. Nós não só tiramos as sementes, mas também cuidamos das árvores. Além disso, garantimos um pouco de renda às famílias e nos sentimos mais bonitas usando o que é nosso”, ressalta. A produção é destinada às feiras, eventos culturais, conferências e a alguns pontos da sede municipal. Hoje, a organização das mulheres já é institucionalizada na Associação de Mulheres Artesãs Quilombolas do Rio Genipaúba. Tal formalização só foi possível a partir da emissão do título coletivo do território, em 2009, abarcando esta e mais onze comunidades de Abaetetuba. Rosilda Gomes Pinheiro, ou Pérola, como prefere ser chamada, é quilombola da comunidade de Rio Arapapezinho, também em Abaetetuba. Em meio aos debates do Encontro, destacou o que é o bem-viver em comunidade. “É poder chegar na minha casa e ter o que comer, onde me abrigar. Muitos de nossos companheiros não têm nem paredes em suas casas. E é por isso que temos que nos unir, nos articular e lutar pelos nossos direitos. Temos também que repassar aos mais novos o que aprendemos com nossos pais e avós”.

EDUCAÇÃO

420 COMUNIDADES QUILOMBOLAS ESTÃO

presentes no Pará. Apesar das diferentes realidades, a conquista pelo reconhecimento constitucional de seus territórios é uma luta em comum.

O território quilombola de Jambuaçu também possui uma associação de mulheres na qual os saberes se entrelaçam e se transformam em força de vida. Waldirene dos Santos Castro faz parte da Associação e é professora na comunidade de Poacê. No Encontro, expôs a importância da atuação de professores das próprias comunidades na educação das crianças e jovens quilombolas. “Muitos professores de fora não entendem o que é ser quilombola, não conhecem nossas raízes e nem sabem que temos nossos próprios direitos. Devemos nos organizar cada vez mais e lutar para que os professores de nossos filhos sejam os nossos irmãos da comunidade”. Também fazem parte da Associação a filha de Waldirene, Aymê Castro Fergueira, Cristiane Corrêa da Cunha, Regiane dos Santos Melo e Maria Olinda. Em cada comunidade, elas convertem talento e tradição em artefatos que representam muito mais que simples objetos, simbolizam a NOVEMBRO 2014

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VIDA EM COMUNIDADE

“Temos que repassar aos mais novos o que aprendemos com nossos pais e avós” (Rosilda “Peróla” Gomes, de Abaetetuba) história de suas famílias. “Produzimos tudo como aprendemos com os nossos antepassados. Nosso trabalho com argila, nosso tear... isso tudo tem muito valor pra gente”, reforça Waldirene Castro. Anfitriã do encontro de mulheres negras, Maria do Carmo é vice-presidente da Associação da Comunidade Remanescente de Quilombos de São Bernardino, lugar onde vivem pouco mais de 100 moradores, com o sustento que vem do cultivo da mandioca e da extração do açaí, da bacaba e da castanha. Para ela, encontros como esse revelam a força que existe dentro de cada pessoa, contribuindo para a socialização de experiências e de construção de caminhos possíveis a uma sociedade mais igualitária. “Nesses momentos as pessoas podem perceber a importância que têm. Esse é um momento histórico na minha vida e me sinto realizada porque vi que não estou sozinha. Todas essas mulheres reunidas mostram que nunca devemos nos sentir incapazes. E quem não participou desta vez, certamente na próxima não vai faltar”, disse. O VIII Encontro de Mulheres Negras Quilombolas foi organizado pela Coordenação das Associações das Comunidades Remanescentes de Quilombos do Pará (Malungu) e reuniu mais de 300 mulheres. A primeira edição do evento foi em 2001, no município de Salvaterra, na Ilha do Marajó. Outros temas como segurança pública, a saúde quilombola e os usos das ervas medicinais, e a Marcha das Mulheres Negras de 2015 também foram discutidos pelas mulheres. Um sinal da pulsante presença da mulher negra na sociedade amazônica do século 21. 52 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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UNIDADE

As mulheres quilombolas do Estado se reúnem em encontros promovidos por associações para consolidar a liderança feminina nessas comunidades


arte, cultura e reflexão

arte, talento e ofício o artesão márcio luthier possui um dom especial: construir instrumentos de corda com as próprias mãos. o trabalho já lhe rende reconhecimento nacional. pÁGINA 58

NO PALCO O ator e diretor teatral Henrique da Paz lembra os 45 anos de criação do grupo de teatro Gruta, ícone cultural de Belém. Pág. 54

legado A artista plástica Julieta de França foi uma escultora pioneira em seu tempo, chegando a trabalhar com Rodin, de “O Pensador”. Pág.60

REFERÊNCIA O Instituto Evandro Chagas é um dos principais centros de pesquisas do Brasil, diagnosticando até casos de ebola. Pág.66

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fernando sette

PENSELIMPO


DEDO DE PROSA

Da paz O ator e diretor teatral Henrique da Paz reconta histórias do Gruta, uma trupe que completa 45 anos como a mais antiga e uma das mais questionadoras de Belém TEXTO João Cunha FOTOS carlos borges

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E

m um distrito costeiro de Belém, a 20 km distante do centro da capital, está um desses casos de chão fecundo para a criação artística. Icoaraci resguarda a mistura de expressões culturais, do renascimento da tradição cerâmica dos povos amazônicos pré-coloniais à percussão ancestral do Espaço Cultural Coisa de Negro, do folclore regional do Vaiangá até a mais nova cena de hardcore/punk nos bares da Vila. Lá também nasceu um expoente do teatro paraense, que este mês se consolida aos 45 anos com um vasto esteio de produções e histórias: o Grupo de Teatro Amador (Gruta). Criado por secundaristas inquietos nos primeiros anos da ditadura militar, o Gruta materializou nos tablados viagens provocativas como a via-crúcis de um Jesus Cristo hippie em “A paixão segundo o Gruta”, de 1975. Na entrevista a seguir, um dos fundadores da trupe, o ator e diretor Henrique da Paz, rememora a trajetória do Gruta e do movimento teatral no Pará nas últimas décadas, do qual o grupo é o representante mais antigo em atividade. Leia a entrevista a seguir: Tens uma relação de infância, quase familiar, com as artes cênicas e especialmente com o teatro com o qual compartilhas o sobrenome. Foi nessa época que te interessaste em ser ator? Meu pai trabalhou por muitos anos como técnico no Teatro da Paz, Seu Justino da Paz. Parece nome do dono do lugar! Ele vivia nesse meio artístico, era um apai-

xonado pelo teatro. Então eu cresci nesse mundo, assistia a todos os espetáculos. Mas àquela altura eu não pensava em fazer teatro. Sempre me interessei por arte e desenhava muito, que é meu outro lado de artista plástico. Mas se tornar um ator veio depois que me mudei pra Vila de Icoaraci e ingressei em um grupo jovem ligado à Igreja Católica, em 1967. Foi a partir daí que o Gruta e o teatro começaram a fazer parte definitivamente da tua vida? Isso. Eu tive a sorte de encontrar esse grupo, a Juventude Paroquial, que tinha interesses em comum, como a política e a arte. Estávamos lá pela possibilidade de nos expressarmos e não por causa da religião. Nós tínhamos uma espécie de mentor, o Samuel Spenner, que participava do movimento estudantil em Belém. Ele era bem politizado e foi passando essas coisas para gente. Então, por ideia do Samuel, nós montamos um espetáculo de protesto, em 1967, chamado “Show de Cantorias da Juventude Livre”. No ano seguinte, fizemos uma peça dita infantil, “Natal na Praça”, de Henri Gheón, mas com uma carga crítica muito forte. Naquela época éramos apenas o GTA (Grupo de Teatro Amador). O Gruta, com o mesmo significado, foi criado oficialmente em 1969. Nosso objetivo era não sair de Icoaraci, fazer teatro lá, para a comunidade. As apresentações eram de graça, primeiro na paróquia e depois em auditórios, e a divulgação feita por convites, entregues de casa em casa.

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DEDO DE PROSA

mente aberta

Henrique da Paz vê no teatro a possibilidade de abordar temas de interesse coletivo, como a liberdade e o pensamento humano

Sim, mais por indicação do que por escolha (risos). Em 1978, eu fazia parte do Cena Aberta, depois de uma passagem pelo Grupo Experiência. Eu tive que substituir o diretor de “O Auto da Compadecida”, de Ariano Suassuna, na fase final da produção. E deu certo, tivemos um resultado legal, então continuei dirigindo espetáculos para o “Cena”, como “Eles não usam black-tie”, do Gianfracesco Guarnieri.

Como era fazer teatro com conteúdo questionador, em um distrito de Belém, naqueles anos de ditadura militar? A censura e a repressão atingiram o Gruta? Existia repressão e ela não partia só dos militares. Nossas ideias eram muito ousadas para aquele contexto, fazíamos espetáculos provocadores, como “A paixão segundo o Gruta”, uma versão ópera rock da paixão de Cristo. Por isso, os conservadores da Igreja nos taxaram de comunistas, nos acusavam de fazer reuniões para estudos subversivos. E a gente fazia isso mesmo, mas não com esse fim, éramos jovens que estávamos descobrindo as coisas, participando e querendo agitar. Pressionado por 56 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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eles, o monsenhor pediu que nós nos retirássemos da paróquia (risos). Aconteceram episódios de censura como a interdição de “O testamento do cangaceiro”, em 1973. O texto da peça, de Francisco de Assis, era altamente questionador de valores religiosos. No dia da estreia, a polícia baixou lá, e o diretor Geraldo Sales, que atualmente é do Grupo Experiência, teve que prestar depoimento na delegacia. Na metade dos anos 1970, tua trajetória no grupo teve um hiato, durante o qual participaste em outros coletivos de teatro na cidade. Nessa fase começaste a desenvolver também outro ofício, o de diretor.

E, à persona do ator, incorporaste de vez a do diretor já na segunda fase do Gruta, na década de 1980. Como foi essa retomada, tua e do grupo? Em 1986, junto com companheiros do teatro que conheci em Belém, dentre eles o Marton Maués e o Ailson Braga (também atores e diretores de teatro), retomei as atividades do Gruta, que estava parado desde o final dos anos 1970. Nessa segunda fase, nós seguimos um viés mais politizado e criamos uma linha de trabalho que caracterizou o grupo, a de trabalhar com textos que tratem de temas universais, como o amor, o poder, a violência, sem traços localizados. Não tínhamos a ânsia de assumir o teatro regional. Dessa ideia surgiu “Cínicas e Cênicas” (1987), que é uma colagem de textos feita por mim e pelo Marton. Era uma miscelânea, que a gente chamava de lixo cultural: falávamos de educação, religiosidade, artes plásticas e até história em quadrinhos. E também uma adaptação de “O Processo”, de Franz Kafka, que dirigi: “Caosconcadicáfica” (1989). Esse espetáculo é um marco para o Gruta porque foi a primeira vez que saímos do Estado para nos apresentar em um festival nacional de teatro, em São Paulo, com uma boa recepção de crítica. Em 1990, estreava “A vida que sempre morre, que se perde em que se perca?”,


ObRA-pRImA Caosconcadicáfica, no waldemar Henrique

clÁssIcO Hamlet Máquina, montagem de 1998 DIVUlGAÇãO

vERsÃO Duas Vezes Brecht, com Aílson Braga DIVUlGAÇãO

Depois de 45 anos, completados agora em novembro, e um currículo extenso de obras de teatro, quais os próximos passos do Gruta? E da tua carreira, como ator e diretor? O Gruta continua sua história prezando pela qualidade do texto e o caráter de comunicação universal com o público.

E ainda há muitos obras assim para serem exploradas pelo teatro. Eu tenho um sonho com o grupo que é encenar outra obra do Franz Kafka, mais difícil ainda, que é “A Metamorfose”. Mas ainda não está muito claro na minha cabeça o direcionamento que eu quero dar a essa temática. Um cara que vira inseto e por conta disso causa uma transformação na família dele. É uma ideia que me recorre muito, mas que ainda não ganhou o papel. Pessoalmente, tem um texto meu, o “Caosconcadicáfica”, que vai ser montado em São Paulo pelo Cláudio Marinho, ator e diretor paraense radicado lá, que começou a fazer teatro no grupo. Eu liberei o texto e agora ele está em fase de captação para uma nova montagem, 25 anos depois da original.

A DeDICAçãO COMO DIretOr teAtrAl reNDeU A HeNrIqUe DA PAz grANDeS trABAlHOS

DIVUlGAÇãO

Essa característica pode ser considerada como parte de um “estilo” criado pelo Gruta? Algo que diferencie os espetáculos do grupo de outros em Belém? Sim, muitas pessoas reconhecem as peças do Gruta pela dramaturgia econômica e também pelo trabalho do texto e do ator, que é um traço muito valorizado no nosso trabalho.

“Nós criamos uma linha de trabalho que caracterizou o grupo, a de trabalhar com textos que tratam de temas universais, como o amor, o poder, sem traços localizados. Não tínhamos a ânsia de assumir o teatro regional.”

uMA VIDA NO pALcO

DIVUlGAÇãO

espetáculo com a maior longevidade do grupo até agora, com várias temporadas de exibição. O que te motivou a fazer essa montagem? No fim dos anos 1980, eu fui morar na Europa por uns tempos. Era tempo da primeira eleição depois da abertura política no Brasil, em que o Lula perdeu para o (Fernando) Collor. Eu fiquei indignado e comecei a maturar uma peça para falar sobre a disputa pelo poder. Aí eu tive a ideia: “Égua, eu vou montar uma tragédia grega! E vai ser a Antígona, de Sófocles”, que foi a primeira peça que eu fiz quando vim para Belém, pelo Sesi. Daí surgiu o “Vida”. Na minha montagem, suprimi vários elementos do clássico e inseri outros textos para dizer o que eu queria. Maquiavel, Henry Miller, trechos da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Esse espetáculo foi um laboratório para muita coisa que definimos como princípios no Gruta e do que eu acredito como diretor. Eu sou minimalista, uso pouca coisa em cena, o mínimo de objetos possível. No espetáculo mais recente que o Gruta montou, “Aldeotas” (2011), de Gero Camilo, é exatamente isso. Não tem nada de cenário, são dois atores, o Ailson Braga e o Adriano Barroso, um tablado e a luz. É só.

cRíTIcA A peleja dos soca-socas João Cupu e Zé Bacu

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ARTE REGIONAL

ao som do cavaquinho

requisitado

Márcio Luthier recebe encomendas de cavaquinhos e outros instrumentos de corda de várias partes do Brasil.

O ofício da luteria revela grandes profissionais na arte de construir instrumentos de corda na Amazônia TEXTO Dominik Giusti FOTOS Fernando Sette

U

m dia, o telefone da casa de Márcio Luthier tocou. Do outro lado da linha, um homem identificouse: “Oi, aqui é o Paulinho”. E ele respondeu: “Que Paulinho?”. “O Paulinho da Viola”, disse o interlocutor. O famoso cantor

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e autor de sambas conhecido nacionalmente achou o contato de Márcio dentro de um cavaquinho, em uma loja do Rio Janeiro. Após atestar a qualidade do instrumento, o artista quis saber quem era o artesão que confeccionara aquela preciosidade. A conversa era

apenas para trocar ideias sobre a feitura do cavaquinho, mas Márcio custou a acreditar no ilustre telefonema. Com mais de 20 anos de experiência na arte da luteria, como se chama a profissão de confeccionar instrumentos de corda, Márcio é hoje referência nacional no assunto e chega a produzir, somente cavaquinhos, de 25 a 30 por mês. Ele começou por curiosidade, após a tentativa de aprender a tocar o instrumento. Conseguiu um instrumento emprestado com o primo, mas na hora de devolver, quis mesmo ficar com ele. “Foi quando pedi para que ficasse mais um pouco, e, antes de devolver, peguei uma folha de jornal e desenhei o cavaquinho. Daí, coloquei na cabeça que queria aprender a construir um antes de tocar. E acabei me encantando”, conta o luthier. Para chegar a esse nível, sendo requerido por grandes artistas e grupos de samba e pagode em todo o País, Márcio diz que foi preciso muita dedicação. Em busca de conhecimento, passou dois anos em São Paulo para se aperfeiçoar.


CURSO

Em Belém, para quem deseja aprender mais sobre como fazer um instrumento de corda, a Fundação Curro Velho (FCV) oferta o curso de luteria, desde 2011 por uma iniciativa do músico paraense Paulo Moura, coordenador do setor de Música da instituição. Atualmente existem duas turmas e primeira será formada ainda este ano, de acordo com o professor e luthier Paulo Mateus. Ele explica que o curso é dividido em módulos, com níveis básico e avançado, para confecção de instrumentos de corda dedilhada. O conteúdo programático inclui desde tipos de madeira licenciada – as principais são marupá, freijó, jatobá, jacarandá, sucupira, cedro – até mesmo manuseio de instrumentos para corte e entalhe de cada peça. “A madeira é um material heterogêneo. Você faz dois instrumentos idênticos, mas não têm o mesmo som. Por isso, também testamos os diferentes materiais. É importante que o aluno saiba sobre os instrumentos e gabaritos também. Apenas no módulo avançado é que passamos para a etapa de produção, que é quando os alunos começam a confeccionar os instrumentos. Antes, essa habilidade precisa ser desenvolvida com muito estudo”, explica Paulo Mateus, que também começou a se interessar pela luteria por curiosidade, após fazer cursos de música. O professor diz que atualmente a

trabalho artesanal

Para se construir os instrumentos também é preciso dedicação e paciência, ensinam os lutieres de Belém

ionaldo rodrigues / curro velho

Foi quando sentiu segurança e voltou para Belém, onde mantém hoje, dentro da própria casa, um espaço reservado para a confecção de cavaquinhos, banjos e violões. “Eu trabalho com uma rotina muito puxada, só tem hora para começar. Se você não se dedicar e não se entregar não conclui. É preciso entender de tipos de madeira, de afinação, de música. Tem que respeitar o instrumento e ter o mínimo de sensibilidade”, conta. Hoje, além de Paulinho da Viola, sua lista de clientes conta com nomes como os do jogador de futebol Dante, o sambista Jorge Aragão e do grupo Revelação.

ofício

Os professores de luteria da Fundação Curro Velho repassam seus conhecimentos de artífices aos jovens que procuram o curso

Fundação recebe instrumentos danificados e que estejam fora de uso. Até mesmo pallets de pinho e objetos de madeira como portas, prateleiras e camas são úteis para o curso de luteria. “Para gente é um material muito bem-vindo. Mostramos como pode ser usado cada pedaço. Além disso, se for possível a recuperação, daqui o instrumento vai para as aulas de músicas da própria fundação”, explica Paulo Mateus. Aluno do curso, o geógrafo Fábio Bentes descobriu na luteria uma nova paixão. Começou o interesse pela arte após comprar uma guitarra avariada e pela curiosidade também de descobrir como consertá-la. Ele ainda não começou a construir os próprios instrumentos, pois sabe que ainda precisa

de muita experiência, mas já é indicado pelos amigos para realizar ajustes em instrumentos de corda. “O curso é muito diferente do que eu imaginava, porque a gente pensa que é simples. Mas não é, temos que aprender cálculo, ter muita disciplina. Não é feito a esmo. É uma pesquisa de anos para chegar à concepção ideal de cada instrumento. O que aprendi nas aulas não conseguiria fazer se estivesse sozinho, estudando pela internet, que foi como eu comecei. A prática traz detalhes primordiais e que aprendi lá foi fundamental”, conta Fábio, que largou até mesmo a atividade de geógrafo para dedicar-se à arte de construir instrumentos e fazer música. NOVEMBRO 2014

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Julieta de França 1872 - 1951

escultora paraense à frente de seu tempo TEXTO abílio dantas ilustrações jocelyn alencar

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A

o retornar a Belém do Pará em 1921, a bordo do Vapor Ceará, após 24 anos de trabalho no Rio de Janeiro e na Europa, é possível que muitas imagens tenham voltado à memória da artista plástica e escultora paraense Julieta de França, enquanto desembarcava no porto da cidade. Embora a invenção do cinema ainda fosse uma novidade à época, um filme cheio de lembranças deve ter passado pela mente da artista percussora; a primeira brasileira a receber uma bolsa para estudar arte no exterior e que viria a se tornar aluna de Auguste Rodin, famoso por obras como “O Pensador” e “O Beijo”. Certamente, seus anos de formação na capital paraense constituíam as primeiras cenas. Segundo a pesquisadora da Universidade de São Paulo (USP), Ana Paula Simioni, autora do livro “Profissão Artista - Pintoras e Escultoras Acadêmicas Brasileiras”, publicado em 2008, Julieta pertencia a uma família de elite e seu pai, Joaquim Pinto de França, era maestro. Portanto, a personalidade ousada e talentosa da menina encontrou no lar um ambiente propício para o seu desenvolvimento. O pintor italiano Domenico de Angelis, que atuou em Belém por muitos anos, foi designado para ser o seu primeiro mestre. Os dois construíram uma longa amizade. Em 1892, a República do Brasil tornou possível às mulheres o ingresso em instituições de Ensino Superior. Durante todo o período imperial isto não fora permitido. De acordo com o artigo “Souvenir de ma carrière artistique. Uma autobiografia de Julieta de França, escultura acadêmica”, de Ana Paula Simioni, a paraense embarcou em 1897 para a capital federal, a cidade do Rio de Janeiro, para estudar na Escola Nacional de Belas Artes (ENBA). Ali, aperfeiçoou seu ofício, fez amizades e conheceu futuros desafetos como o professor Rodolfo Bernardelli. Não demorou para que Julieta se destacasse como estudante na ENBA. Segundo Simioni, isto se deveu ao grande empenho demonstrado pela escultora e pelo fato de ter sido a primeira artista do sexo feminino a cursar as aulas de modelo vivo; antes

frequentadas apenas pelos homens. Com o passar do tempo, o misto de dedicação e pioneirismo levou-a a conquistar uma honra histórica. Em 1900 obteve o mais alto prêmio outorgado a um aluno pela escola: a bolsaviagem ao exterior. Também neste caso, tornou-se a primeira mulher a ocupar o posto. Até 1905, Julieta estudou com grandes artistas da escultura como Antoine Bourdelle e Auguste Rodin; com o qual foi comparada pela imprensa francesa. Segundo os jornalistas e críticos de Paris, como Henri Dac, a obra de Julieta intitulada “O Sonho do Filho Pródigo” era digna de estar acompanhada em uma mesma página de jornal pela famosa escultura de Rodin, “O Pensador”, e assim foi feito no periódico “Univers”. De acordo com Ana Paula Simioni, para muitos, a principal diferença entre os dois artistas era a condição financeira do francês, que o permitia fundir suas obras em bronze, enquanto que a brasileira vivia com os poucos pertences e dependia da bolsa enviada pelo governo brasileiro, que muitas vezes atrasava. O sucesso internacional de Julieta, no entanto, não se refletiu em grande êxito após sua volta ao Brasil. Ao inscrever sua obra “Glória da República do Brasil” para participar de um concurso que escolheria um monumento à República, o trabalho de Julieta foi classificado como “insatisfatório”. O júri, liderado pelo professor e diretor da ENBA, Rodolfo Bernadelli, não esperava que o resultado provocasse uma reação incisiva de Julieta de França. Para contestar o resultado, a artista paraense reuniu em um dossiê a opinião elogiosa de dezenas de mestres da arte consagrados em todo o mundo que avalizavam o valor de sua obra. Foram alguns deles: Raoul-Charles Verlet, Auguste Rodin, Teixeira Lopes, Carolus Duran e Jean Antoine Injalbert. A contestação lhe rendeu décadas de exclusão dos salões de exposição do Rio de Janeiro, pois os jurados desafiados eram bastante influentes no mercado de arte. No entanto, após décadas, Julieta foi finalmente premiada, dessa vez pelo Estado do Pará, para realizar o sonho de executar um monumento em praça pública. A obra se chamou “Sol Nascente” e foi idealizado em homenagem ao marechal Floriano Peixoto. NOVEMBRO 2014

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AGENDA CRISTINO MARTINS / ARQUIVO O LIBERAL

ARTESANATO Awaeté quer dizer “gente de verdade” no dialeto do povo Asurini. Esta é a proposta da exposição “Awaeté do Xingu”, mostrar a verdade e realidade dos índios Asurini por meio de seu artesanato. A mostra chegou ao Parque Zoobotânico Mangal das Garças no dia 2 de outubro, e ficará instalada de forma permanente no Armazém do Tempo, com visitação das 9h às 18h. A exposição também será espaço para adquirir lembranças e artes da região. Mais informações pelo telefone (91) 3242- 5052. OSWALDO FORTE

ARTE PARÁ CICLOS DA MODERNIDADE O Museu do Estado do Pará segue com a exposição “Amazônia, Ciclos de Modernidade”, mostra que faz parte do Arte Pará 2014 e traz uma visão contemporânea sobre a realidade regional. A mostra reúne cerca de 100 obras de artistas de vários estados, selecionadas pelo curador Paulo Herkenhoff. Além disso, apresenta os pioneiros da documentação fotográfica do norte do Brasil, como Pierre Verger. Há também uma sala dedicada aos indígenas, com projeção de vídeo e fotos retratando as comunidades ianomâmis. De acordo com a curadoria, a exposição está em harmonia com o acervo permanente do MEP, que receberá ampliações de desenhos do arquiteto italiano Antonio

MUSEUS

Landi, além de pinturas do acriano Hélio Melo retratando a vida nos seringais. Entre os trabalhos seleciona-

O 6º Fórum Nacional de Museus (FNM) irá

dos estão peças de artistas contemporâneos de Belém, como Emmanuel Nassar, Guy Veloso, Marcone Moreira,

acontecer entre os dias 24 e 28 de novembro,

Alexandre Sequeira e Orlando Maneschy; além de outros representantes da arte do norte do país como o manauara

em Belém. O tema Museus Criativos retoma

Otoni Mesquita e o Grupo Urucum, do Amapá. Os interessados podem procurar o Museu do Estado do Pará, na

a discussão sobre os desafios da atuação

Praça DomPedro II, S/N. A exposição poderá ser visitada até 9 de dezembro. A entrada é gratuita.

interdisciplinar dos museus para sua efetiva PAULA SAMPAIO / ARQUIVO O LIBERAL

comunicação com as comunidades em que estão inseridos. O encontro incluirá conferências, painéis, minicursos e programação paralela que visa valorizar a cultura local. Outras informações podem ser obtidas pelo email fnm@museus.gov.br.

TECNOLOGIA I A 17ª Jornada de Extensão da Universidade Federal do Pará será de 25 a 27 de novembro, com o tema “Direitos humanos e tecnologia”. A programação mostra à comunidade os resultados dos projetos extensionistas. Mais informações no site proex.ufpa.br/sisae.

TECNOLOGIA II

JAPÃO

A Rede de Núcleos de Inovação Tecnológica

Fotografias e informações a respeito da cultura japonesa amazônica são tema do livro “Japanamazônia –

da Amazônia Oriental (Rede Namor) vai pro-

Confluências Culturais”, idealizado por Makiko Akao, lançado em Tomé-Açú. Cliques dos fotógrafos Paula

mover nos dias 2 e 3 de dezembro o I Encontro

Sampaio, Miguel Chikaoka e Alberto Bitar capturam a essência japonesa dos moradores paraenses e inte-

Internacional de Inovação e Transferência de

gram uma exposição dentro da programação. A publicação será relançada ainda esse mês em Santa Isabel

Tecnologia da Amazônia Oriental. Informa-

do Pará, um dos municípios com as principais colônias de japoneses no Estado do Pará.

ções pelo site museu-goeldi/eittaamazonia

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FAÇA VOCÊ MESMO

MÁSCARA FEITA COM JORNAL Cheias de poder e proteção, misticismo e magia, as máscaras vão além da figura dos super-heróis. Na cultura africana, elas são símbolos da criatividade, uma das formas artísticas mais conhecidas da arte. Usadas para proteger mulheres e homens, desde o plano espiritual ao físico, as máscaras também ganharam destaque na arte dramática, transformando-se em elemento cênico. As primeiras formas de confecção remontavam à “idade do barro”. Com argila, madeira, cortiça e, posteriormente, com ferro, as máscaras ganham adornos. Elas também são objeto de uma das oficinas da Fundação Curro Velho, só

que a feitura do adereço passa pela reciclagem: são usadas garrafas PET, caixas Tetra Pak, papelão ou miriti, e até mesmo aquilo que você considerar como um objeto reaproveitável. Em Comemoração ao Dia da Consciência Negra, comemorado em 20 de novembro, a Fundação Curro Velho e a Amazônia Viva apresentam o passo a passo da confecção de uma máscara africana a partir da tala de peneiro e fita crepe. Uma forma de relembrarmos: mesmo que não tenhamos características negras na pele ou no cabelo carregamos em nosso sangue e em nossa história a herança africana!

DO QUE VAMOS PRECISAR?

• •

• • • • •

Talas de paneiro Tinta guache nas cores preto, branco, amarela e vermelha ou nas cores de sua preferência Pincel Páginas de jornal Fita crepe Lápis Tesoura com pontas arredondadas

, 7 a nos l A ndrade ie r b a G Elberth INSTRUTORA MARCELO LOBATO COLABORAÇÃO DEUSARINA VASCONCELOS FOTOGRAFIA DANIEL SOUZA MODELO ELBERTH GABRIEL ANDRADE NOVEMBRO 2014

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ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsá-

1

Primeiro passo: pegue seis talas de paneiro;

2

4

Um macete: corte um pedaço de outra tala no tamanho desejado para o meio da máscara. Então, amarre para dar um formato de “canoa”.

5

7

Atenção: pegue a fita crepe, deixando a parte gomada para cima. Agora cubra o esqueleto da máscara, partindo do centro e, assim, sucessivamente, até cobrir toda a superfície;

8

10

Para fazer a boca da máscara, torça uma tira de jornal até formar uma corda e, então, coloque um sorriso fixado com a fita crepe.

11

Com a tesoura, corte duas talas do mesmo tamanho;

Corte outro pedaço de tala maior que a do meio da máscara. Agora é só amarrar com a fita crepe formando uma curvatura;

É a vez do jornal! Recorte várias tiras no sentido da fibra;

Pinte o restante da máscara. A pintura é por conta de sua imaginação;

3 6 9 12

Agora, junte as pontas das duas talas e passe a fita crepe também dos dois lados;

Para dar volume à máscara, coloque uma tala maior e, então, fixe com a fita crepe nas duas pontas;

Com as tiras de jornal, faça o revestimento de toda a máscara;

Está pronta! A máscara é uma forma de relembrar nossa história e nossa formação negras no Dia da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro.

PARA SABER MAIS Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas da Fundação Curro Velho, do governo do Estado do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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RECORTE AQUI

FAÇA VOCÊ MESMO


BOA HISTÓRIA

leonardo nunes

Duas margens

Das vezes que teu filho partia, muito cedo, da

aurora nem sinal, a noite cobria o rio em breu absoluto, dormias em paz em rede embalada pela brisa fraca, protegida no mosquiteiro manchado dos carapanãs mortos, a lamparina acesa por medo de visagem, os sonhos confusos de cidades sobre cidades, embaralhadas, o presente e o passado, feiras, arraiais, igrejinhas, tardes antigas, festas, luas alvas, nunca barcos ou canoas ou catraias ou gaiolas, nunca, porque tinhas medo e, talvez, por esse pavor não acordavas para vê-lo partir na escuridão, para não ouvir o arrulho nas águas nem ouvir o motor. O vento frio roçava o rosto ainda imberbe do viajante. Ele cruzava a baía, minúsculo, encolhido, em silêncio, os pés úmidos tomados de frieiras em sandálias de calcanhar gasto, os paneiros ao redor, as mãos dele tingidas pelos pequenos frutos. Ia com medo

também, quiçá idêntico ao teu, que dormitavas aflita, pedindo em prece pela manhã dentro do sonho. Nem era dia, ele alcançava o outro lado, descia, debatia pouco as cotações. Não tinha jeito nem experiência, nem respeito dos velhos que, no trapiche, aguardavam a carga para torná-la em vinho, do grosso, do médio e do fino para a venda e em água rala para doar a quem pedisse para completar a mesa entanguida de pouco peixe, de pouca farinha e muitas bocas e aflições nas muitas baixadas da metrópole. Quando cantava o galo, abrias os olhos e buscavas o bule, rezando baixo, resmungando entre uma palavra e outra para Nossa Senhora, porém, o pensamento era sempre nele, que retornava de manhã, como um príncipe esmirrado, com cédulas e moedas nos bolsos, sem contá-las, e voltava à rede para indolência dos justos. Nunca tomava o café preto adoçado com orações.

E iniciavas os afazeres com a boa sensação do menino em casa, um menino que enfrentava a escuridão, o mercado, os negociantes, o caminho de volta; um menino que cresceu e mal viste quando ele caiu no mundo para viver outra vida e agora faz falta imensa, porque o medo é outro, não mais os de naufrágios nos peraus. Era agora doutor, não dos hospitais, como bem querias. Cultiva ele uma barba e ensinava os outros, em palavreado que tu, quem sabe, não entenderias, mas terias orgulho de ouvi-lo da boca do caboclinho franzino que acordava sem fazer barulho para não te acordar e saía com o bocejo insistente, os cabelos assanhados, para escoar a colheita, sem reclamar. Agora, tu olhas o caminho que ele fazia rumo às luzes distantes que evitavas pelo temor de embarcações que toda mãe de navegante carrega fincada em sua margem. NOVEMBRO 2014

Anderson Araújo

é jornalista, escritor e blogueiro

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NOVOS CAMINHOS

Evandro Chagas além do ebola ​A avalanche de notícias

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEAUFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

sobre o ebola no Brasil colocou em destaque uma instituição de pesquisa de extrema relevância e que presta serviços à saúde do País, particularmente à Amazônia, há quase 80 anos. O Instituto Evandro Chagas, com sede em Belém, foi designado pelo Ministério da Saúde para diagnosticar casos suspeitos da doença no Brasil, como ocorreu também na epidemia de influenza. Mas os testes virais são apenas uma parcela das atividades científicas de nível internacional desenvolvidas na instituição. Atualmente vinculado ao governo federal, o instituto foi criado em 1936 e teve como diretor científico o próprio Evandro Chagas, médico e cientista, também conhecido por ser o filho mais velho de Carlos Chagas – médico sanitarista e bacteriologista que descreveu em 1909 o protozoário Tripanosoma cruzy, agente da doença de Chagas. Ao longo de sete décadas, o embrionário Instituto de Patologia Experimental do Norte (Ipen) tornou-se centro de referência mundial em medicina tropical, com cursos de pós-graduação e corpo de pesquisadores responsável por inúmeras descobertas científicas. Os equipamentos de alta tecnologia permitem um avanço ainda maior nas pesquisas médicas em parasitologia, virologia e bacteriologia. O Instituto Evandro Chagas é o principal centro de estudos em virologia da região e referência mundial em arboviroses - grupo de

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infecções virais transmitidas por artrópodes, com maior abrangência por mosquitos. O instituto detém o recorde mundial de isolamento e caracterização de arbovírus: ao todo, 187 tipos – cerca de dois terços dos atualmente conhecidos. Entre outros estudos, os pesquisadores do Evandro Chagas descreveram os ciclos de inúmeros arbovírus e detectaram, em bases clínico-laboratoriais, a primeira epidemia de dengue no Brasil. Também no campo da virologia, o Evandro Chagas foi o primeiro centro a demonstrar a presença do rotavírus no Brasil. O instituto detectou com primazia a ocorrência do vírus influenza H1N1 no País. Na área da bacteriologia, constatou, de forma pioneira na Amazônia, a infecção de ratos pela Leptospira, bactéria causadora da leptospirose, doença transmitida pela água ou alimentos que tenham entrado em contato com urina de animais. A atuação do Evandro Chagas e a aplicabilidade de seus estudos demonstra a necessidade de investimentos ainda mais intensivos em prevenção e produção de conhecimento em saúde na Amazônia e, sobretudo, reforça que somente o fortalecimento de instituições pode permitir o pleno desenvolvimento da região. E, no caso do instituto, oferecendo novos parâmetros para a avaliação e vigilância de males, criação de vacinas e o uso da biodiversidade como indutora de uma vida saudável.

“ O Instituto Evandro Chagas é o principal centro de estudos em virologia da região e referência mundial em arboviroses”

saibA mais

Centro de Documentação, Informação e Memória do Instituto Evandro Chagas. Site: http://www.iec. pa.gov.br/ Manoel Soares. Dr. Evandro Chagas in the Amazon: between the epic and the tragedy. Rev Pan-Amaz Saude, Mar. 2010, vol.1, no.1, p.13-18. ISSN 21766223.


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