Revista Amazônia Viva ed. 43 / março de 2015

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JARDIM POMAR EM ABAETETUBA SÍTIO DE AMBIENTALISTA CONSERVA DIVERSAS ESPÉCIES FRUTÍFERAS

MARÇO 2O15 | EDIÇÃO NO 43 ANO 4 | ISSN 2237-2962

FUTEBOL NA COMUNIDADE

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

PROJETO SOCIAL REFORÇA O DESEMPENHO ESCOLAR DE CRIANÇAS E JOVENS

PARQUE ZOOBOTÂNICO VALE

30 ANOS

CONSTRUÍDO NA FLORESTA NACIONAL DE CARAJÁS, O PARQUE REÚNE UMA GRANDE HISTÓRIA INSTITUCIONAL COM BASE NA SUSTENTABILIDADE E NO COMPROMISSO DA EDUCAÇÃO AMBIENTAL NA AMAZÔNIA

REALIZAÇÃO

PATROCÍNIO




TARSo SARRAF

da editoria

puBlicação menSal DELTA PUBLICIDADE - Rm GRAPH EDIToRA março 2015 / edição nº 43 ano 4 iSSn 2237-2962 presidente LUCIDÉA BATISTA mAIoRAnA presidente executivo RomULo mAIoRAnA JR. diretor Jurídico RonALDo mAIoRAnA diretora administrativa RoSÂnGELA mAIoRAnA KzAn diretora comercial RoSEmARY mAIoRAnA diretor industrial JoÃo PoJUCAm DE moRAES FILHo diretor corporativo de Jornalismo WALmIR BoTELHo D’oLIVEIRA diretor de novos negócios RIBAmAR GomES

NATuREzA pREsERVADA

Animais como a arara-azul são muito bem cuidados no Parque zoobotânico Vale, em Parauapebas

UM SAntUÁRIo bIoLÓGICo EM pARAUApEbAS A comemoração dos 30 anos

de extinção. O PZV também conta

do Parque Zoobotânico Vale nes-

com um vasto acervo de plantas

te mês é um momento oportuno

nativas e de outras regiões, com

para avançarmos nas discussões

destaque para o orquidário cultiva-

sobre os investimentos em projetos

do logo na entrada do parque.

e programas de preservação e conservação ambiental na Amazônia.

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe 4 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Aos 30 anos de fundação, o santuário natural se tornou uma refe-

Quando se fala em região ama-

rência internacional na conserva-

zônica os números são quase sem-

ção e gestão da biodiversidade, hoje

pre exponenciais. No parque cons-

servindo, muito além de um centro

truído pela Vale, em Parauapebas,

de preservação da vida selvagem da

sudeste paraense, dos 30 hectares

Amazônia, também como fonte de

de extensão, 70% da área são de flo-

geração de renda na própria comu-

resta primária, com uma grande di-

nidade, como espaço para pesqui-

versidade biológica preservada. So-

sas científicas em diversas áreas da

mente a fauna local é formada por

biologia e, principalmente, como

57 espécies e mais de 250 indivídu-

um local onde a educação ambien-

os. Alguns, como onças-pintadas e

tal se faz cada vez mais presente na

gaviões-reais, estão incluídos em

vida das mais de 10 mil pessoas que

programas especiais, dado o risco

visitam o PZV todos os meses.

março DE 2015

diretor de marketing GUARAnY JÚnIoR diretores JoSÉ EDSon SALAmE JoSÉ LUIz SÁ PEREIRA conselho editorial RonALDo mAIoRAnA JoÃo PoJUCAm DE moRAES FILHo WALmIR BoTELHo D’oLIVEIRA GUARAnY JÚnIoR LÁzARo moRAES REDAÇÃo Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JoRGE DE mELo (Srte-pa 1769) coordenação geral LUCIAnA SARmAnHo editor de arte FILIPE ALVES SAnCHES (Srte-pa 2196) pesquisador e consultor técnico InoCÊnCIo GoRAYEB Colaboraram para esta edição o liberal, Vale, agência pará de notícias, agência Brasil, museu paraense emílio goeldi, universidade Federal do pará, Fundação cultural do pará - oficinas do curro Velho (acervo); camila machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, anderson araújo, moisés Sarraf, abílio dantas, Brenda pantoja, Bruno rocha, natália mello, Sávio oliveira, Vito gemaque (reportagem); moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Janine Bargas (produção); hely pamplona, carlos Borges, tarso Sarraf, roberta Brandão (fotos); thiago Barros (artigo) andré abreu, leonardo nunes, Jocelyn alencar, Sávio oliveira, márcio euclides (ilustrações); alexsandro Santos (tratamento de imagem). FoTo DA CAPA parque Zoobotânico Vale, por tarso Sarraf AmAzônIA VIVA é editada por delta publicidade/ rm graph ltda. cnpJ (mF) 03.547.690/0001-91. nire: 15.2.007.1152-3 inscrição estadual: 158.028-9. avenida romulo maiorana, 2473, marco - Belém - pará. amazoniaviva@orm.com.br produção

realiZação

patrocÍnio

reViSta impreSSa com o papel certiFicado pelo FSc - ForeSt SteWardShip council


MARÇO 2O15

neSta edição

EDIÇÃo nº 43 / aNo 4

A CASA DA nAtUREzA

O Parque Zoobotânico Vale completa 30 anos de fundação, desempenhando um papel fundamental na preservação da fauna e flora amazônicas aSSunTO DO MÊS CARloS BoRgES

CARloS BoRgES

HEly PAMPloNA

HEly PAMPloNA

16

36 54

58 GEnétICA

DAnçA

Coordenador do progra-

A bailarina giselle Moreira

ARQUItEtURA

ma de Pós-graduação

LAtInIDADE

fez uma ampla pesquisa

A arquiteta e urbanista

em genética e Biologia

o músico e produtor Félix

sobre o período efer-

Thatiana guimarães

Molecular da UFPA, Artur

Robatto é um dos artistas

vescente da dança em

desenvolve projetos de

Silva revela avanços na

paraenses mais influen-

Belém, entre 1950 e 1980,

construções sustentá-

área de genômica que

tes na cena musical do

colocando de um lado

veis para colaborar com

podem contribuir com o

Estado. Ele está prestes

do palco os classicistas

a qualidade de vida da

aprimoramento da biodi-

a lançar o disco “Equato-

e do outro os artistas

sociedade amazônica.

versidade na região.

rial, Quente e úmido”.

transgressores.

QuEM É?

OuTraS CaBEçaS

DEDO DE PrOSa

arTE PESQuiSaDa

4 6 7 11 13 15 17 17 18 19 19 20 20 21 21 22 24 46 49 49 50 60 62 63 65 66

E MAIS Da EDiTOria aS MaiS CurTiDaS PriMEirO fOCO TrÊS QuESTõES aMaZÔnia COnnECTiOn PErgunTa-SE Eu DiSSE aPPliCaTiVOS COMO funCiOna faTO rEgiSTraDO DEu n’O liBEral CuriOSiDaDES Da BiODiVErSiDaDE ElES SE aCHaM DESEnHOS naTuraliSTaS COnCEiTOS aMaZÔniCOS EM nÚMErOS OlHarES naTiVOS COMPOrTaMEnTO SuSTEnTÁVEl BOnS EXEMPlOS MuDança DE aTiTuDE ViDa EM COMuniDaDE MEMÓriaS BiOgrÁfiCaS agEnDa faça VOCÊ MESMO BOa HiSTÓria nOVOS CaMinHOS

março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 5

TARSo SARRAF

38


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAs EDIÇões ANTERIORes

WALDEMAR

carlos borges/ reprodução acervo sebastião godinho

Uma salva de palmas à revista Amazônia Viva por ter lembrado de nosso maestro Waldemar Henrique de forma tão inteligente, moderna e informativa na edição de fevereiro, mês de aniversário desse grande artista (Assunto do Mês). As gerações atuais precisam conhecer mais o nosso passado musical. Nely Paiva Belém-Pará

ÁGUA

aplausos para o grande waldemar

Entre os diversos assuntos sobre nossas coisas e nossa gente, tratados na edição de fevereiro (Primeiro Foco), o que fala sobre o aproveitamento da água presente na atmosfera atraiu minha atenção. No dia 29 de novembro de 1993, depositei no INPI (Instituto Nacional da Propriedade Industrial) o pedido de patente, sob número PI 9304589, para o invento de título “Aparelho Precipitador de Umidade Atmosférica”. Ele foi uma tentativa de fazer algo pelas regiões afetadas pela ausência de chuvas. Atualmente, com a crise hídrica no Sudeste, apareceram muitas “máquinas de fazer água”, como são conhecidas nos programas populares da televisão, tendo, com certeza, “inspiração” nos arquivos do INPI. Celso de Araújo Nery Abaetetuba-Pará

Nossa matéria de capa da edição de fevereiro teve um grande alcance nas redes sociais, principalmente no Facebook. Mesmo 20 anos após sua morte, o maestro soberano do Pará ainda é muito querido e lembrado pelos paraenses.

luiz braga

MEMÓRIAS Confesso que fiquei emocionado ao ler a oportuna e brilhante reportagem sobre o Professor Eurico Pinheiro - Um Apaixonado por Seringueiras (Memórias Biográficas, janeiro de 2015, edição nº 41). Tive a grata satisfação em ser seu aluno na antiga FCAP (Faculdade de Ciências Agrárias do Pará), hoje Ufra (Universidade Federal Rural da Amazônia), turma de 1977. Pedro Paulo da Costa Mota Belém-Pará

beleza afroamazônica pelo olhar de luiz braga Esta foto recebeu o maior número de curtidas em nosso Instagram na edição passada. Parte do acervo de 40 anos de fotografia de Luiz Braga, o registro feito no interior do Pará faz está no livro comemorativo das quatro décadas de carreira do fotógrafo.

instagram.com/amazoniavivarevista

FEVEREIRO 2O15 | EDIÇÃO NO 42 ANO 4 | ISSN 2237�2962

PESQUISA PODE SER A SOLUÇÃO PARA A FALTA DE AÇAÍ NA ENTRESSAFRA

6 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

da Amazônia Viva envie comentários,

FOTOGRAFIA, CORES E TONS

LUIZ BRAGA LANÇA LIVRO REUNINDO 40 ANOS DE CARREIRA

dúvidas, críticas e sugestões para o email amazoniaviva@orm.com.br ou escreva

WALDEMAR HENRIQUE

NOSSO MAESTRO O PIANISTA E COMPOSITOR PARAENSE COMPLETARIA 110 ANOS DE NASCIMENTO NO DIA 15 DE FEVEREIRO. MAS SUA OBRA PERMANECE VIVA NO TRABALHO DAS NOVAS GERAÇÕES DE ARTISTAS DO ESTADO. REALIZAÇÃO

twitter.com/amazviva

Para se corresponder com a redação

GENÉTICA NO AÇAIZAL

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

fb.com/amazoniavivarevista

carlos borges

Siga a Amazônia Viva nas redes sociais e compartihe a edição digital, DISPONÍVEL gratuitamente no issuu.com/amazoniaviva

PATROCÍNIO

para o endereço: Avenida Romulo USE um leitor de QR Code para acessar A EDIÇão digital de fevereiro

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


o QUE é NoTÍCIA PARA A AmAzôNIA HEly PAMPloNA

PRImEIRofoCo

tEMpo DE REAbILItAção

AvES DE RApInA, CoMo o CAURé, DEbILItADAS nA zonA URbAnA São DEvoLvIDAS Ao HAbItAt nAtURAL poR MEIo DA FALCoARIA, DESEnvoLvIDA pELA UFRA E onG nooLHAR PÁGInA 8

EmPREGo produtores da apa do igarapé gelado contam com laticínio, uma iniciativa da Fundação Vale com apoio da prefeitura de parauapebas. PÁG.12

PESQUISA Inpa inaugura o primeiro centro especializado no estudo de diversas espécies de quelônios de água doce do mundo. PÁG.13

CULTURAL atualmente em desuso, o termo “tapuia” era usado pelos índios tupi para diferenciar indígenas de outras etnias. PÁG.15

março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 7


primeiro Foco

oLHAR DA nAtUREzA

C

riada há milhares de anos, a falcoaria é uma técnica usada para cuidar e adestrar aves de rapina. No Grupo de Estudos de Animais Selvagens da Universidade Federal Rural da Amazônia (Geas/Ufra), a prática é adotada no processo de reabilitação dos animais resgatados. O Ambulatório de Animais Selvagens, instalado dentro do Hospital Veterinário da Ufra (Hovet), recebe aves com fraturas, penas cortadas e deficiência nutricional. Algumas passam mais de um ano recebendo cuidados até que estejam aptas para voltar à natureza, caso não tenham sofrido danos permanentes. É com a ajuda da falcoaria que elas vão se readaptar ao voo livre. Agora, o Geas ganha o apoio da organização não governamental Noolhar para reintegrar aves de rapina, como águias, gaviões, falcões e corujas, ao meio ambiente. Batizado de Projeto Murucututu, o trabalho já começou e o solário – espaço 8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

onde os pássaros se recuperam – foi revitalizado pela Noolhar com placas e telhas de material reciclado, que proporcionam conforto térmico e conta com um sistema de captação da água da chuva. “A reabilitação leva um certo tempo, as penas demoram meses para crescer novamente. É preciso respeitar o tempo do animal”, afirma a bióloga da ONG, Andreza Ferreira. Ela explica que a falcoaria começa pelas etapas de amansamento e ambientação, sempre com cuidado para que o animal não fique dependente do contato humano. “A ave precisa se recuperar do trauma para que possamos começar a estimular seu voo. Ela é incentivada a procurar o alimento na última etapa, que é a caça feita em um ambiente controlado”, acrescenta. A médica veterinária e coordenadora do Geas, Ana Sílvia Sardinha, destaca que a reabilitação biológica era uma lacuna e detalha as necessidades dos animais. “O pássaro

HEly PAMPloNA

que fica muito tempo cativo. Precisa exercitar a musculatura, o voo e reaprender a comer o que é certo. O instinto nem sempre é o suficiente e o trabalho da falcoaria favorece o seu retorno após a recuperação clínica”, esclarece. Dos cerca de 300 animais recebidos no Hovet no ano passado, metade das ocorrências foram com aves. Este aumento na incidência chamou a atenção do coordenador da Noolhar, Marcos Wilson. “A migração de aves de rapina para o ambiente urbano está crescendo, o que as deixa vulneráveis a acidentes com linhas de cerol e fios de alta tensão, por exemplo”, observa. “É fundamental entender qual o melhor momento para o animal voltar à natureza, além de conscientizar a população para evitar os maus tratos às aves”, reforça Marcos. De olho na reciclagem, os artesãos da Noolhar desenvolveram luvas de falcoaria com couro descartados de bancos de carro.

OlhO NO OlhO

Marcos Wilson, da oNg Noolhar, diz que é preciso alertar a população sobre os maus tratos a aves, como corujas, águias e falcões

150

AVEs DE RApINA cOm A sAÚDE DEbIlITADA

foram atendidas pelo Hospital Veterinário da Ufra, em 2014


sebrae/ divulgação

INDÚSTRIA

Sustentabilidade

A última edição da pesquisa Benchmarking de Investimento Social Corporativo (BISC) aponta que os investimentos sociais privados no Brasil ultrapassaram os R$ 3 bilhões em 2014. O relatório foi divulgado pela Comunitas, organização que atua engajando lideranças empresariais em iniciativas de investimento social. Para a presidente do Conselho de Responsabilidade Social da Federação das Indústrias do Pará (Fiepa), Rita Arêas, os conceitos

Comunidade faz sucesso com beijuS coloridoS

O tradicional beiju ganha cores e sabores através das mãos habilidosas de mulheres da comunidade Menino Jesus, a 15 quilômetros de Capanema, no nordeste paraense. Elas são responsáveis pela produção do beiju colorido nos sabores goiaba, beterraba, coco e maracujá, combinações que agradam muitos paladares e já ganharam o mercado paraense, ultrapassando os limites do município. A base da iguaria é a goma tradicional, feita com o amido da mandioca. São sete etapas de fabricação pelas quais o produto passa e, do preparo da massa à embalagem, tudo é feito pelas mulheres

na unidade produtiva, montada na comunidade. Em parceria com o Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), as participantes do projeto passaram por várias capacitações em 2009, quando aprenderam o passo a passo da fabricação e a documentar todo o processo de produção. A fabricação mensal fica perto de 40 caixas de beiju, mas pode triplicar quando começar a funcionar um forno elétrico, que já está na unidade de produção e vai passar por testes. Só para uma rede de supermercados de Belém, o grupo fornece mensalmente 30 caixas, com 24 pacotes de 150 gramas cada.

bom paladar

Os beijus coloridos também poderão fazer parte do cardápio da merenda escolar em Capanema

de sustentabilidade, responsabilidade social e ambiental são “um caminho sem volta” para o setor privado. “Acredito que as grandes empresas já perceberam o retorno de todas as ações que envolvem responsabilidade social e ambiental e sustentabilidade, esses conceitos hoje são muito fortes e esse processo eu acredito que é irreversível”, afirma.

RURAL

Desenvolvimento

Durante a 38ª Assembleia de Governadores do Fundo Internacional para o Desenvolvimento Agrário (Fida), realizada em Roma, foram abordadas as ações de combate à pobreza no

40

caixas de beijus correspondem à produ-

ção mensal da associação de mulheres da comunidade Menino Jesus, de Capanema

campo e a autonomia econômica das mulheres que vivem em áreas rurais no Brasil. O secretário de Assuntos Internacionais do Ministério do Planejamento, Claudio Puty, destacou a importância do Fida como instrumento de apoio e financiamento a projetos de desenvolvimento rural sustentável no país e no mundo. Ele falou

andré abreu

DISFARCE genéticO

sobre os avanços no setor, por meio de políticas de transferência de renda, de ações à

A lesma-do-mar Elysia chlorotica não só tem a aparência de uma folha

produção e à comercialização voltadas aos

como também consegue “roubar” das algas o cloroplasto, organela

pequenos agricultores e da construção de

responsável pela fotossíntese. Este é um raro exemplo de transferência de

cisternas em áreas rurais, especialmente

genes entre espécies, processo que poderá ser usado em terapias genéti-

no semiárido. Atualmente, o Fida possui

cas. A estratégia corrigiria defeitos no DNA humano, evitando doenças.

173 países-membros, como o Brasil. FOTOS: divulgação / everaldo nascimento arquivo o liberal março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 9


PARCERIA

PROTEÇÃO

MobILIDADE

Eles participaram de uma oficina realizada pela

ICMBio aprova plano para conservação de mangues

Fundação Vale e pela Prefeitura do município,

o Instituto Chico Mendes de Conservação

riju, no litoral do Amapá.

em parceria com o Ministério das Cidades, a

da Biodiversidade (ICMBio), vinculado ao

o PAN Manguezal estabelece ações de

Universidade Federal do Pará e Unesco. Entre os

Ministério do Meio Ambiente, aprovou em

conservação para 74 espécies, sendo 20

pontos discutidos, um é considerado prioridade: a

fevereiro o Plano de Ação Nacional para

espécies ameaçadas em âmbito nacional,

implantação de um sistema de transporte público

Conservação das Espécies Ameaçadas e de

nove espécies ameaçadas apenas em âm-

na cidade. o Plano inclui também a viabilização

Importância Socioeconômica do Ecos-

bito regional e 45 espécies de importância

de ciclovias e ciclofaixas e acessibilidade dos

sistema Manguezal (PAN Manguezal). A

socioeconômica e não ameaçadas.

pedestres às calçadas e aos equipamentos públicos.

iniciativa tem como objetivo geral conser-

Para atingir seu objetivo geral previsto, o

o documento, com a colaboração de todos os

var os manguezais brasileiros, reduzindo

PAN Manguezal deverá contribuir para a

participantes da oficina, tem previsão para ser

a degradação e protegendo as espécies

adequação da legislação de acordo com as

concluído ainda este ano.

locais do PAN, mantendo assim suas áreas e

especificidades regionais para a implemen-

usos tradicionais.

tação do ordenamento da pesca e aquicul-

No Pará, o plano será desenvolvido na

tura e reduzir os impactos das diferentes

região do Marajó e no Cinturão Pará-Mara-

formas de poluição e da introdução de

o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico

nhão. Na Costa Norte do País, a estratégia

espécies exóticas no manguezal e ecossis-

e Tecnológico (CNPq) e o Conselho Britânico

ainda será aplicada ao Cabo orange-Sucu-

temas associados.

No final do mês passado, gestores municipais, equipes técnicas e especialistas discutiram os conteúdos do Plano Municipal de Mobilidade Urbana e Transporte de Canaã dos Carajás.

PESQUISA

IntERnACIonAL

promoverão atividades científicas e tecnológicas através do Fundo Newton. o objetivo da parceria é financiar e implementar projetos de pesquisa, desenvolvimento e treinamento, com ênfase em inovação e em comercialização de tecnologia, além de promover mobilidade acadêmica.

CHEIRO

MoSQUItoS

Quem tem um metabolismo mais acelerado está mais sujeito às incômodas picadas dos mosquitos do gênero Culex. Eles rastreiam no ar o Co2 e o ácido lático, substâncias geralmente produzidas em maior quantidade por essas pessoas (chamadas popularmente de “sangue doce”) ou após grande

NO MANGUE

Os manguezais são importantes ecossistemas do Brasil CARACTERÍSTICAS FÍSICAS Zona úmida, definida como ecossistema costeiro, de transição entre os ambientes terrestre e marinho, característico de regiões tropicais e subtropicais, sujeito ao regime das marés. A formação vegetal do mangue, com plantas e arbustos, possui raízes externas, chamadas aéreas.

EXTENSÃO Segundo o mapeamento realizado pelo Ministério do Meio Ambiente em 2009, os manguezais abrangem cerca de 1,2 milhão de hectares em quase todo o litoral brasileiro, desde o Oiapoque, no Amapá, até a Laguna, em Santa Catarina.

ATIVIDADES HUMANAS Os mangues são considerados berçários para os recursos pesqueiros, sustentando direta ou indiretamente mais de 1 milhão de pessoas. A ocupação desordenada ao longo da costa brasileira vem causando perda e fragmentação deste habitat.

esforço físico, diz o biólogo Paulo Ribolla, da Unesp.

PLANETAS

DESCobERtA

oito novos planetas foram descobertos em zonas habitáveis, anunciaram astrônomos. Eles estão

ESPÉCIES Algumas das principais espécies de animais encontradas em regiões de mangue são:

em áreas em que poderiam ter água líquida e, eventualmente, ter condições para abrigar vida. Dentre eles, dois são mais parecidos com a Terra que quaisquer exoplanetas (fora do nosso Sistema Solar)

Tartaruga

Lontra

Lagarto

Sagui

conhecidos até então. “A maioria desses planetas tem uma boa chance de ser rochoso, como a Terra”, disse guillermo Torres, do Centro de Astrofísica Harvard-Smithsonian. 10 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Caranguejo

Craca

Aranha

Mexilhão

Minhoca

FONTES: PORTAL DO MINISTÉRIO DO MEIO AMBIENTE E SITE SUA PESQUISA.COM

março DE 2015

ILUSTRAÇÕES: MÁRCIO EUCLIDES

primeiro Foco


Wilson Dias / AgenciaBrasil

TRÊSQUESTÕES

a arte toma conta dos espaços públicos de belém O “De Graça na Praça” é um projeto da Trupe Nós, os Pernaltas, com a perspectiva de ocupação de espaços públicos com arte, cultura e entretenimento. Um dos produtores do projeto, Jhonny Russel, conta um pouco mais como a ideia é passada para as comunidades.

Para identificar e classificar diferentes tipos de madeiras e plásticos pelo odor, pesquisadores do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (IQ-USP) construíram “narizes eletrônicos”. Os dispositivos também podem detectar precocemente a contaminação de laranja por fungos e são formados por um conjunto de sensores de gases. Com uma tecnologia simples e barata, uma das aplicações pode ser em ações de fiscalização e combate à extração ilegal de madeira de espécies de árvores ameaçadas de extinção nas florestas tropicais brasileiras.

Jonas Gruber, professor do IQ-USP e coordenador do projeto, explicou que geralmente o mogno (Swietenia macrophylla) é extraído, apesar de ser proibido, e vendido como cedro (Cedrela odorata), cuja exploração é permitida. “Como o cedro e o mogno são espécies diferentes e pertencem a gêneros distintos, o nariz eletrônico é capaz de identificá-los com 100% de acerto”, disse. O nariz eletrônico facilita o trabalho de identificação desses e de outros tipos de madeira – como imbuia (Ocotea porosa) e canela-preta (Ocotea catharinensis).

Com os narizes eletrônicos, a fiscalização da atividade madeireira ganha mais eficência

Damos preferência à periferia carente de investimento. Uma coisa muito importante é a da não colonização, ou seja: nada de chegar com tudo embalado e formatado para ocupar uma comunidade ou bairro. Queremos trocar informações, saber quem são os agentes comunitários, quem são as pessoas que estão produzindo no bairro e firmar parcerias.

Por onde o “De Graça na Praça” já passou? Em Em 2014, nos apresentamos na localidade de Arienga, em Barcarena. Fechamos uma parceria com o projeto Luz na Amazônia, da UFPA e Sociedade Bíblica do Brasil, e em novembro e dezembro estivemos na região das ilhas, na comunidade conhecida como furo do Aurá. Esse ano já realizamos o projeto no bairro de Águas

100%

é a precisão de identificação de espécies

como o mogno e o cedro, afirma o coordenador do projeto, Jonas Gruber

Brancas, em Ananindeua, em parceria com a associação esportiva Águia Futebol Clube e foi um momento de festa e consolidação de parcerias.

Como são as ações desenvolvidas por vocês? Além das intervenções com palhaços, espetáculos de teatro e exposições fotográficas, uma parte muito importante dentro do projeto

andré abreu

ROEDOR AVANTAJADO

são as oficinas e debates. A ideia é chegar na comunidade e abrir debates sobre os seus direitos

Um roedor do tamanho de um búfalo e com peso de cerca de uma tonelada.

e deveres. Por isso, estamos prevendo para

Assim era o Josephoartigasia monesi, que viveu há três milhões de anos na

as próximas edições a realização de debates

América do Sul. Um estudo divulgado no Reino Unido mostrou as conclu-

sobre direitos constitucionais, que precisam

sões após analisar um crânio do animal descoberto no Uruguai em 2007. A

ser de conhecimento das comunidades.

força da mordida dele era de 1.400 newtons, o equivalente a de um tigre. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 11

hely pamplona

“Nariz eletrônico” combate extração ilegal de madeira

TECNOLOGIA VERDE

Como funciona o projeto da Trupe Nós, os Pernaltas?


primeiro Foco

Governo federal cria novas unidades de manejo florestal

bEnEFICIAMEnto

A Área de Proteção Ambiental (APA) do Igarapé gelado, no município de Parauapebas, recebeu o laticínio da Estação Conhecimento, que fornecerá leite pasteurizado, manteiga e queijo muçarela. o empreendimento, uma iniciativa da Fundação Vale, com apoio da Prefeitura

o Serviço Florestal Brasileiro (SFB) informou

este ano. As Flonas de Altamira, Amanã, Caxiua-

de Parauapebas e da Vale, vai colaborar com

que, de acordo com o Plano outorga Florestal

nã, Crepori, Trairão e Itaituba I e II, no Pará; a

a geração de emprego e o aumento da renda

(Paof) 2015, uma área de 2,2 milhões hectares

Flona de Jacundá, em Rondônia; e a gleba de

familiar dos produtores locais. A produção

de florestas públicas federais está apta para a

Curuquetê, no Amazonas, poderão ter áreas

atual é de dois mil litros de leite por dia, mas

concessão. Estas são divididas em unidades de

concedidas para o manejo empresarial.

deve aumentar significativamente com a

manejo florestal (UMFs) e poderão ser conce-

A concessão florestal é um instrumento econô-

operacionalização do laticínio. o modelo

didas, por meio de licitação pública, a empre-

mico instituído pela lei de gestão de Florestas

de trabalho é pioneiro na região e criou

endedores interessados em realizar o manejo

Públicas (11.284/2006) e visa a incentivar a pro-

uma cadeia produtiva dentro da própria

florestal de baixo impacto.

dução sustentável e a conservação ambiental.

comunidade. o projeto começa na produção

oito Florestas Nacionais (Flonas) e uma área

Atualmente, cerca de 480 mil hectares de flores-

do leite, passa pela coleta, e agora, com

não-destinada foram consideradas aptas para

tas federais estão sob sistema de concessão.

a inauguração do laticínio, possibilita seu beneficiamento. A produção dos derivados

pRESERvAção

fecha o ciclo produtivo com a comercialização destes produtos. o espaço é administrado pela

Segundo o Cadastro Nacional de Florestas Públicas (CNFP), existem hoje 313.040.553 hectares de florestas públicas federais, estaduais e municipais, o que representa 36,8% do território nacional. Veja de que forma elas estão distribuídas:

Estação Conhecimento e a proposta é que, futuramente, ele seja gerido pelos próprios produtores da APA em sistema de cooperativa. ANDERSON SOUZA/ DIVULGAÇÃO

Áreas militares ........................................ 1% Uso comunitário....................................4% Florestas Públicas Estaduais destinadas ........................14% Unidade de Conservação Federal .....................................................19% Terras indígenas.................................. 36% Florestas Públicas Federais e Estaduais não destinadas ................26%

GENGIBRE

IoGURtE

o iogurte à base do extrato do gengibre amargo (zingiber zerumbet), planta ornamental com potencial antioxidante e anti-inflamatório, foi desenvolvido pelo Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em parceria com a empresa Biozer da Amazônia. A ideia era colocar no mercado um alimento alternativo para o consumo de produtos amazônicos e com melhor potencial terapêutico para o bom funcionamento do sistema gastrointestinal. 12 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

FONTE: SERVIÇO FLORESTAL BRASILEIRO

INFOGRAFIA: MÁRCIO EUCLIDES

CONCESSÃO

LEITE


HEly PAMPloNA

AmAzônIACoNNECTIoN

EUA pESQUISAM A REGEnERAção DA AMAzônIA

o Museu Paraense Emílio goeldi (MPEg) é uma das instituições que participa da PARTNERS (sigla em inglês), uma rede de pesquisa internacional que bEm cuIDADO

Espécies como as tartarugas serão pesquisadas de forma diferenciada no Cequa

800 mETROs quADRADOs é O TAmANhO DO cENtro de Estudos de Quelônios da Amazônia, inaugurado pelo Inpa, em Manaus

AMAzônIA GAnHA CEntRo DE EStUDo DE QUELônIoS

O Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa) inaugurou o Centro de Estudos de Quelônios da Amazônia (Cequa), o primeiro especializado em estudar quelônios de água doce do mundo. Localizado em Manaus, o centro objetiva desenvolver pesquisas, conservar tartarugas e fomentar a educação ambiental. O espaço foi construído em uma área de aproximadamente 800 metros quadrados e conta com quatro aquários, onde estarão expostos exemplares de tartarugas amazônicas vivas (tracajá, iaçá, cabeçudo, irapuca e mata-matá), além de um ambiente de terra conten-

do exemplares menores, como jabuti machado, perema, lalá, muçuã, dentre outros. Os visitantes terão informações sobre a ecologia e a biologia das espécies e os recintos dos animais, que simulam os habitats da natureza, dando uma noção de como e onde os quelônios da Amazônia vivem. Também integra o Cequa um laboratório para estudos das espécies e uma biblioteca para pesquisadores e alunos dos programas de pósgraduação do Inpa vinculados ao projeto. Foram investidos R$ 3,5 milhões no centro, através do Programa Petrobras Ambiental e do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI).

reúne pesquisadores interessados nos processos de regeneração florestal nos trópicos. São 52 integrantes divididos em quatro grupos de trabalho em que estudos interdisciplinares são elaborados para compreender as dinâmicas sociais e ambientais que influenciam nos processos de reflorestamento. Atualmente, a doutora em Ecologia Ima Vieira, pesquisadora do Museu goeldi, dedica-se à definição de florestas envolvidas em ações de restauração ecológica e conservação. “o conceito de reflorestamento aqui é o que abrange regeneração natural, floresta, agro-floresta, florestas plantadas, ou plantações florestais comerciais”, acrescenta. o grupo é coordenado pela doutora Robin Chazdon, da Universidade de Connecticut (EUA) e recebe financiamento da NSF (agência de apoio a pesquisa norte-americana), que aposta na relevância do trabalho desenvolvido no MPEg há mais de 20 anos. “Esperase produzir documentos acadêmicos, módulos de ensino, estudos de caso e resumos de políticas por grupo de trabalho que sirvam de apoio a políticas públicas e a tomada de decisões sobre

ANDRé ABREU

MACACoS poLIGLotAS

usos da terra e restauração ecológica de áreas degradadas. Além disso, o

Pesquisadores holandeses ficaram surpresos com chimpanzés que apren-

grupo deve apontar as lacunas de pes-

deram a língua de primatas estrangeiros. Dois grupos de animais foram

quisa e educação na temática e propor

colocados juntos e, depois de um tempo, os chimpanzés criados na Holanda

novos projetos interdisciplinares”,

passaram a emitir os sons dos primatas escoceses para pedir maçãs. Agora, os

afirma Ima Vieira.

cientistas querem saber se os diferentes sons representam línguas diferentes. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 13


PRIMEIRO FOCO

vale bate recordes de produção no pará

MICOS

RECÉM-NASCIDOS A Associação Mico-Leão-Dourado anunciou o nascimento dos primeiros filhotes da espécie neste ano. Os dois miquinhos nasceram na Reserva Biológica de Poço das Antas, em Silva Jardim (RJ). Hoje, cerca de 3.200 animais estão distribuídos na reserva e em fazendas que se estendem por oito municípios da região. Nos anos de 1980, havia apenas 200 micos na natureza, em 3 mil hectares de mata. O mico-leão-dourado ainda corre risco de extinção. Jeroen Kransen / wikimedia

Somente no quarto trimestre do ano passado, a Vale investiu mais de US$ 1,8 bilhão no Pará. No acumulado dos 12 meses de 2014, os investimentos alcançaram mais de US$ 6 bilhões no Estado e a produção de minério de ferro da empresa registrou dois recordes: a marca de 319,2 milhões de toneladas e, deste total, a mina de Carajás produziu 119,7 milhões de toneladas. Entre outubro e dezembro, a mineradora movimentou 32,9 milhões de toneladas pela Estrada

de Ferro Carajás (EFC). Outro indicador superado em 2014 pela mineradora foi a produção de cobre, que totalizou 379,7 mil toneladas. A mina de Salobo totalizou 31,6 mil toneladas de cobre contido em concentrado no último trimestre do ano passado, alcançando um novo recorde de operação. Dentre os destaques da Vale em 2014 estão as licenças para expandir a mina N4WS, em Carajás, e a conclusão do projeto de ferro Serra Leste, em Curionópolis. salviano machado/ divulgação vale

ÔNIBUS

BIOMETANO O primeiro ônibus movido a biometano da história da indústria de veículos comerciais começou a circular recentemente no Brasil. Produzido a partir de fezes de aves poedeiras, o gás é filtrado e envasado, antes de ser transportado para Foz do Iguaçu (RS), primeira cidade onde o ônibus foi

EM ALTA A produção de cobre na mina de Sossego, em Carajás, totalizou 26,9 mil toneladas do minério no último trimestre de 2014

utilizado em demonstração. Segundo o superintendente de Energias Renováveis de Itaipu, Cícero

GAROUPA

TUCUMÃ

urbana, para que ele possa ser integrado à matriz

A ONG Associação Ambientalista Terra Viva

Em vez do azeite de dendê indicado na receita,

de combustíveis do País. A Agência Nacional do

desenvolveu um projeto inédito da reprodução de

por que não usar o azeite de tucumã? O fruto

Petróleo (ANP) está com uma consulta pública

chamada garoupa verdadeira (Mycteroperca mar-

bastante conhecido na região amazônica pode

aberta para regulamentar o uso do combustível.

ginata) em cativeiro. A espécie é classificada como

ser encontrado em várias espécies na natureza

globalmente ameaçada de extinção pela União

e é estudado por pesquisadores da Embrapa

Internacional de Conservação da Natureza. O Pro-

Amazônia Oriental, que destacam também o seu

jeto Garoupa objetiva a caracterização de habitats

potencial para a agricultura e para a produção do

A Década da Água, instituída pelas Nações

na parte física e biológica entre o Rio de Janeiro

biodiesel. O azeite do tucumã tem mais gordura

Unidas, encerra-se em 2015. A cada ano, a UN-

e São Paulo, por meio de equipes de mergulhos.

insaturada, que é benéfica, se comparado ao

Water (agência da ONU que coordena ações em

A intenção é gerar subsídios para a formulação

dendê, além de ser uma rica fonte de vitamina

assuntos sobre água doce e saneamento) esco-

de políticas públicas, trabalhar futuros planos de

A e de antioxidantes naturais. Outra vantagem

lhe um tema para ser debatido internacional-

manejo da espécie e ter esses locais como áreas de

é o fato de ser mais suave e interferir menos no

mente. Para o encerramento deste ciclo, “Água

preservação e de ecoturismo. Na reprodução as-

sabor dos alimentos. O produto foi elaborado no

e Desenvolvimento Sustentável” dará o tom de

sistida, a iniciativa já tem taxa de sucesso de 95%

Laboratório de Agroindústria a partir da polpa

encontros e discussões. Este tema também será

na eclosão de ovos e querem aumentar a sobrevi-

dos frutos de tucumanzeiro-do-pará (Astroca-

celebrado no Dia Mundial da Água, 22 de março.

vência dos alevinos.

ryum vulgare Mart.)

Bley Júnior, o objetivo é demonstrar a viabilidade da aplicação do biometano na mobilidade

ÁGUA

SUSTENTABILIDADE

14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

REPRODUÇÃO

CULINÁRIA

XX


Histórias não faltam para o escritor André Nunes, que lançou o livro “Xingu - Causos & Crônicas” e relançou a obra “A Batalha do Riozinho do Anfrísio”, hoje na 3ª edição. No primeiro título, o foco são as crônicas modernas, enquanto o segundo puxa as memórias de família e caracteriza “o primeiro romance paraense sobre seringais e seringueiros do médio Xingu”, segundo o publicitário Pedro Galvão, que assina a orelha do livro. Através das experiências pessoais, André Nunes

conta histórias e faz reflexões sobre temas diversos. Ele aborda desde a espiritualidade paraense no texto “Círio Cabano”, assim como a preocupação com a exploração do meio ambiente, logo no primeiro capítulo, “Réquiem para uma Ilha”, sobre a ilha do Arapujá, “bem defronte de Altamira”. As obras receberam o apoio da Imprensa Oficial do Estado. Ele adianta que já prepara mais dois livros e que vão se chamar “República” e “Canal dos Escravos”.

wanda queiroz / Divulgação

escritor lança memórias sobre a região do xingu

PERGUNTA-SE

De onde vem o termo tapuia? A palavra “tapuia”, hoje em desuso, ganhou vários significados ao longo do tempo, mas que, originalmente, servia para que os índios tupis pudessem se direcionar aos de outras etnias. Era uma palavra que conotava “bárbaro”, “estrangeiro” e “inimigo”, ou ainda “gente de língua presa”. Durante a ocupação portuguesa, o termo foi mantido. Religiosos, militares ou colonos utilizavam essa categorização entre os indígenas: tupis e tapuias. “Nas aldeias, os indígenas foram privados de sua identidade tribal sob a influência homogeneizadora dos missionários. Compelidos a se comunicar com os brancos e outros nativos na língua geral, ameríndios de diversas tribos foram sendo, através do tempo, tratados genericamente como tapuios”, explicam Marianne Schmink e Charles Wood, na obra “Conflitos Sociais e a Formação da Amazônia”. Durante os conflitos políticos do século XIX até a Cabanagem, cronistas e historiadores se referiram às massas populares como compostas por escravos, mestiços e tapuias (descendentes de indígenas destribalizados). No decorrer do tempo, a palavra tapuia foi se mesclando a outros conceitos. Na região Norte, tapuia pode ser confundido com ribeirinho ou com caboclo. albert eckhout / reprodução

X NÚCLEO NO NÚCLEO Cientistas norte-americanos e chineses descobriram que o núcleo interno da Terra tem seu próprio núcleo, com propriedades físicas diferentes. andré abreu

O estudo fornece novas pistas para compreender a estrutura das profundezas do planeta. O “núcleo do núcleo” é composto de ferro sólido e tem

MANDE A SUA PERGUNTA

Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

cerca de metade do tamanho da Lua, que possui 3,4 mil km de diâmetro. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 15


Quem É?

tHAtIAnA GUIMARãES

ArQuitetA e urBAniStA de cOnStruÇÕeS SuStentáveiS

A

TEXTO roSaNa mEDEIroS fOTO HEly PamPloNa

construção civil é o setor que mais consome recursos naturais no planeta. E, depois da obra pronta, o consumo de energia e água chega a 85%. Além disso, segundo a Organização das Nações Unidas, 90% dos brasileiros estarão vivendo, em 2050, nos centros urbanos, fazendo necessária a construção de mais moradias e infraestrutura e aumentado os impactos ambientais causados pela construção civil. Todos esses dados tornam urgente a necessidade de mudar esse panorama global. Uma das saídas é investir na construção sustentável, conceito defendido pela arquiteta e urbanista Thatiana Guimarães. Para ela, a construção sustentável é a melhor maneira de reduzir esses impactos e de ensinar o homem a conviver com práticas sustentáveis no seu dia a dia. “Os benefícios na escolha de construções sustentáveis podem ser medidos a médio e longo prazo”, diz. 16 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

O interesse pela temática surgiu após a participação em cursos sobre construção e sustentabilidade, em outros estados, e por influência das peculiaridades das cidades amazônicas. Apesar dos benefícios socioeconômicos, a construção sustentável ainda é um conceito a ser muito divulgado na sociedade. Por isso, Thatiana criou um dicionário da construção sustentável. Produzido em 2012, o trabalho contou com a contribuição do engenheiro Manuel Pinheiro, doutor em Engenharia do Ambiente pelo Instituto Superior Técnico de Lisboa. A pesquisadora diz que o dicionário ajudará a “produzir uma possível e efetiva alfabetização da construção sustentável, vislumbrando também a adoção de práticas viáveis para redução de impactos ambientais nas construções e até mesmo mudanças na forma de escolher melhor a forma de construí-las”. O desenvolvimento do dicionário foi o ponto inicial para o investimen-

to em um sonho antigo, a construção de uma empresa com atuação na área de sustentabilidade. A arqECO surgiu com o objetivo de inserir técnicas e metodologias ambientais em projetos arquitetônicos, reformas, materiais, produtos, eventos e divulgação de práticas verdes a serem adotadas nos empreendimentos. Hoje, a empresa atua nas linhas de consultoria, capacitação e desenvolvimento de produtos sustentáveis. Neste ano, vai oferecer cursos de capacitação profissional na área de construção sustentável. À frente da arqECO, Thatiana se prepara para iniciar uma pesquisa sobre o bairro do Jurunas dentro do conceito de sustentabilidade ambiental. “A ideia principal é realizar levantamento no bairro de elementos urbanos já existentes nas temáticas como patrimônio histórico, biodiversidade, mobilidade, gestão de energia, água e resíduos, lazer e qualidade de vida e diversidade econômica”, enumera.

NOmE

Thatiana de Araújo guimarães

IDADE 40 anos

fORmAÇãO

graduação em Arquitetura e Pós-graduação em gestão de Cidades e Sustentabilidade

TEmpO DE pROfIssãO 17 anos


AgêNCIA BRASIl

eu diSSe

aPPLICATIVoS

“O Brasil tem apresentado avanços inegáveis no enfrentamento da fome. Agora, é necessário enfrentá-la nos grupos sociais, como indígenas, quilombolas e a população em situação de rua”

boAS IDEIAS nUM toQUE DE DEDoS

QUItnoW! - pARE DE FUMAR

Renato Maluf, conselheiro e ex-presidente do Conselho Nacional de Segurança

Parar de fumar é imperativo para a con-

Alimentar e Nutricional (Consea).

quista de uma vida saudável. Mas deixar o

(Revista época)

mau hábito é uma tarefa difícil com tantas

“Estes peixes podem ser usados como modelos-animais para avaliar a qualidade dos ambientes aquáticos”

substâncias que causam dependência. Este app mostra estatísticas dos dias sem fumar, economia em dinheiro, além de mensagens para se manter determinado nessa meta. Plataformas: Android, ioS e Windows Phone Preço: gratuito

Isac Silva de Jesus, pesquisador veiculado ao Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) sobre estudo que investiga os peixes elétricos, como o poraquê amazônico (Portal INPA)

bREAtHE2RELAx o app auxilia o usuário a respirar melhor e,

“com o aumento do número de moradores rurais utilizando fossas sépticas, espera-se reduzir a poluição de solos, córregos e rios. trata-se de um instrumento de saúde pública”.

corretos, pode ainda ser ajustado a tratamen-

Marcelo otenio, pesquisador e chefe-adjunto de Pesquisa e Desenvolvimento da Embrapa

tos formais de respiração e autocontrole.

(Portal Embrapa)

Plataformas: Android e ioS

com isso, relaxar de forma adequada, seja para dormir, seja para lidar com situações de estresse ou até mesmo um ataque de pânico. Há séries de exercícios que podem ser usadas pelo próprio usuário ou orientadas por outra pessoa para ajudar alguém. Com exercícios

ASCoM SEDUC

Preço: gratuito

pACKpoInt - LIStA DE bAGAGEM o app é uma ferramenta para organizar viagens das mais complexas, como para outro país, até a um passeio num igarapé próximo. Todo tipo de material, equipamento, roupas,

“vamos saber se o problema do ensino-aprendizagem está no aluno ou no sistema de ensino, possibilitando o planejamento no setor”. Helenilson Pontes, secretário de Estado de Educação, em reunião com uma comitiva do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). (Agencia Pará)

reservas, medicamentos, vacinas, dicionários, dinheiro, horários, atividades, precisa ser organizado adequadamente e com antecedência para nada dar errado na viagem. Possui ícones que chamam a atenção e lembretes programáveis. Plataformas: Android e ioS Preço: gratuito FoNTES: PlAy SToRE E ITUNES março DE 2015

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como Funciona

O matapi ecológico TEXTO E iluSTraçÃO SávIo olIvEIra

o matapi era um caminho para

com os camarõezinhos e para com a

uma pesca sem degradação da natu-

matapi ecológico criado por Regiane

o fim. Quem ia não voltava mais.

preservação da espécie. Desenvolvi-

reza. A jovem inventora aumentou o

ganhou uma menção honrosa como

Para camarão regional ou camarão

do por Regiane Araújo da Silva, filha

espaço entre as talas, deixando bre-

o melhor projeto internacional na

cascudo, fosse adulto ou filhote,

de pescadores de Abaetetuba, uma

chas maiores para os camarões me-

XIII Exporecerca Jove, realizada no

não havia escapatória. Mas o matapi

adaptação sustentável da implacá-

nores terem fuga garantida e um ciclo

Museu de Ciências Comos Caixa, em

ecológico surgiu misericordioso para

vel armadilha de captura garante

de vida mais duradouro. Em 2012, o

Barcelona, Espanha.

CAMARão QUE A onDA LEvA

3

Formato sustentável do matapi ecológico permite a livre circulação de crustáceos menores, preservando a espécie

- ...”poqueca”, espécie de isca feita de farelo de babaçu e farinha. A

1

mistura é embrulhada

o matapi ecológico é

no centro do matapi

uma gaiola feita de tala

para atrair os cama-

de palmeira, costurada

rões maiores, que só

em formato cilíndrico,

sairão da arapuca

com espaços de 1 cm

quando os pescadores

entre as talas, o dobro

abrirem a...

em uma folha, às vezes plástico, e é colocada

da matapi comum. Assim, os camarões ima-

que os graúdos ficam

4

presos na armadilha

...porta do matapi

por causa das...

ecológico. Com a adap-

turos entram e saem à vontade, enquanto

tação, os pescadores

2

conseguiram capturar camarões maiores, medindo de seis a sete

...entradas afuniladas,

centímetros, enquanto

que deixa os camarões

que o matapi tradicio-

passarem para dentro,

nal rendia uma média

mas os impedindo

de tamanho de quatro

de sair. os matapis

a cinco centímetros.

geralmente são presos

Um aumento de ta-

em galhos ou árvores,

manho e renda para a

no fundo do rio. E no

pesca amazônica.

interior da gaiola fica amarrada uma... 18 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

foNTE: REgIANE ARAÚjo DA SILvA

março DE 2015


DEU N’O LIBERAL reprodução / o liberal/ hely pamplona

arquivo museu goeldi

FATO REGISTRADO

Uma estrada de ferro para Carajás marcas da ciência

Na foto de 1913, o funcionário do então “Museu Paraense” posa ao lado de um seringueira, objeto de estudo científico

O homem da seringueira A seringueira estava riscada com três grandes cortes, mas seu látex não iria parar nos pneus da linha de produção automobilística ou em algum apetrecho da indústria bélica. A foto retrata um funcionário do então Museu Paraense, em 1913, que realizava um experimento para extrair látex, de fato, mas com objetivos científicos. Parte do acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi, a foto, feita por Jacques Huber (1867-1914), é um autorretrato: reflete o trabalho do servidor do Museu, mas também as ações do próprio Huber, suíço que “amazonizou-se” durante quase duas décadas de vida na região, compondo

a face e a produção científica da Amazônia. Huber fora contratado pelo governador Lauro Sodré para dois anos de trabalho, mas se apaixonou: ficou por 19 anos, empolgado pelo universo de plantas amazônicas e pelo gigantesco trabalho a se desenvolver. Ficou por essas terras – e rios – até sua morte. O suíço também dirigiu o museu, criando o Herbário Amazônico, além de percorrer longas jornadas, do litoral até os Andes, em expedições científicas. Novamente representando o governo paraense, comissionado pelo governador João Antônio Coelho, Huber fez uma viagem aos países do Oriente, como

Ceilão, Sumatra, Java e a península Malaia, onde já existiam grandes plantações de borracha, assim como na Amazônia. O botânico foi o maior especialista em árvores produtoras de seringa, o que lhe rendeu notoriedade universal. Ainda em 1905, no Boletim do Museu Goeldi, por exemplo, escreveu um ensaio em que listava 21 espécies do gênero Hevea, que, no futuro, poderiam ser úteis para exploração do látex. A foto foi feita no auge da economia gomífera na Amazônia. A ferramenta ao lado do servidor e as cicatrizes da seringueira são elementos que constituem a ciência amazônica com a dedicação de Huber.

No dia 28 de fevereiro de 1985 foi inaugurada a Estrada de Ferro Carajás (EFC), que iniciou o transporte do minério produzido pela então Companhia Vale do Rio Doce, atual Vale, de Carajás no Pará até o porto de Itaqui, em São Luís, no Maranhão. De lá, o produto era exportado para o mundo. O primeiro trem saiu da estação Serra Norte com 160 vagões carregados. O LIBERAL deu destaque ao feito em suas páginas no dia 1º de março de 1985. A EFC ainda hoje lidera o ranking das ferrovias mais eficientes do mundo graças ao investimento em tecnologia de ponta. Para a inauguração, um grande palanque foi montado em Carajás para receber os mais de 800 convidados da companhia, dentre eles o então presidente João Batista Figueiredo. Ele foi a primeira pessoa a acionar a barreta de inauguração com o apito do trem que iniciava a viagem ao pé da serra. Aproximadamente um ano depois, a partir de março de 1986, foram realizadas as primeiras viagens de passageiros. Depois foi a vez dos grãos, produtos derivados de petróleo e de fertilizantes.

março DE 2015

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE Manuel Malheiros Tourinho

As barrancas de terras caídas... A música “TIC-TIC-TAC”, da banda amazonense Carrapicho, tem o verso “as barrancas de terras caídas, faz barrento no nosso rio-mar...”. “Terras caídas” é o termo dado às margens do rio Amazonas e afluentes de água branca que sofreram

erosão fluvial. São margens em constante deslizamento e que dá a coloração barrenta do rio. Trata-se de um fenômeno de muitas causas naturais, mas também da ação do homem, através do desmatamento da mata ciliar do “rio-mar”.

Uma das razões para que as terras caídas existam na região amazônica é a composição frágil das margens, como areia e argila. A pressão da água do rio Amazonas, chegando entre 90 mil e 250 mil metros cúbicos por segundo, reforça o processo erosivo.

Hoje, a paisagem natural do rio representa também área de risco pela prefeitura de Parintins (AM). As terras caídas se tornaram evidência durante deslizamentos e desmoronamentos que afetaram a vida social e econômica dos ribeirinhos locais.

ELES SE ACHAM Cesar Favacho

Louva-a-deus e a arte de enganar

Os louva-a-deus do gênero Ma-

tendo até as cores e comporta-

triomantis dominam a arte da so-

mentos que lembram esses per-

brevivência como poucos seres na

cevejos. Nos últimos estágios de

natureza, já que têm duas estra-

imaturos e nos adultos a estra-

tégias diferentes para cada fase,

tégia muda e o cheiro também.

fazendo um duplo mimetismo,

Adota coloração verde folha, jus-

observado pelo bolsista de ini-

tamente para confundir os ini-

ciação científica do Museu Para-

migos e se esconder no meio da

ense Emílio Goeldi, Cesar Augus-

vegetação. Só que esta segunda

to Favacho.

habilidade, além de prevenir uma

Na primeira fase, de ninfa, imita o

morte precoce, favorece a caça

percevejo da família Reduviidae,

das presas desse inseto perito na

nada palatável aos predadores,

arte do disfarce.

20 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

que gosto ruim

O louva-a-deus do gênero Matriomantis, antes de se tornar adulto, também chega a imitar o mau cheiro dos percevejos


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS sávio oliveira

coleção eládio lima

madrugada adentro

Os macacos do gênero Aotus têm hábitos noturnos e grande abrangência na região amazônia

Os donos da noite Se a manhã é de sono e a tarde também, eles investem na noite. Ao entardecer e ao amanhecer, começam as atividades dos conhecidos macacos-danoite. Os bons boêmios estão ilustrados na prancha XVII do livro “Primatas da Amazônia”, de autoria de Eládio Lima, publicado pelo Museu Paraense Emílio Goeldi em 1945. Na prancha, estão duas espécies dos notívagos: Aotus vociferans, descrito por Spix em 1823, e a Aotus influlatus Kuhl, de 1820. Boa farra, Aotus. Na década de 1980, pesquisadores estimaram uma densidade populacional de 33 indivíduos por quilômetro quadrado. Essa população está distribuída, geralmente, em florestas primárias, secundárias, degradadas, em várzea,

terra firme e submontanha. Ou seja: têm uma ampla ocorrência, encontrados até mesmo numa altitude de 1.600 metros na região da cordilheira dos Andes. Na lista de características, ainda constam seus hábitos frugivoristas, que incluem frutas, néctar, flores e folhas, além de pequenos insetos. Mesmo fêmeas e machos preferindo as atividades da noite e da madrugada, esses primatas são do tipo tradicional: vivem monogamicamente em pequenos grupos, sendo os machos responsáveis pelo transporte das crias. Territorialistas que são, se distribuem por largas – e diversas – regiões. A espécie Aotus vociferans, por exemplo, ocorre no Equador, na Colômbia e no Peru, afora seu registro na Floresta Nacio-

banzeiro, águas agitadas na amazônia Sabe a maresia do mar, aquela subida e descida sem se tornar uma onda de fato? Quando ela ocorre no rio, se chama banzeiro. Ou me-

nal de Tefé, por exemplo, Estado do Amazonas. Já os indivíduos da espécie Aotus azarae têm distribuição ainda maior – tão grande quanto a sua vocalização, em função da bolsa que possuem na garganta sob o queixo –, um canto típico da boemia. Suas subespécies ocorrem no Paraguai, a oeste do rio Paraguai, e também na Argentina. Ainda estão distribuídos no extremo do rio Inambari, no Peru, além da Cordilheira Oriental até o sul da Bolívia. E, ainda, no Estado do Amapá, além de sua fama nas ilhas paraenses de Caviana, Mexiana e de Gurupá, que compõem o arquipélago do Marajó. Um brinde, leitores, para que as fêmeas e os machos dessas espécies tenham ainda muitas noites de festas.

lhor: a maresia é o banzeiro no mar – ou vice e versa. As ondas que vão e vêm, com altas e baixas, cristas e vales, em águas barrentas e em águas escuras, transparentes ou esverdeadas, compõem o banzeiro, termo utilizado no centenário vernáculo caboclo para se referir àquele estado das águas agitadas pelos ventos ou mesmo as ondas sucessivas causadas pela passagem de uma embarcação. Já viu uma pedra jogada n’água? É um banzeiro pequenino. Ambos os termos, banzeiro e maresia, são utilizados nas águas estuarinas da foz dos rios Amazonas e Pará, onde há contato entre rio e mar. Já em baías interiores, como a de Caxiuanã, na região do Marajó, e a do Guajará, em frente a Belém, os navegantes, sejam passageiros ou tripulantes, sofrem na travessia. Isso porque o banzeiro é tão forte que os desabituados “passam mal”, ficam mareados, enjoados e tontos por causa do ritmo da maré. O banzeiro dessas baías é mais comum durante o verão amazônico, entre os meses de agosto e novembro, tendo seu ápice no mês de agosto. É no banzeiro que o ribeirinho, numa ventania desafortunada, brada aquele “valei-me” a Nossa Senhora de Nazaré, como no livro “O Carro dos Milagres”, de Benedicto Monteiro. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 21


EM NÚMEROS

São as águas de março

O Pará entra no período do inverno amazônico com grande volume de chuva TEXTO victor furtado infografia márcio euclides

Até alguns anos atrás, o paraen-

chover bastante no Estado, princi-

será a cidade que mais terá chuva,

altas é feita por meio da tábua de

se era conhecido por só marcar

palmente na Região Metropolitana

com volume previsto de 510,7 milí-

marés durante o mês mais chuvoso

compromissos antes ou depois da

de Belém, com volume previsto de

metros. Já Parauapebas, no sudeste

de Belém, em março. Espera-se a

chuva, geralmente às 14 horas. Até

300 milímetros a 400 milímetros de

do Pará, terá um volume menor,

combinação de maré alta e chuva

que mudanças climáticas e fenôme-

chuva, o que, em termos técnicos,

chegando a 298,5 milímetros, aponta

forte a partir da segunda quinzena

nos meteorológicos alteraram os

representa uma boa quantidade de

a Secretaria de Estado de Meio Am-

do mês”, explicam os meteorolo-

meses chuvosos e horários dos torós

água vinda do céu.

biente e Sustentabilidade (Semas).

gistas da Semas, Saulo Carvalho e

amazônicos. Mas em março ainda vai

Bragança, no nordeste paraense,

“O acompanhamento de marés

Antonio Sousa.

CHOVE LÁ FORA...

A força do inverno amazônico no Estado

OLHA O TORÓ

Volume de chuvas, temperaturas e umidade do ar por região, no Pará, previstos neste ano

2.893,1 mm

Bragança

Belém

6 MESES

510,7 mm

436,2 mm

Santarém

Marabá

é o total pluviométrico anual no Pará

é a duração do inverno na Amazônia

de chuva

25,6°C

na temperatura média

80%

do volume total de chuvas do ano são registrados de fevereiro a julho

87%

de umidade do ar

Paragominas

de chuva

26°C

na temperatura média

88%

de umidade do ar

Breves

429 mm de chuva

24,7°C

na temperatura média

91%

de umidade do ar

387 mm de chuva

25,7°C

na temperatura média

86%

de umidade do ar

Altamira

Parauapebas

316,7 mm

298,5 mm

25°C

é a temperatura média do inverno amazônico, com máxima de 30,7°C e mínima de 21,8°C

de chuva

85%

é a média percentual da umidade relativa do ar para o inverno amazônico deste ano. Quanto mais úmido o ar e mais calor, maior a sensação térmica pela presença de partículas de água. Menos umidade significa ar mais seco.

22 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

381,2 mm

março DE 2015

26,5°C

na temperatura média

90%

de umidade do ar

320 mm de chuva

25,5°C

na temperatura média

88%

de umidade do ar

de chuva

25,7°C

na temperatura média

87%

de umidade do ar

de chuva

25,4°C

na temperatura média

85%

de umidade do ar


MAS QUE AGUACEIRo

onde chove mais no Estado, segundo os meteorologistas

De 300 mm a 450 mm

De 200 mm a 400 mm

de chuva na Região Metropolitana de Belém, de dezembro a maio

CoMo SE MEDE UMA CHUvA?

o volume pluviométrico é calculado em milímetros

1

2

Na faixa sul do Pará, entre os meses de novembro e abril

Cada milímetro de chuva equivale a 1 lITRO DE águA. ou seja, 100 mm de chuva são 100 litros de água, o mesmo que 5 GARRAFÕES de água mineral de 20 litros

o cálculo é feito ao medir a quantidade de chuva (altura da lâmina da água formada) que caiu numa área de 1 mETRO quADRADO (1m²). Para isso é usado um aparelho chamado pluviômetro

h=1mm

a = 1m x 1m = 1m²

1m

3

Em Belém, no mês de março, a previsão é de que serão quase 22 gARRAfõEs de água mineral de chuva. Isso quer dizer que é muita água, afinal, serão 436,2 MM DE CHUVA em cada metro quadrado. Mas calma, essa quantidade vai ser distribuída ao longo do mês inteiro.

1

1m

Na faixa norte do Pará, no período de janeiro a junho

De 200 mm a 350 mm

foNTE: SEcRETARIA DE ESTADo DE MEIo AMBIENTE E SUSTENTABILIDADE (SEMAS)

março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 23


OLHARES NATIVOS

24 窶「 REVISTA AMAZテ年IA VIVA 窶「

marテァo DE 2015


EXPEDICAOPARA.COM.BR

Em direção ao próprio destino Sempre em frente e a vida, fardo [leve como pluma], pesada [e doce como mel], a reboque, invisível no zunido forte rio afora, fixa no olho do homem atento ao destino, não o inexorável, mas aquele, corriqueiro, aquele de chegar. Não se sabe se é a vida motor ou casco a cada palmo ultrapassado. E o que importa se navegar que é preciso e viver tão impreciso quanto urgente e necessário? Cabe resposta. Ao homem cabe o rio que nele cabe inteiro e, arrisca a dizer sem dizer nadinha, que a imensidão líquida, pista fluída do espaço e tempo, é a própria vida - o tal fardo doce e leve e pesado e invisível - a seguir todos os dias e todas noites, tão incessante e impositiva que no dia em que cessar nem saberá o homem porque estará finalmente na esperada fusão com o tempo, contado sempre e obsessivamente. Será então ele casco, zunido, silêncio, motor, ar, água, ida e volta, o rio, tudo, nada e, sobretudo, história. FOTO: FERNANDO SETTE março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 25


EXPEDICAOPARA.COM.BR

OLHARES NATIVOS

Com toda a força A margem é começo e fim. O trajeto – seja ele qual for – exige coragem e força, e o princípio ou o término a presença de espírito para saber chegar ou saber partir. Ou se passou ou ainda haverá o risco do caminho. Vale, ao final de tudo, a missão. FOTO: FERNANDO SETTE

Meninas nas canoas De sorriso em sorriso, de canoa em canoa, de margem a margem, cidade em cidade, tece-se o dia nas beiras, nos trapiches, no cais em tantos rios. O fio d’água para chegar ao ribeirão ou a imensidão barrenta para alcançar o mar é cenário da vida na Amazônia. FOTO: INOCÊNCIO GORAYEB

26 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015


Sempre às ordens Abelhas guardam a tarefa de manter a natureza em funcionamento. As operárias carregam o pólen e a responsabilidade do mundo e da doçura de ver produzir o sabor do paladar sem tacho ou engenho. FOTO: CARLOS BORGES

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OLHARES NATIVOS

Artimanha da aranha Exuberante em oito patas, ela prepara com cuidado sem descanso e ceia. Paciente e atenta, aguarda a refeição. E, às vezes, guarda para mais tarde, como domínio de suas próprias vontades e ciência do que reserva o futuro. FOTO: oswaldo forte

Um instante para o retrato O simpático lagarto desce o tronco, curioso. Fascinante em sua roupa bordada de escamas percebe o silêncio que precede o clique. Desconfiado, mas irremediavelmente flagrado, deixa-se fotografar, afinal. FOTO: oswaldo forte

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março DE 2015


Bicho de luz neon O instante reserva o espetáculo. A fusão entre magia, luz e natureza. Registro de arte espontânea entre a vegetação, a ninfa de uma cigarrinha da família Fulgoridae e a luz. Surpreendentemente, o feixe de luz acrescenta o elemento insólito. FOTO: CARLOS BORGES março DE 2015

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OLHARES NATIVOS

Amizade verdadeira Em um mundo cada vez mais tecnológico, há uma revolução em curso na relação homem-natureza e as crianças, sempre elas, são a vanguarda desses novos tempos. Na imagem, a amizade de uma menina Tembé e seu xerimbabo. FOTO: INOCÊNCIO GORAYEB

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!






oPINIão, IDENTIDADE, INICIATIVAS E sOluÇõEs TARSo SARRAF

IDEIASvErDES

UM pARQUE no MEIo DA FLoREStA oS vISItAntES Do pARQUE zoobotÂnICo vALE, nA FLoREStA nACIonAL DE CARAjÁS, ConHECEM DE pERto A FAUnA E A FLoRA DA AMAzônIA PÁGInA 38

CIÊnCIA coordenador do programa de pós-

SUSTEnTÁVEL em abaetetuba, um jardim graduação em genética e Biologia molecular da pomar cultivado em um sítio chama a atenção uFpa, artur Silva fala dos avanços na região. PÁG. 36 para a preservação de espécies vegetais. PÁG.46

ESPoRTE comunidade no bairro de Águas lindas encontrou no futebol uma alternativa para inclusão social dos jovens carentes. PÁG.50

março DE 2015

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OUTRAS CABEÇAS

A

democratização das descobertas científica e tecnológica tem ares de utopia para grande parte dos pesquisadores, mas para o coordenador do programa de Pós-Graduação em Genética e Biologia Molecular da Universidade Federal do Pará, Artur Silva, essa realidade cavalga a passos largos no século XXI. Pesquisador do Centro de Genômica e Biologia de Sistemas da UFPA, o biólogo, doutor em genética e especialista em genética genômica garante que dentro de um curto espaço de tempo, por exemplo, qualquer cidadão poderá ter o genoma sequenciado. “É uma perspectiva otimista”, diz. A linha de pesquisa de Artur está mais próxima das necessidades do cidadão amazônico do que se imagina. O Pará está bem posicionado nos estudos de genomas – sequenciamento hereditário de micro-organismos –, por meio dos laboratórios do Centro de Genômica, criados em 2000, quando iniciou-se o projeto Genoma no Brasil. Desde esse tempo, o Estado faz parte da Rede Nacional de Sequência de DNA.

Desde 2000, o Pará integra o projeto Genoma Brasileiro, junto com o Amazonas, os únicos representantes da região Norte. Como conseguimos chegar lá? Perseverança e escolha de competência. Dentro de toda a América do Sul, a UFPA é a que mais deposita genomas no National Center for Biotechnology Information (NCBI), nos Estados Unidos. Esse é o órgão internacional onde ficam depositadas todas as informações sobre genomas do mundo inteiro, e nós depositamos mais genomas até mesmo que o Canadá. Isso é motivo de orgulho para nós. A UFPA usou em primeira mão três tecnologias da Thermo, a maior empresa de biotecnologia do 36 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

“A nossa intenção é prestar serviços”

Estudos realizados dentro do programa de PósGraduação em Genética e Biologia Molecular da Ufpa, coordenado por Artur Silva, revelam os avanços na área de genômica que podem contribuir com o aprimoramento genético da biodiversidade na região TEXTO Natália Mello FOTO Hely Pamplona


mundo. Eles desenvolveram um equipamento e nós fomos a primeira instituição a usar essa tecnologia junto ao NCBI. Isso significa produzir genoma com baixo custo e alta eficiência. Quais pesquisas dentro do Centro de Genômica e Biologia de Sistemas da UFPA podem ajudar a entender alguns dos problemas enfrentados pela população amazônica? Quando fiz a Rede Paraense de Genoma, eu coordenei o projeto de pesquisa sobre o câncer gástrico. E nós conseguimos identificar o sequenciamento das células cancerígenas, o que permite uma maior possibilidade de tratamento da doença. Nós só dávamos o suporte tecnológico, porque os outros grupos não faziam o sequenciamento desse genoma, e hoje eles fazem. Nossa intenção, quando sequenciamos, foi pegar a tecnologia que tínhamos aqui e colocar em outros grupos no Pará. Fazer essa tecnologia sair do âmbito da UFPA, democratizar dentro do Estado com outros laboratórios. E conseguimos. Há uma pesquisa sobre a sequência genômica do câncer de mama na região. A nossa intenção também é prestar serviços por meio do laboratório de engenharia biológica. É a nossa forma de transferir o conhecimento para a comunidade. Trinta por cento dos casos de câncer de mama são de origem genética. Para entendermos isso, temos que sequenciar o DNA. As pesquisas vão direto à mutação. Estamos preparando um laboratório dentro do Parque Tecnológico da UFPA para demandas que vão ocorrer rapidamente. Vamos trabalhar com a chamada medicina personalizada ou genômica para identificar o câncer de mama. Poderemos fazer aqui e vamos ser o primeiro do Norte e Nordeste. O exame será feito por meio de convênios com planos de

“O benefício social permite uma capilaridade maior, nos preocupando não só com o Pará, mas com o bem-estar dos outros estados” saúde, por meio de laboratórios privados que aceitam as encomendas do SUS para prestar serviços à comunidade. Foi realizada uma pesquisa nos lagos Bolonha e Água Preta, em Belém, que identificou bactérias super-resistentes. Como isso pode afetar a população? Os lagos são responsáveis pelo abastecimento de água em toda a região metropolitana. O entorno dos lagos é rodeado de moradias irregulares. Os moradores jogam o esgoto no manancial, tomam banho com essa água, que volta para o lago. A água que nós usamos é tratada, mas são as pessoas que moram lá que transportam as bactérias. Quando elas vão ao hospital, elas estão com a bactéria da resistência, a KPC. Nós a temos e convivemos com ela. Mas se as bactérias encontradas no lago passam para essas pessoas e adquirem a resistência da KPC, não poderão ser tratadas com o antibiótico. Aí as pessoas podem morrer com a mínima infecção. Como formar pesquisadores na área de pesquisa em genômica e biologia de sistemas? Quando criamos a Rede Genoma Paraense, não tínhamos gente para fazer isso. Usamos a Pós-Graduação da UFPA em

genética, que é nível 6 na Coordenação de Aperfeiçoamento Pessoal em Nível Superior do Ministério da Educação (Capes/ MEC). Com essa avaliação só temos três na Amazônia e dois são na UFPA. Pois bem, criamos dentro da pós uma indução da bioinformática, e trouxemos professores de fora pra qualificar esses estudantes. Hoje, já temos dois professores formados aqui dando aula de bioinformática, então acabou a dependência que existia do Sul do País. É importante dizer que o apoio do governo federal e do Estado é irrestrito. Eles entendem a importância e sabem que estamos fazendo um trabalho sério. São quantos laboratórios de pesquisa dentro do Centro de Genômica e Biologia de Sistemas? Nós começamos com quatro, mas por uma questão organizacional temos três agora: o laboratório de genômica e bioinformática, o de clonagem gênica e o de evolução e desenvolvimento. Todas essas áreas são estratégicas dentro da pesquisa genômica e fazem parte de todo o processo de sequenciamento e armazenamento de dados levantados com as pesquisas. É interessante, por exemplo, o trabalho que estamos fazendo para sequenciar o genoma do búfalo do Marajó, em parceria com o governo do Estado. É importante para nós, porque podemos trabalhar um desenvolvimento da espécie a partir do genoma dele. Que outras descobertas podem contribuir com a melhoria da qualidade de vida da população amazônica como um todo? Nós conseguiremos fazer a prestação de serviços se tornar um sucesso saindo dos muros da UFPA. Essa será a nossa grande contribuição. Existem problemas locais que são muito fortes, mas existem problemas em outros estados que não têm a tecnologia necessária para realizar pesquisas. E nós podemos ajudar. O benefício social permite uma capilaridade maior, nos preocupando não só com o Pará, mas com o bem-estar dos outros estados. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 37


ASSUNTO DO MÊS

38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

FEVEREIRO DE 2015


BEM NATURAL Construído há 30 anos na Floresta Nacional de Carajás, o Parque Zoobotânico Vale aproxima visitantes, pesquisadores e comunidade local da vasta biodiversidade amazônica

É

TEXTO Bruno Rocha FOTOs Tarso Sarraf

começo da tarde, mas o clima é agradável, diferente do calor que se sentiria em um grande centro urbano naquele mesmo período. Um vento constante refresca o corpo e imensas árvores sombreiam o caminho. Essa é a paisagem encontrada no Parque Zoobotânico Vale (PZV), a meia hora de carro de Parauapebas, sudeste do Estado. Em 30 hectares de extensão, a área possui 70% de floresta primária, com grande diversidade biológica preservada. Inaugurado em 5 de março de 1985, o parque construído pela Vale na Floresta Nacional de Carajás é referência mundial em sustentabilidade. Hoje o PZV desenvolve pesquisas com instituições parceiras e outros zoológicos e herbários, além de atuar como base de apoio do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) e das Unidades Operacionais da Vale localizadas na região de Carajás. Na chegada ao parque, ainda na portaria, há uma amostra das plantas existentes na região, principalmente de orquídeas, em um jardim que simula o ambiente de canga,

presente na Serra de Carajás, que começou a ser beneficiada pela Vale também há 30 anos (leia mais na página 44). A maioria delas é de espécies endêmicas, ou seja, que, por causa de suas características originais, não são encontradas em qualquer outro ambiente que não seja o de vegetação baixa, típica de solos ricos em minério de ferro, chamada de canga, como explica o botânico Lourival Tyski. “Aqui, a gente pode encontrar, por exemplo, a Ipomeia marabaense, de distribuição restrita, e a Ipomeia cavalcantei, exclusiva da região e planta símbolo de Carajás”, comenta. Já o orquidário, onde funciona uma base de levantamento do PZV, é usado como ferramenta de ensino e treinamento. Lourival conta que no espaço “é possível mostrar para as pessoas a diversidade de orquídeas e fazer o treinamento daqueles que trabalham com o resgate dessas espécies na região”. A maioria das orquídeas nativas de Carajás não tem um apelo comercial tão grande devido o tamanho reduzido de suas flores. No parque, é possível observar também alguns exemplares de plantas medicinais nativas, o exemplo mais famo-

ilustres anfitriãs

As araras-vermelhas são alguns dos moradores mais conhecidos do Parque Zoobotânico Vale, em Parauapebas

MARÇO DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 39


ASSUNTO DO MÊS

so é o Jaborandi, dele são extraídas substancias usadas produtos oftalmológicos, principalmente contra o glaucoma.

ZOOLÓGICO

Com 57 espécies de animais e mais de 250 indivíduos no plantel, entre suçuaranas, antas e aves diversas, o Parque Zoobotânico Vale tem em seu zoológico animais em risco de extinção, a exemplo da onça-pintada, do macaco-aranha e do gavião-real. “Além dos animais comumente encontrados aqui, como tartarugas, papagaios, tamanduás e tatus, nós temos também os ameaçados, que participam de programas de conservação, como ararajuba e arara-azul-grande. Esta última saiu da lista de espécies ameaçadas no final do ano passado, por causa de programas de reprodução como o do parque, além de iniciativas, como os programas de monitoramento e conservação existentes no parque”, diz Leandro Maioli, biólogo do PZV, ao ressaltar a importância do trabalho realizado em Carajás. Mesmo não estando em programas de reprodução, durante os 30 40 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

anos do parque inúmeras espécies já se reproduziram espontaneamente no local, como é o caso da onça-pintada. Isso significa que o zoológico mantém os animais em um ambiente saudável, oferecendo boas condições para que eles cheguem até a plenitude da reprodução. “Quando você tem um animal de cativeiro que consegue se reproduzir é porque ele está no ápice do seu bemestar”, afirma Leandro. O jovem casal de gaviões-reais, por exemplo, apreendidos pelo Ibama em uma propriedade particular, vem gerando expectativa do nascimento de filhotes ainda este ano. Hoje, em parceria com órgãos ambientais, o Parque Zoobotânico Vale mantém cerca de 30 animais em caráter de guarda. São espécies geralmente capturadas por pessoas que os entregam voluntariamente ao ICMBio. “Quando chegam aqui, esses bichos que vêm do Instituto são cadastrados em um banco de dados e recebem todos os cuidados necessários até que possam ser reintroduzidos em seu habitat natural. Do contrário, eles são incorporados ao zoológico, quer para exposição

ou apenas para habitar e se desenvolver”, explica Leandro Maioli. No trajeto que se segue pelas trilhas de visitação ao PZV é possível perceber que na maior parte dos espaços predomina o modelo de recinto moderno para os animais, sem cercas e grades internas, o que dá a eles a sensação de ambiente natural. Isso é parte de um esforço de ambientação para manter as espécies o mais próximo possível da floresta, principalmente para aquelas resgatados de cativeiros.

VISITAS

O percurso para se chegar ao Parque Zoobotânico Vale, saindo de Parauapebas, por si só é um atrativo a parte. De carro, o visitante passa por um caminho de mata fechada e de ladeiras, o que o ajuda a se habituar com os efeitos da altitude, característica típica das serras. Mesmo com uma estrada asfaltada e com equipamentos de fiscalização de alta tecnologia, o visitante adentra parte da floresta amazônica que compõe o parque. As visitas são frequentes durante todo o ano, mas é no período das

uma boa caminhada

Quem visita o parque fica livre para percorrer as trilhas do lugar e conhecer os mais de 20 recintos de animais, que recebem cuidados especiais


férias escolares, nos meses de janeiro e julho, que há maior número de pessoas circulando no local, cerca de 10 mil visitantes por mês. Para proporcionar o maior contato possível com o meio ambiente o centro de visitação foi pensado para representar o ecossistema da Amazônia e tem uma estrutura que conta com atualmente 23 profissionais da Vale, entre equipe administrativa, veterinário, biólogo, analistas e técnicos em meio ambiente e sustentabilidade, identificadores, botânicos e tratadores de animais. Quem vai ao parque fica livre para percorrer as trilhas do lugar e conhecer os mais de 20 recintos de animais. Mas também é possível fazer visitas monitoradas, que são acompanhadas por

técnicos em meio ambiente e biólogos, fazendo todo Circuito do Zoológico, Orquidário e a Sala de Coleções Didáticas, ideal para turistas, escolas e outras instituições, pela quantidade de informação fornecida pelos profissionais que usam exemplos práticos sobre a diversidade e características biológica dos espaços durante o passeio. Toda a infraestrutura é direcionada para o bem-estar dos visitantes com bancos para descanso distribuídos nas trilhas e parquinho para crianças brincarem. Além disso, recentemente foi inaugurado o Centro de Visitantes, uma grande área para exposições, salas de reunião, espaço para educação ambiental, biblioteca, herbário, auditório e

zonA vERDE

Além da fauna, o Parque zoobotânico Vale abriga importantes espécies vegetais. Conheça algumas:

tIMboRAnA

Pseudopiptadenia suaveolens (Miq.) J.W. grimes

CInzEIRo

Erisma uncinatum Warm

QUARUbARAnA

Vochysia maxima Ducke

IpoMEIA-DE-CARAjÁS

TuDO pElO mEIO AmbIENTE

o biólogo do PzV, leandro Maioli, diz que o trabalho desenvolvido no local, principalmente os programas de reprodução, tem salvado a vida de muitas espécies. Para o botânico lourival Tyski, a coleção de orquídeas do parque representa uma parte da flora de Carajás.

Ipomoea cavalcantei D.F. Austin

oRQUÍDEA SobRÁLIA

Sobralia liliastrum lindl.

MoGno

Swietenia macrophylla king

CopAÍbA

Copaifera duckei Dwyer

pACHIUbA

Socratea exorrhiza (Mart.) H. Wendl.

pARICÁ

Schizolobium parahyba var. amazonicum (Huber ex Ducke) Barneby

março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 41


aSSunto do mÊS

o REI Do pEDAço o gAvIão-REAL é UM DoS ANIMAIS MAIS RARoS Do PARqUE

quando surgiu o Programa de Conservação do gavião-Real, da Vale em parceria com o ICMBio e Instituto Nacional da Amazônia (INPA). No

Também conhecido como harpia,

parque, um casal de harpias chegou

uma das mais poderosas aves de ra-

ainda filhote e no ano passado fez

pina do mundo mede 2,3 metros de

sua primeira postura.

envergadura. As garras afiadíssimas

Construídos a mais de 30 metros de

podem chegar até sete centímetros,

altura, os ninhos dessas aves são

tamanho igual às garras de um urso

circulares, com diâmetro que pode

preto, e o forte bico negro colocam

chegar a 1,9 metro, quase o tama-

esse predador alado no topo da

nho de uma mesa de jantar com seis

cadeia alimentar.

lugares. Nesse ninho nasce apenas

Esse animal é encontrado na Amé-

um filhote, que só deixa os cuidados

rica latina, do México à Argentina.

dos pais aos dois anos de idade. A

No final de 2007, foi descoberto o

fêmea, quando adulta, é maior que

primeiro ninho de gavião-real da

o macho e pode chegar até 10 quilos

Floresta Nacional de Carajás e em

e 90 centímetros de altura. o macho

2008 uma fêmea passou a usá-lo. Foi

não ultrapassa dos 60 centímetros.

cONTATO os visitantes do PzV podem observar os animais em seus recintos naturais

Sala de Coleções. Vindo de Natal, no Rio Grande do Norte com a família para Parauapebas a trabalho, o agente de viagens Wendel Silva visitou o parque e disse que fazia tempo que não se sentia tão bem e tão próximo da natureza. “Aqui é muito grande e tem muita coisa para ver, mesmo assim não é cansativo. Pelo contrário, é tudo tão bonito e bem organizado que a gente nem percebe que está caminhando tanto tempo. É outro ar que a gente respira, um ar limpo e mais vivo”, comenta. A esposa dele, Leilafort Silva, completa dizendo “que é um espaço muito bom para as crianças. É difícil achar lugares assim, com o contato direto com os animais. Você está andando e de repente cruza com uma cutia no caminho ou um macaquinho pula no galho do seu lado. Para os nossos filhos é uma experiência ótima”. A estudante de arquitetura Kilvia Nicássia, que passou férias no início do ano em Parauapebas, destacou que apesar de manter o aspecto rústico o parque é muito didático. “Todos os lugares possuem placas explicativas, informações sobre espécies e outras orientações e dicas de sustentabilidade”, elogia.

umA AVE pODEROsA

o gavião-real, também chamado de harpia, é protegido pela Vale em parceria com o ICMBio e o INPA. o animal está no topo da cadeia alimentar e corre risco de extinção.

42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

EDUCAção AMbIEntAL

O Parque Zoobotânico Vale, em Carajás, é uma importante ferramenta para o desenvolvimento de programas de edu-


Suçuaranas Aves de rapina

ONÇAS

Primatas ANTAS

na grande área

pzv fica no coração da floresta de carajás

O Parque Zoobotânico Vale se estende por 30 hectares de floresta, sendo 70% de zona primária. O espaço abriga mais de 250 animais e chega a receber até 10 mil visitantes por mês em períodos de férias escolares, como janeiro e julho.

cação ambiental para a população local. André Mourão, veterinário e supervisor do parque, afirma que a comunidade é o foco principal. “Com nossa grande biodiversidade e espaço podemos não só proporcionar bons momentos de lazer, como também transmitir conhecimento de maneira lúdica”, diz. Mourão explica que para isso algumas atividades são desenvolvidas em parcerias com escolas e instituições parceiras, como

aves

portaria e orquidário

os projetos Bicho do Mês e Planta do Mês e o Programa de Educação Ambiental, que tem como público-alvo os alunos das escolas municipais da região, tanto do centro urbano quanto da zona rural. A Universidade Federal Rural da Amazônia, por exemplo, desenvolve atualmente um projeto no PZV junto com a Cooperativa de Extrativistas da Flona de Carajás que fornece treinamento para aperfeiçoar e deixar o trabalho dos coletores de semen-

te mais seguro. “Tirando a minha família e meus filhos, o parque é a coisa mais importante da minha vida”, comenta Jeovanis Oliveira, técnico ambiental e responsável pela manutenção do PZV. Hoje com 58 anos, Jeovanis veio de São Paulo há 31 anos para trabalhar em um posto de gasolina de Parauapebas. As coisas mudaram e ele acabou indo trabalhar como motorista na construção do Parque Zoobotânico Vale, de maneira provisória até conseguir dinheiro março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 43


A MINA DE CARAJÁS 350 mil passageiros por ano e além de minério de ferro hoje os trens carregam soja e outros grãos, combustíveis, fertilizantes, entre outros. A EFC é interligada a Trans-

Localizada na região sudeste do Estado do

Norte Sul, que atravessam respectivamen-

Pará, a província mineral de origem vul-

te sete estados do Nordeste e os estados

cano- sedimentar, abriga no seu interior

de Goiás, Tocantins e Maranhão. O cons-

minério de ferro, ouro, cobre, zinco, man-

tante investimento feito pela Vale, tanto

ganês, prata, bauxita, níquel, cromo, es-

no transporte de produtos quanto no

tanho e tungstênio em quantidades ainda

trem de passageiros, faz com a Estrada de

a serem determinadas. Só de minério de

Ferro Carajás seja a ferrovia mais eficiente

ferro são mais de 120 milhões de toneladas

do Brasil, segundo estudo do Instituto de

beneficiadas por ano pela Vale, o que faz

Logística e Supply Chain (Ilos).

com que a mina de Carajás seja considera-

A produção nas jazidas de Carajás fez de

da a maior do mundo a céu aberto.

Parauapebas a cidade que mais cresceu

A reserva foi descoberta quando, em

no Brasil nos últimos anos e seu PIB já é o

1967, o geólogo Breno dos Santos sobre-

maior do Pará, crescendo 144% de 2008 a

voava a região e resolveu pousar em uma

2011, contra a média nacional de 10%. Pa-

das clareiras observadas. Ele percebeu

rauapebas é hoje a cidade com os melhores

então que havia baixado em uma canga,

indicadores de desenvolvimento econômi-

solo onde o minério de ferro está tão ren-

co do país, de acordo com o levantamento

te à superfície que a vegetação não con-

feito pela revista Exame. A riqueza gerada

segue crescer de forma normal. Depois de

pelo minério movimenta a economia e traz

umas poucas verificações constatou que

importantes empreendimentos, como o

bem ali, embaixo da floresta, havia uma

Unique Shopping Parauapebas, o primeiro

riqueza mineral incalculável.

da cidade, inaugurado há três anos.

Hoje, após exatos 30 anos do início das

No final do ano passado, a Vale recebeu

operações no local, a mina conta com cerca

licença ambiental de operação para a

de 10 mil funcionários, e máquinas como

ampliação da produção em Carajás, na

perfuratrizes, tratores, motoniveladoras e

cava N4WS, o que significa a expansão

outros equipamentos usados nas escava-

da produção de minério de ferro nos

ções de bancadas de 15 metros de altura.

próximos anos pela empresa. Também

Ao todo, 900 mil toneladas de material são

para garantir sua produção, a mineradora

movimentadas por dia. Desse montante,

está investindo cerca de US$ 20 bilhões

340 mil toneladas possuem teor de ferro

no projeto da nova mina S11D, o maior

para utilização industrial e restante é devol-

da história da Vale e também o maior da

vido ao solo. O minério produzido na mina

indústria de minério de ferro em todo o

de Carajás é de alto teor, considerado um

mundo, que produzirá 90

dos melhores do mundo.

milhões de toneladas anuais de miné-

Essa carga é embarcada em navios atraca-

rio de ferro com teor médio de ferro de

dos no Porto da Ponta da Madeira em São

66,48% e baixa concentração de impure-

Luís (MA), e o transporte até lá é feito pela

zas. A entrada em operação está prevista

Estrada de Ferro Carajás (EFC), também

para o segundo semestre de 2016.

inaugurada em 1985. Ao longo dos seus 892 quilômetros de trilhos são transportados 120 milhões de toneladas de carga e 44 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

março DE 2015

produtividade

A mina e a estrada de ferro de Carajás movimentam a economia no Estado do Pará

arquivo liberal

nordestina Logística (FTLSA) e a Ferrovia

arquivo vale

Produção de minério de ferro no sudeste do Estado é uma das maiores do mundo

ed ferreira / arquivo o liberal

ASSUNTO DO MÊS


em casa

Técnicos do PZV, como tratador José Rosa, ajudam a ampliar o conhecimento dos visitantes sobre a biodiversidade. Para Jeovanis Oliveira, trabalhar no parque é tão importante quanto a própria família.

e voltar para São Paulo. Mas depois, Jeovanis viu que não era bem isso que ele queria. “Aqui eu encontrei uma afinidade de estar na natureza que antes eu desconhecia. Eu acredito ser esse o diferencial mais importante desse lugar. As pessoas que trabalham aqui, além de ótimos profissionais, gostam do que fazem”, afirma. Para o técnico ambiental, esse é o fator que faz com que o Parque Zoobotânico Vale seja referência internacional e sirva como parâmetro para outros zoológicos e espaços botânicos no Brasil e no mundo. Jeovanis conta que durante esses 30

anos ele nunca viu tanta gente se interessando pelo parque. Não só turistas, mas também estudiosos e pesquisadores. E entre as inúmeras histórias que ele tem para contar, lembra-se bem da visita da princesa Diana, em 1991, que na ocasião plantou uma castanheira no lugar. “Isso até contribui para fama do Parque Zoobotânico de Carajás”, acredita o técnico ambiental. Contemplar os bichos e a beleza da mata do parque é algo incansável e que vale a pena. Até o tempo passa despercebido. Quem visita o parque vive o emocionante contato com a floresta amazônica no seu es-

tado mais completo e sentir a tranquilidade que o lugar transmite é algo gratificante. Uma maravilha que vai continuar surpreendendo e seguindo seu curso natural.

Serviço

O Parque Zoobotânico de Carajás é aberto ao público todos os dias, das 9h às 15h30. Endereço: Estrada Raimundo Mascarenhas, s/n KM 26 - Núcleo Urbano de Carajás, sudeste do Pará. O acesso ao parque é feito via terreste, de carro ou de van, saindo de Parauapebas. Visitas podem ser agendadas pelo telefone (94) 3327-4878. março DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 45


COMPORTAMENTO SUSTENTÁVEL

Um pomar

em Abaeté

Iniciativa de um cabeleireiro, ambientalista por vocação, o Sítio Radini é uma reserva particular que reúne diversas espécies vegetais que ficam à disposição da visitação pública TEXTO Fabrício Queiroz FOTOS Hely Pamplona

E

m outubro de 1982, a Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas aprovou a Carta Mundial para a Natureza, um documento que apresenta os princípios que os estados devem adotar para a proteção do meio ambiente. Esse foi apenas um dos atos que ajudaram a promover uma crescente conscientização sobre a importância da preservação ambiental em todo o planeta no último século.

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Foi também nos anos 80, durante uma viagem de estudos a São Paulo, que Raimundo Rodrigues Cardoso despertou para essa discussão. Logo, percebeu que a Amazônia e seu povo teriam um papel fundamental nesse novo momento para o meio ambiente. Cabeleireiro profissional e artista plástico, Ray Cardoso, como é conhecido, se tornou também um “ambientalista de coração”, como ele mesmo se define, e criou em

Abaetetuba, onde mora, uma área para preservar a biodiversidade local. Às margens da PA-252 fica o Sítio Radini, que recebeu o nome em homenagem aos três filhos: Raíssa, Radi e Raoni. Com 34 hectares, o terreno tem grande parte da área intacta e uma porção menor, onde foram plantadas diversas espécies frutíferas típicas da região. Hoje, Ray contabiliza 165 espécies no sítio, sendo 163 nativas e mais duas de origem


africana, que formam um acervo único da riqueza da floresta. Para Ray Cardoso, o sítio é um local diferenciado em Abaetetuba, que surgiu como alternativa para a sustentabilidade no município. “As pessoas precisam de um lugar onde possam descansar, ter contato com a natureza”, diz. Por isso, apesar de ser uma reserva privada, o Sítio Radini sempre está aberto à comunidade, especialmente para os alunos de escolas públicas do Baixo Tocantins e pesquisadores de instituições, como o Museu Paraense Emílio Goeldi, que já fez um inventário das espécies encontradas no local. Ray lembra que a aproximação dos cientistas com o local começou com o médico e ambientalista Camilo Vianna, depois com outros pesquisadores, como a botânica Vera Bastos, do Museu Goeldi, e Urano Carvalho, da Embrapa.

VARIEDADES

Não é exagero dizer que no Sítio Radini podemos encontrar um pedacinho de cada recanto da Amazônia. Dificilmente se encontra espécies vegetais tão próximas umas das outras. Árvores de mari-mari, guaraná, açaí, araçá, abricó, bacuri, tucumã e uma série de diversas espécies até pouco conhecidas convivem no local. Pés de umarirana, gogó-de-guariba, sapotade-solimões, castanha-de-cutia e fruta-violeta são encontrados na reserva e cada uma dessas árvores desconhecidas tem uma história. “Nós temos aqui um muruci que veio dos campos do Marajó. Temos a castanha-de-cutia, que veio do Inpa (Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia), do Amazonas. Eu procuro, peço, encomendo, negocio, faço qualquer coisa para conseguir um exemplar. No Acre, eu já andei 18 quilômetros em busca de um tipo de fruta”, lembra o ambientalista. Com o apoio de instituições de pesquisa, no sítio também é possível ver frutificando árvores provenientes de sementes melhoradas geneticamente,

o criador de pomares

Em uma área de 34 hectares, Ray Cardoso cultiva diversas espécies de árvores frutíferas. No local, é possível encontrar o ouriço da castanha-de-cutia e o guaraná.

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comportamento SuStentÁVel

O ARcEbIspO EméRITO DE bElém, DOm VIcENTE zIcO, plANTOu um AbIu-cARAmbOlA

O cANTOR NIlsON chAVEs é pADRINhO DE umA áRVORE DE AÇAÍ-AÇu A ATRIz DIRA pAEs plANTOu um pé DE Tucumã-sEm-EspINhO NO sÍTIO RADINI

O VIOlONIsTA sAlOmãO hAbIb TEm um pé DE AchAchAIRu NO pOmAR DE RAY cARDOsO

FoToS: DIVUlgAÇão

“O sítio sempre foi aberto a todos. Ele serve para isso” RAY cARDOsO

Fundador do Sítio Radini

como um bacuri enxertado. Além disso, o local conta com uma pequena mostra de insetos. Na área também foi criado o “Parque do Miriti”, um terreno onde somente a planta símbolo de Abaetetuba é cultivada. Com atuação reconhecida na região, o Sítio Radini participou, em 2012, do Encontro de Jardins Botânicos, realizado no Pará pelo Museu Goeldi, ocasião na qual recebeu o título de “Jardim Pomar de Abaetetuba”.

FAMoSoS

Ray Cardoso conhece como a palma da sua mão os quase quatro hectares onde estão as árvores plantadas no Sítio Radini. É ele quem con48 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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duz os visitantes pela reserva. O ambientalista fala de curiosidades sobre as espécies, degusta e oferece as frutas para quem chega e lembra o momento em que cada uma das árvores foi plantada, afinal muitas têm padrinhos ilustres, como o poeta João de Jesus Paes Loureiro, que plantou uma azaleia no sítio. Já uma variedade de tucumã sem espinho tem a atriz Dira Paes como madrinha. O arcebispo emérito de Belém, dom Vicente Zico, tem ali uma árvore de abiu-carambola, assim como o violonista Salomão Habib, que plantou um achachairu. E Nilson Chaves que tanto cantou sobre o sabor açaí, apadrinha justamente um pé de açaí-açu.

“O sítio sempre foi aberto a todos. Ele serve para isso”, diz Ray Cardoso. Para ele, seu sítio é um presente que quer deixar para a Abaetetuba. “A gente pode deixar um legado para nosso povo”, resume. “É preciso trabalhar pelo nosso povo, pela nossa comunidade, pela nossa Amazônia para que ela seja vista com mais carinho”, completa.

CoMo vISItAR o Sítio Radini – Jardim Pomar de Abaetetuba fica na PA-252, km 6, estrada Dr. João Miranda, próximo ao pórtico de entrada da cidade. Visitas podem ser agendadas pelos telefones: (91) 99125-6333 e 98133-7540.


MUDANÇADEATITUDE contuse / sxc.hu

roberta brandão

BONS EXEMPLOS

Evite refrigerantes. Beba sucos naturais. Você certamente conhece alguém que decidiu deixar de ingerir refrigerante ou que está pensando no assunto. Preste bastante

O juiz e o caboclo

Depois de alguns anos como promotor em comarcas do interior, Cláudio Rendeiro veio para a capital paraense em 2006, já como juiz. Foi mais ou menos nessa época que ele criou o personagem, que então só era chamado de Epaminondas. “Epaminondas era só para fazer referência aos nomes usados antigamente, na época dos nossos pais, avós... Já o Gustavo é para deixar mais cômico mesmo. É o que chamo de ‘nome de verbo’: eles ‘gustavo’”, conta o juiz, enquanto ri da própria criação. Inspirado no comportamento e no modo de falar de moradores de cidades interioranas, como São Caetano de Odivelas, onde Rendeiro nasceu, surgiu o Epaminondas Gustavo, personagem fictício criado com finalidade pedagógica. Logo que chegou a Belém, ele foi juiz da Vara de

Penas Alternativas, que executa as punições que não se convertem em prisão. O magistrado percebeu então a dificuldade que as pessoas tinham de compreender a pena alternativa. “Me chamou a atenção o fato das pessoas terem a necessidade da prisão, como forma de vingança, inclusive. Foi quando fiz uma proposta que visava a consolidar a vara de penas alternativas, conscientizando a aplicação de uma outra pena que não a prisão”. O Tribunal de Justiça logo aceitou a proposta e resolveu interiorizar núcleos. Mesmo nas palestras, o juiz diz que ainda ficavam dúvidas, “afinal, não era fácil assimilar tantos termos e eu pensei: vou criar um personagem”. Esse começo, ainda tímido, mas importante do personagem durou pelo menos três anos, até quando Cláudio Rendeiro foi para

a Vara do Júri, que ele considerava muito séria para o Epaminondas Gustavo. Mas, em 2013, por causa de um áudio gravado no WhatsApp o projeto foi retomado. “O áudio ficou famoso e eu vi que podia usar o lado caricato para ajudar as pessoas a entenderem alguns temas do mundo judiciário”, diz o juiz. “Conhecer direitos e deveres ainda é complicado para comunidades da periferia e do interior. Por isso, usar a linguagem própria dessa população foi a melhor maneira que achei para levar informação para o povo, com uma dose de humor, que sem dúvida é também educativo”, explica Rendeiro, enfatizando o personagem como uma ferramenta para construir a cidadania. Hoje, Epaminondas Gustavo dar o ar de sua graça no programa de rádio “Escuta, mano, meu recado!”, pela Cultura FM e Unama FM.

atenção: essa pessoa está tomando uma atitude saudável. Vamos dizer os porquês. “Os refrigerantes contêm alto teor de açúcar e sódio, além de outros componentes, como os corantes artificiais e os acidulantes”, afirma a educadora física Ana Lorena Ferreira, concluinte do curso de Nutrição e mestranda do Programa de Saúde e Sociedade na Amazônia da Universidade Federal do Pará. O valor calórico dos refrigerantes “é relativamente alto, mas seu valor nutritivo é baixo, o que pode influenciar no ganho excessivo de peso, tendo como consequências possíveis o sobrepeso e a obesidade”, completa Ana Lorena. Refrigerantes ainda possuem corantes artificiais, que podem causar alergias alimentares e tendências ao desenvolvimento de câncer, além de estarem relacionados com a redução da massa óssea, sobretudo em mulheres. É preocupante, mas há solução: os sucos naturais. “Quanto mais natural for, maior a possibilidade de se manter as propriedades nutricionais”, assegura Ana Lorena, listando as propriedades gerais dos sucos: carboidratos, fibras, proteínas, lipídios em pequena quantidade, vitaminas, minerais e água, variando de acordo com cada fruta. Há alguns alertas. É preferível o suco natural, diretamente da fruta. Os “sucos de caixa” industrializados podem conter propriedades tão prejudiciais quanto os refrigerantes, com altas concentrações de açúcar.

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Vida em comunidade

pARA SER boM DE boLA PRojETo qUE ALIA DESEMPENho EScoLAR E fUTEBoL é ALTERNATIvA DE UM fUTURo MELhoR PARA cRIANçAS E jovENS NA gRANDE BELéM

E

TEXTO vITo GEmaQUE fOTOS roBErTa BraNDÃo

m um campo de grama maltratada, ladeado por imensas árvores, casas de alvenaria sem acabamento e mato alto, bolas de futebol desgastadas rolam entre passes, chutes e cabeçadas em direção a duas traves. A cena do corre-corre de dezenas de crianças e adolescentes atrás da pelota só é interrompida pelo apito do juiz. O jogo no espaço conhecido como campo do Curitiba, na comunidade Olga Benário, bairro de Águas Lindas, na divisa entre os municípios de Belém e Ananindeua, cessa por um instante para que os jovens jogadores possam beber água e se aliviar do Sol, que

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segue escaldante, ainda na metade da manhã de um sábado. O servidor público Newton Cruz, que vira técnico de futebol aos fi nais de semana, é o idealizador do projeto “Bom de Escola, Bom de Bola”, que oferece, gratuitamente, lazer para crianças e adolescentes do bairro, incentivandoos nos estudos. O projeto, de iniciativa da Associação Recreativa São Paulo Futebol Clube, presidida por Newton, dá esperança de um futuro melhor através do esporte para os pequenos moradores do bairro que convivem com realidades como pobreza e criminalidade. Mas os problemas encontrados na comu-

nidade, que fica há poucos quilômetros do Lixão do Aurá, uma das áreas mais carentes da Região Metropolitana de Belém, parecem desaparecer entre sorrisos e o espírito de amizade. “A nossa função não é só revelar talentos. É formar cidadãos. Aqui as pessoas ficam felizes com pouca coisa que têm”, enfatiza Newton Cruz. “Uma bola faz uma grande diferença para essas crianças”, completa. O projeto existe há 25 anos e se mantém crescendo principalmente com o apoio da comunidade local. Dentre os requisitos exigidos com rigor para a inscrição na escolinha de futebol estão a obrigato-

jOgO DA AmIzADE

No campo do Curitiba, no bairro de Águas lindas, o projeto “Bom de Escola, Bom de Bola” se torna uma opção de lazer, além de estimular o bom desempenho escolar


riedade da frequência escolar e o bom desempenho nas notas. O campinho do Aurá, onde participam 80 jovens, é o segundo polo do “Bom de Bola”. Atualmente, já são no total cerca de 200 crianças e jovens, entre sete e 17 anos, atendidos de 14 comunidades. A primeira experiência surgiu em uma quadra esportiva do bairro do Jaderlândia em Ananindeua. Os treinos na quadra ocorriam às terças e sextas-feiras, com crianças de sete a 15 anos. Ao se mudar para o Águas Lindas, Newton decidiu expandir o projeto. A insistência em desenvolver um projeto sólido vem conquistando cada vez mais parceiros como comerciantes, clubes de futebol amador, além dos pais dos atletas mirins. Durante os intervalos, os pequenos jogadores vão a uma casa azul próxima ao campo, que serve como base de apoio para que todos os meninos tomem água. Segundo Newton, a mãe de um dos atletas distribui gratuitamente 20 garrafinhas de água. “Todo sábado ela fornece a água mineral e a gente fica despreocupado com isso. Somos nós que temos que pa-

gar taxa de jogo, inscrição de atleta, exames. Nós que sustentamos o projeto e não cobramos nada por isso”, diz o treinador. As glórias do projeto vieram com o tempo. As equipes formadas pelo “Bom de Bola”’ participam de competições amadoras e foram campeãs da Copa da Juventude, nas modalidades Sub-13, 14, 15, 17, 18 e 20, organizada pela Federação Paraense de Futebol (FPF). Também conquistaram a Copa Suburbano, mantida pela mesma entidade, e a Copa SESI Sub-16. Um dos maiores reconhecimentos do projeto foi o Troféu Romulo Maiorana, na categoria “Esporte Responsa”, escolhido entre os três melhores de 2012.

INCENTIVO

Alguns pais incentivam os filhos simplesmente torcendo. No projeto que já revelou jogadores profissionais para clubes do futebol paraense, como Billy, Blayan, Jeje, Ramon, Pedro Henrique, Diego e Mauro Bujaru e Boris, a presença de familiares parece ser crucial para formar esses talentos. A diarista Lucia Silva, de 33 anos, moradora da comunidade Olga Benário, se

esforça para comparecer aos sábados com os filhos Everton Felipe, de 9 anos, e Eric, de 14 anos. Atualmente, o filho mais novo está na 5ª série, enquanto Eric começou o 1º ano do Ensino Médio. Após dois anos no “Bom de Bola”, os filhos de Lúcia melhoraram em vários sentidos, afirma a diarista. “Meus filhos melhoraram na escola. Eles incentivam muito os outros meninos nos estudos, pegam no pé deles”, diz. Eric, que joga no ataque ou como lateral, tem o futebol como esporte preferido. Um dia ele espera ser um jogador profissional como o craque português Cristiano Ronaldo. O sonho parece ganhar sentido quando o jovem está nas quatro linhas. “Me sinto como um jogador profissional”, sintetiza o menino tímido. Lúcia diz que os filhos gostam muito da atividade e estão entusiasmados com o projeto. “Eu acho muito bom. Deveria haver mais projetos como esse. Os jovens estão todos com as mentes desocupadas”, opina. A servente Socorro do Carmo, de 40 anos, é mãe de mais uma das promessas do bairro de Águas Lindas. Ramon Alessandro do Carmo, de 13 anos, ficou feliz ao descobrir a oportunidade do treino perto março DE 2015

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VIDA EM COMUNIDADE

“Estamos aqui para melhorar a vida dessas crianças” newton cruz

fundador do projeto bom de escola, bom de bola

de casa. Ele havia sido chamado para integrar um time sub-14 de um clube de Belém e participar da escolinha, no entanto, a família teria que pagar uma meia-bolsa de R$ 200. “A gente não tinha condições. Nos falaram que o Ramon já tinha passado da idade para pegar bolsa integral, e teria que pagar”, relembra. “Dizem que meu filho é bom jogador. Espero que ele tenha um futuro muito bom”, sorri a mãe.

APOIO

já são campeões

Depois que começou a participar do projeto, Eric Silva, de 14 anos, melhorou o rendimento escolar. Ele sonha em se tornar um craque do futebol, como o português Cristiano Ronaldo. O idealizador do “Bom de Bola”, Newton Cruz, se sente feliz com o alcance da iniciativa social no bairro. 52 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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As parcerias são feitas com todos que estejam dispostos a ajudar. O grupo de quadrilha Sorriso Junino se uniu ao Bom de Bola para incentivar atividades que despertem o interesse das crianças e jovens. O cozinheiro Rubenilson Furtado, de 35 anos, coordena cerca de 80 brincantes que ensaiam após os treinos de futebol na

quadra do Jaderlândia. “Quando termina o treino, algumas pessoas ainda ficam por lá e depois acabam participando do projeto também”, conta. O funcionário público Eri de Jesus da Silva, de 34 anos, é vice-presidente do time de futebol amador do Curitiba e cuida do campo usado no projeto. “O espaço simples tem importância para a comunidade. Ajuda a juventude, pois sem um lazer aqui não sei como seria. Tem muitos jovens que só querem uma oportunidade”, diz. Para Newton Cruz, a batalha para manter o projeto tem um objetivo claro. “O pessoal abriu o espaço para gente e estamos aqui para melhorar a vida dessas crianças”, garante o idealizador, ao fazer um gol certeiro em sua contribuição para a sociedade.


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO CARLOS BORGES

PENSELIMPO

CALOR MUSICAL

PRESTES A LANÇAR SEU PRIMEIRO DISCO SOLO, “EQUATORIAL, QUENTE E ÚMIDO”, O MÚSICO FÉLIX ROBATTO AQUECE O CENÁRIO MUSICAL DO PARÁ. PÁGINA 54

ARTE A bailarina Giselle Moreira reúne em livro

OBRA-PRIMA O artista plástico Theodoro Braga MEIO AMBIENTE A sociedade do século XXI

a história da dança em Belém, trazendo à tona o trabalho de classicistas e transgressores. PÁG. 58

retratou a fundação de Belém, quase 300 anos depois que os portugueses chegaram aqui. PÁG.60

sente cada vez mais a necessidade de novos parâmetros para a educação ambiental. PÁG.66

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DEDO DE PROSA

54 窶「 REVISTA AMAZテ年IA VIVA 窶「

marテァo DE 2015


Ao som do nosso clima

A LATINIDADE PRESENTE No TRABALho DE féLIx RoBATTo fAz Do coMPoSIToR UMA DAS PERSoNALIDADES MAIS IcôNIcAS DA cULTURA coNTEMPoRâNEA Do ESTADo

O

TEXTO aBílIo DaNTaS fOTOS CarloS BorGES

homem de barba longa e camisa florida chega “discretamente” ao Parque da Residência, em Belém. Após os comprimentos iniciais e uma breve conversa sobre o melhor lugar para a entrevista, alguém diz: “Félix, lembra de mim? Eu tocava naquela banda...”. “Ah, claro...”. Um CD promocional com três músicas é entregue ao músico e seguimos o caminho para o local combinado para o bate-papo. Assim começou nosso encontro com Félix Robatto, guitarrista, percussionista, compositor, produtor e um dos nomes mais presentes na história recente da música feita no Pará. Fundador da banda La Pupunã, conhecida por misturar guitarrada com outros estilos, e produtor de discos das cantoras Gaby Amarantos e Lia Sophia, o músico vive um momento novo na carreira: o lançamento de seu primeiro disco solo, o “Equatorial, Quente e Úmido”, que será lançado em maio próximo.

Na entrevista a seguir, Félix fala sobre o início de sua vida na música, as influências artísticas e as perspectivas para os músicos paraenses no cenário atual. Tudo com a mesma simpatia e descontração de quem encontra um antigo conhecido em uma manhã de sexta-feira. O início da sua carreira musical foi aos 13 anos. Como foi esse começo? Eu comecei tocando percussão. Na verdade, com 13 anos comecei tocando na noite, mas eu já brincava de ensaios desde os dez, mais ou menos. Eu morei no bairro da Marambaia e tinha muitos amigos músicos. Isso me influenciou muito. O que me fez gostar de música latina foi a percussão. Eu lembro que estudava salsa, mambo, cha-cha-cha, merengue e tocava em banda de baile, dessas que ainda têm por aí. Até que chegou o momento em que eu queria tocar as minhas coisas, mas só com a percussão não dava. Então comecei a aprender violão. Eu era de uma banda em que o gui-

tarrista saiu e os outros membros estavam com dificuldade de arranjar outra pessoa. Sugeri que eu passasse pra guitarra. Fui aos trancos e barrancos. Eu não sabia, não tinha condições de tocar, mas meti a cara. Quando entrei no curso de música da UEPA (Universidade do Estado do Pará), em 2001, eu mudei um pouco minha cabeça. Já comecei a pensar em fazer algo mais autoral. Conheci pessoas que tinham bandas, como o pessoal do Coisa de Ninguém, da A Euterpia e da Madame Saatan. Isso me influenciou para fazer algo autoral. Como nasceu a banda La Pupuña, surgida em 2004? Quando abriu a inscrição para bolsista de iniciação científica na UEPA, eu me inscrevi, junto com o Diego Muralha, que era o outro guitarrista do La Pupuña, que nessa época ainda não existia, e o Alcir Costa, que é saxofonista. Chamamos a professora Lia Braga para orientar a gente. O projeto se chamava “Guitarrada: A Música Ins-

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DEDO DE PROSA tiago araújo / divulgação

sob o calor tropical

Félix Robatto se prepara para lançar o primeiro disco solo em maio. “Eu misturo lambada, merengue, carimbó. É mais pop por ser menos experimental”

trumental com Sotaque Paraense”. A gente ia pesquisar a guitarrada, mas ainda não sabíamos muita coisa. O que a gente sabia eram coisas através dos trabalhos do Pio Lobato (músico e pesquisador), a única pessoa que estava pesquisando sobre o assunto. Isso foi em 2003. Então nós fomos pesquisar, entrevistar o Mestre Vieira, o Curica, fomos em gravadoras, em estúdios, compramos CDs, vinis, fomos a Barcarena... Nesse momento da pesquisa, vocês já tinham em mente criar uma banda? Não, ninguém tinha. Eu comecei a gravar algumas coisas. A primeira guitarrada eu gravei em 2003, se chamava “La Pupuña”. Eu já imaginava a banda “La Pupuña” porque esse nome já vinha daquela banda de baile que eu falei. O baixista, o baterista e o vocalista moravam em um conjunto que ti-

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nha um time de futebol chamado Deportivo La Pupuña, uma alusão ao Real Club Deportivo La Coruña (time de futebol espanhol). Naquela época, o La Coruña era equivalente ao Real Madri de hoje. E o baixista chegou com a ideia de botar o nome La Pupuña na banda. Ninguém gostou, só eu. Eu tentava botar corda na galera, mas acabou que nem o baixista incentivava mais. Mas eu sempre guardei esse nome. Na época que estudei no Gentil (Colégio Gentil Bittencourt), eu fiz uma equipe de gincana com esse nome. Quando gravei a música, eu já tinha a intenção de dar esse nome à banda. Gravei, levei para tocar na Rádio Cultura, arrisquei. Aí eles começaram a chamar a banda para participar dos programas, para dar entrevista e não tinha banda. Então eu reuni a galera que ficava tocando nos corredores da UEPA.

“Me lembrei da professora quando perguntava: ‘Qual é o clima da nossa região?’. Aí todo mundo respondia: ‘Equatorial, quente e úmido!’. São termos técnicos e que, na verdade, são a cara da nossa música” O que foi que lhe motivou a pesquisar a guitarrada? Era o que mais se aproximava da música latina, que eu gostava, e de guitarra, e também por ser uma coisa autenticamente nossa. Eu falei: “Ah, é o ideal pra eu fazer”. E eu já curtia as misturas que o Pio Lobato fazia. Pensei: “Bacana, vou fazer do meu jeito”. Então a primeira pessoa que procuramos foi o Pio. O trabalho dele de conclusão de curso foi a base para o que a gente queria fazer. Em maio deste ano você vai lançar o primeiro disco solo, intitulado “Equatorial, Quente e Úmido”. Que características desse novo trabalho você destaca? Quando eu botei o nome “Equatorial, Quente e Úmido”, eu me lembrei do que a professora me falava, de quando eu era criança e estudava no Gentil. Ela perguntava: “Qual é o clima da nossa região?”. Aí todo


mundo respondia: “Equatorial, quente e úmido!”. Que são os termos técnicos e que, na verdade, são a cara da nossa música. Quando eu falo equatorial, estou da falando influência que a gente recebe de toda essa região perto da linha do Equador. E o meu disco é isso, ele é influenciado por isso, ele é equatorial. Ele está nesse clima. Quando falo quente e úmido tu podes relacionar a várias coisas. As nossas festas são assim. A galera dançando “breada”. O disco é feito de músicas pra dançar, falando de assuntos normais, que geralmente tem em qualquer lugar do Brasil e em qualquer lugar domundo. Eu falo de festas e das coisas que acontecem nas minhas festas. Por exemplo, eu faço uma festa que é a “Quintarrada”. As minhas músicas combinam com o que ocorre às quintas-feiras. O clima é esse. Eu misturo lambada, merengue, carimbó.

É mais pop por ser menos experimental e por ter um formato em que segui alguns padrões na produção e nas timbragens. Como o seu trabalho de produtor de artistas, a exemplo de Gaby Amarantos, Lia Sophia e Mestre Vieira, influencia o seu momento atual? Se eu tivesse gravado o meu disco antes de trabalhar com a Gaby e com a Lia, eu acho que iria me arrepender, porque foram experiências muito boas. E eu tive liberdade total na produção dos dois discos. Elas são duas artistas talentosíssimas, que sabem o que querem. No disco da Gaby eu tive contato com a coprodução do Waldo Squash, da Gang do Eletro. Aprendi muito com ele. Ele é um músico de computador, ele pega o computador e toca. No caso do Vieira, foi diferente, pois já estava tudo pronto.

O único trabalho foi selecionar 38 músicas de 200 para o DVD. A gente aprende muito com as experiências que surgem nos trabalhos dos outros. Você regravou em seu disco a música “Baiúca’s Bar”, do Ruy e Paulo André Barata. Qual a sua relação com os compositores das gerações anteriores? Eu ouço muito essa galera mais antiga. Artistas dos anos 80, principalmente, e do começo dos anos 90. Eu escuto muito as guitarradas, as lambadas, os merengues e coisas mais cabeça também. Eu regravei “Baiúca’s Bar” porque eu gosto dessa música. A gravação original tem uma pegada que parece abertura de séries enlatadas. Tem algo meio nervoso (risos). Acho bacana aquilo. É um merengue meio durão, de quem não toca merengue. Eu regravei com a mesma forma, o mesmo andamento,

mudei os timbres para ter algo mais a ver com o meu disco, com sintetizadores, mas deixei o mesmo arranjo de baixo. Por mim, eu gravava do mesmo jeito, mas eu não ia conseguir deixar igual. Qual sua opinião sobre o presente e o futuro da música paraense no Brasil e internacionalmente? A gente tem uma música muito marcante, um sotaque que, quando as pessoas escutam, já sabem: “Eu acho que essa música é do Pará”. Tem uma batida boa. O tecnobrega é simples e fácil de dançar em qualquer lugar do mundo. O carimbó também é muito forte lá fora. Só que eu acho que ainda falta fazer música pra galera se identificar. Para a galera cantar desabafando. Não estou falando apenas de música romântica. Quando eu falo de música pra festa, é uma música entendida em qualquer parte do Brasil.

fonte de inspiração

No Parque da Residência, em Belém, Félix Robatto posa ao lado da estátua do poeta Ruy Barata, autor de “Baiúca’s Bar”, música regravada pelo compositor

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arte peSQuiSada

livrO dA BAilArinA giSelle mOreirA trAz À tOnA A hiStÓriA dA dAnÇA em BelÉm entre AS dÉcAdAS de 1950 e 1980

“E A ARTE DE DANÇAR

A bailarina giselle Moreira resgata a história da dança em Belém em um período que compreende 40 anos da cidade

Entre classicistas e transgressores TEXTO SávIo olIvEIra fOTO CarloS BorGES

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m todas as épocas, o ser humano preocupou-se em pesquisar, experimentar, descobrir e redescobrir”, diz o folheto de “Tempo das Pedras”, o primeiro espetáculo de dança apresentado pelo Teka Studio no recém-inaugurado Teatro Experimental Waldemar Henrique, em 1980. A temporada de apresentação do espetáculo é o início do que a pesquisadora Giselle Moreira intitula movimento transgressor da dança em Belém. “Os transgressores exerceram papel de vanguarda, abrindo sulcos e fendas para cultivar o território de potência no qual atuaram. Romperam caminhos e atravessaram por entre todas as danças que haviam aprendido e apreendido nas linhas de suas formações e foram além de todas elas, exercendo o pioneirismo sob medida, ao alcance de cada um deles”, escreve a bailarina no livro “Classicistas e Transgressores - A História da Dança em Belém”. Como sugere o título da publicação, o clássico precede a transgressão. E o que precede o classicismo? A resposta: Augusto Rodrigues, o início de tudo, pois ele foi o primeiro paraense a fundar uma escola de dança em Belém, em 1950. À época, o professor pioneiro também trabalhava em um programa de auditório chamado “Páginas Musicais”, que ia ao ar semanalmente na extinta TV Marajoara, com apresentações coreográficas e diversos números de


DAnçA DA MEMÓRIA A história das artes em Belém tem

ir pesquisando mais a fundo esses dois movimentos porque é um volume de informações muito grande. Visitei a Biblioteca Pública Artur Vianna e me deparei com uma riqueza imensa de jornais e graças a esses jornalistas nós temos nossa memória contada”, reconhece Giselle Moreira. Segundo a dançarina, “classicistas” e “transgressores” são os principais movimentos de dança que avançaram e recuaram, juntos ou independentes, política e esteticamente, em Belém, de 1950 até 1980. São os que permanecem e permeiam até hoje os padrões dos grupos coreográficos da cidade. Os classicistas iniciam com Augusto Rodrigues e mantêm-se com vigor pela relação das escolas de dança com a elite da sociedade, apresentando espetáculos de balé de repertório, como O Quebra-Nozes ou O Lago dos Cisnes, tradicionalmente executados ao fi nal de cada ano, no Theatro da Paz. Do outro lado da praça da República, fica o palco dos transgressores, o Teatro Experimental Waldemar Henrique, que abrigou espetáculos de bailarinos com formação em dança clássica e moderna, mas que buscaram na quebra dos padrões, a expressão corporal. “Eles criaram uma dança própria, se aproximando dos princípios filosóficos da dança contemporânea, que não está presa a absolutamente nada. Ela permite uma criação livre”, analisa Giselle Moreira. O movimento transgressor evidencia o rompimento com abertura da temporada do existencialista “Tempo das Pedras”, do Teka Studio e em seguida “O Santo Inquérito”, baseado na obra de Dias Gomes, do Grupo Coreográfico da Universidade Federal do Pará. Estabilidade que se solidifica com “Requiém”, do Grupo Encarte. “A dança produzida pelos transgressores foi resultante dos diferentes ensinos, técnicas e métodos adquiridos com diferentes professores. Portanto, a somatória de tudo que foi aprendido e apreendido transformou-se em um liga particular de ensino e de escrita coreográfica própria de cada um”, defi ne a pesquisadora.

um capítulo especial dedicado à dança clássica e contemporânea

“ClASSICISTAS E TRANSgRESSoRES - A HISTÓRIA DA DANÇA EM BEléM” / REPRoDUÇão / CARloS BoRgES

“ballet”. Com o sucesso e a repercussão, organizou o Festival de Dança Augusto Rodrigues, com espetáculos de balé clássico, moderno, sapateado e dança primitiva, já com o Conjunto Coreográfico, onde estudaram artistas como Clara Pinto, Jaime Amaral e Teka Salle. Augusto Rodrigues passeou por diversas linguagens corporais, desde a infância, quando encantou-se pelo circo ao assistir maravilhado o contorcionismo de Nina Rakova, que se apresentava na praça da República. Na juventude, ele praticou atletismo e fez parte do grupo secundarista Teatro Estudantil de Guerra, chegando a dançar na praça Brasil. A formação variada fez com que o educador incorporasse influências distintas para aprimorar os passos e posturas do balé clássico e moderno, experimentando novas técnicas e ideias. Com o grupo homônimo, exibia performances de repertório, porém também buscava levar aos palcos ritmos como o jazz ou danças folclóricas. Passos fi rmes que estruturaram o cenário da dança em Belém. Este é um dos exemplos da história da dança em Belém citados no livro de Giselle Moreira, que utilizou mais de 700 fontes, entre encartes, entrevistas, fotos, jornais e panfletos durante a pesquisa. A dançarina diz que a imprensa local começou a se especializar no assunto a partir da publicação da coluna dominical de Sônia Altman, bailarina que escreveu ininterruptamente durante dois anos no extinto jornal “A Província do Pará”. “Ela começou com uma coluna pequena e foi ganhando espaço até ocupar uma página inteira. No jornal, Sônia Altman noticiava a dança e escrevia sobre a história, educação e o cenário no Brasil, recortando vários aspectos, com matérias maravilhosas”, conta. “No livro, eu faço um estudo geral sobre a imprensa e como ela olha a dança através de quatro décadas. Como é que a dança aparece no espelho da imprensa? Decidi

DOIs pAlcOs

Bailarinos clássicos, como Augusto Rodrigues e Vera Torres (no alto), construíram a história da dança em Belém ao lado de grupos transgressores, como o Cena (à direita)

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

O artista que pintou a fundação de Belém TEXTO rosana medeiros ilustrações jocelyn alencar

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Theodoro Braga 1872-1953


P

restes a completar três séculos de fundação, em 1916, Belém não possuía um registro visual do momento de sua fundação. O problema foi resolvido com um pedido do então prefeito Antônio Lemos ao pintor Theodoro Braga para que produzisse uma obra sobre a fundação de Belém. Naquele momento, Thodoro Braga retornava ao Pará após passar uma temporada na França, onde se especializou em pintura histórica. A obra, denominada “A Fundação da Cidade de Nossa Senhora de Belém do Pará”, ficou pronta em 1908 e se tornou uma das mais importantes criações do artista. Segundo Dayseane Ferraz, coordenadora de Documentação e Pesquisa do Sistema Integrado de Museus e Memoriais (SIM) da Secretaria de Cultura do Pará (Secult), Theodoro materializou um momento histórico “de suma importância para a Amazônia”. “Até aquele momento, esse fato só era contado de forma escrita”. O primeiro esboço da obra foi recusado por Antônio Lemos por representar o Forte do Castelo feito de palha. Isso porque Belém vivia naquele momento a Belle Èpoque e estava entre as cidades mais ricas do Brasil. O quadro tinha que representar essa imponência e a fortificação acabou sendo representada em pedra e cal. “Belém (segundo Lemos) teria que ter nascido na solidez da pedra”, afirma Dayseane Ferraz. Com a tela, Theodoro Braga conseguiu mais do que representar o imaginário da sociedade belenense daquele período. “Nesse momento, virada do século XIX para o século XX, se buscava entender um passado colonial, a construção de uma identidade nacional. A Amazônia não estava distante do restante do País, tanto no que diz respeito ao processo de colonização, quanto na produção das artes”, diz Dayseane. Considerado como integrante de uma primeira geração de modernistas no Brasil, Theodoro Braga estudou na Faculdade de Direito do Recife. Nesse período, teve aulas com o paisagista Telles Júnior. Em 1894, transferese para o Rio de Janeiro e ingressa na Escola Nacional de Belas Artes (Enba). Formado, obtém em 1899 o prêmio de viagem ao exterior. Fixa-se em Paris e recebe aulas de Jean Paul Laurens, um dos mais importantes mestres

da pintura histórica da época. A obra que marcou sua vida para a posteridade também causou conflitos com colegas artistas. A representação do Forte do Castelo em pedra e cal foi fortemente criticada por seus contemporâneos, entre eles o historiador Arthur Viana. As discussões em torno da polêmica fizeram com que Braga pesquisasse a história de Belém e do Pará para rebater à altura às críticas que sofria. Preocupado com o legado histórico de sua obra, ele publicou junto com a tela sobre a fundação de Belém um opúsculo explicando a construção teórica de sua obra. Foi sua primeira contribuição como historiador. Depois viriam outros livros entre os quais “A Arte no Pará, 18881918: Retrospecto Histórico dos Últimos Trinta Anos”, lançado em 1918. Foi extremamente atuante no cenário intelectual da Amazônia, responsável por comunicar a região para o restante do país e do mundo. Foi pintor, desenhista, historiador e educador. Braga pensou a arte como forma de explicar a história. Atuou como professor da Escola Nacional de Belas Artes do Rio de Janeiro, do Instituto de Engenharia Mackenziee da Escola de Belas Artes, ambos de São Paulo. “Sua importância está exatamente nas obras que ele deixou, no que ele escreveu e investigou da história da Amazônia”, acredita Dayseane Ferraz. A pesquisadora também aponta sua importância na discussão sobre a preservação do patrimônio histórico. “No início do século XX ele já chamava a atenção para as relíquias históricas, ele dizia que a cidade tinha que ter um museu e ele apontava que o museu tinha que ser dentro do forte do castelo”, conta Dayseane. Em seus textos sobre a preservação do patrimônio histórico escreveu: “É tempo agora de não deixarmos mais dispersos e em abandono as raras relíquias que possuímos. Não é só o paraense que (o museu histórico) aproveitará, mas todos os estrangeiros que de passagem aprenderão nos fragmentos colhidos, arrumados fácil e rapidamente, a sumária história curta, mas bela do nosso Estado”. Para Dayseane Ferraz, Theodoro Braga transformou a história em relíquia histórica. “Ele queria preservar as relíquias históricas e acabou produzindo relíquias”, afirma Dayseane. março DE 2015

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AGENDA divulgação / espaço cultural casa das onze janelas

magistério O Instituto de Ciências da Arte (ICA) está com inscrições abertas para o Concurso Público de Professor Magistério Superior Efetivo para o tema Cinema e Audiovisual. Os candidatos portadores dos títulos de Doutor e Mestre podem se inscrever até o dia 25 de março. As inscrições são feitas exclusivamente pela internet e a taxa é de R$ 120. Mais informações no site www.ceps.ufpa.br. oswaldo forte

KAYAPÓ A exposição “Kayapó - Me à Yry Tekrejarôti-Re, Trabalhos Artesanais dos Mebêngôkrê-Kayapó da Aldeia Las Casas” foi ampliada e o público poderá conferir novas peças que fazem parte

pedras da história

dessa cultura indígena. Foram incluídas novas

casa das onze janelas

fotos, peças de artesanato e materiais usados nas pinturas corporais. Os interessados podem

A Casa das Onze Janelas continua movimentando a atividade cultural paraense, dessa vez com a exposição

visitar a exposição no Parque Zoobotânico do

“Registro do Presente - A Doação das Pedras ao Museu”, de José Viana. A mostra tem a curadoria de Camila

Museu Goeldi, até o dia 30 de abril, no horário de

Fialho. Realizada em setembro de 2014 para o Salão Arte Pará, a obra consistiu na retirada de um pequeno

9h às 17h, de terça-feira a domingo.

conjunto de rochas com alta concentração de ferro, de áreas específicas da Floresta Nacional de Carajás, para transformá-las em uma instalação e, a seguir, doá-las a uma galeria de arte. A exposição marca a doação do

BARROSBARRETO

projeto “Salvaguardar Pedras” ao acervo da Casa das Onze Janelas, através do Sistema Integrado de Museus

O Hospital Universitário João de Barros Barreto

do Estado do Pará. Os interessados podem visitar a instalação, que está montada na Varanda da Casa das

(HUJBB), por meio da Divisão de Treinamento

Onze Janelas, até o dia 29 de março. O registro da ação também pode ser acessado no blog projetoparasalva-

e Educação Continuada (DTEC), está com as

guardarpedras.tumblr.com.

inscrições abertas para os cursos de capacitação nesse mês. Dentre eles estão os cursos de

O artista plástico gaúcho Fernando Lindote expõe até o dia 29 de março na Casa das Onze Janelas. “Doações Recentes” é o nome da mostra que pode ser vista na sala Valdir Sarubbi do espaço cultural. A visitação pode ser feita de terça a domingo, das 10h às 18h. Mais informações pelo telefone (91) 4009-8821 e 4009-8823.

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fotos divulgação

mostra

doações

manejo nas vítimas de animais peçonhentos e radiologia odontológica. Informações sobre os períodos e formas de inscrição pelo telefone (91) 3201-6652.

IDOSOS O VII COMLAT – Congresso do Comitê Latino Americano e Caribe em Geriatria e Gerontologia segue com inscrições abertas. O evento será realizado entre os dias 9 e 11 de abril , em Belém. Os interessados em mais informações sobre a programação e as formas de participar podem acessar o site comlat2015.com.br.


Faça VocÊ meSmo

colaR COM RETALHOS DE TECIDO O hábito vem de muito tempo: desde a Pré-História, o ser humano produz adornos corporais nas mais diversas formas, tamanhos e cores. São colares, pulseiras, fivelas e anéis, que podem ter os mais variados significados, desde motivações estéticas às ritualísticas. Como matéria-prima, já foram – e ainda são – usadas fibras, sementes, argila e ossos, além de materiais requintados, como o ouro, a prata e as pedras preciosas. Haja pescoço pra tanto colar! Hoje os tempos são outros, mas ainda cultivamos o uso

de ornamentos corporais com diferentes significados. Dentre eles, passamos a usar os objetos como forma de demarcar nossa preocupação com o equilíbrio do meio ambiente. Muitos designers de jóias ou ornamentos se utilizaram de materiais recicláveis, como tecidos, plásticos e papéis. E, nesta edição, a revista Amazônia Viva e as Oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará, ensinam o leitor a criar seu próprio adorno com materiais recicláveis. Que o colar traga um futuro mais sustentável a todos!

Do QUE vAMoS pRECISAR?

• • • • •

Retalhos coloridos de malha; Tesoura com pontas arredondadas; Cola de silicone; Peças para bijuterias; Fio encerado;

INsTRuTOR LUIzA NEvES cOlAbORAÇãO cLáUDIA RÊgo fOTOgRAfIAs jAcKSoNILSoN

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aTEnçÃO: essa atividade pode ser feita por uma criança, desde que acompanhada por um adulto responsável

1 4 7

Selecione os retalhos de malha e corte em tiras de aproximadamente dois centímetros de largura. Em seguida, estique-as.

Junte a ponta da tira comprida com as pontas soltas da outra extremidade. Passe cola na tira pequena e enrole nas pontas unidas

2

Agora, organize as tiras nas cores desejadas, deixando uma mais comprida que as demais.

5

Espere secar mais um pouco. Para o final, escolha duas peças de bijuterias, uma grande e outra menor.

3

Corte, então, duas tiras em pedaços pequenos e, por fim, reserve-as. Passe cola num dos pedaços e enrole nas pontas das tiras de mesmo tamanho. Uma pausa: espere secar.

6

Corte o fio encerado, passe por dentro das peças de bijuteria: primeiro pela maior e, em seguida, pela menor, dando um nó para segurá-las.

Com a outra extremidade do fio, amarre na primeira tira do colar, cortando o excesso. Passe um pouco de cola para não desamarrar. Agora é definitivo: escolha uma pessoa para receber seu novo colar!

pARA SAbER MAIS Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. o Curro Velho fica localizado na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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recorte aQui

Faça VocÊ meSmo


BOA HISTÓRIA

leonardo nunes

A arca Leda odiava o nome de batismo. Dizia que era nome

de velha. Preferia Ghleycy, grafado assim porque, segundo ela, era mais bonito. Tinha nove anos e muita vontade de brincar com os meninos da rua. Tanto que fugia de casa vestida como um deles para tomar banhos de chuva, subir em árvores e jogar bola. Boné, bermuda larga, nenhuma camisa. O corpo magriça e o rosto indefinido enganavam bem. Integrouse sem esforço ao quarteto formado por Garrafinha, Bola-Sete, Dedé e Marcola. Logo se tornaram inseparáveis no quinteto que incluiu Maicon, na verdade Leda/ Ghleycy. O dia inteiro confabulavam e contavam pequenas mentiras uns aos outros enquanto brincavam de quem cuspia mais longe os caroços de ingá ou arremessava com mais destreza para as pedras quicarem na superfície da água. Ela ganhava sempre embora fosse a mais franzina do grupo que atazanava as velhas moradoras da pracinha defronte a orla com um corre-corre e um

berreiro incessante debaixo de sol absurdo. Numa terça-feira qualquer, Maicon/Leda/Ghleycy inventou o tesouro do pesqueiro afundado em frente à cidade. Disse com ares de ator que ouviu a história do avô que teria ouvido do avô dele que teria ouvido de um marujo forasteiro nascido há tanto tempo que ninguém lembrava o ano. Desde então os moleques ficaram pasmos com fortuna tão próxima deles e passaram a sonhar com o tesouro de olhos arregalados. - Um dia eu desço lá e fico rico. – Maicon prometeu. A história envelheceu com o tempo, mas vinha à tona vez ou outra nas tardes do cais. Cada um olhava o pedaço aparente do casco oxidado e detalhava o que faria com o ouro e a prata se tivessem a ventura de achá-los. Leda falava pouco nessas horas, porque seus sonhos eram diferentes do restante do grupo. Passavam dias sem falar do tesouro, mas pensavam na arca em casa, na escola e até dormindo. Sonharam tanto, tanto até que a própria inventora do

caso todo passou a acreditar que um dia houve um tataravô que soube do segredo pela boca de um imediato estrangeiro. Certa manhã de férias, sem dizer nada a ninguém, ela levantou cedo e saiu sem se vestir de menino com os finos e negros cabelos soltos ao vento. Chegou ao cais, tirou o escafandro falso que produziu ao longo de meses sem que ninguém soubesse e entrou no rio. Em pouco tempo mergulhando estava no salão principal do pesqueiro que já era um imenso e luxuoso transatlântico. Reconheceu a arca de primeira: estava em uma redoma de cristal removida por ela com a ajuda de camarões e águasvivas. Finalmente, pôde ser coroada princesa e virar dona definitiva da embarcação naufragada. Anos mais tarde os meninos já enrugados lembravam, nas rodas de conversa, sobre as joias do pesqueiro enferrujado e de Maicon, grande Maicon, que para eles era um ingrato por ter sumido sem despedir nem colocar em prática o plano de resgatar a riqueza incalculável submersa. março DE 2015

Anderson Araújo

é jornalista, escritor e blogueiro

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NOVOS CAMINHOS

Alfabetização ecológica: Palavra-chave do futuro São Paulo. Região Sudeste.

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEAUFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

Sem chuva, sem água nas torneiras. Reservatórios praticamente vazios na maior região metropolitana do País. Rio Branco. Dentro da Amazônia. Muita chuva, muita água. Os rios sobem e invadem a capital do Acre. Essa dicotomia entre escassez e abundância de um recurso natural, em situações tão distintas, motiva a pergunta: como alcançar o equilíbrio? Desenvolvimento sustentável seria a resposta mais usual. Mas, antes de desfiar um rosário de definições teóricas e soluções técnicas inspiradas no conceito, é necessário abordá-lo a partir de uma visão especial: a de que somos moradores deste planeta e devemos cuidar dele, para viver e também oferecer uma boa herança às gerações futuras. Inspiradas nas discussões do ambientalista Lester Brown nos anos 1980, as Nações Unidas tentaram sintetizar no Relatório Brundtland uma definição para o desenvolvimento sustentável: “A Humanidade tem a capacidade de atingir o desenvolvimento sustentável, ou seja, de atender às necessidades do presente sem comprometer a capacidade das futuras gerações de atender às próprias necessidades”. Mais do que um guia para o cuidado de nosso bem comum, a definição é uma exortação moral. Precisamos oferecer a filhos e netos um mundo com as mesmas ou melhores oportunidades em relação às quais recebemos hoje. A manutenção desta herança, contudo, prescinde saber cuidar desta grande casa. Para o físico Fritjof Capra, a sobrevivência da humanidade depende da alfabetização ecológica, a

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capacidade de entender os princípios da ecologia e viver de acordo com eles. A base desta visão de mundo depende da compreensão da palavra ecologia, que vem do grego oikos (casa). É o campo que estuda como a nossa morada, a Terra, funciona e como se dá a relação entre todos os habitantes dela. Ecologia dialoga com ciência, filosofia, política e comportamento. No campo da filosofia é tratada como “ecologia profunda”, de acordo com o filósofo e ambientalista norueguês Arne Naess. Se opõe ao conceito de uma “ecologia rasa”, a antropocêntrica, que posiciona o homem acima da natureza e não como mais um integrante de um complexo sistema. Capra chama esse sistema interligado de teia da vida. Estamos inseridos em processos cíclicos da natureza e deles dependemos para viver - é uma teia funcional. Quando a humanidade atua como órgão separado da teia, causa transtornos na casa de todos. E também sofre consequências de um efeito reverso. O exemplo mais debatido desta situação são os impactos causados pela intensificação do aquecimento global. Apropriações do conceito de ecologia também pairam sobre a nossa cultura. Inclusive a cultura pop. O filme de ficção científica Avatar (2009), do diretor James Cameron, por exemplo, é inspirado em uma abordagem da ecologia profunda, que defende a existência de uma consciência espiritual da natureza. Destruir os recursos do planeta Pandora, como intentam exploradores externos, significa condenar seus moradores à morte. Justamente porque a natureza perece.

Somos moradores deste planeta e devemos cuidar dele, para viver e também oferecer uma boa herança às gerações futuras

LEIA MAIS Fritjof Capra. A teia da vida. Editora Cultrix, 1996. Arne Naess. The Ecology of wisdom. Counterpoint, 2009. Lester Brown. Plano B 4.0 (disponível em: www.wwiuma.org.br/ plano_b.pdf)


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