Revista Amazônia Viva ed. 49 / setembro de 2015

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AÇAÍ LIMPO

REVISTA ENCARTADA NO JORNAL O LIBERAL. NÃO PODE SER VENDIDA SEPARADAMENTE.

SETEMBRO 2O15 | EDIÇÃO NO 49 ANO 5 | ISSN 2237-2962

Tecnologia, novas exigências de mercado e cuidado com a saúde dos consumidores têm melhorado a indústria alimentícia mais popular do Pará

TUBERCULOSE

Pesquisa inédita traz avanços no estudo da doença

PATRIMÔNIO

O drama da falta de conservação de prédios históricos

PROTEÇÃO

Conheça o trabalho do Batalhão de Polícia Ambiental




EDITORIAL

PUBLICAÇÃO MENSAL DELTA PUBLICIDADE - RM GRAPH EDITORA SETEMBRO 2015 / EDIÇÃO Nº 49 ANO 5 ISSN 2237-2962 Presidente LUCIDÉA BATISTA MAIORANA Presidente Executivo ROMULO MAIORANA JR. Diretor Jurídico RONALDO MAIORANA CARLOS BORGES

Diretora Administrativa ROSÂNGELA MAIORANA KZAM Diretora Comercial ROSEMARY MAIORANA Diretor Industrial JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO Diretor de Novos Negócios RIBAMAR GOMES Diretor de Marketing GUARANY JÚNIOR Diretores JOSÉ EDSON SALAME JOSÉ LUIZ SÁ PEREIRA

Por um açaí melhor e mais seguro para todos

FELIPE JORGE DE MELO Editor-chefe 4 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

Açaí é bom. É gostoso com ou

Mas, apesar de toda essa evolu-

sem açúcar. E, creio eu, a maio-

ção, em que amassadeiras, alguida-

ria dos paraenses gosta. Ele é um

res e máquinas com componentes

produto tão “a cara do Pará”, tão

de madeira e plástico deram lugar

amazônico, que, mesmo quem não

a equipamentos feitos de material

curte beber seu sumo, deve se sen-

inoxidável e outras tecnologias, ain-

tir orgulhoso quando o fruto é re-

da é triste ver que a falta de cuida-

conhecido Brasil afora como uma

do na limpeza e tratamento do açaí

marca da nossa cultura alimentar.

pode comprometer sua qualidade

Hoje presente à mesa de todas

e, principalmente, a saúde dos con-

as classes sociais da região, chega a

sumidores, como a contaminação

ser comum ouvirmos coisas do tipo:

do produto com barbeiros trans-

“No meu tempo açaí era comida de

missores da doença de Chagas.

pobre” ou “Dava pra comprar açaí

Por isso, a evolução tecnológica

todo dia, hoje nem pensar. Virou

da indústria alimentícia mais tradi-

artigo de luxo”. A bem da verdade,

cional do Pará e a atenção à segu-

o “ouro negro da Amazônia” caiu no

rança dos “bebedores” de açaí me-

gosto popular de maneira voraz, foi

recem destaque em nossa edição de

“descoberto” pelos chefs de cozinha,

aniversário neste mês. Ao iniciarmos

a forma de bater o fruto se moder-

o quinto ano da Revista Amazônia

nizou e, com isso, os “batedores” se

Viva renovamos nosso compromis-

profissionalizaram. Com a melhoria

so com a sociedade em mostrar uma

no setor, a demanda aumentou e o

região que se desenvolve rumo a um

produto ficou mais valorizado.

futuro bom de se provar.

SETEMBRO DE 2015

Conselho editorial RONALDO MAIORANA JOÃO POJUCAM DE MORAES FILHO GUARANY JÚNIOR LÁZARO MORAES REDAÇÃO Jornalista responsável e editor-chefe FELIPE JORGE DE MELO (SRTE-PA 1769) Coordenação geral LUCIANA SARMANHO Editor de arte FILIPE ALVES SANCHES (SRTE-PA 2196) Pesquisador e consultor técnico INOCÊNCIO GORAYEB Colaboraram para esta edição O Liberal, Agência Pará de Notícias, Agência Brasil, Museu Paraense Emílio Goeldi, Universidade Federal do Pará, Universidade do Estado do Pará, Universidade Federal Rural da Amazônia, Fundação Cultural do Pará - Oficinas do Curro Velho (acervo); Camila Machado, Fabrício Queiroz, Victor Furtado, Anderson Araújo, Moisés Sarraf, Abílio Dantas, Bruno Rocha, Sávio Oliveira, Arnon Miranda, Dominik Giusti, João Cunha, Rosana Medeiros (reportagem); Moisés Sarraf, Fabrício Queiroz, Bruno Rocha (produção); Hely Pamplona, Fernando Sette, Roberta Brandão, Carlos Borges (fotos); Thiago Barros (artigo) André Abreu, Leonardo Nunes, Jocelyn Alencar, Sávio Oliveira, Márcio Euclides (ilustrações); Alexsandro Santos (tratamento de imagem). FOTO DA CAPA Açaí, por Carlos Borges AMAZÔNIA VIVA é editada por Delta Publicidade/ RM Graph Ltda. CNPJ (MF) 03.547.690/0001-91. Nire: 15.2.007.1152-3 Inscrição estadual: 158.028-9. Avenida Romulo Maiorana, 2473, Marco - Belém - Pará.

amazoniaviva@orm.com.br PRODUÇÃO

REALIZAÇÃO

REVISTA IMPRESSA COM O PAPEL CERTIFICADO PELO FSC - FOREST STEWARDSHIP COUNCIL


NESTA EDIÇÃO

EDIÇÃO Nº 49 / ANO 5

CARLOS BORGES

SETEMBRO2015

36

A indústria do açaí paraense

Como uma das culturas alimentares mais populares do Estado está atenta às novas tecnologias e às exigência do mercado consumidor. CAPA

OSWALDO FORTE

DIEGO CIARLARIELLO / DIVULGAÇÃO

ROBERTA BRANDÃO

ROBERTA BRANDÃO

32 58 16 52 PATRIMÔNIO

FUTEBOL

A coordenadora do Labo-

O jornalista esportivo

PRESERVAÇÃO

ratório de Restauração

ARTES PLÁSTICAS

Ferreira da Costa lança

O biólogo Waldemar Lon-

e Reabilitação da UFPA,

Para fazer desenhos em

seu 18º livro: “Remo x

dres Vergara Filho geren-

Thaís Sanjad, fala da

nanquim de mulheres e

Paysandu - Uma ‘Guerra’

cia reservas extrativistas

falta de conscientização

seu universo enigmático,

Centenária”, um registro

em manguezais da região

sobre a preservação do

a designer Elisa Arruda

histórico das partidas

costeira do Pará com foco

patrimônio de Belém e

buscou inspiração no

oficiais do maior clássico

na vida das comunidades

do estado de conservação

silêncio para criar a série

do futebol, em 100 anos

tradicionais.

de prédios históricos.

“Essa é você”.

de disputa no Pará.

QUEM É?

ENTREVISTA

PAPO DE ARTISTA

ARTE + PESQUISA

E MAIS 4 6 7 9 11 13 14 15 17 17 18 19 19 20 21 22 24 44 48 60 62 63 65 66

EDITORIAl AS MAIS CURTIDAS PRIMEIRO FOCO TRÊS QUESTÕES AMAZÔNIA CONNECTION ELES SE ACHAM FATO REGISTRADO PERGUNTA-SE EU DISSE APLICATIVOS CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE DESENHOS NATURALISTAS CONCEITOS AMAZÔNICOS AVES DA AMAZÔNIA COMO FUNCIONA CIÊNCIA OLHARES NATIVOS COMUNIDADE SUSTENTABILIDADE MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS AGENDA FAÇA VOCÊ MESMO BOA HISTÓRIA NOVOS CAMINHOS

SETEMBRO DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 5


ASMAISCURTIDAS DESTAQUES DAS EDIÇÕES ANTERIORES

TARSO SARRAF

SUSTENTABILIDADE Eu achei a reportagem sobre a experiência do repórter João Cunha de passar uma semana sustentável uma abordagem diferente e muito interessante por parte da revista. (“Sete Dias Sustentáveis”, Assunto do Mês, edição nº 49, agosto de 2015). Joel Carvalho Silva Belém-Pará

CARIMBÓ UM SALTO À BEIRA DO TRAPICHE

A foto de Tarso Sarraf obteve o maior número de curtidas em nosso Instagram na edição passada. O registro foi na vila do Arapari, em Barcarena.

Eu conheço o grupo Sereias do Mar e elas merecem todo o reconhecimento do seu trabalho (“Sereias com os pés no chão”, Vida em Comunidade, edição nº 49,

ROBERTA BRANDÃO

agosto de 2015). O protagonismo feminino também está inserido em nossa cultura, a exemplo do carimbó. Rita de Menezes Belém-Pará É muito bom saber que as mulheres ganham voz e espaço em nossa região. Parabéns às sereias de Marapanim. Clésia Azevedo Marapanim-Pará

PERGUNTA-SE CARIMBOZEIRAS CONQUISTANDO LIKES

A seção “Pergunta-se”, publicada na página 15 desta prestigiosa revista, é um

O grupo de carimbó “Sereias do Mar”, formado só por mulheres de Marapanim, está fazendo o maior sucesso em nosso Facebook. Elas estão inovando o modo de divulgar um dos ritmos mais característicos do Pará.

cultura amazônica. Sempre se pode aprender algo e desvendar alguns mitos. Hertz Coelho Belém-Pará

CARLOS BORGES

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manancial de conhecimento sobre a nossa

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SETEMBRO DE 2015

para o endereço: Avenida Romulo USE UM LEITOR DE QR CODE PARA ACESSAR A EDIÇÃO DIGITAL DE AGOSTO

Maiorana, 2473, Marco, Belém - Pará, CEP 66 093-000 ou FAX: 3216-1143.


O QUE É NOTÍCIA PARA A AMAZÔNIA

Para rir e pensar NOVO LIVRO DO CARTUNISTA J.BOSCO APRESENTA UM APELO PARA A QUESTÃO AMBIENTAL COM BOA DOSE DE HUMOR E REFLEXÃO

PÁGINA 8 E 9

REDUÇÃO

ECONOMIA

BELÉM 400 ANOS

Em 10 anos, a Amazônia conseguiu reduzir 82% do desmatamento, aponta nova pesquisa dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. PÁG.11

Na contramao da crise global financeira, a produção cacaueira no sudoeste do Pará alavanca os números do Estado no setor industrial. PÁG.12

Para homenagear os quatro séculos da cidade, o Amazônia Fashion Week vai abordar temas sobre a capital paraense no desfile de novembro. PÁG.15 SETEMBRO DE 2015

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J.BOSCO / DIVULGAÇÃO

PRIMEIROFOCO


PRIMEIRO FOCO

Entre traços, ideias e cores

O

cartunista paraense João Bosco Azevedo, o J.Bosco, do jornal O Liberal, apresenta em seu novo livro, “Planeta em Risco”, uma compilação de 86 cartuns com uma mensagem bem clara de apelo para a preservação do meio ambiente através da crítica ácida e bem-humorada dos trabalhos que desenha há mais de 30 anos. A obra traz 20 cartuns inéditos e alguns premiados em salões de humor nacionais e internacionais. Como o assunto é universal, todos os cartuns não possuem balões ou qualquer palavra, permitindo a interpretação livre de quem os vê. O lançamento será no dia 23 deste mês, na sede da Assembleia Paraense. Rio de Janeiro (RJ) e Manaus (AM) também terão eventos de lançamento posteriormente.

8 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015

Muito além de apenas criticar e gerar piadas, J.Bosco afirma que o livro tem um caráter didático e espera que a obra circule nas escolas também. Os 86 cartuns trazem temas como petróleo, lixo, reciclagem, desertificação, desmatamento, animais em extinção, chuva, crise da água, desastres naturais e vários outros, presentes no noticiário mundial, nas discussões de sala de aula do ensino fundamental ao superior e também nas provas do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). “Como o livro é sobre meio ambiente, todas as páginas são em papel reciclado para reforçar essa mensagem da sustentabilidade”. Sobre a capa do livro, ele abre uma exceção à regra de que cartunista não explica seus desenhos, para poder estimular a interpretação, a reflexão e o riso, e comenta sobre o cartum já premiado.


TRÊSQUESTÕES RESPOSTAS QUE VÃO DIRETO AO PONTO

Árvores de Belém correm risco A engenheira agrônoma e doutora em Biologia Ambiental Heliana Brasil, professora da Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), acredita que as mangueiras que dão título a Belém não estão bem e por isso,

ARQUIVO PESSOAL

O cartunista J.Bosco lança seu novo livro, “Planeta em Risco”, com o objetivo de despertar a atenção para a causa ambiental

“Perguntei para muitas pessoas até chegar a essa capa: numa árvore morta, de um lado, o joão-de-barro, um pássaro que só existe no Brasil com sua casa. Do outro lado, um pinguim e seu iglu. São duas realidades diferentes, dois cenários diferentes, um local e outro de fora, que são afetados igualmente pelos problemas ambientais pelos quais passamos hoje”. Muitos dos desenhos certamente vão chamar a atenção do leitor para atitudes próprias e de como a população parece brincar com o meio ambiente, com os riscos dos crimes ambientais e fazendo uma previsão de como será viver num cenário quase apocalíptico de falta d’água, de alimento, de vegetação, de ar limpo e de

temperatura amena. Para J.Bosco, alguns desenhos chegam a retratar tragédias iminentes e servem de alerta para que cada pessoa possa fazer sua parte para evitar que esses cartuns se tornem retratos de realidades cada vez mais comuns. Depois do lançamento, o livro poderá ser adquirido em várias livrarias e algumas bancas de revistas. Também será possível adquirir no blog jboscocartuns. blogspot.com, Facebook “J. Bosco Azevedo” e Twitter @jboscocartuns. O cartunista pretende lançar mais livros novos a cada dois anos. O último trabalho foi um livro de caricaturas em homenagem a artistas e suas biografias.

de vez em quando, ventanias e chuvas derrubam essas árvores, isso quando não caem sozinhos. Mas se melhor cuidadas, ainda podem ser salvas e a cidade pode manter o título para sempre. Por que as mangueiras e demais árvores de Belém estão caindo? Uma grande parte foi plantada numa cidade muito diferente. Há problemas fisiológicos, ataques de insetos, fungos ou ervas parasitas; desequilíbrio ou deformação da copa, estresse pelas vibrações, barulho e poluição, e fragilidade das raízes de sustentação, o maior motivo de queda de árvores. Quais as árvores com situação em maior risco atualmente? As plantadas em calçadas. Nessa condição, as raízes não se desenvolvem adequadamente e não conseguem oferecer a resistência necessária para manter o tronco, os ramos e a folhagem. Há outros fatores de risco, como corte ou apodrecimento provocado muitas vezes pelo acúmulo de água, assim como os ventos fortes registrados nos últimos anos. Ainda há chance de salvar nossas tão famosas mangueiras? Mesmo que se faça um trabalho emergencial para salvar as mangueiras, o resultado não será imediato. Levará algum tempo para se alterar as condições do local onde estão plantadas e, não vamos nos iludir, muitas precisarão ser eliminadas antes que caiam.

SETEMBRO DE 2015

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PAULA SAMPAIO / ARQUIVO O LIBERAL

UM TRAÇO DE CONSCIENTIZAÇÃO


PRIMEIRO FOCO

TECNOLOGIA

FORMIGAS NA REDE

Cientistas da Suíça criam pen drive fóssil

Pesquisadores da Universidade de Hong Kong lançaram um catálogo online que mostra a distribuição de espécies de formigas em todo o mundo. O pesquisador Benoit Guénard, professor assistente da Faculdade de Ciências Biológicas da Universidade, liderou a equipe internacional de especialistas que desenvolveu o site AntMaps. org. A ferramenta, que demorou quatro anos para ser concluída, inclui 15 mil espécies de formigas, entre elas 170 descobertas em Hong Kong. GUPOP THASU / FREEIMAGES.COM

O fascínio pelo conhecimento de tempos passados é um forte elemento do imaginário contemporâneo. Basta lembrarmos do sucesso de obras cinematográficas como Indiana Jones e Jurassic Park, que transportam seus espectadores para outras eras através de objetos como pergaminhos e materiais genéticos de dinossauros conserva-

dos em âmbar. Inspirados principalmente pelo modo como ossos guardam informações através dos tempos, pesquisadores do Instituto Federal de Tecnologia de Zurique, na Suíça, desenvolveram um invento capaz de imitar essa capacidade da natureza. Nasceu assim, uma espécie de pen drive fóssil.

ARMAZENAMENTO DE DNA

Saiba como funciona o invento dos pesquisadores suíços

NA MONTANHA

NOVA ESPÉCIE DE SAPO Cientistas descobriram uma nova espécie de sapo minúsculo na Serra do Quiriri, divisa de Santa Catarina com o Paraná. Com cerca de 1 cm de tamanho, Brachycephalus quiririensis já é

1

Primeiro é preciso armazenar dados compilados em forma de DNA e encapsulados em uma matéria chamada sílica, que cumpre o papel das estruturas ósseas.

2

A invenção é capaz de preservar os dados por um milhão de anos, com a condição de que o pen drive fóssil fique em um ambiente a 18 graus Celsius negativos.

3

Para provar a eficácia da descoberta, os pesquisadores encapsularam em forma de DNA o “Pacto Federal da Suíça”, de 1291, e “O Método sobre os Teoremas Mecânicos”, obra do pensador grego Arquimedes.

4

O material foi colocado dentro de esferas de sílica de 150 nanômetros e submetido a temperaturas entre 60 e 70 graus Celsius por um mês, condições que simulam em apenas algumas semanas a mesma degradação que na natureza ocorre em séculos.

5

Segundo Robert Grass, líder do estudo, o resultado se mostrou muito mais eficiente do que outros métodos comuns de armazenamento e as informações foram recuperadas sem muita dificuldade.

considerado ameaçado. Como vive apenas nessa região montanhosa e precisa de um clima frio e úmido, é bastante sensível a mudanças climáticas e a alterações provocadas pelo homem. Agora, as especificidades genéticas deles serão avaliadas pelo sequenciamento em larga escala de seus genes.

FÓSSIL

LAGARTO SULAMERICANO Pesquisadores brasileiros descobriram um lagarto inédito na América do Sul. O fóssil de 18 milímetros, batizada de Gueragama

sulamericana foi achado em Cruzeiro do Oeste, no Paraná. O paleontólogo Everton Wilner afirma que essa descoberta muda completamente o que se sabia sobre o réptil. “Eles entraram na América do Sul 20 milhões de anos antes do que se pensava”, ressalta. FONTE: INSTITUTO FEDERAL DE TECNOLOGIA DE ZURIQUE

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SETEMBRO DE 2015

INFOGRÁFICO: MÁRCIO EUCLIDES / ILUSTRAÇÃO: SVILEN MILEV/FREEIMAGES

MONITORAMENTO


EM 10 ANOS

AMAZÔNIACONNECTION

Desmatamento na região registrou queda de 82% A taxa anual de desmatamento na área da Amazônia Legal caiu 82% nos últimos 10 anos, segundo pesquisas dos ministérios da Ciência e Tecnologia e do Meio Ambiente. Na última década, os estados que mais reduziram a taxa de desmatamento foram Mato Grosso (-91%), Rondônia (-82%) e Pará (-79%). Ao falar sobre o período mais recente, 2014-2015, ainda não analisado pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), a ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, disse que a expectativa é de continuidade da redução da taxa de desmatamento.

A REGIÃO EM CONEXÃO COM O MUNDO

“As expectativas que eu tenho de campo do Ibama é que continuamos a ter muita degradação, e temos áreas com incremento de alertas. Mas a fiscalização não relatou expectativa de crescimento do desmatamento. Mas é tudo especulação, e eu não trabalho com especulação, trabalho com dados que o Inpe vai tornar disponível”, disse. Nos próximos anos, o governo também espera poder calcular o quanto vem sendo reflorestado, especialmente da recomposição de áreas devastadas exigida pelo Código Florestal, aprovado em 2012.

Livros entre Colômbia e Quatipuru E scutamos sempre que o livro é um por tal, um pas sapor te capaz de transpor tar os leitores para outros países, outros mundos, outros es tados de consciência. Mas como a viagem pode ocorrer se as pessoas não chegarem até ele? Com o objetivo de vencer es sas barreiras foi desenvolvido o projeto e ação poética Al Aire Libro (Ao Ar Livro), criado pelos pesquisadores Zayda Ayala Melo e Liliana Moreno Muñoz, da Univer sidade Central da Colôm -

CRISTINO MARTINS/ AGÊNCIA PARÁ

bia, mas que já ocorre também no Pará e em 2 2 países. A ação celebra uma experiência literária: membros de bibliotecas, es tudante s dos dife re nte s progr a mas de lite r atur a, e s cr itore s , ar t is t as de di ve r s as áreas e amante s da lite r atur a, e m ge r al , s e re úne m e m uma r ua ou e m uma pr aç a públic a par a , simple sme nte, le r. S eg undo Johnny Ke ple r, um dos or ganiz a dore s do eve nto e m Qua t i p u r u , n o r d e s te p a r a e n s e , o p r o j e to é u ma p r o vo c a ç ã o à s p e s s o a s . “ Fa z

EXPECTATIVA

A ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, quer continuar reduzindo os índices de desmatamento na Amazônia

p a r te d e u ma p e s q u i s a - c r ia ç ã o que procura afetar positivamente a r e la ç ã o e n t r e a l i te r a t u r a e

PARCERIA

TORRE DE PESQUISA

VIGILÂNCIA

VIDEOAULAS DA FLORESTA

a v i da cot i d ia na d o s c i da dã o s , e a s s i m , resignif icar espaços da cida -

Brasil e Alemanha celebraram a inauguração

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais

de”, af irma.

do Observatório de Torre Alta da Amazônia

(INPE) em parceria com o banco de

Em Quatipur u, a atividade ocor-

(Atto, na sigla em inglês), estrutura de

desenvolvimento da América Latina (CAF),

reu no dia 1 5 de agos to pas sado

325 metros instalada na Reserva de

disponibiliza um curso em vídeo para

e integrou a “Primeira Jornada

Desenvolvimento Sustentável do Uatumã,

ensinar como monitorar através de imagens

Mundial Al Aire Libro”. Alunos da

entre os municípios de São Sebastião do

de satélite o desmatamento na Floresta

rede pública, profes sores, familia -

Uatamã (AM) e Itapiranga (AM), a cerca de

Amazônica. O projeto se chama Capacitree

res e voluntários es tiveram na orla

150 km de Manaus. A Torre Atto ampliará o

- Capacitação e Monitoramento de Florestas

da cidade para ler sozinhos ou em

campo de pesquisa e vai coletar dados sobre

por Satélite. O curso compreende 24

gr upos. Além de Quatipur u, Boa

as manifestações atmosféricas para estudos

videoaulas disponíveis em português, inglês,

V is ta, capital de Roraima, também

referentes à interação entre a vegetação e

espanhol e francês. As videoaulas estão

fez par te do evento.

atmosfera da região.

disponíveis no site www.inpe.br. SETEMBRO DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 11


PRIMEIRO FOCO

Há cerca dez mil anos, preguiças e tatus gigantescos caminhavam sobre a Terra e deixavam marcas de sua passagem. Um desses vestígios, uma paleotoca, imensa caverna em forma de túnel ou labirinto, foi encontrada pela primeira vez na região amazônica, mais especificamente na região de Ponta do Abunã, em Rondônia. De acordo com o geólogo Amílcar Adamy, arranhões nas paredes indicam que a preguiça seria o animal responsável pela escavação. A caverna já era conhecida por moradores da região, no entanto, eles acreditavam que sua origem era humana e não tão antiga. Para Adamy, a ocorrência da obra na Amazônia é importante por informar aos especialistas os modos de vida dos animais no período Pleistoceno, que é identificado pela presença de uma grande fauna na região. As preguiças, de acordo com cientistas, mediam até seis metros de comprimento e pesavam

em torno de uma tonelada e meia. Formanda por estruturas circulares e semicirculares de grandes dimensões, a paleotoca de Ponta do Abunã ainda não teve sua extensão medida de forma exata. A próxima etapa da exploração será realizar estudos complementares e escavações de pequeno porte em busca de fósseis, além de identificar a medida total da caverna. De acordo com estudiosos, o Rio Grande do Sul, com mais de mil ocorrências, é o Estado brasileiro com maior número de paleotocas identificadas.

CACAU

CONTRA A CRISE Na contramão da crise econômica vivida por diversos setores no país está a produção cacaueira no sudoeste do Pará. As lavouras estão carregadas e o preço do quilo da amêndoa aumentou em relação ao mesmo período do ano passado. O Pará é o segundo maior produtor de cacau do Brasil, sendo superado pela Bahia. Em 2015, a safra de cacau do estado deve chegar a 100 mil toneladas de amêndoas, sendo Medicilândia responsável pela produção de 41 mil toneladas. JEFFERSON ALMEIDA / ASCOM PMCC

Mamíferos abriram labirinto subterrâneo

ILUSTRAÇÕES: MÁRCIO EUCLIDES

GIGANTES

ESTACIONAMENTO

PAINÉIS SOLARES A Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) inaugurou um estacionamento com painéis solares que se tornará o maior do país em geração de energia. Fica no campus da Ilha do Fundão e tem espaço de 651,64 metros quadrados, com capacidade para 65 carros. Os 414 painéis solares fotovoltaicos são capazes de gerar 140 mil kWh por ano. Essa energia é suficiente para abastecer até 70 residências com consumo médio de 167 KWh por mês. A energia gerada pelos painéis instalados no estacionamento alimentará a rede da Light, que distribuirá a energia por todo o campus. Outra vantagem dos painéis

Ponta do Abunã

é que cerca de 70 toneladas de dióxido de carbono (CO2) deixarão de ser emitidas por ano na atmosfera, ajudando na redução do aquecimento global. FONTE: INSTITUTO FEDERAL DE TECNOLOGIA DE ZURIQUE

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SETEMBRO DE 2015


ELESSEACHAM POR QUE MIMETISMO É UMA COISA NATURAL

Em parceria com o Hospital Bettina Ferro, a banda Chuvas e Cataventos leva conforto aos pacientes através da música

SOLIDARIEDADE

Músicos mudam rotina de hospital com shows A banda “Chuvas e Cataventos” leva aos pacientes e servidores do Hospital Bettina Ferro (HUBFS), da Universidade Federal do Pará (UFPA) um repertório da Música Popular Brasileira e de bandas do cenário do pop rock nacional. A ação fez parte do projeto “A Música como Instrumento de Ação Social”. O evento acontece todos os meses, desde junho, no hospital. A ação permite a inserção da música no espaço hospitalar, propiciando bem-estar aos pacientes, aos familiares e à equipe multiprofissional., contribuindo para melhorias e

qualidade de vida. O músico Daniel Sant’ana diz que a sensação de participar do projeto é surpreendente. “Gostei bastante de tocar no hospital. Percebi alegria e paz nas pessoas ao ouvir a gente tocando. É um efeito que a música traz no ser humano, é musicoterapia”, afirma. A aposentada Maria Inês Leão, de 65 anos, paciente do hospital, conta que esperar o atendimento ouvindo o som da banda é mais animador para os doentes. “É bom ouvir música enquanto espero a consulta com oftalmologista”.

EXÉRCITO

COMBATE AO CÂNCER

Camuflada entre folhas A estratégia dessa mariposa é ter mais de um disfarce: o primeiro lhe deixa totalmente invisível e, o segundo, assusta o predador com dois olhos fumegantes. Essa mariposa é uma espécie da família Saturniidae, que tem atividades noturnas e, durante o dia, permanece em repouso entre folhas secas, com as quais se camufla entre tons amarelo-alaranjados. Esse é o primeiro disfarce, com o qual mantêm as asas anteriores cobrindo as asas posteriores e o abdômen, com um padrão de cor semelhante em tudo às folhas. Mas, se outro ser a perturba, a mariposa assume seu disfarce de bicho grande: basta abrir as asas, mostrando as asas posteriores que contêm desenhos de falsos olhos, além do abdômen, de cor laranja intenso com bandas escuras. Quatro asas, dois disfarces e uma mariposa vivinha! CESAR FAVACHO / DIVULGAÇÃO

VESPA

CESAR FAVACHO / DIVULGAÇÃO

CLEIDE MAGALHÃES / ASCOM HUBFS/UFPA

ANIMAÇÃO

CIÊNCIA PARTILHADA

O veneno de uma vespa brasileira, Polybia

Presentes na Amazônia desde o século 17,

paulista, contém uma poderosa toxina,

o Exército Brasileiro abriu as portas dos

chamada MP1, que mata células de câncer,

quartéis no meio das matas para cientistas

sem danificar as células saudáveis. Um

estudarem o bioma em um projeto inédito. A

grupo de cientistas da Universidade Estadual

iniciativa integra o Programa Pró-Amazônia,

Paulista e da Universidade de Leeds, na

do Comando Militar da Amazônia, localizado

Inglaterra, descobriu como a toxina consegue

em Manaus. Os soldados vão prestar apoio

destruir apenas as células cancerosas.

logístico a cientistas, mobilizando mais de

Paul Bealees, um dos autores do estudo,

30 unidades militares, entre companhias,

afirma que “a descoberta poderia ser útil

batalhões e destacamentos. Um laboratório

para o desenvolvimento de novas terapias

permanente de pesquisa será montado em

combinadas para tratar um câncer”.

cada Pelotão Especial de Fronteira. SETEMBRO DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 13


FATO REGISTRADO

ACERVO GOELDI

A imponência do progresso diante da natureza na Zona Bragantina A redução do tempo de viagens e a maior capacidade logística foram consequências da implantação da estrada de ferro Belém-Bragança ainda no final do século XIX. Mas não apenas isso. Aliados a outros fatores, como a integração de setores da economia amazônica ao capitalismo global, os trilhos da Transbragantina também iniciaram um período de grandes derrubadas de floresta na região, seja para a feitura de roçados ou pastagens ou para a construção, tendo como área pioneira a Zona Bragantina. Na foto acima, o homem posa em frente à área desmatada, como que se quisesse demonstrar numa imagem sua supremacia em relação à natureza. As florestas eram submetidas à técnica tradicional da derrubada-coivara-queimada. Era o início para 14 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015

as atividades agrícolas ou de pastagens. Aquela “fronteira econômica” fora instalada a partir de 1885 com a chegada dos primeiros colonos através do rio Peixe-Boi. Nesse período, eles se estabeleceram na confluência com o rio Timboteua. À época, Peixe-Boi pertencia ao município de Nova Timboteua, que, por sua vez, possuía uma estação da estrada de ferro, via irradiadora da fronteira. A foto é de 1907, ano da inauguração da Transbragantina. A clareira aberta, com vestígios de fogo, são a marca da ocupação humana na região. Processo esse transportado pelo trem, o que originou diversas povoações, hoje municípios ou vilas que compõem a Zona Bragantina, como Tracuateua, que leva esse nome em função da grande população de formigas tracuás

que por lá viviam e atacavam os trabalhadores da ferrovia. Acabaram por emprestar seu nome a uma cidade. A foto é do Acervo do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), na propriedade Pau D’Arco, que também viria a se tornar município, mas que, à época, fazia parte de Peixe-Boi. A imagem revela uma floresta primária de terra firme a tornar-se área de derrubada e queimada. O cidadão montado no belo cavalo poderia ser o dono da propriedade ou um visitante. Para o retrato, pôs uma bela manta sob a sela de estilo inglês, além de uma vestimenta impecável com paletó, gravata e chapéu estilo “porkpie”, moda durante a Belle Époque daquele período. É impossível não sentir certa pena do garboso empresário da derrubada.


MODA

História de Belém será contada nas passarelas

no mundo globalizado, valorizado a sua democratização”. A estilista Sandra Machado, paraense radicada em São Paulo, será a convidada especial da semana de moda, em que apresenta a coleção “Metamorfosis”, da qual já ofereceu um preview durante o Encontro Paraense de Moda e Artesanato, em maio. Os alunos do curso de Especialização em Moda da FAP apresentarão, ainda, um desfile conceitual, com o título “Mabe: 400 anos de moda e arte na cidade de Belém”, inspirado no Museu de Arte de Belém.

ALECSANDRO MELO / FREEIMAGES.COM

O Amazônia Fashion Week (AFW), um dos maiores eventos de moda da região Norte, chega à nona edição no período de 4 a 7 de novembro, com o tema “Quatro Séculos de Moda”, com realização na Estação das Docas, Espaço São José Liberto, Radisson Hotel Maiorana e Faculdade Estácio FAP. Com grandes marcas de roupas desfilando suas criações, a organizadora do evento, Felicia Assmar Maia, diz que o objetivo é “focar na história da moda em Belém, analisando o passado e fazendo a ligação com os novos rumos da moda

ci

Pa

le

te

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te

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Leite corta efeito de remédios e venenos?

GQ ESTÚDIO / DIVULGAÇÃO

Diante de um caso de envenenamento ou reação adversa a medicamentos, a ingestão de leite sempre foi uma das soluções mais conhecidas. Esta solução tem sim eficiência, nesses casos é procurar um médico e não fazer tratamentos caseiros. Dependendo do remédio é possível reduzir ou até neutralizar a atividade, como explica o doutor em Fitoterapia e Fitoquímica Wagner Barbosa, da Faculdade de Ciências Farmacêuticas da Universidade Federal do Pará.

CAMISETA

REPELENTE INOVADOR

O

de

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ec

ap

pr

qu

Am

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se

or

pa

es

ca

água e nenhuma outra coisa. Alguns

tr

absorção pelo organismo. O mesmo efeito ocorre com sucos ácidos, como laranja ou limão. Quando for comprar o medicamento,

BACON DE PIRARUCU

go

“Remédio foi feito para ser ingerido com alimentos competem com medicamentos na

GASTRONOMIA

A

ad

porém, o que é sempre recomendado

ESTILO O Amazônia Fashion Week vai contar os 400 anos de Belém em um desfile temático durante a 9a edição do evento em novembro

P

PERGUNTA-SE POIS É PRECISO ESCLARECER MITOS E VERDADES

o paciente pode perguntar ao farmacêutico quais alimentos podem interferir. E depois

Você já ouviu falar em bacon de pirarucu

Uma empresa têxtil espanhola desenvolveu

é ficar atento às bulas”, explica Barbosa. Os

defumado? Pois esta é uma das novidades

uma camiseta que evita picadas de mosquitos

antibióticos são alguns dos mais sensíveis a

do segmento gourmet do Amazonas que

e de outros insetos como ácaros, carrapatos,

essa mistura. Quanto a envenenamentos, o

certamente dá água na boca de imediato. O

piolhos e percevejos. A firma STINGBye

leite pode amenizar os efeitos, mas o risco

bacon de pirarucu é feito pela ventrecha do

dedicou 4 anos de estudos em laboratórios

vai continuar e tratamento adequado deve

peixe – parte mais ‘gorda’ do animal. O prato

internacionais, como o Instituto Tropical do

ser feito com urgência.

leva este nome pela semelhança visual do

Brasil, e em junho começou a comercializar

pirarucu defumado com o bacon. Porém, ele

o produto, que contém permetrina, um

possui algumas diferenças em relação ao

repelente que aguenta até 100 lavagens. A

bacon convencional. O principal deles é que

empresária Silvia Oviedo diz que a camiseta

o do pirarucu não é frito e é mais saudável

pode ser útil em países tropicais com doenças

apenas pelo fato de ser um peixe.

transmitidas por insetos, como a dengue.

MANDE A SUA PERGUNTA Envie perguntas instigantes sobre hábitos, costumes e fenômenos da região amazônica para o e-mail: amazoniaviva@orm.com.br

SETEMBRO DE 2015

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QUEM É?

VERGARA FILHO

Conhecedor de reservas extrativistas TEXTO ARNON MIRANDA FOTO ROBERTA BRANDÃO

U

ma vida de cidadania em favor das comunidades tradicionais. Este é o lema do biólogo Waldemar Londres Vergara Filho na gestão de Reservas Extrativistas (Resex) em manguezais da região costeira do Pará. Vergara Filho é natural de João Pessoa (PB), onde se formou em biologia. Em 1984, fez um curso de biologia marinha pela Marinha do Brasil e se aprofundou mais na área. Ao completar o curso, ele fez um estágio de lavagem de crustáceos em Rio Claro (SP) e depois foi para Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) fazer um trabalho de apoio no laboratório de larvicultura. Lá, foram 10 anos como professor, orientador de monografias e examinador de bancas. Em 1992, especializou-se em Análise e Avaliação Ambiental pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-RJ), com foco em monitoramento de manguezais. Vergara Filho foi um dos articuladores nacionais das primeiras edições

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SETEMBRO DE 2015

do Encontro Nacional de Educação Ambiental em Manguezais (ENEAM), de 1993 a 1995. Ele veio ao Pará em 1997, quando foi convidado a visitar o Estado. Na Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), recebeu o primeiro apoio para atuar profissionalmente, ministrando oficinas educativas no litoral. Em 1999, a serviço do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), o biólogo prestou assessoria para o Centro de Populações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável (CNPT). Waldemar assumiu a coordenação do CNPT de 2003 a 2008. A missão era explicar o que é e como funciona uma Unidade de Conservação e saber quais municípios iriam aderir à formação das Resex. “Acabei tomando gosto pelo Pará. Fomos às comunidades, conversando com todo mundo, explicando o que é uma reserva extrativista, e em alguns municípios, através de manifestos, as bases sociais aderiram, pedindo a criação

das Resex.”, conta o biólogo. Desse modo, foram mais de 80 visitas feitas ao litoral paraense, avaliando quais locais poderiam se tornar uma Resex. “Ao lidar com as pessoas o grande desafio é despir-se de preconceitos pelas populações excluídas. Uma reserva tem a obrigação de servir como um portal de políticas públicas naquele território”, destaca Vergara Filho. O trabalho da equipe de apoio é orientar as populações tradicionais sobre os instrumentos de cogestão da Resex, como o plano de utilização, o cadastramento dos usuários efetivos da reserva, a formação do conselho deliberativo, a demarcação física, a sinalização estratégica da Unidade e a capacitação das pessoas no local. Atualmente, Vergara Filho chefia a Resex de São João da Ponta e faz a coordenação técnica do projeto Manguezais do Brasil, uma parceria do ICMBio com o Banco Mundial que busca promover a conservação e o uso sustentável das áreas de mangue do Brasil.

NOME

Waldemar Londres Vergara Filho

IDADE 57 anos

FORMAÇÃO Biólogo

TEMPO DE PROFISSÃO 30 anos


ARQUIVO PESSOAL

EU DISSE

APPLICATIVOS

“As crianças amamentadas são mais preparadas para enfrentar dificuldades na vida”

BOAS IDEIAS NUM TOQUE DE DEDOS

Rosângela Monteiro, presidente da Santa Casa de Misericórdia do Pará,

Lixarada

sobre a programação da Semana Mundial de Aleitamento Materno 2015, cujo

Esse app é uma ferramenta que ajuda a fisca-

tema foi “Amamentação e trabalho, para dar certo o compromisso é de todos!”

lizar a Política Nacional de Resíduos Sólidos

(Agência Pará de Notícias)

(Lei federal 12.305/2010), que proíbe a exis-

“Não é um processo da noite para o dia, mas é vitorioso, pois as pessoas começam a perceber que as bicicletas também são benéficas”

tência de qualquer lixão irregular. Com ele, o usuário pode denunciar aterros clandestinos, enviando as coordenadas pelos aplicativos de mapas. A desenvolvedora, a WiseWaste, envia relatórios às prefeituras e cobra as soluções, além de tornar a denúncia pública. Plataforma: iOS

Leonardo Barchini, secretário de Relações Internacionais e Federativas da Prefeitura de São Paulo,

Preço: Gratuito

sobre a importância de substituir os automóveis por bicicletas nas grandes cidades. (Agência Carta Maior)

“Estamos bastante empolgados. Essa molécula tem um grande potencial de avanço em estudos clínicos tradicionais sobre o HIV”

Sons da Natureza O aplicativo ajuda a relaxar ao executar sons da natureza em alta qualidade, reduzindo o estresse ou auxiliando no sono. Chuva, rios,

Satya Dandekar, pesquisador da Escola de Medicina da Universidade da Califórnia,

floresta, vento, gramados, oceanos, pássaros.

sobre a descoberta da droga PEP005, desenvolvida em laboratório e já testada em 13 pacientes

O que for o som preferido, pode ser executado.

portadores do vírus causador da Aids.

Também ajuda as crianças a conhecerem os

(Site BBC.com)

sons da natureza ou colocá-las para repousar DIVULGAÇÃO

após um longo dia de atividades lúdicas. Plataformas: iOS, Android e Windows Phone Preço: Gratuito

Calendário Menstrual Esse app é cheio de opções para monitorar a fertilidade e saúde nos períodos menstruais.

“Não há maior ameaça para as futuras gerações do que as alterações do clima, e isso também é uma ameaça à segurança dos Estados Unidos”

Barack Obama, presidente dos Estados Unidos, ao anunciar um plano que pretende reduzir em 32% a emissão de carbono das centrais termoelétricas até 2030.

Ele permite que a usuária monitore não apenas os dias de fluxo, mas também as cólicas, alterações de humor, peso, temperatura, regularidade e demais sintomas. Tudo que é armazenado gera relatórios e estatísticas que podem ser usadas em consultas médicas. Plataformas: iOS e Android Preço: Gratuito

(Agência Brasil) FONTES: PLAY STORE E ITUNES

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CURIOSIDADES DA BIODIVERSIDADE

PEDRO VIANA/ MUSEU GOELDI

Novo gênero de planta é exclusivo de Carajás O processo de mudanças geológicas e outros eventos de milhões de anos determinaram o isolamento de populações, comunidades e indivíduos de seres vivos. Isso ocorreu também e de forma única - endêmica - na serra de Carajás, sudeste paraense. Acabaram por se isolar e, em função das peculiaridades de região (clima, alimentação, predadores e outros) foram se especializando, se especializando, geração após geração, até tornarem-se novas espécies. Essa é a especiação, quando a diferenciação forma espécies diferentes das originais, processo corroborado

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pela descoberta de espécies novas e endêmicas lá da serra de Carajás, isso quer dizer, que só ocorrem lá. E tem mais descoberta. São de um gênero novo da família Rubiaceae, que recebeu o nome Carajasia, além da espécie Carajasia cangae, que ocorre na serra sul, numa área de aproximadamente de 50 km². A família Rubiaceae engloba espécies vegetais que se distribuem geralmente por áreas tropicais e subtropicais, mas que também podem ser encontradas em regiões temperadas. As descobertas foram publicadas no periódico “Phytotaxa”, em artigo as-

sinado por cinco botânicos: Roberto Salas e Elza Cabral, do Instituto de Botânica do Nordeste de Corrientes, Argentina; Steven Dessein e Steven Janssen, do Jardim Botânico Meise, da Bélgica; e Pedro Viana, do Museu Paraense Emílio Goeldi. Os achados são argumentos. Eles engrossam a tese de que, por lá, houve um longo processo de isolamento destes habitats especiais de vegetação rupestre sobre canga, remontando a tempos antigos. Espécies que são descobertas para a humanidade já com um alerta: estão em perigo, daí a necessidade de atenção para que se evite sua extinção.


DESENHOS NATURALISTAS

CONCEITOSAMAZÔNICOS O VOCABULÁRIO REGIONAL É UM PATRIMÔNIO ACERVO DE OBRAS RARAS DO MUSEU GOELDI ILUSTRAÇÃO: SÁVIO OLIVEIRA

Sassariqueiros bem informados ARTE RUDIMENTAR As cerâmicas do vilarejo de “Coanany”, no litoral do Amapá, foram estudadas pelo naturalista suíço Emílio Goeldi, no final do século 19

Vamos lá, esse é fácil de entender: sabe aquele menino ou menina dos 14 aos 18 anos, ativo, alegre e, principalmente, rueiro? Ele - ou ela - sai pela manhã, num sábado em que se poderia ficar dormindo até tarde, e vai logo lá na feira, fica com o ouvido atento a toda e qualquer conversa e sempre acaba

A cerâmica Cunani São travessas retangulares, bacias redondas, tigelas semelhantes a cartolas e urnas a comporem a lista feita pelo suíço Emílio Goeldi sobre uma expedição científica à chamada região litorânea da Guiana Meridional, atual Estado do Amapá, em 1895. Eram os conhecidos objetos de “interesse arqueológico”, encontrados entre os rios Oiapoque e Amazonas. Fora, segundo Goeldi, uma “sorte de deparar, não muito longe do vilarejo de Cunani (Coanany), com umas urnas funerárias as mais curiosas possíveis”. Ainda segundo a descrição do suíço sobre a expedição de 1895, “após o necessário esforço para arredar essas tampas, havia para cada uma delas uma cova cilíndrica com altura aproximadamente de um cômodo e que ficava parecida com uma bota por causa de um nicho frontal lateral”. De

acordo o cientista, “tal nicho mostrou ser um depósito de grande número de artefatos de barro em ótimo estado de conservação e com as mais diferentes formas e tamanhos considerada como urnas funerárias”. Uma sorte! Os objetos de cerâmica indígena, listados quando da descoberta dos poços artificiais de Cunani pela expedição de Goeldi, estão na prancha X da publicação, demonstrando as estampas cromolitográficas, em que ressaltam-se formas, cores e motivos decorativos, carregadas de um caráter antropomorfo. Em 2009, o Boletim do Museu Paraense Emílio Goeldi, Ciências Humanas (v.4, n.1) reuniu vários artigos, em torno do tema “Arqueologia amazônica: história e identidades”. Este número também apresenta, na seção “Memórias”, três textos arqueológicos de Emílio Goeldi (1859-1917).

falando sobre Remo e Paysandu com um feirante folclórico do lugar. Mas é também aquele que corre pra a rua ao ver uma pequena multidão se aglomerando ao redor de um acidente, querendo saber o que houve, levando a “reportagem completa” pra casa. É isso: o menino é um sassariqueiro, a menina é uma sassariqueira. Ambos, um caso típico de sassarico! Mas o termo não está restrito a um recorte de idade. Há muitas e muitos “doutores” especialistas nessa arte. Avôs e avós que conhecem do sassarico. O termo é bem conhecido, mas não se encontra em dicionários formais da Língua Portuguesa. E designa justamente esse tipo de gente: inquieta, assanhada, aquele que gosta de se envolver em tudo, que adora “estar em todas”. Você certamente deu um risadinha pensando no sassarico. Das duas uma: ou se reconheceu como um sassariqueiro de mão cheia ou lembrou do primo, da prima, irmão, pai ou mãe que são que nem urubu do Ver-o-Peso, estão lá pela bagunça. O urubu, esse sim: mascote do sassarico, com certeza!

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AVES DA AMAZÔNIA

Rendadinho-do-xingu Presente em quase toda região Norte, o Willisornis vidua tem esse nome homenagem a Edwin O’Neill Willis (1935-2015), professor e ornitólogo norte-americano, que morou no Brasil. A tradução literal do latim é “ave viúva de Willis”. Também conhecido pelo nome vulgar rendadinho-do-xingu, por causa da coloração das penas, mede em torno de 13 cm de comprimento e pesa 17g. O macho é de cor acizentada e a fêmea possui uma coloração marrom, sendo mais claro nas extremidades. Ainda assim há uma extensa quantidade de variação de plumagem entre as subespécies, com a extensão e localização das manchas pretas mais escuras diferentes entre eles. Possui duas subespécies: Willisornis vidua vidua (Hellmayr, 1905), que ocorre no leste da Amazônia brasileira ao sul do rio Amazonas, estendendo-se do rio Xingu até o oeste do Maranhão; e Willisornis vidua nigrigula (E. Snethlage, 1914), sendo observado na região central e sul da Amazônia brasileira, da margem direita do rio Canumã até o rio Tapajós, e até a margem leste do rio Teles Pires. A concentração de pontos em uma região não indica, necessariamente, reunião de aves naquele local, pois o registro da ocorrência também está relacionado à concentração de observadores, principalmente nos grandes centros urbanos.

FICHA TÉCNICA

Reino: Animalia Filo: Chordata Classe: Aves Ordem: Passeriformes Subordem: Tyranni Parvordem: Thamnophilida

ALIMENTAÇÃO

Quase sempre aos pares, o rendadinho-do-xingu vive perto de folhagens próximas para facilitar a captura de formigas, baratas, aranhas, centopeias, gafanhotos e pequenos lagartos. Por isso, é muito mais comum habitar o sub-bosque de florestas úmidas de terra firme, quase nunca encontrado em várzeas. Frequentemente pode ser visto seguindo formigas-de-correição. 20 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Família: Thamnophilidae Subfamilia: Thamnophilinae Gênero: Willisornis Espécie: W. vidua Nome binomial: Willisornis vidua (Hellmayr, 1905)

FOTO: WILLISORNIS VIDUA / ALEXANDER CHARLES LEES FONTE: ALEXANDRE ALEIXO, CURADOR DA COLEÇÃO ORNITOLÓGICA DO MUSEU PARAENSE EMÍLIO GOELDI


COMO FUNCIONA

A produção da cerâmica marajoara Da argila das várzeas amazônicas até as estantes e cômodos das residências a cerâmica marajoara passa por várias mãos habilidosas, em um processo que envolve muito barro e talento artístico TEXTO E ILUSTRAÇÃO SÁVIO OLIVEIRA

4

NAS MÃOS DO OLEIRO Transformando a argila em peças de arte

A argila volta para o oleiro, que começa a trabalhar com mãos e

1 Os chamados “barreirenses” se lançam em igarapés e mangues em busca de argila

pés. Sentado no “torno de chute”, feito de madeira e polias, ele vai chutando, enquanto a roda faz a argila girar ganhando forma, moldada sempre com mãos molhadas para deslizarem

bruta. Extraem o material

com a redução de atrito.

e o amassam, dividindo em

5

blocos de mais ou menos 12kg, mas ainda com vegeta-

Depois da peça pronta, a

ção rasteira, raízes e galhos

massa precisa descansar

misturados.

de 12 a 72h em prateleiras,

2

dependendo do clima, para desidratar. Enquanto ela seca podem ser feitas

Os blocos são vendidos para

agregações de figuras de

as olarias, onde é feita a lim-

animais ou de alças.

peza manual. O tratamento

6

tradicional das oficinas antes da produção é feito pelo oleiro, que fatia o bloco com

Daí a peça vai para as mãos

um arame para que pedras,

do nicador, que desenha

raízes e fiapos sejam retira-

riscos finos, e o cavador,

dos dos pedaços de argila.

dos riscos grossos, que são espécies de arte-finalistas.

3 Com a peça limpa, a argila vai para as mãos do boleiro,

Em seguida, a cerâmica vai ao forno para queimar a uma temperatura de 800°C a 1100°C, de 5 a 12h. Conforme a peça for conservada

que transforma a massa em

em uma temperatura mais

uma bola consistente, limpa

alta, mais resistente ela será

e sem bolhas de ar. FONTE: DEL ALMEIDA, PROFESSOR DO LICEU DE ARTES E OFÍCIOS DE ICOARACI

e cozimento será completo. SETEMBRO DE 2015

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CIÊNCIA CIÊNCIA

Um novo olhar sobre a tuberculose

Pesquisa de grupo de médicos da Santa Casa do Pará representa um avanço no diagnóstico de formas extrapulmonares da doença em crianças da região TEXTO BRUNO ROCHA

A

GRUPO DE PESQUISA

O caso de tuberculose disseminada em um menino de 10 anos fez os médicos Waldonio Vieira, Lilian Pereira, Roseana Sovano, Bernadete Ataide e Érica Cavalcante se aprofundarem no assunto 22 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015

médicos da Santa Casa de Misericórdia do Pará recentemente desenvolveu uma pesquisa a partir de um caso de um menino de 10 anos, diagnosticado no hospital com esse tipo de doença. A pediatra e integrante da pesquisa, Bernadete Ataíde, explica que o diagnóstico dessa forma de tuberculose é difícil em crianças. “Nesse caso em particular, foi mais difícil porque o menino já havia tomado as duas doses da vacina BCG e apresentava uma infecção no trato urinário. Ele tinha sintomas não específicos, como febre, perda de peso, fadiga, mal-estar geral, astenia (perda da força física), anorexia, dor de cabeça. Só no terceiro dia de amostra de urina é que deu resultado positivo para a presença do BAAR”, diz a médica. O tratamento do menino foi registrado no trabalho “Tuberculose Disseminada em um Paciente Pediátrico: Relato De Um

Caso”, que será apresentado no CHEST 2015, evento internacional para profissionais e estudantes de medicina, realizado em Montreal, Canadá. A equipe que cuidou do caso e desenvolveu a pesquisa contou com médicos e residentes e, além de Bernadete Ataíde, participaram também Érica Cavalcante, Roseana Sovano, Waldonio Vieira e Lilian Pereira. O evento é promovido pelo American College of Chest Physicians, mundialmente reconhecido pela contribuição em pesquisa para o avanço e melhoria de resultados para o paciente através da educação inovadora da medicina, a investigação clínica e cuidados baseados na equipe. Um dos principais objetivos do CHEST é a prevenção, diagnóstico e tratamento de doenças do tórax através da educação, comunicação e pesquisa. Érica Cavalcante, reumatologista pediatra, diz que esse tipo ARQUIVO PESSOAL

tuberculose ainda é uma das principais doenças infecto-contagiosas do mundo e no Brasil é uma questão prioritária de saúde pública. De transmissão respiratória através da inalação de partículas infectantes presentes no meio ambiente, ocorre principalmente em contatos íntimos prolongados em lugares de moradia e trabalho. As formas pulmonares e laríngeas são as principais envolvidas na manifestação da tuberculose e podem assumir o risco epidemiológico. O contágio por outras formas não é muito comum. Quase 5% dos indivíduos que entram em contato com o BAAR (agente etiológico da doença) podem evoluir para tuberculose ativa em apenas dois anos. Além das formas pulmonares existe ainda a tuberculose disseminada, que pode envolver diversos órgãos e apresenta-se com múltiplos sinais e sintomas. Nesse caso, a doença miliar e meningite (membranas do cérebro) são as primeiras e mais mortais complicações. Tuberculose geniturinário, que envolve os órgãos urinário e reprodutor, é a segunda forma mais comum de doença extrapulmonar. Mesmo compreendendo 20% dos casos não pulmonares, a tuberculose disseminada ainda não é diagnosticada de maneira eficiente na maioria dos casos. Diante dessa realidade, um grupo de


TIPOS DE TUBERCULOSE A doença e suas variações

TUBERCULOSE PULMONAR PRIMÁRIA

Em pelo menos 5% das pessoas, o sistema imunitário não consegue conter a infeção tuberculosa inicial. Esses pacientes desenvolvem uma tuberculose ativa no ano que se segue à exposição à bactéria, também chamada bacilo de Koch. Este tipo de tuberculose ativa é mais comum em crianças, especialmente nos países em vias de desenvolvimento com taxas elevadas de desnutrição e cuidados médicos deficientes. As pessoas com infecção pelo HIV e outras doenças com o sistema imunitário deprimido apresentam maior risco.

Sintomas

Alguns doentes com esse tipo de tuberculose, especialmente as crianças mais novas, não apresentam outros sintomas além de febre e fadiga. Outros sinais da doença que podem surgir são: Tosse Dor torácica Suores noturnos Falta de apetite Dificuldade em aumentar de peso

TUBERCULOSE MILIAR OU DISSEMINADA

A tuberculose pode disseminar-se por todo o corpo através da corrente sanguínea.

Sintomas

Febre Suores noturnos Perda de peso Fraqueza Problemas pulmonares (tosse, falta de ar, dor torácica). Embora as bactérias se disseminem por todo o corpo, podem não haver outros sintomas. Se estes surgirem, podem ocorrer em praticamente qualquer localização. Alguns dos sintomas mais comuns incluem: Dores de cabeça Dificuldades de visão Aumento do volume dos gânglios linfáticos Dores articulares Massas no escroto Erupções cutâneas (lesões da pele) Dor abdominal.

TUBERCULOSE PULMONAR SECUNDÁRIA (REATIVAÇÃO)

Cerca de 95% das pessoas infectadas pela tuberculose conseguem inativar a doença inicialmente. A maioria nunca desenvolve uma doença ativa. Nas pessoas em que a doença se torna ativa, as bactérias acabam por se sobrepor ao sistema imunitário e começam a replicar e a disseminar-se, normalmente nos pulmões. Os bacilos podem destruir grandes áreas dos pulmões, formando cavidades cheias de bactérias e células mortas.

Dores de cabeça e dificuldades de visão

Sintomas

Febre Suores noturnos Perda de peso Falta de apetite Fraqueza Dor torácica Mal-estar.

INFOGRAFIA: MÁRCIO EUCLIDES

Em geral, ocorre ainda tosse produtiva com produção de muco (expectoração) esverdeado. À medida que a doença progride, o doente pode eliminar expetoração com sangue (por vezes em grandes quantidades), apresenta falta de ar e, por fim, desenvolver problemas respiratórios graves. Suor noturno, palidez, erupções cutâneas e dores articulares

Dores no peito, tosse com excreção de sangue e tosse prolongada

Dor abdominal

Massas no escroto

de pesquisa desenvolvida pela equipe da Santa Casa do Pará desperta grande interesse em um evento global, já que a região Norte apresenta um número elevado de doenças infecto-contagiosas e a pesquisa pode auxiliar no desenvolvimento de parâmetros de tratamento em outros países com características parecidas com as da região. “Nós vivemos em uma região endêmica e além disso de grande população e tamanho quase continental, o que dificulta ainda mais a pesquisa nesse campo e o desenvolvimento de ações de prevenção e tratamento da tuberculose disseminada. Mas, além do avanço clínico que a nossa pesquisa representa, o importante também é o trabalho de caráter educativo que ela permitiu que a gente desenvolvesse”, explica a médica. Para a equipe, ter o trabalho publicado nos anais da instituição internacional ajuda muito a dar visibilidade para a necessidade, ainda urgente, de se prevenir a doença na Amazônia. “De início, nós não suspeitávamos que uma criança, mesmo vacinada, tivesse contraído a tuberculose disseminada. Quando descobrimos, tivemos que repensar todo o tratamento e estudar um pouco mais a fundo sobre a doença. Quer dizer, constatamos que ainda é insuficiente o trabalho educativo com as formas de contágio e manifestações sintomáticas da tuberculose, principalmente na periferia. Nem sempre o doente vai apresentar os sintomas clássicos de tosse com a presença de sangue”, diz Bernadete. A pediatra destaca que já considera o trabalho um sucesso, tanto pela equipe profissional envolvida quanto pela possibilidade de conhecimento que ele proporcionou aos médicos. “Mais ainda pela sensação gratificante de salvar uma vida. Agora, poderemos tratar de casos parecidos com muito mais propriedade e sem tanto desgaste para pacientes e familiares”, comemora. SETEMBRO DE 2015

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OLHARES NATIVOS

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Peixeiro

O feirante limpa pacientemente o peixe fresco para sua freguesia no mercado do Ver-o-Peso FOTO: FERNANDO SETTE

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OLHARES NATIVOS

Em busca de ouro Garimpeiro trabalha na extração de minerais e pedras preciosas em Viseu, nordeste do Pará FOTO: TARSO SARRAF

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Sem o nariz vermelho O ator Antônio do Rosário, que interpreta o palhaço Black, se prepara para mais uma apresentação e arrancar risos da plateia FOTO: CARLOS BORGES

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OLHARES NATIVOS

Flores do verão amazônico

O ipê-rosa (Handroanthus heptaphyllus) deu um colorido à rua 1º de Maio, em Castanhal, Pará FOTO: SILVIA LEÃO

Show e luzes no centro histórico

A banda Farofa Black se apresenta na festividade de Santa Maria de Belém, na Cidade Velha. Ao fundo, a Igreja de Santo Alexandre. FOTO: SILVIA ATAIDE 28 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Passeio sob nuvens carregadas Uma jovem caminha apressadamente antes da chuva cair no Ver-o-Peso FOTO: HELY PAMPLONA

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Em alto mar

OLHARES NATIVOS

O pescador, pai de família, trabalhando de domingo a domingo, indo buscar nos currais o alimento e sustento para seus filhos. Registro entre Marudá e Algodoal, no litoral paraense. FOTO: LUCIANE COSTA

Descanso Homem repousa em uma rede sob o forte calor de Algodoal. FOTO: FERNANDO SETTE

Aquele banho de rio... O céu: o limite. Limite, viva, crie, amplie o voo. O menos será mais sempre. Não tem volta. E a vida? Doce como um banho de rio. FOTO: TARSO SARRAF

Envie as suas fotos para a seção Olhares Nativos 30 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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Para participar da seção “Olhares Nativos” da revista Amazônia Viva basta enviar fotos com temática amazônica para o e-mail amazoniaviva@orm.com.br acompanhadas pelo nome completo do autor, número de identidade e uma breve informação sobre o contexto do registro fotográfico. As imagens devem ser autorais e com resolução de no mínimo 300 dpi. A publicação das fotos tem fins meramente de divulgação de trabalhos profissionais ou amadores, não implicando em qualquer tipo de remuneração aos autores. Participe!


OPINIÃO, IDENTIDADE, INICIATIVAS E SOLUÇÕES CARLOS BORGES

IDEIASVERDES

Sabor açaí A INDÚSTRIA DO ESTADO BUSCA AUMENTAR A QUALIDADE E O PROFISSIONALISMO NO PROCESSO DE PRODUÇÃO DO FRUTO

PÁGINA 36

PATRIMÔNIO

GRUPAMENTO

SUSTENTABILIDADE

A coordenadora do Laboratório de Restauração e Reabilitação, Thaís Sanjad, afirma que o centro histórico de Belém precisa atrair as pessoas . PÁG.32

O Batalhão de Policiamento Ambiental do Pará atua no serviço e proteção à sociedade e ao meio ambiente. PÁG.44

O praticante de canoagem Igor Vianna aprendeu a fabricar os próprios caiaques com toque mais regional. PÁG.48


ENTREVISTA

E

ra 23 de julho de 2015, esquina da rua Santo Antonio com a Leão XIII, Belém. Na madrugada de quarta para quinta-feira, foram registradas mais duas baixas entre os antigos prédios do centro histórico e comercial. As notícias apontaram o fogo como a causa imediata, mas de antemão eles estavam condenados pela subutilização e o descuido. Da drogaria dos tempos da Belle Époque paraense e do casarão de frente azulejada e três pavimentos com estilos arquitetônicos dos séculos XVIII a XIX restavam estruturas ruídas e uma pilha de destroços. Poucas horas depois, lá estava uma equipe de profissionais e estudantes do Laboratório de Restauração e Reabilitação (Lacore) da Universidade Federal do Pará para as buscas de resgate. O que eles retiravam do resultado do incêndio sem mortos ou feridos eram partes daquela história. Pedaços de estuque, azulejos da Bélgica, os tijolos da terra, fabricados no bairro do Reduto. Materiais centenários que, através de medidas e tecnologias dominadas pelos arquitetos restauradores, podem ser recuperados e, junto com eles, um pouco da memória da cidade. Arquiteta restauradora, professora e coordenadora do Lacore, Thais Sanjad falou com a Amazônia Viva sobre o trabalho do grupo na conservação e restauro das construções históricas de Belém e as responsabilidades na preservação do patrimônio material. Em julho, a destruição de dois casarões pelo fogo em uma área histórica de Belém reacendeu um debate latente que é o estado de conservação do patrimônio material da cidade. Que avaliação a senhora faz do estado geral de conservação dessas construções? O que se observa é que existem muitas obras em um lamentável estado de conservação. Em momentos como

“O centro histórico precisa atrair as pessoas” PARA A COORDENADORA DO LABORATÓRIO DE RESTAURAÇÃO E REABILITAÇÃO DA UFPA, THAÍS SANJAD, FALTA CONSCIENTIZAÇÃO SOBRE A PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO DE BELÉM. O ESTADO DE CONSERVAÇÃO DE PRÉDIOS HISTÓRICOS PÚBLICOS DA CIDADE, DE ACORDO COM A ARQUITETA RESTAURADORA, É PREOCUPANTE. TEXTO JOÃO CUNHA FOTO ROBERTA BRANDÃO


esse, o que deve ser questionado são as causas. Existe um fator principal para isso? Será falta de mão de obra, dificuldades financeiras ou falta de apoio em vários níveis? Existe uma necessidade primordial de todos os segmentos da sociedade que estão envolvidos na questão patrimonial discutirem como podemos preservar esse patrimônio, que é uma parte pequena da cidade, se olharmos o mapa municipal. Não conseguir conservar nem esse espaço mínimo, é um grande contrassenso. Sobre o incêndio, a arquiteta Roseanne Norat escreveu: “Penso agora no Pinho, no desabamento durante as obras de recuperação, na reconstrução da área perdida e como, até o momento, está sem uso, fadado novamente a ruir caso não mudem de imediato essa trajetória”. A senhora concorda com essa afirmação? O que deve ser feito para manter obras que foram revitalizadas em bom estado? É só uma questão de uso? O Palacete Pinho é mais um caso

MARCELO SEABRA / ARQUIVO O LIBERAL

“Sempre que ocorre a perda de um prédio histórico, acontece toda uma discussão sobre patrimônio, mas acaba aí e os mesmos processos de degradação continuam”

FOGO VORAZ

Em poucas horas, um incêndio destruiu prédios históricos no centro comercial de Belém, na madrugada do dia 23 de julho deste ano. Uma perda irreparável para a cidade.

triste no patrimônio histórico de Belém. Como se reinaugura um patrimônio daqueles sem pensar no que fazer dele? Foi gasto muito dinheiro público nas obras de restauro para nada. Até hoje, ele está sem função na cidade. Se a edificação não tiver uso, você está assinando um atestado de que ela vai continuar doente até o ponto de desaparecer, lentamente consumida pelo tempo. É preciso ocupar esses espaços com atividades, sejam turísticas, econômicas ou artísticas, que sejam adequadas às estruturas. Agora, a preservação do Centro Histórico, mesmo das partes não restauradas, vai além do uso. Também tem a

especulação imobiliária, que é muito forte. O Centro Histórico é uma área privilegiada da cidade, uma das mais bonitas de Belém, próxima ao rio. E aí é possível manter um edifício centenário, restaurá-lo, mas se prefere construir outro, que vai ser mais rentável. Tem a ver com o valor do imóvel, do terreno, da área urbana em que ele está situado, toda uma questão maior. Depois do incêndio, organizações locais de comerciantes anunciaram a ideia de um projeto de revitalização do centro histórico, o que passa também pela preservação dos prédios. O que a senhora acha dessa iniciativa? Como devem ser partilhadas as responsabilidades de cuidado com o patrimônio? Acho muito válida a ideia, ela deve ser SETEMBRO DE 2015

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ENTREVISTA

ser pensadas em conjunto, enxergando todo o Centro Histórico de Belém. Mas eu não posso pensar isso só com o grupo de lojistas ou de arquitetos restauradores, eu tenho que envolver uma equipe multidisciplinar e, amplamente, a população. O Centro Histórico precisa que as pessoas se apropriem dele. Hoje ele tem um uso prioritariamente comercial, o que não é bom. É preciso ter uma variedade de usos, atrair as pessoas. Para isso, ele precisa ser um espaço convidativo a todos. Não se pode elitizar o Centro Histórico, isso seria outro caos. Se você não considera as pessoas que vivem e trabalham lá, os problemas não desaparecem, pelo contrário, eles aumentam. O patrimônio é de todos os paraenses, de todos os que vivem na cidade e se identificam com o lugar. Por isso a intervenção nesses espaços tem que servir e agradar a grande maioria das pessoas.

“ Há a dificuldade da falta de mão de obra especializada na execução das obras, que é uma das partes mais importantes do processo. Por não achar quem faça a manutenção” levada a frente. Sempre que ocorre a perda de um prédio histórico, acontece toda uma discussão sobre patrimônio, mas acaba aí e os mesmos processos de degradação continuam. Acima de tudo, tem que ter vontade política. Não adianta eu restaurar uma edificação aqui, outra ali, as coisas têm que 34 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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O Laboratório de Conservação, Restauração e Reabilitação (Lacore) da UFPA resgatou pedaços de um dos prédios do meio dos escombros. Por que etapas de conservação eles passaram e qual o destino desse material? O trabalho do Lacore foi de tirar dos escombros o que ainda podia ser aproveitado de alguma maneira, separar esse material, catalogar, fazer a higienização prévia, embalar e depois devolvê-lo ao proprietário da edificação. É a partir daí que vai se definir o que será feito com tudo que resgatamos, se vai ser exposto em um museu, se vai ser reutilizado em outra construção. Nosso envolvimento foi voluntário, usando nosso conhecimento para poder salvar algo das ruínas, e existem muitas coisas lá que podem ser restauradas. Em quase dez anos de atividade, o que o Lacore vem fazendo para a preservação e restauro de construções no Centro Histórico de Belém? Desde 2006, o laboratório desenvolve pesquisas com materiais aplicados nas áreas de conservação e restauro do patrimônio arquitetônico. Trabalhamos na recuperação de peças desse patrimônio na


PAULA SAMPAIO / ARQUIVO O LIBERAL

cidade, como foi em 2012, quando trabalhamos os azulejos que foram danificados no palacete Vitor Maria da Silva (na chamada praça do Ferro de Engomar). Há cinco anos, iniciamos o programa de pós-graduação, de onde saíram os primeiros alunos formados como arquitetos restauradores. E como está a demanda para esses profissionais em Belém? Bem, quando a gente ajuda a formar um profissional, uma das coisas mais preocupantes é se esses “meninos” vão ter trabalho e eles estão sendo procurados, ainda dentro do curso, para serem consultores de obras de restauro, fazerem obras desse tipo, intervirem em obras históricas. Eu me sinto muito gratificada de vê-los atuando e deles estarem inseridos nesse mercado, que é muito específico. O arquiteto restaurador tem um conhecimento muito especializado, sobre o que deve ser feito nas edificações históricas, visando à preservação da memória. Como restaurar, o que requer conhecimento tecnológico. É preciso reconhecer o que é antigo ou não e, se é, o que pode ser feito para recuperar. Um projeto desse nível, só um arquiteto restaurador consegue fazer. Então eles saem do Lacore e da universidade com esse olhar, sabendo que precisam investigar essas questões.

CENÁRIO DE GUERRA Na manhã seguinte à destruição do patrimônio público só podia se ver os escombros do que sobrou das construções históricas

Qual o maior desafio do arquiteto restaurador ao lidar com o patrimônio histórico? Um dos maiores obstáculos é convencer as pessoas a conservar uma determinada edificação e suas partes. Porque, ao invés de reproduzir uma estrutura de época, muito melhor é restaurar o material de origem, que possui um valor histórico, de significação, de memória. Existem soluções que não necessariamente torna o processo mais caro do que a tecnologia atual disponível e em alguns casos, os deixam mais barato. Também há a dificuldade da falta de mão de obra especializada na execução das obras, que é uma das partes mais importantes do processo. Por não achar quem faça a manutenção de prédios históricos, muitos proprietários não conseguem cumprir com esse serviço. No Pará, não existem centros de formação para esse ofício, mas o Lacore está buscando recursos para oferecer essa especialidade. SETEMBRO DE 2015

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Açaí e

tecnologia A INDÚSTRIA POPULAR MAIS TRADICIONAL DO PARÁ SE PROFISSIONALIZA COM FOCO NO MERCADO E NA SAÚDE DOS CONSUMIDORES TEXTO VICTOR FURTADO FOTOS CARLOS BORGES

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A

ALTA DEMANDA O elevado consumo do açaí batido dentro e fora do Estado estimula a criação de melhorias e inovação industrial no setor

produção artesanal da polpa de açaí, que leva cerca de 470 mil litros à mesa dos paraenses todos os dias, envolve um processo industrial popular tradicional responsável pelo emprego de mais de 7 mil pessoas somente na Região Metropolitana de Belém. Por décadas, os batedores, trabalhadores que “batem” o caroço do açaí extraindo seu sumo, produziam de forma rústica e pouco higiênica, mas desde a implantação do decreto municipal de Belém nº 326/2012 - resultado do aumento de casos de doença de Chagas, pela contaminação da polpa misturada com o barbeiro -, a atividade passa por uma constante evolução para garantir a higiene e sabor do fruto. Essa evolução tem se tornado um padrão em outros municípios. Os inventos para melhoria da produção artesanal, que existe em outros países da América Latina, também se tornam padrão e transformam o Pará num centro da inovação do setor. E atraem mais consumidores aos pontos comerciais. As atuais técnicas e seus equipamentos, principalmente de branqueamento e processos de lavagem, mostram a engenhosidade e adaptabilidade de muitas pessoas que nunca sentaram para assistir a uma única aula dos cursos de engenharia elétrica ou mecânica, mas que possuem um senso de inovação necessário para otimizar a produ-

ção e manter-se no mercado ao atender as exigências do consumidor cada vez mais preocupado com a saúde. Muitas dessas novas normas nasceram na Associação dos Vendedores Artesanais de Açaí de Belém (Avabel). O presidente Carlos Noronha foi idealizador de muitas das tecnologias, porém, abriu mão dos créditos e deixou a tecnologia aberta, permitindo que outros batedores pudessem intervir, alterar e sugerir novas adaptações e evoluções de forma democrática e popular. A técnica de branqueamento já mostra como a indústria artesanal aproveita e adapta conhecimentos e tecnologias. O processo consiste em lavagem, molho em água filtrada, molho em água com cloro, imersão em água quente a 80 ºC e então nova lavagem em água fria para choque térmico. O método é usado para higienização de batatas, que acabam ficando muito esbranquiçadas, daí o nome “branqueamento”. Mas escuro como o açaí é, essa alteração de cor não ocorre. É um processo um pouco mais longo do que a pasteurização, que é apenas o choque térmico durante a lavagem do produto, mas trata-se de um processo mais voltado a alimentos em estado líquido ou cremoso, comum para vinhos, cervejas, leite e iogurte. Noronha lembra que as mudanças no setor começaram pelos próprios batedores, que tiveram de adotar, definitivamente, o uso de máscaras, toucas e luvas

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para manipular o alimento, deixando de lado todo o estilo rústico. A estrutura mínima dos pontos também mudou: água filtrada, espaço para armazenar os frutos e equipamentos e produtos de higienização pessoal e do ambiente, que agora conta com divisórias. Os pontos ficaram mais limpos e já passam uma sensação de segurança higiênica maior ao consumidor. Essas mudanças, entretanto, não foram suficientes para conter casos de infecções digestivas e nem o avanço da doença de Chagas. Cursos de capacitação em manipulação de alimentos e alguns cursos específicos aos batedores foram criados e exigidos como pré-requisito para o funcionamento do ponto.

MELHORIAS

Poder público e batedores de açaí se uniram para vencer o problema e chegaram à necessidade de ajustar as máquinas, que antes tinham várias peças de madeira, ferro e alumínio, materiais que contaminavam o produto. Lentamente, tudo foi sendo substituído por aço inoxidável, mas ainda é possível encontrar alguns pontos de venda com máquinas antigas, principalmente em áreas periféricas da Grande Belém e no interior do Pará. Até o ano passado, menos de 100 dos 7 mil batedores faziam branqueamento. Nas técnicas de manipulação, o branqueamento foi a primeira grande mudança no setor exigida por lei. Quem hoje segue todas as recomendações e atende a todos os quesitos de higiene e qualidade é reconhecido com um selo da Prefeitura de Belém, o “Açaí Bom”, uma forma de dar segu38 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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7mil

BATEDORES DE AÇAÍ, EM MÉDIA, TRABALHAM na Região Metropolitana de Belém, segundo dados da Prefeitura municipal

rança aos consumidores e que é um eficiente instrumento de marketing. A cada novo caso da doença de Chagas, consumidores se conscientizam mais de que é necessário exigir qualidade. Carlos Noronha afirma que a movimentação nos pontos que prezam pela qualidade do açaí melhora consideravelmente e a conscientização dos batedores também. O Instituto Evandro

Chagas e a Fundação Oswaldo Cruz tiveram papel importante em sugerir formas de eliminar o inseto transmissor da doença e as formas de contaminação que levam ao mal de Chagas. “Males que vêm para bem. O setor precisava desse choque”, observa o presidente da Avabel. Com a técnica do branqueamento, também é possível evitar outras doenças, como febre tifoide, hepatite e botulismo.

PROFISSIONALIZAÇÃO

O presidente da Associação dos Vendedores Artesanais de Açaí de Belém (Avabel), Carlos Noronha, ajudou a criar algumas das tecnologias, hoje empregadas na extração do sumo do açaí. Ele incentiva a melhoria no setor, principalmente na capacitação dos batedores.


1.

Separação e catação: todos os caroços são colocados numa mesa e separados, manualmente, dos frutos em bom estado e ruins. Caso algum vestígio do barbeiro seja encontrado, já é removido no mesmo instante.

2.

Lavagem manual: os frutos já separados são levados a um tanque para lavagem que deve ser feita com as mãos, esfregando bem cada caroço. A água é trocada pelo menos duas vezes. Rapidamente, frutos com outros organismos que não apenas do barbeiro, começam a boiar e são removidos.

3.

Lavagem com cloro: os frutos são levados a outro tanque, dessa vez com água

LIMPANDO O AÇAÍ

As etapas do branqueamento e das regras de higiene do decreto municipal 326/2012 FONTES: AVABEL E DECRETO 326/2012

sanitária com cloro a 2,5%. A medição da quantidade tem que ser precisa e feita em tubos com réguas. Os frutos ficam de molho por 20 minutos.

4.

Branqueamento: nessa etapa, os frutos passam pelo tanque específico, que está com água a exatos 80º C, a temperatura ideal para matar as bactérias responsáveis pela doença de Chagas, febre tifoide, hepatite e botulismo. São apenas dez segundos nesse processo.

5.

Resfriamento: Em outro tanque, o açaí totalmente higienizado e branqueado é resfriado com água corrente e está pronto para ser batido. Não há qualquer alteração de sabor, cor ou aroma. SETEMBRO DE 2015

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QUALIFICAÇÃO

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MADE IN PARÁ

O açaí batido conforme as normas de higienização também está apto para ser exportado para países como Estados Unidos e Japão

O QUE É O MAL DE CHAGAS? É uma doença infecciosa e parasitária descoberta

esmagado nos processamentos. Na fase aguda da

por Carlos Chagas, em 1909, causada pelo protozo-

infecção, os principais sintomas podem ser febre,

ário Trypanosoma cruzi e transmitida ao homem

aparecimento de gânglios, crescimento do baço e

por insetos triatomíneos contaminados, conhe-

fígado, alterações elétricas do coração e ou infla-

cidos como “barbeiros”.. Ele pica,

mação das meninges nos casos graves, que

suga o sangue da pessoa e defeca

duram em média de 3 a 8 semanas. Na fase

ao mesmo tempo. Nas fezes do inseto estão os parasitas. Pelo contato das mãos com as fezes do barbeiro ao coçar o local da picada ou levar a mão à boca ou aos olhos, o parasita penetra na corrente sanguínea da pessoa. Também é possível contrair a partir da ingestão de

crônica, a maioria (cerca de 70%) dos portadores da doença permanece durante longo tempo, em torno de duas a três décadas, sem apresentar nenhum sintoma. Esta é a chamada forma assintomática ou indeterminada da doença. Quando surgem os sintomas da fase crônica, eles estão relacionados a distúrbios no

frutas e sucos contaminados com

coração (forma cardíaca) ou no esôfago e

as fezes ou com o próprio barbeiro

intestino (forma digestiva). Nestes casos,

CLEBER GALVÃO / FIOCRUZ / WIKIMEDIA

O Programa Estadual de Qualidade do Açaí - gerenciado por 14 instituições, incluindo a Avabel - já qualificou 1,2 mil batedores de açaí na Região Metropolitana de Belém e mais 800 estão em adequação avançada. No interior do Estado, somente neste ano, os municípios de São Domingos do Capim, no nordeste paraense, e Curralinho, na ilha do Marajó, já receberam a equipe do programa. A Avabel, no entanto, considera que o arquipélago do Marajó é a área com mais atraso na melhoria da produção artesanal. A Divisão de Alimentos da Secretaria de Estado de Saúde Pública (Sespa) informa que mais municípios do Estado vão receber o treinamento e que o interesse das cidades do interior tem sido fundamental na contenção de surtos da doença de Chagas. “Sempre que temos uma solicitação de municípios, agendamos as visitas. Tivemos um surto de doença de Chagas nesses municípios e fomos visitar os batedores de açaí, e nos surpreendemos com a quantidade de profissionais que estão se adequando e até comprando os equipamentos”, afirma a técnica do setor Doriléia Pantoja. “Isso é muito positivo para minimizar os surtos da doença. Entregamos os kits para que eles tenham o mínimo de estrutura para passar por todas as etapas do processo de higienização”, completa. Alguns consumidores mais resistentes à adaptação às novas regras ainda não entendem muito bem o que é o branqueamento, como apontam os próprios batedores que já fazem a técnica, processo que mesmo com ampla divulgação segue cheio de mitos, como alteração de sabor e encarecimento do produto. Porém, quem


BATEDOR E PROFESSOR

Heron Borges aprendeu o ofício com o pai e hoje ministra cursos de formação sobre a manipulação do açaí de acordo com o decreto municipal

já consome somente polpa branqueada, desmente. “Ouvia muito falar sobre isso de que açaí branqueado não tinha o mesmo gosto, mas isso é mentira. Depois que entendi do que se tratava e que vi todos esses casos de doença de Chagas, só consumo se tiver branqueamento e não tem nenhuma diferença mesmo. Aliás, tem: você toma com mais segurança”, comenta o gerente comercial Lucas Rocha, de 40 anos, que não dispensa um açaí no almoço e, se sobrar, no lanche da tarde também. Quanto ao preço, afirma que não vê diferença alguma dos pontos que fazem branqueamento e os que não fazem. “Esse mito é comum. Mas o que encarece o açaí é a exportação e a entressafra. A exportação parece não ter controle nenhum. As grandes empresas compram direto dos ribeirinhos fornecedores. Isso

os ajudou, mas encareceu o produto para toda a população. Não fosse a exportação, acreditamos que um litro de açaí médio custaria hoje uns R$ 5 a R$ 6”, comenta o batedor Heron Borges, que ministra cursos de formação nas melhores práticas e manipulação do açaí exigidas pelo decreto municipal. Ele trabalha há mais de 20 anos no mercado antigo do bairro da Pedreira e, mesmo num ambiente que pode parecer uma fonte de múltiplas contaminações, o açaí é reconhecido com o selo da prefeitura. A certificação tem sido amplamente divulgada nas redes sociais e já vai resultar em aplicativos de celular para encontrar o açaí de qualidade. O produto branqueado, por sinal, pode ser resfriado e consumido normalmente por até três dias e congelado por tempo indeterminado.

EXPORTAÇÕES

A exportação que encarece o produto para o consumidor mais antigo e tradicional movimentou mais de US$ 9 milhões com a exportação de 1.897 toneladas de açaí, feitas por 20 empresas cadastradas no Sindicato da Indústria de Frutas e Derivados do Estado do Pará (Sindifrutas), como informa a Federação das Indústrias do Estado do Pará (Fiepa). Em 2014, aponta a Secretaria de Desenvolvimento Agropecuário e da Pesca (Sedap), foram quase 5 mil toneladas, gerando US$ 22,52 milhões em divisas. Anualmente são produzidas 825,5 mil toneladas de açaí, numa área superior a 105 mil hectares, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A atividade emprega diretamente pelo menos 25 mil pessoas. A Sedap também aponta SETEMBRO DE 2015

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que 60% da produção é consumida no Estado e apenas 10% é destinado à exportação. Os principais municípios produtores são Igarapé Mirim, Abaetetuba , Bujaru, Cametá e Limoeiro do Ajuru. Apesar de toda essa estrutura da indústria formal, Carlos Noronha, da Avabel, reforça que é a indústria artesanal que mais consegue garantir a qualidade do fruto. A maioria das empresas e indústrias conta com aparato tecnológico para, no máximo, pasteurizar a polpa. No entanto, outros processos de higiene e que garantem a distância do barbeiro muitas vezes não são feitos. As indústrias do setor discordam e o presidente da associação reafirma: a inovação tecnológica e forma legítima de extrair o sabor do fruto está nas mãos dos batedores artesanais.

DO TOCO AO TOPO

O presidente da Avabel, Carlos Noronha, recorda de parentes e do próprio pai batendo açaí do modo original: um toco de árvore era furado e lá eram inseridas as palhetas para bater o fruto e extrair a polpa, bem diferente e distante das máquinas de aço inoxidável com motores da atualidade. Com o tempo, os tocos foram sendo substituídos por cilindros semelhantes aos que existem hoje, mas os motores ficavam no chão e eram movidos a óleo diesel. O procedimento não era muito seguro e os odores do combustível muitas vezes contaminavam o ambiente todo, apesar de que 50 anos atrás, muita gente ainda batia açaí no quintal de casa, onde geralmente plantava o fruto também. “Tenho 52 anos e bato açaí desde os oito. Aprendi com meu pai, que criou dez filhos batendo açaí. Até cheguei a pensar em fazer outra coisa, mas não deu tão certo e voltei ao ramo e criei meus filhos “ comenta o presidente da Avabel, que inventou o tanque de branqueamento a partir de uma fritadeira de batatas. 42 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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A EVOLUÇÃO DA MÁQUINA

O que mudou na forma de bater o açaí ao longo do tempo

Cilindro A forma contemporânea do toco de árvore onde os frutos eram colocados. Possui 17 a 18 centímetros de diâmetro e é onde os caroços são batidos. Atualmente é de aço inoxidável, mas já foi de alumínio.

Palhetas São elas que batem o açaí. Já foram totalmente de madeira, mas se desgastavam rápido, quebravam e deixavam resíduos. Depois foi parcialmente de metal com partes de madeira. Atualmente toda em aço inoxidável.

Tampa do tambor Protege a saída dos caroços já batidos. Antes era toda em madeira, depois de alumínio com madeira e então toda em aço inoxidável. Era uma das maiores fontes de contaminação.

Peneira Retém os caroços e deixa passar o líquido da polpa batida. Já foi em plástico e também alumínio, mas hoje em aço.

Motor Antes era separado do máquina e usava diesel. Hoje é acoplado à máquina e usa energia elétrica. Foi ganhando versões cada vez menores e menos barulhentas, com proteções para as polias e correias, que antes resultavam em escalpelamento de mulheres e homens de cabelos longos.

Cada máquina, atualmente, produz cerca de 50 litros de açaí por hora. As mais possantes processam 500 quilos de açaí por hora.


Um dos principais polos de desenvolvimento e pesquisa de novas tecnologias, que acata a maioria das ideias dos batedores associados à Avabel, além de sugerir novas, é a fábrica Fricontel, no bairro da Pedreira, em Belém. Há quase quatro anos, o empresário José Rabelo enfrentava uma crise na fábrica que ameaçava as finanças. Perto de onde o batedor Heron Borges trabalha, Noronha encontrou um parceiro para iniciar a revolução da produção artesanal de açaí. As primeiras sugestões dos tanques de branqueamento foram desenvolvidas lá e hoje, há novos formatos de máquinas de bater que evoluem a eficiência e desempenho das máquinas que atualmente são consideradas “top de linha”. E se distanciam ainda mais dos tocos rústicos. A crise passou e a Fricontel é uma metalúrgica que exporta máquinas para países como Holanda, Caiena, Venezuela, Equador e Colômbia e para Brasília e Maceió, no Brasil, por exemplo. Dentre os novos protótipos estão mesas de separação e catação de açaí e novas máquinas que geram menos ruído, consomem menos espaço - até metade do espaço de outra - e custam o mesmo que uma máquina comum custa hoje, em torno de R$ 3 mil. O tanque de braqueamento custa, em média, R$ 2,5 mil. Há também balcões totalmente acoplados e integrados, com pias, cestas e espaço para colocar as máquinas. Os custos de manutenção, hoje, são mínimos e vão ficando ainda menores devido à eficiência e qualidade dos materiais usados. Outra tecnologia em desenvolvimento é das envasadoras, que devem eliminar as conchas e liteiras. “Acredito que daqui a uns dez anos, a próxima grande evolução poderia ser a máquina portátil, para as pessoas ter em casa, mas acho difícil devido à mão de obra necessária. Por outro lado, vejo um futuro com máquinas com menos contato manual, mais economia e mais desempenho”, prevê o empresário José Rabelo, que também é engenheiro civil. As liteiras ainda são ícones do açaí

SABOROSO O bom e velho açaí dos paraenses passa por constantes evoluções e melhorias para poder chegar à mesa dos consumidores

artesanal, usadas para medir a quantidade do produto que o cliente quer, além de usado para misturar açaí mais grosso com mais fino e chegar a outras densidades que ganham as classificações “normal”, “médio”, “popular”, “grosso” e “papa”. O papa é um tipo mais comum das feiras livres e possível de encontrar no Ver-o-Peso, um reduto de batedores que não usam a maioria das técnicas exigidas pelo decreto municipal e estão sujeitos a ainda mais contaminação. Heron Borges também desenvolveu tecnologias próprias para otimizar o trabalho no espaço apertado que possui e garantir a higiene. Uma delas é a pia com torneira ati-

vada com o joelho, num tipo de pedal. “Já é um contato que não tenho com a torneira e é menos uma possível fonte de contaminação até para lavar as mãos”, comenta. Outra adaptação foi de uma torneira direto no cilindro onde é açaí é batido, eliminando a necessidade de mangueiras extras. Também encontrou formas de otimizar a filtragem da água usando dois cilindros. “Acredito que daqui a alguns anos, as próximas evoluções vão eliminar totalmente o contato manual e riscos de contaminação. Estamos em constante desenvolvimento e cada vez mais o consumidor só vai querer seu açaí com qualidade e higiene”, aposta. SETEMBRO DE 2015

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COMUNIDADE

Para servir e proteger Batalhão de Polícia Ambiental do Pará atua pelo bem-estar da sociedade e dos animais da Amazônia urbana TEXTO JOÃO CUNHA FOTOS CARLOS BORGES

P

ara entrar no Batalhão, tem que gostar de bicho e de mata”, avisa o cabo Ivon Nunes enquanto a viatura roda pela BR-316. O fi nal da ronda daquela manhã ainda ia comprovar essa afi rmação, dita com um misto de orgulho e experiência. Em um primeiro olhar, porém, os uniformes cor verde-oliva, coturnos e a postura solene da tropa enfi leirada em frente ao quartel não diferenciam o Batalhão de Polícia Ambiental do Pará (BPA/PM-PA) dos outros grupos

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de policiamento militar. É nos detalhes que se mostra a aptidão especial desses homens e mulheres fardados. O olhar mais atento, a comunicação construída nos gestos, um saber segurar sem ferir ou ser ferido e a preocupação genuína com a segurança do animal. Os cerca de 180 policiais em atividade no BPA agem como mediadores do contato homem/bicho, cercada dos dois lados por medo e suspeita. Eles têm a capacidade de lidar com o lado frágil dessa

relação, que é irracional e também alvo da caça, maus-tratos, do tráfico e de outros crimes ambientais. Trata-se de treinamento misturado à sensibilidade, técnica junto com o famoso “levar jeito”. Uma graduação relacionada ao meio ambiente, Engenharia Florestal, Biologia ou Zootecnia, por exemplo, ou cursos específicos na área também ajudam, mas não são obrigatórios. O principal, no entanto, é o “gostar” do qual o cabo Nunes fala. “É necessário,


porém, passar pela formação regular da Polícia Militar. Dentro do nosso quadro, procuramos e somos procurados por quem tem interesse pela nossa atuação”, informa a 1ª tenente Patrícia Monteiro. Segundo dados do BPA, entre apreensões, capturas, entregas voluntárias e resgates, o Batalhão manejou 709 animais silvestres no Estado do Pará em 2014. Esse ano caminha ligeiro para superar a marca: foram 559 só de janeiro a maio. Nessas e nas últimas estatísticas de atendimento, as cobras sempre estão no topo das listas. “Isso não significa necessariamente que esses répteis sejam a maioria nas áreas urbanas. Porque são temidos pelos seres humanos, nós recebemos mais pedidos para captura deles do que para primatas e pássaros, que são animais explorados pelo comércio ilegal”, explica o soldado Givanildo Oliveira da Silva. E quanto maiores as espécies, mais frequentes são as ligações para o BPA. Jiboias e sucuris são as campeãs de capturas, principalmente no período de chuvas mais intensas na região, de novembro a abril. É quando esses ofídios, crescidos, saem dos igarapés e córregos em direção à baía e, no f luxo contrário ao esgoto, desembocam nos canais e casas de Belém e de outras cidades paraenses. Provavelmente foi esse o caminho que fez uma sucuri de cerca de 1 metro e

meio encontrada no conjunto Jardim Sideral, uma das periferias da capital. O espécime foi recolhido pelos policiais ambientais, pernoitou no quartel, e no dia seguinte já estava em um dos veículos oficiais, protegido dentro de uma caixa de contenção, para ser reintroduzido ao seu habitat natural. O destino dele e da maioria dos animais resgatados pelo BPA é o Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Metrópole da Amazônia, em Marituba, um território de mais de 6 mil hectares, que no século 20 foi um dos polos mundiais da produção de borracha e desde 2010 é um ambiente de reprodução para espécies fauna e flora em extinção na região metropolitana de Belém. Nunes, Givanildo e os outros policiais da ronda responsáveis escolheram um ponto específico dessa área para a soltura da sucuri. Um córrego à margem da estrada de chão batido e um bom pedaço de terra, o que equivale há muitos quilômetros de distância, da entrada do Revis. “Dessa maneira, são menores as chances dela (a sucuri) entrar novamente em um meio urbano”, afirma o cabo Nunes. Por ser um centro de animais e árvores nativas e uma rota fluvial alternativa, o Revis é visado por madeireiros e caçadores e por isso recebe a fiscalização permanente do BPA, que montou um posto em uma das suas extremidades e faz vistorias na área por terra e água, via lancha.

DISCIPLINA Os homens do policiamento militar ambiental do Pará recebem formação específica para lidar com resgate de animais silvestres. Eles também saem em diligência quando recebem denúncias. SETEMBRO DE 2015

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COMUNIDADE

EM BOAS MÃOS

Uma jaguatirica recebe cuidados especiais no quartel do BPA, em Belém

O mesmo acontece com o Parque do Utinga, em Belém, localizado em uma Unidade de Conservação (UC) de Proteção Integral e onde o BPA estabeleceu seu quartel há quase duas décadas. Diariamente, policiais ambientais percorrem o Parque por moto e carro, e duas vezes por semana de barco, para impedir a caça e a pesca ilegal. O assédio vem de muitos lados, dos vários bairros da cidade e de outros municípios que fazem fronteira com o Utinga. São áreas enormes para cobrir e muitas demandas para atender, sem contar com as patrulhas regulares no centro da capital e no núcleo metropolitano. Em outras regiões do Estado, representações do Batalhão atuam mais diretamente no combate a crimes ambientais de outra natureza, como o desmatamento. No trato da fauna em específico, o trabalho do BPA seria facilitado com um Centro de Triagem de Animais Silvestres (Cetas) no Estado. Nesses locais, os bichos resgatados ou aprendidos são avaliados, cuidados e nutridos para reintrodução ao meio ambiente ou, em 46 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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COOPERAÇÃO

A bióloga do Museu Goeldi, Tatiana Figueiredo, destaca o trabalho de preservação e acompanhamento de animais reinseridos no meio ambiente

DE VOLTA AO LAR

Uma sucuri de 1,5 metro capturada no conjunto Jardim Sideral foi solta no Refúgio de Vida Silvestre (Revis) Metrópole da Amazônia, em Marituba. Outros animais, como diversas aves, também são devolvidos à natureza.

caso de impossibilidade, serem encaminhados para outros destinos, como criadouros particulares certificados pelo Ibama e centros de pesquisa. Já que essa estrutura não existe no Pará, o Batalhão conta com o apoio de instituições como a Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) para o abrigo e tratamento avançado dos animais. “O BPA e o Goeldi tem uma cooperação antiga, no cuidado, preservação, transporte e acompanhamento de animais que cuidamos e reinserimos na natureza”, afirma a bióloga do Museu, Tatiana Figueiredo. Um exemplo dessa parceria funcional é o Fred. Passado um ano de seu resgate pelos policiais, filhote e caído à beira da estrada, o gavião-pernilongo está preparado para voltar à floresta, graças ao trabalho integrado do BPA, Serviço Zoobotânico do Goeldi e dos biólogos do Grupo Harpia, que desenvolve um trabalho de falcoaria e reabilitação de aves. Solto pelos policias ambientais, Fred atualmente vive no Parque do Utinga, onde voou sem hesitar já na primeira vez em direção aos troncos mais altos, como se reconhecesse o território. Agora, ele é mais um dos animais sob o raio de proteção do Batalhão de Polícia Ambiental do Pará. SETEMBRO DE 2015

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SUSTENTABILIDADE

O criador de caiaques PARA ALIMENTAR A PAIXÃO PELA CANOAGEM, PEDAGOGO APRENDE A CONSTRUIR AS PRÓPRIAS EMBARCAÇÕES TEXTO MOISÉS SARRAF FOTOS CARLOS BORGES

U

m caiaque confeccionado em fibra de vidro estava parado em frente a uma oficina mecânica, em Belém, clamando pelo canoísta que o colocaria n’água. Durante meses, um interessado prometia comprar a embarcação assim que conseguisse o dinheiro. E lá ficou o alvo até que o jovem desse um rumo à nova parceria. O caiaque trouxe o homem, o caiaque trouxe o esporte, trouxe a escola, trouxe a fábrica. Em oito anos, o pedagogo

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Igor Vianna, 28 anos, tornou-se canoísta, usufruindo de todos os benefícios da modalidade na bacia amazônica. E foi além: virou militante da canoagem e, hoje, é instrutor e fabricante de caiaques. No dia em que conheceu o equipamento semelhante à canoa amazônica, Igor fazia um favor à mãe, que acabou lhe prestando outro. Tudo era uma possibilidade para o estudante de Pedagogia e pregoeiro eletrônico de órgãos públicos: explorar no-

vos espaços, ir além do meio urbano, à região insular – ilhas e furos ao redor de Belém. “Fui levado ao caiaque pelo exercício físico e pelo lazer. Queria tomar banho de rio, me divertir”, relembra Igor Vianna, que começou a remar absolutamente sozinho, acompanhado por ambientes conhecidos, só que sob um novo ponto de vista, como a baía do Guajará e o rio Guamá, os rios Benfica, Caraparu e Maguari. Com o novo ângulo, ocorreram-lhe


MARCELO SEABRA / ARQUIVO O LIBERAL

O CANOÍSTA

Igor Vianna trabalha na oficina que montou com recursos próprios e hoje vende caiaques para outros praticantes do esporte no Pará

MARENTEZA / DIVULGAÇÃO

novas ideias. A cidade é simplesmente rodeada por águas, entrecortada por igarapés, de maior ou menor porte, de onde emanou por séculos todo o transporte e sobrevivência dos seus moradores, só que com potencial ocioso: uma árvore cujos frutos estragavam no pé. Aí veio a impressão de ter encontrado uma causa para chamar de sua. “Quando comecei, não tinha clube, nem associação; não tinha grupo vendendo equipamento. Era muito contraditório morar em Belém e ninguém usufruir da água dessa forma”. A canoagem começou a irradiar, inicialmente, a familiares e conhecidos. Então, um grupo de amigos, do qual Igor faz parte, criou a escola de canoagem Marenteza como forma de estimular a prática do esporte. Mas a vida de emprestar equipamento e improvisar as remadas com amigos começou a chatear. Sem fabricantes dos veículos nas redondezas, os canoístas tinham de implorar por alguém que lhes produzisse o equipamento. “A gente tinha dificuldade para juntar dinheiro para o caiaque. Tínhamos que buscar em São Paulo ou então comprar de um cara que fazia piscina e, também, fabricava caiaque”, conta Vianna. O problema é que a falta de profissionalismo e o improviso cansaram. Foi quando veio a oportunidade: aprender as técnicas de trabalho em fibra de vidro para reformar os cascos das embarcações. As aulas seriam no Paraná, com uma promessa que foi longe. Igor espremeu a poupança, contatou amigos de Belém, e retornou com os insumos do novo empreendimento: “O Canoísta”. Num galpão, na rodovia Augusto Montenegro, a fábrica O Canoísta está em funcionamento há um ano e meio. “No primeiro ano, produzimos 13 caiaques. Este ano, são 46 feitos aqui mesmo em Belém”, lista o pedagogo, instrutor de canoagem e, hoje, empreendedor do ramo. O processo é todo artesanal, utilizando fibra de vidro e

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SUSTENTABILIDADE

“As pessoas nunca viram a cidade a partir do rio. A canoagem promove isso: você vê a cidade de dentro do rio” IGOR VIANNA

Fundador da escola de canoagem Marenteza

resina de poliéster, do corte à laminação, incluindo o acabamento. “Tudo é feito à mão, lixando, pintando, laminando e cortando”. O Canoísta produz caiaques individuais, duplos e oceânicos. Como nenhum desses se encaixava nas habilidades de quem ain50 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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da começa no esporte, houve a necessidade de um novo modelo: o caiaque Garça. As peças já foram vendidas para Macapá (AP), Santarém e Barcarena (PA), Recife (PE) e São Luís (MA). De canoísta para canoísta, esse é o espírito. A escola Marenteza, a fábrica O Canoísta

e a experiência como esportista fazem parte de uma relação íntima entre as remadas e a vida de Igor Vianna. Experiência que os canoístas em Belém sempre querem levar para mais e mais gente; buscam criar uma nova relação entre o belenense e as suas águas. “As pessoas nunca viram a cidade a partir do rio. Há uma visão negativa das águas, uma visão atrasada. A canoagem promove isso: você vê a cidade de dentro do rio”, aposta Vianna, que, na lista de longas jornadas dentro do caiaque, lembra a mais marcante: a descida do rio Amazonas, de Santarém para Belém, margeado pelas paisagens mais expressivas que já viu. “Quando você tem esporte com interação com a água, você tem pessoas mais comprometidas com a água”. Quem tem um remo na mão sempre lembra: todo canoísta é um agente ambiental em potencial. A Garça voa!


ARTE, CULTURA E REFLEXÃO

No silêncio da arte

ELISA ARRUDA / DIVULGAÇÃO

PENSELIMPO

A DESIGNER ELISA ARRUDA ENCONTRA A FORMA DE EXPRESSAR SEU OLHAR ARTÍSTICO EM AMBIENTES DE POUCA VISUALIZAÇÃO NA CIDADE PÁGINA 52

REALIDADE

FUTEBOL

PESQUISADOR

A professora de Artes Visuais Cláudia Leão faz uma incursão à Altamira, no sudoeste do Estado, e registra alagamentos que tomam o lugar. PÁG.56

O jornalista Ferreira da Costa lança livro sobre os 100 anos do maior clássico da região Norte, o famoso “Re-Pa”. PÁG.58

O escritor Vicente Salles é, ainda hoje, um dos maiores conhecedores das diversas culturas inseridas na Amazônia. PÁG.60

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PAPO DE ARTISTA

Em busca da mansidão AO UNIR DESENHO E POESIA EM SEUS TRABALHOS, A DESIGNER ELISA ARRUDA TECE NARRATIVAS, CRIA PERSONAGENS E CONTA HISTÓRIAS NUMA HARMONIOSA TROCA ENTRE ARTE E AMBIENTE TEXTO DOMINIK GIUSTI

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DIEGO CIARLARIELLO / DIVULGAÇÃO

A

postura calma com a caneta na mão revela o traço fino e singelo no papel: o desenho para a designer Elisa Arruda tem esse quê de busca por mansidão. Após desenvolver a habilidade artística para desenhar produtos, de acordo com a sua formação, permitiu-se também desenhar livremente, personagens e histórias para tecer narrativas e mostrar sentimentos. É durante as madrugadas silenciosas que ela costuma desenhar, principalmente, as mulheres que compõem a série “Essa é você”. Primeiro foram somente os rostos, com olhares com expressões peculiares que talvez sejam condizentes com o que a própria autora define, uma espécie de reclusão. Ao longo dos períodos desenhando, ela também passou a fazer figuras masculinas e objetos – trazendo novos significados para os seus desenhos. Em projetos, os desenhos saltam do papel para outros formatos e já foram projetados por meio de videomapping em parceria com Kauê Almeida, na fachada da Oficina Santa Terezinha, no bairro da Cidade Velha, em Belém, e também foram ampliados para serem colados em espaços públicos da capital paraense e de São Paulo, onde Elisa reside atualmente e cursa mestrado em arquitetura na USP. Além disso, a artista começou a estabelecer parceria com poetas e escritores paraenses para que os desenhos fossem criados à medida que os textos fossem sendo apresentados, como se um jogo de palavra e imagem desse o tom da criação. Os trabalhos receberam recentemente menção honrosa no Prêmio Primeiros Passos 2015, realizado pelo CCBEU. A seguir, uma entrevista na qual a designer fala sobre os desenhos, as parcerias e os projetos futuros.

ESSA É VOCÊ

Elisa Arruda sempre prioriza os desenhos livres ao criar suas obras

Como se deu o início dos seus desenhos e de que forma eles foram caminhando para a série “Essa é Você”? Eu sempre desenhei livremente. Minha formação é em design de produto, então o desenho sempre fez parte do meu dia-a-dia de trabalho, mas como uma SETEMBRO DE 2015

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PAPO DE ARTISTA

ferramenta de expressão do projeto a ser executado, tendo portanto um perfil mais pragmático. A série “Essa é Você” marca o início de um contato poético com o desenho, é quando, para mim, o desenho passou a ser o produto final. Esse processo foi gradativo, vinha de um percurso de desenho digital, aos poucos fui me dedicando ao desenho a mão livre, especialmente ao grafite e nanquim. A série utiliza essas técnicas basicamente. Seus desenhos são geralmente de mulheres. O que isso representa para você? Acredito que a mulher está em uma escala de grandeza superior na série, ela é o foco do discurso. Na série encontro espaço para tecer narrativas, criar personagens, contar histórias. A mulher sob essa ótica é a protagonista, mas também com igual importância são desenhados os personagens que, em paralelo, constituem a história, alguns homens, músicas, e até objetos.

ÍNTIMA RELAÇÃO

Com sua inseparável máquina de escrever, a Olívia, Elisa Arruda também constrói textos, reflexos de sua alma de artista

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Você também tem parcerias com escritores e poetas. Como ocorreu essa parceria e qual a dinâmica de criação? Gosto muito do texto atrelado ao desenho, seja através das parcerias com os escritores, seja por meio da exposição de cartas. A série “Essa é Você” também se constitui com esses pequenos extratos de texto. Acredito que ter a palavra aliada ao desenho é como criar uma espacialidade para a história que está sendo contada. A parceria com escritores foi algo que surgiu de modo bastante espontâneo e trouxe coisas muito boas para o trabalho. Basicamente caracteriza-se por um jogo “desenho-textual” onde apresento o desenho e os escritores escrevem para/ sobre ele, esse texto serve de alimento para esse e outros desenhos. Logo, o desenho alimenta o texto que alimenta novos desenhos. Acho incrível o fato de um escritor falar sobre o que eu desenho. Meu primeiro parceiro de texto, e com quem desenvolvi de forma mais madura essa parceria, Mateus Moura, era alguém que

“O meu desenho é fruto de um processo bastante íntimo e recluso. O resultado do meu ato de desenhar é um desenho pequeno, delicado. Me encanta a delicadeza.” até então eu não conhecia, então não havia um entrosamento anterior, nos conhecemos naquele primeiro desenho. O jogo “desenho-textual” é um jogo que explora a potencialidade do desenho e a percepção do escritor. O texto é capaz de provocar muitos outros desenhos, sendo também além de uma consequência, um impulsionador a série. Em Belém e em São Paulo, você costuma colar os trabalhos em espaços públicos. Como é para você perceber os trabalhos em diferentes suportes e dimensões? O meu desenho é fruto de um processo bastante íntimo e recluso. O resultado do meu ato de desenhar é um desenho pequeno, delicado. Me encanta a delicadeza e uma aparição preta em contraste ao branco, assim são os meus originais. A ampliação dos desenhos é uma ação de aplicação desses desenhos na cidade, parte de uma necessidade de ocupação de espaço, escolho locais específicos onde gosto que a presença do meu desenho esteja. Trata-se de uma colocação propositada, que dialoga


com fatores que de alguma forma movem a série, não ao acaso. Em São Paulo, optei por viadutos. Em Belém, muitos dos desenhos foram aplicados em proximidade à água, assim como muitos textos também abordam a temática da diluição de uma história. As águas simbolizam para mim essa diluição, fluxo, por isso escolhi aplicar desenhos em portos, barcos abandonados, alguns em locais onde a visualização é restrita, onde a duração do desenho é restringida pelas características do lugar, mas o ato de deixar o desenho naquele local é o que interessa em primeiro plano. Você já compilou a sua produção em um pequeno livro. Pretende ampliar a ideia ou tem projetos de publicação para os desenhos? O livro que produzi é justamen-

te a inserção do texto entremeado ao desenho com intuito de criar uma espacialidade. Após o livro, que produzi com os textos fruto da minha parceria com Mateus, pude ampliar essa parceria a novos escritores, como Fernando Paraense, dentre outros. Gosto muito da ideia e pretendo sim dar continuidade a isso. Tenho o hábito de me apropriar dos textos a mim enviados através da datilografia, possuo uma máquina, a Olívia. Sinto que ao datilografar de fato aquele texto torna-se meu, internalizo-o e então por vezes retiro extratos e insiro em desenhos ou exponho a datilografia completa. Penso em projetos de produção de livros de artista reunindo material datilografado de escritores, escritos meus, ora pela máquina, ora pela mão livre.

IR MAIS LONGE

A designer sente uma necessidade vital de levar seus trabalhos a locais de pouca visualização, como portos e barcos abandonados

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ARTE + PESQUISA

FOTOS: LUANA PEIXOTO / DIVULGAÇÃO

Uma nova viagem filosófica EXPOSIÇÃO FOTOGRÁFICA APRESENTA A REALIDADE DE POPULAÇÕES TRADICIONAIS NO INTERIOR DO PARÁ, QUE PERDEM ESPAÇO PARA O PROGRESSO NA AMAZÔNIA TEXTO SÁVIO OLIVEIRA

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D

ona Zila é uma indígena da etnia kayapó que cresceu longe da aldeia, em uma família de onze pessoas, vivendo próximo à região da Volta Grande do rio Xingu, no município de Altamira, oeste paraense. O trecho, que corresponde a 100km de queda de rio, é formado por agitadas corredeiras, onde vivem diversas espécies de peixes, que alimentam comunidades indígenas, ribeirinhas e pe scadores, que vivem à margem das águas. A Ilha de Muruci, onde vivia Zila Kayapó, foi alagada por uma enchente da Volta Grande, fazendo com que ela mudasse para Altamira, e depois para uma invasão na periferia de Vitória do Xingu. À indígena não-aldeada Zila é dedicado o trabalho “Atlas, Paisagens e Pele: Fluxos de Viagens na Amazônia Insular”, proposta das artistas Cláudia Leão e Luana Peixoto. O projeto recebeu o XIV Prêmio Marc Ferrez de Fotografia, promovido pelo Ministério da Cultura. O trabalho “é o cruel estado que prevalece e do qual o amazônida, pressionado e retirado de seu ambiente físico-cultural, perde seu rosto e


CLAUDIA LEÃO / DIVULGAÇÃO

sua identidade, ficando suspenso de sua própria realidade enquanto é empurrado para uma situação na qual não mais se reconhece”, diz a crítica de arte Marisa Morkazel, que assina o memorial do projeto. As viagens antropológicas de Cláudia Leão, que é professora de Artes Visuais na Universidade Federal do Pará, iniciaram-se a partir do recebimento da Bolsa de Pesquisa e Experimentação Artística do Instituto de Artes do Pará, que possibilitou o primeiro deslocamento para o município de Breves, Ilha do Marajó, ainda em 2013. Nesse percurso também ocorreram viagens pequenas para a Ilha de Mosqueiro e Cotijuba, com grupos de estudantes de Cláudia. Por se considerar tímida para abordar as pessoas, a artista gosta de viajar acompanhada, além de carregar consigo a filosofia oriental para navegar rumo a reflexão ética e estética desse processo. “Encontrei no Tetsuro Watsuji (filósofo e intelectual japonês do século XX) pontos para pensar a relação entre corpo, ambiente e lugar. Nós temos uma herança europeia muito forte da paisagem, inclusive no campo da arte, pensada do ponto de vista da contemplação. As pessoas de fora olham pensando de uma forma onírica, selvagem ou exótica, com uma estética muito fundada na natureza. Ela é vista sempre por esse olhar estrangeiro”, diz. “Então, o Tetsuro começa a pensar como é esse olhar a partir de quem vive nesse lugar? É uma tentativa de colocar isso dentro de outro nível de fala, com as pessoas do próprio lugar. Como é que elas se veem diante disso? Então você entra num processo de imersão muito forte. Nesse projeto foram três pessoas, uma em cada viagem, sendo uma delas a Luana Peixoto, que me levou para Altamira”, completa Cláudia. No deslocamento para Altamira, a aproximação filosófica dessa vez ocorreu com o antropólogo japonês Ryuta Imafuku, que conta como pequenas ilhas do sul do arquipélago de Okinawa, da Ilha Grande do Norte, foram exploradas pelo governo do Japão. Diante da grandeza dos projetos de desenvolvimento que ocorrem na região amazônica, as artistas ficaram diante da impotência das populações tradicionais paraenses, semelhantes à ocorrida com as nipônicas. “O modo como eles chegam é extremamente devastador, tiram as pessoas do lugar e dizem: -Olha vocês tem que sair daqui!. Você passa pe-

los lugares e vê um processo de destruição muito grande nessa região. Como é que a gente lida com isso, como é que nós paraenses lidamos com isso?”, questiona. Com as indagações, o projeto de fotografias pretende questionar a visão de desenvolvimento praticada ao longo da história amazônica, interferindo na paisagem e nos corpos que ali residem. “Quando você retira as pessoas desse lugar sem dizer qual a possibilidade que elas tem, sem que elas decidam junto como é que elas vão sair dali você está retirando a possibilidade da independência. Esse processo de desenvolvimento é algo que estamos ouvindo desde que o Brasil foi descoberto. Por que é dito que a Amazônia não é habitada e que ela só tem história a partir do momento da chegada de portugueses e holandeses? O que aconteceu antes disso? No final das contas a gente sempre volta para trás, para esse processo exploratório. É preciso pensar nossa história de outra maneira. O fato de termos recursos minerais e naturais faz com que seja sempre assim? É isso que você acaba se dando conta no final”, indaga Cláudia Leão, que pretende deslocar o olhar do espectador da exposição para outros pontos de vista ainda invisíveis.

NOVA PAISAGEM

Com a enchente da Volta Grande do Xingu, a Ilha de Muruci, onde crianças brincavam livremente à beira do rio, foi alagada. O amazônida fica “suspenso de sua própria realidade”, diz memorial do projeto artístico

SERVIÇO “Atlas, paisagens e pele: fluxos de viagens na Amazônia insular” até 27 de setembro Espaço Cultural Casa das Onze Janelas Praça Frei Caetano Brandão. Cidade Velha, Belém. Entrada franca. Informações: (91) 4009-8825 e 4009-8821 SETEMBRO DE 2015

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ARTE + PESQUISA FOTOS: ACERVO FERREIRA DA COSTA / DIVULGAÇÃO

Lembranças de um futebolista

CLÁSSICO-REI DA AMAZÔNIA

Em 22 de julho de 1945, o Paysandu goleou seu maior rival, o Remo, por 7 a 0 e conquistou o tetracampeonato do Parazão naquele ano memorável

O JORNALISTA ESPORTIVO FERREIRA DA COSTA É TESTEMUNHA DE GRANDES EVENTOS DO FUTEBOL PARAENSE EM QUASE 50 ANOS DE CARREIRA. AGORA, ELE LANÇA SEU 18º LIVRO, “REMO X PAYSANDU - UMA ‘GUERRA’ CENTENÁRIA”. TEXTO ORLANDO CARDOSO

C

orria o ano de 1967, quando, em Belém, um jovem de 19 anos se submeteu a uma “peneira” semelhante àquelas que os atletas iniciantes participam quando querem jogar em um time grande de futebol, daqueles muito disputados. João Batista Ferreira da Costa era um dos cerca de 300 candidatos a jornalista que sonhavam em trabalhar na Folha do Norte, o jornal de Paulo Maranhão. A seletiva consistia na chance de fazer um curso de três meses, para o qual apenas 40 foram selecionados. “Eu fui um deles”, lembra Ferreira da Costa, dando início ali a uma carreira de 48 anos dedicados principalmente ao jornalismo esportivo, com des58 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

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taque para o resgate da história do futebol paraense. O curso tinha como professor o secretário de redação da Folha, Airton Quintiliano. Ferreira da Costa foi aprender o “metiê” com os craques Imar Nunes e Oswaldo Monteiro. Desde então, sempre trabalhou em jornal impresso, passando por diversas redações do Estado. Trabalhou também na revista local Gol e colaborou com a Placar, de distribuição nacional. Há cinco anos, é um dos editores de Esportes de O Liberal. A profissão de jornalista esportivo só coroou um interesse que vinha dos tempos de garoto, no bairro de Canudos, próximo aos estádios de Antônio Baena,

o Baenão, do Clube do Remo; e do Leônidas Castro, a Curuzu, do Paysandu Sport Clube, os dois gigantes do futebol paraense. Ferreira da Costa morava na avenida Cipriano Santos, n° 258, em frente à Igreja de São José de Queluz. “Quando tinha jogo no Baenão ou na Curuzu, se juntava aquela garotada e a gente ia”, lembra com nostalgia. Outra lembrança daqueles tempos são os jogos no Francisco Vasquez, o estádio do Souza, da Tuna Luso Brasileira, que, naquela época, tinha a melhor praça de esportes entre os clubes paraenses, só que no distante bairro do Souza, no Entroncamento. “Pegávamos um lotação, um ônibus de madeira, todo xexelento, e íamos. Na volta, não tinha mais ônibus,


vínhamos andando pela linha do trem [da então estrada de ferro Belém-Bragança], conversando sobre os lances do jogo”, recorda Ferreira da Costa. Dos tempos de garoto, Ferreira guarda na memória lances espetaculares de craques do passado. “Vi o Quarentinha em sua melhor fase, comandando o time do Paysandu. No Remo, tinha o Chaminha, o François; depois Bené e Rubilota pelo Paysandu; Zezé e Rangel pelo Remo, que também tinha o Neves, que driblava igual ao Garrincha. O Zequinha também era emérito driblador. Me lembro do Mangaba, que jogava que nem o Ganso (paraense que joga no São Paulo), com os braços abertos, como se estivesse se equilibrando por ser muito alto. Oliveira, da Tuna, senhor craque de futebol, foi lateral direito do Fluminense, da Seleção Carioca. Só não foi para a Seleção Brasileira porque era daqui do Norte”, rememora. Com todas essas imagens na cabeça, e convertido em jornalista, Ferreira de Costa deu vazão ao hábito de guardar recortes de jornal, revistas, e tudo relacionado ao futebol paraense. Hoje, em sua casa, ele tem um cômodo repleto desse acervo. “Minha mulher brinca comigo, dizendo que eu tenho que botar fogo nisso, mas isso é a minha vida, é o meu hobby”, conta o memorialista, que hoje trabalha na digitalização do material. “Muita coisa já está no computador”, completa. Ele já pesquisou todas as coleções de jornais antigos disponíveis na Biblioteca Pública Arthur Viana, do Centur. “Já pesquisei todas as edições sobre futebol desde 1905. São muitos jornais velhos, se

Time do Remo, em 1927

Juiz inicia partida de mais um clássico RE-PA

SERVIÇO O livro “Remo x Paysandu - Uma ‘Guerra’ Centenária” pode ser comprado na Livraria Leitura, no 3º piso do shopping Pátio Belém; na Livraria Fox, na travessa Dr. Moraes; no IT Center, avenida Senador Lemos; no Yamada Plaza, na avenida Governador José Malcher;

Dário, um dos maiores jogadores da história do Paysandu

na banca de revistas do terminal rodoviário de Belém; na Banca do Alvino, na praça da República, e em diversas outras bancas de revistas em Belém. OSWALDO FORTE

REGISTRO

Ferreira da Costa e seus livros com o resultado de longos anos de pesquisa: “É um resgate da memória do nosso futebol”

esfarelando. Levo a máquina fotográfica, reproduzo as fotos antigas e coloco nas minhas obras. É um resgate da memória do nosso futebol”, diz o jornalista, sobre sua atividade mais prazerosa, a produção de livros com a história do futebol paraense. Aliás, muitas dessas histórias testemunhadas ou pesquisadas por Ferreira da Costa estão em seu mais recente livro: “Remo x Paysandu - Uma ‘Guerra’ Centenária”, lançado no dia 24 de agosto e que pode ser encontrado em bancas de revistas e livrarias de Belém. São 236 páginas e dezenas de fotografias históricas do clássico mais disputado do futebol mundial, com 733 jogos até aqui. No meio das histórias curiosas do livro estão os seis jogos entre Remo e Paysandu na decisão do título de 1967. Foram tantas partidas, que nem a torcida e nem os jogadores aguentavam mais, pois tiveram que ficar um mês concentrados. Impaciente, a torcida levou jacas para os gramados e atirava os caroços no campo, insinuando que ali havia “jaca”, ou seja, “marmelada”. “Remo x Paysandu - Uma ‘guerra’ centenária” é o 18º livro de Ferreira da Costa. E o jornalista não pretende parar com sua “cachaça”, como ele mesmo chama.

Time do Paysandu, em 1945 SETEMBRO DE 2015

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MEMÓRIAS BIOGRÁFICAS

Pesquisador das culturas amazônicas TEXTO ROSANA MEDEIROS ILUSTRAÇÕES JOCELYN ALENCAR

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Vicente Salles 1931-2013


E

m 1931, em Igarapé-Açu, no nordeste paraense, nascia Vicente Juarimbu Salles. Anos mais tarde ele se tornou um dos mais importantes intelectuais do Brasil. Filho de cearenses, Vicente teve contato desde cedo com diversas realidades da Amazônia, sendo um dos maiores pesquisadores da cultura local. Formado em Ciências Sociais pela Faculdade Nacional de Filosofia, do Rio de Janeiro, e especialista em Antropologia, ele era um pesquisador por natureza. Antes mesmo de adentrar o mundo acadêmico, já colecionava folhetos de cordel e era observador da cultura paraense, hábito adquirido ainda na infância. Para a historiadora Alessandra Mafra, autora da dissertação “O Arauto da Cultura Paraense: Uma História Intelectual de Vicente Salles”, “essa questão de percorrer o interior do Pará desde a infância foi o diferencial, porque ele (Vicente) teve contato, ele conheceu esses lugares, o folclore, a economia, ou seja, a sociedade local”. O pai de Vicente Salles era um grande colecionador da literatura de cordel, tendo influenciado o gosto do filho por esses escritos. E quando o jovem se mudou para Belém, em 1946, conheceu a Livraria Guajarina, referência na publicação dessa literatura. “Daí a gente já pode apontar que se intensificou a inclinação para o tema da literatura de cordel”, aponta Alessandra Mafra. Outro fato importante sobre a vida de Vicente Salles é sua amizade com o poeta Bruno de Menezes. Os dois se conheceram assim que Vicente se mudou para a capital e foi Bruno quem o apresentou a Edson Carneiro, responsável por inserir o jovem ao ofício de pesquisador. Edson incentivou o jovem paraense a se mudar para o Rio de Janeiro, onde assumiu um cargo de funcionário público e iniciou seus estudos e pesquisas. Como pesquisador, Vicente utilizava bastante documentos históricos e ia bastante a arquivos – tanto do Pará, quanto de outros estados. Mesmo morando no Rio, voltava sempre aqui e costumava ir aos municípios do interior. Mas também visitou as favelas do Rio de Janeiro e de São Paulo. De acordo com Alessandra, ele “queria saber,

estar próximo, ter contato com o que aquelas pessoas faziam no dia a dia. A questão cultural, do que as crianças brincavam, o que elas cantavam”. Vicente Salles é de um período em que a maioria dos intelectuais de regiões periféricas como o Norte, não ficava em seus estados de origem. Eles se fixavam quase sempre no eixo Rio-São Paulo, Porém, mesmo fora, o intelectual se dedicou à pesquisa da cultura amazônica e paraense. Ele trouxe para a academia local temas que antes nem eram abordados. O pesquisador foi pioneiro, por exemplo, o conceito de várias “Amazônias”, ou de uma Amazônia heterogênea culturalmente. Hoje, Vicente Salles é referência nas pesquisas sobre história e cultura da Amazônia. Em seus trabalhos se preocupou em dar destaque para às populações que tinham grande importância para a história da Amazônia, mas que permaneciam invisíveis, como os negros, os guardiões do folclore regional e os músicos do interior paraense. Outra preocupação do pesquisador foi conservar, divulgar e dar acessibilidade às suas fontes. “O maior legado dele é a biblioteca, o acervo que ele construiu sobre a história da Amazônia, sobre a história do Pará. Ele sempre se preocupou em colecionar, guardar as suas fontes. Era como se ele tivesse a responsabilidade de deixar para o povo o que o próprio povo produziu e que ele (Vicente) utilizou, analisou como pesquisador”, afirma a historiadora Alessandra Mafra. Como funcionário público, foi auxiliar de escritório e “office boy”. Também trabalhou como professor, bibliotecário e jornalista. Morreu em 2013, aos 82 anos. Deixou, além de um rico acervo impresso, objetos museológicos, fitas de áudio das pesquisas de campo, partituras e outros documentos. Seus trabalhos o tornaram essencial para a interpretação da Amazônia. O pesquisador compreendia a história como fundamental para a que as pessoas conheçam a trajetória de sua sociedade. “Vicente costumava dizer que se as pessoas conhecem sua cultura e sua história, elas sabem pelo que reivindicar”, pontua Alessandra Mafra. SETEMBRO DE 2015

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AGENDA FERNANDO SETTE

CHOCOLATE O 3º Festival Internacional do Chocolate e Cacau & Flor Pará 2015 serão realizados de 17 a 20 de setembro, no Hangar. O evento contará com fóruns do cacau, cursos florais, circuitos gastronômicos , exposições fotográficas, desfile de joias, entre outros. Para mais informações sobre a programação completa, basta acessar o site www.festivaldochocolate.com. ARTES PLÁSTICAS A exposição “Tempo Gravado”, do artista José Fernandes, segue aberta para visitação até o dia 18 de outubro, no Museu da UFPA. Segundo ele “Trata-se de um processo expressivo contínuo, que é uma característica de muitos que trabalham com artes visuais, no qual a observação da realidade é filtrada, elaborada e expressa pelo indivíduo, de diversas formas, a partir de suas vivências e possibilidades de expressão”.

A engenharia da arte e arte da engenharia

Mais informações: (91) 3242-8340. JORNALISMO

O Centro Cultural do Carmo segue com a “Exposição Engenharia da Arte e a Arte da Engenharia” até o

Jornalistas podem se inscrever no 1º

dia 25 de setembro. A exposição conta com obras de Antar Rohit, Armando Sobral, Dina Oliveira, Elieni

Prêmio Undime de Jornalismo, cujo tema

Tenório, Emanuel Franco, Geraldo Teixeira, Jota Pinto, Jorge Eiró, José Fernandes, Marinaldo Santos,

é “Boas Iniciativas na Educação Básica

P.P. Condurú, Ronaldo Moraes Rêgo, Rosângela Brito, Ruma, Sérgio Neiva e Simões. O Centro Cultural do

Pública Municipal”. O prêmio é uma pro-

Carmo fica na praça do Carmo, Cidade Velha, de segunda a sexta, de 9 às 18h e no sábado, das 9 às 13h.

moção da União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime) e tem

Segue em cartaz até dia 13 de setembro a exposição “Chão Afora... Céu Adentro”, de Erinaldo Cirino, no Sesc Boulevard, em Belém. A mostra reúne desenhos em nanquim sobre papel, pinturas, esculturas e objetos, produzidos entre 2013 e 2015. A visitação pode ser

ERINALDO CIRINO / DIVULGAÇÃO

NANQUIM

por objetivo valorizar e reconhecer a prática jornalística voltada à identificação e discussão de boas iniciativas na educação básica pública. As inscrições seguem até 18 de setembro, no site premio.undime.org.br/.

feita de terça a sábado, de 9h às 19h. Aos domingos, de 9h às 13h.

ENERGIAS RENOVÁVEIS

Informações: (91) 3224-5654. Entrada franca.

A Universidade Federal Rural da Amazônia (Ufra), promove o I Congresso Amazônico de Meio Ambiente e Energias

Em busca de incentivar a criação e o amadurecimento de ideias ino-

DIVULGAÇÃO

INOVAÇÃO

Renováveis (Camaer), no período de 14 a 18 de setembro de 2015. O evento terá

vadoras com potencial para gerar negócios, a Universidade Federal

mesa-redonda, palestras e minicursos

do Pará (UFPA), por meio da Agência de Inovação Tecnológica –

na área de meio ambiente e energias,

Universitec, lançou o Desafio Universitário Inove+ 2015. A iniciativa

abordando concepções, dilemas e assun-

promoverá uma competição de ideias de soluções inovadoras de

tos referentes à produção energética na

todas as áreas do conhecimento. As inscrições vão até o dia 12 de

região amazônica. Informações no site

setembro. Informações (91) 3201-8022.

www.camaer.com.br.

62 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015


FAÇA VOCÊ MESMO

Tear de papelão

O tear é um dos mais antigos equipamentos de costura e tecelagem e agora você poderá produzir várias peças para decorar a casa, escritório com um equipamento artesanal fácil de fazer com papelão. Com ele, ensinado nas Oficinas Curro Velho, será possível fazer toalhinhas de mesa, enfeites, tapetes... Para começar, o material será mais básico: apenas com um simples fio de malha vermelho. Assim que a natureza da técnica é aprendida, percebe-se como é possível alternar cores, tecidos e texturas, resultan-

DO QUE VAMOS PRECISAR?

• • • • • •

do em trabalhos com modelos mais personalizados, complexos e, consequentemente, mais bonitos. Com um baixo custo, tudo o que será necessário para montar o tear será um pedaço de papelão e alguns restos de linha. Numa época de livros de colorir arte para acabar com o estresse de adultos, esta atividade pode ser relaxante. Para as crianças, uma brincadeira que ensina como é feito um tecido, além de estimular coordenação motora, criatividade e outros sentidos.

Papelão Régua Lápis Barbante Fio de malha ou tecido em tira Tesoura com pontas arredondadas

INSTRUTOR: SÔNIA BARROS / COLABORAÇÃO: DILMA TEIXEIRA E LAÍS AZEVEDO / FOTOS: IONALDO RODRIGUES SETEMBRO DE 2015

• REVISTA AMAZÔNIA VIVA • 63


FAÇA VOCÊ MESMO

4 7 10

Separe uma tira do papelão e faça cortes nas duas extremidades em formato de “V”, fazendo com que fique dentada. Isto é chamado “navete”. Separe para usar depois.

2

Amarre a ponta do barbante em torno do primeiro dente.

5

Passe a régua entre os fios do tear, deixando um fio por baixo e outro por cima, sucessivamente.

Repita o processo até formar o tapete no tamanho desejado. Depois, corte os barbantes que ficaram na lateral.

8 11

No restante do papelão, faça marcações com o lápis na borda superior e inferior. Use a régua para medir, marcando a 3 cm da borda e com 2 cm de distância entre cada ponto marcado.

A partir do ponto amarrado, comece a trançar em zigue-zague, passando o barbante por trás dos dentes. Isso formará uma sequência de fios lado a lado na parte da frente e, nas costas, um tracejado nas bordas.

Levante a régua formando um túnel. Depois, passe o fio de malha (com o auxílio da navete) através do túnel formado pela régua. Depois, baixe e tire a régua.

Amarre as pontas dos barbantes, formando a borda do tapete.

3

Com a tesoura, faça cortes retos, da borda até cada ponto marcado, formando assim os dentes por onde você passará o barbante.

6

Prepare a navete. Enrole o fio de malha (ou a tira de tecido) em torno da navete, formando um “8”. Faça isso até preencher ela toda. Esconda as pontas por dentro do trançado já feito.

9

Passe a régua novamente entre os fios do tear, mas desta vez, o fio deixado por baixo deve ficar por cima e o que antes ficou por cima da régua, deve ficar por baixo.

12

Arremate as pontas do fio de malha escondendo-as entre os fios trançados do tapete. Pronto, você já pode fazer pequenas confecções e de forma sustentável.

PARA SABER MAIS Quem quiser conhecer mais sobre técnicas artísticas pode se inscrever nas oficinas Curro Velho, da Fundação Cultural do Pará. Crianças a partir de 12 anos podem participar. A Fundação Curro Velho fica localizada na rua Professor Nelson Ribeiro, nº 287, esquina com a travessa Djalma Dutra, bairro do Telégrafo. Telefones: (91) 3184-9100 e 3184-9109. 64 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015

RECORTE AQUI

1

ATENÇÃO: Essa atividade pode ser feita por crianças, desde que acompanhadas por um adulto responsável


Didi

Não era tão comum se separar naquela época, mas Maria tomou a de-

cisão e desfez o casamento. Embarcou num navio gaiola rumo a promessas fluidas de felicidade possível em Belém do Pará. Deixou Cametá de coração partido. Pela prole que ficou na casa dos pais do ex-marido, pelo menos, até tudo se ajeitar. Didi, o menorzinho, mergulhou em um vácuo existencial que embaralhava saudade e a ingênua culpa de não lembrar mais o rosto da mãe, a quem passou a esperar desde que entendeu que ela fora embora. João, o tio, garantia: a qualquer hora ela volta. E, Didi: quando? Hora dessas ela chega pelo porto do Raimundo Costa e te leva pra Belém. E o menino fantasiava a mãe cuja face se perdera no esquecimento, e imaginava as buzinas de Belém – o tio contou que havia muitos carros e grandes casas sobrepostas, as quais chamavam apenas edifício. É difícil, tio? Os dois riam e o caboclinho escondia no riso a vontade de que o tempo voasse para reencontrar a mãe. Didi sabia que os dias para as

LEONARDO NUNES

BOA HISTÓRIA

crianças são eternidades e inventava com o mano mais velho, Jackson, mil maneiras para que os dias passassem. Mas as brincadeiras não eram suficientes. Na ânsia de gastar o tempo, o pequeno arrumou até um jeito de ganhar uns vinténs, ajudando o cego Caetano a caminhar do Pacajá até a estrada do Guajará, onde ficavam os avôs maternos na casa em que Maria nasceu e morou nos anos de solteira. Didi criou o hábito secreto de pular da rede e ir para o porto esperar a mãe. Ia com os nomes dos barcos decorados: o Lustres, o Botafogo e a famosa Chatinha. Se Maria chegasse, seria num desses, contou João ao menino. Cedo, com o dia ainda escuro, ele sentava no trapiche para observar os passageiros. Ele não recordava a fisionomia da mãe, mas ela o reconheceria. Disso ele tinha fé absoluta. Foi num sábado: ela regressou. Didi, essa é tua mãe, disse a avó. Rápida, ela pegou os dois meninos pelas mãos e, do Pacajá, rumou para o Guajará pelo mesmo cami-

nho do cego Caetano. No dia seguinte, ela e as crianças estariam na capital. A mulher só não contava com a resistência de Jackson: o mais velho se desgarrou para permanecer no idílio do interior do interior, com o pai. Já acomodado na embarcação, no regaço da mãe, Didi chorou ao pensar que não reveria mais o irmão, que só iria para Belém meses depois de muita insistência de Maria. Com a distância, a cidadezinha foi ficando menor e o menino ganhou beijos e um sanduíche para enfrentar a viagem com coragem de homenzinho que era. O pequeno viajante abraçou a mãe, entupido de alegria, e prometeu para si jamais esquecer aquele rosto tão bonito. SETEMBRO DE 2015

ANDERSON ARAÚJO

é jornalista, escritor e blogueiro

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NOVOS CAMINHOS

Ruas do futuro. Ruas para pedestres. Em uma boa cidade, compramos pão e leite a pé. Foi a partir desta sim-

THIAGO BARROS

é jornalista, mestre em Planejamento do Desenvolvimento Sustentável (NAEA-UFPA) e professor da Universidade da Amazônia @thiagoabarros

ples ideia que o economista Enrique Peñalosa começou a revolucionar a mobilidade urbana e qualidade de vida em Bogotá, capital da Colômbia, uma das maiores metrópoles das Américas. Prefeito de um município com mais de 7 milhões de habitantes e sufocado por congestionamentos, ele tomou uma decisão radical: em vez de priorizar a circulação de veículos e abrir novas avenidas, resolveu humanizar as ruas e priorizar calçadas, pedestres e ciclistas. O ambicioso projeto foi concebido como “Alameda”, mas é apenas um dos componentes de uma grande intervenção urbanística promovida por Peñalosa em Bogotá. Para entregar as ruas de volta aos moradores, ele precisou criar um eficiente sistema de transporte, o TransMilênio, uma espécie de BRT, com rotas que somam 84 km. Com isso, retirou cerca de 7 mil ônibus de circulação. Pontos estratégicos da cidade, como parques, bibliotecas e centros de lazer, foram interconectados pelas “alamedas rosas”, passeios públicos marcados pelo calçamento cor-de-rosa, que concentram ciclovias – ao todo, a cidade tem 300 km delas –, áreas verdes e espaços para a prática esportiva. À frente de Bogotá entre 1998 e 2001, Peñalosa bateu de frente com grupos políticos e econômicos para levar o projeto adiante. E valeu a pena. Não somente pelos diversos prêmios internacionais que a capital colombiana recebeu pelo projeto, mas, sobretudo, pelos resultados

66 • REVISTA AMAZÔNIA VIVA •

SETEMBRO DE 2015

registrados em uma das alamedas rosas, El Porvenir – numa tradução livre, a rua do futuro. A passarela é a mais extensa da América Latina. Seus 19 quilômetros ligam Soacha, Bosa, Kennedy e Fontibón, bairros de baixa renda, influenciando 3 milhões de habitantes do subúrbio. Ligada a três linhas do TransMilênio, com várias estações, El Porvenir é constituída do início ao fim por uma ciclovia e largos passeios, que substituíram o asfalto. Os carros circulam por uma faixa fora do pavimento principal – os atores principais são os pedestres. A alameda, além de ser usada para o transporte alternativo, foi adotada como área de lazer e convivência nos bairros, antes considerados a zona vermelha de Bogotá, com alto índice de violência. Agora as crianças têm espaço para soltar pipa, jogar futebol; vizinhos interagem, fazem piqueniques nas áreas verdes, andam de bicicleta… Antes, não podiam sair de casa. A rua era propriedade dos carros e dos traficantes de drogas. El Porvenir, assim como outras alamedas, sofre com o abandono da atual prefeitura, mas já faz parte da cultura do cidadão de Bogotá. As intervenções de Peñalosa foram importantes para inverter a ordem vigente do pensar e da organização dos grandes aglomerados urbanos. No mínimo, um bom exemplo para se caminhar rumo a um futuro sustentável, como gosta de reforçar o ex-prefeito: como um peixe precisa nadar, é preciso andar. Não a fim de ser saudável, mas para ser feliz. Sem dúvida, uma boa ideia para as cidades da Amazônia.

Agora as crianças têm espaço para soltar pipa, jogar futebol; vizinhos interagem… Antes, não podiam sair de casa. A rua era propriedade dos carros e dos traficantes de drogas.


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